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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A (IM)POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS EM HOSPITAIS Guilherme Marobin Lajeado, novembro de 2009

A (IM)POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS …€¦ · 1 INTRODUÇÃO A terceirização de serviços é prática muito difundida nas sociedades pós-industriais, isto é,

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

A (IM)POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS EM HOSPITAIS

Guilherme Marobin

Lajeado, novembro de 2009

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

A (IM)POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS EM HOSPITAIS

Guilherme Marobin

Monografia apresentada na disciplina de

Trabalho de Curso – II Monografia do

Curso de Direito, como exigência parcial

para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientadora: Profª Msª Fernanda Pinheiro

Brod

Lajeado, novembro de 2009

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pela educação, apoio e principalmente pelo

incentivo para que eu buscasse o caminho do estudo e do trabalho, a fim de tornar-

me um ser humano melhor e mais capaz.

Agradeço à minha namorada pelo carinho, compreensão e afeto nos

momentos em que mais precisei.

Agradeço à minha orientadora pela dedicação, disponibilidade e auxílio em

conduzir o presente trabalho.

Agradeço aos meus professores da graduação pela dedicação e esforço

despendidos para transmitirem o melhor da ciência do Direito.

A todos sou muito grato e desejo-lhes saúde, paz e felicidade.

Muito obrigado!

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RESUMO

Este trabalho pretende analisar a possibilidade ou a impossibilidade de terceirização de serviços especializados ligados à atividade-fim de uma empresa, no caso, a terceirização de serviços médicos em hospital, algo muito freqüente no país, sobretudo nos municípios do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Essa relação jurídica, que é estabelecida sob a égide do direito civil, via de regra, se desenvolve no tempo de forma harmônica. Todavia, quando questionada em uma reclamação trabalhista, cria um desafio ao julgador: saber se a espécie de trabalhador que emerge desta relação jurídica é um trabalhador advindo de uma terceirização regular ou se é um trabalhador empregado, numa tentativa de fraudar a aplicação das disposições do texto celetário, por ser nula a relação de terceirização. A resposta para solucionar esse conflito passa, primeiramente, pela análise subjetiva do preenchimento ou não dos requisitos da relação empregatícia. Se a resposta for negativa, quanto ao preenchimento desses requisitos, em especial o da subordinação, a hipótese ora defendida é que a espécie de trabalhador é o terceirizado, numa forma de terceirização lícita, muito embora a prestação de serviços especializados vinculados à atividade-fim de empresa seja vedada pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Direito do trabalho. Terceirização de serviços. Atividade-fim. Serviços médicos. Hospital.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIRR Agravo de Instrumento em Recurso de Revista

art. artigo

CC Código Civil

CC/02 Código Civil de 2002

cf. Conforme

CF Constituição Federal

CF/88 Constituição Federal de 1988

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

Dec. Decreto

Des. Desembargador

EC Emenda Constitucional

FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

fl. folha

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inc. inciso

j. julgado

Min. Ministro

MPT Ministério Público do Trabalho

n° número

p. página

Rel. Relator

RO Recurso Ordinário

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TRT 3 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

TRT 4 Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

TST Tribunal Superior do Trabalho

§ parágrafo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................9

2 ASPECTOS CONCEITUAIS E NOÇÕES PRELIMINARES.................................. 11

2.1 Breves considerações sobre o direito do trabalho no Brasil........................12

2.2 Princípios do direito do trabalho..................................................................... 15

2.2.1 Princípio da proteção..................................................................................... 16

2.2.2 Princípio in dubio pro operario..................................................................... 17

2.2.3 Princípio da condição mais benéfica............................................................18

2.2.4 Princípio da norma mais favorável............................................................... 19

2.2.5 Princípio da primazia da realidade................................................................19

2.3 Flexibilização das normas trabalhistas........................................................... 20

2.4 Terceirização do trabalho................................................................................. 21

2.4.1 Origem e evolução normativa da terceirização do trabalho no Brasil...... 24

2.4.2 Atividade-meio e atividade-fim...................................................................... 26

2.5 Princípio da autonomia da vontade................................................................. 28

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3 Relação de emprego e relação de trabalho....................................................... 30

3.1 Requisitos da relação de emprego.................................................................. 31

3.1.1 Pessoa física................................................................................................... 32

3.1.2 Não-eventualidade do serviço....................................................................... 33

3.1.3 Subordinação.................................................................................................. 34

3.1.4 Pagamento de salário.....................................................................................35

3.1.5 Prestação pessoal de serviços..................................................................... 36

3.2 Relação de trabalho...........................................................................................37

3.2.1 O autônomo.....................................................................................................37

3.2.2 O sócio de pessoa jurídica............................................................................ 38

3.2.3 O cooperado....................................................................................................41

4 A(IM)POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS NO ÂMBITO HOSPITALAR............................................................................................ 44

4.1 Análise crítica do inciso III da Súmula 331 do TST........................................ 45

4.2 Análise jurisprudencial acerca da prestação de serviços médicos no âmbito hospitalar.................................................................................................................. 51

4.3 Formas de terceirização dos serviços médicos............................................. 56

4.3.1 Médico autônomo........................................................................................... 56

4.3.2 Sociedades simples de prestação de serviços médicos............................59

4.3.3 Cooperativas de prestação de serviços médicos....................................... 60

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 63

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 67

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1 INTRODUÇÃO

A terceirização de serviços é prática muito difundida nas sociedades pós-

industriais, isto é, naquelas em que predominam as relações de trabalho ligadas ao

setor terciário, o setor da prestação de serviços. Além da crescente especialização

dos serviços e da busca por maior competitividade e redução de custos pelas

empresas, a doutrina cita que fomenta o processo de terceirização de serviços a

fragmentação da relação de trabalho típica, formada por um empregado subordinado

a um empregador, mormente em razão dos elevados índices de desemprego e de

informalidade no mercado de trabalho.

O Brasil não está alheio a esse processo de terceirização. Todavia, embora

a terceirização esteja presente no cotidiano das empresas brasileiras desde a

década de 50, a legislação pátria sobre a matéria é escassa e prevê poucas

hipóteses de terceirização de serviços ou de produção de bens, o que deixa margem

para incertezas e interpretações diversas sobre o assunto. A escassez normativa fica

evidente, por exemplo, na grande aplicação, pelos tribunais trabalhistas, do

entendimento vertido na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), para

solucionar reclamações trabalhistas que discutam a controvérsia gerada acerca da

espécie do trabalhador que emerge da relação de trabalho terceirizado.

Ocorre que, a configuração da relação de emprego passa, primeiramente,

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pelo preenchimento dos requisitos da relação de emprego, estes, por sua vez,

trazidos pelos arts. 2° e 3º da CLT.

Em razão disso, o problema surge na hipótese de terceirizar-se serviço

especializado consistente na atividade-fim da empresa, nesta pesquisa, a prestação

de serviços médicos em hospitais, e se esse serviço terceirizado, quando prestado

sem subordinação hierárquica e pessoalidade, pode ser considerado como uma

forma de terceirização lícita perante a legislação trabalhista.

Assim, no próximo capítulo, discorre-se sobre alguns aspectos conceituais e

noções preliminares relacionados com o tema, tais como os princípios da relação de

trabalho, bem como a flexibilização e a terceirização das relações de trabalho. Já no

capítulo seguinte, serão identificados os requisitos caracterizadores da relação de

emprego, além da distinção da relação de emprego da relação de trabalho,

identificando algumas formas de prestação do labor para, ao final, verificar-se a

possibilidade de terceirização de serviços no âmbito hospitalar, ou seja, a

terceirização na atividade-fim de um hospital.

No que toca à metodologia, o presente trabalho foi realizado através de

pesquisa qualitativa e do método dedutivo, pois, primeiramente, buscou-se a

compreensão do objeto do estudo a partir de pequenas amostras de conteúdos a ele

relacionados para, após a apresentação das premissas gerais pertinentes, expor as

considerações finais pretendidas.

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2 ASPECTOS CONCEITUAIS E NOÇÕES PRELIMINARES

Antes de adentrar-se no cerne da discussão ora proposta, faz-se necessário

conhecer aspectos relevantes e conceituais pertinentes ao direito do trabalho, a fim

de compreender-se com maior amplitude o objeto em análise.

Assim, primeiramente, ver-se-ão algumas considerações sobre o direito do

trabalho no Brasil, especialmente sua origem e evolução no tempo. Após isso, dada

a relevância de conhecer-se os princípios aplicáveis ao direito do trabalho para

compreensão do todo, serão analisados aqueles princípios que guardam estrita

correlação com o objeto em análise, a saber, os princípios da proteção, in dubio pro

operario, da condição mais benéfica, da norma mais favorável e da primazia da

realidade.

Visto isso, não menos relevante é conhecer o que é flexibilização das

normas trabalhistas, terceirização, origem e evolução da terceirização do trabalho no

Brasil, bem como o conceito construído pela doutrina e pela jurisprudência do que é

atividade-meio e atividade-fim.

E, para finalizar este capítulo, propõem-se a exposição do princípio da

autonomia da vontade, princípio este próprio do direito civil, e que se mostra de

extrema relevância para a discussão proposta, visto que os contratos de

terceirização, via de regra, são criados sob a égide do direito civil.

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2.1 Breves considerações sobre o direito do trabalho no Brasil

Diferentemente do que ocorreu em diversos países, a exemplo de México,

Inglaterra e França, o surgimento das primeiras legislações concernentes aos

direitos dos trabalhadores no Brasil, não teve sua origem na luta de classe, a qual se

caracterizava por grandes grupos de trabalhadores organizados (Süssekind, 2005).

No tempo do Brasil Império, predominavam as atividades agrícolas, estas

realizadas por escravos que sequer cogitavam algum direito trabalhista, visto que

lhes era sonegado o direito mais básico: a liberdade.

Assim, a época do Brasil Império não foi relevante para o sistema jurídico-

legal trabalhista que atualmente existe, até porque nenhuma legislação daquela

época teve encadeamento para aquelas que após a sucederam. Todavia, embora

reconheça isso, Delgado (2008) aduz que o marco inicial, em sentido estrito, para a

legislação trabalhista no Brasil foi a Lei Áurea, que concedeu o direito à liberdade

aos escravos, acabando com esse modelo de exploração de mão-de-obra,

inaugurando o paradigma do trabalho livre ao final do século XIX.

De acordo com Delgado (2008), no período de 1888 a 1930 predominava no

país incipientes e dispersas indústrias, até porque, nesse período, a relação

empregatícia que predominava ficava concentrada no segmento agrícola,

especialmente na cultura cafeeira, no Estado de São Paulo.

Merece destaque, no período acima descrito, o projeto de autoria de Nicanor

do Nascimento, que no ano de 1911, primordialmente, presumiu a condição de

inferioridade econômica do trabalhador frente ao seu empregador, bem como

contribuiu com a idéia de que não é lícito ao trabalhador abrir mão de seus direitos.

O projeto em questão também lançou base para a criação do repouso semanal

remunerado, a fixação de uma jornada de trabalho mínima de 12 horas semanais

para o trabalhador do comércio e a vedação do trabalho aos menores de 10 anos

(Süssekind, 2005).

Também é desse período e merecem destaque a Lei Elói Chaves (Lei n°

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4.682, de 24/01/1923), que instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os

ferroviários, posteriormente estendidas a outras categorias, e a Lei n° 4.982, de

24/12/1925, que concedeu 15 dias anuais de férias aos empregados de

estabelecimentos comerciais, industriais e bancários (Delgado, 2008).

Com a derrocada do segmento agroexportador do café, a partir do ano de

1930, inicia o período de institucionalização do direito do trabalho.

O país estava sob o governo de Getúlio Vargas, o qual implantava a sua

política trabalhista, que visava maior intervenção do Estado nas relações de

trabalho. Nesse período foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio

(Dec. n° 19.433/30), a Lei dos Dois Terços (Decretos n° 19.482/30 e n° 19.740/31), a

Carteira Profissional (Dec. n° 21.175/32), bem como outras normas que visavam

disciplinar a jornada de trabalho em diversos segmentos, todas emanadas por atos

do Poder Executivo (Nascimento, 2007).

Também foram editadas nessa época normas que visavam o fortalecimento

dos sindicatos (Decretos n° 19.770/31, n° 24.694/34, n° 21.761/32 e 24.694/34),

classificando-os como órgãos não só de defesa dos interesses dos seus associados,

“mas também entidades de coordenação dos direitos e deveres recíprocos de

trabalhadores e empregadores, bem como órgãos de colaboração do Estado”

(Nascimento, 2007, p. 73).

Junto com a Constituição de 1934, foi instituída a Justiça do Trabalho, que

em 1939, através do Decreto-lei n° 1.237, foi organizada para dirimir os conflitos

oriundos das relações entre empregados e empregadores. Em 1° de maio de 1941,

a Justiça do Trabalho foi instalada para atuar em todo o território nacional

(Süssekind, 2005).

A Constituição de 1934 foi derrogada em 1937, após o Congresso ter sido

dissolvido em um golpe de Estado, e outorgada nova Carta pelo Presidente da

República. Segundo Camino (2003, p. 41), “a Constituição de 1937 consagrou os

direitos dos trabalhadores em seu art. 137, em pleno regime autoritário (Estado

Novo), com a restrição da liberdade sindical e a definição da greve como delito”.

Ainda durante o Estado Novo, em 1° de maio de 1943, após a elaboração do

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anteprojeto por renomados juristas da época, foi publicada a Consolidação das Leis

Trabalhistas, visando a consolidação das legislações trabalhistas em um sistema

ordenado, que até hoje se encontra presente no âmbito do direito do trabalho

(Süssekind, 2005).

Em 1946 foi promulgada nova Constituição que, segundo Süssekind (2005),

estava entre as mais completas do mundo no que toca ao seu conteúdo social. Com

relação à Constituição de 1946, refere Camino (2003, p. 41) que desde então a

Justiça do Trabalho passou a deter o status de órgão do Poder Judiciário, “mantendo

a sua organização paritária e outorgando-lhe poder normativo, na solução de

conflitos coletivos de trabalho. O direito de greve foi reconhecido, mas se manteve o

sindicato atrelado ao Estado”.

Em 1964, após novo golpe de Estado, os Militares assumiram o governo do

país. Em 1967, o Congresso aprovava nova Constituição, a qual trouxe conceitos

como o da valorização do trabalho como condição da dignidade humana, a proibição

de greve nos serviços públicos e essenciais definidos em lei, a proibição de distinção

de salários e de admissão em razão de sexo, cor e estado civil; fixou a jornada de

trabalho em oito horas diárias, a idade mínima para o trabalho aos 12 anos, a

proibição de distinção entre trabalho manual técnico ou intelectual, dentre outros

(Süssekind, 2005).

