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BRUNO AUGUSTO PRENHOLATO A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PARA AS ENTIDADES ASSISTENCIAIS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu” em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Direito Econômico Internacional. Orientador: Professor Dr. João Rezende Almeida Oliveira. Brasília-DF 2007

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BRUNO AUGUSTO PRENHOLATO

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO

DE GARANTIA E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS PARA AS ENTIDADES ASSISTENCIAIS.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação ―Stricto Sensu” em

Direito da Universidade Católica de

Brasília, como requisito para a obtenção

do Título de Mestre em Direito

Econômico Internacional.

Orientador: Professor Dr. João Rezende

Almeida Oliveira.

Brasília-DF

2007

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12,5 cm 7,5 cm 7,5cm Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Católica de Brasília – UCB 16/11/2009

P926 i Prenholato, Bruno Augusto.

A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais / Bruno Augusto Prenholato, 2007.

189 f.; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, 2007.

Orientação: João Rezende Almeida Oliveira.

1. Imunidade tributária. 2. Direitos humanos. 3. Terceiro setor. I. Oliveira, João Rezende Almeida, orient. II. Título.

CDU 341.231.14: 336.22

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Dedico este trabalho a Deus, nosso

protetor, e a todos aqueles que puderam,

de alguma forma, nutrir minha vontade e

meu desejo por trilhar a vida acadêmica.

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Agradeço aos professores e funcionários

da instituição Universidade Católica, cuja

colaboração, incentivo e respeito

souberam transformar as horas de

dificuldade e dúvida em importantes

momentos de reflexão.

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―Nullas ex omnibus rebus, quae in

potestate mea non sunt, pluris facio, quam

cum Viris veritatem sincere amantibus

foedus inire amicitiae”.

―Nada estimo mais, entre todas as coisas

que não estão em meu poder, do que

contrair uma aliança de amizade com

homens que amam sinceramente a

verdade‖.

Baruch de Spinoza

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RESUMO

A presente dissertação tem por objetivo específico analisar os desdobramentos da

imunidade tributária como um instrumento legal de garantia e efetivação dos Direitos

Humanos, confrontando a realidade normativa das limitações ao poder de tributar e o

respectivo entendimento esposado pelos tribunais brasileiros. Neste estudo, serão

tratadas, ainda, a importância e a alta relevância das entidades assistenciais brasileiras,

em razão da situação social e econômica em que o país se encontra. Com vistas a situar a

imunidade tributária no campo social e junto ao Terceiro Setor, a pesquisa traz as

conseqüências sociais decorrentes da aplicação do instituto da imunidade tributária, com

enfoque nos direitos humanos econômicos de segunda geração. Sem desvincular o caráter

legal da aplicação da imunidade tributária, o estudo busca justificar a necessidade de se

dividir as responsabilidades sociais do Estado com entidades, notadamente, mais

eficientes na gestão de programas assistenciais, como, por exemplo, as entidades

assistenciais descritas na Constituição.

PALAVRAS-CHAVE: Imunidade Tributária, Direitos Humanos, Entidades

Assistenciais, Terceiro Setor.

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ABSTRACT

The especific objective of the present dissertation study is to examine questions about the

ramifications of the tributary immunity like a legal instrument of guarantee to the Human

Rights, confronting legal reality of the limitations to the power of taxing and the

respective understanding judged by Brazilian courts. In this study, there will be treated,

still, the importance and the high relevance of social Brazilian entities, on account of

social and economical situation in which the country is. With sights to situate the

tributary immunity in the social field and in the Third Sector, the inquiry brings the social

resulting consequences to application of the institute of the tributary immunity, with

approach in the economical human rights of second generation. Without divesting the

legal character of the application of tributary immunity, the study looks to justify the

necessity of social responsibilities of the State being divided with entities, especially,

more efficient in the management of social programs, like the social entities described in

the Constitution.

KEYWORDS: Tributary Immunity, Human Rights, Social Entities, Third Sector.

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LISTA DE SIGLAS

ABCR: Associação Brasileira de Captadores de Recursos.

ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade.

CF: Constituição Federal.

CNAS: Conselho Nacional de Assistência Social.

CTN: Código Tributário Nacional.

LOAS: Lei Orgânica da Assistência Social.

MP: Ministério Público.

OMC: Organização Mundial do Comércio.

ONU: Organização das Nações Unidas.

OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

RE: Recurso Extraordinário.

RESP: Recurso Especial.

STF: Supremo Tribunal Federal.

STJ: Superior Tribunal de Justiça.

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SUMÁRIO

Introdução: ___________________________________________________________ 12

Capítulo 1 – O poder do tributo e sua perspectiva de Direitos Humanos:

1.1 - Evolução histórica dos Direitos Humanos _________________________ 19

1.2 – Acontecimentos históricos à criação dos Direitos Humanos ___________ 27

1.3 – Os fundamentos e finalidades dos Direitos Humanos ________________ 36

1.4 – Os Direitos Humanos e o Direito Natural _________________________ 42

1.5 – O Direito e o Fenômeno Econômico _____________________________ 45

1.6 – O poder do tributo ___________________________________________ 50

1.7 – A tributação, a economia e suas repercussões sociais_________________55

Capítulo 2 – Os direitos fundamentais e o ordenamento jurídico:

2.1 – Os direitos do homem e os direitos fundamentais __________________ 61

2.2. – O papel e o significado dos direitos fundamentais __________________ 65

2.3 - A teoria dos ―status” de Georg Jellinek ___________________________ 70

2.4 – Os direitos fundamentais como direito de defesa ___________________ 73

2.5 – O Poder Legiferante e os direitos fundamentais_____________________ 76

2.6 – Os limites constitucionais aos direitos fundamentais ________________ 80

2.7 – A estrutura dos limites imanentes _______________________________ 83

2.8 – As teorias a respeito do conteúdo essencial dos direitos fundamentais ___84

2.8.1 – As teorias relativa e absoluta ____________________________86

2.8.2 – As teorias subjetiva e objetiva ___________________________88

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Capítulo 3 – Os Direitos Humanos e a sistemática internacional aplicada:

3.1 – O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais______90

3.2 – A Declaração Universal dos Direitos Humanos _____________________94

3.3 – O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em

Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador_

________________________________________________________________95

3.4 – A Declaração sobre o direito ao desenvolvimento ___________________98

Capítulo 4 – A imunidade tributária:

4.1 – A conceituação de imunidade tributária __________________________101

4.2 – A imunidade tributária como garantia dos Direitos Humanos _________ 106

4.3 – A análise constitucional das imunidades tributárias – As Imunidades

Condicionadas ____________________________________________ 110

4.4 – O Princípio da capacidade econômica, capacidade contributiva e a

imunidade tributária ______________________________________________113

4.5 – As limitações ao poder de tributar: Imunidades____________________ 116

Capítulo 5 – As entidades assistenciais:

5.1 – O Estado e a concepção social _______________________________________ 118

5.2 - Terceiro Setor e as entidades assistenciais ______________________________ 122

5.3 – As entidades assistenciais no Brasil ___________________________________ 128

5.4 – Fundações _______________________________________________________130

5.4.1 – Criação e Classificação _____________________________________ 132

5.5 – Associações ______________________________________________________137

5.5.1 – Conceito e criação _________________________________________139

5.6 - Cooperativas Sociais – introdução pela Lei 9.867/1999 ____________________140

5.7 – Organização da Sociedade Civil de interesse Público: Lei 9.790 de 1999 ______142

5.7.1 – Entidades que podem se qualificar como OSCIP _________________ 143

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5.7.2 – Entidades que não podem se qualificar com OSCIP ______________ 144

5.8 – Organizações Sociais – Lei 9.637/1998 ________________________________ 146

5.9 – As imunidades tributárias destinadas às entidades assistenciais ______________149

5.10 – Fundos das entidades assistenciais ___________________________________154

5.11 – LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social e a base principiológica _______ 158

5.12 – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social ________________160

Capítulo 6 – A imunidade tributária para os tribunais brasileiros:

6.1 – O posicionamento dos tribunais brasileiros a respeito do tema ________166

Conclusão ___________________________________________________________172

Referências __________________________________________________________180

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Introdução:

Com a globalização do mundo contemporâneo, muitas foram as

alterações estruturais realizadas no âmbito da economia e das políticas sociais existentes.

Como diz Flávia Piovesan1, as alterações lançadas pelo novo modelo político instaurado

com a globalização, a luta e defesa de alguns direitos, sobretudo os direitos econômicos,

passaram a assumir papel relevante para as políticas públicas. Contudo, cada vez mais, a

responsabilidade do Estado passaria por severas modificações, ante a necessidade de

implementação de direitos sociais, culturais e em especial os direitos econômicos.

Jayme Benvenuto Lima Júnior2 adverte que, em se tratando de Brasil, o

país sempre chega atrasado nas grandes questões colocadas pelo mundo moderno, e, para

os direitos humanos, econômicos e sociais, parece não ter sido a exceção.

A abordagem do tema: ―direitos humanos e a questão da imunidade

tributária como forma de garantia para as entidades assistenciais‖, não é tarefa das mais

simples. Hodiernamente, existem diversos questionamentos a respeito, entre os quais, se

a imunidade tributária pode ser entendida como apenas uma limitação constitucional ao

poder de tributar. Sabe-se, no entanto, que o referido obstáculo, encontra-se disposto na

Constituição Federal como imposição legal de natureza limitativa que proíbe e veda a

ação estatal, especialmente com relação a tributação de alguns sujeitos passivos, dentre os

quais destacam-se: as entidades assistenciais sem fins lucrativos, entidades filantrópicas,

as fundações e as associações culturais e recreativas que buscam, tão somente, atingir

seus objetivos, sem, contudo, a obtenção de lucro. Todavia, esta limitação lança seus

efeitos em uma intricada rede de ramificações econômicas, com resultados e conclusões

de grande destaque para a atividade assistencial brasileira.

Assim, o objetivo principal desta dissertação é centralizar a

conceituação da imunidade tributária frente aos direitos humanos e econômicos, traçando,

1 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça internacional. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 23.

2 LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Editora

Renovar. 2001, p. 48.

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como objetivo secundário, as conseqüências advindas do emprego da imunidade como

incentivo às entidades assistenciais e seus delineamentos.

A análise que se pretende fazer levará em conta os aspectos políticos,

sociais e principalmente econômicos, tomando-se, como questão central, a imunidade

tributária como garantia e proteção destes direitos humanos de segunda geração. Como

primeiro problema a ser estudado nesta pesquisa, temos a verdadeira conceituação da

natureza jurídica da imunidade tributária, identificando este instituto como garantia de

direitos humanos, e não meramente simples regra de limitação ao poder de tributar. A

ciência jurídica é dinâmica e deve acompanhar todos os passos evolutivos de nossa

história. Para os Direitos Humanos e o Direito Econômico, este conceito paradigmático

também se revela verdadeiro, na medida em que os anseios sociais clamam pela evolução

das normas e do próprio direito em si.

Como problema igualmente importante, mas a ser analisado em

segundo momento nesta pesquisa, temos a necessidade de definir se a imunidade

tributária pode, também, ser considerada como um ônus para quem a recebe, pois, quem

dela se beneficia, assume paralelamente a árdua tarefa de encampar atividades sociais em

que o Estado notadamente não dá conta. Frisaremos, ainda, associando a estas discussões,

a importância da imunidade tributaria como instrumento delimitador capaz de estabelecer

direcionamentos e parâmetros para os quais a sociedade deve convergir energias,

especialmente para o equacionamento de problemas sociais. Neste sentido, será

importante analisarmos o papel das entidades assistenciais de cunho caritativo, voltadas,

essencialmente, à assistência de necessidades básicas do ser humano.

Diante de tal problemática, surgem como hipóteses de estudo,

destinadas a solucionar os problemas propostos, os seguintes aspectos: i) as imunidades

tributárias, embora representem em certo sentido verdadeira renúncia fiscal, trazem,

como corolário dos direitos fundamentais e o bem-estar social e econômico, o estímulo

para certas entidades, na medida em que as poupa da ação do fisco; ii) como instituto de

garantia dos direitos humanos de segunda geração, as imunidades tributárias podem ser

investimentos indiretos patrocinados pelo Estado, que notadamente, não consegue gerir

com qualidade os programas sociais propostos; e, por fim iii) a transferência de

responsabilidades sociais do Estado para a iniciativa privada, pode ser atribuída a

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ineficiência estatal. Neste caso, este mesmo fenômeno poderá fomentar o crescimento e o

atendimento proporcionado pelas entidades assistenciais de Terceiro Setor em níveis mais

satisfatórios.

Sem deixar de lado os problemas propostos, ao longo do exame

proposto estudaremos os movimentos sociais e históricos, que sabidamente tiveram papel

fundamental à motivação e deflagração de novas perspectivas jurídicas, especialmente no

que diz respeito aos direitos humanos. Com a evolução, até mesmo os direitos humanos

foram erigidos a categoria de ramo jurídico, pois entre outras mudanças, passaram a

contar com subdivisões e classificações especializadas.

Os direitos humanos foram evidenciados com o passar dos tempos, daí,

a razão de a doutrina majoritária dividi-los em três, até quatro, Gerações de

Direitos. Os direitos humanos, com a evolução sócio científica do homem,

tendem, da mesma forma, a evoluir, sofrendo modificações e se adaptando às

novas realidades sociais. Caso típico desta situação são os chamados direitos

ecológicos. Ninguém pode duvidar de que o meio ambiente sempre esteve

presente, ao longo de toda a história do homem. Só recentemente, porém, devido

aos avanços econômicos e sociais, bem como do avanço científico, passaram

estes direitos a ser incluídos nas Declarações de Direitos Humanos, e a receber o

devido tratamento doutrinário, legislativo e jurisprudencial, no que se refere à

sua proteção3.

Nos dizeres de Fernando Facury Scaff4, os direitos humanos também

evoluíram, portanto, acompanharam a história humana. Mesmo com as mudanças

políticas, guerras, conflitos e outros, os direitos humanos ainda persistiram de forma

bastante evidente e foram incorporados aos novos ordenamentos existentes. Como

defende o autor, os direitos humanos, ao longo de sua evolução, foram divididos em

categorias, tais como os direitos humanos de primeira geração — onde são contempladas

as liberdades e a igualdade como manifestações gerais, tais como a liberdade de ir e vir, a

liberdade religiosa, políticas e de opinião. Para os direitos humanos de segunda geração,

existem os diretos econômicos e sociais, sendo que, para os segundos, a Constituição

Federal de 1988 teria reservado capítulo a parte. Para esta proposta de pesquisa, nos

limitaremos a examinar as circunstâncias históricas sobre as quais os tributos têm

3 SCAFF, Fernando Facury. Constitucionalismo, tributação e direitos humanos. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 2007. p. 88. 4 SCAFF, op.cit., p. 90.

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evoluído, suas perspectivas e, principalmente, o papel das imunidades tributárias para a

sociedade contemporânea, em especial para as entidades assistenciais.

Neste trabalho, cuja metodologia empregada busca, como finalidade,

embasar a coleta de informações sobre o tema, pautando-se pelo método hipotético-

dedutivo de Karl Popper5, propõe-se a solucionar o problema doutrinário a respeito do

alcance social das imunidades tributárias, buscando, com esta incursão, posicionar de

forma técnica os delineamentos econômicos que decorrem da benesse fiscal tratada.

Bem se sabe que a sociedade moderna adota modelo político em que os

tratamentos diferenciados funcionam como instrumento capaz de corrigir distorções

sociais. Como menciona Luiz Moreira6, citando Jünger Habermas, os direitos

fundamentais e as garantias sociais, técnica e ecológicas, são necessárias para o

aproveitamento, em igualdade de chances, de direitos, tais como a proteção individual, a

liberdade, dignidade, enfim, todos aqueles que são necessários à autonomia política, que

é fundamental à criação de um direito legítimo.

Para os direitos humanos, as garantias fundamentais e os direitos sociais

não é diferente. A inserção jurídica deste modelo, funciona como contrapeso às diversas

desigualdades sociais existentes em uma dada sociedade. O papel das imunidades

tributárias não restringirá, com será analisado, apenas à concessão de uma benesse, ou

ainda, a limitação à ação do Estado. O direito existe, no caso, para promover a

harmonização social, permitindo-se uma convivência pautada pela paz e o entendimento.

Sob a égide do primado da cidadania, a presente pesquisa busca analisar

a imunidade tributária, também, como forma de integração social, especialmente por

garantir a determinados grupos o exercício e pleno gozo da igualdade, o que não seria

plenamente possível com um modelo sem flexibilizações ou regras de tolerância a

respeito.

Certamente, como diz Ives Gandra Martins, a luta entre a sociedade e o

tributo não é um fenômeno que se possa dizer recente. O tributo, desde há muito, sempre

5 De acordo com o Autor Orides Mezzaroba e Claudia Servilha, a Karl Popper é atribuído o método

hipotético-dedutivo. In: MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia

de pesquisa no direito. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 163. 6 HABERMAS, Jünger. Direito e democracia: entre facticidade e validade. t. I, p.160. In: MOREIRA,

Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, p.

169.

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exerceu grande força e pressão junto à sociedade, em razão da força que se encontrava

por traz de sua exigibilidade.

Neste quadro, a pesquisa proposta busca trazer contornos ao tributo,

não sob a ótica fria e positivista da lei. Ao contrário, quer trazer à lume todos os

delineamentos sociais que o tributo incorpora, seu poder, sua repercussão social e

principalmente, a importância que tem para a sociedade.

No capítulo dois e três, trataremos ainda das garantias fundamentais,

sua justificação e os direitos econômicos e a forma como estes se inserem em nosso

ordenamento. Sem deixar de lado a importância dos eventos históricos, traremos ainda a

discussão a respeito dos principais movimentos, tratados, e documentos que integraram

de uma vez por todas o fenômeno dos direitos humanos, enfatizando alguns pontos

especiais, como, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Protocolo Adicional à

Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador, e, por fim, a Declaração sobre o Direito

ao Desenvolvimento.

Como o tema tratado busca não apenas desvendar aspectos econômicos

das imunidades tributárias para as entidades assistenciais, realizaremos, no segundo

capítulo, importante incursão junto à teoria dos direitos fundamentais, traçando a

caracterização destas garantias, com vistas a identificar neste estudo, o eixo de equilíbrio

entre a proteção conferida pelas imunidades, e os direitos humanos de segunda geração.

Robert Alexy7, já dizia que, a contraposição dos direitos de defesa e proteção, quando

opostos, contemplam ações positivas e negativas. Neste sentido, abordaremos as

imunidades não apenas como proteção, defesa ou estimula de determinado setor, mas

também a problemática que envolve a sua complexa sistematização em nossa sociedade e

seus desdobramentos.

Diante deste contexto, onde os direitos humanos de segunda geração

serão melhor explicados, a pesquisa alcançará sua maturação com os capítulos quatro,

cinco e seis, onde, finalmente, abordaremos com precisão a questão das imunidades

7 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. 3ª edição. Madrid: Centro de Estúdios

Políticos y Constitucionales, 2002. p. 441.

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tributárias, como a doutrina a analisa e, principalmente, de que forma se pode conceituar

as imunidades tributárias como instituto ou regra de proteção para os direitos humanos às

entidades assistenciais.

Para o último capítulo, acreditamos na necessidade de se analisar o

posicionamento dos tribunais sobre o tema. Como menciona Norberto Bobbio, a

jurisprudência, é, em verdade, momento em que a ação da lei ou norma, materializa um

entendimento a respeito de certa matéria ou tema que é submetido a julgamento.

Na atividade relativa ao direito, podemos distinguir dois momentos: o

momento ativo ou criativo do direito e o momento teórico ou cognoscitivo do

próprio direito; o primeiro momento encontra a sua manifestação mais típica na

legislação, o segundo na ciência jurídica ou (para usar termo menos

comprometedor) na jurisprudência. Esta pode ser definida como a atividade

cognoscitiva do direito visando à sua aplicação8.

Associando-se a definição de Bobbio aos objetivos principais desta

pesquisa, buscaremos ainda conhecer a sistemática normativa empregada pelo estado

brasileiro às instituições de assistência social de cunho caritativo, especialmente para

avaliar, estudar e demonstrar a importância destas entidades para Estado, cujas políticas

sociais não parecem ter o alcance necessário à crescente demanda.

Com a presente pesquisa, não ousaremos classificar ou mesmo

conceituar o que vem a ser a assistência social. Aliás, do estudo das entidades

assistenciais, sabemos que a intenção do legislador foi a de conferir a maior amplitude

possível a este conceito, trazendo, por conseguinte, verdadeira pluralidade de modelos.

Mesmo assim, a justificativa desta pesquisa centra-se na idéia também lançada por

Leandro Marins de Souza9, no sentido de que nossa sociedade não é homogênea. Na

verdade, é composta por uma diversidade de interesses, por grupos sociais distintos

economicamente, demandando do Estado direitos e garantias, também diferenciadas.

Assim sendo, centraremos nosso exame para as entidades cujo fim último é atender

àqueles que na maioria das vezes não possuem condições de manter a sua subsistência.

8 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio

Pugliesi. São Paulo: Editora Ícone, 2006. p.11. 9 SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética,

2004. p. 145.

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Buscando defender a utilidade das imunidades tributárias para estas

entidades, analisaremos o contexto dado por tributaristas, inserindo a necessidade do viés

humanitário que, em verdade, mantêm-se associado à idéia da assistência para as

atividades desempenhadas pelas entidades assistenciais.

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Capítulo 1 - O poder do tributo e sua perspectiva de Direitos

Humanos:

1.1 – Evolução Histórica dos Direitos Humanos:

Analisando a história evolutiva do homem, parece vir associada à

evolução dos direitos humanos a figura da tragédia como marco inicial de toda a

caminhada destinada a compreender, aplicar e proteger determinados aspectos da vida

humana, que, são considerados valores primordiais, e, por assim dizer, inafastáveis da

verdadeira essência humana.

Com estes delineamentos, tanto a história clássica, como a moderna e

contemporânea, estabeleceram paradigmas indissociáveis do processo de harmonização e

respeito da vida humana.

Como destaca Fábio Konder Comparato, a compreensão da dignidade

da pessoa humana, e seu papel em nossa sociedade, somente conseguiu alguma

importância ou relevância a partir da violência, da dor e do sofrimento. Vejamos:

A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à

vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o

remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as

explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a

exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.

Além dessa chave de compreensão histórica dos direitos humanos, há outro fato

que não deixa de chamar a atenção, quando se analisa a sucessão das diferentes

etapas de sua afirmação: é o sincronismo entre as grandes declarações de

direitos e as descobertas científicas ou invenções técnicas.10

A concepção histórica do homem nos permite saber que, todos os seres

humanos, apesar de suas diferenças biológicas, físicas, culturais, étnicas e sociais,

10

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 2003. p. 37.

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merecem respeito como seres únicos, dotados de grande capacidade e potencial para as

realizações mais significativas de uma vida. Deste paradigma, cujas origens remontam o

novo testamento dos textos bíblicos, sobressai-se a importância da dignidade humana e a

própria ética, que mereceu destacado estudo por filósofos da história humana.

Como objetivo principal desta pesquisa, buscaremos analisar as

questões atinentes aos direitos humanos e a imunidade tributária. No entanto, antes de

estudarmos a evolução histórica dos direitos humanos e os direitos fundamentais,

convém, neste momento, elaborarmos pequena diferenciação entre os institutos, a fim de

evitarmos confusões posteriores. Embora para este trabalho tal filigrana não comporte

tanta importância, vale mencionarmos um dos vários debates a respeito desta

classificação. As expressões ―Direitos do Homem‖ e ―Direitos Fundamentais‖, como

defende Franco Nogueira11

, quase sempre acabam sendo utilizadas de forma similar, na

medida em que alguns estudiosos consideram, tão-somente, o núcleo comum a estes

institutos, no caso, a própria liberdade. Prossegue o autor, citando Blanca Martinez de

Vallejo Fuster12

, onde se afirma que os direitos humanos existem em uma esfera

internacional, enquanto que os ditos direitos fundamentais encontram-se inseridos em

uma ordem jurídica interna, ou seja, dentro de ordenamentos jurídico-positivos estatais.

Embora relativamente cartesiana a classificação utilizada pelo autor

citado, preferimos nos ater a classificação defendida por Ricardo Lobo Torres, que,

embora de forma mais generalista, diz que ―os direitos naturais são sinônimos dos

direitos fundamentais, ou direitos individuais, ou direitos civis, ou liberdades públicas‖13

.

Assim, com estes esclarecimentos, cabe-nos registrar a evolução histórica dos direitos

humanos, na medida em que sob este aspecto aprofundaremos nossas pesquisas.

Para Fábio Konder Comparato14

, a dignidade humana e sua posição no

mundo atual gira em torno de três centros que convergem. No caso, a religião, a filosofia

e a ciência, as quais comporiam a base teórica à formação do conceito pessoa, que,

11

NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 1997. p. 11. 12

VALLEJO FUSTER, Blanca Martinez. apud NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos

humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1997. p. 12. 13

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro:

editora Renovar, 1995. p. 8. 14

COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 1.

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21

evidentemente, integram base de importância singular para a definição e evolução dos

direitos humanos como um todo.

A primeira grande discussão conceitual entre os doutores da Igreja, no

entanto, não ocorreu a respeito do ser humano, e sim da identidade de Jesus

Cristo. No primeiro concílio ecumênico, reunido em Nicéia em 325, cuidou-se

de decidir sobre a ortodoxia ou heterodoxia de duas interpretações antagônicas

da identidade de Jesus: a que o apresentava como possuidor de uma natureza

exclusivamente divina (daí o nome de monofisistas atribuído aos partidários

dessa crença), e a doutrina ariana, segundo a qual Jesus fora efetivamente gerado

pelo Pai, não tendo portanto, uma natureza consubstancial a este.

[...] A segunda fase na história da elaboração do conceito pessoa inaugurou-se

com Boécio, no início do século VI. Seus escritos influenciaram profundamente

todo o pensamento medieval. Ao rediscutir o dogma proclamado em Nicéia,

Boécio identificou de certa forma prósopon com hypóstasis, e acabou dando à

noção pessoa um sentido muito diverso daquele empregado pelo concílio. Em

definição que se tornou clássica, entendeu Boécio que persona proprie dicitur

naturae rationalis individua substantia (―diz-se propriamente pessoa a

substância individual da natureza racional‖). Aqui, como se vê, a pessoa já não é

uma exterioridade, como máscara de teatro, mas a própria substância do homem,

no sentido aristotélico; ou seja, a forma (ou fôrma) que amolda a matéria e que

dá ao ser de determinado ente individual as características de permanência e

invariabilidade.15

As primeiras confrontações existenciais ocorridas trariam, como ponto

de interconexão, o próprio Jesus Cristo, que em sua imagem e semelhança apresentava,

também, as suas falibilidades, especialmente o homem, que, em verdade, era comparável

somente à imagem. Neste ponto, aliás, é que se encontra a diferenciação. Para a tradição

bíblica antiga, Deus serviria como modelo de pessoa para todos os homens. Para algumas

religiões como o catolicismo, este modelo ainda continua sendo considerado como

válido, especialmente porque o modelo de bondade humana deve-se revestir da caridade,

do amor e do apoio ao próximo.

A este respeito, ou seja, da influência representativa da igreja e da

religião, alguns autores são categóricos em afirmar a grande influência do direito

canônico — Corpus Iuris Canonici — na construção do direito como o conhecemos hoje.

Norbert Horn16

, acredita que muitas das concepções atuais de nosso direito remontam a

idéias que foram cultivadas e desenvolvidas na filosofia do Renascimento do século

XVIII. Neste período, como ressalta o autor, as idéias eram efetivamente contrárias às

15

COMPARATO, op.cit., p. 18-19. 16

HORN, Norbert. Introdução à ciência do direito e a filosofia jurídica. 2ª edição. Porto Alegre: Editora

Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 116.

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22

autoridades eclesiásticas da época, no entanto, os ideais defendidos encontravam-se

amplamente orientados pelo Cristianismo, como o meio espiritual dominante de nossa

cultura.

Fase seguinte deste modelo de criação da pessoa, como sujeito de

direitos universais, superiores, inclusive ao ordenamento estatal, teria surgido com a

filosofia Kantiana17

.

O primeiro postulado ético de Kant é o de que só o ser racional possui a

faculdade de agir segundo a representação de leis ou princípios; só um ser

racional tem vontade, que é uma espécie de razão, denominada razão prática. A

representação de um princípio objetivo, enquanto obrigatório para uma vontade,

chama-se ordem ou chamado (Gebot) e se formula por meio de um imperativo.

Segundo o filósofo, há duas espécies de imperativo. De um lado, os hipotéticos,

que representam a necessidade de prática de uma ação possível, considerada

como meio de se conseguir algo desejado. De outro lado, o imperativo

categórico, que representa uma ação como sendo necessária por si mesma, sem

relação com a finalidade alguma exterior a ela.

[...] a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente

das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e

nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta

também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em

condições de autonomia, isto é, como se capaz de guiar-se pelas leis que ele

próprio edita18

.

Assinala-se, nesta transcrição, que todo ser humano possui claramente

os elementos de dignidade, já que não pode ser considerado em si mesmo. Na verdade, a

pessoa, como ente dotado de características próprias e singulares, termina por

desenvolver a sua autonomia de acordo com as próprias regras, as quais são criadas e

executadas de acordo com um plano individual próprio que merece a proteção,

reconhecimento e o respeito da sociedade.

A autonomia, tratada na filosofia Kantiana, na verdade, tem no homem

um sujeito de razão geral, um indivíduo que tem personalidade independente das

determinações físicas, possuindo, inclusive, liberdade interna. Este pensamento, como

17

Neste trecho em especial, o autor Fábio Konder Comparato, na obra A Afirmação Histórica dos Direitos

Humanos, destacou a contribuição da filosofia Kantiana para a construção da figura da pessoa. Cita, ainda,

Fundamentos para a Metafísica dos Costumes (Grundlegungzur Metaphysik der Sitten), que é, na verdade,

uma introdução à Crítica da Razão Prática (Kritik des praktischen Vernunft). In: COMPARATO, Fábio

Konder. op.cit., p. 21. 18

COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 21.

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23

ensina Wilson Engelmann19

, busca integrar o homem como um conjunto, estando sua

autonomia não necessariamente vinculada à razão.

Outro campo encarregado de construir e criar o modelo de pessoa como

conhecemos, é a própria ética.

A oposição ética entre pessoas e coisas, sustentada por Kant, alarga e

aprofunda a tradicional dicotomia, herdada do direito romano, entre persona e

res. Nas Institutas de Gaio (1,8), por exemplo, o direito é classificado, em sua

totalidade, em função de três categorias: pessoas, coisas e ações: ‘omene autem

ius, quo utimur, vela de personas pertinet vel ad res vela de actiones’ (todo

direito de que usamos ou respeita às pessoas, ou às coisas, ou às ações). Mas o

jurisprudente acrescenta, imediatamente (1,9), que a summa divisio do direito

pertinente às pessoas é entre homens livres e escravos (‘Et quidem suma divisio

de iure personarum haec est, quod omnes homines aut liberi sun aut servi’)20

.

A ética, como ciência humana, tem revelado inúmeras nuances acerca

da identidade da pessoa humana e seu constructo, especialmente como entidade de

valores e direitos. ―Os direitos humanos representam, no plano jurídico, uma inversão da

figura deôntica originária, ou seja, significam uma passagem do dever do súdito para o

direito do cidadão‖21

. Ainda, neste sentido, prossegue Celso Lafer em sua lição:

Esta mudança do dever do súdito, determinada pelo soberano, para o

direito do cidadão representa a legitimação plena da perspectiva dos governantes

e promove uma domesticação da perspectiva dos governantes. Contém e limita,

consequentemente, o realismo da ‗razão do Estado‘, pois o governo é

democraticamente para o indivíduo e não o indivíduo para o governo. Daí uma

atenuação do dualismo entre a ética dos princípios. Isto permite a identificação

de um terreno comum entre a Ética e a Política, que podem se colocar numa

relação de convergência e complementaridade, através da associação de três

grandes temas: democracia e direitos humanos no plano interno, e paz no plano

internacional22

.

Segundo Amartya Sent23

, que parece ter captado Celso Lafer, a idéia da

ética como elemento formador dos direitos humanos, transcende mais a intenção de

apenas materializar certas garantias vinculadas aos direitos humanos, pois, em verdade,

19

,ENGELMANN, Wilson. Direito natural, ética e hermenêutica. Porto Alegre: Editora Livraria do

Advogado, 2007. p. 70. 20

COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 22. 21

LAFER, Celso. Desafios: ética e política. São Paulo: Editora Siciliano, 1995. p. 235. 22

LAFER, Celso. Idem. p. 235. 23

SEN, Amartya Kumar. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1999. p. 96.

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24

integra uma série de objetivos maiores a serem realizados. Para este sistema de proteção,

se reconhece o caráter de complementaridade de todo um complexo sistema

principiológico, pois firma a necessidade de se reafirmar os valores éticos e humanos,

através de valores que elege e considera relevantes ao respeito e dignidade da pessoa.

Para o autor, a ética traria, em princípio, a supremacia do bem-estar de

uma pessoa, e teria prevalência considerável sobre outros aspectos da economia, tudo em

razão da necessidade de se manter e permitir a coexistência deste fecundo sistema de

garantias, com a maximização de outros objetivos ligados à economia como um todo24

.

Norberto Bobbio25

, apoiado nas afirmações de Locke, traça paralelo a respeito. Segundo

o Autor, o argumento ético, consistente na afirmativa de que se não fosse a lei natural,

não existiria vício ou virtude. Em verdade, o homem seria levado a agir não de acordo

com o bem, mas sim conforme a maior utilidade possível, que poderia ser a negação da

lei natural que levaria a certo utilitarismo.

Os direitos humanos, desde o seu surgimento, colocam em segundo

grau de prevalência este utilitarismo, que, confrontado com outros interesses, acabam por

valorizar a pessoa humana, sua dignidade e aspectos individuais a ela associados.

Apoiado em Kant, Fábio Konder Comparato26

traz a relativização das

coisas em detrimento do valor absoluto da dignidade humana, ponto que significa o

prenúncio de uma nova elaboração do conceito de pessoa, com a descoberta de novos

valores, havendo, conseqüentemente, a transformação da ética em um mundo de

preferências valorativas.

A partir de então, para o sistema existente, o conjunto de direitos

humanos passaria a gozar de uma hierarquia construída dentro de um sistema jurídico

normativo, que, em muitas ocasiões, não contemplava todos estes direitos no sistema

normativo anterior.

24

Na obra de Amartya Kumar Sent, embora o texto do trabalho cuide de defender a teoria econômica como

meio de garantir a viabilidade do sistema de circulação de mercadorias, lucros e outros fenômenos que

interessam às ciências econômicas, não se pode descartar, evidentemente, a preocupação com a realização

do bem-estar social. Como abordaremos na presente pesquisa, os delineamentos deste pensamento guardam

importância singular com a necessidade proteção que deve ser destinado às entidades de assistência social

de cunho caritativo. In: SEN, Amartya Kumar. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Editora Companhia

das Letras, 1999. p. 96. 25

BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1997. p.112. 26

COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 23-24.

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25

A ética, como fenômeno social, incorpora ao direito aquilo que se

costuma nomear de hierarquia de valores e princípios, cujas bases centrais buscam

fortalecer uma dada dogmática jurídica, que, certamente, encontra os seus objetivos

voltados ao direcionamento de uma dada sociedade. A evolução dos direitos humanos

encontra apoio na própria história do homem, cujas passagens mais estarrecedoras estão

repletas de exemplos de má-conduta, desrespeito e violação de valores da vida humana,

que sequer encontrava qualquer amparo legal ou correspondente jurídico, capaz de frear

atos ou omissões que pudessem ofender direitos humanos e valores sociais.

Por outro lado, a história da vida humana revela grande motivação para

a sistematização dos direitos fundamentais e humanos. Como lembra João Bosco

Leopoldino da Fonseca27

, as relações humanas não se criam sempre da mesma maneira,

mas ao contrário. Estas possuem um elemento estático e outro dinâmico. Neste ponto,

podemos considerar como estática a própria figura legal, e, como dinâmica, a própria

vontade consubstanciada na evolução dos valores humanos.

A valoração de determinada relação humana ou fato histórico é o que

criará, ou não, a necessidade de se valorar certa circunstância ou elemento. A história traz

evoluções ao longo de toda a cadeia temporal da existência humana. Em certos períodos28

ou eventos, algumas relações não tiveram, necessariamente, a devida avaliação e

valoração, tornando-se relação jurídica pouco pertinente. Com os direitos humanos, a

mesma hipótese teria ocorrido. Somente com determinados eventos históricos é que

houve a verdadeira necessidade de se criar e valorar determinados aspectos ou direitos,

que passaram, então, a usufruir de determinada importância antes não encontrada.

A igualdade política só deu passos significativos imediatos em

poucos Estados, embora, comparativamente com a Inglaterra, uma

proporção maior de pessoas já pudesse votar desde antes da

independência, pois o número de pequenos fazendeiros era muito maior

na América do Norte. As constituições estaduais surgidas após a

27

LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2003. p. 1. 28

Neste aspecto, Emer de Vattel, na obra, ―O direito das gentes traz como ponto motivador da valoração de

direitos fundamentais do ser humano, o elemento histórico, que, em muitas ocasiões, inspirara a reflexão a

respeito da pouca valorização da pessoa humana e seu conceito como indivíduo dotado de qualidades,

direitos e, principalmente da necessidade de proteção. Essa motivação teria desenvolvido a necessidade de

se proteger direitos básicos da pessoa. In: VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora

Universidade de Brasília. 2004. p. 193-194.

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26

independência regularam de modo bastante diversificado essa questão.

Algumas delas, como a da Pensilvânia e a da Geórgia, chegaram a

reduzir muito as barreiras econômicas para a obtenção de voto a

brancos do sexo masculino. Mas a pressão popular pela ampliação do

direito de voto surtiria efeitos antes do que na Europa, obtendo

consideráveis progressos nos cinqüenta anos seguintes à independência,

o que colocaria os Estados Unidos, por volta de 1830 (no período

jacksoniano), não posição em que o sufrágio mais havia-se

universalizado – sempre entre o sexo masculino. Na época, isso foi tido

como ‗uma espantosa inovação, e os pensadores do liberalismo

moderado, que eram realistas o suficiente para saber que, mais cedo ou

mais tarde, as ampliações do direito de voto seriam inevitáveis,

examinaram-na de perto e com muita ansiedade, notadamente Aléxis de

Tocqueville, cuja obra Democracia na América, de 1835, chegou a

melancólicas conclusões sobre ela.

[...] seja pela profundidade das transformações sociais e políticas que

provocaram no país de origem, seja pelas dramáticas e imediatas

conseqüências internacionais que suscitaram — diretamente, em toda a

Europa; indiretamente, até na América ibérica —, foram a Revolução

Francesa de 1789 e sua Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão que terminaram exercendo maior influência no mundo

galvanizando o imaginário de várias gerações de revolucionários29

.

José Damião de Lima Trindade descreve em sua obra, pequeno trecho

da história americana, onde a questão da liberalização do voto como direito social, sofria

grandes pressões populares para que pudesse ser ampliado, tudo em razão não apenas dos

reclamos sociais, mas, também, através das influências provenientes da Europa, que

caminhava paulatinamente, para um virtuoso progresso industrial e econômico.

Acompanhar este desenvolvimento social significava, para muitos,

também, ampliar a rede de direitos e proteções aos cidadãos. A extensão do voto traria

transformações sociais profundas em uma sociedade que, recentemente, lutava contra o

estigma escravagista de alguns sulistas, precisamente a partir do século XVII e início do

século XVIII.

A evolução dos direitos da pessoa encontra sua gênese não apenas com

o surgimento do pensamento religioso, filosófico, histórico e ético. Centra também suas

bases com a evolução da própria ciência, que com suas criações, descobertas e modelos

científicos cuidou de trazer uma nova perspectiva evolutiva aos direitos da pessoa30

. ―O

29

TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Editora

Peirópolis, 2002. p. 101-103. 30

No direito pátrio, importante registrar, que a evolução da ciência trouxe importantes reflexos legais, pois,

no que concerne a proteção e individuação dos direitos da pessoa o próprio Código Civil de 2002,

incorporando as evoluções científicas mais recentes, incluíram a proteção ao nascituro. Certamente o

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27

caráter único e insubstituível de cada ser humano, portador de um valor próprio, veio

demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo o indivíduo‖31

. Neste

contexto, constataremos, em algumas declarações relativas a tais direitos, que a figura da

individualidade da pessoa humana, ganha contornos essencialmente de direitos humanos.

1.2 – Acontecimentos históricos à criação dos Direitos Humanos:

Os direitos humanos não surgiram a partir de um único evento ou

episódio isolado, nem mesmo como criação única e individual de uma teoria. ―Se

considerarmos a visão jusnaturalista, os direitos humanos surgem como direitos naturais,

em Roma com os estóicos, recebendo, depois, do Cristianismo, o conceito de dignidade

humana, na linha de pensamento de Santos Tomás de Aquino‖32

.

Os direitos humanos, conforme afirma Cançado Trindade, parecem ser

tão antigos como a própria história do homem.

A idéia dos direitos humanos é assim, tão antiga como a própria

história das civilizações, tendo longo se manifestado, em distintas culturas e em

momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana,

na luta contra todas as formas de dominação e exclusão, opressão e, em prol da

salvaguarda contra o despotismo e arbitrariedade e, na asserção da participação

na vida comunitária e de princípio de legitimidade33

.

Para a criação e evolução dos direitos humanos, não foi apenas a

vontade de alguns Estados e o interesse social reivindicado por algumas classes operárias

que auxiliaram na criação efetiva dos direitos humanos. Houve, certamente, grande

legislador do Código de 1916, sequer cogitava a possibilidade de geração de vida humana fora de um útero

natural. 31

COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 31. 32

SILVA, Marcelo Guimarães da Rocha e. Direitos Humanos no Brasil e no Mundo: criação de um

Tribunal Internacional Permanente. São Paulo: Editora Método, 2002. p. 29. 33

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Porto Alegre: Editora Sérgio Fabris, 1997. p.17.

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28

contribuição de certos acontecimentos históricos à evolução e desenvolvimento destes

direitos.

A eclosão da consciência histórica dos direitos humanos só se deu após

um longo trabalho preparatório, centrado em torno da limitação do poder

político. O reconhecimento de que as instituições de governo devem ser

utilizadas para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos

governantes foi o primeiro passo decisivo na admissão da existência de direitos

que, inerentes à própria condição humana, devem ser reconhecidos a todos e não

podem ser havidos como mera concessão dos que exercem o poder.

Neste sentido, deve-se reconhecer que a proto-história dos direitos humanos

começa nos séculos XI e X a.C., quando se instituiu sobre Davi, o reino

unificado de Israel, tendo como capital Jerusalém34

.