E, por último, tem-se a Constituição Cidadã, promulgada pela Assembléia

Nacional Constituinte em 05 de outubro de 1988. Segundo Nascimento (2007), esta

Carta trouxe vários aspectos positivos para o direito do trabalho, a exemplo da

diminuição da jornada de trabalho de 48 horas semanais para as atuais 44 horas, na

adoção dos princípios da auto-organização e autonomia de administração dos

sindicatos, conferindo maior liberdade a estes frente ao Estado, bem como na

limitação do direito de greve ao dito abuso de direito que, caso verificado, implica na

responsabilização daqueles que nele incorrerem.

Além disso, lembra o citado autor que se elevou o adicional de horas extras

para o mínimo de 50%, ampliou-se a licença da gestante para 120 dias, elevou-se

para 14 anos a idade mínima para admissão em emprego e incentivou-se a

participação dos empregados nos lucros das empresas, dentre outras conquistas

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aos trabalhadores.

Na esteira da Constituição de 1988, várias outras legislações de impacto na

disciplina do direito do trabalho foram criadas, merecendo destaque a Lei do FGTS

(Lei n° 8.036/90) e a Lei da Seguridade Social (Lei n° 8.212/91), que tratam,

respectivamente, do fundo compulsório financeiro para empregado com repercussão

no seu contrato de trabalho, caso venha a ser dispensado imotivadamente, e do

seguro social para o qual contribui e poderá usufruir quando preencher os requisitos

e necessitar em decorrência de motivo de saúde ou de aposentadoria.

Nota-se, pelo menos nestas duas últimas legislações citadas, a preocupação

estatal com o bem-estar do empregado no momento em que este não está

exercendo atividades laborativas, seja por motivo de desemprego involuntário ou

decorrente de motivo de saúde.

2.2 Princípios do direito do trabalho

De acordo com Houaiss (2001, p. 2299), a palavra princípio traduz uma idéia

de “começo, início”, de “primeiro momento da existência de algo ou de uma ação ou

processo”, de “causa primeira, raiz, razão”, além de “proposição elementar e

fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos”.

Princípios, portanto, são proposições fundamentais criadas pela consciência

das pessoas e grupos sociais, a partir de uma realidade vivenciada por estas, e que

tem por finalidade a compreensão e reprodução dessa realidade (Delgado, 2008).

A trilhar entendimento similar:

[...] princípios são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões (Süssekind, 2005, p. 141-142).

Deixados a uma posição secundária no que toca às ciências físicas e

biológicas, os princípios são de indiscutível importância para o estudo do direito,

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mormente porque esta ciência ocupa-se em estudar normas deontológicas, ou seja,

do dever ser.

A reforçar a relevância dos princípios no âmbito do direito, cumpre referir que

estes fornecem uma premissa que “favorece à correta percepção do sentido do

instituto e da norma no conjunto do sistema normativo em que se integra” (Delgado,

2008, p. 187).

Todavia, os princípios não podem ser entendidos como máximas absolutas e

imutáveis, pois sua validade se preserva somente se considerarmos suas limitações

“conceituais e históricos específicos, enquanto sínteses de orientações essenciais

assimiladas por ordens jurídicas em determinados períodos históricos" (Delgado,

2008, p. 187).

Em razão da importância acima exposta, passar-se-á à análise dos princípios

próprios do direito individual do trabalho.

2.2.1 Princípio da proteção

Segundo Nascimento (2007), o princípio da proteção foi delineado pelo

conceituado jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, na obra intitulada Los princípios

del derecho del trabajo (1975), com grande aceitação pela doutrina justrabalhista

brasileira. De acordo com o citado autor, Américo Plá Rodriguez sustenta que o

princípio da proteção é princípio mor, eis que tem por finalidade a proteção jurídica

do trabalhador e compensadora da inferioridade que ostenta perante o empregador,

decorrente tanto da dependência econômica como da subordinação às suas ordens.

Por tais motivos, o princípio da proteção é classificado como um princípio de

maior grandeza, pois parte do pressuposto que o empregado, frente ao empregador,

é a parte mais frágil da relação empregatícia. Em face dessa fragilidade inerente ao

trabalhador, o Estado utiliza-se de normas imperativas, de caráter público, para

intervir nessa relação e assegurar direitos básicos ao trabalhador, o que faz através

da legislação trabalhista (Süssekind, 2005).

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Ademais, aduz Nascimento (2007, p. 367) que o princípio protetor, para Plá

Rodriguez, “é subdividido em três outros princípios, o in dubio pro operario, a

prevalência da norma favorável ao trabalhador e a preservação da condição mais

benéfica”.

Já para Delgado (2008), a pré-concepção trazida pelo princípio da proteção,

de inferioridade do trabalhador perante o empregador, abrange todos os demais

princípios especiais de direito do trabalho, não ficando tal concepção restrita apenas

àqueles princípios mais próximos, a exemplo do in dubio pro operario, da norma

mais favorável e o da condição mais benéfica, os quais serão analisados a seguir.

2.2.2 Princípio in dubio pro operario

Segundo Süssekind (2005, p. 145), o princípio in dubio pro operario traça um

norte para o intérprete seguir, que é o da escolha da interpretação mais favorável ao

empregado, quando se deparar “entre duas ou mais interpretações viáveis” da

norma. Todavia, complementa o citado jurista com propriedade que o limite dessa

interpretação não poderá afrontar “a nítida manifestação do legislador” e nem ser

aplicada quando “se trate de matéria probatória”.

Na mesma linha de entendimento, sobre o princípio do in dubio pro operario:

[...] é princípio de interpretação do direito do trabalho, significando que, diante de um texto jurídico que possa oferecer dúvidas a respeito do seu verdadeiro sentido e alcance, o intérprete deverá pender, dentre as hipóteses interpretativas cabíveis, para a mais benéfica para o trabalhador (Nascimento, 2005, p. 349).

Diante disso, fica evidente que o princípio em tela tem aplicação quando

houver dúvida sobre qual interpretação deve ser aplicada para solucionar

determinado conflito de interpretação de norma trabalhista. A solução, no caso, será

aquela que melhor atender aos interesses do trabalhador.

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2.2.3 Princípio da condição mais benéfica

O princípio da condição mais benéfica é entendido como uma garantia de

preservação, ao empregado, das condições vantajosas que porventura tenha

adquirido ao longo da execução do seu contrato de trabalho.

Nesse sentido:

Este princípio importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5°, XXXVI, CF/88). Ademais, para o princípio, no contraponto entre dispositivos contratuais concorrentes, há de prevalecer aquele mais favorável ao empregado (Delgado, 2008, p. 202).

Veja-se que o texto Consolidado faz menção ao princípio em questão, de

certo modo, positivando-o no art. 468, in verbis:

Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Na redação adotada pelo inciso I da Súmula 51 do TST também é encontrado

exemplo em que, implicitamente, está positivado o princípio da condição mais

benéfica, pois, em síntese, ali está disposto que a cláusula regulamentar que

revogue ou altere condição benéfica deferida anteriormente, somente surtirá efeito

para aqueles empregados contratados após essa alteração prejudicial.

Nascimento (2007) segue a mesma linha de entendimento, pois, para ele, o

princípio da condição mais benéfica visa solucionar a controvérsia surgida com a

edição de norma modificadora de vantagens obtidas pelo trabalhador no curso do

contrato de trabalho. Assim, em razão do princípio em tela, resguardam-se as

vantagens até então obtidas pelo trabalhador, evitando-se que estas venham a ser

modificadas, algo que se assemelha ao princípio do direito adquirido, próprio do

direito comum.

Também comunga desse entendimento Süssekind (2005, p. 145), para o qual

o princípio em questão “determina a prevalência das condições mais vantajosas

para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento

da empresa”.

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2.2.4 Princípio da norma mais favorável

Süssekind (2005) aduz que o princípio da norma mais favorável é aquele que,

independentemente da hierarquia jurídica em que a norma se encontre, ao intérprete

do direito caberá aplicar a norma que, em cada caso, se mostrar mais favorável ao

trabalhador.

Segundo Delgado (2008, p. 199), o princípio da norma mais favorável deve

ser aplicado em três dimensões distintas pelo operador do direito, a saber:

[...] no instante de elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista).

Assim, resta evidente que o princípio da norma mais favorável visa dar

solução ao problema que possa surgir quando mais de uma norma jurídica dispuser

sobre o mesmo bem jurídico. A norma que terá prioridade para ser aplicada será, no

caso, aquela que favorecer o trabalhador (Nascimento, 2007).

2.2.5 Princípio da primazia da realidade

Segundo Nascimento (2007, p. 367), o princípio da primazia da realidade

“visa a priorização da verdade real diante da verdade formal”. Isso significa dizer

que, na hipótese de conflito, por exemplo, de documentos e fatos acerca da relação

de emprego, deve o julgador optar pelos fatos, visto que estão mais próximos da

realidade, da verdade real.

Nesse sentido, refere Delgado (2008, p. 208) que:

No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferencialmente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando efeitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva).

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O princípio da primazia da realidade, para Süssekind (2005, p. 145), é aquele

“em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira

relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob capa simulada, não

correspondente à realidade”. Portanto, prosperará a realidade fática diante da

formalidade.

2.3 Flexibilização das normas trabalhistas

Passa-se, então, à abordagem da temática da flexibilização das normas

trabalhistas, que abrange, também, a terceirização do trabalho.

Desde Kelsen, tem-se a concepção de que o direito é uma ciência dinâmica e,

por isso, está em constante modificação, adaptando-se incessantemente aos novos

fatos gerados pela sociedade, sendo fruto de um processo dialético composto por

valores e fatos (Nascimento, 2007).

Atitude diversa dessa não se poderia esperar do direito do trabalho,

especialmente no que toca à temática da flexibilização das normas trabalhistas que,

desde a crise do petróleo na década de 70 na Europa, vem ganhando fôlego e maior

aceitação no cenário mundial.

Em termos gerais, a flexibilização das normas ou condições de trabalho

constitui-se num conjunto de regras que instituem mecanismos que visam

compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes

na relação entre o capital e o trabalho (Martins, 2009).

Nesse sentido:

Flexibilizar os tipos de contrato individual é uma decorrência da transformação do cenário do trabalho na sociedade contemporânea, ampliando-se as formas de contratação, além do padrão tradicional do contrato por tempo indeterminado e horário integral que vem das origens do direito do trabalho no início da sociedade industrial, admitidas, que hoje são, novas formas contratuais como o contrato a tempo parcial, o contrato de reciclagem profissional, a ampliação das hipóteses autorizadas para os contratos a prazo, o trabalho temporário, o job sharing, a terceirização, o teletrabalho ou o trabalho à distancia, uma tipologia moderna mais

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adequada à realidade atual, apesar dos críticos da renovação dos tipos contratuais, que vêem como uma forma de precarização do emprego (Nascimento, 2007, p. 170-171).

Cumpre registrar a equivocada associação, como se sinônimo fosse, de

flexibilização com ausência de regulamentação. Isso porque o nosso ordenamento

jurídico pátrio contempla, expressamente, possibilidades de flexibilização de

determinadas condições de trabalho. Exemplos disso encontram-se dispostos no art.

7°, incisos VI, XIII e XIV, da CF/88, que tratam, respectivamente, da possibilidade de

redução do salário e da jornada de trabalho do trabalhador contratado nos termos da

CLT, desde que haja entendimento com o sindicato da categoria.

Assim, pode-se definir a flexibilização como menor rigidez da legislação,

“propiciando adaptações no trabalho, em razão das modificações sociais e

econômicas” (Martins, 2009, p. 27). Dentre essas adaptações no trabalho, inclui-se a

terceirização do trabalho, próximo tópico deste estudo.

2.4 Terceirização do trabalho

A palavra terceirização é um neologismo oriundo da palavra terceiro que, na

doutrina do direito do trabalho, designa o “fenômeno pelo qual se dissocia a relação

econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”

(Delgado, 2008, p. 430).

De acordo com Nascimento (2007), a terceirização é a possibilidade que tem

o empregador de contratar terceiro para realização de atividade que não constitua a

atividade-fim da empresa.

Já para Delgado (2008, p. 430), terceirização significa:

[...] o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.

Assim, pode-se dizer que a terceirização se constitui na relação jurídica criada

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pela contratação de um terceiro alheio à relação empregatícia típica, formada por um

empregado e um empregador, para realizar atividades ligadas à atividade-meio de

uma empresa, podendo essa atividade consistir em prestação de serviços ou em

produção de bens (Martins, 2009).

A terceirização do trabalho é um fenômeno de escala mundial, cujo início está

associado à produção armamentista durante a Segunda Grande Guerra Mundial,

ocorrida entre os anos de 1939 a 1945, no continente europeu. Naquela época,

muitas empresas estavam sobrecarregas de pedidos de produção de armamento,

constatando que, para atendê-los, necessitariam delegar a terceiros uma parcela da

produção, reservando para si apenas aquelas essenciais (Cavalcanti Junior, 1996).

No Brasil, a terceirização de serviços tem seu início a partir da década de 50,

com a instalação das primeiras empresas montadoras de veículos vindas do

estrangeiro. Tais empresas trouxeram consigo a preocupação de focar-se apenas a

essência do negócio, delegando a terceiros os serviços secundários para, assim,

tornarem-se mais competitivas no mercado (Martins, 2009).

Pode-se também dizer que a terceirização tem início quando, na sociedade,

há desemprego. Mas não é só o desemprego que favorece a terceirização de

serviços.

Nesse sentido:

Estimulada pela crise econômica e sob o influxo dos novos conceitos empresariais praticados, a antiga contratação de serviços de terceiros passa por um processo de aperfeiçoamento, deixando de ser apenas uma forma de redução de custos, mas também, e sobretudo, técnica que visa à qualidade, eficiência, especialização e produtividade, o que, no Brasil, passou a ser chamado de terceirização, fenômeno que vem sendo aplicado em escala considerável de nossa economia (Cavalcanti Junior, 1996, p. 71).

A compartilhar esse entendimento, Martins (2009, p. 31) refere que:

A principal vantagem, sob o aspecto administrativo, seria a de se ter alternativa para melhorar a qualidade do produto ou serviço vendido e também a produtividade. [...]. Não se pode negar, contudo, que a terceirização gera desburocratização na estrutura organizacional da empresa, simplificando a estrutura empresarial.

Prossegue o citado autor afirmando que, com a terceirização, a empresa

concentrará seus recursos e forças na sua área produtiva, na área em que é

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especializada e, com isso, possibilitará a melhoria do seu produto e de sua

competitividade no mercado. Cita, além disso, que, para o trabalhador, esse

processo também traz vantagens, pois poderá gerir seu próprio negócio, não sendo

mais empregado, mas sim patrão; terá independência na prestação do serviço, não

estando mais sujeito a ordens; terá maior motivação para produzir, visto que é o

proprietário do negócio; e desenvolverá o seu lado empreendedor.

Veja-se, portanto, que a terceirização também pode ser entendida como um

processo que visa à qualidade, à eficiência, à especialização e à produtividade; por

isso, a terceirização é um fenômeno irreversível em escala global, cabendo à

sociedade se adaptar da melhor forma possível a esse processo.

Não obstante os benefícios acima destacados acerca da terceirização, não é

lícito negar a existência de aspectos negativos associados ao processo de

terceirização.

Assim, Martins (2009, p. 33) cita como desvantagens para o trabalhador:

[...] a perda do emprego, em que tinha remuneração certa por mês, passando a tê-la incerta, além da perda dos benefícios sociais decorrentes do contrato de trabalho e das normas coletivas da categoria. O trabalhador deixa de ter uma tutela trabalhista de modo a protegê-lo. O ambiente de trabalho em que passa a trabalhar o obreiro na terceirizada pode ser degradado, mormente quando as subcontratadas não tem a mesma estrutura das empresas tomadoras do serviço (Martins, 2009, p. 33).

Delgado (2008) destaca como pontos negativos da terceirização a falta de

isonomia entre as remunerações dos trabalhadores terceirizados que executam as

mesmas funções que os empregados da empresa tomadora dos serviços, bem

como o enfraquecimento das organizações sindicais, com a desagregação dos

filiados da categoria.

No âmbito da administração das empresas, Giosa (1997) cita como

desvantagens para implantação da terceirização a resistência e o conservadorismo,

a dificuldade de localizar o parceiro ideal, a falta de parâmetros de custos internos, o

conflito com sindicatos e o desconhecimento da alta administração e da legislação

trabalhista.

Em face dessas particularidades que permeiam a terceirização de serviços, é

que Martins (2009) adverte para aqueles que pretendem implantar essa forma de

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prestação de trabalho, que se deve buscar, primeiramente, a qualidade do serviço e

um parceiro de confiança para executá-lo.

2.4.1 Origem e evolução normativa da terceirização do trabalho no Brasil

A instalação de empresas multinacionais do ramo automobilístico na década

de 50 foi determinante para o desenvolvimento da terceirização no setor privado do

Brasil. Além de agregarem novas tecnologias à indústria nacional, essas

multinacionais trouxeram novas concepções de produção, entre elas, a de buscarem

a redução de custos com mão-de-obra, focando a empresa apenas na essência do

negócio (Martins, 2009).

Na década seguinte, serviços como os de limpeza e de conservação, bem

como o de segurança privada em bancos e instituições de crédito, foram

gradativamente sendo terceirizados, pois a normatização da época, quando

existente, assim autorizava. Destacam-se nesse período o Decreto-Lei n° 1.212 e o

nº 1.216, de 1966, e, posteriormente, o Decreto-Lei n° 1.034/69, pertinentes à

terceirização de serviços privados de segurança em bancos e instituições de

crédito.

Em 1968, foi editado o Decreto n° 62.756, que passou a disciplinar as

agências de colocação ou intermediação de mão-de-obra. Segundo Martins (2009),

desde a edição desse decreto, a contratação de funcionários através das referidas

agências tornou-se lícita.

Segundo o autor acima, a primeira lei editada no Brasil prevendo a

terceirização de serviços, embora de uma forma indireta, foi a Lei n° 6.019, de 3 de

janeiro de 1974, que disciplina o instituto do trabalho temporário por pessoas físicas

ou jurídicas. Cumpre ressaltar que o diploma legal em questão é o único caso na

legislação pátria que autoriza a terceirização de serviços ligados à atividade-fim de

uma empresa.

Todavia, em razão da sua aplicabilidade, definida no seu art. 2°, a contratação

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do serviço temporário somente ocorrerá para atender necessidade transitória de

substituição de funcionários efetivos da empresa contratante ou quando houver,

extraordinariamente, acréscimo de serviço, não podendo, por isso, ser algo

constante na rotina da empresa.

Após a legislação do trabalho temporário, foi editada a Lei n° 7.102/83,

regulada pelo Decreto n° 89.056/83, prevendo a prestação de serviços de segurança

privada (de vigilância e de transporte de valores) para instituições bancárias. Tal lei

revogou o Decreto-Lei n° 1.034/69, que anteriormente disciplinava a matéria.

Na década de 90, cabe citar a edição da Lei n° 8.949/94 que introduziu o

parágrafo único ao art. 442 da CLT, gerando, na prática, um aumento significativo de

terceirizações através de cooperativas, bem como a Lei n° 8.212/91, que traz em

seu bojo a figura do trabalhador autônomo, uma das formas mais comuns de

prestação de trabalho sem vínculo empregatício.

Afora as normas relativas à execução de serviços para a Administração

Pública, em especial, dispostas no Decreto-Lei n° 200/67 (art. 10), na Lei n°

5.645/70, na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n° 8.666/93) e na Lei

de Concessões e Permissões de Serviços Públicos (Lei n° 8.987/95), a legislação

nacional não vai além do acima exposto, no que toca à normatização da

terceirização de serviços e produção de bens.

Em face dessa insuficiência normativa em regular o instituto da terceirização

de serviços, é muito comum os julgadores buscarem a solução para reclamações

trabalhistas que envolvam a controvérsia sobre a natureza do trabalho realizado pelo

prestador à tomadora do serviço, no entendimento vertido na Súmula 331 do

Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em síntese, preceitua a referida súmula que é

lícita a terceirização de serviços de vigilância e de limpeza e conservação, bem

como de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa tomadora do

serviços, desde que inexista pessoalidade e subordinação direta do trabalhador com

a tomadora do serviço.

Dessa forma, a terceirização de serviços especializados ligados à atividade-

fim da pessoa jurídica não é aceita pela jurisprudência majoritária, visto que essa

vertente busca amparo no entendimento consubstanciado na Súmula 331 do TST.

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Atualmente, tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei visando

disciplinar a terceirização do trabalho no Brasil, dentre os quais merecem destaque o

de n° 4302/98, que tramita em regime de urgência, faltando apenas a sua aprovação

na Câmara dos Deputados para seguir para a sanção presidencial, e o de n°

4509/08, que visa incluir o art. 594-A no Código Civil, viabilizando, assim, a

terceirização de serviços na atividade-fim das empresas, visto que a redação

proposta para o citado artigo será esta: “O contrato pode versar sobre a prestação

de serviços ligados às atividades inerentes, acessórias ou complementares à

atividade econômica da contratante”.

Sem entrar no mérito das discussões acerca do teor dos projetos acima,

travadas entre os sujeitos interessados, deve-se reconhecer que se trata de uma

iniciativa legislativa muito pertinente, em face do cenário atual de escassa legislação

sobre este tema tão importante para o desenvolvimento econômico e social do

país.

2.4.2 Atividade-meio e atividade-fim

Concernente à atividade-meio, tem-se que é aquela que não guarda estrita

ligação com a atividade central da pessoa jurídica, constante no seu contrato social,

ou seja, é uma atividade de apoio ou complementar a esta (Martins, 2009).

Nesse sentido, afirma Delgado (2008, p. 442-443) que atividade-meio se

caracteriza por ser:

[...] aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo.

Sob essa ótica, a título ilustrativo, cogita-se que um hospital possua como

núcleo da sua dinâmica empresarial a prestação de assistência hospitalar a carentes

e desvalidos que procurarem o seu serviço. Nesse caso hipotético, os serviços de

manutenção de equipamentos, de contabilidade e de publicidade, por exemplo, se

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constituem na atividade-meio desse hospital, ou seja, uma atividade acessória à sua

finalidade essencial.

Por outro lado, a atividade-fim, segundo o citado autor, pode ser entendida

como:

[...] as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico (Delgado, 2008, p. 442).

Diante disso, a atividade-fim de um hospital será aquela que guarda estrita

ligação com o núcleo da sua dinâmica empresarial. Portanto, no exemplo hipotético

acima, tem-se que a prestação de serviços de assistência hospitalar a carentes e

desvalidos será a atividade-fim do hospital.

Todavia, na prática, muitos hospitais adotam um caráter bem genérico de

atividades que constituem a sua finalidade, isto é, o seu núcleo da dinâmica

empresarial. Nesse sentido, veja-se o que dispõe o estatuto social da Sociedade

Beneficência e Caridade de Lajeado, associação mantenedora do Hospital Bruno

Born:

Art. 4º – A Associação terá por finalidade, entre outras:

a) manter e administrar um hospital geral, denominado Hospital Bruno Born, bem como outros estabelecimentos que possui, venha criar ou receber;

b) prestar assistência hospitalar aos enfermos;

c) prestar assistência hospitalar à carentes e desvalidos;

d) concorrer para a promoção da educação sanitária;

e) promover a reabilitação do incapacitado físico;

f) proporcionar oportunidade de especialização a técnicos de qualquer ramo científico;

g) firmar convênios com órgãos científicos e culturais visando o incremento e o intercâmbio do ensino e da pesquisa;

h) manter uma granja agropecuária, observadas as condições estabelecidas pela administração;

Parágrafo primeiro: Para conseguir seus objetivos a Sociedade Beneficência e Caridade de Lajeado poderá manter Hospital Geriátrico, Cemitério, órgãos estes, constituídos e administrados segundo a legislação do país.

Parágrafo segundo. As ações assistenciais retro especificadas serão executadas sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública, origem nacional ou social, nascimento ou outra condição (Estatuto Social, 1931, p. 1-2).

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A atividade-fim, no caso do Hospital Bruno Born, abrange distintas atividades

além da prestação de serviços hospitalares, demonstrando, em face disso, a

incorreção e a complexidade de se determinar a atividade-fim em apenas uma das

atividades desenvolvida por esta instituição.

No entanto, para os fins do presente estudo, entender-se-á a atividade

médica como inclusa na atividade-fim dos hospitais, visto que é a possibilidade de

terceirização desta no âmbito dos hospitais o objeto ora analisado.

2.5 Princípio da autônoma da vontade

No plano dos negócios jurídicos, no âmbito do direito civil, a manifestação

da vontade é pressuposto básico e imprescindível para sua existência. Diante disso,

é necessário que a vontade seja exteriorizada, que seja declarada, pois, se ela

permanece interna, tal qual numa reserva mental do indivíduo, não servirá para tal

finalidade (Gonçalves, 2003).

E com relação à vontade, no nosso ordenamento jurídico pátrio, prevalece o

princípio da autonomia da vontade, segundo o qual “as pessoas têm liberdade de,

em conformidade com a lei, celebrar negócios jurídicos, criando direitos e contraindo

obrigações” (Gonçalves, 2003, p. 306).

Segundo Pereira (2005, p.25), pode-se enunciar o princípio em tela “como a

faculdade que têm as pessoas de concluir livremente os seus contratos”. Por tais

motivos, nos negócios jurídicos, a manifestação da vontade dos sujeitos é de

extrema importância.

Cumpre registrar, todavia, que o princípio da autonomia da vontade das

partes contratantes sofre limitações, estas decorrentes de leis que expressam o

interesse público, bem como em normas morais, não necessariamente escritas, mas

que compõem a consciência da coletividade que, por conseqüência, são a razão da

existência do sistema jurídico.

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Nesse sentido:

[...] o princípio da autonomia da vontade esbarra sempre na limitação criada por lei de ordem pública. Esbarra, igualmente, na noção dos bons costumes, ou seja, naquelas regras morais não reduzidas a escrito, mas aceitas pelo grupo social e que constituem o substrato ideológico inspirador do sistema jurídico (Rodrigues, 2003, p. 17).

Assim, nota-se que tanto o Estado, através de sua atividade legislativa, impõe

que, em determinadas situações, prevaleça o interesse público sobre o dos

particulares, limitando, desse modo, a vontade destes, como também as normas

morais, conhecidas como bons costumes, formadas no âmago da sociedade, podem

impor limitações aos contratantes.

No presente estudo, tendo em vista que o objeto em análise é a possibilidade

de terceirização do serviço médico no âmbito dos hospitais, entender-se-á que a

prestação do trabalho apenas sofre limitação decorrente do interesse público, este

materializado nas normas do CLT, em especial em seus arts. 2° e 3°, que tratam dos

requisitos da relação de emprego, os quais serão analisados no capítulo seguinte.

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3 RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO

O preenchimento, ou não, dos requisitos caracterizadores da relação de

emprego, em cada caso submetido à análise do Poder Judiciário, determinará se o

trabalhador que emerge da relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes

é um empregado ou um trabalhador terceirizado.

Ao comparar a relação de trabalho e a relação de emprego, Delgado (2008)

afirma que relação de trabalho tem um caráter genérico, isto é, se refere a todas as

relações jurídicas possíveis em que o objeto seja a prestação do trabalho humano,

englobando, inclusive, a relação de emprego. Assim, pode-se dizer que relação de

trabalho é gênero, da qual a relação de emprego e as demais são espécies.

Quanto à relação de emprego, prossegue o citado autor afirmando que:

Não obstante esse caráter de mera espécie do gênero a que se filia, a relação de emprego tem a particularidade de também constituir-se, do ponto de vista econômico-social, na modalidade mais relevante de pactuação de prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos. Essa relevância socioeconômica e a singularidade de sua dinâmica conduziram a que se estruturasse em torno da relação de emprego um dos segmentos mais significativos do universo jurídico atual – o Direito do Trabalho (Delgado, 2008, p. 286).

A relação de emprego, destarte, é a espécie mais relevante que integra o

gênero das relações de trabalho, justificando, por sua singularidade e relevância

socioeconômica no sistema capitalista vigente, a existência de normas visando a

sua adequada proteção.

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Não obstante isso, deve-se fazer a devida distinção entre relação de trabalho

e de emprego, tendo em vista que um instituto não se confunde com o outro, muito

embora, devido à tendência expansionista da relação de emprego, é comum,

inclusive em textos de lei, a utilização da expressão relação de trabalho para tipificar

institutos próprios da relação de emprego (Delgado, 2008).

Assim, torna-se relevante, para a pesquisa ora proposta, conhecer cada um

dos requisitos da relação de emprego e algumas particularidades da relação de

trabalho, em especial a figura do trabalhador autônomo, do cooperado e do sócio de

pessoa jurídica, eis que se constituem em formas de prestação do labor médico

corriqueiras no âmbito hospitalar.

Ressalta-se, por fim, que a relação de emprego forma-se pela união

indissolúvel dos cinco elementos fático-jurídicos que lhe são peculiares (Delgado,

2008), os quais serão abordados a seguir.