A preocupação com as liberdades e garantias individuais era vista, neste

período, não apenas como meras garantias concedidas, ou ainda como benesses

patrocinadas por governantes, mas direitos básicos que se ligavam à própria concepção

da pessoa humana. Segundo Fábio Konder Comparato, na vida política ateniense, por

mais de dois séculos (de 501 a 338 a.C.), o poder daqueles que governavam seria

extremamente limitado, não apenas por decorrência das severas leis que vigeram à época,

mas também pelo jogo complexo de uma série de instituições de cidadania que, a todo

instante, participavam ativamente da vida política. Vejamos:

A democracia ateniense e a república romana foram destruídas pela

vaga imperial que se estabeleceu a partir do século IV antes de Cristo: primeiro,

com Alexandre Magno e em seguida com Augusto e seus sucessores. Com a

extinção do império romano do Ocidente, em 453 da era Cristã, teve início uma

nova civilização, constituída pelo amálgama de instituições clássicas, valores

cristãos e costumes germânicos. Era a Idade Média.

Os historiadores costumam dividi-la em dois períodos, cuja linha de separação

se situa na passagem do século XI ao século XII. Nessa época, volta a tomar

corpo a idéia de limitação do poder dos governantes, pressuposto do

reconhecimento, a si feito somente alguns séculos depois, da existência de

direitos comuns a todos os indivíduos, qualquer que fosse estamento social —

clero, nobreza e povo — no qual eles se encontrassem.

Toda a Alta Idade Média foi marcada pelo esfacelamento do poder político e

econômico, com a instauração do feudalismo. A partir do século XI, porém,

assiste-se a um movimento de reconstrução da unidade política perdida. Duas

cabeças reinantes, o imperador carolíngio e o papa, passaram a disputar

asperamente a hegemonia suprema sobre todo o território europeu. Ao mesmo

tempo, os reis, até então considerados nobres de condição mais elevada que os

outros (primi inter pares), reivindicaram para as suas coroas poder e

prerrogativas que, até então pertenciam de direito à nobreza e ao clero.

34

COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 40.

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29

Foi justamente contra os abusos dessa reconcentração do poder que surgiram as

primeiras manifestações de rebeldia: na Península Ibérica com a Declaração das

Cortes de Leão de 1188 e, sobretudo, na Inglaterra com a Magna Carta de

121535

.

E prossegue o autor, explicando que, aproximadamente no final deste

período, com surgimento dos burgos, tinha-se notícia da concentração de uma série de

mercadores, estes totalmente desvinculados do falido sistema feudal, que até então teria

dominado grande período da idade média. Combinando-se este fenômeno à ocorrência de

inúmeras descobertas científicas que ocorreram entre os séculos XI e XIII, a Europa vivia

ainda intensa produção agrícola, tudo em razão da racionalização das técnicas até então

utilizadas naquele período. Com a navegação ocorrida na última fase da Idade Média,

havia cada vez mais, a necessidade de se conferir certa segurança aos negócios que eram

constantemente realizados entre os mercados comerciais que atravessavam o mar

mediterrâneo.

Naquele período, a crise da consciência européia fez ressurgir na

Inglaterra o sentimento de liberdade, alimentado pela memória da resistência à tirania,

que o tempo se encarregou de realçar com tons épicos. Por outro lado, as devastações

provocadas pela guerra civil reafirmaram o valor da harmonia social e estimularam a

lembrança das antigas franquias estamentais, declaradas na Magna Carta36

. Generalizou-

se a consciência dos perigos representados pelo poder absoluto, tanto na realeza dos

Stuart quanto na ditadura republicana do Lord Protector.

No entanto, as liberdades pessoais, que se procuraram garantir pelo

Hábeas Corpus e o Bill of Rights do final do século, não beneficiavam

indistintamente todos os súditos de Sua Majestade, mas, preferencialmente, os

dois primeiros estamentos do reino: o clero e a nobreza. A novidade é que, pela

sua formulação mais geral e abstrata do que no texto da Magna Carta, a garantia

dessas liberdades individuais acabou aproveitando, e muito, à burguesia rica.

Pode-se mesmo afirmar que, sem esse novo estatuto das liberdades civis e

políticas, o capitalismo industrial dos séculos seguintes dificilmente teria

prosperado.

A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das

liberdades na sociedade civil foi o parlamento. A partir do Bill of Rigths

britânico, a idéia de um governo representativo, ainda que não todo o povo, mas

35

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 2003. p. 44. 36

A Magna Carta de 1215, poderia ser considerada como marco inicial de inserção de direitos

fundamentais no direito inglês.

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30

pelo menos de suas camadas superiores, começa a afirmar-se como garantia

institucional indispensável das liberdades civis37

.

Significativamente, após estes desdobramentos históricos, os

movimentos que mais se destacaram à construção de um modelo jurídico dotado de

garantias mínimas, foram efetivamente a Revolução Francesa e a Independência

Americana. Georg Jellinek38

, em seu estudo a respeito dos direitos do cidadão, traz crítica

contundente a respeito de ambas as declarações. Para Jellinek, a declaração Francesa

pecava em um aspecto. É que para a liberdade religiosa, a declaração americana

proclamava tal liberdade de forma mais ampla. Mesmo assim, como conclui o autor,

ambas tinham de positivo a limitação ao poder do Estado.

O banho de sangue, proporcionado por ambas as revoluções, teria

despertado a atenção de seus idealizadores e observadores, especialmente sobre a

necessidade de se prover, ainda que em um estado minimalista, a proteção e a guarda de

determinados direitos, entre eles a dignidade e a integridade humana. ―a filosofia dos

direitos humanos triunfa no final do século XVIII na Europa Ocidental e na América do

Norte. Seu sucesso se deve ao fato de estar de acordo com o ‗espírito da época‘ e por

aquilo que hoje se chama de cultura dominante‖39

.

Na Inglaterra, embora houvesse inegável resistência da nobreza e do

clero em ceder os mesmos direitos e garantias outrora exercidos pelas camadas mais

favorecidas, houve épocas em que os governos monárquicos se encontravam mais

suscetíveis, tanto é que, em muitos deles foram conseguidos textos famosos para o

exercício e instituição de certos direitos, como, por exemplo, a Carta Magna de 1215, a

Petição de Direitos em 1627 e o não menos conhecido Bill of Rights de 1688 e o Ato de

Sucessão de 1701.

Para Jean Morange40

, tais declarações não representam, no caso,

grandes conquistas, na medida em que estas apenas estabelecem procedimentos jurídicos,

que permitiriam preservar certo direito ou certa liberdade.

37

COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 47-48. 38

JELLINEK, Georg. La declaración de los derechos del hombre y del ciudadano. Madrid: Librería

General de Victoriano Suárez. Tradução de Adolfo Posada, 1908. p 133, 134-135. 39

MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Públicas. 5ª edição. França: Editora Manole. 2004,

p.3. 40

MORANGE, Jean. op. cit., p. 5.

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31

Na América do Norte, por exemplo, muitos outros motivos

contribuíram para que surgissem, também, documentos ou declarações que

reconhecessem direitos em favor da população. É que, na antiga colônia americana,

vários eram os colonos provenientes de terras inglesas, e as comunidades formadas,

possuíam, em sua construção, ideais trazidos também da Europa, especialmente da

Inglaterra, onde a afirmação das liberdades individuais ganhava, cada vez mais,

importância e relevância para as massas. Fábio Konder Comparato traz algumas

ponderações a respeito deste momento histórico, ressaltando o marco inicial que constitui

os direitos humanos.

O artigo I da Declaração da Independência dizia que ‗o bom povo da

Virgínia‘ tornou pública, em 16 de junho de 1776, constitui o registro de

nascimento dos direitos humanos na História. É o reconhecimento solene de que

todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao

aperfeiçoamento constante de si mesmos. A ‗busca da felicidade‘, repetida na

Declaração de Independência dos Estados Unidos, duas semanas após, é a razão

de ser desses direitos inerentes à própria condição humana. Uma razão de ser

imediatamente aceitável por todos os povos, em todas as épocas e civilizações.

Uma razão universal, como a própria pessoa humana41

.

Como rememora Franco Nogueira42

, além destes direitos postulados

pelas antigas colônias inglesas, em 17 de setembro de 1787, onde já se lançava a idéia de

um modelo constitucional globalizado, planetário e universal, teria sido aprovada a

Constituição Norte-americana, a mais antiga em vigor no mundo. Atualmente, embora a

atual Constituição Norte-americana conte com poucos artigos, esta possui um modelo

simples, mas incorpora a liberdade como uma das garantias mais defendidas no direito

americano.

Movimento não menos importante, teria ocorrido alguns anos após a

Declaração da Independência Americana. Em 1789, a Revolução Francesa chocava o

mundo com os famosos dizeres, Liberté, e Igualité43

.

41

COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 49. 42

NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 1997. p. 49-51. 43

Como ressalta Fábio Konder Comparato, o termo fraternidade somente teria sido reconhecido em 10 de

dezembro de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral

das Nações Unidas. A afirmação faz parte do estudo intitulado In: COMPARATO, Fábio Konder. A

Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, p. 49.

Page 33: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

32

A Revolução Francesa de 1789, iniciada anos antes com o

descontentamento das massas, teria sido provocada por guerras intermináveis, fome,

pobreza e miséria, enquanto monarcas gozavam da tranqüilidade da vida palaciana.

Certamente, a saliência deste evento histórico é de considerável relevância no processo

de incorporação e criação do modelo jurídico em que eram contemplados os direitos

humanos. Para Jean Morange44

, a Declaração de 1789 teve um alcance

consideravelmente maior do que as declarações americanas. No caso, as inovações

contidas na Carta Francesa possuíam contornos e influências provenientes das condições

geográficas, econômicas e até mesmo culturais e políticas.

No entanto, a Declaração de 1789 não teve repercussão unicamente por

ser francesa. A qualidade formal de sua redação é muito importante. Talvez

porque ela foi obra de juristas plenos de cultura literária. Nada impede que esta

obra coletiva surpreenda pela concisão do estilo e a força da repercussão de

certas fórmulas. Tanto mais surpreendente que os numerosos projetos de

declarações, que a inspiram, são em geral muito mais suaves.

Quanto ao conteúdo das declarações francesa e americana, ele é amplamente

comparável, senão idêntico. Isto se deve provavelmente ao fato de os franceses

terem, efetivamente, sofrido a influência americana. Eles não esconderam disso

de forma alguma e as discussões na Assembléia Constituinte o atestam. Os

americanos, por sua vez, se inspiraram nas concepções inglesas que muitos

dentre eles reivindicavam, mas igualmente nas idéias francesas veiculadas na

Europa e na América do Norte. De fato, tanto estas como as outras são,

inicialmente, filhas do espírito do século XVIII e de seu individualismo‖45

.

Importante lembrarmos, como defende Júlio Marino de Carvalho46

, que

tanto a Revolução Francesa como o liberalismo político ocorridos na França do século

XVIII, teriam sofrido grandes influências do trabalho desenvolvido por Rosseau. A teoria

do ―contratualismo‖, exposta na obra Contrato Social, apresentava uma justificação para

o poder estatal e sua gênese de poder frente aos direitos individuais. De qualquer forma,

tal teoria não parece ter ficado no esquecimento. Em artigo publicado pela revista

―Human Rights Brief‖, Aryeh Neier47

acredita que os direitos sociais e econômicos não

são um conceito abstrato. Defende o autor do artigo que estes são frutos de um contrato

44

MORANGE, Jean. op. cit., p. 7. 45

MORANGE, Jean. op. cit., p. 8-9. 46

CAVALHO, Júlio Marino de. Os direitos humanos no tempo e no espaço: visualizados através do

direito internacional, direito constitucional, direito penal e da história. Brasília: Editora Brasília

Jurídica, 1998. p. 35-36. 47

NEIER, Aryeh. Social and Economic Rights: A critique. Washington, DC: Center for Human Rights

and Humanitarian Law, v. 13, n.2, 2006. p. 1-2.

Page 34: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

33

entre o cidadão e o Estado, ou ainda, o cidadão e sua comunidade. Assim, a antiga teoria

do contratualismo não pode simplesmente ser ignorada.

A Declaração Francesa, embora possua conteúdo similar ao documento

elaborado pelos americanos, evidenciava algumas idéias que podem ser destacadas

diretamente do texto. Jean Morange48

reconhece, entre elas a transcendência, que aparece

diretamente no preâmbulo. Através da transcendência, os direitos do homem e do cidadão

são reconhecidos sob a presença do Ente Supremo. Existe ainda a idéia do universalismo,

pelo qual os direitos proclamados não são exclusividade dos cidadãos franceses, mas sim

de todos os seres humanos.

O autor destaca, ainda, o individualismo, que pode ser compreendido

como sendo a idéia segundo a qual apenas o indivíduo é titular de direitos. Nenhum

grupo parece ter sido mencionado. E, por fim, a abstração. Através deste entendimento, a

Assembléia Nacional teria exposto os princípios de liberdade, de igualdade, de segurança

e do direito de propriedade. Como se observa, os acontecimentos históricos

desempenharam papel singular, para não dizer o mais importante para a criação dos

direitos humanos, especialmente porque, através destes, pôde-se iniciar a construção de

um modelo jurídico que pudesse atender a toda a diversidade cultural e econômica

existente naquele dado momento — e que ainda hoje existem —, pois o modelo

desenvolvido assentava suas bases em premissa comum a todos os interesses e culturas

existentes, na medida em que o que se busca é a proteção, segurança e a própria

dignidade.

Por fim, com o pós Segunda Grande Guerra Mundial, observou-se a

ocorrência da internacionalização da economia mundial, decorrente da redução de

barreiras ao comércio estrangeiro, propiciada por evidentes inovações tecnológicas, as

quais teriam exigido das nações envolvidas em transações comerciais, mudanças efetivas

na atuação com o comércio internacional, em especial, com os direitos de estrangeiros.

Entretanto, tais mudanças obedeceram não apenas a certos interesses políticos e

comerciais existentes entre as nações que compunham o mercado internacional, mas

sobretudo a certos princípios inerentes ao direito internacional, como normas específicas,

as quais se encontram materializadas por intermédio de tratados internacionais.

48

MORANGE, Jean. op. cit., p. 11.

Page 35: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

34

A globalização apresentava diversos aspectos positivos para as nações,

provocando maior equilíbrio competitivo e comercial. Neste contexto, tornava-se

relevante o papel cada vez mais imprescindível das políticas industrial, de comércio

exterior e de defesa da concorrência, articulando, na agenda da globalização da

economia, aspectos tributários e econômicos, que, como se sabe, revelam importante

etapa a ser vencida no processo de integração tributária. Neste importante contexto

histórico, é válido lembrar que o processo de globalização deveria contar com a

necessária ingerência estatal, com o objetivo de humanizar este processo mundial. Como

defende Maria Luiza P. de Alencar Mayer Feitosa49

, o Estado pode desempenhar uma

papel mais essencial no processo de desenvolvimento econômico, procurando preservar

valores mais importantes, como, por exemplo, o bem-estar econômico, a liberdade

democrática, a justiça social e a auto-estima dos cidadãos, de forma a minorar os efeitos

decorrentes dos insucessos do mercado.

Aliada a estas necessidades, os direitos humanos, então surgentes a

partir de importantes eventos históricos, se reafirmava cada vez mais, diante da ameaça

ocasionada pelo holocausto judeu e seus desdobramentos nocivos à economia e

segurança jurídica, destruída pelo ―Terceiro Reich”.

Com o período posterior à Segunda Grande Guerra, ―surgiram

problemas como: o desemprego, fome, baixa produtividade industrial, ou seja, uma

infinidade de problemas de natureza interna, cuja solução não mais parecia se encontrar

dentro de uma órbita regional, ou mesmo doméstica‖50

. De fato, neste período, notou-se

certa conscientização dos dirigentes de Estado, de que o equacionamento dos problemas e

reflexos reverberados com o pós-guerra seriam alcançados a partir de uma solução

conjunta internacional. Lançava-se, então, a motivação para o estreitamento das relações

internacionais e comerciais existentes. Estava lançada a semente da integração

econômica, que viria, necessariamente, associada ao interesse de proclamar a proteção e a

defesa da pessoa humana.

49

FEITOSA MAYER, Maria Luiza P. de Alencar. Globalização: alguns aspectos conceituais analíticos.

In: Revista Verba Júris – Anuário da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da

Paraíba. Pós-Graduação em Ciências Jurídicas. Volume 3, n.º 3, 2004. p. 111.

50 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p.

83.

Page 36: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

35

Ainda sob os reflexos destes acontecimentos históricos, criava-se o

princípio da autodeterminação dos povos — incorporado ao Direito Constitucional no

artigo 4º, III da CF de 1988 — e o princípio da justiça e do progresso social para todos os

países integrantes desta comunidade internacional.

O princípio da autodeterminação dos povos veio registrado em nosso

ordenamento constitucional como um dos vetores regentes das relações

internacionais brasileiras. Embora ele sempre tenha sido mencionado como um

dos paradigmas tradicionais de nossa política externa, inexiste nas constituições

passadas a sua disciplina no sentido de estabelecer compromisso do Brasil

perante outros Estados, com vistas ao desenvolvimento de relações exteriores.51

A partir de então, as nações ―coligadas‖52

ou simplesmente irmanadas

em um mesmo interesse de cooperação internacional, cuidaram, sistematicamente, de

criar mecanismos capazes de unificar e fazer surgir uma associação mais concreta,

estruturando, de forma mais apropriada, o progresso econômico aliado à preservação de

direitos fundamentais, especialmente, os direitos humanos.

Assim, uma vez criada a atmosfera propícia ao desenvolvimento e

progresso de tais relações, surgiam, então, os primeiros acordos ou tratados destinados a

plasmar e convergir o interesse das nações, fomentando, dessa forma, a ―cooperação

internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde, a fim de

favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, para todos

os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião‖53

. Surgia, então, a conhecida

Carta das Nações.

Após esta síntese histórica, da qual não se podia prescindir, observou-se

que a globalização apresentava diversos aspectos positivos para as nações envolvidas, o

51

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 4ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

Página 60. 52

Diga-se coligadas, uma vez que tal expressão se refere a um direcionamento centrado na busca de um

determinado fim, seja ele econômico, militar ou comercial. No caso da OMC, por exemplo, o que se busca

é um sistema igualitário onde um certo privilégio será estendido aos membros desta organização, salvo

alguns casos específicos, onde a principiologia aplicada é diversa, como por exemplo os tratados ou

acordos de tratamento diferenciado. 53

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense. pp. 117 e

118. No trecho examinado, o Autor cuida de citar, na íntegra, o artigo 13 da conhecida Carta da Nações,

que, até então, surgia em um momento em que as nações integrantes desta nova ordem econômica e

internacional, sentiam no sentido de conferir certa concretude às relações ali celebradas, especialmente

buscando a proteção e a preservação da integridade de seus povos.

Page 37: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

36

que acabou por provocar certa preocupação com a integridade dos povos, outrora

massacrados pelos constantes e incessantes ataques promovidos durante a Segunda

Guerra Mundial. Segundo Fábio Konder Comparato54

, meio século após a Segunda

Guerra Mundial, vinte e uma convenções a respeito de direitos humanos teriam sido

editadas no âmbito da ONU ou das organizações regionais. Neste contexto, ainda com

relação à afirmação e criação dos direitos humanos, não poderíamos deixar de mencionar

a importância e o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social, os

quais foram incorporados pelo movimento socialista, iniciado ainda na primeira metade

do século XIX. Embora não seja este o tema recorrente na presente pesquisa, a menção a

este período da história fica condicionada apenas aos movimentos proletários e de

trabalhadores que reivindicavam melhores condições de trabalho. Os movimentos sociais

criados e articulados pelos trabalhadores, os quais não podemos deixar de notar, foram

essencialmente anticapitalistas, portanto, inovadores no que diz respeito ao reforço da

defesa e proteção dos direitos sociais e econômicos frente ao desenvolvimento capitalista

desenfreado.

1.3 – Os fundamentos e finalidades dos Direitos Humanos:

A idéia de direitos humanos, surgente após catastróficos episódios

históricos protagonizados pelo homem, teria como gênese a preocupação e intolerância a

todo ato que maculasse a dignidade e a própria figura da pessoa. Estas manifestações,

sendo regramentos legais ou simplesmente comunitários, vieram em socorro do próprio

homem, que não mais permitia a ocorrência de situações em que o ser humano pudesse

ser violado em sua expressão máxima de individualidade, no caso, a própria saúde,

integridade e a dignidade em si.

54

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 2003. p. 55-56.

Page 38: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

37

Os ofícios de humanidade são esses socorros, esses deveres, a que os

homens estão obrigados reciprocamente, na qualidade de serem feitos para viver

em sociedade, os quais têm necessidade de ajuda mútua, para a própria

preservação e felicidade e para viverem de maneira adequada à sua natureza.

Ora, desde que as Nações não estão menos submetidas que os particulares às leis

naturais, os deveres que um homem tem para com outros homens, uma Nação os

tem de maneira própria para com as outras Nações. Tal é o fundamento desses

deveres comuns, desses ofícios de humanidade, aos quais nas Nações estão

mutuamente obrigadas umas para com as outras. Em geral, eles consistem em

fazer tudo o que está em nosso poder para o bem-estar e felicidade alheio, à

medida que esse dever possa conciliar-se com os deveres acerca de nós

mesmos55

.

Os direitos humanos surgiram, então, de uma necessidade primária de

se promover o bem-estar social e a harmonia das comunidades que habitavam ou

integravam determinada região. Contudo, com base nesta justificação, os direitos

humanos devem ser enxergados sob uma perspectiva um pouco mais abrangente, do que

simplesmente barrar a agressão estatal, ou mesmo aquela que é perpetrada por um

determinado grupo contra outro menos aparelhado para se defender.

Os direitos humanos podem ser vistos como argumentos para justificar

o status quo e a dominação social. No fundo, visam dispolitizar a cultura e os

processos sociais, canalizando todo antagonismo e conflito social — de classe,

de sexo, cor, raça ou etnia —, para as formas limitadas do direito‖. O discurso

dos direitos humanos mascararia para elas as verdadeiras condições estruturais

que levam a desigualdade social, ao mesmo tempo em que se acena

ilusoriamente com as suas ‗possibilidades emancipatórias‘, pondo a

transformação e não a revolução como destino das mudanças. Esses direitos

fragmentam a sociedade em ‗interesses particulares e concorrentes‘ que

demandam mediação e conciliação estatal, na mesma medida em que

fragmentam a própria consciência desses interesses e das alternativas de seu

atendimento. Partem todos da idéia de que o Direito não é um conjunto de

normas vinculantes, que resultam de processos legislativos imparciais para, de

forma neutra, resolver conflitos, mas é antes ‗parte de uma maneira distinta de

imaginar o real‘ e de constituí-lo de acordo com uma determinada visão de

mundo (Gabel. 1984.1577). É neste ambiente que os direitos humanos surgem,

como uma densidade consensual de valores compartilhados, sem embargo,

desligados dos contextos sociais que produzem. São impostos, portanto, como

um núcleo axiológico homogêneo, quando díspares são os interesses e valores

da sociedade, tornando necessária a desessencialização dessa multiplicidade que

habita sob o rótulo de ‗burguesia‘ de um lado e de ‗operariado‘ de outro56

.

55

VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2004. p. 193. 56

SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte:

Editora Del Rey, 2004. p. 47-48.

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38

José Adércio Sampaio segue criticando o modelo criado a partir do

surgimento dos direitos humanos, afirmando que estes não são como um ramo específico,

que visa buscar proteção — os direitos humanos, como matriz de proteção geral e

relativamente específica em determinados casos, confere proteções contra discriminação,

violência, violação de direitos básicos, além, é claro, de prever e proteger a própria ação

ou inação do Estado em determinados casos. Para o Autor, os direitos humanos são de

matéria fluída e instável, pois sua estruturação se apóia em teorias incoerentes57

.

Horácio Wanderley Rodrigues58

, em obra coordenada por Danielle

Anonni, defende severas críticas ao uso indiscriminado dos direitos humanos, que, muitas

vezes escondem interesses e objetivos de ordem política, e não a sua efetiva aplicação

nos Estados. Com a crise mundial do capitalismo e o evidente paradoxo criado por

problemas econômicos não solucionados, um sem número de movimentos sociais, todos

destinados a reivindicar direitos sociais, teriam surgido como forma de conter a crescente

onda de descontentamento das massas de proletariado.

Esta concepção de crise realça o seu momento político. A falha na

definição dos objetivos sociais passa a ser mais importante que a falha na sua

concretização.

A questão está na direção política a ser tomada. O apoio dado pelos países

capitalistas desenvolvidos aos regimes autoritários e totalitários de governo do

terceiro mundo, em nome da segurança nacional e do bem comum das

populações, começa a mostrar suas conseqüências. Esta estratégia serviu num

determinado momento da história em que o desenvolvimento econômico

legitimava o sistema político e encobria a dominação.

Em verdade, o mundo bipolarizado exigia que, por meio da força, os Estados

impusessem sua ideologia, seus valores e seu discurso. O processo, desta forma,

foi o mesmo para ambos os lados. Agora, à crise econômica, soma-se a crise

política, em especial, após o fracasso da doutrina socialista.

Assim, a defesa dos direitos humanos, contemporaneamente, por parte dos

Estados desenvolvidos representa a crise de confiança e governabilidade pela

qual passa o sistema capitalista, ou seja, representa uma crise de legitimação59

.

José Adércio Leite Sampaio60

invoca, para a fundamentação dos

direitos humanos, diversas teorias61

, entre as quais confere destaque especial para as

57

SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 49. 58

RODRIGUES, Horácio Wanderley. O uso do discurso de proteção aos direitos humanos como veículo

da dominação exercida pelos poderes centrais. In: ANNONI, Danielle (Organizadora). Direitos

Humanos & Poder Econômico: conflitos e alianças. Curitiba: Editora Juruá, 2005. p.16. 59

ANNONI, Danielle. op. cit., p. 19. 60

SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 58-61.

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39

teorias subjetivista, transubjetivista e, finalmente, a intersubjetivista. Para a primeira, a

subjetivista, o apoio ideológio-teórico centra-se no jusnaturalismo deontológico pelas

doutrinas neoliberais e emotivistas.

A Idade Moderna promoveu significativa alteração no conceito de

direito natural, com o reforço de suas feições mais racionais e mais humanas,

que terminariam com o reconhecimento da pessoa como portadora de dignidade

e titular de pretensões oponíveis às demais pessoas e à organização política62

.

Como defende José Adércio Leite Sampaio63

, a fundamentação da

teoria transubjetivista vincula-se a existência de direitos como algo externo ao indivíduo

e independente de sua vontade, quando, muito, a depender de suas interações, ainda que

não haja qualquer participação ativa e consciente das individualidades. O termo

intersubjetivismo é usado para designar o que se refere às relações de vários sujeitos

humanos, à interação e a comunicação. Serve, portanto, para descrever juízos morais

universais. A teoria intersubjetiva tem este paradigma: a formação de juízos universais,

que, aliás, são a base dos direitos humanos.

Embora para a presente pesquisa nos pareça serem mais apropriados os

aspectos econômicos da imunidade tributária frente aos direitos humanos, não podemos

deixar de reconhecer que um dos fundamentos existentes para tais é a própria proteção

que o cidadão busca contra as arbitrariedades e ingerências estatais nas esferas

particulares. ―O Estado ofende a liberdade relativa do cidadão e o princípio da isonomia,

quando cria, na via legislativa, administrativa ou judicial, desigualdades fiscais

infundadas, através dos privilégios odiosos ou das discriminações‖64

.

Uma das discussões a respeito dos direitos humanos e a sua

fundamentação é a relação deste com o Direito Natural. É que o Direito Natural, como

61

Em seu estudo, José Adércio Sampaio faz referências a Luke, que nos Estados Unidos teria catalogado

cinco principais teorias morais dos direitos: a utilitária, a comunitária, a proletária, a liberal e a igualitária,

cujas designações apontavam, inicialmente, à valorização da utilidade do direito comunitário, como projeto

de emancipação de classe, como defesa da liberdade, da propriedade e como via de nivelamento de

oportunidades. In: SAMPAIO, José Adércio Leite. op.cit., p. 58. 62

SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 59. 63

SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 77. 64

BENDA, E.; MAIHOFER, W; VOGEL, K., 1983 apud KRIELE, Martin. [19__] apud TORRES, Ricardo

Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.

Volume III: os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. p. 340.

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40

defende Hans Kelsen65

, sempre tenta fornecer uma solução para o que é certo ou errado,

especialmente às relações humanas. Além, disso, como destaca Aristóteles, o Direito

Natural, como era definido na antiga Grécia, estava vigente em todos os lugares, ou seja,

possuía validade universal.

Norberto Bobbio66

, em seus estudos a respeito do tema, lembra as lições

de Santo Tomás de Aquino, onde a supremacia do Direito Natural sobre o direito positivo

devia tornar-se muito mais clara com o advento do cristianismo. Para Santo Tomás, em

sua Summa Theologica67

, a lei natural seria oriunda de uma ordem cósmica, emanada

diretamente da vontade de Deus. Segundo este pensamento, como menciona Santo

Tomás, a lei humana abrangeria todos os preceitos particulares que a razão consegue

inferir em diversas circunstâncias, com a finalidade de enfrentar as diversas diferenças

que eram provenientes do relacionamento humano, donde, conseqüentemente, surgiriam

as leis naturais. Neste sentido, Kelsen defende:

Se a doutrina do Direito natural for coerente, deve assumir um caráter

religioso. Ela pode deduzir da natureza regras justas de conduta humana apenas

porque e na medida em que a natureza é concebida como uma revelação da

vontade de Deus, de tal modo que examinar a natureza equivale a explorar a

vontade de Deus68

.

O caráter universal dos direitos humanos traz consigo grande identidade

com o Direito Natural, que, como visto, traz a dicotomia do que é certo ou errado, além

da confrontação que poderia surgir em face da lei positivada na norma. Como se sabe,

muitas vezes os direitos humanos vêm alicerçados em regras que não encontram

correspondentes em uma esfera de direito interno, contudo, sua aplicação é imediata e

irrestrita.

Roberto Armando Ramos de Aguiar, incorporando estas delimitações

de Direito Natural, destaca:

65

KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução de

Luiz Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p. 136. 66

BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1999. p. 37-38. 67

AQUINO, Santo Tomás. Summa Theologica apud BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural.

Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 38. 68

KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução de

Luiz Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p. 138.

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41

Normalmente, consideram-se os direitos humanos como aqueles

naturalmente emergentes do próprio ser de seus titulares. Para uns é o direito

que se cristaliza a partir do nascimento do homem, para outros é o corolário da

própria dignidade intrínseca do homem. Ainda terceiros acreditam que tais

direitos existem e devem ser respeitados em virtude do homem ter sido criado à

imagem e semelhança de Deus.69

Neste sentido, como se observa, os direitos humanos, como os direitos

naturais, não vinculam sua eficácia e efetividade à lei. Em verdade, os direitos humanos

compõem-se de um conjunto de princípios norteadores, que têm como finalidades

essenciais, o propósito de conferir proteção através de garantias, tais como a

inviolabilidade da pessoa, a dignidade e a autonomia. Neste sentido, Valério de Oliveira

Mazzuoli70

esclarece que a inviolabilidade da pessoa estaria traduzida na idéia de serem

vedados sacrifícios a um indivíduo, especialmente quando tratamos a respeito do tema

inviolabilidade da pessoa. Para a autonomia da vontade, o autor afirma que toda pessoa é

livre para a realização de qualquer conduta, contanto que tais atos não prejudiquem a

terceiros. Por fim, o autor discorre a respeito da dignidade da pessoa, considerando este

aspecto como núcleo central de todos os direitos do cidadão, a forma e o tratamento

condizente com o respeito e o valor do ser humano. Esta é a essência de um dos

componentes dos direitos humanos.

Com este exame, constatamos que a fundamentação e a finalidade dos

direitos humanos não parecem ser das tarefas mais fáceis, na medida em que a sua

estruturação possui bases sociais, econômicas e políticas, o que impede definir

aprioristicamente um modelo teórico conciso e livre de ambigüidades.

69

AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, poder e opressão. 2ª edição. São Paulo: Editora Alfa-

omega, 1990. p. 153. 70

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos e cidadania: à luz do novo direito internacional.

Campinas: Editora Minelli, 2002. p. 62.

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42

1.4 – Os Direitos Humanos e o Direito Natural:

Para o presente ponto, buscaremos identificar algumas semelhanças e

aspectos relativos aos direitos humanos e o próprio Direito Natural. Cumpre-nos salientar

que, apesar da importância que se verifica nesta abordagem, não temos aqui a pretensão

de escrever verdadeiro tratado a respeito do Direito Natural, até porque, do ponto de vista

teórico, a principal abordagem desta monografia é com relação a imunidade tributária

como garantia e efetivação dos direitos humanos.

O Direito Natural é compreendido como o direito da natureza, ou

aquele que Deus nos infunde em nossa concepção. Resguardado pela consciência, o

Direito Natural lança suas bases nas próprias ações humanas, fundamentando-se,

também, na natureza. Embora não se componha em um sistema classificatório ou diretivo

no sentido de dizer o que é certo ou errado.

O Direito Natural possui íntima relação com Deus. Como defende

Tomás Antônio Gonzaga71

, ―a existência de Deus é a base principal de todo o Direito‖.

Hans Kelsen, por sua vez, defende:

[...] pode-se supor que o Direito deduzido da natureza é um Direito

eterno e imutável, em contraposição do Direito positivo, que, criado pelo

homem é apenas uma ordem temporária e mutável; que os direitos estabelecidos

pelo Direito natural são direitos sagrados inatos ao homem porque implantados

no homem por uma natureza divina72

.

Thomas Hobbes73

, ao analisar a questão da lei natural — nature of law

— defende que a lei natural não deve apenas ser confrontada com as noções mais sábias e

civilizadas. Na verdade, esta deve vir analisada sob o enfoque da razão e da própria

natureza humana e de suas ações.

71

GONZAGA, Tomás Antônio. Tratado de direito natural (Organização e apresentação de Keila

Grinberg). São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004. p. 15. 72

KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução de

Luiz Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p. 138-139. 73

HOBBES, Thomas. Os elementos da lei natural e política: tratado da natureza humana. Tradução de

Fernando Dias Andrade. São Paulo: Editora Ícone, 2002. p. 100.

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43

Neste sentido, Miguel Reale74

lembra as palavras de Hugo Grócio, onde

o Direito Natural, com verdadeiro código da razão, é capaz de conter soluções adequadas

para todos os problemas e indagações jurídicas da experiência real. Em verdade, como

menciona o autor, ―o Direito Natural clássico não se apresenta como uma duplicata do

Direito Positivo, mas se resume em alguns preceitos que, sendo base da vida prática,

condicionam também o mundo jurídico‖.

O Direito Natural, sob muitas vertentes, cuida de estabelecer o mínimo

de regramento possível, pois, ao homem, não lhe é dado viver em harmonia sem qualquer

espécie de regra. A associação e a convivência social do ser humano fazem cair a

igualdade outrora existente, tudo em favor de uma proteção conferida pela sociedade.

Daí, desta associação, as pulsões sociais decorrentes dos anseios individuais parecem

fazer acentuar cada vez mais as desigualdades, a fome, a miséria e todos os males

decorrentes da desigualdade.

O Direito Natural, a exemplo dos Direitos Humanos, é aquele que está

em toda a parte e, muitas vezes prescinde de regras escritas. Para o pensamento clássico,

segundo relata Norberto Bobbio75

, o Direito Natural prescreve ações cujo valor não

depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, no entanto, existe sem qualquer relação

de dependência ao fato de serem classificadas como boas e algumas más.

Para o Direito Internacional, a melhor das distinções é aquela que é

trazida por Hugo Grotius76

, que, a respeito do Direito Natural, acredita que este pode ser

facilmente deduzido não da constituição física do mundo, mas das palavras de Deus para

a humanidade. Como o próprio autor assim define, o Direito Natural decorre de um ato

voluntário de Deus. Para o Hugo Grotius, a imutabilidade do Direito Natural é tamanha,

que nem o próprio Deus seria capaz de mudá-lo.

Para a pesquisa em questão, não convém nos perdermos em explicações

a respeito de direito particular, muito embora alguns autores como Norberto Bobbio,

Celso Lafer e o próprio Aristóteles, tenham reservado comentário acerca do tema. De

qualquer forma, o direito particular teria surgido a partir da necessidade geral de se

74

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. p. 629. 75

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio

Pugliesi. São Paulo: Editora Ícone, 2006. p. 17. 76

GROTIUS, Hugo. The rights of war and peace. United States of América: Editora Liberty Fund., 2005.

p. 26.

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44

autorizar ao Estado interferir na esfera privada, e, assim, regular as relações jurídicas

decorrentes de interesses particulares.

A correlação mantida entre o Direito Natural e os Direitos Humanos

surge da necessidade de se manter certa e determinada sintonia entre o direito ideal e o

direito real, que em muitas ocasiões, acabam se afastando em razão das peculiaridades e

individualidades de cada situação concreta. Os Direitos Humanos, infelizmente, não

possuem o alcance que se esperava ter em suas diversas nuance. Ao contrário, quase

sempre encontra barreiras criadas pela própria falta de sistematização ou de

reconhecimento.

Este fenômeno, tratado por Georg Jellinek77

, teria como explicação o

fato de a doutrina do Direito Natural não ter criado, por si só, todo o sistema de direitos

do homem, pois, para alguns direitos, como a liberdade e igualdade, tais direitos são

considerados como natos, inerentes à própria natureza humano. Quanto a outros, criados

a partir de ficções doutrinárias, são regulados a partir da lei, para, então, formarem um

freio ao arbítrio ilegal, mas não para o legislador.

Mesmo assim, esta conquista política e histórica, que é consubstanciada

nos Direitos Humanos como o conhecemos, garante e sustenta um sistema jurídico capaz

de nos conduzir ao ideal de igualdade e cidadania. A este respeito, Celso Lafer traça

interessantes considerações. Vejamos:

Na esfera do público, que diz respeito ao mundo que compartilhamos

com os outros e que, portanto, não é propriedade privada de indivíduos e/ou do

poder estatal, deve prevalecer, para se alcançar a democracia, o princípio da

igualdade. Este não é dado, pois as pessoas não nascem iguais e não são iguais

nas suas vidas. A igualdade resulta da organização humana. Ele é um meio de se

igualizar as diferenças através das instituições. [...]

Aquele que se vê destituído de cidadania, ao ver-se limitado à esfera do privado

fica privado de direitos, pois estes só existem em razão da pluralidade dos

homens, ou seja, da garantia tácita de que os membros de uma comunidade dão-

se uns aos outros78

.

O Direito é uma ciência dinâmica, e como tal, adere aos interesses e as

necessidades sociais. Neste aspecto, o sistema de proteções que integram aos Direitos

77

JELLINEK, Georg. La declaración de los derechos del hombre y del ciudadano. Tradução de Adolfo

Posada. Madrid: Librería General de Victoriano Suaréz, 1908. p. 173-174. 78

LAFER, Celso. A Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah

Arendt. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998. p. 152.

Page 46: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

45

Humanos representa importante garantia para o ser humano. Originalmente, impregnado

pelas impressões decorrentes da lei natural, os Direitos Humanos inserem toda uma

categoria de direitos para o sistema jurídico internacional e doméstico, o qual é

caracterizado, principalmente, pela universalidade.

Para as entidades assistenciais, muito embora a universalidade esteja

mais próxima de um direito ideal do que de um direito real, o certo é que tal projeção

lança as bases para a evolução e a extensão destes direitos, que garantem a igualdade e a

cidadania para todos.

1.5 – O Direito e o Fenômeno Econômico:

O ramo jurídico econômico como ciência multidisciplinar integra,

certamente, a economia, na medida em que as suas diversas ramificações normativas

deixam a economia mundial à mercê dos inúmeros regramentos e efeitos existentes neste

sentido. Embora reconheçamos a impossibilidade teórica e prática de uma codificação

neste sentido79

, sabemos que as Ciências Econômicas percorrem caminhos e perspectivas

que a legislação comum dificilmente acompanharia, ou mesmo conseguiria materializar

em uma determinada norma. A Economia possui contornos que impossibilitam uma

sistematização normativa rígida ou mesmo positiva, embora se admita a previsibilidade

em alguns aspectos. Muito embora não se queira aqui invadir terreno pouco pertinente

aos debates propostos nesta pesquisa, vale reconhecer que as Ciências Econômicas têm,

como guia, apurada rede principiológica, que, nos dizeres de Humberto Ávila, ―são

aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja

79

A economia, como fenômeno mundial dinâmico, volátil e por assim dizer mutável, dificilmente seria

contida por qualquer espécie de código de regência ou regra legal imposta através de decreto ou forma de

exteriorização de norma similar, pois, como se sabe, flutua ao sabor dos mercados, sem qualquer barreira

ou fronteira conhecida.

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46

encontrado‖80

. Estes mandamentos — princípios e paradigmas — são as verdadeiras

bases do sistema econômico.

Mesmo assim, ―entre as forças modeladoras do direito, o fator

econômico é o que exerce uma influência a mais decisiva e a mais palpável‖81

. Para

Cláudio Souto e Joaquim Falcão, ―a ordem econômica e a jurídica se encontram

mutuamente na mais íntima relação, tal significa que esta última não se estende no

sentido jurídico, senão sociológico: com validez empírica‖82

. A Ciência Econômica, que

pode também ser compreendida como um fenômeno de repercussões sociais, deve ser

percebida como instrumento capaz de influenciar as ciências jurídicas, especialmente

com relação aos efeitos lançados na sociedade.

Em uma gênese histórica das ciências jurídicas, não poderíamos deixar

de considerar que a economia exerce influência considerável em outros ramos jurídicos,

especialmente àqueles em que se encontra descrito o fenômeno da patrimonialidade83

.

Se abandonarmos o campo da sistemática jurídica pelo da história do

direito, aí, então, iremos verificar mais detalhadamente a importância do

econômico no influenciar a formação do direito. Não houve importante alteração

do quadro jurídico de uma dada sociedade que não tivesse tido, em suas raízes,

um capital de interesse de ordem econômica84

.

A interferência do ramo econômico, não apenas sobre o Direito, como

também sobre os aspectos sociais, humanos e por assim dizer culturais, é uma

característica histórica da qual não se pode esta análise se afastar.

Para Karl Marx e Friederich Engels, criadores do materialismo

histórico, o econômico era a mola mestra da história, todos os demais

fenômenos culturais não passando de simples reflexos superestruturais das

80

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 5ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 35. 81

MACHADO NETO, Antônio Luis. Sociologia Jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 1973. p. 243. 82

SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim. Sociologia e Direito: Textos Básicos para a Disciplina de

Sociologia Jurídica. 2ª edição. São Paulo: Editora Pioneira Thompson Learning, 1999. p. 118. 83

O conteúdo relativo à patrimonialidade será visto de forma mais ampla e específica no tomo referente à

imunidade tributária e seus desdobramentos, contudo, o termo patrimonialidade constitui caráter específico

da obrigação. JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES acrescenta que este dever é uma categoria de Direito

Positivo, correspondente ao ―dever jurídico‖ da Teoria Geral do Direito revestido de conteúdo

administrativo, sendo mais próprio nomeá-lo como ―dever administrativo tributário‖. In: BORGES, Souto

Maior. Obrigação Tributária – Uma Introdução Metodológica. 1ª. Edição. São Paulo: Editora Saraiva.