3.1 Requisitos da relação de emprego

A relação de emprego se caracteriza, casuisticamente, pelo preenchimento

dos requisitos inerentes a ela. Encontram-se positivados tais requisitos no “caput”

dos arts. 2° e 3º da CLT, cuja redação deste último diz isto: “considera-se empregado

toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob

a dependência deste e mediante salário”. Portanto, presentes os requisitos da

“pessoa física”, da “não-eventualidade”, da “subordinação” e do “pagamento de

salário”.

Além desses requisitos, encontrados no art. 3° supracitado, tem-se que a

“pessoalidade da prestação de serviços”, outro importante requisito para

caracterização da relação empregatícia, está positivado no caput do art. 2° da CLT.

Assim, como visto acima, os requisitos da relação de emprego são: pessoa

física, não-eventualidade, subordinação, pagamento de salário e prestação pessoal

do serviço. Tais elementos, de acordo com Delgado (2008), estão situados no

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mundo dos fatos, ou seja, são matérias fáticas ou também chamadas de

pressupostos, cuja existência foi reconhecida e positivada pelo direito.

Segundo o autor antes citado, para que sejam aplicados os institutos,

princípios e direitos assegurados pela legislação trabalhista, torna-se medida

essencial a devida caracterização e identificação dos requisitos caracterizados da

relação empregatícia, visto que isso reflete, até mesmo, no direito processual do

trabalho, haja vista a ampliação da competência da Justiça do Trabalho ocorrida

com a edição da Emenda Constitucional n° 45, em 2004.

3.1.1 Pessoa física

O requisito da pessoa física encontra razão de ser, pois “o direito social

ampara apenas o trabalho humano pessoal; os serviços prestados por pessoa

jurídica não podem ser objeto de um contrato de trabalho” (Carrion, 2005, p. 34).

No mesmo sentido:

O primeiro requisito para ser empregado é ser pessoa física. Não é possível o empregado ser pessoa jurídica ou animal. A legislação trabalhista tutela a pessoa física do trabalhador. Os serviços prestados pela pessoa jurídica são regulados pelo Código Civil (Martins, 2008, p. 128).

Somente o trabalho prestado por pessoa física, portanto, pode ser objeto da

proteção jurídica emanada da legislação trabalhista, pois os contratos de prestação

de serviço firmados por pessoas jurídicas são tutelados pela legislação civil.

Delgado (2008), entretanto, não olvida que a realidade fática pode revelar a

utilização do artifício de dar a roupagem de pessoa jurídica a uma pessoa física, no

intuito de mascarar a prestação do trabalho por pessoa física, descaracterizando,

assim, o presente requisito da relação de emprego.

Todavia, o referido autor adverte que, quando o caso concreto demonstrar

que a prestação do serviço sob exame foi executada tão-somente por uma pessoa

física, e não por uma jurídica, surgirá, assim, o requisito fático-jurídico da pessoa

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física, inerente à relação empregatícia. Ou seja, aplica-se, nesses casos, o princípio

da primazia da realidade, abordado no primeiro capítulo.

3.1.2 Não-eventualidade do serviço

A não-eventualidade decorre do tipo de contrato firmado entre o empregado e

o empregador. Trata-se de contrato de trato sucessivo, prestado com habitualidade,

pois o serviço prestado pelo empregado ao empregador “não se exaure numa única

prestação” (Martins, 2008, p. 128).

Quanto à habitualidade na prestação de serviços, prossegue o citado autor

afirmando que:

No contrato de trabalho, há a habitualidade, regularidade na prestação dos serviços, que na maioria das vezes é feita diariamente, mas poderia ser de outra forma, por exemplo: bastaria que o empregado trabalhasse uma vez ou duas por semana, toda vez no mesmo horário, para caracterizar a continuidade da prestação do serviço. [...]. Às vezes, é o que ocorre com os médicos (Martins, 2008, p. 128).

Assim, tem-se que o serviço protegido pela legislação trabalhista, além dos

demais requisitos fático-jurídicos adiante elencados, deve ser prestado com

habitualidade, ou seja, sua prestação ao empregador deve ocorrer com

regularidade, não sendo, portanto, eventual.

Isso porque, ao trabalhador eventual, não é assegurado nenhum direito

trabalhista perante o tomador da sua força de trabalho, cabendo-lhe tão-somente o

direito de recolhimento da quantia devida à previdência social sobre o valor que

recebe a título da execução de serviços (Carrion, 2009).

Ao trabalhador eventual cabe apenas o recolhimento do valor devido à

previdência social sobre a importância por este recebida a título de prestação de

serviço, tendo em vista que é segurado obrigatório (Carrion, 2009).

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3.1.3 Subordinação

A dependência, prevista no art. 3° da CLT, é didaticamente conceituada pela

doutrina como subordinação. Segundo Martins (2008), a subordinação encontra-se

presente no trabalho desempenhado pelo empregado para o empregador, visto que

o primeiro está subordinado às ordens e instruções do segundo.

Prossegue o citado autor afirmando que a subordinação não é um status do

empregado, mas sim é algo decorrente da própria atividade desempenhada por

este, ao prestar serviços ao empregador. Afirma ainda que:

Subordinação é a obrigação que o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho. É o objeto do contrato de trabalho (Martins, 2008, p. 129).

Sobre a subordinação, refere Carrion (2009, p. 38) que:

[...] é a mais evidente manifestação da existência de um contrato de emprego. [...] Entretanto, há casos em que a subordinação de fato não é visível, restando em estado potencial (trabalho em que o próprio resultado da atividade evidencia a aceitação de normas prefixadas e a quantidade de produção; altos empregados).

Assim, a toda evidência, a relação de emprego será sempre uma relação de

subordinação do empregado às ordens do empregador. Ou, nas palavras de

Delgado (2008, p. 302), é uma “situação jurídica derivada do contrato de trabalho,

pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no

modo de realização de sua prestação de serviços”.

A confirmar a importância desse requisito, prossegue Delgado (2008, p. 301)

afirmando que é a subordinação, “entre todos os elementos, o que ganha maior

proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia”. Diante disso, o

trabalho autônomo e o trabalho terceirizado jamais poderão reunir este requisito, sob

pena de desvirtuamento do seu instituto, caracterizando a relação empregatícia.

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3.1.4 Pagamento de salário

O pagamento de salário, ou também chamado pela doutrina como requisito

da onerosidade do serviço, decorre do fato de que o trabalho prestado na forma de

empregado se dá mediante o pagamento de contraprestação. Por isso, o trabalho

gratuito (voluntário, humanitário, por auxílio ou caridade) não é objeto da tutela da

legislação trabalhista.

De acordo com Delgado (2008), a relação empregatícia possui fundo

eminentemente econômico, em cujo processo produtivo o empregado encontra-se

inserido, tanto como produtor de bens econômicos como também destinatário final

desses bens. Diante disso, pela disponibilização da sua força produtiva em benefício

do empregador, deve o empregado receber uma contraprestação econômica em seu

benefício, consistindo essa no conjunto de verbas passíveis de mensuração

econômica pagas em seu favor pelo empregador.

Prossegue o citado autor afirmando que se deve considerar, para fins de

constituição do elemento fático-jurídico da relação empregatícia, a onerosidade sob

a ótica do sujeito que presta o serviço, o trabalhador, pois todo trabalho realizado por

alguém a outrem é passível de mensuração econômica.

Ou seja, a onerosidade será considerada um dos requisitos fático-jurídicos

integrante da relação empregatícia quando determinado trabalhador colocar a sua

força de trabalho à disposição de outrem, visando o recebimento de contraprestação

passível de mensuração econômica.

Quanto às formas que essa contraprestação pode ser calculada, refere

Carrion (2009, p. 38) que:

O salário, basicamente, pode ser por unidade de tempo (por hora, dia, semana, quinzena ou mês e até parcelas anuais), por unidade de obra (quantidade de serviço, por produção) ou misto (por tarefa: combina unidade de tempo e unidade de obra).

Assim, para preenchimento do requisito da onerosidade, faz-se necessário o

recebimento, pelo empregado, de contraprestação passível de mensuração

econômica, seja esta calculada por unidade de tempo, por unidade de obra ou misto

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(unidade de tempo e unidade de obra).

3.1.5 Prestação pessoal do serviço

A prestação pessoal do serviço, ou também conceituada pela doutrina como o

requisito da pessoalidade, liga-se ao fato de que o contrato de emprego é firmado

com determinada pessoa. Assim, o empregador conta com essa determinada

pessoa, e não com qualquer outra que também possa executar o serviço, para lhe

fornecer a sua força de trabalho.

Em razão disso, afirma Martins (2008, p.132) que, “se o empregado faz-se

substituir constantemente por outra pessoa, como por um parente, inexiste o

elemento pessoalidade na referida relação”.

A respeito disso, refere Camino (2004, p. 194) que:

A prestação do trabalho é personalíssima, porque o objeto do contrato de trabalho não é o resultado do trabalho, mas o ato de trabalhar. Este somente se consubstancia através de um homem trabalhando, daquele empregado, que se obrigou a entregar sua energia, a trabalhar. Na relação de emprego, o empregador admite um determinado trabalhador (sujeito = pessoa física) para trabalhar, numa visão dinâmica da prestação do trabalho (ato de trabalhar) e não um determinado trabalho, visualizado sob o aspecto estático do resultado, passível de ser realizado por qualquer trabalhador. Há a subjetivização do objeto do contrato de trabalho.

Todavia, há que se ressaltar que o requisito da pessoalidade não se confunde

com o da pessoa física, pois mesmo que o trabalho seja “prestado por pessoa física,

não significa, necessariamente, ser ele prestado com pessoalidade” (Delgado, 2008,

p. 292).

Por isso, propõe o citado autor que o requisito da pessoalidade seja apurado

concretamente na relação jurídica estabelecida entre as partes, afirmando que:

A relação pactuada – ou efetivamente cumprida – deve ser, desse modo, intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados (Delgado, 2008, p. 292).

Em face disso, não pode o trabalhador inserido na relação empregatícia

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fazer-se substituir por outro de modo contínuo. Admite-se, todavia, substituições

intermitentes do obreiro, como, por exemplo, para fins de gozo de férias, de licença

maternidade, de mandato sindical, etc., hipóteses nas quais apenas se suspende ou

interrompe o contrato de trabalho, sem anular o requisito da pessoalidade, típico da

relação empregatícia (Delgado, 2008).

3.2 Relação de trabalho

A legislação trabalhista, em sua maioria positivada no texto consolidado

(CLT), é destinada apenas aos empregados, isto é, aqueles obreiros que possuem

contrato de trabalho firmado sob o gênero da relação de emprego, preenchendo os

requisitos acima expostos.

Assim, os trabalhadores adiante arrolados, necessariamente, não preenchem

todos os requisitos próprios da relação de emprego e, por isso, não possuem os

direitos trabalhistas estabelecidos na CLT, possuindo apenas aqueles decorrentes da

legislação que os rege e, sobretudo, os que foram pactuados em razão da prestação

do serviço ao tomador deste, segundo as disposições da legislação civil.

3.2.1 O autônomo

A figura do trabalhador autônomo, dentre todas as formas de prestação de

trabalho sem vínculo de emprego, é a que mais se aproxima do trabalhador com

vínculo de emprego.

A norma consolidada não traz o conceito de trabalhador autônomo.

Entretanto, a Lei n° 8.212/91 (que dispõe sobre a Seguridade Social e o seu Plano

de Custeio), em seu art. 12, inciso V, alínea “h”, traz de modo incompleto o conceito

de trabalhador autônomo, nestes termos: “a pessoa física que exerce, por conta

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própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não”.

Diz-se de modo incompleto o dispositivo acima, pois o seu texto deixou de

referir a habitualidade na prestação do serviço, característica essa complementada

pela doutrina (Martins, 2008).

De acordo com o citado autor, o trabalhador autônomo pode exercer

livremente a sua profissão, isto é, no momento em que desejar e conforme sua

conveniência, pois não é empregado e não está subordinado ao poder de direção do

empregador.

Delgado (2008, p. 334) também ressalta a inexistência da subordinação na

relação de trabalho desempenhada pelo autônomo, o que a afasta de relação de

emprego, nos seguintes termos:

Os diversificados vínculos de trabalho autônomo existentes afastam-se da figura técnico-jurídica da relação de emprego essencialmente pela falta do elemento fático-jurídico da subordinação.

Prossegue o citado autor afirmando que a subordinação é aferida com base

em critério objetivo, cuja presença é avaliada na concretização do trabalho

pactuado. Nesse sentido, afirma sobre a subordinação que:

Ela ocorre quando o poder de direção empresarial exerce-se com respeito à atividade desempenhada pelo trabalhador, no modus faciendi da prestação do trabalho. A intensidade de ordens no tocante à prestação de serviços é que tenderá a determinar, no caso concreto, qual sujeito da relação jurídica detém a direção da prestação dos serviços: sendo o próprio profissional, desponta como autônomo o vínculo concretizado; sendo o tomador de serviços, surge como subordinado o referido vínculo (Delgado, 2008, p. 334).

Portanto, o trabalhador será autônomo quando este prestar os seus serviços

com liberdade, sem subordinação às ordens do tomador deste; isto é, para ser

considerado trabalhador autônomo, deverá o obreiro deter o poder de direção da

sua força de trabalho perante o sujeito que dela obtém proveito. Caso contrário, a

relação estabelecida entre as partes se revestirá de todos os requisitos da relação

empregatícia.

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3.2.2 O sócio de pessoa jurídica

Dispõe o art. 981 do CC/02 que “celebram contrato de sociedade as pessoas

que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício

de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. São vários os tipos de

sociedades personificadas disciplinados pelo Código Civil, cada um desses

prevendo diferentes direitos e deveres dos seus sócios perante a pessoa jurídica por

eles criada.

Todavia, pelas características do trabalho realizado pelo profissional da

medicina, que é eminentemente intelectual, considera-se para a presente análise,

apenas o tipo societário da sociedade simples e o médico como sócio desta.

Ao tratar da personalidade do sócio e da sociedade que este integra,

Delgado (2008) afirma que a pessoa jurídica é totalmente distinta da pessoa física

dos sócios que a integram. Em razão disso, entende o citado autor que não há

incompatibilidade em existir a figura do sócio e do empregado, podendo estes

sintetizarem-se na mesma pessoa física, o que efetivamente demonstra a ementa a

seguir:

CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE SOCIEDADE – DISTINÇÃO – PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. O contrato de trabalho caracteriza-se pela prestação de serviços de natureza não eventual, por uma pessoa física, que, ao colocar a sua força de trabalho à disposição da empresa, a esta se subordina, recebendo o salário a título de contraprestação, independentemente dos resultados econômico-financeiros do empreendimento, de cuja gestão e de cujos lucros, em regra, não participa. Por sua vez, celebram contrato de sociedade as pessoas naturais que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos respectivos resultados, que podem ser positivos ou negativos. O que distingue os dois tipos contratuais é a subordinação, típica do contrato de emprego, que, por natural incompatibilidade, o exclui de todo e qualquer risco, e a affectio societatis, inconfundível no contrato de sociedade. Releva salientar que nenhum óbice jurídico existe a que uma pessoa física seja por um determinado lapso de tempo sócio e por outro empregado. O que importa é que haja coerência formal e substancial entre as duas situações, eis que todos são livres para celebrar negócios jurídicos como melhor lhes aprouver. Comprovado nos autos, à saciedade, que o Autor não participava como sócio da empresa, estando a ela subordinado juridicamente, o vínculo empregatício alegado na exordial deve ser declarado (TRT 3, RO n° 01140-2006-032-03-00-7, 4ª Turma, Rel. Júlio Bernardo do Carmo, j. 30.10.2009).

No mesmo sentido:

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O sócio pode, em princípio, ser empregado da sociedade de que participe. A sociedade tem personalidade própria que não se confunde com a dos seus sócios (Süssekind, 2005, p. 319).

Delgado (2008) reconhece que pode existir uma linha tênue na distinção da

figura do sócio e do empregado, pelo que propõe, para solucionar eventual fraude

em que se pretende mascarar uma determinada situação jurídica pseudo-societária,

que seja aferida a intensidade que uma figura exerce sobre a outra.

A trilhar o mesmo entendimento:

Em cada caso, cumpre verificar, de acordo com as circunstâncias de fato, se a condição de empregado subsiste ou se foi “absorvida” pela participação na sociedade em que trabalhava: tudo depende do grau, da intensidade dessa participação. E do comportamento recíproco dos sócios. Às vezes, o contrato de sociedade traduz uma simulação, sendo o contrato real, “dissimulado”, o de trabalho (Süssekind, 2005, p. 320).

Em casos de simulação, defende Delgado (2008, p. 363) que “há que

prevalecer o contrato que efetivamente rege a relação jurídica real entre as partes,

suprindo-se a simulação evidenciada”.

A simulação, no caso de relação empregatícia, goza de presunção relativa

(iuris et de iure), sendo aplicado, na espécie, o preconizado no art. 9° da CLT, que

diz isto: “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,

impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Diante disso, existe a presunção de que o empregado fora coagido à pratica do ato

dissimulado (Süssekind, 2005).

Havendo simulação da figura de sócio, quando na realidade este se trata de

um empregado, além da nulidade da relação jurídica simulada (art. 9º da CLT),

surgirão dois possíveis desdobramentos: o primeiro é que o empregado será credor

de verbas de natureza trabalhista, asseguradas pela CLT; o segundo é que haverá

responsabilidade pelo pagamento dessas verbas trabalhistas que recairá,

primeiramente, sobre a sociedade a qual integrava e, subsidiariamente, sobre

aquele que aproveitou da sua força de trabalho, o tomador do serviço.

No exercício hipotético acima, registra-se, não se considerou aquela situação

em que o sócio envolvido diretamente com a prestação de serviços a terceiro

(tomador do serviço), também seja subordinado às ordens deste e preencha os

demais requisitos da relação de emprego, pois aí estaríamos diante de vinculação

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empregatícia direta do pseudo-sócio ao tomador do serviço, sendo solidária a

responsabilidade deste com a sociedade pelo pagamento das verbas trabalhistas.

Resumindo o exposto, não há incompatibilidade entre a figura de sócio e a

de empregado, podendo estas sintetizarem-se numa mesma pessoa física. Além

disso, se houver dissimulação do contrato de emprego através de contrato de

sociedade, prevalecerá a relação empregatícia, podendo os efeitos do

reconhecimento dessa relação refletir tanto na sociedade, como também no tomador

do serviço do pseudo-sócio.

3.2.3 O cooperado

Chama-se cooperado o trabalhador que integra uma pessoa jurídica de

direito privado que adota o tipo societário de cooperativa. Estas, por sua vez, se

caracterizam como uma forma “de união de esforços coordenados entre pessoas

para a consecução de um determinado fim” (Martins, 2008, p. 169).

As cooperativas são regidas pelas disposições da Lei n° 5.764/70 e pelos

arts. 1.093 a 1.096 do CC. Na CLT, prevê o parágrafo único do art. 442 que:

“qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo

empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de

serviços daquela”. Tal parágrafo recebeu nova redação através da Lei n° 8.949/94.

Assim, desde a alteração supracitada, introduzindo a novidade no sentido de

que as relações entre a cooperativa e os seus tomadores de serviços não constitui

vínculo de emprego, verifica-se, também, a utilização de cooperativas de serviços

visando a fraude da legislação trabalhista, especialmente no sentido de

intermediação de mão-de-obra.

A intermediação de mão-de-obra de cooperativa se configura quando “os

meios de produção e a organização do trabalho estão com o tomador que,

naturalmente, acaba também por dirigir e disciplinar a força de trabalho” (Camino,

2004, p. 243). A intermediação de mão-de-obra somente é permitida se em

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conformidade com a Lei n° 6.019/74, o que, na prática, no caso das cooperativas de

intermediação de mão-de-obra, não ocorre.

Assim, quando restar provada a existência de fraude, à luz do art. 9° da CLT,

serão nulos os atos escusos, e vínculo de emprego do dito trabalhador cooperado

será formado normalmente (Martins, 2008).

Também haverá o vínculo de emprego quando, embora seja regular a

cooperativa, o trabalhador cooperado que prestar serviço à tomadora dos seus

serviços executá-lo com subordinação e com os demais requisitos da relação

empregatícia. Neste caso, o vínculo empregatício será formado diretamente com a

empresa tomadora do seu serviço.

Nesse sentido:

[...] demonstrada a pessoalidade e a subordinação diretas dos trabalhadores cooperativados em relação ao tomador, emerge a relação de emprego com este último, à luz da tipicidade do art. 3° da CLT, sem qualquer contradição com o disposto no parágrafo único do art. 442. Atente-se: relação de emprego entre o trabalhador cooperativado e o contratante dos serviços da cooperativa, nunca com esta última (Camino, 2004, p. 244/245).

O entendimento acima restou compartilhado pela 1ª Turma do Tribunal

Regional do Trabalho da 4ª Região, ao julgar o Recurso Ordinário (RO) n° 00287-

2007-029-04-00-2, cuja ementa segue abaixo:

VÍNCULO DE EMPREGO. A formal vinculação da autora à cooperativa e a regular constituição dessa entidade não servem para afastar o reconhecimento do vínculo de emprego com a segunda reclamada. Isso porque as assertivas da inicial, e os depoimentos colhidos nos autos são suficientes para evidenciar a fraude havida na contratação da autora por intermédio da cooperativa e caracterizar a relação de emprego diretamente com a tomadora dos serviços. Sentença mantida. [...] (TRT 4, RO n° 00287-2007-029-04-00-2, 1ª Turma, Desª Ana Luiza Heineck Kruse, j. 07.05.2009).

Em face de situações como essa é que Delgado (2008) defende,

acertadamente, que a presunção de inexistência de vínculo empregatício trazida

pelo parágrafo único, do art. 442, da CLT, é de caráter relativo, e não absoluto, pois

visava favorecer o cooperativismo.

Assim, o citado autor orienta o operador justrabalhista que avalie,

primeiramente, se a cooperativa atende às peculiaridades do cooperativismo no

plano jurídico e social, bem como a presença ou não dos requisitos formadores da

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relação empregatícia, para concluir pela regularidade ou não da prestação do labor.

Em síntese, o cooperado é necessariamente uma pessoa física que não

possui vínculo de emprego com a pessoa jurídica a qual integra, a cooperativa,

desde que esta esteja regularmente constituída e atenda aos seus fins sociais e

jurídicos; isto é, que a cooperativa atenda ao princípio da dupla qualidade e ao

retribuição diferenciada. O primeiro pressupõe que o cooperado deve ser, ao mesmo

tempo, cooperado e cliente da cooperativa, auferindo vantagens dessa relação dual;

e o segundo, que o trabalhador cooperado, atuando de modo autônomo, deve

receber uma retribuição pessoal maior do que aquela que receberia caso não estive

associado (Delgado, 2008).

De igual sorte, o cooperado não possuirá vínculo de emprego com a empresa

tomadora dos seus serviços, desde que esta prestação de serviços não preencha os

requisitos caracterizadores da relação de emprego.

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4 A(IM)POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS NO ÂMBITO HOSPITALAR

Ver-se-á adiante que o entendimento sedimentado no inciso III da Súmula 331

do TST busca suprir uma lacuna da lei, qual seja, a de disciplinar a terceirização de

serviços no ordenamento jurídico pátrio, impondo, inclusive, restrições a essa prática

empresarial, no caso, a terceirização de serviços especializados ligados à atividade-

fim de empresa. Todavia, tal pretensão da súmula recebe críticas de parte da

doutrina trabalhista pátria.

Além disso, demonstrar-se-á que nem todos os julgados dos tribunais seguem

o entendimento trazido pelo inciso III da Súmula 331 do TST, alguns dos quais estão

a seguir transcritos. Nestes, verifica-se que o exame da presença ou não dos

requisitos caracterizadores da relação empregatícia se sobrepõem à restrição do

inciso III da referida súmula, o que pode indicar que a terceirização de serviços

especializados na atividade-fim da empresa é viável, desde que não estejam

presentes os requisitos que a caracterizam.

Por fim, sob a perspectiva de que é possível a terceirização de serviços

especializados ligados à atividade-fim da empresa, passa-se ao exame de três

formas muito comuns, no âmbito hospitalar, de prestação de serviços médicos, sem

o preenchimento de todos os requisitos da relação empregatícia.

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4.1 Análise crítica do inciso III da Súmula 331 do TST

De acordo com Delgado (2008), desde a década de 70, a jurisprudência

discutia a temática da terceirização, embora ainda não tivesse sido criado esse

epíteto para denominar a delegação de serviços a terceiros, provocando intensa

atividade interpretativa pelos tribunais trabalhistas, em face das lacunas existentes

na legislação pátria sobre o tema.

Prossegue o autor referindo que, na década de 80, o TST aprovou a criação

da Súmula de n° 256, cuja redação trouxe limitadíssimas hipóteses de terceirização

de serviços, a saber, apenas naqueles casos previstos na Lei n° 6.019/74, que

disciplina o instituto do trabalho temporário, e na Lei n° 7.102/83, que dispõe acerca

da prestação de serviços de vigilância privada para instituições bancárias. Afirmava

a súmula que, salvo nas hipóteses antes referidas, era “ilegal a contratação de

trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício

diretamente com o tomador de serviços”.

A Súmula 256 do TST fomentou acirrada discussão judicial devido às

limitadas hipóteses de terceirização autorizadas pelo seu texto. Devido à existência

de julgados que mitigavam a sua aplicação, a Caixa Econômica Federal e o Banco

do Brasil promoviam a contratação de prestadores de serviços, sem prévio concurso

público, principalmente para as atividades de limpeza, de ascensorista, de digitação,

de telefonista, de estiva e de copa. Esse fato gerou a formalização de denúncias por

parte dos sindicatos dos bancários ao Ministério Público do Trabalho (MPT),

alegando a contratação direta de empregados para atividades permanentes dos

bancos (Martins, 2009).

Segundo o autor acima, com base na Lei Complementar n° 75/93, o MPT

instaurou inquéritos civis contra as instituições bancárias para investigar os fatos

noticiados. Posteriormente, com base nas investigações realizadas, o MPT ajuizou

ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal, sendo a decisão de primeira

instância parcialmente procedente para reconhecer as irregularidades nas

contratações promovidas. O Banco do Brasil, antes do MPT promover eventual

demanda judicial e sofrer os efeitos desta, optou por firmar acordo com a

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Procuradoria-Geral do Trabalho, assumindo o compromisso de realizar concurso

público para regularizar a contratação de pessoas para as atividades de limpeza, de

ascensorista, de digitação, de telefonista, de estiva e de copa, num prazo de 240

dias.

Em razão dessa discussão, o TST promoveu a revisão da sua Súmula 256

(posteriormente cancelada), com a conseqüente aprovação da redação da Súmula

de n° 331, através da Resolução Administrativa n° 23, de 17 de dezembro de 1993,

proposta pelo seu órgão Especial. Desde então, a única revisão da Súmula 331 do

TST ocorreu em 11 de setembro de 2000, através da Resolução n° 96 do TST, que

deu nova redação ao seu inciso IV, dispositivo esse que trata da responsabilidade

pelo adimplemento das obrigações trabalhistas, inclusive pelos órgãos da

Administração Pública direita e indireta.

Como visto detalhadamente no primeiro capítulo, o ordenamento jurídico

pátrio possui escassa legislação acerca da terceirização de serviços. De certo modo,

no que toca à terceirização, pode-se dizer que a legislação pátria está restrita à

previsão de determinadas situações em que ela é permitida (por exemplo, serviços

de vigilância e de transporte de valores), ou ela está direcionada para pessoas

jurídicas determinadas (por exemplo, a Lei de Concessões e Permissões de

Serviços Públicos, direcionada às pessoas jurídicas de direito público).

Ainda não existe uma legislação que vise tutelar essa forma de prestação de

labor no âmbito das relações privadas de trabalho, determinando de modo claro os

limites aplicáveis à terceirização de serviços. Todavia, reconhece-se que existem

projetos de leis em tramitação no Congresso Nacional nesse sentido, inclusive um

visando o acréscimo de novo artigo ao Código Civil, permitindo expressamente a

terceirização de serviços ligados à atividade-fim de empresas.

E é justamente para preencher essa lacuna legal tão patente no caso da

terceirização de serviços especializados que, via de regra, o caso concreto levado à

discussão perante a Justiça do Trabalho é solucionado conforme o entendimento

constante no inciso III da Súmula 331 do TST, cuja redação é a que segue:

Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador,

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desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Em face desse entendimento, consolidado após reiterados julgados sobre a

matéria, tem-se que não é possível a terceirização de serviços especializados

consistentes na atividade-fim da empresa, mesmo que esses serviços sejam

prestados sem pessoalidade e subordinação direta, dois dos principais requisitos da

caracterizadores da relação empregatícia.

Ocorre que súmula não tem força de texto de lei, ato emanado do Poder

Legislativo, capaz de impor de modo genérico obrigação de fazer ou observar

determinada conduta. Súmula sequer é entendida como fonte do direito, num

sistema de tripartição de poderes tal qual o vigente no ordenamento jurídico pátrio,

de acordo com Pereira (apud Süssekind 2005, p. 162), senão veja-se:

Por estas sintéticas razões, concluímos, como Caio Mário da Silva Pereira, que em sentido técnico estrito não se pode compreender a súmula como fonte do direito. É que, “nos regimes de separação dos poderes, ao Judiciário cabe aplicar contenciosamente a lei aos casos particulares, e, não competindo aos Tribunais formular regras jurídicas como fonte criadora da norma de direito, porque não passa de um processo de aplicação da lei”.