1984, p. 33. 84

MACHADO NETO, op.cit., p. 244.

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47

forças genéticas armazenadas pelas relações econômicas de produção,

verdadeiro deux ex machina do movimento dialético da história.

No famoso prefácio à sua Crítica da Economia Política, Marx nos ensina que os

homens travam em sociedade relações necessárias e independentes de sua

vontade. Que tais relações são as de produção, solidárias do grau de

desenvolvimento social, e, em seu conjunto, essas relações que formam a infra-

estrutura econômica da sociedade, constituem a base real sobre a qual se eleva a

superestrutura jurídica, política e intelectual das sociedades85

.

Engels, segundo descrição de Antônio Luis Machado Neto86

, combina

suas teorias ao primado econômico com a filosofia dialética, fazendo com que as

antíteses deste sistema representem as forças criadoras da produção, enquanto que as

sínteses são determinadas pela superação dos diversos sistemas sociais e políticos, que

entre si aparecem também engajados em um jogo dialético.

Além desta perspectiva histórica que o direito possui com o fenômeno

econômico, suas estruturas e pressupostos — sociais, culturais e principalmente

econômicos — são, por assim dizer, indissociáveis, na medida em que o conjunto de

diretrizes de um pressuposto acaba por interferir em outro. A dinamicidade da economia,

as transformações sociais e as manifestações culturais projetam toda uma gama de efeitos

sobre o Direito, criando um sistema multidisciplinar, que, em verdade, é a própria ciência

jurídica que possui suas ramificações em diversos setores, especialmente os mencionados

acima.

No Direito, como em outras ciências sociais, os comportamentos, regras

e princípios ditam obrigações positivas ou negativas, e com este modelo, criam estrutura

de funcionamento, cujos alicerces delimitadores buscam apoio em tudo aquilo que possui

relevância e pertinência a uma dada sociedade. Para a economia, como para o direito, não

é diferente.

O sistema normativo, por exemplo, estabelece regras ou comandos

legais que atendam aos interesses de determinada sociedade, com a finalidade última de

85

MACHADO NETO, op.cit., p. 245. 86

Neste aspecto, Emer de Vattel, na obra, ―O direito das gentes”, Brasília, Editora Universidade de

Brasília, 2004, p. 193-194, traz como ponto motivador da valoração de direitos fundamentais do ser

humano, o elemento histórico, que, em muitas ocasiões, inspiraram a reflexão a respeito da pouca

valorização da pessoa humana e seu conceito como indivíduo dotado de qualidades, direitos, e

principalmente da necessidade de proteção. Essa motivação teria desenvolvido a necessidade de se proteger

os direitos básicos da pessoa. In: VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora Universidade

de Brasília, 2004. p. 193-194.

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48

se estabelecer regras mínimas de convivência. A normatização ou incorporação de

direitos fundamentais, ou ainda a materialização de direitos econômicos em determinada

esfera jurídica — a Constituição, por exemplo —, determinam a estrutura organizacional

jurídica do Estado.

Além destes pressupostos — que condicionam, mas que, em rigor, não

fazem parte do regime jurídico deste direito —, existem outros elementos que

poderemos designar por elementos estruturais e elementos configuradores dos

direitos econômicos, sociais e culturais. Temos aqui em vista um conjunto de

elementos — desde elementos individuais até aos dados normativos-

constitucionais — que numa sociedade concreta estão na base da proteção dos

direitos sociais. Assim, a concepção da dignidade da pessoa humana e do livre

desenvolvimento da personalidade pode estar na origem de uma política de

realização de direitos sociais, ativa e comprometida, ou de uma política quietista

e resignada consoante, se considere que, abaixo de um certo nível de bem-estar

material, social, de aprendizagem e de educação, as pessoas não possam tomar

parte na sociedade como cidadãos e, muito menos, como cidadãos iguais, ou se

entenda que a ‗cidadania social‘ é basicamente uma ‗conquista individual‘. De

igual forma, a concretização destes direitos é indissociável de dimensões

histórico-sociais, como, por exemplo, o enraizamento de associações e

organizações de defesa de direitos sociais (movimento operário, movimento

cooperativo, movimento mutualista, formação de partidos laboristas).

A proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais é também indissociável

de elementos juridicamente configuradores deste tipo de direitos. É diferente a

perspectiva e o modo de alicerçar juridicamente os direitos sociais dentro de um

enquadramento constitucional dotado de um catálogo individualizador de

direitos sociais ou num enquadramento político-constitucional sem positivação

constitucional desses mesmos direitos87

.

Sempre acompanhada do crescimento econômico, a liberdade da

economia tem gerado, em certos modelos, preocupação fundada no bem-estar social de

toda uma comunidade globalizada e interdependente.

Os reflexos de uma economia globalizada são óbvios, especialmente

aqueles mais nocivos às camadas sociais menos elitizadas, educadas, e por assim dizer,

menos privilegiadas em termos de acesso e facilidade à educação e saúde. Para alguns

modelos econômicos, especialmente o europeu, que aliás serve como exemplo singular,

dadas as intrigantes peculiaridades, parece que a preocupação com os direitos da

comunidade, ou mesmo os direitos humanos revela prevalência considerável frente a esta

hierarquia valorativa, cuja integração econômica não poderia deixar de inserir.

87

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª edição. Coimbra-Portugal: Editora

Almedina, 2003. p. 473-474.

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49

Tem sido repetido que a integração européia promoveu a liberdade

econômica deixando o direito social e política em uma posição secundária. O

impacto da lei da Comunidade junto aos direitos sociais surgiu com a função de

integrar economicamente, promovendo liberdade econômica, desafiando direitos

sociais nacionais. Até foi argumentado que o programa da integração de

mercado europeu era também um programa a favor de liberdade econômica e

competição. Nesta luz, o Tratado de Roma é concebido como uma constituição

neo-liberal econômica, cujo objetivo é proteger a liberdade de mercado do poder

público, cuja legitimidade está subjacente à operação de mercado voluntário

também tem sido concebida como uma medida de salvaguarda do Estado social.

Na última perspectiva, a União Européia é o novo fórum em direitos sociais, os

quais são mais viáveis ao nível nacional, devido à competição econômica entre

Estados. Além disso, a integração européia confere voz mais forte aos estados

europeus na formação das regras de competição econômica global e proteção da

‗essência‘ do estado de prosperidade88

.

Como citado, Philipp Alston, ao analisar a questão relativa ao

movimento integracionista operado na Europa, menciona claramente a preocupação em

se manter o bem-estar social e econômico das comunidades envolvidas neste movimento,

que, num primeiro momento, parece que tais direitos sociais tivessem sido relegados a

segundo plano. A razão desta inquietação é, na verdade, bastante óbvia. O movimento de

integração, como precursor de inúmeras outras tentativas, sempre buscou a liberdade

econômica, tendo como fórmula a elevação e valorização dos direitos sociais, já que a

competição exagerada entre os Estados, geraria prejuízos de ordem social e comunitária

muito maior do que o cuidado e o respeito com estes direitos. A evolução do processo

comunitário europeu certamente priorizou este tipo de relação, especialmente porque a

instituição de uma entidade supranacional deveria ser, também, um ente harmonizador,

lembrando que em um processo de harmonização e integração comunitária, existem

diversidades culturais, peculiaridades econômicas e conjunturas sociais, que,

88

ALSTON, Philipp. The EU and Human Rights. Great Britain: edited by Oxford Univertisty Press,

1999. p. 449. Tradução nossa. (It has been repeatedly started that European integration has promoted

economic freedom while leaving social rights and policies in a secondary position. The impact of

Community law on social rights has been as a function of economic integration, promoting economic

freedom and deregulation, while challenging national social rights. It has even been argued that the

programme of European market integration is also a programme in favour of economic freedom and

competition. In this light, the Treaty of Rome is conceived as an economic neo-liberal constitution whose

aim is to protect market freedom from public power and whose underpinning legitimacy lies in voluntary

market transaction has also been conceived as a safeguard of the welfare state. In the latter perspective, the

European Union is the new forum in which social rights, no longer viable at national level due to economic

competition among states, are re-introduced. Moreover, european integration gives a stronger voice to the

European States in shaping the rules of global economic competition and protecting the ‗essencials‘ of

welfare state).

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50

eventualmente, poderiam ser violadas por uma ou outra atividade deste ente

supranacional.

1.6 – O poder do tributo:

No âmbito da Ciência Política, o poder funciona como a capacidade ou

a possibilidade de agir, de produzir efeitos, ou mesmo determinar o comportamento do

homem. Dessa maneira, interessa à Ciência Política o estudo das relações e fenômenos

envolvidos, especialmente quando, de uma dada sociedade, emanam variantes do poder.

Pode se dizer que não existe, praticamente, relação social na qual não esteja presente. De

qualquer forma, há a influência voluntária de um indivíduo ou mesmo de um grupo sobre

o comportamento de outro indivíduo ou de outro grupo. ―O poder não necessita de

justificação, mas requer legitimidade‖89

. Para a Ciência Política o estudo do conceito de

poder e seus desdobramentos representa uma maneira ou forma de se compreender os

mais diversos aspectos da sociedade.

Verifica-se, também, a fundamentalidade do poder no estudo das

relações internacionais, onde o conceito de poder, quando não é considerado como

instrumento privilegiado de interpretação, fornece, de certa maneira, um critério de

análise de que não se pode prescindir, especialmente onde o estudo do poder encerra no

estudo da natureza e composição das elites políticas e suas relações com outros setores da

população, v.g., a econômica, que, para a nossa pesquisa, mais nos interessa.

De certa forma é importante conhecer o conceito de poder, uma vez que

regula as relações resultantes da convivência em sociedade. O poder funciona como

―moeda‖ se comparado à economia, pois todos o almejam de certa maneira, e ter em

mãos alguma concentração de poder representa um diferencial. Para a Ciência Política é

89

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah

Arendt. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998. p. 25.

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51

necessário conhecer não só o poder em sua base e essência, mas também compreender os

recursos ou meios de manipulá-los, de forma a interpretar as ações daqueles que o detêm,

ou mesmo daqueles que desejam possuí-lo. Bobbio, ao analisar o tema, considera que o

poder, muitas vezes, não é suficientemente exercido através da força. Ao contrário, é a

própria exclusividade do uso deste direito que cria o poder. Com a instituição do tributo,

não é diferente, ao menos sob nosso ponto de vista.

O uso da força é a condição necessária para a definição do poder

político, mas não a condição suficiente. Segundo a doutrina que vai se

afirmando na grande controvérsia entre o Estado e a Igreja, o que diferencia o

Estado da Igreja é o exercício da força. Mas uma outra controvérsia não menos

decisiva para a definição do poder político é a que contrapõe os regna ao

império universal, as civitates aos regna. Aqui o problema é o diverso. Não é o

do direito de usar a força, mas o da exclusividade deste direito sobre um

determinado território. Quem tem o direito exclusivo de usar a força sobre

determinado território é o soberano. Desde que a força é o meio mais resolutivo

para exercer o domínio do homem, quem detêm o uso deste meio com a

exclusão de todos os demais dentro de certas fronteiras é quem tem, dentro

destas fronteiras, a soberania entendida como summa potestas, como poder

supremo: summa no sentido de superiorem non recognoscens, suprema no

sentido de que não tem nenhum outro poder além de si90

.

Para a Ciência Política como para a Ciência Econômica e Tributária,

conhecer a fundo a dinâmica do poder dentro de uma determinada sociedade significa

melhor conhecermos o poder econômico e suas formas nuances — como, por exemplo,

poder Legal, que é especificamente característica da sociedade moderna.

Conhecer o conceito de poder e suas variantes permite estruturar a

relação entre os homens ou grupos sociais bem como determinar a esfera de atividade à

qual o poder se refere, ou ainda, como a esfera de poder se manifesta em um dado

momento.

Desde a gênese da civilização moderna e contemporânea, o poder

exercido pelos governantes era recompensado, por assim dizer, por intermédio da

instituição de severos tributos, estes, inclusive, impostos aos Estados que eram derrotados

em guerras pela disputa de terras, riquezas, ou mesmo pela possibilidade de se

escravizarem uns aos outros.

90

BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. 7ª edição. Rio de

Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999. p. 80-81

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52

Para Ives Gandra Martins, o tributo representa o mais importante

elemento ao exercício do poder, especialmente porque àqueles que possuem o interesse

em se perpetuar nesta posição de dominação, a utilização do tributo como forma de

reforço e ingerência, mesmo nas relações privadas, os capacita a assumir determinada

posição de controle. ―O tributo é, portanto, a transferência de recursos da sociedade

desprivilegiada para o sustento dos governantes, não sendo a prioridade maior destes a

prestação de serviços públicos, mas a sua própria manutenção no domínio das gentes e

dos que os apóiam‖91

.

O controle sobre determinado povo ou nação, quase sempre contou com

a exploração do trabalho ou da possibilidade de retirar do povo dominado o máximo de

proveito, seja através do tributo, ou ainda, da exploração da própria força de trabalho. Na

Idade média, onde muito antes já se tinha notícia a respeito da instituição de tributos, a

―talha, a banalidade e a corvéia‖, consubstanciavam-se em prestações indiretas, mas com

o nítido interesse de explorar e controlar aqueles que se submetiam a este tipo de

obrigação, possui identidade similar ao de tributo.

Os tributos não possuem apenas esse caráter indireto de controle. Em

verdade, sob uma ótica moderna, temos que os tributos ingressam em esfera de social,

com uma finalidade também específica. No caso, sustentar toda uma atividade estatal.

[...] Mesmo nas democracias mais representativas, todo o aumento da

carga tributária é sempre contestado pelo povo, pela sociedade como um todo,

mas como quem decide são os governantes, tem sido ela constantemente elevada

em todo o mundo, no interesse dos governos mais do que no interesse do povo.

O diagnóstico do quanto que da carga tributária em cada país retorna em

serviços para a sociedade, ou do que fica para sustentar as estruturas do governo

— que se multiplicam muitas vezes na imposição de obrigações inúteis sobre o

povo para justificar o aumento do quadro de seus servidores — não se sabe, mas

é certamente um retrato dantesco. O Governo consome mais com as estruturas

que com a efetiva prestação de serviços públicos.

A visão Kantiana da paz perpétua, nas repúblicas, à luz de um ‗povo

governante‘, não se revelou procedente, muito embora seu diagnóstico tivesse

sido o correto, se os governos representassem a sociedade e não os próprios

detentores do poder, atuando em causa própria.

O certo é que, mesmo nas sociedades democráticas, não é a sociedade quem

decide seus destinos, mas os governos, que não a representam, e, neles, o tributo

91

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.

51.

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53

— que o povo sempre desejaria menor — é sempre maior, para atender mais as

necessidades do Poder e seus detentores, e não a comunidade92

.

Em posicionamento moderno, Franco Nogueira93

defende que o tributo

corresponde, também, a um direito do Estado, em verdade, um direito fiscal, respeitados

os direitos do contribuinte.

Apesar das críticas que são lançadas sobre todo o sistema tributário

nacional, em especial a respeito da onerosidade excessiva que opera com o sistema

produtivo, é certo que não poderíamos deixar de considerar um outro aspecto que integra

a instituição de tributos, no caso, o financiamento das políticas públicas. Neste particular,

que visivelmente mais nos interessa nesta pesquisa, alguns autores como Fernando

Facury Scaff94

descrevem o fenômeno. Para o autor, nenhum direito é exercido

livremente, sem custos e ônus. Para Stephen Holmes e Cass Sustein, em obra citada por

Facury95

, afirma-se que mesmo os direitos básicos de primeira dimensão possuem altos

custos que devem ser efetivamente sustentados por todos, como, por exemplo, a

manutenção do sistema de segurança, o próprio judiciário e, especialmente, onde

determinadas matérias são reservadas à competência do Estado, o próprio sistema de

saúde, entre outros. Pela doutrina americana, para a implementação dos ―Civil Rights”,

acredita-se na necessidade de um sistema tributário ágil, forte, e por assim dizer eficiente

para a garantias de todos estes direitos.

Como se observa, a manutenção da harmonia, paz social e a sustentação

de um modelo jurídico calcado em garantias fundamentais — como no caso do Brasil —,

exige-se um alto custo de manutenção, que não poderia ser arcado sem a instituição de

tributos.

O tributo é o mais importante instrumento de poder, em sociedade em

que há pessoas de 1ª e 2ª classe, ou seja, os governantes e os governados.

92

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.

59-60. 93

NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 1997. p. 158. 94

SCAFF, Fernando Facury. op. cit., p. 11. 95

HOLMES, Stephen e SUSTEIS, Cass. The Cost of Rigths – Why Libert Depends on Taxes. New

York, Norton, 2000. In: SCAFF, Fernando Facury. op. cit., p.11.

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54

Sempre a decisão que pertine ao nível da carga tributária é exclusivamente do

governo, em quase todos os países, em todos os períodos históricos, em quase

todos os espaços geográficos, sem nenhuma participação popular96

.

Assim, diante desta dura constatação, a discussão de toda e qualquer

carga tributária parece não ser defendida em favor do contribuinte, ao revés, em favor do

governo ou daqueles que se aproveitam da carga excessiva de tributos.

O poder é, essencialmente, um fenômeno social. Dalmo de Abreu

Dallari defende ainda a existência de um poder social, que é atrelado a variantes

históricas, compondo um importante fenômeno para as organizações sociais existentes

em uma dada sociedade. E a respeito do tema, prossegue o autor:

Essa ocorrência do fenômeno em circunstâncias infinitamente variáveis

torna extremamente difícil chegar-se a uma tipologia do poder. Não obstante, é

possível e conveniente, numa larga síntese, apontar algumas características

gerais, úteis para que se chegue a uma noção, mais ou menos precisa, do poder.

A primeira característica a ser estabelecida é a socialidade, significando que o

poder é um fenômeno social, jamais podendo ser explicado pela simples

consideração de fatores individuais. Outra importante característica é a

bilateralidade, indicando que o poder é sempre a correlação de duas ou mais

vontades, havendo uma que predomina. É importante que se tenha em conta que

o poder, para existir, necessita da existência de vontades submetidas. Além

disso, é possível considerar-se o poder sob dois aspectos: ou como relação,

quando se procede ao isolamento artificial de um fenômeno, para efeito de

análise, verificando-se qual a posição dos que nele intervêm; ou como processo,

quando se estuda a dinâmica do poder97

.

O poder, essencialmente constituído na atividade tributária, relaciona-se

diretamente com a sociedade através de suas repercussões junto ao mundo jurídico e

social. As percepções a respeito do tema verificam-se, na prática, através de atividades

que o Estado tenciona ou não fomentar, além, é claro, da submissão ou aceitação que

parte da sociedade tem em relação aos tributos.

96

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.

72. 97

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 26ª edição. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 34.

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55

O tributo é forma de controle, e como tal, ―necessita de normas,

sanções, força distanciamento, organização e, principalmente, deve se colocar sempre

como tutor dos interesses da coletividade‖98

.

É inegável, certamente, o caráter patrocinador que os tributos

desempenham em uma sociedade, especialmente quando consideramos a necessidade de

se manter a atividade estatal. Esta manutenção, logicamente, possui também as suas

divergências e os seus respectivos desvios. Muitas das vezes os governos embasam

aumentos na necessidade de arcar com o alto custo de seus funcionários ou de sua pesada

folha de pagamentos. Contudo, como dito por Ives Gandra Martins, esquece-se que a

máquina administrativa é falha, perdulária e muitas vezes, convive com fraudes e

aposentadorias milionárias, jamais permitidas ou consentidas no âmbito da moralidade

administrativa.

1.7 – O tributo, a economia e suas repercussões sociais:

Alheio às discussões e lutas intestinas travadas em busca do poder, o

tributo tem exercido papel de destaque dentro e fora de uma comunidade que se pretende

dominar. Como instrumento de poder, e limitação de quem deve pagá-lo, o tributo, desde

os tempos da Roma antiga, tem apresentado considerável evolução frente às necessidades

e aparentes mudanças sociais ocorridas. Certamente, como defende Antônio Roberto

Sampaio Dória99

, o tributo teria acompanhado o ser humano desde as mais remotas e

primitivas organizações sociais.

98

AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, poder e opressão. 2ª Edição. São Paulo: Editora Alfa-

omega, 1990. p. 72. 99

DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e “Due Processo of Law”. 2ª

edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1986. p. 37-38.

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56

Com a evolução histórica, a antiga política confiscatória dos tributos

cedia espaço, cada vez mais, às inovações e aplicações sociais e econômicas que os

tributos passavam a conferir a uma sociedade organizada.

O processo de industrialização do Ocidente, levou, simultaneamente, o

mundo a uma evolução tecnológica nunca antes conhecida, como a exploração

fantástica do operariado, sujeito às leis de mercado e sem proteções sociais. Do

embate entre o progresso e a necessidade de valorizar os direitos sociais,

formatou-se a concepção crescente de que todos os seres humanos são titulares

de direitos, que devem ser respeitados pelo Estado, com o que enunciar o

respeito à ‗liberdade‘ e à ‗igualdade‘ é insuficiente, se não houver legislação

para os mais fracos100

.

Para os direitos humanos, convém destacar, como defende Ricardo

Lobo Torres101

, que estes se expressam através de princípios, e, como tal, são direitos

preexistentes a ordem positiva, sendo imprescritíveis, inalienáveis, além de serem

dotados de uma eficácia erga omnes, absolutos e auto-aplicáveis.

A política protecionista, cobrada por aqueles que eram considerados

mais fracos, direcionava, cada vez mais, a atenção para a realização de política pública

destinada à consecução destes objetivos tidos como sociais. Como explica Ives Gandra

Martins102

, teria sido Karl Marx quem teria atentado, inicialmente, para estas questões

sociais, polemizando o direito da classe operária, especialmente nos pontos em que se

chocavam com a massa dominante, no caso, os burgueses, que a rigor, teriam substituído

os antigos exploradores, no caso, a nobreza, que ainda assim possuíam grande parte dos

negócios e terras antes da Revolução Francesa. A Igreja, no mesmo sentido, também teria

observado de perto estas modificações sociais.

A Igreja não ficou alheia ao debate gerado entre os socialistas que

pretendiam — sem o exagero de Marx — melhores condições para os

trabalhadores, e os liberais, de Adam Smith, que entendiam estar nas leis do

mercado o autêntico caminho para a economia e para o desenvolvimento. É de

se lembrar que sua atuação social, através de missões em outros continentes e

intenso trabalho social no continente europeu, antecipava o surgimento da

encíclica ‘Rerum Novarum’, de 1891, verdadeira cartilha dos direitos sociais

100

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.

200. 101

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e a isonomia. Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 1995. p. 13. 102

MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p. 201.

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decorrentes da evolução dos costumes e contraponto à geração de ódios e

ressentimentos promovida pelas teorias de Marx. Nada obstante viver à custa de

artigos publicados em jornais burgueses e da fortuna da mulher, uma nobre

alemã, Marx extravasava a repugnância ao capitalismo e sugeria rupturas

sangrentas. Estas terminaram ocorrendo, na Rússia, com Lenine, seguido de

genocidas famosos, discípulos de Marx, na Rússia com Stálin, e espalhados pelo

mundo, como Fidel Castro, os líderes da Revolução Espanhola, Ceascescu, Mao

e uma lista não pequena exterminadores da vida dos que pensavam diferente103

.

Diante dos choques políticos travados entre as classes dominantes e as

menos favorecidas — tudo em razão da péssima qualidade de vida que era impingida

àqueles que se submetiam à exploração praticada contra os trabalhadores —, o Estado

passava a enxergar estes movimentos não como avesso a própria institucionalização do

Estado. Em verdade, os governantes sentiram a necessidade de se manterem políticas

públicas, inicialmente com a finalidade de sufocar movimentos contra.

O princípio da igualdade, tal como o conhecemos, passava a integrar o

rol de direitos protegidos pelos Estados, que, ainda de forma relutante, deixava tais

políticas em segundo plano.

Como descreve Ives Gandra Martins104

, começaram a surgir, em fins do

século XIX e começo do século XX, as grandes teorias tributárias e o exame primordial

dos tributos dentro de uma sociedade democrática, nada obstante a existência de regimes

de exceção encontrados em alguns países. Nota-se que a partir deste período, o Estado

não mais desenvolvia suas atividades para atingir exclusivamente os seus interesses ou de

seus governantes. Existia, sim, uma crescente preocupação em se atender aos interesses

da população. Neste sentido, desenvolvia-se uma cultura voltada ao incremento das

políticas públicas e a defesa dos direitos sociais.

É comum considerar que os direitos econômicos e sociais e culturais

constituem unicamente aspirações e objetivos a serem cumpridos

progressivamente pelos Estados encarregados de garanti-los, devido a

implementação destes ditos direitos, que estão sujeitos à disponibilidade de

escassos recursos. Este conceito de progressividades implica na não

exigibilidade dos mencionados direitos; em outras palavras, os Estados somente

adquirem a obrigatoriedade de implementá-los paulatina e progressivamente. Os

Direitos econômicos, sociais e culturais têm sido comparados com os direitos

civis e políticos de acordo com certas características que parecem diferenciá-los.

Geralmente, os direitos civis e políticos são considerados imediatamente

103

MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p. 202-203. 104

MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p. 206-207.

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exigíveis por parte de seus titulares. Os Estados não podem condicionar sua

vigência à escassez de recursos. É assim com o direito à vida, à integridade

pessoal, à liberdade, entre outros, que devem ser respeitados e garantidos em sua

integridade sem condicionantes. Internacionalmente, a efetividade e a vigência

dos direitos econômicos, sociais e culturais está muito mais vinculada a

princípios e ao direito civil e político, tais como a igualdade e a não

discriminação, assim como as garantias judiciais necessárias. A expectativa

internacional acerca dos direitos econômicos, sociais e culturais e que o Estado

implemente medidas legislativas de modo distributivo e igualitário. Da mesma

maneira, é internacionalmente relevante que os tribunais internos outorguem as

garantidas dos direitos econômicos, sociais e culturais105

.

Como defendido por Claudia Martin e Tomás Ojéa Quintana, as

preocupações do Estado passavam para outra dimensão, exigindo dos governantes algo

que se denomina de estratégia organizacional, a fim de que estas políticas sociais

vencessem o campo da cogitação, e pudessem ser planejadas e implementadas.

É o planejamento que confere consistência racional à atuação do Estado

(previsão de comportamentos, formulação de objetivos, disposição de meios),

instrumentando o desenvolvimento de políticas públicas, no horizonte do longo

prazo, voltadas à condução da sociedade a um determinado destino.

O planejamento de que cogito expressa, nestas condições, uma imposição da

Constituição dirigente. Por isso que — estou disso convencido — é mais do que

reorganização das funções públicas de governo, mediante a revisão da teoria da

separação dos Poderes, o que se reclama.

O desafio que se impõe, no clima instalado pela Constituição dirigente, desde

que sejamos capazes de analisar as funções do Estado materialmente — não as

classificando apenas segundo critério subjetivo —, está ancorado na necessária

compreensão de que a construção, do Estado Liberal, do Estado da lei, reclama

105

RODRIGUEZ PINZÓN, Diego; MARTIN, Claudia; QUINTANA, Tomás Ojea. La dimensión

internacional de los derechos humanos – guia para la aplication de normas internacionales em el

derecho interno. Washington D.C.:Editora IDB Bookstore, 1999. p. 340. Tradução nossa. (És común

considerar que los derechos económicos, sociales y culturales constituyen únicamente aspiraciones u

objetivos a ser cumplidos pregressivamente por los Estados encargados de garantizarlos, debido a que la

implementación de dichos derechos está sujeta a la disponibilidad de recursos escasos. Este concepto de

progresividad implica la no exigibilidad de dichos derechos; en otras palabras, los Estados sólo adquieren

la obligación de ir implementándolos paulatina y progressivamente.

Los derechos económicos sociales e culturales há sido comparados com los derechos civiles y políticos de

cuerdo com ciertas características que parecen diferenciarlos. Generalmente los derechos civiles y políticos

son considerados inmediatamente exigibles por parte de los titulares. Los Estados no pueden condicionar su

vigencia a la escasez de recursos. Es así como el derecho a la vida, a la integridad personal, a la libertad,

entre otros, deben ser respetados y garantizados en su integridad y sin condicionantes.

Internacionalmente, la efectiidad y la vigencia de los derechos económicos, sociales e culturales está muy

vinculada a princípios y derechos de carácter civil y político tales como la igualidad y na no

discriminación, así como las garantias judiciales necesarias. La expectativa internacional acerca de los

derechos económicos, sociales e culturales es que el Estado implemente medidas lesgislativas y de outro

carácter con un sentido distributivo e igualitário. De la misma manera, es internacionalmente relevante que

los tribunales internos otorguen las debidas garantias a los derechos económicos, sociales y culturales).

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59

formulação. Substitui-o o Estado das políticas públicas, que se impõe atue nos

quadrantes.

E mais: impõe-se também a percepção de que emerge, ao lado da função

normativa, da função jurisdicional e da função administrativa, delas distintas, a

função de planejar106

.

Para o sistema tributário brasileiro, onde notadamente se adere à teoria

da ―carga desmedida‖,107

a falta de planejamento adequado reflete-se na própria atuação

do Estado na condução das ditas políticas públicas. A incapacidade do Estado para a

assunção destas políticas revela-se através da absoluta ausência de incentivos às

entidades assistenciais, que, como muitos, se encontram praticamente à míngua de

programas medíocres e sem nenhuma expressão do ponto de vista de resultados.

Como destaca Anna Cynthia Oliveira, parece que a criação de uma

política filantrópica seja, realmente, a saída para a inação e incapacidade do Estado para

resolver todos os problemas sociais.

Hoje, não pode restar dúvida de que no Brasil, como nos demais países

latino-americanos, é urgente construir uma cultura filantrópica de corte

moderno; e para que isso aconteça em escala relevante, são imprescindíveis

incentivos de impacto.

A filantropia individual ou ‗estratégia‘ com base na solidariedade pessoal ou na

responsabilidade social das empresas, implica, ela mesma, um tripé: participam

o Estado, o contribuinte-doador e a organização donatária, cada qual com o seu

papel, possibilidades e limitações108

.

A condução das políticas sócias, muitas vezes, não significa,

necessariamente, a utilização incondicional de todo volume da arrecadação tributária de

um país. Não apenas se pode, como devem, os governantes prever incentivos ou mesmo

dotações orçamentárias para programas que estarão, de alguma forma, cuidando de

106

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª edição. São Paulo: Editora

Malheiros, 1997. p. 343. 107

A teoria da ―carga desmedida‖ é explicada por Ives Gandra Martins, como sendo a utilização de

tributos, sempre que possível, em carga acima do realmente necessário, ou seja, em carga desmedida. Em

sua obra Uma Teoria do Tributo, Ives Gandra Martins enumera seis razões para justificar a carga

desmedida: Objetivos mal colocados, gastos supérfluos, contribuintes apenados, sonegação fiscal e

tratamento prático diferencial e, por fim, a fiscalização. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p.

285-286. 108

OLIVEIRA, Anna Cynthia. Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil. In: OLIVEIRA,

Anna Cynthia. Mudança Social e Reforma Legal: Estudos para uma nova legislação do Terceiro

Setor. Brasília, Conselho Comunidade Solidária/ UNESCO. (Série Marco Legal do Terceiro Setor), 1999.

p.126.

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60

atividades de interesse comum e geral, como é o caso das entidades assistenciais sem fins

lucrativos, cujo funcionamento é efetivamente destinadas a promover o bem social, e

atividades que, embora pouco organizadas pelos governantes, interessam a todos.

As instituições de caráter caritativo renovam a esperança de quem não

pode contar com um governo de recursos escassos, ao mesmo tempo em que dá

consecução a princípios básicos de uma Constituição democrática, especialmente no que

diz respeito ao bem-estar geral, o respeito a dignidade humana e o próprio individualismo

da pessoa humana, considerando-se ainda, às necessidade básicas do cidadão.

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61

Capítulo 2 - Os direitos fundamentais e o ordenamento jurídico:

2.1 – Os direitos do homem e os direitos fundamentais:

Antes de iniciarmos nossos estudos a respeito dos direitos

fundamentais, para que o leitor não os confunda com direitos humanos e vice-versa, faz-

se necessária pequena diferenciação entre um e outro. Esta diferenciação auxiliará a exata

compreensão do tema estudado. Para isto, Willis Santiago Guerra Filho traça interessante

paralelo a respeito.

[...] De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os

direitos fundamentais são, originariamente, direitos humanos. Contudo,

estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos

fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do

Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados

direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, ‗direitos morais‘, situados em

uma dimensão supra-positiva, deonticamente diversa daquela em que se situam

as normas jurídicas — especialmente aquelas de Direito Interno109

.

Segue o autor110

defendendo que, no âmbito interno, os direitos

fundamentais são distintos dos direitos da personalidade, na medida em que estes

demonstram um viés privatista, enquanto que os direitos fundamentais são garantias

também contra o Estado, embora sua eficácia seja também estendida a terceiros.

Boaventura de Sousa Santos111

, ao analisar a postura do Estado diante

da sociedade civil, lembra que, por vezes, a ação estatal é considerada como uma

verdadeira e potencial inimiga das liberdades individuais. Neste ponto, os direitos

fundamentais exercem importante papel de contensão do Estado.

109

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4ª edição. São

Paulo: editora RCS, 2005. p. 43-44. 110

GUERRA FILHO, Willis Santiago. op. cit., p. 44-45. 111

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 5ª

edição. São Paulo: Editora Cortez, 1999. p. 118.

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62

Os ditos direitos fundamentais, motivados muitas vezes por

acontecimentos históricos, funcionam como forma ou regramento capaz de barrar e

limitar a atividade estatal em detrimento de direitos cuja importância revela-se muito

mais importante. De qualquer forma, sabe-se que os direitos fundamentais não tutelam

direitos absolutos, comportando, em algumas situações a possibilidade de serem

limitados. Como menciona José Afonso da Silva112

, a doutrina francesa indicaria

pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais como as principais fontes de

inspiração das declarações de direitos. Contudo, segundo o autor, esta concepção não se

revela suficiente para abarcar a problemática em questão, sob a influência dos aspectos

econômicos, sociais e culturais.

Em verdade, observa-se verdadeiro jogo de contrapesos entre poder e

não poder limitar os direitos fundamentais. Para Antônio Augusto Cançado Trindade113

,

os grandes desafios de nosso tempo, que são a proteção do ser humano e do meio

ambiente, o desarmamento, a erradicação da pobreza crônica e o desenvolvimento

humano, e a superação das disparidades, que, apenas para registro, revelam-se bastante

evidentes em nosso país, têm incitado não apenas a renovação e revitalização de um

direito internacional contemporâneo, como também a necessidade de fortalecer o

processo de democratização deste direito. Em exposição relevante sobre o tema, Cançado

Trindade defende:

Em meados do século reconheceu-se a necessidade da reconstrução do

direito internacional com atenção aos direitos do ser humano, do que deu

eloqüente testemunho à adoção da Declaração Universal de 1948, seguida, ao

longo de cinco décadas, por mais de 70 tratados de proteção hoje vigentes nos

planos global e regional. Na era das Nações Unidas consolidou-se,

paralelamente, o sistema de segurança coletiva, que, no entanto, deixou de

operar a contento em razão dos impasses gerados pela Guerra Fria. O direito

internacional passou a experimentar, no segundo meado deste século, uma

extraordinária expansão, fomentada em grande parte pela atuação das Nações

Unidas e agências especializadas, ademais das organizações regionais,

estendida, também, ao domínio econômico e social, a par do comércio

internacional114

.

112

Cf. Jacker Robert. Libertes publiques, pp. 32 e ss; Jean Rivero, Lês libertes publiques — 1. Les droits

de l´homme. p. 33 e ss. In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª

edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2000. p. 176. 113

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte:

Editora Del Rey, 2006. p. 110-111. 114

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. op. cit., p. 110.

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63

Com a expansão global das relações comerciais e econômicas,

obviamente, as diferenças quase sempre causam certo desequilíbrio, onerando às

populações menos favorecidas, seja pelo acesso aos meios de produção, ou como

preferimos defender, ao próprio crédito concedido por instituições financeiras. De

qualquer forma, a internacionalização da economia trouxe a necessidade de se

protegerem determinados direitos, especialmente os econômicos, hoje inseridos na

categoria de direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais e os direitos do homem não podem ser

entendidos como expressão sinônima, embora utilizados regularmente neste sentido. Para

Canotilho, a diferença é evidente. Em sua obra defende:

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são

freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo sua origem e significado

poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos

válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-

universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-

institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do

homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,

intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos

objetivamente vigentes numa ordem jurídico concreta115

.

Para Alexandre de Moraes116

, os direitos fundamentais são

essencialmente constitucionais, na medida em que se inserem no contexto de uma dada

Constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu enunciado, uma vez

que a Constituição acaba dependendo, muitas vezes, de legislação necessária a

determinar o alcance, validade e vigência do exercício de determinados direitos. Alerta,

ainda, que para o direito pátrio, as normas que consubstanciam os diretos fundamentais

possuem eficácia e aplicação imediatas117

. Continua o autor, dizendo ainda que apesar da

prevalência que os direitos fundamentais possuem em uma dada esfera jurídica, estes não

são ilimitados. Com relação ao conflito entre estes direitos, Alexandre Moraes afirma:

115

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª edição. Portugal: Editora Almedina,

2003. p. 393. 116

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2002. p. 60. 117

Embora nos filiemos a este posicionamento, Gilmar Ferreira Mendes acrescenta que, para as relações

privadas, os direitos fundamentais possuem eficácia mediata. In: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos

Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora

Celso Bastos. 1998, p. 220.

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[...] Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias

fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática

ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em

conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma

redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos

princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia

do texto constitucional com sua finalidade precípua118

.

Embora seja preferencial abordarmos a classificação e o

posicionamento dos direitos fundamentais nos capítulos subseqüentes, tudo em razão da

melhor lógica cartesiana, não podemos deixar de mencionar que os direitos ditos

fundamentais são coisa recente. Para José Afonso da Silva119

, o reconhecimento destes

direitos fundamentais, em verdade, corresponde à reconquista e reconhecimento do que

há muito havia se perdido, quando a sociedade se dividira em proprietários e não

proprietários. Como se observa, uns conjuntos de fatores históricos, sociais e sociológicos

motivaram uma crescente necessidade para uma validação de direitos mínimos, contudo,

mais humanos para as comunidades assoladas pelo crescimento invasivo do capitalismo

dos séculos XVIII a XIX.

Conforme abordado do capítulo anterior, alguns documentos120

como o

―Bill of Rights” (1688), o ―Hábeas Corpus Amendment Act” (1679), a ―Magna Carta”

(1215 – 1225), e a ―Petition of Rights” (1628), embora não possam ser considerados

como declarações de direitos e sentido moderno, condicionaram, naquele dado momento

histórico, a formação de regras consuetudinárias à criação de bases para direitos mais

humanos e fundamentais, cujo alcance e reflexo fora incorporado em outros movimentos

históricos.

118

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2002. 12ª edição. p. 61. 119

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros. 19ª

edição, 2000. p. 153. 120

Embora a presente pesquisa busque traçar um delineamento específico entre a base principiológica dos

direitos humanos e o direito econômico-tributário, é certo que vale mencionarmos, alguns documentos que

também contemplaram certos direitos e liberdades. Principalmente aqueles que puderam ser ligados às

antigas Colônias Inglesas na América, como, por exemplo, Charter of New England, 1632; Charter of

Connecticut, 1662; Charter or Maryland, 1632; Charter of Carolina, 1663, Charter of Geórgia, 1732; e

ainda: MassachusetsBody of Liberties, 1641; New York Charter of Liberties; Pennsylvania Charter of

Privilegies, 1701. Todos estes exemplos são encontrados em Bernard Schawrtz, The great rigths of

mankind: a history of the American Bill of Rigths, In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros. 19ª edição, 2000. p. 176

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2.2. – O papel e o significado dos direitos fundamentais:

Os direitos fundamentais, como se sabe, servem ao interesse da pessoa

humana, pois tutelam, em diversos níveis, garantias e direitos considerados essenciais à

harmonia e segurança sociais.

Para Claudia Perotto Biagi, os direitos fundamentais possuem

importância muito maior do que a simples limitação da atividade estatal. Em verdade, os

direitos fundamentais compõem base de princípios, contendo essência e natureza também

positiva, na medida em que comete ao Estado, especialmente aos poderes públicos, o

dever de promover a aplicação dos direitos fundamentais. Vejamos:

Analisando o direito comparado, verifica-se que a Lei Fundamental

alemã (1949), a Constituição Portuguesa (1976) e a Constituição espanhola

(1978) consagram expressamente a garantia do conteúdo essencial dos direitos

fundamentais, buscando resguardá-los de medidas normativas que pudessem

restringi-los a ponto de desfigurar suas características básicas e essenciais e,

então, comprometer a sua eficácia.

Por outro lado, a doutrina estrangeira entende que a garantia do conteúdo

essencial se traduz, também, num mandado, de natureza positiva, aos poderes

públicos para que haja a adequada promoção dos direitos fundamentais121

.

Completando esta idéia lançada, Norberto Bobbio122

, acredita que

exista uma eterna dicotomia entre o público e o privado. Nesta ordem, inúmeras seriam as

possibilidades de que o público violasse o privado, especialmente se levássemos em

conta a teoria que defende a eterna prevalência do público sobre o privado — ius

publicum privatorum pactis mutari non potest ou privatorum convencio iuri public non

derogat.

Sob outro aspecto, Bobbio123

trata ainda da individualidade exacerbada

de nossa sociedade, pois, se constata que a afirmação dos direitos do homem derivaria de

121

BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na

jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 15. 122

BOOBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política. Tradução de

Marco Aurélio Nogueira. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999. p. 15-16. 123

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1992. p. 4-118.

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66

certa modificação da perspectiva social, além da própria representação da relação política

moderna.

Claudia Perotto Biagi124

, mencionando a obra de Bobbio, diz que a

concepção individualista do homem — que apresenta alguma oposição à concepção

organicista, segundo a qual, na afirmação de Aristóteles, o todo (a sociedade) é anterior à

suas partes (indivíduos) — altera consideravelmente a relação entre o todo e a parte,

considerando que, para se entender a sociedade, necessário se faz partir de baixo, ou seja,

dos indivíduos que a compõem, pois o todo seria, na verdade, o resultado da livre vontade

das partes.

Para Canotilho125

, a evolução histórica trazia algumas perspectivas

relativas à afirmação dos direitos fundamentais. A primeira delas dizia respeito à

necessidade de segurança jurídica para o franco e pleno desenvolvimento do capitalismo,

que, como se sabe, era prejudicado a todo instante, pelas constantes intervenções do

príncipe na economia. Tece ainda, importantes considerações a respeito do

individualismo. Vejamos:

As constituições liberais costumam ser consideradas como códigos

individualistas exalantes dos direitos individuais do homem. A noção de

indivíduo, elevado à posição de sujeito unificador de uma nova sociedade,

manifesta-se fundamentalmente de duas maneiras: (1) a primeira acentua o

desenvolvimento do sujeito moral e intelectual livre; (2) a segunda parte do

desenvolvimento do sujeito econômico livre no meio da livre concorrência.