Em face disso, e por pretender suprir uma lacuna da legislação, inclusive

restringindo a terceirização de serviços especializados ligados à atividade-fim da

pessoa jurídica, de forma indistinta, bem como taxando, indiretamente, essa forma

de prestação de serviços como ilegal, é que o inciso III da Súmula 331 do TST

recebe críticas de parte da doutrina.

Nesse sentido, afirma Cavalcanti Junior (1996, p. 111) que:

De fato, não cremos ser recomendável estabelecer, a priori, a legalidade ou ilegalidade da terceirização, pelo fato de vir sendo aplicada em uma atividade que se possa considerar integrante da finalidade socioeconômica do empregador, pois seria o mesmo que reconhecer a existência da norma que estabelecesse esta limitação, o que, se prevalecente, afrontaria o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal.

De acordo com o autor, é inaceitável que a súmula em questão restrinja uma

prática que a lei não se ocupou em restringir, visto que isso colide com o processo

de desenvolvimento econômico do país, balizado no princípio da livre iniciativa.

Entendimento diverso, sustenta o autor, afrontaria o princípio da legalidade, pois

admitir-se-ia a existência de norma vedando a terceirização de serviços

especializados relacionados à atividade-fim da empresa.

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Também com esse entendimento, Martins (2009) argumenta que a

terceirização de serviços especializados não deve ficar restrita à atividade-meio de

uma empresa, visto que cabe ao administrador desta decidir sobre a pertinência ou

não da adoção da terceirização seja na atividade-meio ou fim, sob pena de ferir-se o

princípio da livre iniciativa, contido no art. 170 da CF.

Prossegue o citado autor afirmando que a indústria automobilística é um

exemplo clássico de terceirização de serviços ligados à atividade-fim, em

decorrência da implantação de novas técnicas de produção e até mesmo de novas

tecnologias, alterando o que antigamente poderia ser considerado como atividade

principal para hoje ser vista como acessória.

Na mesma linha, Gomes e Gottschalk (2005, p. 204) entendem que o

princípio da livre iniciativa, previsto no art. 170 da CF, é permissivo à terceirização na

atividade-fim da empresa, diante da inexistência de dispositivo legal proibitivo.

Nesse sentido:

De fato, acertado o posicionamento [inexistência de vedação à terceirização na atividade-fim], porquanto afora a ausência de obrigatoriedade dos precedentes jurisprudenciais, às quais se não reconhece o caráter de fonte vinculante, inexiste diploma legal proibitivo da terceirização. Aliás, as normas jurídicas e princípios citados no começo da exposição depõem exatamente em sentido contrário, diga-se, de permitir a terceirização, sem qualquer ressalva, vale dizer, quer seja a atividade-meio ou atividade-fim (Gomes e Gottschalk, 2005, p. 206).

Cumpre assinalar, também, que divergem do entendimento acima Delgado

(2008) e Nascimento (2007), os quais se filiam a uma vertente teórica moderna que

preceitua que as súmulas, no âmbito do direito do trabalho, assumem papel de

fontes normativas. Nesse sentido, refere Delgado (2008, p. 169) que:

[...] as posições judiciais adotadas similar e reiteradamente pelos tribunais ganhariam autoridade de atos-regra no âmbito da ordem jurídica, por se afirmarem, ao longo da dinâmica jurídica, como preceitos gerais, impessoais, abstratos, válidos ad futurum – fontes normativas típicas, portanto.

Em razão disso, entendem os citados autores que somente é lícita a

terceirização de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa, desde

que ausente a pessoalidade e a subordinação.

Antes disso, contudo, reconhece Delgado (2008, p. 169) que, no sistema

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romano-germânico, prevalece o entendimento de que súmula não é fonte de norma

jurídica, conforme segue:

No sistema jurídico romano-germânico (ao qual se filia o Brasil), percebem-se duas posições principais acerca da classificação da jurisprudência no quadro das fontes jurídicas: a primeira, tradicional e dominante, que tende a não acatar a jurisprudência como fonte de normas jurídicas; a segunda, mais moderna, ponderando que a jurisprudência tem um indissimulável papel jurígeno (criador do Direito).

Já no que toca à jurisprudência dos tribunais trabalhistas pátrios, é possível

notar que não é unânime o entendimento de que está vedada a terceirização de

serviços especializados ligados à atividade-fim.

Recentemente o Ministro Walmir Oliveira da Costa, integrante da 1ª Turma do

TST, ao julgar o Agravo de Instrumento em Recurso de Revista (AIRR) nº

48154/2002-900-02-00.5, nos autos de reclamação trabalhista movida por médico

sócio titular de uma pessoa jurídica contra o Hospital Santa Tereza de Lisieux Ltda.,

na qual pretendia ver reconhecida a vinculação empregatícia, assim se posicionou:

EMPREGATÍCIO. SÚMULA Nº 126 DO TST. A Corte Regional, soberana no exame da prova, não reconheceu a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, pois ausente a pessoalidade, destacando a existência de um contrato de arrendamento entre empresas. Dessa forma, as alegações do Reclamante, no sentido de que estavam presentes tais elementos e de que, por conseqüência, teria sido violado o art. 3º da CLT, efetivamente remetem ao reexame da prova. Inafastável a aplicação da Súmula nº 126 desta Corte. Agravo de instrumento a que se nega provimento (TST, AIRR nº 48154/2002-900-02-00.5, 1ª Turma, Min. Walmir Oliveira da Costa, j. 01.10.2008).

Nota-se da ementa acima que o Tribunal Regional que julgou o processo em

sede de Recurso Ordinário entendeu que era possível a terceirização de serviços

médicos, materializada pelo contrato de arrendamento firmado entre a pessoa

jurídica encabeçada pelo médico e o hospital. Assim decidiu o tribunal, em que pese

vigente o entendimento consubstanciado no inciso III da Súmula 331 do TST, de não

admitir a terceirização de serviços especializados na atividade-fim da empresa.

Embora o reexame de fatos e provas seja vedado em sede de Recurso de

Revista pela Súmula 126 do TST, essa Corte não fez qualquer ressalva quanto à

relação jurídica de terceirização de serviços realizada pelas partes do processo.

De igual sorte, todavia, desta feita envolvendo a terceirização de serviços

médicos em hospital através de um médico autônomo, a 1ª Turma do Tribunal

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Regional do Trabalho da 9ª Região assim já se posicionou:

VÍNCULO DE EMPREGO - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 3º DA CLT - MÉDICO-TRABALHO AUTÔNOMO. O liame empregatício caracteriza-se quando há prestação de serviços de forma subordinada, não eventual e remunerada (art. 3º da CLT). Dentre estes requisitos, o mais importante é a subordinação, a qual está presente somente na relação de emprego e se constitui, portanto, em elemento indispensável à identificação do vínculo. No caso em tela, tais requisitos não restaram verificados, à medida em que, na realidade, o Reclamante prestou serviços nas dependências da Reclamada, na qualidade de autônomo, realizando apenas plantões no hospital, com a possibilidade de ser substituído por qualquer outro médico da escala, bem como, não sofrendo qualquer tipo de advertência ou punição em caso de ausência. Recurso Ordinário do Reclamante a que se nega provimento (TRT 9, RO nº 21632-2002-005-09-00-0, 1ª Turma, Rel. Ubirajara Carlos Mendes, j. 03.12.2005).

Da ementa, emerge que o trabalho prestado pelo médico sem subordinação

hierárquica e sem pessoalidade, ou seja, sem dois dos requisitos da relação de

emprego, mesmo que prestado com afinidade à atividade-fim do hospital, não

caracterizou o vínculo de emprego.

Portanto, constata-se que, embora o profissional da medicina não tenha

constituído uma pessoa jurídica, a prestação de serviço especializado ligado à

atividade-fim da empresa é admitida e não configura o vínculo empregatício, mesmo

que presente o requisito da pessoa física. Todavia, como ressaltado pelo tribunal,

não estavam presentes na relação entabulada entre o médico e o hospital, os

requisitos da pessoalidade e da subordinação do primeiro para o segundo,

suficientes para afastar a relação empregatícia.

Em resumo, a vertente doutrinária formada por Martins (2009), Cavalcanti

Junior (1996) e Gomes e Gottschalk (2005) entende que súmula não tem força de lei

e, por isso, é possível a terceirização de serviços especializados ligados à atividade-

fim, visto que não há obrigação de vinculação ao inciso III da Súmula 331 do TST,

sob pena de ferir-se o princípio da legalidade e da livre iniciativa empresarial.

Por outro lado, seguindo uma vertente moderna e minoritária do direito do

trabalho, entendem Delgado (2008) e Nascimento (2007) que súmula tem força de

lei e, por esse motivo, não é possível terceirizar serviço especializado ligado à

atividade-fim de empresa, pois a terceirização somente poderá ocorrer nas

hipóteses previstas na legislação e na Súmula 331 do TST.

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4.2 Análise jurisprudencial acerca da prestação de serviços médicos no âmbito hospitalar

Historicamente, o médico sempre foi entendido como um profissional liberal,

isto é, um profissional que determina por si só a forma da prestação dos seus

serviços. É por esse fator, conjugado com outros, como, por exemplo, a recente

ampliação da discussão acerca da terceirização de serviços, que, ainda, temos

poucos julgados trabalhistas acerca da controvérsia gerada pela relação jurídica

estabelecida pela execução de serviços, para hospitais, por médicos sem vínculo

empregatício. Tal circunstância fica evidente levando-se em conta que o TST ainda

não se manifestou, expressamente, em caso concreto submetido à sua apreciação,

sobre a regularidade da terceirização de serviço médico em hospital.

Todavia, alguns tribunais regionais já se manifestaram, em casos pontuais,

de modo expresso sobre essa relação jurídica. Dentre as decisões pesquisadas,

primeiramente no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT 4), com

jurisdição no território do Estado do Rio Grande do Sul e, posteriormente, no

Tribunal Regional da 3ª Região (TRT 3), com jurisdição no território do Estado de

Minas Gerais, percebe-se o entendimento antagônico sobre o tema.

No TRT 4, por exemplo, encontram-se julgados albergando as duas posições:

pela regularidade da terceirização de serviço médico em hospital e pela

irregularidade desta. Já o TRT 3, possui forte entendimento pela regularidade da

terceirização de serviços médicos em hospitais, desde que ausente os requisitos

caracterizadores da relação de emprego, conforme se passa a analisar.

O julgado abaixo, extraído do sítio eletrônico do TRT 4, trata de uma

autuação sofrida pela Sociedade Hospitalar Beneficente de Marau, após vistoria

realizada por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego em suas instalações. A

sentença de primeiro grau, que manteve o auto de infração aplicando multa em

razão da falta do registro de 156 médicos como empregados do hospital, foi mantida

pelo tribunal em sede de Recurso Ordinário, conforme segue:

EMENTA: Auditor Fiscal do Trabalho. Competência. Vínculo de emprego. Reconhecimento. Invalidade da terceirização. Intermediação de mão-de-obra. Atividade-fim. Art. 41 da CLT. Multa. A competência administrativa dos

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auditores fiscais do trabalho para fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista é ampla e inclui a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social, visando à redução dos índices de informalidade. Hipótese em que a mão-de-obra intermediada (156 médicos) encarregava-se da atividade-fim do hospital, que é a prestação de serviços médicos, situação que implica a invalidade da terceirização. Aplicação da Súmula nº 331, I, do TST e dos arts. 9º e 444 da CLT. Reconhecido o vínculo de emprego, mantém-se a multa aplicada por descumprimento ao disposto no art. 41 da CLT. (TRT 4, RO n° 00931-2005-662-04-00-4, 9ª Turma, Rel. Juiz Convocado Marçal Henrique Figueiredo, j. 03.06.2009).

Da ementa, é possível concluir que a 9ª Turma do tribunal entendeu que a

prestação de serviços dos 156 médicos, diretamente ligados à atividade-fim do

hospital, invalida a terceirização, aplicando-se, na espécie, o entendimento da

Súmula 331 do TST.

No mesmo sentido, é o entendimento constante no seguinte julgado da 5ª

Turma do TRT 4, em que restou reconhecido o vínculo empregatício de médica com

a Associação Congregação Santa Catarina – Hospital Regina:

EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. No caso dos autos, encontra-se delineada a inserção dos serviços da autora, como médica, no contexto da atividade-fim da demandada. Recurso a que se nega provimento, no tópico. (TRT 4, RO n° 00783-2006-304-04-00-3, 5ª Turma, Rel. Des. Leonardo Meurer Brasil, j. 05.03.2009).

Novamente, a inserção de médico na atividade-fim de hospital é citada para

fins da configuração do vínculo empregatício, demonstrando a consonância do

julgado acima com o entendimento vertido na Súmula 331 do TST. Da mesma forma,

se constitui o julgado abaixo, em que fora parte passiva da demanda a Comunidade

Evangélica Luterana São Paulo – CELSP:

EMENTA: MÉDICA. VÍNCULO DE EMPREGO. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. Prova dos autos que evidencia ter a autora exercido atividades inerentes à atividade-fim da reclamada, a ela subordinada. Inequívoca a participação integrativa da autora no empreendimento econômico. Nego provimento. [...]. (TRT 4, RO n° 00854-2007-004-04-00-4, 8ª Turma, Rel. Desª. Ana Luiza Heineck Kruse, j. 04.12.2008).

Ainda no âmbito do TRT 4, os julgados a seguir, proferidos pela 4ª e 6ª

Turma, respectivamente, constituem-se divergentes ao entendimento acima exposto,

desta feita reconhecendo a inexistência de vínculo empregatício de médico

autônomo com hospital:

EMENTA: MÉDICO PLANTONISTA. VÍNCULO DE EMPREGO NÃO RECONHECIDO. Quando a prova dos autos evidencia que a prestação de trabalho por mais de quarenta anos ocorreu de forma autônoma e

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consoante os plantões obstétricos semanais organizados conforme as escalas do corpo clínico, sem a participação do hospital reclamado, que nenhuma ingerência tinha na forma da prestação dos serviços, sequer realizando pagamentos aos médicos, impõe-se manter a sentença que não reconheceu a relação de emprego, porque efetivamente ausentes os requisitos contidos nos artigos 2º e 3º da CLT. Negado provimento ao recurso ordinário do reclamante. (TRT 4, RO n° 00381-2008-203-04-00-6, 4ª Turma, Rel. Des. Hugo Carlos Scheurmann, j. 16.04.2009).

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. RELAÇÃO DE EMPREGO. MÉDICO. Inexistente a pessoalidade e a subordinação jurídica no vínculo jurídico existente entre as partes, resta afastada a tipicidade do contrato de trabalho. (TRT 4, RO n° 00396-2007-381-04-00-7, 6ª Turma, Rel. Desª. Maria Cristina Schaan Ferreira, j. 10.12.2008).

Esses julgados afirmam a inexistência de relação empregatícia entre médico

autônomo e hospital, visto que ausentes os requisitos caracterizadores da relação

empregatícia, consubstanciados nos arts. 2° e 3° da CLT. Ou seja, tem-se nesses

julgados do TRT 4 um entendimento que não seguiu aquele consolidado no inciso III

da Súmula 331 do TST, que não admite relação de trabalho diversa da empregatícia

quando se trata da prestação de serviços especializados ligados à atividade-fim da

empresa.

Já no âmbito do TRT 3, a terceirização de serviços médicos em hospitais

possui significativos precedentes que demonstram um entendimento contrário

àquele consubstanciado no inciso III da Súmula 331 do TST, bastando uma análise

das ementas abaixo para chegar-se a essa conclusão:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS. Otrabalho executado pelo médico tanto pode se desenvolver de forma autônoma, como em caráter subordinado. É de se notar, porém, que o simples fato de o médico desenvolver serviços diretamente relacionados à atividade fim do hospital é insuficiente para autorizar o reconhecimento da relação de emprego. A integração do trabalhador na organização empresarial, conhecida como subordinação objetiva, não constitui critério autônomo capaz de determinar a existência do contrato de emprego, pois trata-se de um fundamento teórico utilizado para conceituação do trabalhador subordinado. É indispensável, portanto, que o trabalhador esteja obrigado a observar as diretivas do empregador sobre a prestação de serviços, submetendo-se ao seu poder disciplinar. Evidenciado pelo conjunto da prova produzida nos autos que os médicos integrantes do corpo clínico detinham pleno controle sobre sua atividade, definiam sua própria agenda e não seguiam qualquer diretriz do hospital no tocante à horários e pacientes atendidos, conclui-se pela regularidade de sua contratação como profissionais autônomos. Logo, não se vislumbra ofensa à ordem jurídica apta a determinar a procedência dos pedidos deduzidos por intermédio de ação civil pública. (TRT 3, RO n° 00363-2008-085-03-00-4, 7ª Turma, Rel. Alice Monteiro de Barros, j. 09.07.2009).

EMENTA: FISCALIZAÇÃO. REGISTRO DA CTPS. MÉDICOS. O trabalho executado pelo médico tanto pode se desenvolver de forma autônoma,

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como em caráter subordinado. É de se notar, porém, que o simples fato de o médico desenvolver serviços diretamente relacionados à atividade fim do hospital é insuficiente para autorizar o reconhecimento da relação de emprego. Isto porque a integração do trabalhador na organização empresarial, também conhecida como subordinação objetiva, não é um critério autônomo para determinar a existência de um contrato de emprego, mas um fundamento teórico para a conceituação do trabalhador subordinado (cf., entre outros, Luisa Galantino, Diritto del Lavoro. Torino: Giappichelli Editore, 2000, p. 05). À luz da jurisprudência inglesa, tanto no caso de se adotar o critério do controle como o da "integração na organização", usados para definir a existência de um contrato de trabalho distinto de um contrato de prestação de serviços autônomos, torna-se necessário recorrer a indícios, os quais são comuns aos dois critérios e poderão ser sintetizados no "direito residual de controle" do empregador, traduzido pela sua faculdade de impor sanções disciplinares ao trabalhador, inclusive a dispensa, associada ao poder empresarial de contratar e fixar-lhe um salário (Jésus M. Galiana Moreno, El contrato de trabajo em el derecho inglês. Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1978, p. 47). A mesma observação é feita, na América do Sul, por Oscar Ermida Uriarte, quando assevera "que a inserção na organização empresarial, ainda que seja um elemento próprio da relação de trabalho, não é exclusivo da mesma, já que o empregador incorpora ao desenvolvimento da atividade empresarial não só a atividade de seus próprios trabalhadores, mas também a função contínua, porém autônoma, de colaboradores, que mesmo não sendo empregados, estão incorporados ao cumprimento da atividade econômica organizada da empresa" (Considerações sobre os questionamentos acerca do conceito de subordinação. Revista Synthesis n° 35/33. Texto resumido e traduzido por Eurides Avance de Souza). Será, portanto, necessário que essa participação integrativa do trabalhador no processo produtivo implique conseqüente observância às diretivas do empregador acerca da prestação de serviços e ao seu poder disciplinar. Demonstrado nos autos que os trabalhadores não estavam sujeitos ao poder diretivo e disciplinar do reclamado, pois exerciam suas atividades com ampla autonomia, a relação jurídica estabelecida está fora da égide da CLT. Logo, não configura infração às normas trabalhistas a ausência de registro desses trabalhadores como empregados. (TRT 3, RO n° 00728-2008-069-03-00-1, 7ª Turma, Rel. Alice Monteiro Barros, j. 23.06.2009).

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. MÉDICO. A relação de trabalho do médico com hospital pode dar-se tanto de forma autônoma, como subordinada. O só fato de os profissionais da área médica prestarem serviços relacionados à atividade-fim hospitalar não se revela suficiente para autorizar o reconhecimento da relação de emprego. A integração dotrabalhador na organização empresarial, a que alguns doutrinadores denominam de subordinação-integração ou estrutural, enquanto outros preferem manter-se aliados à vertente da mera subordinação objetiva, constitui dado relevante para a aferição da existência do vínculo empregatício, mas não se erige em elemento único. Necessário verificar, no caso concreto, se outros elementos que venham a denotar a existência também da subordinação subjetiva se encontram presentes, ao lado dos demais requisitos que se fazem necessários para o reconhecimento do vínculo empregatício. (TRT 3, RO n° 01077-2007-052-03-00-4, Turma Recursal de Juiz de Fora, Rel. Heriberto de Castro, j. 10.06.2009).

Como destacado, emerge de modo cristalino o entendimento do TRT 3 de

que o simples fato do médico prestar serviços diretamente ligados à atividade-fim do

hospital, por si só, não autoriza o reconhecimento do vínculo empregatício do

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primeiro com o segundo. Além disso, ressaltam os julgados acima que a integração

do médico na organização empresarial do hospital indica ao que a doutrina

denomina de subordinação objetiva. Todavia, isso se trata mais propriamente de um

fundamento teórico do que um critério ou requisito, o que, isoladamente, não tem o

condão de caracterizar a relação empregatícia, ainda mais se ausente a

subordinação subjetiva, vista no segundo capítulo.

Como referido, o TST ainda não se posicionou expressamente sobre um

caso concreto, cujo objeto da discussão seja a regularidade da terceirização de

serviço médico em hospital. Os julgados abaixo pretendiam promover tal discussão;

porém, entenderam os Ministros, que não caberia a rediscussão do caso concreto,

pois implicaria a análise do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado

nessa instância extraordinária, em face do entendimento consolidado na Súmula 126

do TST:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. A aferição da assertiva do Tribunal Regional de que não resultou caracterizada a subordinação, requisito necessário para o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, depende da análise do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado nesta instância recursal, nos termos da Súmula nº 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, AIRR n° 3108/2002-900-04-00.6, 7ª Turma, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, j. 12.03.2008).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELAÇÃO DE EMPREGO. MÉDICO. PROVA. REEXAME DE FATOS E PROVAS EM RECURSO DE REVISTA. DESCABIMENTO. Tratando-se de matéria cuja apreciação remete ao reexame do contexto fático-probatório, não se admite o recurso de revista. Aplicação da Súmula n.º 126 desta Corte. Agravo conhecido e desprovido. (TST, AIRR n°488/2004-116-08-40.1, Rel. Juiz Convocado Altino Pedrozo dos Santos, j. 30.11.2005).

É importante destacar que, na primeira ementa, a corte regional afastou a

relação empregatícia entre a reclamante (médica) e o Hospital Nossa Senhora da

Pompéia, parte agravada em sede de recurso de agravo de instrumento. Vê-se que,

nesse caso, o TST desprezou que o entendimento aplicado ao caso concreto, pelo

tribunal regional, divergiu daquele consubstanciado em sua Súmula 331.

Assim, resta evidente que há divergência acerca da possibilidade de

terceirização de serviços médicos no âmbito hospitalar. Demonstrou-se que, no

âmbito do TRT 4, a jurisprudência não é pacífica quanto à possibilidade de

terceirização de serviços médicos em hospitais. De modo diverso, verificou-se que o

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TRT 3 possui entendimento firme no sentido de que é possível a terceirização de

serviços médicos em hospitais, porque a mera inserção do profissional na atividade-

fim do hospital não é suficiente para caracterizar o vínculo empregatício, caso não

estejam presentes os requisitos inerentes a essa espécie de trabalhador.

Em face dessa divergência, defende-se no presente trabalho o entendimento

alinhado com o do TRT 3, ou seja, de que é possível a terceirização de serviços

médicos no âmbito hospitalar, desde que não estejam presentes nessa relação de

trabalho os requisitos caracterizadores da relação de emprego, em especial a

subordinação hierárquica do médico perante o hospital.

4.3 Formas de terceirização dos serviços médicos

Seguindo a perspectiva de que é possível a terceirização de serviços médicos

no âmbito hospitalar, ou seja, que é possível a terceirização de serviços

especializados ligados à atividade-fim da empresa, ver-se-ão adiante três possíveis

formas de instrumentalização dessa prática no âmbito hospitalar, escolhidas devido

a sua maior incidência nesse meio.

Destacam-se, assim, a prestação de serviços médicos na forma de autônomo

e, entre as pessoas jurídicas, as cooperativas e as sociedades simples de prestação

de serviços médicos.

4.3.1 Médico autônomo

Já vimos que o trabalhador autônomo é necessariamente uma pessoa física.

Todavia, ele se distingue do empregado no desempenho do seu labor por não reunir

todos os requisitos caracterizadores da relação empregatícia, especialmente o

requisito da subordinação.

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Nesse sentido, afirma Martins (2008, p. 149) que:

O empregado e o trabalhador autônomo prestam serviços com continuidade, com habitualidade ao tomador de serviços. A diferença fundamental entre os referidos trabalhadores é a existência do elemento subordinação, o recebimento de ordens por parte do empregador, a direção por parte do último. O empregado trabalha por conta alheia, enquanto o autônomo presta serviços por conta própria.

Assim, a prestação de serviços médicos no âmbito hospitalar poderia ser

desenvolvida, como de fato ocorre com grande freqüência, por médico atuando na

forma de autônomo, desde que este preste seus serviços sem subordinação, isto é,

que o seu trabalho seja executado sem o recebimento de ordens diretas do tomador

do serviço, no caso, o hospital aqui entendido como seus empregados e prepostos.

Se observado isso, bem como a vontade de ambas as partes, de que não

seja estabelecido o vínculo empregatício, a relação jurídica será regida pelas

disposições constantes nos arts. 593 a 609 do Código Civil, que tratam do contrato

de prestação de serviço.

Ressalta-se que, à luz do art. 593 do CC, o contrato de prestação de serviços

é de caráter residual, pois somente serão aplicáveis as suas disposições caso a

relação jurídica de trabalho não esteja sujeita às leis trabalhistas e à lei especial (a

exemplo, a Lei n° 8.078/90 que trata do Código de Defesa e Proteção do

Consumidor).

Assim, “toda espécie de serviços ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode

ser contratada mediante retribuição”, conforme dispõe o art. 594 do CC.

Inegavelmente, a prestação de serviços médicos autorizados pelo Conselho Federal

de Medicina encontra-se inclusa nesse permissivo.

Embora o art. 598 do CC diga que “a prestação de serviço não se poderá

convencionar por mais de quatro anos”, não parece ser razoável limitar-se a esse

lapso temporal a prestação do serviço se é da vontade das partes que a mesma seja

prestada por prazo indeterminado.

Ademais, o art. 599 do CC diz que “não havendo prazo estipulado, nem se

podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das

partes, a seu arbítrio, mediante aviso prévio, pode resolver o contrato”, o que

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possibilita o entendimento de que o contrato poderá ser realizado sem prazo pré-

determinado.

Vigendo o contrato por prazo determinado, até o término deste, não pode o

médico autônomo ter o seu contrato de prestação de serviço rompido,

unilateralmente e sem justo motivo pelo hospital, sem que faça jus ao recebimento

integral da remuneração vencida e, pela metade, a que teria direito desde o

rompimento até o término pré-definido para o contrato, de acordo com os arts. 602 e

603 do CC.

Prestando serviços como autônomo, à luz do art. 605 do CC, o médico não

poderá se fazer substituir sem a concordância da outra parte. De igual sorte, o

hospital não poderá substituir o médico contratado por outro profissional para

executar suas tarefas, sem o consentimento do primeiro. Em certa medida, essa

disposição do art. 605 do CC induz à ocorrência do requisito da pessoalidade,

estudado no primeiro capítulo. Todavia, numa eventual demanda trabalhista, será

analisado se efetivamente a pessoalidade estava presente na relação de trabalho

mantida entre as partes. Cabe frisar que, como visto capítulo antes citado, a relação

de emprego se caracteriza pela reunião de todos os requisitos da relação de

emprego. Assim, caso não esteja presente a subordinação do profissional que presta

o serviço ao tomador, permanecerá esse como médico autônomo.

Para evitar qualquer litigiosidade entre as partes, bem como para manter a

qualidade do serviço, é importante que o contrato determine, de modo claro e

objetivo, qual será o objeto da prestação do serviço, pois, caso contrário, entender-

se-á que o médico obrigou-se a prestar todo e qualquer tipo de serviço médico,

compatível com suas forças e condições, segundo preceitua o art. 601 do CC.

Atuando como profissional autônomo, o médico obrigatoriamente deverá

contribuir para a previdência social, na forma de contribuinte individual, recolhendo,

a cada remuneração recebida, o percentual aplicável de acordo com as tabelas

instituídas pela autarquia previdenciária.

Deve-se atentar que não pode haver subordinação, perante o hospital, do

profissional que executará o serviço. Caso isso não venha a ser observado, numa

eventual discussão em demanda trabalhista, o contrato de prestação de serviços

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mantido entre as partes será considerado nulo, à luz do princípio da primazia da

realidade e do art. 9° da CLT, caracterizando, assim, o vínculo empregatício.

Por fim, cabe referir que, de acordo com a alteração trazida pela EC n° 45/05

ao art. 114 da CF, a Justiça do Trabalho é competente para julgar “as ações oriundas

da relação de trabalho”, pelo que a demanda proposta por eventual trabalhador

autônomo pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício será resolvida

nessa justiça especializada.