A consideração do indivíduo como sujeito da autonomia individual, moral e

intelectual (essência da filosofia das luzes), justificará a exigência revolucionária

da constatação ou declaração dos direitos do homem, existentes a priori. O

sentido destas declarações não se reconduzirá à reafirmação de uma teoria de

tolerância, ou seja, de apelos morais dirigidos ao soberano, tendentes a obter

garantias para os súditos. A tolerância ficava sempre no domínio reservado do

soberano e, consequentemente, na sua completa disponibilidade. As declarações

dos direitos vão mais longe: os direitos fundamentais constituem uma esfera

própria e autônoma dos cidadãos, ficam fora do alcance dos ataques legítimos

do poder, e contra o poder podiam ser defendidos.

A segunda perspectiva do individualismo, diretamente mergulhada nas doutrinas

utilitaristas, conduz-nos ao individualismo possessivo ou proprietarista126

: o

indivíduo é essencialmente o proprietário da sua própria pessoa, das suas

capacidades e dos seus bens, é daí que a capacidade política seja considerada

como uma invenção humana para proteção da propriedade do indivíduo sobre a

sua pessoa e dos seus bens. Conseqüentemente, para a manutenção das relações

124

BIAGI, Claudia Perotto. op. cit., p. 17-18. 125

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 111-112. 126

Cf. C.B. Machperson. La Teoria Política des Individualismo Posesivo, Barcelona, 1970, p. 22 e ss.

In: CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 111.

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67

de troca, devidamente ordenadas entre indivíduos, estes eram considerados

como proprietários de si mesmos. Trata-se, no fundo, do individualismo

ideológico do liberalismo econômico127

.

Diante destas considerações, onde se avalia especificamente o caráter

individualista, não podemos deixar de mencionar que o papel dos direitos fundamentais

também se insere na categoria destinada à proteção contra a atividade privada nociva ou

abusiva. Embora para esta pesquisa tenhamos centrado o foco nas relações públicas —

lembremos que, neste trabalho, buscamos considerar as imunidades tributárias frente os

princípios de direitos humanos e a concepção assistencial de algumas entidades

pertencentes ao Terceiro Setor —, o viés privado não poderia ser desconsiderado, ainda

mais quando temos em consideração que as regras de direito fundamental tem aplicação

para todos.

Os direitos fundamentais têm como finalidade a proteção de certos

interesses ou bens, que, tuteladas pela Lei Maior gozam ou não de um maior grau de

relevância. Como afirma Georg Jellinek128

, ―tudo aquilo que, considerado objetivamente,

aparece como um bem, subjetivamente se torna um interesse‖.

Contudo, para que tais interesses restem protegidos, estes devem vir

positivados na norma, sob pena de nada serem. Como menciona Canotilho129

, sem a

devida positivação da norma jurídica, os direitos do homem são esperanças, aspirações,

idéias, impulsos, ou mesmo mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a

forma de uma lei, por exemplo. Neste sentido, como ensina este constitucionalista, tais

direitos assumem certa proporção de fundamentalidade, especialmente por serem

efetivamente reconhecidos em Constituições. É este o caráter da fundamentalidade

tratado por Canotilho.

Para Cláudia Perotto Biagi130

, a fundamentalidade material dos direitos

fundamentais apenas conferem a certeza de que tais mandamentos constituem a formação

basilar do Estado e da Sociedade, caracterizando-se, dessa forma, como o fundamento de

127

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 110-111. 128

JELLINECK, Georg. Sistema dei diritti pubblici subbiettivi. Tradução de Gaetano Vitagliano. Milão:

Societá Editrice Libraria, 1912 apud SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais.

7ªedição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007. p. 168. 129

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 376. 130

BIAGI, Claudia Perotto. op. cit., p. 21.

Page 69: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

68

todo o ordenamento jurídico, que, conforme explica Martinez-Pujalte, se baseia na

Constituição como norma jurídica suprema e expressão dos valores básicos que guiam a

comunidade política.

Essa é a dimensão jurídica capital dos direitos fundamentais:

constituem o fundamento supremo da comunidade política e, em conseqüência,

não operam tão só como limites à atuação dos poderes públicos, mas também

como critérios orientadores da ação política de tal forma que os poderes públicos

adquirem a missão fundamental de fazer possível o gozo efetivo dos direitos

fundamentais131

.

Como marca predominante deste registro ou barreira à atuação estatal,

parece nítido o conflito entre o liberalismo e intervencionismo. Aliás, a intervenção

estatal serve tanto aos interesses destinados à preservação dos direitos fundamentais,

como também à proteção da própria atuação do Estado. Para os direitos econômicos, que

é foco principal desta pesquisa, a proteção dos direitos fundamentais assume papel de

suma importância na medida em que os parâmetros da economia são sensivelmente

afetados pela decisão política que comanda os estados. Márcio Iório Aranha traça

interessante paralelo histórico entre o intervencionismo e o liberalismo, valendo análise a

respeito de suas ponderações.

Atenta-se, ainda, para a teoria que privilegia os ciclos históricos,

mediante a chamada atenção aos conceitos de liberalismo e intervencionismo, na

configuração que hoje detêm, de liberalismo construtor, ou neoliberalismo, e

intervencionismo social132

.

A dicotomia criada entre ambas as teorias pode levar à interpretações

equivocadas a respeito da extensão e aplicabilidade dos direitos fundamentais, no

entanto, para este problema, Canotilho traz a solução através da interpretação realizada

através do princípio da harmonização, que, em verdade, busca, tão somente, o ponto de

equilíbrio deste sistema jurídico acreditando na coexistência de sistemas e teorias

131

MARTINEZ-PUJALTE, Antonio Luis apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo

essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora

Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 22. 132

ARANHA, Márcio Iório. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos

fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p. 99.

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69

antagônicas, que na verdade, são complementares. Ou seja, onde uma delas não tem

alcance, a outra se encarregará de suprir a deficiência da outra.

Para este problema, Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel

Cavalcanti Machado entende ser possível outro conteúdo à necessária coexistência destas

teorias. Vejamos:

Os princípios são mandamentos que determinam a promoção de

determinados valores ou objetivos com a maior intensidade possível. Muitos

estão consagrados, implícita ou explicitamente, no texto constitucionais; na

determinação da norma aplicável ao caso, o intérprete há de realizar a

conciliação dos princípios aplicáveis, de modo a adotar a solução que os realize

de forma ‗ótima‘, vale dizer, com a maior intensidade possível. Em caso de

conflito entre os princípios implicados, deve haver uma ponderação, de sorte a

que se adote a solução que os realize da forma mais equilibrada possível; os

direitos fundamentais, até por serem consagrados em norma com estrutura de

princípio, não tem como ser prestigiados de forma absoluta. Têm de ser

conciliados, ou ‗relativizados‘, com aplicação do postulado da

proporcionalidade133

.

Como se observa, a complementaridade de um sistema necessita de

normas ou princípios cujo alcance seja relativamente maior, tudo com vistas a observar a

proporcionalidade. A Teoria dos Direitos Fundamentais, como se observa, necessita dos

parâmetros lançados pela proporcionalidade, especialmente aquela que é encontrada em

sentido estrito, já que a proporcionalidade subdivide-se em necessidade, adequação e

própria proporcionalidade.

De qualquer forma, convém atentarmos para o fato de os direitos

fundamentais serem parâmetros e princípios norteadores à aplicação de normas. Embora

a Constituição Federal de 1988 os traga de forma exemplificativa, os princípios que

balizam os direitos fundamentais não podem ser entendidos unicamente como normas, na

medida em que estes, como outros, comportam limitações jurídicas, tudo em nome de um

bem maior que se pretende proteger ou tutelar.

Os direitos fundamentais, como se verifica de nosso estudo, não mais

podem ser entendidos de forma individualizada, especialmente para conferir uma

tradicional concepção de defesa. Como observa Canotilho134

, aos direitos fundamentais

133

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado; MACHADO et al. In: FOLMANN, Melissa. (Organizadora).

Tributação e direitos fundamentais. 1ª edição. Curitiba: Editora Juruá. 2007. p. 160-161. 134

CANOTILHO. op. cit., p. 1384.

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70

deve-se atribuir uma multifuncionalidade, especialmente para acentuar cada uma das

funções que as diferentes teorias dos direitos fundamentais captam.

Claudia Perotto Biagi135

, calcada em Ingo Wolfgang Sarlet, observa que

a constatação da multifuncionalidade dos direitos fundamentais não constitui nenhuma

novidade em especial, tendo o seu ponto de partida na importante teoria dos status de

Georg Jellinek.

Mesmo assim, apesar da multifacetada aplicação dos direitos

fundamentais, não podemos deixar de destacar a idéia preconizadora de toda a sua

existência, no caso, a defesa de interesses. Como menciona Paulo Márcio Cruz136

, ―a

tarefa dos parlamentos, enquanto representantes, no Estado Democrático de Direitos, de

todos os cidadãos, de delimitar os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente

reconhecidas, é uma forma de evitar uma excessiva liberdade de ação por parte do Poder

Executivo‖.

Para o exame subseqüente, analisaremos a teoria dos quatro ―status‖ de

Jellinek, com vistas a melhor entender o alcance e funcionalidade dos direitos

fundamentais, já que, neste momento, exaurimos o papel e o significado dos direitos

fundamentais de uma forma geral.

2.3 – A teoria dos “status” de Georg Jellinek:

Georg Jellinek foi um jurista alemão responsável por importantes obras

a respeito das ciências jurídicas. A razão de reservamos ponto especial neste trabalho

para tratarmos de sua teoria é bastante simples. Este jurista, como menciona Ana Maria

135

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria do

Advogado, 2002. apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos

fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris,

2005. p. 41. 136

CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. Curitiba: Editora Juruá, 2001. p. 153.

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71

D‘ávila Lopes137

, desenvolveu toda uma doutrina no sentido de considerar que o

indivíduo possui outra esfera de atuação, além daquela que lhe é inerente — a privada —,

no caso, uma esfera pública, especialmente em razão de ser o indivíduo um membro da

comunidade política.

Através dessa teoria, como menciona Ana Maria D‘ávila Lopes, os

direitos fundamentais assegurariam ao indivíduo quatro esferas de atuação. A primeira

delas sendo o status subjectionis, o status libertatis, o status civitatis, e, por fim, o status

activus civitatis.

Para a primeira, como menciona a autora, o status subjectionis

determina uma posição de submissão ou sujeição do indivíduo em relação ao Estado, em

verdade, estado este capaz de gerar deveres para o cidadão.

Para o status libertatis, existe sim, a criação de uma barreira frente a

atividade estatal. Como menciona Gilmar Ferreira Mendes, ―enquanto direitos de defesa,

os direitos fundamentais asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências

ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo, ou mesmo do

Judiciário‖138

.

Com relação ao status civitatis, Claudia Perotto Biagi traz os

esclarecimentos de Jellinek a respeito, que o vincula ao direito de exigir prestações do

Estado. Neste sentido, existe a possibilidade de o cidadão exigir, conforme o seu

interesse, ações estatais, cujos reflexos deste ―pedir‖, podem ou não encontrar um

respaldo de natureza negativa, como, por exemplo, um não fazer. E quanto aos direitos

sociais, estes podem, também, serem exigidos. Em nossa pesquisa, entendemos que sim.

Contudo, nos capítulos subseqüentes explicaremos as razões disso.

Por fim, existe ainda o status activus civitatis. Para Ana Maria D‘Ávila

Lopes139

, significa a participação do cidadão na vida política de sua comunidade. Em

sentido específico, entendemos que este último estágio guarda íntima relação com o

princípio democrático, onde a participação do cidadão na vida política integra o quadro

de garantias do regime democrático.

137

LOPES, Ana Maria D‘Ávila. Direitos fundamentais como limites do poder de legislar. Porto Alegre:

Editora SAFE, 2001. p. 38. 138

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de

direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 33. 139

LOPES, Ana Maria D‘Ávila. op. cit., p.38

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72

José Afonso da Silva140

entende não ser suficiente a um regime

democrático a garantia de determinados direitos, como, por exemplo, o direito a

igualdade, liberdade e principalmente a cidadania. Necessário se faz a participação dos

indivíduos, exercendo plenamente o poder popular. Segundo Ana Maria D‘Ávila

Lopes141

, ―a concepção de cidadania como um direito que demanda a participação do seu

titular na vida em sociedade está presente na Constituição Federal Brasileira de 1988‖.

Com estes delineamentos classificamos os direitos fundamentais não

apenas como sendo direitos de defesa, mas também direitos que permitem aos

jurisdicionados exigirem prestações estatais, fiscalizar, como também serem destinatários

de obrigações de fazer, portanto de deveres existentes em uma sociedade. Logicamente

que, sob uma ótica harmonizadora, o sistema em que se permite a cobrança de prestações,

há também a contrapartida dos deveres. Neste sentido, o status subjectionis se faz de

forma mais presente e evidente.

Robert Alexy142

, embora reconheça a grandiosidade da teoria de

Jellinek, faz críticas muito pertinentes a respeito do alcance e da dificuldade, em certos

momentos, de se determinar as diferentes posições encontradas por Jellinek. Em verdade,

como diz o autor, nas relações elementares de classificação, nem sempre se consegue

identificar com clareza os status. Mesmo assim, apesar da crítica, Alexy acredita que tal

debilidade possa ser superada através de uma teoria fundamentada em bases deônticas

fundamentais, fazendo surgir um sistema complementar e mais claro à teoria de Jellinek.

Pelo que se compreende da teoria de Jellinek, podemos constatar o

importante papel que o povo — destinatários principais dos direitos fundamentais —,

exerce junto à estruturação política e constitucional de um país, especialmente para

reforçar o papel dos direitos fundamentais. Como defende Jellinek143

, nos Estados onde

se tenha ocorrido uma democratização progressiva da sociedade, existem instituições que

140

SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. : estudos sobre a Constituição. São

Paulo; Editora Malheiros, 2000. p. 157. 141

LOPES, Ana Maria D‘Ávila. A Cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinido a

Participação Política. apud BONAVIDES, Paulo; MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson; BEDÊ,

Fayga Silveira (Coordenadores). Estudos em homenagem ao prof. J.J. Canotilho. São Paulo: Editora

Malheiros, 2006. p. 25. 142

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. 1ª edição. 3ª reimpressão. Madrid: Centro

de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 261-262. 143

JELLINEK, Georg. Reforma y Mutacion de la Constituicion. Madrid: Centro de Estudios

Constitucionales, 1991. p.88.

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73

alcançaram o reconhecimento constitucional, as quais reconhecem, inclusive, a

participação direta do povo no poder público, implicando, por conseguinte, em certa

limitação do poder legislativo. Certamente, o ingrediente popular tem servido

consideravelmente para a criação e reforço dos direitos fundamentais, na medida em que

seu desenvolvimento, quase sempre, fora motivado por iniciativas e revoluções sociais. É

assim que evoluem os direitos humanos. As necessidades, a valoração de novos conceitos

provoca a evolução desta categoria de direitos.

2.4 – Os direitos fundamentais como direito de defesa:

Ao analisarmos a criação e o desenvolvimento histórico dos princípios

que balizam os direitos fundamentais, observamos a intensa fragmentação deste sistema

de princípios junto aos sistemas constitucionais existentes. Como visto, os direitos

fundamentais não servem especificamente à sustentação de um sistema jurídico estatal,

mas também confere poder de ação para os indivíduos destinatários deste tipo de norma

ou princípio. Evidentemente, a importância maior dos direitos fundamentais centra-se

também no direito de defesa. Gilmar Ferreira Mendes traz alguns complementos a

respeito deste tema, principalmente ao analisar tais idéias sob a inflexão do

posicionamento de alguns doutrinadores, como, Alexy, Battis e Gusy.

Como observado, enquanto direitos de defesa, os direitos fundamentais

asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do

Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo, ou mesmo do

Judiciário. Se o Estado viola este princípio, então dispõe o individuo da

correspondente pretensão que pode consistir, fundamentalmente, em uma: (1)

pretensão de abstenção (Unterlassungsanspruch)144

; (2) pretensão de revogação

(Aufthebungsanspruch), ou ainda, em uma; (3) pretensão de anulação

(Beseitigungsanspruch).

144

Cf. BATTIS;GUSY. Einfurung in das Staatsrecht. 3ª edição. Heidelberg. 1991 apud MENDES,

Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito

constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 33.

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74

Embora não haja mais lugar para dúvida quanto ao efeito vinculante dos direitos

fundamentais em relação ao legislador, as normas disciplinadoras dessas

situações remetem, não raras vezes, à lei, que poderá, assim, estabelecer

restrições ao âmbito de proteção desses direitos145

.

Segundo Claudia Perotto Biagi146

, os direitos fundamentais, em sua

função primária, asseguram ao indivíduo um espaço de auto-determinação perante o

poder público, outorgando-lhe, em dadas situações, mecanismos capazes de refrear

qualquer invasão ou violação destes direitos.

Para Canotilho, os direitos fundamentais servem essencialmente para a

defesa de direitos básicos como, por exemplo, a defesa da pessoa humana e a dignidade.

Neste ponto, vale examinar as palavras do constitucionalista.

A primeira função dos direitos fundamentais — sobretudo dos direitos,

liberdades e garantias — é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade

perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coativos).

Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa de cidadãos

sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas

de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente

as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano

jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais

(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar

agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)147

.

Neste sentido, Mazzuoli também defende que os direitos fundamentais

sejam a ―expressão afeta à proteção constitucional dos direitos do cidadão. Ligam-se,

assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de proteção‖148

.

Pelo que se pode analisar, os direitos fundamentais compõem não

apenas um complexo sistema de defesa, mas também, essencialmente, características

inerentes a um sistema democrático, notadamente pela possibilidade de participação de

seus indivíduos junto à exigência de direitos e garantias legais. Os direitos fundamentais,

em verdade, vinculam não apenas o Estado, como seu garantidor, mas também o próprio

145

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de

direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 33 146

BIAGI, Claudia Perotto. op. cit., p. 44. 147

CANOTILHO. op. cit., p. 407-408. 148

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2006. p. 480.

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cidadão, que, como seu destinatário, tem o direito subjetivo de buscar as prestações

devidas.

A problemática da vinculação dos poderes públicos e das entidades

privadas aos direitos fundamentais encontra-se estreitamente ligada ao tema da

eficácia e aplicabilidade, já que a vinculatividade dos direitos fundamentais

constitui precisamente uma das principais dimensões da eficácia149

.

Como diz Suzana Toledo de Barros, os direitos fundamentais, portanto,

não representam um poder e devem, desse modo, serem vistos como um feixe de

diferentes possibilidades de comportamentos150

.

Apesar da beleza sedutora da teoria dos direitos fundamentais,

especialmente como regras de proteção, prevenção e defesa, outro ponto que convém

levantar nesta pesquisa diz respeito ao próprio aspecto prático que a defesa destes direitos

representa para o Estado. Para Dieter Grimm151

, ―os direitos fundamentais foram

originariamente criados para que essa autonomia contra a tendência onipresente de

instrumentalização política pudesse ser defendida‖. Por outro lado, apesar desta

justificativa, o autor segue sua argumentação defendendo que, para o Estado, é muito

mais barato proteger e aplicar tais princípios fundamentais, do que simplesmente repelir

perigos provenientes da atividade estatal, ou pior, indenizar danos ocasionados. Esta

visão bastante atual, como diz o autor, revela, certo esgotamento dos direitos

fundamentais, que se seguiu após o encantamento propiciado pelos movimentos

revolucionários mais importantes da história mundial. Não se pode dizer, por outro lado,

que o excesso de direitos fundamentais possa, em tese, causar certa insegurança jurídica,

especialmente para a atividade estatal. Contudo, esta dicotomia parece ser arrefecida

pelos princípios da proporcionalidade e da harmonização como visto em capítulos

anteriores.

149

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007. p.386. 150

BARROS, Suzana Toledo de. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade

das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2000. p. 136. 151

GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Tradução de Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Editora

Del Rey, 2006. p. 87-89.

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76

Aliás, sobre o tema segurança jurídica, válido relembrar que, para Ives

Gandra da Silva Martins152

, a segurança jurídica é direito fundamental, pois se revela

como alicerce para os demais direitos.

2.5 – O Poder Legiferante e os direitos fundamentais:

Questão posta em diversos debates é a respeito da omissão relativa às

garantias e direitos fundamentais, especialmente quando o poder legislativo se omite em

relação à sua regulamentação e aplicação. Àqueles, cuja visão formalista deturpa a

verdadeira essência dos direitos fundamentais, estes somente seriam aplicáveis a partir de

positivação explícita na norma. Contudo, através dos exames realizados, discordamos de

qualquer posicionamento neste sentido, tudo em razão de os direitos fundamentais serem

a base principiológica de um sistema normativo, e, como tal, não necessariamente devam

vir regulamentados em um sistema jurídico, para então poderem ter a eficácia desejada.

Embora os direitos fundamentais possam ser entendidos também como

princípios, é certo que a omissão legislativa pode ocasionar não apenas o impedimento,

mas também dificultar o próprio exercício de um direito fundamental, principalmente

porque, nesta hipótese, ao Estado não será vedada determinada atividade. Embora nociva,

não encontrará óbice legislativo.

Antes de prosseguirmos com o presente estudo, embora tenhamos

deixado aos manualistas a tarefa de definir a diferença entre garantias e direitos, optamos

por fazer breve menção a esta discussão, na medida em que dúvidas podem ser suscitadas

a respeito deste aspecto. No exame de Rui Rebello Pinho e Amauri Mascaro

152

HERNANDES, Fernanda Guimarães. Princípios Constitucionais Fundamentais – segurança

jurídica. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do; ROSAS, Roberto; VELLOSO, Carlos Mário da

Silva (coordenadores). Princípios Constitucionais Fundamentais: Estudos em homenagem ao

professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex Editora, 2005. p. 436.

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77

Nascimento153

, os direitos são aspectos, manifestações da personalidade humana em face

de sua existência subjetiva, ou ainda, nas relações para com a sociedade ou os indivíduos

que a integram. Por sua vez, as garantias constitucionais são as solenidades tutelares onde

a lei circunda alguns desses direitos contra os excessos do Estado. Com estes

delineamentos, passaremos a analisar a importância da legislação a respeito dos direitos

fundamentais e suas garantias que estes trazem arraigados. Importante observar, neste

capítulo, que a omissão legislativa desencadeia uma série de conseqüências para o

cidadão, ponto no qual pretendemos focar para o presente exame.

Para o direito pátrio, a omissão legislativa guarda importância singular.

Como defende Gilmar Ferreira Mendes154

, a omissão capacita o manejo de ação direta de

inconstitucionalidade, em razão da omissão legislativa. ―A omissão inconstitucional

pressupõe um dever constitucional de legislar‖.

De qualquer forma, para Claudia Perotto Biagi, compete ao legislador

definir os parâmetros sob os quais os direitos fundamentais assentaram o seu plano de

eficácia, de forma que tais contornos possam, enfim, ser aplicados aos diversos setores da

sociedade.

Mostra-se, então, necessária uma intervenção normativa do legislador

ordinário, tanto para definir os contornos do âmbito de proteção e a forma de

exercício dos direitos fundamentais, como também para assegurar aos outros

membros da sociedade o gozo de mesmos direitos.

Afinal, há que se reconhecer uma tendência do homem ao despotismo, pois

acaba lançando mão de sua parcela de liberdade, mas, também, usurpando a

liberdade dos outros155

.

Como se observa, os direitos fundamentais auxiliam a composição

básica de um estado democrático?, pois estabelecem um conjunto de regramentos e

obrigações não apenas para o Estado, mas também para os indivíduos que compõem a

sociedade. A existência de normas a respeito dos direitos fundamentais garante ao titular

destes direitos a possibilidade de um agir, ou de como se proteger em casos de violação.

153

PINHO, Rui Rabelo e NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Instituições de direito público e privado:

introdução ao estudo do direito e noções de ética profissional. 20ª edição. São Paulo: Editora Atlas.

1997. p. 127. 154

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de

direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 48. 155

BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na

jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 2005. p. 56.

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78

Canotilho, sabedor deste aspecto, subdivide as normas consagradoras dos direitos

fundamentais como sendo um direito subjetivo. Vejamos:

Diz-se que uma norma garante um direito subjetivo quando o titular de

um direito tem, em face ao seu destinatário o direito a um determinado ato, e

este último tem o dever de, perante o primeiro, praticar esse ato. O direito

subjetivo consagrado por uma norma de direito fundamental reconduz-se, assim,

a uma relação trilateral entre o titular, o destinatário e o objeto do direito156

.

A importância da norma é conferir não apenas a eficácia de um

interesse a ser protegido pelo ordenamento positivo, mas também, garantir aos titulares

de um direito, a possibilidade de agir em caso de violação.

Nas lições de José Afonso da Silva157

, as normas seriam consideradas

como preceitos responsáveis pela tutela de determinadas situações, ou ainda, o

reconhecimento de certos interesses garantidos a determinadas pessoas ou entidades,

onde o detentor desta garantia pode, então, cobrar do Estado a prestação relativa ao

cumprimento de determinado dever, ou ainda a abstenção de suas atividades sob pena de

violação de direitos garantidos pela norma. No mesmo texto, o autor ressalta que os

direitos fundamentais, mesmo que não inseridos em normas, servem à sustentação do

Estado, especialmente traçando a sua estrutura, os princípios estruturantes do regime

político, os princípios caracterizadores da forma de governo, além da própria organização

política em geral.

A este tema, Gilmar Ferreira Mendes158

traz algumas notas a respeito

do trabalho a ser desempenhado pelo Poder Legislativo no que diz respeito à atividade

legiferante. Para o autor, o legislador não está apenas autorizado a fixar certos limites

para determinados direitos individuais, como também está obrigado a obedecer de forma

rigorosa os limites estabelecidos pela Constituição à imposição de restrições e limitações.

Como se observa, a atividade do legislador desempenha papel importante para a

consideração dos direitos fundamentais.

156

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 1254. 157

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª edição. São Paulo: Editora

Malheiros, 2000. p. 95-96. 158

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de

direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 210.

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79

Para o Terceiro Setor, ou propriamente para as entidades assistenciais, o

que se busca, em verdade, é saber primeiramente quais os objetivos buscados por uma lei,

quando de sua aprovação ao término de um processo legislativo. Os efeitos, que podem

muitas vezes serem confundidos com os resultados, ressalte-se que não são, funcionam

como diretrizes para o Terceiro Setor. Neste sentido, como defendem Joaquim Falcão e

Carlos Cuenca159

o Estado não apenas pode como deve incentivar o Terceiro Setor

através de isenções, imunidades, transferência de recursos e outros. Ocorre que, em razão

do respeito ao princípio da legalidade, obviamente tais ocorrências dependem sim da

formação de normas que incentivam estas operações.

Em se tratando de direitos humanos assim como para os direitos

fundamentais, os incentivos fiscais devem ser perseguidos pela atividade legislativa a fim

de que sejam fornecidos subsídios e estímulos ao crescimento do setor.

Assim, a existência de direitos fundamentais é importante à regulação

dos sistemas jurídicos, para a delimitação de barreiras ou obstáculos à aplicação de

direitos, além de conferir, a certos titulares, a possibilidade de exigir ou não uma

contraprestação do Estado. Por estas razões, a normatização dos direitos fundamentais

importam não apenas em seu expresso reconhecimento, mas também na limitação de sua

aplicação e a própria formação do Estado nas relações políticas estabelecidas. Nos

dizeres de Canotilho, os direitos fundamentais são essencialmente regras matrizes da

Constituição. Daí a necessidade de sua expressão ou reconhecimento na Lei Maior.

Portanto, o reconhecimento destes direitos é de suma importância à formação do Estado e

o exercício de garantias.

159

FALCÃO, Joaquim ; CUENCA, Carlos. Mudança cocial e reforma legal: Estudos para uma nova

legislação do Terceiro Setor. Brasília-DF: Comunidade Solidária – UNESCO, 1999. p. 15.

Page 81: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

80

2.6 – Os limites constitucionais aos direitos fundamentais:

Os direitos fundamentais, como regras de garantia e proteção ao

indivíduo, não se inserem na categoria de normas ilimitadas. Como defende Alexandre de

Moraes160

, os direitos humanos fundamentais, dentre os direitos e garantias individuais e

coletivos consagrados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, não permitem, por

exemplo, que sejam utilizados como uma espécie de escudo destinado à prática de atos

ilícitos, ou, ainda, a redução da responsabilidade penal ou civil. Mesmo assim, havendo a

colidência entre regramentos de direitos fundamentais, como examinado em capítulos

anteriores, caberá ao intérprete harmonizar a aplicação destes princípios.

[...] quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias

fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática

ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em

conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma

redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos

princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia

do texto constitucional com sua finalidade precípua161

.

Como se observa, muito embora os direitos fundamentais tenham

surgido da necessidade de se limitar a ação estatal, a sua aplicação e utilização sofrem o

barramento de outros princípios, com os quais possam entrar em conflito. Para a solução

deste problema, Humberto de Ávila162

traz equacionamento bastante plausível à solução

destes conflitos. Em primeiro lugar, ao se estabelecer determinado choque, o hermeneuta

deverá perquirir qual o bem tutelado pelos princípios conflitantes. Após a especificação

de cada um dos princípios e a determinação de seus respectivos âmbitos de limitação,

poderá o aplicador da lei examinar o caso concreto, confrontando-o com as similaridades

eventualmente existentes entre outros casos, além de verificar a existência de critérios

capazes de identificar os bens jurídicos ideais, considerando a harmonização de todas as

regras envolvidas.

160

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2002. p. 60- 61. 161

MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 60-61. 162

ÁVILA, Humberto de. Teoria dos Princípios. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 92-93.

Page 82: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

81

Da análise dos direitos fundamentais, pode-se extrair a conclusão

errônea de que direitos, liberdades, poderes, garantias são passíveis de ilimitada

limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições

são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou ‗limites dos

limites‘ (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando

restringe direitos fundamentais. Esses limites, que decorrem da própria

Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial

(Wesensgehalt) do direito fundamental, quanto à clareza, determinação,

generalidade e proporcionalidade das restrições impostas163

.

Os direitos fundamentais, ao serem limitados, devem observar certos

cuidados, como, por exemplo, obedecerem a um critério de clareza tal, que não se

permite ao legislador deixar ao alvedrio do intérprete o alcance das limitações. Tal

observância existe em razão do interesse em se preservar a segurança jurídica das

relações existentes entre o Estado e seus integrantes como um todo.

Quando nos preceitos constitucionais se prevê expressamente a

possibilidade de limitação de direitos, liberdades e garantias através de lei, fala-

se em direitos sujeitos à reserva de lei restritiva. Isto significa que a norma

constitucional é simultaneamente: (1) uma norma de garantia, porque reconhece

e garante um determinado âmbito de proteção ao direito fundamental; (2) uma

norma de autorização de restrições, porque autoriza o legislador a estabelecer

limites ao âmbito de proteção constitucionalmente garantidos164

.

Segundo o entendimento defendido por Canotilho, as normas que

cuidam de direitos fundamentais possuem um caráter dúplice na medida em que podem

conter, ao mesmo tempo, regras de garantia e defesa, bem como restrições impostas

através da atividade legislativa, que é plenamente autorizada.

Observando-se a idéia das restrições aos direitos fundamentais, Robert

Alexy165

adverte que o plano das restrições deve ser feito da mesma forma que o

reconhecimento de um dado direito fundamental. Em síntese, sua idéia centra-se na

possibilidade de restrições, desde que a partir de normas também constitucionais. A teoria

desenvolvida por Alexy, contempla, ainda, a hipótese de restrições realizadas a partir de

normas infraconstitucionais. Cita, como exemplo, lei que eventualmente, venha a regular

o direito de associação, embora se reconheça como direitos fundamentais a possibilidade

163

Cf. PIEROTH e SCHLINK apud MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de

constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 34. 164

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 1278. 165

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. 1ª edição. 3ª reimpressão. Madrid: Centro

de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 273-281.

Page 83: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

82

de as pessoas de associarem. Continuando o autor, este defende a idéia de que a

contraposição de princípios ou direitos fundamentais possam encontrar restrições em

outros direitos e garantias, tendo como forma de ponderação o próprio peso e medida do

direito confrontado. Vejamos o texto de Alexy.

[...] O caráter inicial das normas fundamentais resulta, não apenas, em

vista de princípios opostos na restrição dos direitos fundamentais, pois estes são

restringíveis, assim como as restrições. Uma restrição dos direitos fundamentais

somente é admissível no caso concreto, em que certo princípio fundamental

possui peso maior. Através desse princípio fundamental, pode-se dizer que os

direitos fundamentais são restringíveis de acordo com sua própria limitação e

restringibilidade166

.

O modelo jurídico da teoria dos direitos fundamentais criado por Robert

Alexy está calcado no princípio da igualdade de iure, onde se determina a igualdade

quanto à necessidade de um tratamento igualitário e, por assim dizer, equânime entre dois

indivíduos ou situações. Com relação a essas conclusões, baseando-se nos apontamentos

de Alexy, Marciano Seabra de Godoi167

traz algumas críticas a este modelo.

Segundo Godoi, o modelo elaborado por Alexy, não contemplaria todas

as situações possíveis. Em suas primeiras análises, o autor conclui que Alexy privilegia o

modelo de igualdade de iure, tratando a igualdade de forma estanque, sem muito

considerar a igualdade de fato. De outra banda, o autor considera que Alexy equivoca-se

ao considerar que, ao lado da igualdade, vigora também o princípio da desigualdade.

Contudo, este modelo se dissolveria, já que a razoabilidade serviria para tratar situações

em que houvesse a real necessidade de se dispensar um tratamento diferenciado para

certo indivíduo ou situação.

Prossegue Godoi, em sua crítica, dizendo ainda que ―Alexy é um dos

poucos autores que não vêem a igualdade como um princípio de hierarquia superior no

conjunto dos princípios fundamentais, e por que não dizer um dos mais elevados na

166

ALEXY, Robert. op. cit., p. 286. Tradução nossa. (Del caráter de principio de las normas ius

fundamentales resulto no sólo que, en vista de los princípios opuestos, los derechos fundamentales están

restringidos y son restringibles sino también que su restriccíon y restringibilidad son restringidas. Una

restricción de los derechos fundamentales es sólo admisible si em el caso concreto a princípios opuestos les

corresponde un peso mayor que al principio ius fundamental. Por ello, se puede decir que los derechos

fundamentales, en tanto tales, son restricciones a su restricción y restringibilidad). 167

GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Editora Dialética,

1999. p. 158-161.

Page 84: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

83

ordem hierárquica‖168

. Por fim, o autor considera que a obra de Alexy é vaga e obscura,

quando utiliza a expressão ―razão suficiente‖ para justificar um ato de desigualdade.

Neste ponto em particular, ousamos discordar de Marciano Seabra de

Godoi, na medida em que, tanto a lei como a doutrina, trazem, como ingredientes, certo

grau de subjetividade, pois, nesta medida, é que a sociedade poderá escolher o alcance e

limitação daquilo que vem a ser considerado como razão suficiente para este ou aquele

ato de desigualdade. Na verdade, as influências culturais e sociais auxiliam na escolha

destes parâmetros, do que vem a ser a razão suficiente.

Apesar das inúmeras discussões acadêmicas a respeito do tema, os

direitos fundamentais, como regras e garantias de um determinado sistema jurídico, têm,

na restrição, não apenas a colidência de princípios ou direitos. Em verdade, é no próprio

choque que estes direitos encontram o seu verdadeiro alcance e eficácia. Para o direito

pátrio, embora sejam considerados normas de eficácia plena, muitos deles encontram

barreiras em outros princípios de direito, ou ainda, na própria segurança jurídica.

2.7 – A estrutura dos limites imanentes:

Podemos admitir que alguns direitos, apesar de suas limitações e

alcance, possuem restrições diretas e indiretas, sendo que para determinados casos,

admite-se ainda, através de reserva de lei, as restrições legislativas, o que mesmo assim,

não eliminaria a possibilidade de conflitos de direitos da vida prática e, por conseguinte, a

necessidade de se imporem restrições além daquelas já determinadas direta ou

indiretamente169

.

168

GODOI, Marciano Seabra de. op. cit., p. 161. 169

STEINMETZ, Wilson Antônio apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos

direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sergio

Antonio Fabris, 2005. p. 69.

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84

Para Canotilho170

, os limites imanentes estariam justificados em virtude

da existência de limites originários ou primitivos, que se imporiam a todos os direitos,

como, por exemplo, limites sociais, limites constituídos por outros direitos, ou ainda, as

limitações éticas. Contudo, prossegue o autor, neste ponto caberia aqui uma ressalva:

através desta lógica de restrições, se estaria inserindo uma série inesgotável de outras

garantias ou direitos fundamentais, incluindo a possibilidade de deixar ao alvedrio do

Poder Público a escolha e a própria aplicação destes direitos fundamentais.

Quanto a estas limitações de ordem imanente, Cláudia Perotto Biagi171

esclarece que os limites imanentes balizariam, a partir do interior, a possível

concretização do conteúdo dos direitos fundamentais, tratando-se, em verdade, de limites

inseridos na própria natureza dos direitos fundamentais, e, neste sentido, se identificariam

com os limites internos, que cada direito fundamental possui.

2.8 – As teorias a respeito do conteúdo essencial dos direitos fundamentais:

Como estudado em capítulos anteriores, concluímos que os direitos

fundamentais não podem ser compreendidos como regras absolutas, sem qualquer

espécie de limitação. As limitações, no caso, não ocorrem apenas para o legislador ou

para o Estado. Ela ocorre também para o próprio cidadão, que não poderá extrapolar as

garantias que lhe são postas à disposição.

Como defende Gilmar Ferreira Mendes172

, ―alguns ordenamentos

constitucionais consagram a expressa proteção do núcleo essencial, como se lê no art. 19,

II, da Lei Fundamental alemã de 1949 e na Constituição Portuguesa de 1976173

‖.

170

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op.cit., p. 1280. 171

BIAGI, Claudia Perotto. op.cit., p. 7. 172

MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.

Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 241. 173

Artigo 18 da Constituição Portuguesa.

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85

Para tanto, as limitações impostas ao legislador, como também aos

destinatários, visam a proteção de outro direito fundamental, no caso, a segurança

jurídica.

Como dito em capítulos anteriores, os direitos fundamentais, além da

proteção; defesa e a própria limitação dos direitos fundamentais em si, servem ainda ao

balizamento e suporte à criação do próprio estado democrático de direito.

Claudia Perotto Biagi174

, citando Ignácio de Otto y Pardo, assinala que

o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, determina a verdadeira fronteira que o

legislador não poderia ultrapassar, delimitando, por conseguinte, terreno onde a lei

limitadora não poderia invadir.

Para o direito pátrio, a observância desta preocupação aparece de forma

explícita no artigo 60, § 4º, IV da Carta Política de 1988, na medida em que a atuação do

Poder Legislativo derivado não poderá debater proposta de emenda destinada a abolir

direitos e garantias, criando, no caso, limitação de ordem material, da qual o poder

constituinte derivado não poderia ultrapassar. Neste ponto, em especial, preserva-se a

segurança jurídica, impedindo reformulações da norma, que efetivamente fossem capazes

de alterar o conteúdo das garantias conferidas pela Carta Política.

Para a proteção do núcleo essencial de um direito fundamental, busca-

se, em verdade, a proteção do próprio conteúdo, evitando-se o desvirtuamento do

instituto. A respeito deste tema, Gilmar Ferreira Mendes traz importantes considerações.

Vejamos:

[...] enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou

enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo

essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental

decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais175

.

Com este tipo de restrição, o próprio conteúdo motivador de um dado

direito fundamental poderá ser preservado, evitando-se, assim, a sua desnaturação, ou

174

DE OTTO Y PARDO, Ignácio apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos

direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio

Antonio Fabris, 2005. p. 77. 175

MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.

Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 243.

Page 87: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

86

ainda, qualquer interpretação casuística a respeito do tema. Para as entidades

assistenciais, revela-se importante tal nível de preocupação, isso porque as imunidades

tributárias poderiam ter o seu conteúdo essencial caso o núcleo de sua formação fosse

vulnerado por interpretações desconexas, casuísticas, ou demasiadamente restritivas

quanto ao seu alcance.

2.8.1 – As teoria relativa e absoluta:

Com bem sabemos, os diretos fundamentais, postos da forma como

consta de nossa Carta Política, podem receber, em certas ocasiões, limitações a seu

exercício. Alguns doutrinadores admitem tal ocorrência, baseando tal exceção em duas

teorias: a relativa e a absoluta. Conforme conceitua Claudia Perotto Biagi176

, a teoria

relativa parte do pressuposto que toda restrição operada para os direitos fundamentais

exige uma justificação ou fundamento explícito na norma constitucional.

Os sectários da chamada teoria relativa (‗relative Theorie‘) entendem

que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o

objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria

aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins

(‗Zweck-Mittel-Prufrung‘), com base no princípio da proporcionalidade177

.

Para a teoria absoluta, sustenta-se a idéia a respeito da existência de um

plano permanente do direito fundamental, o que constituiria o seu núcleo essencial. ―Os

adeptos da chamada teoria absoluta (‗absolute Theorie‘) entendem o núcleo essencial dos

176

BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na

jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 78. 177

MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.

Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 244.

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87

direitos fundamentais (‗substantieller Wesensgehalt‘) como unidade substancial

autônoma‖178

.

Estas teorias, como se observa, buscam em verdade uma proteção maior

dos direitos fundamentais, especialmente em razão da possível deturpação ou má

interpretação destes direitos por parte do Poder Legislativo. Como se sabe, a história

humana é rica em exemplos de tristes acontecimentos em que houve a supressão ou

negação à utilização dos direitos fundamentais. Neste sentido, as preocupações das

teorias relativa e absoluta são bastante pertinentes.

Segundo as lições de Willis Santiago Guerra Filho, a idéia da

proporcionalidade revela-se fundamental à construção de certas limitações, especialmente

em razão de seu caráter dúplice e multifacetado. Aliás, quando mencionamos o caráter

multifacetado, nos referimos às subdivisões encontradas para o princípio da

proporcionalidade, que, no caso, são: o princípio da adequação, o princípio da

necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Vejamos:

O reconhecimento dessa ‗dupla dimensionalidade‘ ou ‗duplo caráter‘

(Doppelcharakter – Hesse) dos direitos fundamentais resulta da percepção da

tarefa básica a ser cumprida por uma comunidade política, que seria a

harmonização dos interesses de seus membros, individualmente considerados,

com aqueles interesses de toda a comunidade, ou de parte dela, donde se tem? a

possibilidade de individualizar três ordens distintas desses interesses: interesses

individuais, interesses coletivos (ou ‗supra-individuais, onde se incluem os

chamados ‗interesses difusos‘) e interesses gerais ou públicos. Note-se que

apenas a harmonização das três ordens de interesses possibilita o melhor

atendimento dos interesses situados em uma casa já que o excessivo

favorecimento dos interesses situados em algumas delas, em detrimento

daqueles situados nas demais, termina, no fundo, sendo um desserviço para a

consagração desses mesmos interesses, que se pretendia satisfazer mais que aos

outros179

.