4.3.2 Sociedades simples de prestação de serviços médicos

Segundo Gonçalves Neto (apud Requião, 2003, p. 403), a “sociedade simples

deve ser considerada como aquela que terá por objeto o exercício de atividade rural

ou intelectual, de natureza científica, literária ou artística”. De igual modo, Requião

(2003, p. 403) define sociedade simples como “a que tiver por objeto o

desenvolvimento de atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística”,

o que conclui à luz dos preceitos do art. 966 e seu parágrafo único.

Entende-se como atividade intelectual aquela que resulta do esforço criativo

da mente do seu autor, seja na produção de determinado bem ou serviço. Nessa

hipótese, mesmo a eventual ocorrência de fator externo, deve ser considerada

meramente acidental, visto que, no caso, importa a natureza do objeto alcançado

(Requião, 2003).

Diante disso, perfeitamente cabível a constituição de uma sociedade simples

para prestação de serviços médicos, pois o objeto social desta consistirá na

prestação de serviços de cunho eminentemente intelectual, a ser executado pelos

médicos que compõem o contrato social.

As sociedades simples estão disciplinadas nos arts. 997 a 1.038 do CC.

Segundo o art. 997 do CC, a constituição de sociedade simples deverá possuir

contrato escrito, mencionando, entre outras coisas, o nome completo e a

qualificação civil dos seus sócios, a denominação, o objeto, a sede e o prazo de

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vigência da sociedade.

No prazo de trinta dias a contar da constituição da sociedade, de acordo com

o art. 998 do CC, deverá ser requerida, pela sociedade, a inscrição do contrato

social junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Estando regularmente constituída a sociedade simples, o vínculo jurídico

desta com o hospital será através de contrato de prestação de serviços, conforme

abordado no tópico acima.

Cabe aqui também a observação do tópico anterior de que o médico sócio da

sociedade simples que prestar o serviço deve executá-lo sem subordinação ao

hospital, sob pena caracterizar-se o vínculo empregatício entre as partes. Eventual

questionamento judicial nesse sentido será resolvido no âmbito da Justiça do

Trabalho, de acordo com o disposto no inciso I do art. 114 da CF.

4.3.3 Cooperativas de prestação de serviços médicos

A sociedade cooperativa está disciplinada pela Lei nº 5.764/71 e pelos arts.

1.093 a 1.096 do CC. Segundo Requião (2003, p. 409), “as cooperativas poderão ter

qualquer objetivo, desde que este permita o exercício da vocação de tal tipo

societário”, o que as distingue dos demais entes associativos. Além disso, por força

do art. 982, § 1º, do CC, independentemente do objeto social a qual se dediquem,

mesmo que empresárias, a natureza jurídica das cooperativas será idêntica às

sociedades simples. Perfeitamente possível, portanto, que as cooperativas se

ocupem da prestação de serviços médicos.

As formalidades necessárias para constituição de uma cooperativa estão

descritas nos arts. 14, 15 e 16 da Lei n° 5.764/71, cabendo destacar dentre estas a

necessidade de convocação de assembléia geral, descrição do objeto de

funcionamento da sociedade, aprovação de estatuto e a qualificação dos associados

eleitos para os órgãos de administração, fiscalização e outros. De acordo com o art.

17 e seguintes, é necessário que a cooperativa, no prazo de 30 dias após sua

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constituição, apresente ao órgão competente de controle do executivo federal,

requerimento contendo quatro vias do ato constitutivo, estatuto, lista nominativa e

outros documentos necessários para viabilizar a autorização de funcionamento da

cooperativa.

Já o art. 3° da Lei 5.764/71 define as sociedades cooperativas, o que faz

deste modo: “Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que

reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de

uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. Ou seja, para

constituir-se uma cooperativa, nota-se que é necessário que indivíduos organizados

celebrem contrato de sociedade cooperativa e obriguem-se, através da prestação de

serviços ou com bens, a explorarem atividade econômica em proveito comum da

cooperativa e sem visar o lucro.

Segundo Requião (2003), o lucro, que é um traço genérico das sociedades

empresárias, nas cooperativas é substituído pelo proveito comum, que é fruto do

esforço e ajuda mútua dos cooperados. Dessa forma, a cooperativa não visa

agregar capital e assumir riscos para obter lucro, mas sim o desenvolvimento

econômico e social dos seus membros, bem como a qualidade de vida destes.

O art. 1.094 do CC e o art. 4° da Lei n° 5.764/71 trazem as características que

as sociedades cooperativas devem deter. Fundamentalmente, as cooperativas

devem prestar assistência aos seus associados, haja vista que as cooperativas são

criadas visando a ajuda mútua dos seus associados. Ademais, como visto no tópico

do trabalhador cooperado, as cooperativas, para serem regulares, precisam atender

aos princípios da dupla qualidade e da retribuição diferenciada aos seus associados.

De acordo com os arts. 1° e 2° da Lei n° 5.764/71, percebe-se que o Poder

Público, em especial o federal, possui interesse que o cooperativismo seja

desenvolvido no país, para o que institui uma política nacional de cooperativismo,

bem como incentiva, através de assistência técnica e de linhas de crédito especial, a

criação, o desenvolvimento e a integração das entidades cooperativas.

No caso da prestação de serviços médicos, as cooperativas poderão ser

constituídas na forma singular, isto é, serão formadas preferencialmente por pessoas

físicas e terão como objetivo a prestação de serviços aos seus associados. Estes,

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por sua vez, necessitam atuar no mesmo ramo de atuação da cooperativa, no caso,

a medicina. Como visto no tópico apropriado, o profissional associado à cooperativa

o faz na forma de autônomo, embora preste seus serviços através da pessoa

jurídica denominada cooperativa.

Cabe ressaltar, ainda, que os sócios poderão ser titulares de quotas-partes do

capital da cooperativa ou terem direito de intervenção na administração da

cooperativa, por meio do voto e de fiscalização de suas atividades, desde que

deferido seu ingresso. Nessa última modalidade, o cooperado também terá direito de

usufruir dos serviços que forem prestados pela cooperativa e de participar do retorno

das sobras líquidas do exercício e de usufruir dos serviços que forem prestados pela

cooperativa (Requião, 2003).

Estando em regular funcionamento da cooperativa de prestação de serviços

médicos, o vínculo jurídico desta com o hospital que tomará os seus serviços dar-se-

á por meio de contrato de prestação de serviços, firmado de acordo com as

disposições pertinentes previstas no Código Civil, o que já foi objeto de abordagem

no tópico do autônomo.

Aos médicos cooperados caberá a execução dos serviços contratados.

Todavia, o pagamento pelos serviços prestados, preferencialmente, deverá ser

realizado para a cooperativa médica que, posteriormente, repassará aos

profissionais que os executaram.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito do trabalho é ramo dinâmico da ciência do direito, pois está em

constante transformação, sempre buscando acompanhar os fatos socioeconômicos

gerados na sociedade.

Nota-se que desde a edição da Lei Áurea, no final do século XIX, o direito do

trabalho evoluiu significativamente no Brasil. Hoje, em pleno século XXI, discute-se a

flexibilização das relações de trabalho, em virtude da inserção de novos métodos de

produção e de atuação das indústrias, bem como em razão do constante

aperfeiçoamento e especialização do setor de serviços. Ferramenta desse processo

de modernização, a terceirização de serviços e produção de bens, desde a década

de 50, está presente no cotidiano empresarial brasileiro; todavia, ainda padecendo

com a escassa legislação sobre o tema, gerando toda sorte de incertezas sobre a

regularidade das relações de trabalho a partir dela estabelecidas; no caso deste

trabalho, a terceirização de serviços médicos em hospitais.

Paralelamente a isso, não há como negar e, principalmente, desconsiderar

todo um sistema jurídico-histórico de proteção do indivíduo enquanto fornecedor de

sua força física, de modo subordinado às ordens de um empregador, para a

execução de determinado trabalho. Além de normas, compõem esse sistema jurídico

princípios que são reconhecidos e legitimados pelo Estado, dentre os quais vale

ressaltar o da proteção, que visa compensar a inferioridade jurídica e econômica

ostentada pelo empregado perante o seu empregador, e o da primazia da realidade,

que prioriza a verdade extraída dos fatos, quando em confronto com aquela extraída

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de atos formais, possibilitando, em razão disso, a desconstituição de uma relação

jurídica simulada.

Neste trabalho, verificou-se a diferenciação entre relação de emprego e

relação de trabalho, bem como a constituição da primeira, em razão da sua

importância social e econômica, na espécie mais relevante do gênero representado

pela segunda, justificando, por isso, a proteção jurídica do trabalhador empregado

pelo Estado.

Além disso, constatou-se que para determinado trabalhador ser considerado

empregado e, portanto, amparado pela legislação trabalhista, deve haver o

preenchimento dos requisitos caracterizadores da relação empregatícia. Ao todo são

cinco requisitos cumulativos que, se presentes na relação de trabalho, determinam

que o indivíduo nela inserida é da espécie empregado.

Merece destaque, dentre os requisitos da relação de emprego, o da

subordinação, visto que, conforme exposto no segundo capítulo, não existe relação

de emprego sem que essa seja uma relação de subordinação, de um trabalhador, às

ordens de um empregador. Em razão disso, numa relação de trabalho mantida entre

médico e hospital, será a presença do requisito da subordinação que terá papel

determinante para definir se esse trabalhador é empregado ou não.

Dentre as espécies de trabalhadores que não preenchem os requisitos da

relação de emprego, abordou-se a figura do autônomo que, embora execute suas

atividades como pessoa física, com pessoalidade, habitualidade e onerosidade, não

é considerado empregado porque não está subordinado às ordens do tomador do

seu serviço.

Da mesma forma, verificou-se também que não será considerado empregado,

caso não esteja presente o requisito da subordinação na relação jurídica de trabalho

mantida com o tomador do serviço, o sócio de sociedade simples e o cooperado. O

primeiro, mediante prestação de seus serviços através de pessoa jurídica e sem

subordinação, podendo também ser sem pessoalidade, caso os sócios da sociedade

alternem entre si a prestação dos serviços. E o segundo, mediante prestação do

trabalho como pessoa física, tal como o autônomo, mas associado a uma

cooperativa, uma pessoa jurídica.

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Todavia, é pertinente o registro no sentido de que o trabalhador pode, a

qualquer tempo, questionar a relação jurídica de trabalho mantida com o tomador do

seu serviço, mediante reclamação dirigida ao juízo trabalhista competente. No curso

dessa demanda, se a realidade fática demonstrar a existência da subordinação do

trabalhador, juntamente com os demais requisitos da relação empregatícia, será

reconhecido o vínculo de emprego entre as partes, mesmo que documentos formais

digam que a relação jurídica estabelecida entre o trabalhador e o tomador do serviço

não era de emprego. Isso porque, aplicável, nesse caso, o princípio da primazia da

realidade, analisado no primeiro capítulo.

De outro lado, seguindo a corrente doutrinária dominante, verificou-se que

súmula não tem força de lei, por não ser fonte formal do direito, notadamente por

tratar-se da exteriorização de entendimento vigente em órgão jurisdicional sobre

determinada matéria após reiterados julgados sobre ela, interpretativos da legislação

aplicável ao caso. Assim, a Súmula 331 do TST não tem força para limitar as formas

de terceirização de serviços apenas às hipóteses previstas em seu texto. Ademais,

num sistema legal balizado pelo princípio da separação harmônica dos poderes, tal

qual o adotado pela Constituição brasileira, cabe somente ao Poder Legislativo a

atividade de criar normas genéricas e abstratas capazes de restringirem a livre

iniciativa empresarial, nos moldes propostos pelo inciso III da Súmula 331 do TST.

Por isso, não pode súmula criar novo requisito para configuração da relação

de emprego. Desse modo, o inciso III da Súmula 331 do TST deve ter aplicação

negada, visto que, atualmente, a relação de emprego se configura quando

presentes, casuisticamente, os requisitos dispostos nos arts. 2° e 3° da CLT, e não

quando os serviços são prestados na atividade-fim de empresa. Nota-se, assim, que

o inciso III da Súmula 331 do TST inova em relação à legislação, criando um

requisito não previsto em lei que, quando presente, caracteriza a relação

empregatícia.

É importante frisar nesse ponto que a própria jurisprudência trabalhista não é

pacífica quando se trata da prestação de serviços especializados ligados

diretamente à atividade-fim de uma empresa. Além do exemplo recorrente no âmbito

das montadoras de veículos, em que várias empresas sistemistas prestam serviços

e fornecem bens para consecução da finalidade da empresa montadora, vê-se que

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existem diversos julgados trabalhistas, especialmente no TRT 3, que afastam o

vínculo empregatício da relação jurídica formada entre médicos e hospitais, quando

não estão presentes os requisitos da relação de emprego, mesmo com o trabalho

sendo prestado com afinidade à atividade-fim.

Nesse passo, por ainda não existir legislação vedando a prática da

terceirização de serviços especializados ligados à atividade-fim, diante do princípio

da livre iniciativa empresarial e da autonomia da vontade das partes contratantes,

entende-se que essa prática empresarial não pode ser restringida apenas com base

no entendimento vigente na Súmula 331 do TST.

Assim, considerada permitida a terceirização de serviços médicos em

hospitais, verificou-se a viabilidade de formalização dessa relação jurídica mediante

contrato de prestação de serviços, nos termos previstos no Código Civil, facultando

a execução dos serviços tanto por médico autônomo, como também por médico

sócio de sociedade simples de prestação de serviços médicos ou por médico

associado à cooperativa de prestação de serviços médicos.

Em que pese os argumentos apresentados em defesa da terceirização de

serviços médicos em hospitais, para que a controvérsia gerada pela terceirização de

serviços especializados ligados à atividade-fim de empresa seja efetivamente

dirimida, necessário se faz, na atualidade, a edição de legislação clara quanto a

essa possibilidade, autorizando-a ou não.

Deve-se registrar que, num país que pretende assumir posições de destaque

no cenário do desenvolvimento econômico mundial, não é admissível relegar à

posição secundária a temática da terceirização, pois essa forma de prestação de

serviços e produção de bens é uma tendência mundial irreversível, bem como uma

importante ferramenta da atividade empresarial, inclusive, para gerar novas

oportunidades de trabalho.

Pelos argumentos expostos, entende-se possível a terceirização de serviços

médicos em hospitais, sem incorrer no vínculo empregatício, desde que a relação

jurídica entabulada entre o médico e o hospital não seja uma relação de trabalho em

que o médico, na execução do seu mister, fique subordinado às ordens do hospital.

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REFERÊNCIAS

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