Integrando a conceituação da teoria absoluta, Claudia Perotto Biagi180

defende que esta poderia ser entendida e justificada como toda limitação de um direito

fundamental, além, é claro, respeitando o seu núcleo essencial. Pois ainda que certa

178

MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.

Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 243. 179

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4ª edição. São

Paulo: editora RCS, 2005. p. 88-89. 180

BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na

jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 81.

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88

limitação se encontre bem fundamentada, certo é que esta será considerada ilegítima se

atingir o conteúdo mínimo ou essencial do direito.

Pelo que se pode compreender, contrapondo-se as teorias objetiva e

relativa à diferença, segundo Ana Maria D‘Ávila Lopes181

, é que a teoria relativa

aceitaria que a limitação de um direito fundamental dependeria apenas dos interesses

contrapostos. No entanto, para a teoria absoluta haveria o respeito ao conteúdo essencial

do direito fundamental protegido, não importando o caso concreto.

No caso, ambas as teorias cuidam de analisar o valor da proteção em si,

e, como tal, centram o foco de suas análises na preservação do núcleo essencial dos

direitos fundamentais.

2.8.2 – As teorias subjetiva e objetiva:

Para a idéia de proteção do núcleo essencial, outra classificação parece

ser feita quanto a este tema. No entanto, o centro do estudo não mais se encontra focado

junto ao valor da proteção. Ao contrário, no próprio objeto da proteção. A este respeito,

Canotilho traz as seguintes considerações:

[...] A teoria objetiva considera dever referir-se à proteção do núcleo

essencial ao direito fundamental como norma objetiva e não como direito

subjetivo individual. Por outras palavras: o objeto de proteção do preceito é a

garantia geral e abstrata prevista na norma, e não a posição jurídica concreta do

particular. A teoria subjetiva toma como referente a proteção do núcleo essencial

do direito fundamental na sua dimensão de direito subjetivo do indivíduo. De

acordo com a primeira teoria, visa-se assegurar a eficácia de um direito

fundamental na sua globalidade; de acordo com a segunda, pretende-se afirmar

que, em caso algum, pode ser sacrificado o direito subjetivo de uma pessoa, a

ponto de, para ele, esse direito deixar de ter qualquer significado182

.

181

LOPES, Ana Maria D‘Ávila. Direitos fundamentais como limites do poder de legislar. Porto Alegre:

Editora SAFE, 2001. p. 175. 182

CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª edição. Portugal: Editora Almedina,. p.

458.

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89

As teorias subjetivas e objetivas, conforme ressaltado, encontram-se

ligadas e se complementando. Como ensina Claudia Perotto Biagi183

, ―há que se admitir

que o confronto das teorias objetiva e subjetiva do conteúdo essencial dos direitos

fundamentais não se pode resolver fundado em um esquema de exclusão (ou – ou)‖. Ao

contrário, prossegue a autora, este problema de confrontação, deve ser resolvido através

de um raciocínio de ampliação ou complementaridade.

183

BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na

jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 86-87.

Page 91: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

90

Capítulo 3 - Os Direitos Humanos e a sistemática internacional

aplicada:

3.1 – O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:

Para o desenvolvimento da presente pesquisa, entendemos ser

necessária pequena incursão a respeito dos Tratados Internacionais em matéria de direitos

humanos, especialmente àqueles que se enquadram na segunda geração184

.

Os direitos econômicos, como categoria examinada neste tomo, busca

verificar a paulatina evolução histórica dada aos direitos humanos em matéria econômica,

de forma a melhor entendermos os aspectos social e cultural que nortearam a criação e

evolução desta importante categoria de direitos.

A integração econômica promovida entre os povos exigiu, como

verificaremos, a adequação e a tomada de medidas no sentido de preservar importantes

aspectos econômicos e sociais, os quais parecem ser indispensáveis à busca de um

mínimo de segurança para as nações envolvidas em qualquer processo integracionista. De

fato, as razões desta preocupação revelam-se bastante óbvias, pois de nada adiantaria a

ratificação de tratados ou termos de cooperação se as economias dos países interessados

neste entendimento não funcionassem de acordo e em sintonia com a nova dinâmica

aplicada.

Além desta importante preocupação, surgia, ainda, a necessidade de se

preservarem aspectos e princípios mínimos, de forma a também se permitir a proteção e

respeito aos direitos sociais e culturais que eventualmente pudessem ser prejudicados

com algum processo de integração qualquer.

Lembre-se, ainda, que antes mesmo destes movimentos integracionistas

— históricos —, com o término da Segunda Guerra Mundial, houve grande necessidade

184

―Os direitos de terceira geração podem ser entendidos como aqueles postulados pela própria ONU‖.

Lafer, classifica-os como sendo de terceira e quarta geração. In: LAFER, Celso. A Reconstrução dos

direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Editora Companhia

das Letras. 1998. p. 131.

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91

de se criarem mecanismos eficazes destinados à proteção de direitos fundamentais do

homem. ―Já não se podia mais admitir o Estado nos moldes liberais clássicos de não

intervenção‖185

. Em síntese, o Estado passaria a desenvolver laços internacionais. Neste

sentido, os mecanismos desenvolvidos estariam voltados à busca de uma harmonização

global, a qual somente seria alcançada através de tratados, acordos e a criação de regras

de proteção. Assim, os direitos humanos receberiam considerável valorização. Tanto do

ponto de vista social, como econômico, as regras de proteção cresceriam na mesma

proporção em que os entendimentos mantidos entre os Estados estrangeiros se

aprofundavam. Os direitos econômicos passariam a assumir maior dimensão a partir da

criação das primeiras regras protetivas.

Para Jayme Benvenuto Lima Júnior existe, ainda, outras considerações

a respeito da preservação dos direitos econômicos. E sobre este ponto, assim se

manifesta:

A idéia de proteção a essa categoria de direitos envolve a crença de que

o bem-estar individual resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e

culturais, bem como da visão de que o governo tem a obrigação de garantir

adequadamente tais condições para todos os indivíduos186

.

Criado em 1966, e assinado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992187

, o

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais traz um extenso rol de

direitos e garantias, dentre os quais destacamos a proteção ao trabalho (que deveria ser

em condições justas e favoráveis); a proteção especial de crianças e adolescentes contra a

fome; a cooperação internacional; o respeito para a cultura de cada povo; o progresso

científico e técnico e outros mais.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,

divide-se em cinco partes, sendo que toda a sua extensa composição confere direitos e

garantias das mais variadas formas e categoriais, incluindo-se, principalmente, os direitos

185

MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direitos Humanos: sua história, sua garantia e a questão da

indivisibilidade. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000. 34. 186

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 2001. p. 30. 187

O referido Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, embora assinado em 24 de

janeiro de 1992, desde o ano de 1966 vem trazendo extenso rol de direitos, que vão muito além dos direitos

econômicos propriamente ditos. No Brasil foi aprovado pelo Decreto número 226 de 12.12.1991 e

promulgado pelo Decreto 591 de 06.07.1992, quando, então, teria passado a viger em nosso país.

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92

da pessoa humana ser livre da miséria, que, para o trabalho em questão, tem plena

relevância. Afinal de contas, as imunidades servem como instrumento estimulador de

entidades que lidam com a assistência social e sua diversa penetração nos campos sociais

de nosso país.

Ao fundamentar sua criação, o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, no seu preâmbulo, reconhece que ‗o ideal do

ser humano livre, liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos

que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos

econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos‘. O

mesmo reconhecimento é feito pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos aos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, também em seu

preâmbulo. Essa foi a fórmula encontrada para articular as duas categorias de

direitos, afastadas pela intolerância ideológica dos governantes da época188

.

Embora não seja o objeto desta pesquisa tratar a respeito de direitos

civis e políticos, intrinsecamente, estas categorias parecem vier associadas, uma vez que

o tema econômico depende, também, da ingerência política dos representantes eleitos

pelo povo, ou seja, os governantes ou dirigentes do Estado.

De qualquer forma, preferimos centrar nossos estudos entorno das

repercussões eminentemente econômicas que o presente Pacto possa ter representado

para a sociedade.

Como conseqüência da criação do Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, criou-se, ainda, um sistema de monitoramento destinado

a avaliar e acompanhar a implementação dos parâmetros eleitos pelo referido Pacto.

Assim, precisamente no ano de 1987, teria sido criado o Comitê de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais das Nações Unidas, tendo como meta primordial a implementação dos

conceitos e garantias estabelecidas pelo pacto nos países signatários.

A ONU189

, como entidade responsável pelo acompanhamento das

políticas econômicas globais, tem seguido atentamente a evolução das economias

188

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 2001 p. 34. 189

Hodiernamente, a ONU, através da comissão denominada WESP — World Economic Situation and

Prospects —, juntamente com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais tem estabelecido uma

visão ampla a respeito do desenvolvimento econômico, elaborando importantes perspectivas de

crescimento e questões a serem resolvidas. Este trabalho desempenhado pela ONU, serve, em verdade,

como um ponto de referência para as discussões relativas às economias e aspectos sociais criados.

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93

existentes, especialmente para traçar um posicionamento e medidas necessárias à

manutenção do equilíbrio e o desenvolvimento sólido dos mercados. O referido Pacto,

como destaca Flávia Piovesan190

, apresenta uma peculiar sistemática de monitoramento e

implementação dos direitos que contempla. Em verdade, esta sistemática inclui o

mecanismo dos relatórios, os quais seriam enviados por parte dos Estados signatários.

O Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece apenas

algumas perspectivas ou ideais a serem perseguidos pelos países signatários, mesmo

sabendo que, em alguns, como é o caso do Brasil, as condições à aplicação de alguns

conceitos ainda não encontram a situação econômica adequada à sua perfeita integração,

embora exigíveis, já que o Brasil é signatário do Pacto. De qualquer forma, o que se

busca proteger ou regular não é efetivamente a atividade econômica em si. Cada Estado

possui modelo econômico vinculado aos aspectos sociais e culturais, de modo que

qualquer legislação ou tratado que tencione exaurir o tema a respeito de economia,

sofrerá, invariavelmente, com certas imperfeições.

Como bem pondera Ana Letícia Barauna Duarte Medeiros, ―qualquer

construção teórico-dogmática dos direitos humanos deve ter como premissa que o

destinatário de suas preocupações sempre será o ser humano‖191

.

Ao analisarmos a história dos direitos fundamentais e a criação dos

direitos humanos, verificaremos um ponto em comum. Para todos os dispositivos e textos

que cuidam de examinar o tema, que é, na verdade, a preocupação que se dispensa a

figura humana, ponto frágil em diversas relações, já que destinatária dos efeitos nefastos

de uma economia mal gerida.

190

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional. São Paulo: Editora Max Limonad.

5ª edição, 2002. p. 181. 191

DUARTE MEDEIROS, Ana Letícia Barauna. Direito internacional dos direitos humanos na américa

latina: uma reflexão filosófica da negação da alteridade. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2007. p.

218.

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94

3.2 – A Declaração Universal dos Direitos Humanos:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 surge como

uma das manifestações mais notáveis em termos de preocupação com os direitos

humanos, especialmente aqueles voltados a conferir um mínimo de garantias.

Como ensina Valério de Oliveira Mazzuoli192

, a Declaração Universal

dos Direitos Humanos teria sido proclamada na cidade de Paris, em 10 de dezembro de

1948, tendo como um dos principais fundamentos a dignidade da pessoa humana. A

Declaração seria um código de conduta humana a ser seguida em todo o planeta e em

qualquer circunstância.

Trazendo, em seu texto, um mínimo de garantias, os direitos humanos

visam, também, a inviolabilidade da pessoa, a autonomia e a dignidade. Sem deixarmos,

logicamente, o conteúdo econômico que poderá vir associado a estes propósitos.

Construída com exatos trinta artigos, a Declaração Universal dos

Direitos do Homem traz um extenso rol de direitos, dentre os quais destacamos o direito

de propriedade, o direito de nacionalidade, liberdade, ao trabalho, opinião, entre outros

mais. Tecnicamente, como ensina Mazzuoli, a Declaração Universal dos Direitos do

Homem não poderia ser entendida como sendo um tratado, eis que, para sua

formalização, algumas etapas não puderam ser verificadas. Apenas rememorando

Mazzuoli conceitua o tratado internacional como sendo um ―acordo formal concluído

entre os sujeitos de direito internacional público, regido pelos direitos das gentes, visando

a produzir imprescindivelmente efeitos jurídicos para as partes contratantes‖193

.

Em seus trinta artigos, a Declaração Universal de Direitos Humanos

unge à condição de ‗inalienáveis‘, direitos humanos tanto civis e políticos, como

econômicos, sociais e culturais que visam estabelecer um padrão mínimo de

192

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2006. p. 519. 193

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,

2001. p.21.

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95

sociabilidade e respeito aos cidadãos, por meio de um instrumento internacional

civilizatório194

.

A Declaração garante, ainda, a toda pessoa o direito a um padrão

mínimo de conforto que seja capaz de garantir para si e sua família a alimentação, o

vestuário, habitação e outros. A preocupação com o bem-estar do ser humano é ponto

primordial da Declaração, contudo, como no artigo XXV, existe a exteriorização da

vontade de se permitir a todos o mínimo de garantias econômicas para o seu sustento e de

seus familiares. A família também é foco neste código de conduta. Vejamos o dispositivo

da Declaração:

Artigo XXV — 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz

de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive a alimentação,

vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o

direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice

ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de

seu controle195

.

A grande importância de que se observa com a criação da Declaração

Universal dos Direitos Humanos é o alcance e a influência que este texto traz para os

tratados subseqüentes a este, pois além do conforto mínimo de garantias, trouxe certos

paradigmas para o campo do direito internacional, de forma que alguns países, passaram

a adotar tais paradigmas como preceitos e fundamentos constitucionais. A exemplo disso,

temos o Brasil, que, praticamente, transcreveu uma série de dispositivos da Declaração

para o artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

3.3 – O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em

Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador:

194

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de

Janeiro: Editora Renovar. 2001, p. 27. 195

Artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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96

Os tratados internacionais sobre direitos econômicos nos trazem

importantes delineamentos a respeito da intenção e alcance que algumas nações conferem

a estes tipos de pactos, lançando, para a economia e o direito, modelo capaz de afinar

plena sintonia com a ética e o bem-estar social.

Como alinhavado por Ives Gandra da Silva Martins196

, economia, de

fato, segue os seus próprios caminhos, assim como Estado também o faz. No entanto,

respeitar as regras impositivas contidas em lei não pode significar a criação de obstáculos

que sejam contrários à sociedade. Para o Brasil, a ética no Direito e na Economia

encontram-se bem definidas na Constituição Federal de 1988, fazendo crer que desde a

sua edição, os princípios éticos são inerentes à própria Economia, valorizando a iniciativa

privada e a livre concorrência, evitando qualquer forma de abuso do poder econômico.

Certamente que com tais preocupações, o legislador desejou imprimir

certa atenção a certos aspectos, na medida em que os dispositivos que contêm estes

princípios — limitações, no caso — protegem a economia da própria atuação do Estado,

que poderia se revestir de uma conduta predatória às bases lançadas.

No entanto, esta preocupação, quanto a ordem econômica, não existiu

apenas na Constituição Federal de 1988. O Protocolo Adicional à Convenção Americana

sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, também

conhecido como o Protocolo de San Salvador197

, trouxe como inovações ao Sistema

Interamericano de Direitos Humanos a proteção ao trabalho; a condições justas; a

seguridade social; a alimentação e uma série de outros direitos. Entretanto, ainda que com

o Protocolo de San Salvador se tenha demonstrado interesse na preservação de direitos

econômicos e sociais, Jayme Benvenuto Lima Júnior defende que o Protocolo não

atribuiu a mesma importância a tais direitos, como no caso do Pacto Internacional de

Direitos Econômicos e Sociais e Culturais. E prossegue o autor, dizendo:

Comparativamente ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, o Protocolo não atribui a mesma importância a tais direitos,

minimizando a sua capacidade de contribuir para a construção de um mundo

melhor e mais justo. De forma retórica, no entanto, o Protocolo abriu a

196

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Ética no direito e na economia. In: FISCHER, Octávio Campos

(coordenador). Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Dialética, 2004. p. 135-136. 197

Os artigos 6º ao 7º do Protocolo de San Salvador, trazem, realmente, uma série de garantias e proteções

aos trabalhadores, como a criação de sindicatos e formas mais eqüitativas de trabalho.

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97

possibilidade, no seu artigo 22, de incorporar outros direitos ou de ampliar os

direitos nele reconhecidos198

.

De forma geral, o Pacto de San Salvador, ao ser criado, teria sofrido

nítida influência de muitos dos dispositivos do Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, já que, desde o seu preâmbulo ou suas razões, existe

menção clara a este Protocolo, além dos mais importantes, como, por exemplo, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A criação de protocolos, acordos ou mesmo tratados internacionais, é,

de fato, base de apoio à criação e defesa de inúmeros direitos, mas, como muitos

especialistas defendem, a proteção internacional do indivíduo acarreta alguns problemas,

que até o presente momento, não parecem ser solucionados de forma razoável.

A proteção internacional do indivíduo acarreta uma grave ameaça à

soberania do Estado. Em razão da sua competência pessoal e da sua

competência territorial, é a ele que compete o poder exclusivo de agir no que

respeita aos indivíduos nacionais ou estrangeiros que vivam sobre o seu

território. Ora, é evidente que nenhum Estado reconhece senão a sua própria

legislação — ordinária e constitucional — que ignora os direitos individuais e

não basta constituir, só por si, uma proteção eficaz desses direitos199

.

Mesmo assim, a criação destes Protocolos avaliza o interesse global

pela defesa dos direitos humanos, também os econômicos, especialmente porque a

soberania, neste aspecto, poderá sofrer certa flexibilização em face da defesa dos direitos

cuja prevalência ressoa muito maior.

198

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 2001. p. 46-47. 199

DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª edição.

Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian. 2003. p. 673.

Page 99: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

98

3.4 – A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento:

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a qual teve bases de

elaboração os princípios da Carta das Nações Unidas e Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,

teria como motivação primária a valorização do indivíduo e seu desenvolvimento,

criando-o como um verdadeiro princípio.

Para tanto, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento

vislumbrou contar com ferramentas como a cooperação internacional, ‗para

resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou

humanitário, e para promover e encorajar o respeito dos direitos humanos e às

liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou

religião‘, em vinculação com mecanismos (não nominados) tendentes à

―descolonização, à prevenção da discriminação, ao respeito e à observância dos

direitos humanos e das liberdades fundamentais, à manutenção da paz e

segurança internacionais e maior promoção das relações amistosas e cooperação

entre os Estados200

.

A importância da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento,

apesar de sua diminuta força jurídica, visto tratar-se apenas de uma declaração, é, em

verdade, a associação que o manifesto traz entre o desenvolvimento, o desarmamento e,

por conseguinte, a paz entre as nações. A exemplo disso, o artigo 7º onde consta o

indicativo de que ―os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas

necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia,

igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação,

serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda‖.

Editada em 1986, a Declaração teria surgido em um turbulento período

da história humana, onde eram graves as violações aos direitos humanos, especialmente

os das minorias. Como consta do preâmbulo, a referida Declaração buscava, entre outras

coisas, combater e criticar as ações ―resultantes do colonialismo, neocolonialismo,

200

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. op.cit., p. 39-40.

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99

‗apartheid’, de todas as formas de racismo e discriminação racial, dominação estrangeira

e ocupação‖.

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento reacendeu o debate a

respeito das diferenças entre os países subdesenvolvidos e os países de primeiro mundo.

Para os países mais pobres, a Declaração objetivava conscientizar estes Estados a respeito

da necessidade de proteção e respeito aos direitos humanos, a preservação da igualdade

de condições e, sobre tudo, a importância da dignidade humana frente às necessidades

econômicas.

Já para os países de primeiro mundo, ou desenvolvidos, a intenção era a

de criar um ideal de cooperação e ajuda àqueles que, não necessariamente, possuíssem

condições materiais e de logística para desenvolver um plano de progresso e

desenvolvimento no plano econômico e social.

No Brasil, como a história nos revela, somente a partir da Constituição

de 1988 é que os direitos humanos passaram a receber um tratamento de maior

importância. O artigo 4º da Constituição Federal traz explicitamente o princípio da

prevalência dos direitos humanos. George Rodrigo Bandeira Galindo201

, a respeito do

princípio, defende que a interpretação deste deve ser realizada de forma mais ampla

possível, a final de contas, vincula a ação diplomática brasileira e deveria ser respeitado

em quaisquer acordos ou atos unilaterais, implicando, ainda, na obrigação de o Governo

brasileiro colaborar com qualquer órgão estabelecido para monitorar a situação dos

direitos humanos, notadamente nos sistemas onde o Brasil for parte.

Os direitos humanos, como defende Bobbio202

, não nascem de uma

única vez, muito menos de uma vez por todas. Como resposta óbvia às barbáries humanas

protagonizadas pela história, surgiu a necessidade de se criarem sistemas de proteção

contra estas agressões. Como ensina Flávia Piovesan203

, com o rompimento do paradigma

dos direitos humanos — tudo através da negação do valor da pessoa humana como fonte

201

GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados internacionais de direitos humanos e constituição

brasileira. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 120. 202

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1992. p. 32. 203

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ª edição. São Paulo:

Editora Max Limonad, 2000. p. 129.

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100

de direito —, criou-se a necessidade de construir os direitos humanos como uma espécie

de fonte ou paradigma ético que aproxime o direito da moral.

De qualquer forma, observa-se que os direitos humanos,

independentemente de sua categorização, precisam ser difundidos de forma mais efetiva,

ainda que através de tratados internacionais. A exemplo da Declaração sobre o Direito ao

Desenvolvimento, cujos direitos ficam a depender da ação do Estado, para que todos

possam gozar do direito de desenvolvimento, alguns direitos humanos precisam ser

introduzidos e globalizados em uma escala mais agressiva. Tal posicionamento é

defendido por Felipe Gómez Isa204

. Em artigo publicado, o autor acredita na necessidade

de globalização dos direitos humanos, especialmente aqueles que contam com a atuação

do Estado para a efetiva implementação ou proteção.

Após a segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocorrida

em Viena, Philip Alston e Henry J. Steimer205

concluíram que a comunidade

internacional deveria tratar os direitos humanos de forma global, de forma igualitária e

justa, em um mesmo patamar e com a mesma ênfase, cabendo ao judiciário, como

também aos diversos setores políticos e públicos dos países, se esforçarem para tratar de

forma mais adequada estas posturas.

Os protocolos estudados, assim como os tratados, representam uma

manifestação clara do interesse global em proteger os direitos humanos, quaisquer que

sejam os destinatários e o grau ou elemento deste direito. Seja ele social, econômico, civil

ou político, o interesse à defesa destes valores sempre é levada em conta em debates que

envolvem a categorização dos direitos humanos e sua extensão.

204

ISA, Felipe Gómez. Derechos Humanos y Globalización. In: Revista Direito e Democracia. Volume 2,

n.º 2. 2º Semestre de 2001. p. 377. 205

ALSTON, Philip.e STEINER, Henrt J. International human rights in context. United States –

NewYork: Oxford Press Inc., 2000. p. 237-238.

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101

Capítulo 4 - A imunidade tributária:

4.1 - A conceituação de imunidade tributária:

Centro de calorosos debates, as imunidades tributárias assumem papel

de acentuada relevância em nosso ordenamento jurídico, especialmente em razão da

condução da política econômica. Vista pela ótica da efetividade, as imunidades

conservam em sua natureza questões de alta complexidade, na medida em que colidem

com outros institutos jurídicos, especialmente aqueles destinados à proteção generalista

conferida por alguns princípios de direito tributário, como, por exemplo, o princípio da

não-discriminação, que será melhor estudado nos capítulos subseqüentes.

Antes, porém, de iniciarmos o estudo e a classificação das ditas

imunidades tributárias, convém, neste primeiro exame, analisarmos algumas questões

referentes ao surgimento da problemática relativa às imunidades tributárias, bem como a

aplicação do princípio da capacidade contributiva. Regina Helena Costa, em seu estudo a

respeito das imunidades tributárias, traz algumas considerações históricas que valem ser

repetidas. Vejamos:

Na constituição de 1824 — que pouco cuidava da matéria tributária —

já se encontram as raízes das noções de capacidade contributiva e de imunidades

fiscal. Após dedicar alguns dispositivos à Fazenda Nacional (arts. 170 a 172),

traz, em seu art. 179, inicialmente, determinação de que ‗ninguém será isento de

contribuir para as despesas do Estado em proporção de seus haveres‘ (inciso

XV), preceito consagrados da essência dos princípios da isonomia e da

capacidade contributiva.

[...] A Carta de 1891 contempla, originariamente, a ‗isenção‘ da produção dos

outros Estados no Estado por onde se exportar (art. 9º, 2º § 2º), além de vedar

aos Estados e à União criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou

na passagem de um para o outro, sobre produtos de outros Estados da República,

ou estrangeiros, e bem como estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício

de cultos religiosos (art. 11, 1º e 2º). A imunidade recíproca entre Estados

membros e a União (art. 10) — a qual, saliente-se, é a única imunidade presente

em todas as Constituições Republicanas — não abrangia os Municípios, uma

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102

vez que o sistema federativo adotado nesse Texto Fundamental não os

considerava206

.

Já a partir da Constituição de 1824, com o advento do liberalismo,

como diz Ricardo Lobo Torres207

, surgem os ―socorros públicos‖ — artigo 179, XXI —,

que seriam formas primitivas de o Estado garantir o mínimo aos menos favorecidos.

Analisando a Carta Política de 1934, já no artigo 17 daquele diploma,

constava vedação de caráter constitucional, onde era vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios criarem qualquer embaraço à situação dos cultos

religiosos, além da criação, no inciso ―X‖, onde existia a imunidade recíproca entre as

pessoas políticas, incluídos os Municípios. Já para a Constituição de 1937, que,

timidamente teria tratado a questão das imunidades, mesmo para os cultos religiosos,

vedava, também, o embaraço ou a prestação de subvenções a estes cultos, relegando as

entidades assistenciais ao esquecimento.

Somente com o advento da Constituição de 1946, precisamente no

artigo 31, V ―b)‖, é que as entidades assistenciais passariam a gozar de um tratamento

constitucional condizente e a altura da tarefa social que era exigida. Tanto é verdade, que

o referido dispositivo mencionava de forma clara e precisa a vedação à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o lançamento de impostos e não tributos,

aos templos de qualquer culto, bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de

educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente

no País para os respectivos fins. Já o Texto Fundamental de 1967, traria disposições

semelhantes ao contido na Carta de 1946, com nenhuma ou pouca alteração para as

entidades assistenciais.

Já com relação à Constituição de 1988, as imunidades tributárias vieram

dispostas nos artigos 150, VI, ―a‖ a ―d‖ e nos §§ 2º e 4º, inserindo-se a imunidade a

respeito das entidades de fins assistenciais. Esta, em particular, que mais nos interessa no

âmbito desta pesquisa.

206

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2ª

edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 28. 207

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de

Janeiro: editora Renovar, 1995. p. 224.

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103

As imunidades tributárias, a exemplo de outras garantias fundamentais,

servem, em verdade, como forma de estimular e desenvolver a aplicação de outros

princípios e direitos também importantes em nosso ordenamento. Sacha Calmon208

, ao

analisar a imunidade tributária conferida aos livros, lembra, neste quesito, que a

imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais, periódicos e

papel destinado à sua impressão, nada mais é que forma de viabilização de outros direitos

e garantias fundamentais, como, por exemplo, a livre manifestação do pensamento e da

atividade intelectual, entre outros.

Por outro lado, para o caso das entidades assistenciais, a imunidade

tributária funcionaria como forma de desenvolver, em verdade estimular o sentimento

caritativo manifestado nas pessoas, ou ainda favorecer e fomentar atividades voltadas à

assistência social, já que, muitas vezes, os governos atuais se mostram insuficientes no

atendimento das comunidades mais carentes. Seja pela falta de investimento no próprio

setor, ou a excessiva burocracia aplicada na alocação de recursos financeiros para este

tipo de programa.

Ao analisarmos as imunidades tributárias, não podemos deixar de

mencionar o caráter vinculado que este instituto possui com a capacidade tributária, ou

seja, a possibilidade de um ente tributante em criar, ou não, tributos de acordo com suas

competências ou limitações. Roque Antônio Carrazza, ao tratar do tema, traz alguns

delineamentos que entendemos pertinentes aos objetivos desta pesquisa.

Competência tributária é a faculdade que as pessoas políticas têm de

criar, in abstracto, tributos. Para isto, devem descrever, legislativamente, suas

hipóteses de incidências, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases

de cálculo e suas alíquotas.

A competência tributária tem suas fronteiras perfeitamente traçadas pela

Constituição Federal, que, inclusive, apontou, direta ou indiretamente, as regras-

matrizes dos tributos.

Pois bem, a imunidade tributária ajuda a delimitar o campo tributário. De fato,

as regras de imunidade também demarcam (no sentido negativo) as

competências tributárias das pessoas políticas.

208

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado e THEODORO JÚNIOR,

Humberto. Direito tributário contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

p. 211-212.

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104

Noutras palavras, a competência tributária é desenhada também por normas

negativas, que veiculam o que se convencionou chamar de imunidades

tributárias209

.

Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho traz a conceituação das

imunidades tributárias como sendo:

[...] A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas,

contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso,

a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para

expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e

suficientemente caracterizadoras210

.

Fernando José Dutra Martuscelli211

categoriza as imunidades tributárias

como sendo normas jurídicas de matriz essencialmente constitucionais, não podendo, de

outra forma, serem expressas em normas de caráter infraconstitucional.

Hugo de Brito Machado212

, por sua vez, entende que ―imunidade

tributária é o obstáculo decorrente de regra da Constituição, à incidência de regra jurídica

de tributação. O que é imune não pode ser tributado‖.

Amílcar de Araújo Falcão213

acredita que a imunidade tributária seja

uma forma qualificada de não-incidência, ou ainda, uma espécie de supressão

constitucional da competência tributária instituída pela Carta de 1988. Quanto à

incidência tributária, algumas ponderações devem ser feitas a respeito do tema. Geraldo

Ataliba analisa a hipótese de incidência realizando interessante confrontação com as

regras de imunidade e a própria obrigação tributária. Vejamos:

Sendo o direito uma realidade abstrata, não pode ter por objeto coisas

concretas. Assim, o dinheiro, como as coisas em geral, jamais pode ser objeto do

209

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª edição. São Paulo:

Editora Malheiros, 2006. p. 681-682. 210

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,

2004. p. 181. 211

MARTUSCELLI, Fernando José Dutra. Elementos de direito tributário. 1ª edição. Campinas: Editora

Bookseller, 2001. p. 153-154. 212

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 15ª edição. São Paulo: Editora Malheiros,

2000. p. 221. 213

FALCÃO, Amílcar José apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da

jurisprudência do STF. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros., 2002. p. 33.

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105

direito, das normas jurídicas, das obrigações jurídicas (porque o direito e suas

realidades são abstratos).214

Observe-se que o autor, neste ponto em particular, cuida em aplicar a

moderna principiologia de direito civil para explicar a relação de abstração do direito em

confronto com os ditos casos concretos. A concretude de alguns casos, se contrapostos à

realidade, demonstram a necessária interação que a norma deve possuir com o interesse

social. Em verdade, a norma em si é apenas expressão ―fria‖ e sem valor da vontade do

legislador, se não reflete a vontade e o interesse social.

Para Geraldo Ataliba, tem-se que a própria norma de direito tributário

cuida, especificamente de nominar e classificar o que vem a ser o tributo. Ao menos de

forma generalista, a norma elenca algumas situações que podem ser configuradas como

tributos. Ressalta-se, como menciona o mesmo autor, poderá a lei especificar,

hipoteticamente, um estado de fato. Um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e

dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o

nascimento de uma obrigação de pagar um tributo.215

Há, portanto, dois momentos lógicos (e cronológicos): primeiramente, a

lei descreve um fato e di-lo capaz (potencialmente) de gerar (dar nascimento a)

uma obrigação. Depois, ocorre o fato; vale dizer: acontece, realiza-se.

Se ele revestir as características antes hipoteticamente descritas (previstas) na

lei, então determina o nascimento de uma obrigação tributária colocando a

pessoa ( que a lei indicou) como sujeito passivo, ligado ao estado até obter a sua

liberação, pela prestação do objeto da obrigação (tendo o comportamento de

levar aos cofres públicos a quantia de dinheiro fixada pela lei).

Preferimos designar fato gerador in abstrato por ‗hipótese de incidência‘ e in

concretu por ‗fato imponível‘, pelas razões já expostas.216

Para o caso das imunidades, não há que se falar em hipótese de

incidência ou mesmo inexigibilidade ou ausência de fato gerador. Em verdade, fala-se em

absoluta incompetência para a instituição de tributos, pois a regra constitucional

limitadora impõe ficção jurídica onde não há a hipótese de incidência.

214

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros,

2002. p. 31. 215

ATALIBA, Geraldo. op.cit., p. 53. 216

ATALIBA, Geraldo. op.cit., p. 55.

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106

A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As

normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto, fixam,

por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com

exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque

coligadas a determinados fatos, bens ou situações217

.

Ricardo Lobo Torres218

, ao se pronunciar no XXX Simpósio Nacional

de Direito Tributário, do qual fora coordenador, o professor Ives Gandra Martins teria

ainda classificado a imunidade tributária como sendo a intributabilidade, impossibilidade

de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos de liberdade, incompetência

absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da

liberdade, ou ainda a não incidência ditada pelos direitos humanos. Para Ricardo Lobo

Torres219

, com relação às entidades assistenciais, a não incidência constitucional de

tributos seria verdadeira imunidade tributária.

4.2 – A imunidade tributária como garantia dos direitos humanos:

Certamente, a tarefa de identificação de direitos fundamentais e

humanos, tendo como base o Direito Internacional, não é tarefa das mais fáceis, ainda

mais se levarmos em conta que, no direito pátrio, a Carta de 1988 possui rol bastante

extenso. Mesmo assim, para o caso nossos estudos, melhor nos interessam os debates a

respeito das imunidades tributárias como instituto de direitos humanos e garantia para as

entidades assistenciais. Para o momento, nos limitaremos às analises relativas ao direito

tributário e os direitos humanos, ponto essencial às conclusões de nosso trabalho.

217

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª edição. São Paulo:

Editora Malheiros, 2006. p. 681. 218

TORRES, Ricardo Lobo. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. XXX Simpósio

Nacional de Direito Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e

segurança jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitárias, 2005.

p. 62. 219

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de

Janeiro: editora Renovar, 1995. p. 224.

Page 108: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

107

Os direitos humanos surgem como categoria destinada a proteger e

prover garantias mínimas ao ser humano, não apenas no aspecto das dignidades humanas,

ou ainda, na própria concepção e existência da pessoa humana. Os direitos humanos

sociais e econômicos, classificados como de segunda geração, tencionam não apenas

garantir a subsistência através de sua própria economia, mas, também, a existência digna

e social, em que se permita ao indivíduo o acesso a outros direitos, também considerados

de suma importância, sendo eles o meio ambiente equilibrado, saúde, educação e

assistência social.

A respeito da terminologia utilizada para designar previdência social e

assistência social, algumas dúvidas foram levantadas pela doutrina. Como diz Sacha

Calmon, ―o conceito de assistência social é fugidio e ambíguo no corpo da Constituição

de 1988‖220

. A imprecisão da norma, como verificaremos, dificulta sobremaneira a

aplicação das imunidades para as entidades assistências. A Constituição Federal, no caso,

reconhece a figura das imunidades tributárias, no entanto adota uma série de requisitos e

interpretações que prejudica a utilização deste instituto junto às entidades assistências.

As imunidades tributárias não podem ser entendidas como mera

delimitação constitucional ao poder de tributar. Servem, também, para resguardar outros

princípios e direitos maiores do que a própria arrecadação tributária, na medida em que

fomentam entidades que atuam na defesa de valores tão importantes quanto a dignidade

humana, estimulando, ainda, a evolução e o progresso da cultura, o desenvolvimento da

economia entre outros direitos sociais.

Os direitos humanos, como se sabe, evoluíram e se adaptaram às novas

realidades sociais, fazendo surgir uma nova necessidade de proteção e defesa, como é o

caso do direito ambiental e os direitos econômicos, que, para nossa pesquisa, mais nos

interessam.

Os direitos humanos de segunda geração são os chamados direitos

econômicos e sociais. Inseridos nesta geração de direitos, têm-se os direitos dos

220

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado e THEODORO JÚNIOR,

Humberto. Direito tributário contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

p. 359.

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108

trabalhadores, os direitos à assistência social, o direito à educação, à saúde e o

direito ao desenvolvimento econômico-social221

.

Neste sentido, como adverte Flávia Piovesan222

, os perigos da

globalização, como, por exemplo, crises econômicas, o desmantelamento da economia

interna, o desemprego e outras calamidades de ordem social, têm agravado sensivelmente

os aspectos negativos desse fenômeno, como a miséria, a pobreza e principalmente a

exclusão social.

Políticas sociais efetivas reduzem o impacto destas ocorrências. Mesmo

assim, a ação estatal não tem se revelado efetivamente suficiente para contemplar todas

as populações necessitadas, o que justificaria a atuação da iniciativa privada à consecução

de alguns objetivos, como por exemplo a promoção do bem social, proteção à família, à

velhice e outros. No Brasil, a Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993 traz alguns dos

objetivos a serem alcançados. O diploma em questão será analisado detidamente nos

capítulos subseqüentes desta pesquisa. De qualquer forma, a imunidade é, sim,

instrumento de garantia, senão vejamos:

Os Direitos Humanos de Terceira Geração correspondem aos conceitos

de direitos difusos e coletivos. Exemplo clássico dos direitos humanos de

terceira geração são os chamados direitos ecológicos (Direito Ambiental).

[...] Caracterizados, ainda que sucintamente, os Direitos Humanos, veja-se como

o instituto da Imunidade Tributária, serve de instrumento para a proteção, e

mesmo efetivação destes direitos223

.

Em trabalho publicado pela revista Jurídica da Universidade Católica de

Campinas, Carlos Otávio F. de Almeida224

defende que, em uma sociedade econômica,

como parece ser o caso do Brasil, o sistema tributário, no geral, apresenta caráter híbrido,

na medida em que pode ser meio e fim simultaneamente. Para o caso das imunidades

tributárias, parece que o caráter meio adequa-se à necessidade de incentivos às políticas

221

TRINDADE, Caio de Azevedo. A imunidade tributária como instrumento de garantia e efetivação

dos direitos humanos. In: SCAFF, Fernando Facury. Constitucionalismo, tributação e direitos

humanos. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2007. p. 90. 222

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas

regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 23. 223

Id. A imunidade tributária como instrumento..., op.cit., p. 91. 224

ALMEIDA, Carlos Otávio F. Tributação – Um instrumento para a ordem social. In: Revista

Jurídica. PUC Campinas. V. 21. n. 2 de 2005. p. 29.

Page 110: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

109

sociais, especialmente por servir como estímulo àqueles que atuam junto às entidades

assistenciais.

Por outro lado, as imunidades tributárias podem ser compreendidas

como modalidade de proteção e preservação de direitos humanos de segunda geração,

especialmente por protegerem valores e direitos superiores à ordem hierárquica tributária.

Os direitos humanos e seu caráter universal possuem, integrado a sua

estrutura de criação, a figura dos direitos econômicos, que podem ser entendidos como o

interesse globalizado de se proteger a manutenção social do desenvolvimento, garantidos

direitos mínimos, dentre os quais, o direito ao emprego, à greve, à assistência social para

os necessitados, à velhice e outras.

O fundamento da imunidade tributária, como garantia de direitos

humanos, em verdade, centra-se no princípio da proteção da liberdade. Como defende

Ricardo Lobo Torres225

, para o caso das entidades assistenciais, a imunidade tributária

pouco tem a ver com a capacidade contributiva, que é princípio de justiça. A imunidade

visa a proteger os direitos de liberdade, os quais se encontram inseridos na categoria do

mínimo existencial nas condições iniciais para a garantia da igualdade de chance. Estas

entidades, que atuam altruisticamente encampam verdadeira atividade social, destinada à

proteção dos mais pobres e menos favorecidos, por isso, devem gozar da proteção

imunizante.

Poderíamos dizer, ainda, que as imunidades tributárias podem servir

como instrumento à materialização de outros objetivos, como, por exemplo, a

subsistência daqueles que não possuem a condição mínima de sobreviver em sociedade,

dadas as precárias condições econômicas em que vive, o grau de pobreza, desemprego e

miserabilidade.

Os direitos humanos econômicos servem a este propósito, defender

aqueles que não possuem condições mínimas de manutenção da própria vida.

225

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de

Janeiro: editora Renovar, 1995. 226.

Page 111: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

110

4.3 – A análise constitucional das imunidades tributárias – As Imunidades

Condicionadas:

Como vimos anteriormente, a questão das imunidades tributárias

desperta toda uma gama de debates acerca do tema, não apenas em razão do caráter

especial que este instituto carrega consigo, mas também em razão de ser classificada

como uma forma especial de não-incidência, efeito este consubstanciado na vedação

contida na imunidade tributária.

As imunidades tributárias, como previstas na Carta de 1988, trazem

consigo destinação voltada a determinadas entidades, ou ainda, atividades consideradas

relevantes pelo legislador, como por exemplo a imunidade de templos, entes sindicais,

ou, como mais nos interessa, as entidades de assistência social.

Tecnicamente, alguns autores como Regina Helena Costa226

chamam

esta vinculação como sendo imunidade subjetiva. As entidades assistenciais, que são

classificadas pela autora como sendo entidades formadas com o propósito de servir à

coletividade, colaborando com o Estado ao suprir suas deficiências, sendo, portanto,

pessoas de Direito Privado que exercem, sem fim lucrativo, atividades de colaboração

com o Estado, em funções cujo desempenho seria atribuído ao próprio Estado ou ente

tributante.

As imunidades condicionadas são identificadas em função do

cumprimento de requisitos estabelecidos em leis infraconstitucionais, tendo como

parâmetros as atividades desempenhadas pelo beneficiário da imunidade, ou ainda a

qualidade da própria pessoa jurídica ou física que deve suportar o tributo. Na

Constituição Federal de 1988, temos, expressamente, o que diz o artigo 150, VI, ―c‖.

As entidades assistenciais, como outras descritas no artigo 150, VI, ―c‖

da Constituição Federal pressupõem a presença de alguns requisitos. Aldemário Araújo

Castro nos faz lembrar em artigo publicado. Vejamos:

226

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p.

173.

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111

Portanto, a imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea

―c‖ da Constituição pressupõe a presença dos seguintes ―elementos‖: (a)

patrimônio, renda ou serviços; (b) relação dos aspectos anteriores com as

finalidades essenciais; (c) entidade sindical de trabalhador; partido político,

incluindo suas fundações; instituição de educação ou de assistência social; (d)

ausência de finalidade lucrativa; (e) atendimento dos requisitos legais227

.

O sistema de imunidades de nossa Constituição parece trazer regras e

aspectos gerais ao sistema classificatório de aplicação, especialmente por trazer apenas

uma pequena base circunstancial, deixando a cargo do intérprete da lei até que ponto as

imunidades podem ser aplicadas para o quesito do patrimônio, renda ou serviço, ou ainda,

as finalidades essenciais.

O Código Tributário Nacional, por sua vez, estabelece penalidade de

suspensão do benefício caso a entidade deixe de preencher os requisitos elencados.

Certamente, o instituto das imunidades funciona não apenas como uma

regra de proibição ao poder tributante, mas também, sob outro ângulo, a imunidade

representa uma estimulação normativa para que pessoas jurídicas ou mesmo físicas

assumam, com vantagem, o papel do Estado para questões sociais — saúde, esportes,

cultura, lazer e outros mais — das quais sabidamente não dão conta.

Para o caso da terminologia empregada para designar as entidades de

assistência social, como citamos em tomos anteriores desta dissertação, constatamos que

a Constituição de 1988, embora pareça tratar a terminologia de forma genérica, não é o

caso. Em certos dispositivos, a questão da assistência social vem vinculada a previdência

social, como no artigo 201 da Carta Política de 1988. Em outros dispositivos, como o

artigo 195, cuidam de direcionar o tema assistência social para a seguridade social.

Diante deste exame, temos que o conceito de assistência social ora é

inserido na Constituição de forma ampla e genérica, pois visa abarcar a melhor amplitude

jurídica do instituto, ora vem explicitado e vinculado a determinada seara, seja da saúde

ou mesmo da previdência social. Certo é que, em todos os sentidos, não podemos deixar

de considerar que este insere-se na categoria de direitos sociais. A respeito deste tema,

Regina Helena Costa traça interessante paralelo. Vejamos:

227

CASTRO, Aldemário de Araújo. Imunidades, Isenções e Incentivos Fiscais. In: PAES, José Eduardo

Sabo. Terceiro Setor e Tributação. Brasília: Editora Fortium, 2006. p. 22-23.

Page 113: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

112

A nosso ver, a Constituição de 1988 é bastante didática ao estampar o

conceito de seguridade social, o qual compreende a previdência social a

assistência social e a saúde pública. Distingue, assim, perfeitamente a Lei Maior

essas três atividades de relevo para a coletividade.

Pensamos que a dicção constitucional impõe a conclusão de que a assistência

social não se confunde com a previdência social, ainda que ambas componham o

conceito de seguridade social. É verdade não se poder desconhecer a ampla

extensão da moderna concepção de assistência social. Fala-se em assistência

médica, hospitalar, odontológica, jurídica, psicológica etc. — todas, sem dúvida,

compreendidas no conceito de assistência social228

.

Para nossa pesquisa, o exame aprofundado da terminologia é de assaz

importância, especialmente porque se buscará examinar as nuances tributárias das

entidades de assistência social em sentido estrito, ou seja, aquelas que dizem respeito a

atividades de importância e grande relevância para o Estado, contudo, realizadas por

entidades de natureza privada.

As imunidades tributárias, notadamente, prestigiam e valorizam

aspectos e valores realmente tidos por fundamentais. As pessoas jurídicas e físicas que se

enquadram na classificação de entes ou entidades prestadoras de assistência social,

buscam, na verdade, encampar atividades pertencentes ao Estado. Portanto, os entes que

assumem a responsabilidade sobre dadas atividades assistenciais devem perseguir

continuamente a realização destes propósitos, não se afastando do objetivo social a ser

alcançado, que é o atendimento de uma necessidade humana imediata ou plena, ou ainda

a construção de ideais cívicos, religiosos ou culturais.

Muito embora se reconheça que as entidades assistenciais tenham

patrimônio e renda — o que obrigaria a incidência de tributos —, é certo que a regra

geral não poderia ser aplicada.

Sacha Calmon229

, ao analisar o tema, lembra que a Lei Complementar

número 104, de 10 de janeiro de 2001, modificou o artigo 14 do CTN, apenas para

precisar que a não ocorrência de distribuição de lucros estender-se-ia, também, à

inexistência de distribuição de patrimônio, a qualquer título. Prossegue ainda o mesmo

autor, dizendo que as pessoas que cumprem esses requisitos, ainda que tenham renda e

patrimônio, restam amputadas de capacidade contributiva, afinal de contas, toda a renda

228

COSTA, Regina Helena. op.cit., p. 177. 229

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado e THEODORO JÚNIOR,

Humberto. Direito tributário contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

p. 350-351.

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113

auferida seria e na verdade é, destinada à manutenção das atividades desempenhadas.

Ocorre, neste sentido, a imunidade, que deve ser condicionada às atividades focadas e

centralizadas no alcance dos objetivos sociais.

O tratamento constitucional dado às imunidades é consenso geral de

que se trata de regra delimitativa, de sede constitucional, que baliza a atividade legislativa

do ente instituidor do tributo, por exemplo.

Sacha Calmon adverte ainda que, apesar deste consenso, a palavra

imunidade não vem mencionada em nenhuma vez no capítulo referente ao nosso sistema

tributário, de forma que sua utilização e emprego ficaram condicionados às interpretações

realizadas pela doutrina e jurisprudência.

4.4 - O princípio da capacidade econômica, capacidade contributiva e a imunidade

tributária:

O Estado, como criação de uma ficção jurídica é, na verdade, uma

realidade social e política, onde suas facetas são inúmeras e variáveis. Como

administrador e mantenedor da coisa pública, o Estado, por vezes, luta pela garantia de

sua estabilidade e funcionamento, e, em outras ocasiões, luta pela efetividade dos direitos

sociais e suas garantias, estabelecendo mesmo que contra si, regras e limitações à sua

atividade.

Para o direito tributário não é diferente. Admitem-se regras limitativas,

mas, também, regras e princípios gerais de direito. Neste sentido Bobbio já teria

advertido que o problema maior do legislador não seria mais com relação à

fundamentação de direitos, ao revés, no desenvolvimento de mecanismos destinados à

proteção destes.

Para a incidência de tributos, alguns problemas de natureza

interpretativa foram criados, especialmente com relação as entidades, onde

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114

reconhecidamente haviam patrimônio e às vezes renda. A existência de tais pressupostos

fez surgir equivocadamente a idéia a respeito da capacidade contributiva, especialmente

no tocante aos impostos.

Sob tal argumento, alguns negaram o direito da regra imunizante.

Para Regina Helena Costa230

a capacidade econômica e contributiva não

são sinônimos. Em verdade, revelam conceitos bastante distintos. Para a autora, a

capacidade contributiva pressupõe a capacidade econômica, não existindo o primeiro sem

o segundo. Para Ricardo Lobo Torres231

, o princípio da capacidade contributiva é

princípio de justiça.

Em conceituação um pouco mais didática, Paulo de Barros Carvalho232

entende que a capacidade tributária é a aptidão que as pessoas têm para serem sujeitos

passivos de relações jurídicas de índole tributária. Desta forma, como diz o autor, a

capacidade tributária passiva é a habilitação que a pessoa, titular de direitos

fundamentais, tem para ocupar a posição de sujeito passivo de relações jurídicas de

natureza fiscal.

Alfredo Augusto Becker, em completo estudo sobre a capacidade

contributiva, teoriza:

A capacidade contributiva é aferida, a priori, mediante a relação que se

estabelece entre a riqueza de um indivíduo e a carga tributária por ele suportada.

Viu-se que a primeira constrição que sofre o princípio da capacidade

contributiva, ao ser juridicizado, relaciona exclusivamente um único tributo (e

não a totalidade dos tributos vigentes). Agora, verifica-se que, no outro pólo

desta relação de capacidade contributiva, não se situa a totalidade da riqueza do

contribuinte, mas exclusivamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou

capital233

.

Segundo Luciano Amaro234

, o princípio da capacidade contributiva é a

manifestação da isonomia no direito tributário, concluindo que "hão de ser tratados, pois

230

COSTA, Regina Helena. op. cit., p. 86. 231

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 1995. 226. 232

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª edição. São Paulo: Editora Saraiva.,

2004. p. 305. 233

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Editora

Noeses, 2007. p. 529. 234

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2005 p. 138.

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115

com igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, e com desigualdade os

que revelem riquezas diferentes e, portanto, diferentes capacidades de contribuir."

Aliomar Baleeiro235

diferencia a capacidade econômica objetiva da

subjetiva. A capacidade econômica objetiva seria aquela cuja medição da base econômica

repousa em circunstâncias concretas, tais como a renda ou o patrimônio, com abstração

das condições individuais dos contribuintes. Em contrapartida, a capacidade econômica

subjetiva seria aferida com auxílio da apreciação de fatores subjetivos, como a idade,

saúde, estado civil, encargos de família, individualmente considerados. Sob tal

perspectiva, o valor do patrimônio ou da renda, isoladamente considerados, não é índice

seguro de capacidade econômica contributiva.

Para o caso das imunidades tributárias destinadas às entidades

assistenciais — art. 150, inciso VI alínea ―c‖ da Constituição de 1988 — defende-se a

existência, sim, de capacidade econômica. Contudo, a despeito desta constatação, temos

que a capacidade contributiva, por si só não enseja a cobrança de tributos. A imunidade,

classificada como a verdadeira incompetência tributária, não permite a existência de

tributos.

As entidades de cunho assistencial, ao menos aquelas que perseguem

fielmente os seus objetivos são protegidas, sim, pela imunidade tributária,

independentemente da capacidade contributiva. Pois, como mencionado, os recursos

geridos por uma entidade assistencial destinam-se à manutenção da própria atividade

explorada.

235

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 5ª edição. Rio de Janeiro:

Editora Forense, 1977. p. 368-369.

Page 117: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

116

4.5 – As limitações ao poder de tributar: Imunidades

Problema da mais alta relevância para esta pesquisa é abordar a questão

da imunidade tributária como obstáculo à própria tributação. Neste trabalho,

esquadrinhamos alguns aspectos da imunidade tributária, como por exemplo, o aspecto

social, econômico e sociológico dos incentivos tributários, para atividades consideradas

de grande relevância. Nesta fase, abordaremos o ponto relativo ao entendimento

tributário propriamente dito, contudo, ressalvando o aspecto da limitação às competências

tributárias.

Conforme José Eduardo Soares de Melo236

, o poder de tributar significa

a titularidade dos tributos, que outorgada às pessoas políticas de direitos públicos, em

conformidade com os princípios federativos e da autonomia municipal, disciplinando os

direitos que lhe são conferidos mediante determinadas competências. Prossegue ainda o

mesmo autor dizendo:

A competência é a aptidão para criar tributos (legalmente e de forma

abstrata), indicando todos os elementos da hipótese de incidência,

compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e passivos), a materialidade, a

base de cálculo e a alíquota.

A instituição de qualquer espécie tributária só pode ser exercida pela pessoa

política eleita pela Constituição Federal, que fixa os respectivos estados, fatos,

situações e atividades, de modo a assegurar-lhe a decorrente receita

financeira237

.

Por sua vez, Sacha Calmon Navarro Coêlho238

defende que ―a

imunidade é congênita à Constituição, sua sede é inelutavelmente constitucional.

236

MELO, José Eduardo Soares de. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais e Centro de Extensão universitária. (Pesquisas tributárias. Nova Série; 11),

2005. p. 183-184. 237

Id. Limitações ao poder impositivo..., op.cit., p. 183-184. 238

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro:

Editora Forense., 2003. p. 258.

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117

Costuma-se dizer que a imunidade é um prius em relação ao exercício da competência

tributária, e a isenção239

, um posterius”.

As limitações ao poder de tributar representam normas de caráter

inibitório, limitativo e, em verdade, proibitivo, na medida em que ocorre a limitação ou

mesmo exclusão das competências tributárias. Para o caso da imunidade tributária, esta

constitui-se como forma de exclusão de competências, hipótese de não incidência, ou

ainda, regra de princípio constitucional.

Convém destacar ainda que, tributar é também um direito

reconhecidamente em favor do Estado. Como lembra Paulo Haus Martins240

, ―hoje em

dia a carga tributária é obtida para o financiamento dos deveres do Estado, e até para

garantia do exercício de seu arbítrio‖. Indiretamente, as imunidades servem, sim, como

investimento indireto em atividades exploradas pelo Terceiro Setor, especialmente

porque tudo aquilo que não se arrecada em razão das imunidades acaba sendo reutilizado

na própria atividade explorada pela entidade assistencial.

Para o caso do Terceiro Setor, como verificaremos nos capítulos

subseqüentes, o incentivo tributário, conferido através de imunidades, representa também

limitação ao poder de tributar, sendo, portanto, exceção ao direito de tributar que é

inerente à figura do Estado. A tributação, como um todo, deve ser instituída através de

norma, ou seja, lei em sentido estrito. Isso nos leva a crer que a própria lei, ou o princípio

da legalidade, funcionam concomitantemente a este sistema constitucional, como

parâmetro limitador de tributos. Este raciocínio é, na verdade, bastante simples. Se para

tributar, necessária é a sua instituição através de lei, significa que a tributação sem lei é

inadmissível, especialmente em razão do princípio da legalidade.

239

A isenção tributária seria a dispensa do pagamento de tributo, ou do que seria devido. Embora se

reconheça a ocorrência do fato gerador, como conseqüência lógica, a obrigação tributária. Contudo, o

contribuinte é dispensado do pagamento em razão de lei isentiva. Segundo Paulo de Barros Carvalho: ―a

isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela,

regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da

conseqüência da regra-matriz do tributo […]‖. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito

tributário. 16ª edição. São Paulo, 2004. p. 183. 240

HAUS MARTINS, Paulo. Os tributos e a natureza das imunidades e isenções tributárias. In:

Ministério Público do Espírito Santo. Procuradoria Geral de Justiça. Centro de Estudos e Aperfeiçoamento

Funcional. Terceiro Setor: Fundações e entidades de interesse social. Vitória: Editora CEAF, 2004. p.

325.

Page 119: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

118

Capítulo 5 - As entidades assistenciais:

5.1 – O Estado e a concepção social:

O Estado, de certa forma, evoluiu de sua concepção política medieval,

que era caracterizada por evidente instabilidade institucional e social. Em verdade, como

relembra Leandro Martins de Souza241

, essa instabilidade criada pelo antigo Estado

Medieval teria inspirado a criação de um sistema organizacional, cuja característica

principal seria a unidade. Estavam lançadas as bases para o Estado Moderno, onde se

esquematizavam a soberania e a territorialidade.

Como defendem alguns autores242

, despertou-se a busca por um modelo

em que houvesse certa unidade. Assim, os tratados de paz de Westfália243

tiveram o

caráter de documentação de existência de um novo tipo de Estado, o qual teria como

característica um poder soberano. Além da soberania e territorialidade, fez-se surgir a

figura da pessoa estatal. No entanto, este primeiro arquétipo de Estado, como relata a

história, teria dado lugar a modelos mais conservadores, e, por assim dizer, absolutistas.

Neste caso, a intervenção do Estado era uma constante, ao ponto de

haver regulamentação sob os mais diversos tipos de conduta. A instabilidade e a

insatisfação com este modelo fizeram surgir um ideal neoliberal, o qual era

absolutamente contrário ao modelo absolutista. A principal motivação desta nova

doutrina era a limitação ou certa contenção da atividade do Estado, que, em muitas vezes,

241

SOUZA, Leandro Marins. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética, 2004.

p.54. 242

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26ª edição. São Paulo: Editora

Saraiva, 2007. p. 70. 243

Os Tratados de Westfália, juntamente com os tratados de ―Osnabrück‖ e o de ―Münster‖ — 14 e 24 de

outubro de 1648, respectivamente —, que constituíram os Tratados Westfália, são qualificados como a

verdadeira Carta Constitucional da Europa, na medida em que consagraram a dupla derrota do papa e do

imperador, que até então, comandava os Estados outrora existentes. Os Tratados em questão lançavam as

primeiras bases para um direito público europeu. Nguyen Quoc Dinh; PAtrick DAillier e Alain Pellet.

Direito Internacional Público. 2ª edição. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 53.

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119

conduzia a organização político-social com excessiva interferência. O Estado apenas

cobrava tributos, penalizava com rigor e excesso, mas dava pouco em troca, além da

proteção contra invasões estrangeiras. Invariavelmente, para estes modelos, existia uma

forte concepção, no sentido de haver certa superioridade da vontade do Estado Soberano,

que, dominado pelos monarcas, faziam da atividade de império e gestão de seus

governos, verdadeira extensão de suas propriedades.

De fato, o Estado inglês teria sido o primeiro a se libertar deste modelo.

O Estado inglês, cronologicamente, o primeiro a forma-se porque a

monarquia inglesa se libertou antes das outras da tutela do papa. Por outro lado,

o fenômeno feudal não constituía, na Inglaterra, fonte de enfraquecimento do

poder central. No que diz respeito à França, só no reinado de Luiz XI (1461 a

1483) se completa a unificação territorial sob a autoridade do rei. O país

encaminhava-se para a posse dos mecanismos essenciais do Estado. No século

XVI, a monarquia francesa ganhou o combate pela conquista e organização do

poder estatal244

.

Com este ideal, ou seja, de diminuição de intervenção do Estado, a

doutrina do liberalismo ganhava força, especialmente após a edição da Constituição

Norte-americana em 1787, e a Revolução Francesa ocorrida em 1789. O Estado Liberal

de Direito surgia, assim, como resposta ao exacerbado abuso cometido pelos Estados

absolutistas, que, quase sempre revelam-se excessivamente presentes ao intervir nas

liberdades individuais. Surgia, então, o Estado Liberal de Direitos.

No entanto, este novo Estado não apresentava características que

pudessem garantir o mínimo de compromisso com os interesses sociais e as liberdades

individuais, na medida em que sua composição não passava de uma ficção legalista pura,

não havendo qualquer comprometimento com os anseios sociais.

O Estado liberal, com um mínimo de interferência na vida social,

trouxe, de início, alguns inegáveis benefícios: houve um progresso econômico

acentuado, criando-se as condições para a revolução industrial; o indivíduo foi

valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade

humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo-se a idéia

do poder legal em lugar do poder pessoal. Mas, em sentido contrário, o Estado

liberal criou as condições para sua própria superação. Em primeiro lugar, a

valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo, que ignorou a natureza

244

DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª edição.

Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 52.

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120

associativa do homem deu margem a um comportamento egoísta, altamente

vantajoso para os mais hábeis, mas audaciosos ou menos escrupulosos. Ao lado

disso, a concepção individualista da liberdade, impedindo o Estado de proteger

os menos afortunados, foi a causa de uma crescente injustiça social, pois,

concedendo-se a todos o direito de ser livre, não se assegurava a ninguém o

poder de ser livre. Na verdade, sob pretexto de valorização do indivíduo e

proteção da liberdade, o que se assegurou foi uma situação de privilégio para os

que eram economicamente fortes245

.

Diante de toda esta perspectiva, e a frustração de uma proteção efetiva

aos indivíduos — garantias, ainda que mínimas —, surgia, então, o Estado Liberal de

Direito. Como classifica Leandro Marins de Souza246

, este ―caracteriza-se pela ruptura

sistemática promovida nos ideais da concepção liberalista de Estado de Direito,

atribuindo-lhe a noção de integração social e transformando-a em Estado material de

Direito‖.

Neste modelo, o Estado também se engajaria na busca pela realização

da chamada justiça social, na medida em que traria, um mínimo de garantias. Com estas

bases, abria-se caminho para aquilo que a doutrina teria nominado como o Estado Social

de Direito, onde conceitualmente seria o modelo jurídico onde se busca a realização dos

objetivos sociais, concomitantemente aos interesses sociais e econômicos. Paulo

Bonavides identifica grande dificuldade de se harmonizar sistemas que buscam a plena

realização social e os modelos econômicos capitalistas, na medida em que os resultados

de um ou de outro, podem interferir, chocarem-se, e muitas vezes conflitarem. De

qualquer forma, o autor reconhece a importância do Estado social e teoriza a respeito:

A clara opção constitucional de alguns sistemas pluralistas por um

Estado social tem levado a fazer da ordem econômica e social, se não o mais

importante capítulo da Constituição, pelo menos aquele onde se escreve a

verdadeira essência e finalidade de um novo modelo de Estado, que adotando a

fórmula de consenso, pretenda lograr a consecução de objetivos sem os quais

princípios da importância fundamental da igualdade ficariam consideravelmente

deficitários ou desfalcados de seus componentes democráticos. Nesse caso, a

liberdade seria privilégio ou ilusão de teoristas247

.

245

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26ª edição. São Paulo: Editora

Saraiva, 2007. p. 280-281. 246

SOUZA, Leandro Marins. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética, 2004.

p.57. 247

BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros., 2007. p. 353.

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121

Nesse contexto, diferentemente dos Estados com características

absolutistas, a intervenção do Estado se faria necessária, não com relação às ingerências

realizadas no âmbito das liberdades individuais. Ao contrário, a intervenção do Estado

era voltada à concretização do interesse social, e o alcance de seus objetivos. O Estado

Liberal cedia espaço ao Estado Social, onde, mais tarde, surgiria a concepção do Estado

de Bem-estar Social ou ―welfare state”.

Segundo Leandro Marins de Souza248

, buscava-se, no ―welfare state”,

garantias como saúde, educação, moradia, alimento, renda entre outros igualmente

importantes. A partir de então, o ―welfare state” seria conhecido com o estado da

providência, onde a ingerência estatal estaria voltada a proteger e preservar o indivíduo

do próprio Estado e de seus excessos.

Contudo, este assistencialismo, como defendido por Carlos Montaño249

,

teria criado verdadeira crise fiscal para o Estado, pois este, engajado na tentativa de

atender aos reclamos e às demandas sociais, estaria sufocado pela falta de recursos,

causando verdadeiro colapso de suas atividades sociais. Bem, é verdade, que

contramedidas neste sentido teriam sido tomadas, como, por exemplo, o aumento da

carga tributária e o estancamento de recursos para programas sociais, no entanto, a

exemplo do modelo brasileiro, tais medidas se revelaram insuficientes.

Como fruto dessa evolução histórica, o Terceiro Setor teria surgido a

partir da intervenção do Estado na economia e em diversos outros setores. Este é o fruto

da evolução da doutrina do Estado. Bernardo Kliksberg traz algumas ponderações a

respeito do tema, cujos papéis vêm assim definidos:

[...] agregar aliados ao esforço de enfrentar os problemas sociais. O

Estado deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço

dos atores sociais básicos, empresa privada, sindicatos, universidades e

sociedade civil em todas as suas expressões. Um Estado inteligente na área

social não é um Estado mínimo, nem ausente, nem de ações pontuais de base

assistencial, mas um Estado com uma ‗política de Estado‘, não de partidos, mas

sim de educação, saúde, nutrição, cultura, orientado para superar as graves

248

SOUZA, Leandro Marins. op. cit., p. 59. 249

MONTAÑO, Carlos E. Tercer Sector y Custión Social: crítica al patrón emergente de

internvención social. São Paulo: Editora Cortez – Biblioteca Latino americana de Serviço Social. 2005, p.

278.

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122

iniqüidades, capaz de impulsionar a harmonia entre o econômico e o social,

promotor da sociedade civil, com um papel sinergizante permanente250

.

Neste aspecto em particular é que o Terceiro Setor tem se inserido e

desenvolvido sua atividade complementar e paralela na defesa dos interesses sociais, e,

do próprio Estado, que, a final de contas, incentiva a atuação destas entidades vinculadas

ao Terceiro Setor.

5.2 – Terceiro Setor e as entidades assistenciais:

Ponto da mais alta relevância para a presente pesquisa, é o trabalho a

ser desenvolvido a respeito das entidades assistenciais e os desdobramentos que

envolvem o seu funcionamento. Neste ponto em particular, centraremos nossas análises

não apenas na forma e desenvolvimento das entidades assistenciais, mas, principalmente,

no modelo jurídico existente no direito pátrio, a fim de que possamos melhor examinar as

repercussões tributárias existentes no artigo 150, III, c) da Constituição Federal de 1988.

Como observaremos, as entidades assistenciais encampam importante tarefa social que,

se deixada a cargo unicamente do Estado, entraria em colapso, dada a ineficiência estatal

à gestão de questões sociais.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho251

, a assistência social será

prestada para todos aqueles que precisarem. ―Tem por objetivos a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência, à velhice, às crianças e adolescentes carentes‖.

Entretanto, afastando-nos dessa ficção jurídica, temos que a realidade social é bastante

diversa.

Hodiernamente, como observamos de nossa vida cotidiana, a vida diária

tem sido palco de incessantes embates da vida social e da vida civil, na medida em que os

250

KLIKSBERG, Bernardo. apud SOUZA, Leandro Marins. op. cit., p. 63. 251

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 24ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 1997. p. 364.

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123

anseios, vontades e interesses das diversas camadas sociais restam setorizados e voltados

a buscar a plena satisfação desses interesses. Esta é a realidade social, onde as minorias e

as camadas sociais menos favorecidas buscam o atendimento, ainda que mínimo, de

certas condições de vida e subsistência.

Como abordado em diversas oportunidades nesta pesquisa, temos que o

Estado, como modelo jurídico burocrático e excessivamente complexo, não tem

demonstrado muita facilidade em gerir a atividade pública sem comprometer os

programas sociais. Parece consenso que o gigantismo estatal prejudica, e em muito, o

desenvolvimento das atividades sociais na medida que a maior preocupação centra-se nos

aspectos econômicos e tributários.

A máquina administrativa revela-se ineficiente no atendimento das

necessidades sociais da sociedade organizada tal qual a conhecemos. Algumas

perspectivas econômicas atribuem esta dificuldade à existência de uma verdadeira crise

fiscal, ocasionada pelo excesso de empregos informais e o próprio fenômeno da evasão

fiscal que tem contribuído, ou pior, agravado a situação arrecadatória da máquina

administrativa. No entanto, para Carlos Montaño, as razões desta crise vão mais além.

Na realidade, o fundamento da crise fiscal do Estado, tem mais ver com

o uso político e econômico que as autoridades, representantes de classe, têm

feito historicamente com o capital (inclusive em proveito próprio): pagamento

da dívida pública (interna e externa), renúncia fiscal, superfaturamento de obras,

resgate de empresas falidas, vendas subvencionadas de empresas estatais,

clientelismo político, corrupção, , compras supervalorizadas e sem licitação,

empréstimo de capital produtivo com devolução de valores já afetados pela

inflação, taxas elevadíssimas do capital financeiro especulativo, construção de

infra-estrutura publica necessária para o capital produtivo e comercial252

.

A crise fiscal a qual se tem atribuído a responsabilidade pelo mau

funcionamento do Estado, em verdade, revela-se como um conjunto de fatores que,

252

MONTAÑO, Carlos E. Tercer Sector y Custión Social: crítica al patrón emergente de

internvención social. São Paulo: Editora Cortez – Biblioteca Latinoamericana de Serviço Social. 2005, p.

279. Tradução nossa (En realidad, el fundamento de la crisis fiscal del Estado tiene más que ver con el uso

político y económico que las autoridades, representantes de clase, han hecho históricamente a favor del

capital (e inclusive en provecho propio): pago de la deuda pública (interna y externa), renuncia fiscal,

sobrefacturación de obras, rescate de empresas quebradas, ventas subvencionadas de empresas estatales

subvaluadas, clientelismo político, corrupción, compras sobrevaluadas y sin licitación, préstamos al capital

productivo con retorno corroído por la inflación, tasas elevadísimas de interés al capital financeiro

especulativo, construcción de infraestructura pública necesaria pra el capital produtivo y comercial).

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124

associados, prejudicam sensivelmente a atividade do Estado na gestão de obras sociais. A

corrupção, a falta de infra-estrutura governamental, o clientelismo político e a falta de

controle e comprometimento dos gestores da coisa pública com as metas sociais,

assoberbam a crise vivida pelos programas sociais do governo, abrindo-se oportunidade

para que as entidades sociais possam, efetivamente, se desenvolver. Curiosamente, é a

própria ineficiência estatal que tem fomentado o crescimento de entidades assistências.

Mesmo assim, o crescimento e a evolução do Terceiro Setor, como são

classificadas as entidades de interesse social, crescem motivadas não apenas pela

crescente demanda das massas menos favorecidas, mas, também, pela considerável

transferência de responsabilidades por parte do Estado para com as entidades

assistenciais.

Para alguns autores, como, Eloísa Helena253

, no Brasil, a evolução e a

expansão do regime de proteção social teria sido de forma descontínua e centralizada,

pois, ainda durante os governos totalitários ocorridos no país, buscou-se, por meio de

uma política assistencialista, o atendimento a setores corporativos e organizados,

legitimando o governo até instituído, apesar da forma como alguns tenham alcançado o

poder. Prossegue a autora, identificando um dos marcos iniciais da preocupação social no

Brasil. Somente com o advento da República, iniciada com o Decreto nº 119-A, de

janeiro de 1980, que a proteção social ganha status de atividade de Estado ainda que de

modo embrionário. A constituição de 1891, que proibiu a transferência de recursos

públicos para custear as atividades de assistência patrocinadas pelos cultos religiosos, é

concomitante com a manifestação da doutrina social da Igreja na encíclica Rerum

Novarum, onde se determinava a movimentação das organizações associativas, criando

um conceito de subsidiariedade.

A revolução industrial em São Paulo, ocorrida como resposta à crise

mundial então existente nos anos de 1930, rompia com o modelo agrário até então

vigente, dando azo à criação de organizações de trabalhadores, que desde aquela época,

possuíam demandas sociais. Começava, então, a difusão de políticas voltadas ao

253

CABRAL, Eloísa Helena de Souza. Terceiro Setor: gestão e controle social. São Paulo: Editora

Saraiva, 2007. p. 55-57.

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125

atendimento destas necessidades sociais. Autores como Vera Lúcia Marta Miranda254

,

defendem que no Brasil, o desenvolvimento do Terceiro Setor estaria associado a

repressão sistemática operada nos anos de 1964, portanto durante os regimes ditatoriais,

opressões políticas e toda espécie de agressão social que era praticada pelos governantes,

fez inserir na mentalidade da época, a possibilidade de que lutar por melhorias de vida era

uma hipótese aceitável, não deixando tal ônus apenas para o governo.

Contudo, com o passar dos anos, estas mesmas políticas, não mais se

revelavam suficientes ou adequadas ao modelo da massa inserido no sistema econômico

capitalista até então existente. Como relata Eloísa Helena255

, já no início dos anos de

1980, as dificuldades do sistema previdenciário eram patentes, de tal modo que o Estado

brasileiro já enfrentava uma crise política com o fim dos governos militares. Como

descreve a autora, muito embora a Constituição Federal de 1988 tivesse inserido entre

suas preocupações a questão da saúde e educação, houve, num primeiro momento, a

extensão das garantias previdenciárias, de caráter contributivo determinando a

organização do Estado. Certamente, o tema desta pesquisa não comportaria qualquer

digressão a respeito do complexo sistema previdenciário nacional, pois, o que se busca é

verificar o tratamento imunizante conferido às entidades assistências. Neste ponto em

particular, Eloísa Helena faz importante reflexão a respeito do sistema previdenciário e

suas repercussões junto a assistência social. Contudo, no capítulo anterior, já havíamos

discutido que a terminologia utilizada pela Carta Política de 1988 é ampla e não se refere

de forma explícita e específica à assistência social, como previdência. Ainda assim, não

se podem considerar estas conclusões como um equívoco, na medida em que o legislador

constitucional buscava, em verdade, conferir maior amplitude a assistência social.

No Brasil, a exemplo do que teria ocorrido em outros países, como o

México256

, o Terceiro Setor teria surgido não apenas a partir de movimentos proativos

254

MIRANDA, Vera Lúcia Marta. Imunidades e isenções no âmbito do poder público: benefícios e

beneficiários. In: Ministério Público do Espírito Santo. Procuradoria Geral de Justiça. Centro de Estudos e

Aperfeiçoamento Funcional. Terceiro Setor: Fundações e entidades de interesse social. Vitória: Editora

CEAF, 2004. p. 334. 255

CABRAL, Eloísa Helena de Souza. Terceiro Setor: gestão e controle social. São Paulo: Editora

Saraiva, 2007. p. 60. 256

Jorge Cadena Roa, em interessante paper publicado pela revista eletrônica do sítio de internet

www.istr.org, teria trazido algumas digressões a respeito da forma de surgimento das entidades

assistenciais no México, classificando-as, como, ―proativas‖ e ―reativas‖. Adotamos esta classificação por

entender que, muitas vezes, movimentos socais encontram-se também motivados por aspectos políticos e

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126

destinados a conter as diferenças sociais existentes, mas também, de forma reativa, no

sentido de encampar atividades onde notoriamente o Estado se fazia ausente.

Para conceituar o Terceiro Setor e as entidades assistenciais, Carlos

Montaño257

aponta, inicialmente, uma falta de regularidade teórica para tal conceituação,

especialmente porque os conceitos ou modelos existentes são superficiais e, por assim

dizer, pouco epidérmicos. Como crítica a conceituação existente, o autor rejeita a idéia de

que o Terceiro Setor tenha vindo especificamente para resolver um problema de

dicotomia entre o público e o privado, pois, se existe uma crise governamental e o

mercado opera com vistas a uma atividade lucrativa, logicamente o Terceiro Setor viria a

atuar como uma intersecção de ambos os setores. Outra dúvida que Carlos Montaño traz

em sua obra, é a respeito de quais entidades podem ser consideradas como integrantes

deste Terceiro Setor. Questiona se movimentos eminentemente políticos poderiam

ingressar nesta esfera classificatória, na medida em que muitos buscam a satisfação de

interesses sociais, como, por exemplo, o MST — Movimento dos Sem Terra —, ou

ainda, movimentos que a força e a violência venham a fazer parte de sua história.

Nesta pesquisa, para nós, não entendemos que tais movimentos, como

as FARC‘s da Colômbia, possam ser entendidos como movimentos integrantes do

Terceiro Setor, na medida em que o fenômeno da violência não é componente de

qualquer interesse social ou assistencial. Aliás, a voluntariedade é muito mais forte do

que a coerção ou outra espécie de conduta coativa. A outro giro, como a história tem

confirmado, estes movimentos, quase sempre, vêm associados a tráfico de drogas, armas,

prostituição e outros variados tipos de delitos que corrompem o ideal social do Terceiro

Setor.

Como terceira crítica às idéias classificatórias do Terceiro Setor, o autor

explica a impossibilidade de se manterem instituições tão distintas entre si como uma

mesma categoria de Terceiro Setor. Em último posicionamento, Carlos Montaño alerta

sociais, ocasionando, invariavelmente, respostas a estas situações concretas. O artigo, intitulado

―Evaluación del desempeño de los movimientos sociales‖, encontra-se no sítio da ISTR. Disponível em: <

http://www.istr.org/conferences/bangkok/WPVolume/CadenaRoa.Jorge.pdf >. Acessado em 26.11.2007. 257

MONTAÑO, Carlos E. Tercer Sector y Custión Social: crítica al patrón emergente de

internvención social. São Paulo: Editora Cortez – Biblioteca Latinoamericana de Serviço Social. 2005. p.

64-67.

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127

sobre a generalidade que os autores agregam ao Terceiro Setor, dificultando o

entendimento a respeito dos modelos que são criados.

Leandro Marins de Souza258

defende que o Terceiro Setor seja o setor

solidário, o que lhe atribui a característica de vinculação ao conceito de solidariedade.

Segundo Rubem César Fernandes, termos que:

[...] o Terceiro Setor é composto de organizações sem fins lucrativos,

criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-

governamental, dando continuidade às praticas tradicionais da caridade, da

filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios,

graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas

manifestação na sociedade civil259

.

Para o Terceiro Setor, a palavra instituições designa pessoa jurídica, e

como tal, teria sido utilizada pelo legislador constituinte como sendo termo técnico

generalista, relativo a determinada categorização de pessoas. No caso do artigo 150, VI,

c) da CF de 1988, as imunidades tributárias são destinadas às entidades assistenciais e

educacionais como um todo, de forma a não se permitir a exclusão de uma ou de outra.

Para Sacha Calmon260

o termo instituições não parece muito técnico. Em verdade, o autor

menciona que a palavra não se adequa à designação de entes jurídicos, na medida em que

a expressão não possui um conceito jurídico fiscal próprio.

Nestas bases, José Eduardo Sabo Paes261

traz conceituação mais

didática e aprofundada sobre o tema. Antes mesmo de formular o seu conceito, o autor

esclarece que, juntamente com o Estado (Primeiro Setor), e o Mercado (segundo Setor),

verifica-se a existência de um Terceiro Setor, que é aquele em que se constata uma

grande movimentação de recursos humanos e materiais para impulsionar iniciativas

destinadas a prover o desenvolvimento social. Mais adiante, prossegue classificando o

Terceiro Setor como:

258

SOUZA, Leandro Marins. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética, 2004.

p.72. 259

FERNANDES, Rubem César. O que é Terceiro Setor. In: IOSCHPE, Evelyn (Coordenadora).

Terceiro Setor: desenvolvimento social sustentável. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A.,

2000. p. 27. 260

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6ª

Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1995, p. 369. 261

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 88.

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128

[...] o Terceiro Setor é aquele que não é público e nem privado, sentido

convencional desses termos; porém, guarda uma relação simbiótica com ambos,

na medida em que ele deriva sua própria identidade da conjugação entre a

metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o Terceiro Setor é

composto por organizações de natureza ‗privada‘ (sem o objetivo de lucro)

dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja

integrante do governo (Administração Estatal).

Podemos, assim, conceituar o Terceiro Setor como o conjunto de organismos,

organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e

administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar

voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento262

.

O Terceiro Setor tem se constituído em fenômeno de grande e relevante

importância, pois, no suporte das atividades sociais destinadas ao desenvolvimento

social, supre a carência governamental evidente, especialmente porque o Estado se revela

insuficiente para o atendimento das demandas sociais.

As entidades assistenciais, como modelo vinculado ao Terceiro Setor,

são a resposta para esta ineficiência declarada contra o Estado, além de serem, sob outra

ótica, modelo capaz de controlar as políticas públicas, já que dependem, em certos

aspectos, de incentivos e fundos governamentais. De qualquer forma, trataremos deste

assunto nos tomos subseqüentes.

5.3 – As entidades assistenciais no Brasil:

No Brasil, a evolução do Terceiro Setor, embora constante e em franco

desenvolvimento, não é difícil constatar que este tenha ficado, por longo período, à

margem da sociedade, na medida em que pouco ou nenhum governo cuidou de fomentar

a atividade vinculada ao Terceiro Setor, especialmente porque a pressão política e social

nunca foram suficientemente grandes para estimular a produção e evolução deste campo

de atuação, principalmente das entidades assistenciais.

262

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 88.

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129

Para Aristeu de Oliveira e Valdo Romão263

, a explicação para esta

demora no progresso do Terceiro Setor do Brasil ocorreu em razão da mentalidade

defendida por alguns colonizadores, que motivados pelo lucro rápido e interesses

meramente comerciais, visavam apenas a exploração ilimitada dos recursos naturais,

pouco importando os resquícios o os resultados deixados a partir deste tipo de postura. E

neste sentido, prosseguem os autores:

Esse comportamento egoísta não deu espaço para o trabalho voluntário,

e para as ações voluntárias, logo tornando estes temas distantes das

preocupações dos homens; como conseqüência, essas preocupações não ficaram

enraizadas na nossa tradição histórica. Historicamente, esse tipo de trabalho

esteve vinculado à atuação das damas caridosas da sociedade, essencialmente

tratando-se de um trabalho feminino.

Só recentemente, nas últimas décadas, em decorrência da luta por direitos

humanos, civis e sociais é que este trabalho começou a ser visto, em algumas

esferas da sociedade civil, como possibilidade de ação cívica, bem como de ação

voltada para o bem alheio ou público.

(...) Ao contrário, as organizações da sociedade sem fins lucrativos tiveram

quase sempre papel marginal, vistas ou como forma de assistencialismo e

caridade, associada sobretudo à religião, ou como forma de movimento político,

associada à organização não governamental, ou, ainda, de defesa de interesses

corporativos, relacionada a sindicatos e associações264

.

Pela natureza jurídica do Terceiro Setor, temos que, pelo campo de

atuação e as atividades desenvolvidas, no Brasil, tem-se encontrado momento histórico e

político privilegiado ao fomento e incentivo das atividades do Terceiro Setor. Na

verdade, a evolução e criação do Setor não se deu apenas em razão da atividade caritativa

de algumas senhoras, ou ainda, do trabalho voluntário desenvolvido por alguns

indivíduos.

De qualquer forma, embora tenhamos mencionado em tomos anteriores

que a incapacidade do Estado é, sob outro ângulo de análise, importante motivo ao

crescimento do Terceiro Setor, não podemos considerar as entidades integrantes — as

assistenciais, por exemplo — do Terceiro Setor como sendo substitutivas da própria

atuação estatal. Em verdade, o Terceiro Setor desenvolve-se a partir de uma relação de

complementaridade do Estado.

263

OLIVEIRA, Aristeu e ROMÃO, Valdo. Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas:

trabalhista, previdenciária, contábil e fiscal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 36 264

OLIVEIRA, Aristeu e ROMÃO, Valdo. op. cit., p.36.

Page 131: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

130

Muitas vezes, o próprio Estado define as políticas públicas, o campo de

atuação, os parâmetros e as medidas necessárias, os quais funcionam como vetores a

serem seguidos, não necessariamente em regime de exclusividade por parte do Estado.

As entidades assistenciais das quais se tenciona abordar nesta pesquisa,

dizem respeito àquelas voltadas ao apoio e suporte dos mais necessitados, concentrando-

se especificamente naquelas que são destinadas a auxiliar aqueles que vivem em estado

de pobreza e miserabilidade. Por tais razões, as entidades de cunho caritativo das quais

examinaremos, concentrarão suas atividades no campo assistencial voltado ao suprimento

das necessidades primárias do ser humano.

Para os próximos itens integrantes deste capítulo, analisaremos as

formas jurídicas sob as quais algumas entidades assistenciais podem ser criadas, de forma

a conferir maior amplitude a respeito da assistência social como forma integrante do

Terceiro Setor.

5.4 – Fundações:

Nesta primeira análise, cuidaremos de verificar algumas características

básicas de crescimento e evolução das fundações, especialmente aquelas voltadas à

assistência social.

Maria Helena Diniz265

, ao cuidar do novo Código Civil de 2002, traz

em suas digressões a respeito do tema, a origem da palavra fundação. Para a autora, o

termo fundação seria originário do latim fundatio, ou ainda, ação ou efeito de fundar.

Complementa, ainda, dizendo que a fundação seria um ―complexo de bens livres

(universitatis bonorum) colocado por uma pessoa física ou jurídica a serviço de um fim

lícito e especial com alcance social pretendido pelo seu instituidor, em atenção ao

disposto em seu estatuto‖.

265

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Editora Saraiva. 9ª edição, 2003.p. 77.

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131

Neste contexto, Roberto de Ruggiero266

acrescenta que o patrimônio

criado pode ser constituído não apenas através de propriedades, mas também de créditos

ou mesmo dinheiro. Mesmo assim, não basta apenas a vontade do instituidor, a intenção

de fundar deve ser acompanhada de bens necessários à consecução dos fins da fundação.

Em conceito um pouco mais sintético, Eduardo Szazi267

explica que

―uma fundação é um tipo especial de pessoa jurídica, pois pode ser constituída a partir da

decisão de um só indivíduo‖. Para a conceituação das fundações, adotamos as

explicações de Carlos Maximiliano, que assim se posiciona sobre o assunto:

Denomina-se fundação um instituto com objetivo religioso,

humanitário ou cultural, oriundo de liberdade feita por meio de ato intervivos ou

causa mortis. Diverge da corporação ou sociedade; porque estas são formadas

pela convergência da vontade de diversas pessoas, que administram e dirigem o

conjunto; ao passo que advém aquela da resolução magnânima ou piedosa de um

só indivíduo, que destina vultoso patrimônio para se constituir e manter a

instituição por ele almejada. Em regra, ele mesmo indica o modo de

funcionamento e a direção geral; não raro, incumbe sociedade já existente, do

encargo de organizar e orientar a fundação268

.

Para a prestação de serviços de natureza assistencial, é inegável o papel

das fundações para o atingimento destes objetivos. Seja qual for o modo de criação ou

instituição, as fundações assistenciais revelam seu importante papel assistencial, na

medida em que assumem o atendimento de necessidades primárias de seus atendidos, seja

através de ajuda educacional, saúde, e até mesmo na intermediação de emprego e

alimentação. Em um país como o Brasil, onde as atividades assistenciais sofrem com a

impiedosa massa de necessitados e o desatendimento por parte do Estado, as fundações

ocupam espaço de destaque no apoio aos excluídos, não apenas assumindo o cuidado e

atenção aos planos sociais, mas também auxiliando o processo de integração daqueles

que sofrem com alguma espécie de infortúnio, seja ele de natureza educacional ou mesmo

de saúde ou qualificação profissional.

266

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Tradução de Paolo Capitanio. 6ª edição.

Campinas: Editora Bookseller, 1999. p. 563. 267

SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.

p. 37. 268

MAXIMILIANO, Carlos. apud PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse

Social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília

Jurídica., 2003. p. 156.

Page 133: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

132

José Eduardo Sabo Paes lembra, com sabedoria, a história sob a qual o

movimento fundacional é erigido. Neste ponto, vale a transcrição. Vejamos:

As origens do instituto fundação podem ser inicialmente explicadas

pelo espírito de solidariedade — atributo do ser humano — dirigido a uma busca

de meios ou formas de auxílio às pessoas necessitadas.

Com efeito, desde os primórdios da história da humanidade, registraram-se

atitudes de homens que, imbuídos de pelo amor às artes, à sabedoria, à cultura

ou ao singelo, mas profundo amor ao próximo, destinavam bens para uma

finalidade social269

.

Como defende o Eduardo Szazi270

, as fundações são instrumentos

capazes da realização de trabalhos sociais. Criadas pelo Estado, assumem a natureza

jurídica de direito público. Instituídas através de indivíduos ou empresas, , passam a

assumir a natureza de direito privado.

Diante destas análises primárias, com relação a criação e a classificação

das fundações, reservamos ponto especial para os exames necessário, sem que, com isso,

se queira exaurir o tema, pois o que se busca com este trabalho científico é análise das

imunidades tributárias frente às entidades assistenciais, sob o enfoque de direitos

humanos econômicos.

5.4.1 – Criação e Classificação:

Conforme consta do Código Civil de 2002, para que se crie uma

fundação, o instituidor fará, por intermédio de escritura pública, dotação especial de bens

livres, especificando o fim a que se destina, bem como declarando a maneira de

269

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 141. 270

SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.

p. 37.

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133

administrá-la. Por fim, o parágrafo único do artigo 62271

, esclarece que a fundação poderá

constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Como menciona

Maria Helena Diniz, a fundação possui, além de um marco, algumas características

quando de sua criação. Vejamos:

Até o momento do registro do ato de instituição da fundação, o

instituidor pode desistir da liberalidade a que se propõe, porque o bem continua

no seu patrimônio, uma vez que, ainda, não existe a pessoa jurídica, mas, após

isso, o patrimônio fica vinculado ao escopo fundacional e às normas estatutárias.

Personificada a Fundação [...] seus instituidores têm de cumprir a promessa de

transferir os direitos sobre imóveis e móveis e efetuar os pagamentos assumidos.

Não mais lhes será, portanto, permitida a revogação das liberalidades feitas272

.

A grande polêmica que gira em torno das fundações é com relação à

determinação de sua natureza jurídica. Como reconhece a doutrina e a jurisprudência,

apesar do tecnicismo jurídico, ainda está longe a pacificação a respeito da discussão da

natureza jurídica. José dos Santos Carvalho Filho273

apresenta duas correntes doutrinárias

a respeito da natureza jurídica das fundações. A primeira delas, que é a mais dominante,

acredita na existência de dois tipos de fundações públicas, ou seja, fundações de direito

público e de direito privado, sendo que as primeiras possuem personalidade jurídica de

direito público e as segundas de direito privado274

.A respeito desta corrente doutrinária, o

próprio STF se posicionou a seu favor. Por estas razões, as fundações de direito público

são caracterizadas como autarquias, ou mesmo autarquias fundacionais.

Para a segunda corrente, as fundações, mesmo que instituídas pelo

Poder Público, continuam a ser sempre de personalidade jurídica de direito privado.

Conforme explicam os defensores desta teoria, em razão de o Estado ser o instituidor, a

caracterização destas entidades, como detentoras de personalidade jurídica de direito

privado, não restaria afastada, na medida em que o Estado também crias as empresas

271

Comparativamente, o Código de 1916, no artigo 24, trazia redação semelhante, onde constava: ―art. 24.

Para criar uma fundação, far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública ou testamento, dotação especial

de bens livres, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la‖. Com o novel Código, a inovação fica

por conta do parágrafo único do artigo 62, onde se encontra certa delimitação de campo. 272

DINIZ, Maria Helena. Direito fundacional. apud SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no

Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006. p. 39. 273

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª edição. Rio de Janeiro:

Editora Lúmen Júris, 2007. p. 447-448. 274

RE número 101.126 RJ.

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134

públicas e faz parte das sociedades de economia mista, onde, nitidamente, impera a

característica do que é privado.

Para Hely Lopes Meirelles275

, era essa a corrente mais adequada. Para

esta pesquisa, nos pareceu mais lógica e coerente a posição defendida pelo mestre na

medida em que, com a edição da Constituição de 1988, a referência a fundações públicas

permitiria se inferir a idéia de que tais entidades teriam personalidade de direito público.

Classificar as fundações como espécie do gênero autarquias implica em uma verdadeira

crise conceitual, na medida em que não se pode permitir, ao mesmo tempo, que uma dada

entidade seja fundação e autarquia, ou ainda, ser de direito privado, embora possua

personalidade jurídica de direito público. Assim adotamos a segunda corrente, como

sendo a mais próxima a realidade jurídica existente em nosso país.

Assim, as fundações podem ser instituídas por intermédio do Poder

Público, ou ainda, através da iniciativa privada. Para o primeiro caso, teríamos

instituições com personalidade jurídica de direito privado, ou ainda, com personalidade

jurídica de direito público, como por exemplo, o caso das autarquias, que é citado por

José Eduardo de Sabo Paes276

. Segundo o mesmo autor, para as fundações instituídas

através da iniciativa privada, teríamos, no caso, aquelas que foram criadas por empresas,

por pessoas físicas ou jurídicas, fundações de apoio a instituições federais de ensino

superior ou mesmo de previdência privada; e, por fim, aquelas que vierem a ser

instituídas por partido político.

Como explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro277

, o Decreto 200/1967

não fazia qualquer menção às fundações, especialmente para colocá-las no rol dos órgãos

que faziam composição da administração indireta. Ao contrário, como constava do

Decreto número 900/1969, o próprio artigo 3º declarava que as fundações instituídas por

lei federal não integravam a Administração Indireta, embora tivessem que se submeter à

supervisão ministerial da qual tratam os artigo 19 e 26 do Decreto 200/1967.

Posteriormente, com o Decreto-lei de número 2.299/1986, as fundações públicas

275

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª edição. São Paulo: Editora

Malheiros, 1999. p. 177. 276

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 159. 277

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

p. 377.

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135

passaram a contar com mais fôlego. É que este decreto reformulava o artigo 4º do

referido Decreto 200/1967, incluindo o § 2º, onde, o dispositivo determinava que as

fundações instituídas em virtude de lei federal, ou de cujos recursos a União participasse,

integrariam a Administração Indireta.

Como menciona a autora, a Lei 7.596/1987, teria novamente

introduzido alterações no Decreto 200/1967, especificamente no artigo 4º. É que através

da referida lei, houve a inclusão da alínea b), ao inciso II, inserindo-se o termo

―fundações públicas‖. Afora as características que parecem ser comuns às fundações

mantidas pelo Poder Público e àquelas mantidas pela iniciativa privada, algumas

merecem destaque. Entre elas citamos: submissão à Lei 8.666/1993 para o caso de

licitações e contratos; no que diz respeito a finanças públicas, as exigências contidas nos

artigos 52, VII, 169 e 165, §§ 5º e 9º, da Constituição Federal; constituição permitida por

lei, na forma do artigo 1, inciso II, da Lei 7.596/1987 e o artigo 37 da CF; a equiparação

de seus funcionários ou colaboradores ao status de funcionários públicos; a submissão de

seus dirigentes à mandado de segurança, quando no exercício de suas funções estejam

inseridas atividades delegadas pelo poder público, ou ainda, o cabimento de ação popular

e a legitimidade para propor ação civil pública; e principalmente, a imunidade tributária

referente ao imposto sobre o patrimônio, a renda ou serviços vinculados a suas

finalidades essenciais, na forma do § 2º do artigo 150 da Constituição Federal.

Para Di Pietro278

, além destas características citadas, existem ainda

outros pontos que podem ser abordados à caracterização das fundações de direito público.

Entre elas, a autora menciona a presunção de veracidade e executoriedade dos seus atos

administrativos, além da inexigibilidade de inscrição de seus atos constitutivos no

Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não submissão à fiscalização por parte do Ministério

Público; a impenhorabilidade de seus bens e a sujeição de processo especial de execução,

estabelecido no artigo 100 da Constituição.

Com relação à fundação de direito privado, ou seja, instituída por

pessoas físicas ou jurídicas, partidos políticos, empresas e outros, algumas ponderações

devem ser feitas a respeito do assunto. José Eduardo Sabo Paes descreve:

278

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

p.380.

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136

A fundação de direito privado, instituída por pessoas físicas, é a gênese

do instituto fundacional que posteriormente foi-se personificado, atribuindo-se-

lhe personalidade jurídica a um patrimônio que a vontade humana destinou a

uma finalidade social279

.

A fundação de direito privado, essencialmente, possui sua forma de

criação regulada pelo Código Civil. O artigo 62 do Código Civil de 2002 e seguintes do

mesmo diploma legal. Pelas fundações mantidas pela iniciativa privada, velará o

Ministério Público. Contudo, apesar desta regra geral, § 1º do artigo 66 do Código Civil

de 2002, estabelece que o encargo ficaria ao Ministério Público Federal.

Esta diferenciação contida no Código, em verdade, não faz muito

sentido lógico, eis que parece vulnerar o sentido do artigo 128 da Constituição Federal.

Tanto que, na ADI 2794-8280

, movida pela Associação Nacional dos Membros do

Ministério Público — CONAMP —, cujo julgamento teria se dado em dezembro de

2006, o STF teria entendido, em unanimidade, que o referido § 1º do artigo 66 do Código

Civil de 2002 era inconstitucional, o que necessariamente implicará em algumas

mudanças no entendimento do dispositivo questionado. A decisão definitiva acata o

posicionamento contido na peça inicial, que, como tese de violação, afirma que o

dispositivo contido no Código Civil estabelece atribuições ao MP, embora tal encargo

fique sob responsabilidade da Lei Complementar, o que não é o caso do Código Civil de

2002. Para o caso do dispositivo, existe inconstitucionalidade formal, na medida em que

o § 5º do artigo 128 estabelece a exigência de Lei Complementar à atribuição de funções

do MP. O julgamento, certamente, é paradigmático, na medida em que refreia o conteúdo

violador do dispositivo mencionado, implicando, muito possivelmente, na regra geral,

onde o Ministério Público Estadual cuidará das fundações mantidas ou instituídas pela

iniciativa privada.

Característica importante das fundações instituídas pelo direito privado

é a impossibilidade de revogação do ato instituidor. A respeito deste tema Maria Sylvia

279

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 167. 280

ADI 2794-8, teve decisão unânime sob relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, contando ainda com o

voto da Ministra Presidente, Ellen Gracie Northfleet.

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137

Zanella Di Pietro281

tece importantes considerandos. Segundo a autora, o ato do Poder

Público, ao menos como instituidor, não é irrevogável, tanto que o Poder Público poderá

extingui-la em qualquer momento, como previsto no artigo 178 do Decreto-lei número

200. Ao contrário, para as fundações instituídas por particular, tal modificação parece ser

impossibilitada pelo que determina a lei.

Sendo as fundações instituídas pelo Poder Público ou por iniciativa

privada, estas buscam a certa utilidade pública na medida em que congraçam interesses

religiosos, morais, científicos e assistenciais, diferindo das associações ou corporações,

pois o atendimento destas fica, invariavelmente, vinculado a seu próprio proveito,

enquanto as fundações têm como objetivo a universalização de sua proposta,

logicamente, nos moldes de suas determinações estatutárias.

Diante da realidade social do Brasil, entendemos que as fundações

prestam importante contribuição ao desenvolvimento e progresso de atividades

assistenciais, especialmente para auxiliar e colaborar com o Estado à consecução das

políticas sociais brasileiras que demandam muita atenção e trabalho por parte das

fundações.

5.5 – Associações:

Com relação as associações, o Código Civil de 2002 as estabelece como

sendo pessoas jurídicas de direito privado, constituídas, inicialmente, para fins não

econômicos. A associação, em verdade, é a materialização do princípio constitucional

inscrito no inciso XVII do artigo 5º da Constituição Federal que prevê, expressamente, a

liberdade para a associação.

281

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

p.375.

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138

Para a Constituição de 1967, o direito de associação vinha previsto no

artigo 153, § 28, e também no artigo 150 § 27. Segundo Paulino Jacques282

, para a

Constituição de 1967, a liberdade de reunião é complementar da liberdade de expressão,

pois as pessoas se reúnem para expressar o seu pensamento no interesse comum, sendo

possível a associação para fins lícitos, excluindo-se, por conseguinte, qualquer associação

destinada a fins contrários à moral ou à legalidade.

Ao estudar as associações, Leandro Marins de Souza defende que estas

entidades ―são, portanto, associações que congregam pessoas com os mesmos interesses

profissionais, com fito de estudar, defender e coordenar estes interesses, em evidente

expressão social ao trabalho‖283

.

As associações, diferentemente das fundações, possuem aspectos

intrínsecos a sua formação, embora estas possam assumir, em determinados sentidos,

conteúdo assistencial. De qualquer forma, o atendimento da coletividade parece não ser

regra geral. Eduardo Szazi, disserta sobre o tema da seguinte forma:

[...] as principais características de uma associação são a reunião de

pessoas e a finalidade não-lucrativa. Entretanto, o fato de criarmos uma

associação não implica necessariamente a criação de uma entidade de cunho

social, pois diversos propósitos podem não visar ao lucro, mas, mesmo assim,

não servir de proveito de todos. Casos típicos são os clubes recreativos, de

acesso restrito aos sócios, eventualmente com critérios rígidos de admissão, e as

associações que visam divulgar interesses particulares de seus associados, como

os clubes de colecionadores de selos ou automóveis importados284

.

Neste ponto, é importante a distinção do cunho associativo e o social. O

primeiro, como se observa, visa ao atendimento exclusivo dos associados ou integrantes

de uma associação. Já o segundo caso, ou seja, o aspecto social, visa ao atendimento

assistencial, onde toda a coletividade poderia vir a usufruir de alguma atividade de caráter

social ou assistencial.

282

JACQUES, Paulino. A constituição explicada. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1976. p. 163. 283

SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética,

2004. p. 118. 284

SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.

p. 28.

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139

5.5.1 – Conceito e criação:

Como consta da Lei Civil em vigor, a associação pode ser conceituada

como a reunião de pessoas em torno de objetivos, contanto que não esteja inserida nesta

constituição a finalidade lucrativa. Para a conceituação das associações, Eduardo Szazi

explica, a partir de Jero Oliva:

Uma associação pode ser definida como uma pessoa jurídica criada a

partir da união de idéias e esforços de pessoas em torno de um propósito que não

tenha finalidade lucrativa. A sociedade civil existente no Código Civil de 1916,

por sua vez, era uma pessoa jurídica criada pela união de pessoas, porém, via de

regra, com finalidade de lucro, tais como as sociedades de profissões

regulamentadas (advogados, arquitetos, contadores, etc.) ou as sociedades de

gestão de patrimônio próprio e atividades afins. É importante notar que o

Código Civil de 1916 não fazia nenhuma distinção entre sociedade e associação.

As sociedades civis foram extintas no Código Civil de 2002285

.

A criação de uma associação, como dito no Código Civil de 2002,

dependerá da associação de pessoas, portanto, mais de uma, especialmente para constituir

entidade sem fins lucrativos e destinada a fins lícitos.

Contudo, a existência da pessoa jurídica somente se iniciará com o

registro dos atos constitutivos junto ao Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas de onde

a associação esteja sediada e funcionando. O artigo 45 do Código Civil de 2002, traz os

delineamentos necessários à criação e nascimento de uma associação, lembrando que seu

estatuto deverá conter algumas condições, que dentre as quais Eduardo Szazi286

menciona: as condições para a alteração do estatuto; as causas para a dissolução; a (não)

responsabilidade subsidiária dos associados pelas obrigações assumidas pela associação;

as fontes e os recursos; os direitos e deveres dos associados; as condições para admissão;

a denominação e os fins a que se destina; as atribuições e a forma de composição e

funcionamento, deliberações e participantes e a representação ativa e passiva da entidade

em juízo e fora dele, em geral exercida pelo presidente.

285

OLIVA, Jero. apud SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo.

Editora Peirópolis, 2006. p. 27. 286

SZAZI, Eduardo. op.cit., p. 30.

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140

5.6 – Cooperativas Sociais – introdução pela Lei 9.867/1999:

Antes de iniciarmos nossos estudos sobre o que vem a ser

cooperativismo, é importante definirmos a qualificação teórica do termo cooperativa ou

cooperativismo.

Para Maria Helena Diniz287

, cooperativa é uma associação sob forma de

sociedade — portanto é uma associação —, com número aberto de membros que tem por

escopo estimular a poupança, a aquisição de bens e a economia de seus sócios, mediante

atividade econômica comum. Segunda esta mesma autora, a cooperativa é uma

modalidade especial de sociedade simples (CC, art. 982, parágrafo único) sujeita,

inclusive, a inscrição na Junta Comercial (Enunciado n. 69, aprovado na jornada de

direito civil, promovida, em setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do

Conselho da Justiça Federal).288

Etimologicamente, cooperação é um termo derivado do verbo cooperar

— do latim cooperari, de cum operari289

, que significa operar com alguém —,

significando a prestação de um auxílio para um fim comum. De qualquer forma, para a

presente pesquisa, adotamos conceito utilizado em artigo publicado em livro organizado

por José Eduardo Sabo onde definimos:

O cooperativismo, doutrina secular fundada nos valores da

solidariedade, igualdade, democracia, eqüidade, auto-ajuda e auto-

responsabilidade, tem, como núcleo, a busca pela dignificação do ser humano.

287

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 696. 288

No mesmo sentido, o projeto de Lei nº 7.160/02 altera o artigo 1.150 para esclarecer que as cooperativas

estão sujeitas a inscrição nas Juntas Comerciais. Quanto às cooperativas é importante salientar que o art. 6º

da Lei nº 5.764/71 exigia, para a constituição de cooperativas singulares, o mínimo de 20 (vinte) sócios. O

inciso II do art. 1.094 do NCC flexibilizou tal exigência, podendo a sociedade cooperativa ser constituída

com o número de sócios necessário, apenas, para compor a administração da sociedade. O Prof. Ronald A.

Sharp Jr. entende que a regra contida no citado inciso II do art. 1.094 não pode prevalecer sobre a regra do

art. 6º da Lei nº 5.764/71 em face do princípio da razoabilidade, já que, ―a priori‖, a constituição de uma

cooperativa deve interessar a um número relativamente amplo de sócios. Daí a exigência mínima de 20

(vinte) pessoas prevista na lei especial. 289

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Editora Objetiva, 2001.p. 829.

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141

Esse objetivo é alcançado pelo cooperativismo por meio de técnica que,

conformada por esses valores, sublima a ação, instrumentalizando o capital290

.

As cooperativas, na acepção pura do instituto, servem e se destinam a

juntar forças para que seus associados consigam, de alguma forma, alcançar determinada

finalidade ou objetivo. A doutrina já identificou uma diversidade incrível que estas

cooperativas podem assumir. Sejam elas destinadas à obtenção de um crédito291

, ou

mesmo uma cooperativa de trabalho, ou produção, o trabalho cooperado centraliza o

truísmo, e a vontade de unir forças à diminuição dos obstáculos empresariais e negociais

por exemplo. As cooperativas sociais, também inspiradas neste modelo, buscam facilitar

às pessoas menos favorecidas, a inserção ou acesso ao mercado de trabalho.

As cooperativas sociais são uma nova forma associativa incluída no

ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 9.867, de 10-11-99, com a específica e

expressa finalidade de promover a integração social aos cidadãos brasileiros, nas

formas previstas292

.

A própria Lei 9.867/1999 cuida de classificar os indivíduos que,

efetivamente, o legislador teria considerado como sendo desfavorecidos, entre eles os

deficientes físicos e sensoriais, os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes

de acompanhamento psiquiátrico permanente, e os egressos de hospitais psiquiátricos, os

dependentes químicos, os egressos de prisões, os condenados a penas alternativas à

detenção e, os adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do

ponto de vista econômico, social ou afetivo.

Embora a referida lei não mencione de forma expressa aqueles que se

encontram em estado de pobreza extrema, o legislador considerou estarem abarcados pela

norma aqueles que estivessem enfrentando séria dificuldade econômica, o que denota o

caráter de pobreza.

As entidades assistenciais, como se observa, não protegem apenas

aqueles que se encontram em estado de pobreza. Em verdade, cuidam de garantir o

290

PRENHOLATO, Bruno Augusto. Cooperativas – Economia solidária e o tratamento diferenciado

conferido pela Constituição Federal. In: PAES, José Eduardo Sabo (Coordenador). Terceiro Setor e

Tributação. Brasília: Editora Fortium, 2006. p. 76. 291

O regime jurídico geral das cooperativas é dado pela Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971. 292

OLIVEIRA, Aristeu; ROMÃO, Valdo. Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas:

trabalhista, previdenciária, contábil e fiscal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 23.

Page 143: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

142

acesso à educação, saúde, alimentação, apoio ao idoso, ao menor abandonado, enfim. As

entidades assistenciais encampam toda uma gama de setores onde evidentemente o

Estado se mostra insuficiente ao atingimento de suas finalidades e fundamentos.

As cooperativas sociais, espécie do gênero cooperativa, na medida em

que possui lei específica — a Lei 9.867/1999 traz em seu texto toda a principiologia

vinculada ao direito cooperado, como a união, o truísmo, solidariedade e o apoio

cooperado —, possuem sua atividade voltada para o campo do trabalho cooperado, de

forma que a associação dos trabalhadores tenha condições de melhor lutar por uma

colocação profissional, ou mesmo por um trabalho do qual todos os associados possam

tirar proveito.

5.7 – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP:

Lei 9.790 de 1999:

As organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, mais

comumente conhecidas como OSCIP, ingressam oficialmente no cenário jurídico

nacional a partir da edição da Lei 9.790 de 23 de março de 1999. A lei em questão, como

menciona o artigo 1º, traz as Organizações da Sociedade como sendo pessoas jurídicas de

direito privado e sem fins lucrativos, destinadas a atuarem nos limites de seus estatutos,

buscando fins sociais.

De forma similar à Lei 9.637/1998293

, a Lei das OSCIP destina-se a

viabilizar o desenvolvimento de setores de interesse público, tudo em regime de parceria

293 A Lei 9.637/1998 cuida das organizações sociais, e como tal, traz a qualificação ou forma exigida a uma

organização social. Logo no artigo 2º, exige-se a comprovação de um registro de seu ato constitutivo,

dispondo, ainda, sobre a natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; a

finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no

desenvolvimento das próprias atividades; previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação

superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto,

assegurando-se àquela composição, atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;

previsão de participação no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e

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143

com a iniciativa privada, conforme consta do disposto no artigo 9º, que assim compõe o

regime:

Art. 9o Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o

instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades

qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e

a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3o desta Lei.

Segundo José Eduardo de Sabo Paes294

, em verdade, com a edição desta

lei, criou-se um marco legal englobando todas as entidades que formam o Terceiro Setor,

que, apresentem, em seus estatutos, o objetivo, ou as finalidades sociais, tais como a

execução de projetos no campo da assistência social, da educação, da saúde, voluntariado

entre outras mais, relacionando-se com as mais variadas esferas do Poder Público —

estadual, municipal ou mesmo federal —, tudo através de um termo de parceria, como

define o dispositivo transcrito.

5.7.1 – Entidades que podem se qualificar como OSCIP:

De acordo com a própria Lei 9.790/1999, podem classificar-se como

entidades de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as pessoas jurídicas

de direito privado, sem fins lucrativos, contanto que suas disposições estatutárias

contemplem a busca ou o atingimento de finalidades sociais.

Segundo José Eduardo Sabo Paes295

, são possíveis de receber a

qualificação em questão as pessoas jurídicas de direito privado constantes do artigo 44 do

de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; composição e

atribuições da diretoria entre outros requisitos. 294

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 114. 295

PAES, José Eduardo Sabo. op.cit., p. 115.

Page 145: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

144

Código Civil, como as associações, as sociedades civis sem fins lucrativos e as

fundações.

Importante ressaltar, neste estudo, que as entidades ou Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público devem buscar é a utilidade pública de seus serviços

de uma forma geral. A respeito da utilidade pública, analisaremos este princípio nos

capítulos subseqüentes, especialmente quando formos analisar a LOAS e a certificação

conferida pelos órgãos oficiais.

Segundo Leandro Marins296

, uma vez cumpridos os requisitos descritos

nos artigos 2º, 3º e 4º da Lei 9.790/1999, a entidade que esteja enquadrada na forma

descrita, poderá, então, requerer a sua classificação, passando a gozar de um status de

OSCIP, que necessariamente será uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins

lucrativos, a qual desenvolverá atividades sociais.

5.7.2 – Entidades que não podem se qualificar como OSCIP:

Com relação as entidades que não podem ser classificadas como

OSCIP, a Lei 9.790/1999 traz o regramento, inclusive lista aquelas que não a integram. O

artigo 2º diz:

Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma

às atividades descritas no art. 3o desta Lei:

I - as sociedades comerciais;

II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria

profissional;

III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos,

práticas e visões devocionais e confessionais;

IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;

V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços

a um círculo restrito de associados ou sócios;

296

SOUZA, Leandro Marins de. op. cit., p. 136.

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145

VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e

assemelhados;

VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;

VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas

mantenedoras;

IX - as organizações sociais;

X - as cooperativas;

XI - as fundações públicas;

XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas

por órgão público ou por fundações públicas;

XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com

o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição

Federal297.

Vale destacar que a lei em questão menciona as entidades que não

podem ser classificadas como OSCIP, no entanto, apesar dessa restrição, cujos reflexos

lançam seus efeitos apenas na constituição, criação e certificação, nada afasta o trabalho

social que pode ser desenvolvido pelas entidades excluídas pela lei. A respeito deste

tema, José Eduardo Sabo Paes298

defende que ―nessa relação, que é de numerus clausus,

ou seja, fechada, porque não comporta a inclusão de mais nenhuma entidade‖, temos as

instituições privadas de caráter comercial ou não assistencial e as entidades públicas ou

entidades privadas instituídas pelo Poder Público.

297

BRASIL. Lei n. 9.790/1999, de 24 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas

de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui

e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências . Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9790.htm >. Acessado em 29.11.2007. 298

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 116.

Page 147: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

146

5.8 – Organizações Sociais – Lei 9.637/1998.

As Organizações Sociais, instituídas pela Lei 9.637299

de 15 de maio de

1998, criam instituição social destinada a desempenhar serviços sociais. Como o próprio

artigo 1º da lei menciona, o Poder Executivo poderá qualificar como organizações

sociais, pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam

dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e

preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Para Maria Sylvia Zanella de Pietro300

, as Organizações Sociais

descritas na Lei 9.637/1998 são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,

instituídas por iniciativa de particulares com a finalidade de desempenhar serviços sociais

não exclusivos do Estado, mediante um contrato de gestão.

Hely Lopes Meireles301

, no entanto, adverte que a organização social

não é um novo ente administrativo. Em verdade, é uma qualificação ou um título que a

Administração outorga a uma entidade privada, sem fins lucrativos, para que ela possa

receber determinados benefícios, como, por exemplo, dotações orçamentárias, isenções

fiscais e outros. No mesmo sentido, como defende José Eduardo Sabo Paes302

, objetivam

as Organizações Sociais serem um modelo de parceria do tipo público e privada, ou seja,

entre o Estado e a Sociedade, mas não constituem uma nova pessoa jurídica.

A Lei 9.637 de 1998, em seu artigo 1º, define-se o campo de atuação

destas Organizações sociais. No entanto, para o artigo 2º, exige-se a comprovação da

natureza social e de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; finalidade não-

lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no

299

BRASIL. Lei n. 9.637/1998 de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como

organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades

que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9637.htm >. Acessado em 29.11.2007. 300

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.

p.419. 301

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª edição. São Paulo: Editora

Malheiros, 1999. p. 338. 302

PAES, José Eduardo Sabo. ob. cit., p. 101.

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147

desenvolvimento das próprias atividades; previsão expressa de a entidade ter, como

órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma

diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquela composição, atribuições

normativas e de controle básicas previstas nesta Lei; previsão de participação, no órgão

colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da

comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; composição e

atribuições da diretoria; obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União,

dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; no caso de

associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; proibição de

distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive

em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade;

e, finalmente, a previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das

doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de

suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra

organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao

patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção

dos recursos e bens por estes alocados

José Eduardo Sabo Paes303

, ao analisar a lei que introduz as

Organizações Sociais, critica a ausência de requisito relativo à impossibilidade de atuação

das organizações sociais em atividades estranhas aos seus estatutos, bem como às

referidas no artigo 1º, de modo que seria possível, em tese, que uma organização social

atuante em um segmento empresarial, e, valendo-se de uma declaração de utilidade

pública, pudesse contratar com o Poder Público sem os procedimentos licitatórios

normais.

De qualquer forma, ainda que verossímil a hipótese levantada pelo

autor, certamente, o Ministério Público, como encarregado da manutenção e legalidade

de todo o ato que envolve o interesse público, poderá, em últimas análises, acompanhar a

atuação destas Organizações Sociais. Embora o artigo 8º da Lei 9.637/1998 atribua o

dever de fiscalização à um órgão ou entidade supervisora, sabe-se que a função

institucional do Ministério Público permitiria, então, a fiscalização por parte do MP. Em

303

PAES, José Eduardo Sabo. ob. cit., p. 103.

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148

verdade, as Organizações Sociais funcionariam por intermédio de um contrato de gestão,

conforme os artigos 5º ao 7º, que assim dispõem:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o

instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como

organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para

fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1o.

Art. 6o O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou

entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições,

responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social.

Parágrafo único. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo

Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade

supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios

da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e,

também, os seguintes preceitos:

I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a

estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução,

bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho

a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;

II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e

vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e

empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.

Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de

atuação da entidade devem definir as demais cláusulas dos contratos de gestão

de que sejam signatários304.

Pelo contrato de gestão, o qual seria elaborado de forma conjunta entre

os órgãos envolvidos e a entidade supervisora, haveria necessidade de se estipularem as

metas, objetivos a serem alcançados, bem como a estrita observância aos princípios da

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, por fim, a economicidade, entre

outros descritos no mesmo dispositivo.

Conforme mencionado por José Eduardo Sabo Paes305

, a Lei

9.637/1998 é objeto de duas ações Diretas de Inconstitucionalidades. Em ambas as ações,

pede-se liminar para suspender a execução parcial de dispositivos considerados

inapropriados, frente ao ordenamento institucional da Administração. Para a primeira aça,

distribuída sob o número 1923, parte do princípio de que, para que se possa garantir a

qualidade e a eficiência dos serviços públicos — os sociais, no caso —, o princípio a ser

304

BRASIL. Lei n. 9.637/1998 de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como

organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades

que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9637.htm >. Acessado em 29.11.2007. 305

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 106-107.

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149

seguido é o da reforma do aparelho do Estado por meio da transferência das

responsabilidades exercidas por entidades públicas para entidades privadas, não

integrantes da Administração Indireta.

Prossegue o autor dando conta da Ação Direta de Inconstitucionalidade

de número 1943, cujos defeitos apontados seriam os mais diversos. Conforme consta da

peça de ingresso, a parte autora teria pedido a declaração de inconstitucionalidade contra

os artigos 5º, 6º, e finalmente o artigo 7º, com seus dois incisos, onde estaria configurado

a violação ao princípio da igualdade, na medida em que seria permitida a celebração de

contrato com as entidades arbitrariamente qualificadas como organizações sociais, sem

qualquer espécie de procedimento licitatório. Seguem as discussões, ainda, a respeito da

inconstitucionalidade do artigo 12, caput, com seu § 3º, e no artigo 13, onde se estaria

configurando a violação ao artigo 5º, caput, e o inciso I, o artigo 37, inciso XXI e o artigo

175, caput, todos da Lei Maior.

As discussões a respeito da referida norma, certamente possuem

fundamento constitucional necessário à analise do Supremo Tribunal Federal,

especialmente para que seja conferida a devida guarda ao patrimônio público, que, por

intermédio de leis mal elaboradas, acabam dando vazão à corrupção e outros vícios

capazes de dilapidar o dinheiro público.

5.9 – As imunidades tributárias destinadas às entidades assistenciais de Terceiro

Setor:

As imunidades tributárias constituem-se, como já vimos, em um dos

mais importantes institutos motivadores da assistência social, muito embora saibamos,

também, que esse tipo de proteção constitucional traz consigo uma grande

responsabilidade, especialmente para aqueles que se propõem a qualquer atividade de

cunho caritativo ou assistencial.

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150

Como menciona Sacha Calmon Navarro Coêlho306

, ―A Constituição

juridiciza determinados valores éticos, garante-os e protege-os‖. No entanto, prossegue o

autor, conquanto o regime econômico capitalista, pela sua própria dinâmica, utilize o

homem como forma destinada à obtenção de riquezas, as Constituições brasileiras têm

incorporado aspectos humanistas, os quais não podem ser considerados como originários

do modo capitalista de produção. De fato, bem se sabe que a Constituição lança a base de

princípios e fundamentos do Estado, garantindo aos jurisdicionados a parcela e a medida

que o Estado pode interferir na vida privada ou mesmo a pública.

Consoante reza o artigo 150, VI, c) a imunidade tributária vem prevista

na Carta Política de 1988, como sendo regra destinada a garantir a imunidade de

entidades de assistência social e outros. Vejamos o dispositivo na íntegra:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,

é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em

situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação

profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação

jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que

os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os

instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que

os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos

interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela

utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,

das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de

assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei307;

A imunidade garantida pela alínea c) do inciso VI, destina-se a

preservar valores nobres e, por assim dizer, necessários à consecução da atividade estatal.

306

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro:

Editora Forense, 2003. p. 265. 307

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado Federal, 1988.

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151

Assim, a imunidade atribuída às entidades assistenciais destina-se ao patrimônio, renda

ou serviços ligados à própria atividade da entidade assistencial, por exemplo. Contudo, a

respeito da aplicação da norma tributária, algumas importantes análises são realizadas por

Sacha Calmon, cuja transcrição se faz necessária.

A regra imunitória, é, todavia, not self enforcing ou no self executing,

como dizem os saxões, ou ainda, não bastante em si, como diria Pontes de

Miranda. Vale dizer, o dispositivo não é auto-aplicável e carece de acréscimo

normativo, pois a Constituição condiciona o gozo da imunidade a que sejam

observados os requisitos da lei308

.

Partidário desta opinião, temos Francisco Renato Codevila Pinheiro

Filho, que defende ―tratar-se de imunidade condicionada, ou seja, a depender de

legislação integrativa que a torne eficaz e aplicável. Melhor dizendo, a imunidade

prevista no art. 150, VI, ‗c‘, da CF, não é auto-aplicável‖309

. Em síntese, o dispositivo em

questão estaria condicionado à edição de Lei Complementar destinada a resolver o

problema referente à aplicação do dispositivo imunizante.

Regina Helena Costa310

defende se tratar de regra de eficácia plena, na

medida em que as normas imunizantes teriam recebido do legislador constituinte carga

normativa suficiente para sua aplicação imediata, não sendo necessária qualquer

intermediação legislativa para tal fim. Para tanto, a autora embasa suas reflexões em José

Afonso da Silva311

, que, a respeito das regras de eficácia plena, defende que muito

embora a Constituição se refira à lei complementar para normatizar as limitações

constitucionais do poder de tributar — art. 146, II da CF —, a própria Carta Política de

1988 já traz princípios constitucionais que são, evidentemente, plenamente eficazes.

Contudo, toda essa discussão faz erigir a imunidade tributária como

sendo um princípio constitucional, e não meramente uma regra de limitação ao poder de

308

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 266. 309

PINHEIRO FILHO, Francisco Renato Codevila. Direito Tributário Constitucional. Doutrina e

jurisprudência. Brasília: Editora Fortium. 2005. p. 309. 310

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. São

Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 97. 311

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros. 19ª

edição, 2000.p. 693.

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152

tributar. Em verdade, como declarado pelo próprio STF312

, a imunidade tributária não

pode ser entendida de forma absoluta, especialmente como colocada na Constituição.

Embora as discussões a este respeito tenham certo fundamento,

preferimos nos filiar a opinião de Sacha Calmon313

, que traz a resposta para esta suposta

omissão legislativa. Como menciona o autor, não há qualquer omissão, ―há tão-somente

uma insuficiência literal no texto do art. 150, VI‖. Em verdade, a lei pedida pela

Constituição é o próprio Código Tributário Nacional, que é a norma que possui

competência para regular e estabelecer a forma de funcionamento do dispositivo.

O próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 9º descreve:

Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios:

I - instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à

majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65;

II - cobrar imposto sobre o patrimônio e a renda com base em lei posterior à data

inicial do exercício financeiro a que corresponda;

III - estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou

mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais;

IV - cobrar imposto sobre:

a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas

fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de

educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos

fixados na Seção II deste Capítulo314.

A Lei Complementar número 104 de 10 de janeiro de 2001, traz a

inovação relativa à alínea ―c‖, especialmente para que fosse observado a Seção do CTN,

especialmente o art. 14 que assim se manifesta:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado

à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a

qualquer título;

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus

objetivos institucionais;

312

No julgamento da ADI 3105/DF, a Ministra Ellen Gracie Northfleet, do Supremo Tribunal Federal, teria

abordado a questão da imunidade tributária como regra não absoluta. 313

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op.cit., p. 266-267. 314

BRASIL, Código Tributário Nacional. Lei 5.172/1966 de 25 de outubro de 1966. Institui o Código

Tributário Nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >.

Page 154: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

153

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de

formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a

autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são

exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das

entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos

constitutivos315.

A preservação dos valores sociais, como observamos, encontram-se

dispostos não apenas na Constituição Federal de 1988, mas também no próprio CTN. As

inovações trazidas pela Lei Complementar 104 de janeiro de 2001 integram, na verdade,

o rol de requisitos necessários à qualificação do imune. Paulo de Barros Carvalho316

, por

sua vez, defende que as regras constitucionais possuem eficácia contida, ficando,

portanto, a depender de regra regulamentora. Contudo, para o caso das imunidades,

prossegue o autor, a própria Lei 5.172/1966 cuida de preencher os requisitos necessários

à regulamentação do dispositivo constitucional. Assim, a aparente discussão não encontra

respaldo plausível.

Ao realizarmos um estudo a respeito das entidades de benemerência,

aspecto que não parece transparecer muita relevância é a classificação do que vem a ser

uma entidade de assistência social ou de educação. Como questionado por Eduardo

Sazazi317

, a norma inscrita no CTN e na própria Constituição Federal apenas traz, de

forma explícita, os requisitos necessários àqueles que venham, então, a se candidatar à

imunidade desejada. Contudo, a norma tributária não cuida de classificar de forma

objetiva quem compõem efetivamente o rol das entidades assistenciais. Na verdade, a lei

cuida de nomear os requisitos, não os beneficiários.

Leopoldo Braga traz importantes considerações a respeito desta

complexa definição, e assim se posiciona:

O legislador constituinte brasileiro teve em mira imunizar as entidades

de fim público, desinteressadas e altruísticas, inspiradas e criadas pelo desígnio

de colaborar com o Estado, suprindo-lhes as diferenças e secundando-lhes a

315

BRASIL. Lei Complementar 104 de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos do CTN. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp104.htm >. Acessado em 29.11.2007. 316

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva,

2004. p. 188. 317

SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.

p. 46.

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154

ação paternalista na obra de educação e de assistência social. Preferiu o uso da

palavra ―instituições‖ ao da palavra fundações, não só porque — enquanto raras

— fundações há de interesse puramente privado, como ainda porque também

existem associações ou corporações de tipo institucional, isto é, instituídas ou

fundadas visando ao interesse geral da coletividade e, pois, com fins públicos,

humanitários, beneficentes, ou filantrópicos, e não ao interesse comum dos seus

próprios membros associados318

.

A interpretação que se deve dar à imunidade tributária deve ter em

conta a questão da interpretação literal, na forma do artigo 111 do CTN. Desta forma,

para a aplicação da regra imunizante, deve-se atentar — além dos requisitos contidos no

artigo 14 do CTN — para o destino da receita, cuja motivação é invocada à concessão da

benesse tributária.

A imunidade tributária é, também, uma espécie de renúncia fiscal, na

medida em que o Estado, incapaz de prover todas as necessidades e demandas sociais,

atribui, ou pelo menos permite, que a iniciativa privada venha a encampar atividade que,

essencialmente, deveria ser desenvolvida pelos órgãos de planejamento e execução de

projetos sociais.

O Estado, dada a sua incapacidade, prefere a renúncia fiscal ao caos

social, decorrente de sua inabilidade para gerir de forma isonômica e eficaz as demandas

sociais submetidas ao seu conhecimento. O custo social é dividido, também, com o

Estado, embora a execução, muitas das vezes, fique a cargo da iniciativa privada.

5.10 – Fundos das entidades assistenciais:

Problema da mais alta relevância às entidades assistenciais tem sido a

questão dos fundos de financiamento destas entidades, bem como a sustentabilidade

destas. Toda atividade desempenhada, seja ela pública ou privada, necessita de fundos à

318

BRAGA, Leopoldo apud SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo.

Editora Peirópolis, 2006. p. 46.

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155

manutenção e incremento do serviço. As entidades assistenciais, muitas vezes, possuem

fonte de recursos única, ou pior, sobrevivem apenas da boa vontade de doares regulares,

que acabam por sustentar e participar da atividade social desenvolvida.

O grande desafio que parece surgir deste modelo é a questão da

sobrevivência e manutenção de entidades assistenciais que convivem com uma demanda

absolutamente crescente, enquanto que os recursos, quando existentes, não são

suficientes para dar conta dos anseios da população mais necessitada.

Daniel Yoffe319

, em artigo publicado em forma de livro pela Editora

SENAC de São Paulo, traz alguns modelos que podem, eficazmente, trazer recursos ao

desempenho destas atividades assistenciais. Entre estes, o autor elenca: as fontes

internacionais, pública local, fonte privada, e, por fim, a venda de produtos ou serviços.

A fonte internacional ou a ajuda que é proveniente de entidades

internacionais representa grande apoio às entidades assistenciais que, muitas vezes, não

possuem certidão ou inscrição que comprove o caráter assistencial, ou ainda, àquelas cuja

carência de recursos e apoio financeiro é bastante escasso.

Com relação à fonte pública local, sabe-se que a atividade social muitas

vezes não é bem realizada pelo Estado. Na verdade, este tem deixado ou permitido que,

importantes obras sociais fiquem a cargo de entidades assistenciais. Assim, em muitas

ocasiões, é preferível que o Estado invista ou financie estas atividades, pois desta forma,

se estará privilegiando uma gestão mais eficaz.

A fonte privada, muitas vezes, é aquela que pode, também, ser

identificada como a própria atividade da entidade assistencial, a qual acaba levantando

recursos através de financiadores ou mesmo doadores, que integram a grande massa de

apoiadores do Terceiros Setor. Por outro lado, como identificam Aristeu de Oliveira e

Valdo Romão320

, muitos destes recursos podem ser oriundos das próprias empresas que

constituíram as entidades assistenciais, ou ainda, parcerias que têm se revelado bastante

útil à captação de recursos.

319

YOFFE, Daniel. Captação de recursos no campo social. In: VOLTOLINI, Ricardo (Organizador).

Terceiro Setor: planejamento & gestão. 2ª edição. São Paulo: Editora Senac, 2004. p. 213. 320

OLIVEIRA, Aristeu; ROMÃO, Valdo. Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas:

trabalhista, previdenciária, contábil e fiscal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 37.

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156

Como examina José Eduardo Sabo Paes321

, com o amadurecimento do

Terceiro Setor no Brasil, a atividade de captação tem se desenvolvido a tal ponto de se

criarem profissionais especializados nesta área. Além disso, a atividade de captação já

tem contado com outras iniciativas, como, por exemplo, a ABCR que é a Associação

Brasileira dos Captadores de Recursos. A respeito deste estudo José Eduardo Sabo Paes

teria concluído:

Uma das iniciativas para o desenvolvimento da atividade de captação

de recurso foi a criação da Associação Brasileira dos Captadores de Recursos —

ABCR, que tem como missão promover, desenvolver e regulamentar a atividade

de captação de recursos, segundo o seu Código de Ética. Entre suas principais

metas destacam-se a de trabalhar para assegurar a credibilidade e

representatividade da profissão e a de apoiar organizações sociais na tarefa de

construir uma sociedade mais justa322

.

Por sua vez, o Estado também fomenta de forma indireta a captação de

recursos, especialmente por conceder, através de leis, incentivos fiscais àqueles que doam

parte de seus recursos às atividades assistenciais.

O artigo 26 da Lei 8.313/1991, por exemplo, traz os percentuais de

doações e patrocínios dedutíveis do imposto de renda, por exemplo. Vejamos:

Art. 26. O doador ou patrocinador poderá deduzir do imposto devido na

declaração do Imposto sobre a Renda os valores efetivamente contribuídos em

favor de projetos culturais aprovados de acordo com os dispositivos desta lei,

tendo como base os seguintes percentuais:

I – no caso das pessoas físicas, oitenta por cento das doações e sessenta por

cento dos patrocínios;

II – no caso das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, quarenta por

cento das doações e trinta por cento dos patrocínios.

§ 1º A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá abater as doações

e patrocínios como despesa operacional.

§ 2º O valor máximo das deduções de que trata o caput deste artigo será fixado

anualmente pelo Presidente da República, com base em um percentual da renda

tributável das pessoas físicas e do imposto devido por pessoas jurídicas

tributadas com base no lucro real323.

321

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 467-468. 322

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 468. 323

BRASIL. Lei 8.313/1991, de 24 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de

julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/QUADRO/1991.htm>. Acessado em

28.11.2007.

Page 158: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

157

As doações constituem-se em importante mecanismo de captação de

recursos às entidades de Terceiro Setor, contudo, como menciona José Eduardo Sabo

Paes324

, as doações encontram, também, algumas limitações. O autor destaca que

nenhuma aplicação de recursos poderá ser feita com intermediação. Lembra ainda que a

doação, bem como o patrocínio, não poderão ser efetuados se a pessoa ou instituição for

vinculada ao agente, como, por exemplo: i) se a pessoa jurídica da qual o doador ou

patrocinador seja titular, administrador, gerente, sócio, ou acionista, lembrando que

deverá ser considerado um prazo de 12 (doze) meses para a data da doação ou anteriores;

ii) o cônjuge ou os parentes até 3º grau, considerando-se, ainda, os afins, bem como

aqueles que guardem algum grau de parentesco com o doador ou patrocinador; por fim,

iii) qualquer outra pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador venha integrar o seu

quadro societário.

Como se observa, as vedações visam a evitar a ocorrência de fraudes ou

mesmo negócios simulados, dos quais os doadores e patrocinadores venham a obter

vantagens fiscais em detrimento do próprio ato de doação que, sequer chegaria a se

oficializar com a entrega de recursos ou mesmo a aplicação destes.

De qualquer forma, independentemente de onde se identifique a origem

dos recursos, sabe-se que todo e qualquer empreendimento assistencial não funciona bem

apenas com recursos financeiros. Tanto para as entidades assistenciais, como àquelas que

integram o Terceiro Setor. Necessária se faz a existência de mão-de-obra qualificada,

técnicos, especialistas, e, enfim, toda uma gama de profissionais capacitados a gerir os

recursos destinados a estas entidades.

Embora se saiba que o voluntariado faça parte integrante do corpo de

profissionais que integram as entidades de Terceiro Setor, a exigência de profissionais

especializados é também imprescindível, ante a necessidade de se maximizar os

resultados dos recursos destinados.

324

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 470.

Page 159: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

158

5.11 – LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social e a base principiológica:

O poder constituinte originário, ao editar a Constituição Federal de

1988, teria trazido, em sua essência normativa, princípios voltados à proteção e

preservação de valores sociais, não apenas àqueles que dizem respeito a própria

dignidade humana, mas, também, como menciona Aliomar Baleeiro325

, valores

destinados à cimentação do regime moral consolidando direitos à personalidade,

liberdade e à própria solidariedade humana, tão escassa nos dias de hoje.

Já a Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS —, esta se compõe de

bases protetivas e de valores sociais, onde a responsabilidade pela preservação de

determinados grupos é dividida entre o Estado, a iniciativa privada e a própria sociedade.

O artigo 2º da Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993 traça os objetivos sociais tais como a

proteção às crianças e adolescentes carentes, a proteção à família, à maternidade, à

infância, à adolescência, à velhice, bem como a integração ao mercado de trabalho. O

referido dispositivo assim se posiciona a respeito:

Art. 2.º A assistência social tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a

promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora

de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família326.

A lei prevê ainda a atuação em conjunto e integrada das organizações

de assistência social, de forma a se atingir a melhor sintonia entre as políticas setoriais,

especialmente as ações sociais encampadas pelo Estado. Como se tem observado ao

longo dos estudos empreendidos a respeito do tema, sabe-se que o custo social não

325

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª edição. Rio de Janeiro:

Editora Forense. 1998. pp. 307 e 308. 326

BRASIL. Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá

outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acessado

em 29.11.2007.

Page 160: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

159

poderia ser simplesmente arcado pela iniciativa privada ou o Terceiro Setor de forma

individualizada.

Como forma de fomentar o crescimento das atividades assistências, o

incentivo tributário, as parcerias e os subsídios governamentais dividem a repercussão do

custo financeiro à manutenção do atendimento das causas sociais, especialmente àquelas

voltadas aos mais desfavorecidos. Importante ressaltar que, a assistência social não

engloba apenas aqueles que carecem de recursos financeiros à sua própria subsistência.

Em verdade, a assistência social é setorizada a partir de diversos nichos sociais, como por

exemplo a assistência ao desenvolvimento das habilidades profissionais, ou ainda, a

qualificação profissional; de saúde; de esporte; educacionais, ou como mais nos interessa,

a assistência social voltada aos menos favorecidos ou os hipossuficientes de recursos.

A LOAS traz em seu corpo não apenas as diretrizes sob as quais

pretende guiar o funcionamento da assistência social no Brasil, mas lança uma série de

princípios sob os quais norteará o trabalho de assistência social. O artigo 4º do referido

diploma traz como referências principiológicas: a supremacia do atendimento às

necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; universalização dos

direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais

políticas públicas; respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a

benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária,

vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; igualdade de direitos no

acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se

equivalência às populações urbanas e rurais; divulgação ampla dos benefícios, serviços,

programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público

e dos critérios para sua concessão.

Embora se constate certa margem discricionária com relação ao uso e

oferta de recursos públicos, parece, realmente, que a intenção do legislador era permitir

certo grau de discricionariedade na repartição destes recursos, na medida em que tal

decisão, quase sempre, carrega o conteúdo político no mérito decisório. Assim, o inciso

V do artigo 4º da Lei 8.472/1993 teria permitido que os critérios escolhidos ficassem a

cargo de decisões mais políticas, do que propriamente técnicas do ponto de vista objetivo.

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160

O artigo 6º e seguintes deste diploma trazem esta interpretação,

especialmente por atribuírem a análise de critérios ao um conselho especial denominado

Conselho Nacional de Assistência Social, o CNAS. O CNAS é na verdade o órgão

superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração

Pública Federal, responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência

Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois)

anos, permitida uma única recondução por igual período.

Ao Conselho Nacional de Assistência Social fica o encargo de decidir a

respeito da emissão de certificados que comprovem a condição de entidade beneficente

de assistência social, na forma do artigo 18, inciso IV da Lei 8.742/1993. Com as

alterações realizadas pela Medida Provisória 2.187-13 de 24 de agosto de 2001, o

Conselho Nacional de Assistencial Social passaria a dispor de mais esta incumbência.

A Lei que regula as entidades assistenciais, como se observa, não é

exaustiva em relação aos diversos temas que envolvem o funcionamento e gestão das

entidades beneficentes de assistência social, tanto que, necessária se faz a edição de

normas, regulamentos e portarias que tratam de assuntos relevantes às entidades tratadas.

Para o próximo tomo, analisaremos a certificação das entidades

beneficentes de assistência social, lembrando que, muitas vezes, para que estas entidades

gozem do benefício das isenções ou da imunidade, faz-se necessária a detenção de

certificação concedida pelo CNAS.

5.12 – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social:

Da legislação pátria, temos que a LOAS não foi o primeiro regulamento

a prever a emissão de certificados destinados a comprovar a situação de entidade

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161

beneficente. Como menciona José Eduardo Sabo Paes327

, o conhecido Certificado de

Entidade Beneficente de Assistência Social era anteriormente conhecido como sendo o

Certificado de Entidade Filantrópica, o qual teria sido introduzido pela Lei 3.577 de 04 de

julho de 1959, tendo sido regulamentado pelo Decreto n.º 1.117 de 1º de junho de 1982,

com a finalidade de responder a uma demanda relativa ao processo de isenção de parte da

cota patronal das entidades assistências e beneficentes junto ao INSS.

Com base na Constituição Federal de 1988, temos que o disposto no §

7º do artigo 195 estabelece, em favor das entidades beneficentes e de assistência social o

benefício da imunidade tributária referente à seguridade social.

Contudo, a discussão que se pretende trabalhar nesta pesquisa não é

sobre seguridade ou previdência social. Em verdade, o estudo visa a analisar a proteção

que as entidades de benemerência gozam através da concessão da imunidade tributária,

bem como as conseqüências legais desta previsão constitucional.

Como se observa, tanto da Lei 8.742/1993 como próprio texto da

Constituição Federal, existe a preocupação humanista em relação à preservação da

filantropia e das entidades que concentram suas atividades junto ao interesse social.

Antes, porém, de prosseguirmos com nossos estudos, importante realizarmos algumas

considerações a respeito de filantropia, entidades sem fins lucrativos ou com finalidade

de lucro e entidades beneficentes. Para a conceituação, nos filiamos ao posicionamos de

José Eduardo Sabo Paes, que assim as classifica:

Entidades com fins lucrativos são aquelas que perseguem interesse

próprio ou que desempenham atividades circunscritas àqueles que as integram,

como sócios.

Entidades sem fins lucrativos ou entidades beneficentes são aquelas que buscam

interesse de outrem ou atuam em benefício de outrem que não a própria entidade

ou os que a integram.

Entidade filantrópica é aquela que atua em benefício de outrem com dispêndio

de seu patrimônio, sem contrapartida ou, em outras palavras, pelo atendimento

sem ônus direto do beneficiado328

.

Sacha Calmon Navarro Coêlho329

traz estudo semelhante a respeito

deste tema. Para o autor, entendem-se como entidades sem fins lucrativos aquelas que

327

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 495. 328

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 497.

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162

não se apropriam do resultado das operações que desenvolvem, devolvendo o excedente

para a própria entidade, através de investimentos. Estas entidades, ou seja, sem fins

lucrativos também ficam sob a proteção da imunidade tributária, na medida em que, do

contrário, somente as entidades de caráter caritativo ou filantropia poderiam gozar da

regra imunizante.

Neste ponto em particular concordamos com o autor especialmente no

que diz respeito às vedações contidas no CTN. Em verdade, o que a regra tributária veda

é o animus distribuendi e não o animus lucrandi. Assim, estas entidades podem e devem

cobrar pelos serviços que venham a prestar, pois o lucro não é proibido ou vedado. O que

não se admite é a distribuição deste aos sócios, colaboradores, mantenedores ou

associados, pois, desta forma, se estaria desnaturando a finalidade destas entidades

assistenciais.

A Lei 8.742/1993, que complementa a regra inscrita no artigo 203 da

CF de 1988, instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social, órgão responsável à

emissão de certificados às entidades de fins filantrópicos, bem como às entidades

assistenciais. Válido destacar, também, que a Lei 8.212/1991, em seu artigo 55, inciso I,

concede isenção tributária às entidades assistenciais que demonstrarem a utilidade

pública federal, estadual, municipal ou para o Distrito Federal. Neste ponto, com relação

à utilidade pública exigida pelo legislador, cabe uma ressalva. Talvez por questão de

ordem prática, o legislador tenha deixado certa margem de discricionariedade para

classificar o que entende como sendo de utilidade pública, na medida em que a lei não

exaure as hipóteses relativas ao que vem a ser utilidade pública. De qualquer forma, caso

a entidade beneficente não possua utilidade pública, não poderá fazer jus ao benefício da

isenção mencionado no artigo 55, I da Lei 8.212/1991.

Outra exigência à concessão do benefício é que a entidade de

beneficência possua Registro próprio e Certificado de Entidade Beneficente de

Assistência Social, que é conferido pelo CNAS330

, na forma do artigo 18, inciso IV da

Lei 8.742/1993 e deverá ser renovado a cada 3 (três) anos.

329

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 7ª

Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1998. p 363. 330

Com a edição da Medida Provisório 2.187-13 de 24 de agosto de 2001, na forma do § 3º, passou-se a

exigir a inscrição da entidade no Conselho Municipal de Assistência Social, ou no Conselho de Assistência

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163

Por fim, como última exigência, José Eduardo Sabo Paes331

esclarece

que para que se evite a mercantilização do empreendimento, propiciando assim, a

distribuição de lucros e dividendos para seus organizadores, existe o inciso IV no artigo

55 da Lei 8.212/1991, sendo, ainda, impedidos de obter vantagens ou benefícios de

qualquer natureza, os seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores a

que título for.

Para as entidades que buscassem o enquadramento no inciso III do

artigo 55 da Lei 8.212/1991, cuja redação teria sido dada pela Lei 9.732/1998, tal

possibilidade encontraria óbice em razão da ADI 2.028-5, requerida pela Confederação

Nacional de Saúde-Hospitais. O Ministro Relator teria concedido liminar para suspender

a eficácia da Lei questionada em julho de 1999. Submetida ao plenário do STF, o

Tribunal, por unanimidade, referendou a concessão da medida liminar para suspender, até

a decisão final da ação direta, a eficácia do art. 1º, na parte em que alterou a redação do

art. 55, inciso III, da Lei n.º 8.212, de 24/7/1991, e acrescentou-lhe os § § 3º, 4º e 5º, bem

como dos artigos 4º, 5º e 7º, da Lei n.º 9.732, de 11/12/1998.

De qualquer forma, à obtenção de registro junto ao CNAS o artigo 2º da

Resolução 31 de 24 de fevereiro de 1999 do CNAS estabelece que terá acesso ao referido

registro, a entidade sem fins lucrativos que promover, por exemplo, a proteção à família,

à infância, à maternidade, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes

carentes; ações de prevenção, habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária de

pessoas portadoras de deficiência; a integração ao mercado de trabalho; a assistência

educacional ou de saúde; o desenvolvimento da cultura; o atendimento e assessoramento

aos beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social e a defesa e garantia de seus

direitos.

José Eduardo Sabo Paes332

lembra ainda que, para o caso do Certificado

de Entidade Beneficente de Assistência Social a que se refere o inciso IV do artigo 18 da

Lei 8.742/1991, haverá a exigência de certos requisitos, estes estabelecidos pelo Decreto

2.536/1998, com as últimas alterações realizadas pelo Decreto 3.504/2000, sendo:

Social do Distrito Federal, como sendo condição essencial para o encaminhamento de pedido de registro e

de certificado de entidade beneficente de assistência social junto ao Conselho Nacional de Assistência

Social. 331

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 499-501. 332

PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 507.

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164

proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; amparar crianças

e adolescentes carentes; promover ações de prevenção, habilitação e reabilitação de

pessoas portadoras de deficiências; promover, gratuitamente, assistência educacional ou

de saúde; promover a integração ao mercado de trabalho.

E prossegue o autor dizendo que, cumulativamente, a entidade

beneficente terá que demonstrar, nos três anos anteriores ao pedido de registro, ter

cumprido com o disposto no artigo 3º do Decreto 2.536/1998 que exige: estar legalmente

constituída no País e em efetivo funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do

Certificado; estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do

município de sua sede se houver, ou no Conselho Estadual de Assistência Social, ou

Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; estar previamente registrada no

CNAS; aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente

no território nacional e manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos

institucionais; aplicar as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que estejam

vinculadas; aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da receita

bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações

financeira, de locação de bens, de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e

de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições

sociais usufruída; não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou

parcelas do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto; não perceberem seus

diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalente remuneração,

vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão

das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos

constitutivos; destinar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, o

eventual patrimônio remanescente à entidades congêneres registradas no CNAS ou à

entidade pública; não constituir patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter

beneficente de assistência social, e, por fim, seja declarada de utilidade pública federal.

A renovação dos certificados teria ficado a cargo do que determina a

Resolução 177 de 10 de agosto de 2000 do CNAS, cujos procedimentos, ressalte-se,

apenas sistematizam de forma mais adequada o disposto no Decreto 2.536/1998, que

regula a Concessão de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social.

Page 166: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO DE GARANTIA E ... · A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais

165

A vantagem de todo este procedimento é a utilização de benefícios

fiscais relativos ao recolhimento da cota patronal, lembrando que, para outros tributos,

como o IR, por exemplo, as entidades ficam a depender da regulação dada pelo CTN e o

próprio artigo 150, VI, ―c‖ da Constituição Federal e o Decreto 3.000 de 26/03/1999. A

este respeito, Eduardo Szazi333

lembra que em virtude da imunidade, os rendimentos

produzidos a partir de aplicações financeiras também deverão ser dispensados da

retenção do imposto de renda na fonte, podendo a instituição requerer a sua restituição,

caso a instituição financeira proceda a retenção. Por fim, o autor adverte que para

algumas, caso estas não estejam se dedicando a educação ou a assistência social

recreativas, culturais, científicas, e caso prestem serviços para os quais houveram sido

instituídas, o caso seria de isenção, que poderia ser concedida por lei federal, como é o

caso da Lei 9.532/1997, que, embora trate das isenções tributárias, teria revogado o

benefício concedido pelo artigo 30 da Lei 4.506/1964.

333

SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.

p. 53.

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166

Capítulo 6 - A imunidade tributária para os tribunais brasileiros:

6.1 – O posicionamento dos tribunais brasileiros a respeito do tema:

Como fonte de aplicação do direito, a jurisprudência tem-se revelado

importante base de apoio à dissolução de dúvidas sobre a aplicação e respeito de normas

editadas pelo Poder Legislativo. A imprecisão técnica, muitas vezes aliada à falta de

previsibilidade quanto aos efeitos legais, tem causado uma verdadeira avalanche de

recursos junto aos tribunais brasileiros, que, como se sabe, vivem com sua capacidade

além do limite.

De qualquer forma, a jurisprudência traduz-se, ainda, em um

mecanismo interpretativo de normas, que busca, às vezes, a integração, por outras, a

simples composição do próprio sentido da lei. Nos dizeres de Norberto Bobbio334

, a

interpretação constitui tarefa própria da jurisprudência, consistindo em remontar os

signos contidos nos textos legislativos, qual a vontade real do legislador.

O estudo que tencionamos neste capítulo é justamente este, ou seja,

conhecer a dimensão que os tribunais superiores costumam conferir ao tema imunidade

tributárias às entidades assistenciais, especialmente, àquelas que desempenham papel de

cunho caritativo ou assistencial em níveis básicos para o ser humano.

O tema imunidade tributária, independentemente de sua destinação,

sempre foi motivo de acirrados debates acerca de seu alcance, especialmente por se tratar

de benefício fiscal que reduz a arrecadação tributária. Alterar o direito do fisco, é,

efetivamente, matéria sensível aos tribunais.

Como defende Carlos Maximiliano335

, o direito de lançar impostos e

taxas é um direto soberano para o Estado, contudo, a amplitude deste direito sofre

334

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Editora Ícone.

Tradução de Márcio Pugliesi, 2006. p. 213. 335

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª edição. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2003.p. 269, 272.

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167

pequenas limitações, lembrando que, toda vez em que surge determinada dúvida a

respeito de como se interpretar esta ou aquela norma, o aplicador deverá, inicialmente,

atentar para o fim colimado pela norma e as conseqüências prováveis de uma dada

interpretação, levando-se em conta os princípios jurídicos que embasaram a construção

da lei.

Mesmo assim, para o caso da imunidade tributária, alguns arestos têm

revelado grande alcance do disposto no artigo 150, VI, ―c)‖ da CF. Para o caso deste

referido dispositivo, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem entendido que a

repercussão tributária, ainda que de forma indireta, especialmente sobre a renda e o

patrimônio, são vedadas pela imunidade, como no caso do imposto instituído pela Lei

Complementar número 77 de 13 de julho de 1993. No julgamento do Agravo Regimental

211.790, o STF teria demonstrado este posicionamento da seguinte forma:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPMF. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO.

IMUNIDADE DO ART. 150, VI, C, E § 4.º, DA CONSTITUIÇÃO. Tributo

que, ao incidir sobre movimentação ou transmissão de valores, créditos e

direitos de natureza financeira, desenganadamente onera recursos relacionados

com as finalidades essenciais dos entes da espécie. Instituição cujas atividades,

no caso, foram expressamente reconhecidas pelo acórdão recorrido como

exercidas sem fins lucrativos. Configuração da hipótese de imunidade tributária

prevista nos dispositivos sob enfoque. Agravo desprovido336.

Com relação a outros tributos, como é o caso do IPTU, o mesmo

entendimento tem sido aplicado em relação a imunidade prevista no artigo 150, VI, ―c)‖,

da Constituição Federal. No julgamento do Agravo Regimental interposto em face do

Recurso Extraordinário de número 357.824, a Segunda Turma, sob relatoria do Ministro

Eros Grau, teria ementado o seguinte posicionamento:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. IPTU. IMUNIDADE. AUTARQUIA. SÚMULA N. 724

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Imunidade tributária prevista no

artigo 150, VI, "c", da Constituição de 1988. A circunstância de o imóvel

encontrar-se locado não impede o alcance do benefício, vez que a renda auferida

336

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra acórdão proferido em

Agravo de Instrumento. Artigo 105, VI, ―c‖ da Constituição Federal de 1988. Tributo incidente sobre

movimentação ou transmissão de valores, créditos e direitos de natureza financeira. Agravante União

Federal e Agravado PFN – Marúcia Miranda Corrêa. Relator Ministro Nelson Jobim. 23 de outubro de

1998.

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168

está voltada às suas finalidades essenciais (Súmula n. 724 do STF). Agravo

regimental a que se nega provimento337.

Em verdade, o referido aresto diz respeito ao entendimento firmando

pela súmula 724 do STF, publicada no dia 09 de dezembro de 2003, cujo entendimento

seria: ―ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente

a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, ―c)‖, da Constituição, desde que o

valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades‖. O Superior

Tribunal de Justiça, por sua vez, também lança mão proteção conferida pela Constituição

Federal, especialmente quando analisa o uso de bens que venham a servir às entidades

assistenciais. No caso do RESP 782.305/ES, este entendimento parece ter prevalecido

ante a ação do fisco. O julgamento teve como base o artigo 14, § 2º do CTN em relação

ao artigo 9º, inciso IV, c)338

, também do Código Tributário Nacional.

Para as entidades sem fins lucrativos, ou seja, às instituições que

destinam o seu patrimônio e a sua renda para o benefício de outros — ou como define

José Eduardo Sabo Paes339

, para as Entidades sem fins lucrativos ou entidades

beneficentes, que são aquelas que buscam interesse de outrem ou atuam em benefício de

outrem que não a própria entidade ou os que a integram — o STF tem também estendido

o benefício da imunidade tributária para tais entidades com relação ao Imposto de Renda.

No julgamento do Agravo Regimental no RE 424.507, a Segunda Turma, sob relatoria do

Ministro Carlos Velloso, assim teria manifestado o seu entendimento:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE

TRIBUTÁRIA. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. IMPOSTO DE

RENDA. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que

337

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra decisão monocrática do

Ministro Eros Grau, negando seguimento ao recurso interposto pela Fazenda do Município de Belo

Horizonte. Agravo de Regimental. Artigo 105, VI, ―c‖ da Constituição Federal de 1988. Extensão da

imunidade tributária concedida aos imóveis da entidade. Agravante Município de Belo Horizonte Agravado

IPSM – Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais. Relator Ministro Eros Grau. 24

de maio de 2005. 338

A alínea c, do inciso IV do artigo 9º do CTN, teve redação dada pela Lei Complementar 104 de 10 de

janeiro de 2001, que alterou dispositivos do Código Tributário Nacional. 339

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica., 2003. p. 496.

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169

a imunidade tributária do art. 150, VI, c, da C.F., estende-se às entidades sem

fins lucrativos relativamente ao IR. II. - Agravo improvido340.

A proteção conferida pela imunidade tributária, poderá também ser

aplicada aos casos em que o imposto admite, v.g., a transferência do tributo. Por exemplo,

no caso do ICMS vinculado à mercadoria produzida por entidade beneficente. No

julgamento do RE 210.251 — também veiculado no informativo número 299 do STF—,

a Turma teria se manifestado pela desoneração da entidade recorrida, em razão da

proteção que se daria ao serviço prestado. Vejamos a ementa:

Prosseguindo no julgamento acima mencionado, o Tribunal, também

por maioria, rejeitou os embargos de divergência por reconhecer que a

imunidade tributária prevista pelo art. 150, VI, c da CF abrange o ICMS sobre

comercialização de bens produzidos por entidade beneficente. Considerou-se

que o objetivo da referida norma constitucional é assegurar que as rendas

oriundas das atividades que mantêm as entidades filantrópicas sejam

desoneradas exatamente para se viabilizar a aplicação e desenvolvimento dessas

atividades, e que a cobrança do referido imposto desfalcaria o patrimônio,

diminuiria a eficiência dos serviços e a integral aplicação das rendas de tais

entidades. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, Celso de Mello e

Moreira Alves, por entenderem que o ICMS não onera a renda auferida pela

entidade para a manutenção de seus objetivos institucionais, uma vez que

repercute economicamente no consumidor, que é quem arca com o tributo e

quem, em verdade, seria o beneficiário da imunidade341

.

Do julgamento em questão, o ponto nodal de todos os debates cinge-se

a possibilidade de se transferir a imunidade para as mercadorias eventualmente

comercializadas por uma entidade beneficente. O Ministro Gilmar Mendes, ao rejeitar os

embargos opostos pela Fazenda de São Paulo, teria invocado os ensinamentos de Aliomar

Baleeiro, sustentando a possibilidade da imunidade. Neste ponto, vale a transcrição do

voto do Ministro. Vejamos:

340

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra decisão monocrática do

Ministro Carlos Velloso, negando seguimento ao recurso interposto pela União. O mérito formal do recurso

voltava-se a mesma questão ventilada no RE 357.824, ou seja, a respeito do imposto de renda para

entidades beneficiadas pela imunidade tributária. Agravante União Federal Agravado SENAC. Relator

Ministro Carlos Velloso. 18 de junho de 2004. 341

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra acórdão turmário da 2ª

Turma, tendo como Relator o Ministro Carlos Velloso. O recurso em questão, versava a respeito da

cobrança de ICMS vinculada à mercadoria produzida e comercializada por entidade beneficente. Agravante

União Federal Agravado SENAC/RO. Relator Ministro Carlos Velloso. 28 de setembro de 2004.

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170

Sr. Presidente, estou em que os embargos não devem ser acolhidos.

Embora reconheça a seriedade da posição dos que defendem que se cuida de

ICMS, que, pela própria natureza, não incidiria diretamente sobre o patrimônio,

a renda ou serviços da entidade, entendo que essa distinção não se afigura

suficiente para afastar a aplicação da imunidade na espécie. A propósito,

continua atual, a meu ver, a lição de Baleeiro: ‗A imunidade, para alcançar os

efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do constituinte, pelo de

serem os fins das instituições beneficiadas, também atribuições, interesses e

deveres do Estado, deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos,

segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia

dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos

daquelas entidades presumidamente desinteressadas por sua própria natureza‖.

(Baleeiro, Aliomar. Limitações ao poder de tributar. 7ª ed. Ver. e compl. à luz da

Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional n.º 10/1996. Rio de Janeiro:

Forense, 1999. p. 313).

É claro, não se pode negar que se cuida de imposto que, pela repercussão

econômica e eventual, poderia não onerar o contribuinte de direito, mas, sim o

contribuinte de fato.

A despeito da possibilidade de se transferir ao comprador o pagamento efetivo

do imposto, o reconhecimento da imunidade tem relevância jurídico-econômica

para o vendedor, quanto não seja, como reconheceu o Ministro Sepúlveda

Pertence, para fins de concorrência, e por conseguinte, ampliar a eficiência dos

serviços prestados pela entidade beneficente.

Assim, antes de recomendar a adoção de uma interpretação que enfatize a

necessidade de uma redução teleológica do art. 150, VI, c da Constituição, a

própria teleologia da disposição parece recomendar uma interpretação

compreensiva do dispositivo, na linha enfatizada por Baleeiro e, mais

recentemente, pelo Ministro Oscar Corrêa, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso,

Sydney Sanches e Nelson Jobim.

Trago, aqui, a jurisprudência desta Corte, sobre a imunidade tributária de

entidades beneficentes, especificamente em relação ao Imposto sobre Circulação

de Mercadorias e Serviços — ICMS.

Em reiterados julgamentos, a 2ª Turma decidiu que ‗não há para invocar, para o

fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos

impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é

adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do

conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no

mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela

imunidade‘ (RE 203.755/ES, DJ 08.11.06; RE 193.969/SP DJ 06.12.96; RE

186.175, DJ 13.12.96; RE 141.670/SP, DJ 02.02.01 e AgRg no RE 237.497/SP,

DJ 18.10.02, Rel. Nelson Jobim).

Nesses termos, o meu voto é pela rejeição dos embargos342.

Observando o voto do Ministro Gilmar Mendes, temos que a proteção

garantida pelo disposto no artigo 150, VI, ―c)‖ da CF teria prevalecido, ante a

argumentação de que o ICMS não admitiria a transferência do encargo para o consumidor

e que tal operação não representaria prejuízo às entidades beneficentes.

342

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos opostos pela Fazenda de São Paulo. Cobrança de ICMS

decorrente da venda de mercadoria fabricada por entidade beneficente. Agravante Fazenda de São Paulo

Agravada Instituição Beneficente Lar de Maria Marcos Ferreira da Silva. Relatora Ministra Ellen Gracie.

28 de novembro de 2003.

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171

Importante ressaltar, igualmente, que o voto do Ministro confere a exata

dimensão do que ocorre com as entidades assistenciais, especialmente por serem estas as

responsáveis por atividades que interessam ao Estado. As entidades beneficentes, como

se observa dos julgamentos trazidos, gozam, sim, da aplicação da imunidade tributária

conferida pela Carta Política de 1988, e como tal, lhes são asseguradas pelo Supremo

Tribunal Federal a benesse fiscal, em detrimento da ação danosa e pouco humana do

fisco.

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172

Conclusão

A presente pesquisa, como se observa de seu prólogo, tenciona

relacionar os Direitos Humanos às imunidades tributárias previstas na Constituição e

demais legislações infraconstitucionais, atentando, especificamente, para a sua

classificação, modo de aplicação e sua recepção pelos tribunais superiores em relação às

entidades de cunho assistencial.

Direcionando a atenção para os objetivos principais deste trabalho, as

imunidades tributárias parecem revelar um caráter que vai muito além de uma mera

competência tributária, especialmente porque revela intrincada associação com os direitos

econômicos e sociais defendidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos

documentos subseqüentes — O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre

Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Protocolo de

San Salvador e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.

Além disso, a imunidade tributária, como demonstrado, serve de

garantia indireta aos direitos econômicos e sociais, direitos estes inseridos na categoria de

direitos humanos de segunda geração. O seu fundamento, como defende Ricardo Lobo

Torres343

, é a proteção da liberdade, calcada na necessidade de se prover o mínimo e o

suficiente para uma existência digna.

A luta pelos direitos humanos baseia-se em uma longa tradição

histórica, especialmente se levarmos em conta os grandes acontecimentos sociais.

Hodiernamente, não podemos negar que os direitos humanos são uma realidade jurídica,

dado que, em nossa sociedade, como defende Júlio Marino de Carvalho344

, existem as

condições necessárias ao desenvolvimento e proteção dos Direitos Humanos, no caso, a

organização da Sociedade sob a forma de um Estado, a existência de um quadro jurídico

343

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de

Janeiro: editora Renovar, 1995. p. 226. 344

VASAK, Karel. As dimensões internacionais dos direitos do homem. In: CAVALHO, Júlio Marino

de. Os direitos humanos no tempo e no espaço: visualizados através do direito internacional, direito

constitucional, direito penal e da história. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1998. p. 45.

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de direitos e garantias do homem, e, por fim, o exercício desses direitos por parte destes

titulares.

Como estudado, a história mundial revela que somente a partir de

eventos de notória violação, agressividade e violência é que se desenvolveu a necessidade

de protegermos certos aspectos da vida humana, como a dignidade, a liberdade e a

própria integridade do ser humano. A perversidade das guerras e movimentos sociais

ocorridos ao longo dos séculos revelaram que o ser humano possui grande capacidade

destrutiva, maior ainda se considerarmos o interesse econômico e religioso, que, muitas

vezes, têm sido os ingredientes motivadores de massacres, guerras e intolerância entre as

variadas nações.

Comparato destacou a compreensão da dignidade da pessoa humana e

seu papel em nossa sociedade, que somente conseguiu alguma importância ou relevância

a partir da violência, da dor e do sofrimento.

A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à

vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o

remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as

explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a

exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.

Além dessa chave de compreensão histórica dos direitos humanos, há outro fato

que não deixa chamar a atenção, quando se analisa a sucessão das diferentes

etapas de sua afirmação: é o sincronismo entre as grandes declarações de

direitos e as descobertas científicas ou invenções técnicas‖].345

Em um plano generalista, realmente, as guerras, insurgências sociais e

demais movimentos foram imprescindíveis à germinação da idéia relativa ao conceito de

direitos humanos. Tudo em uma perspectiva destinada a lançar as bases de uma proteção

mais efetiva e eficaz para as gentes. Mas de nada adianta a criação de uma perspectiva

jurídica sem a preservação de seu principal destinatário: o homem.

De fato, somente com a ruptura do totalitarismo, onde o ser humano era

considerado como supérfluo346

, é que se teria desenvolvido certo valor à dignidade e a

própria pessoa humana, fundamento este dos direitos humanos. As influências de Kant,

associadas a uma ética protecionista dos interesses humanos e sociais, a religiosidade,

345

COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 37. 346

LAFER, Celso. A Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah

Arendt. São Paulo: Editora Companhia das Letras. 1998. p.118.

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174

que tinha como base ideais semelhantes àqueles defendidos à época do Renascimento —

incentivadas pelo cristianismo — e a própria evolução científica ocorrida nos últimos

anos, fomentaram, cada vez mais, a vontade e o interesse das nações em prover as

comunidades sociais com direitos e garantias mínimas, que pudessem garantir a

integridade destes grupos.

Com a rendição incondicional do ―Terceiro Reich” e o fim da Segunda

Grande Guerra Mundial, em 1945, observou-se a ocorrência da internacionalização da

economia mundial, decorrente, principalmente, da redução de barreiras ao comércio

estrangeiro, propiciada por evidentes inovações tecnológicas. Diante de tais mutações,

exigiu-se das nações envolvidas em transações comerciais, mudanças efetivas na atuação

com o comércio internacional, em especial, com os direitos de estrangeiros. Tais

mudanças passariam a postular a existência, também, de um mínimo de garantias sociais

e econômicas, na medida em que seria necessária a proteção do bem-estar social e o

equilíbrio econômico, e a manutenção de condições mínimas.

A globalização, fenômeno mundial do qual o Estado não podia se

apartar, trouxe consigo uma nova estruturação no campo econômico e social. Neste

contexto, tornava-se relevante o papel cada vez mais imprescindível das políticas

industrial, de comércio exterior e, também, de defesa da concorrência, articulando-se, na

agenda da globalização da economia aspectos tributários e econômicos, que, como se

sabe, revelam importante etapa a ser vencida no processo de integração tributária. Aliada

a estas necessidades, os direitos humanos, então surgentes a partir de importantes eventos

históricos, se reafirmavam, cada vez mais, diante da ameaça ocasionada pelo holocausto

judeu e seus desdobramentos nocivos à economia e segurança jurídica, destruídas pelo

―Terceiro Reich”.

Com o período posterior à Segunda Grande Guerra, ―surgiram

problemas como: o desemprego, fome, baixa produtividade industrial, ou seja, uma

infinidade de problemas de natureza interna, cuja solução não mais parecia se encontrar

dentro de uma órbita regional, ou mesmo doméstica‖347

. De fato, neste período, notou-se

certa conscientização dos dirigentes de Estado, de que o equacionamento dos problemas e

reflexos reverberados com o pós-guerra seriam alcançados a partir de uma solução

347

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 83.

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conjunta e internacional. Lançava-se, então, a motivação para o estreitamento das

relações internacionais e comerciais existentes. Propagava-se a semente da integração

econômica, que viria, necessariamente, associada ao interesse de proclamar a proteção e a

defesa da pessoa humana.

Já no final dos anos 60, como lembra Boaventura Sousa Santos348

, teria

ocorrido a crise do Estado-providência, onde ao Estado eram incumbidas todas as

políticas sociais. Ao menos na América do Norte, este modelo Estado-providência

assentava suas bases na crise do regime de acumulação consolidado com o pós-guerra, o

citado ―regime fordista‖, como é hoje conhecido. Esta crise do fordismo ou do

capitalismo349

organizado teve conseqüências em uma dimensão político-cultural e,

segundo o autor, esta crise reverberaria reflexos contrários a cidadania, a subjetividade

pessoal e solidária. O compromisso social-democrático teria sucumbido à incessante

obsessão das populações pelo consumo e a produção, além do que, a redução da

participação popular nos processos políticos da época teria reduzido, quase que à

irrelevância, a interferência do povo nas decisões políticas.

As políticas sociais teriam sido reduzidas e relegadas a segundo plano,

deixando as classes menos favorecidas a sorte de programas pouco eficazes à solução e o

equacionamento das crescentes demandas sociais. Tal fenômeno, evidentemente, seria

contrária à própria formação e fundamentação dos direitos humanos e aos direitos

fundamentais, na medida em que ambos teriam como principal objeto a defesa e a

extensão da cidadania e da dignidade humanas.

De fato, ciente das demandas sociais manifestadas a partir de diversos

movimentos sociais, ao Estado competiria a assunção das políticas sociais, com vistas à

diminuir as pulsões sociais que eram cada vez maiores. Mesmo assim a experiência teria

demonstrado que estas políticas não atingiram a gigantesca massa de demandantes. Como

conseqüência deste desarranjo organizacional, muitos dos recursos destinados a

atividades sociais acabavam se perdendo nos longos caminhos burocráticos, ou pior,

348

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 5ª

edição. São Paulo: Editora Cortez, 1999. p. 247-249. 349

Em artigo publicado pela Revista de Informação Legislativa de número 35 de outubro a dezembro de

1998, página 06, Josaphat Marinho já advertia para a crise do capitalismo, que trazia consigo a fome, a

miséria e o desemprego, mesmo para os países desenvolvidos, onde a massa de subalimentados era

crescente. In: MARINHO, Josaphat. Revista de Informação Legislativa. Editora Senado Federal,

Subsecretaria de Edições Técnicas. Número 140, ano 35. Outubro/dezembro de 1998. p. 06.

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176

quando chegavam, tinham destinação pouco condizente com as expectativas dos

programas sociais desenvolvidos.

Como visto, dada a ineficiência estatal, a solução mais adequada seria a

transferência das responsabilidades estatais para as organizações de cunho social, ou seja,

as entidades assistenciais, cujo objetivo maior é a redução das desigualdades existentes.

Mesmo neste sentido, temos que o Estado sequer dispõe de condições para dar o mínimo

à promoção dos direitos humanos, especialmente os econômicos e sociais.

Para o problema levantado na presente pesquisa, é de se concluir que a

imunidade tributária não serve apenas como mera competência tributária. Sua aplicação e

sua carga social imprimem neste instituto características que transcendem a órbita

tributária e econômica, embora a imunidade tributária possa, efetivamente, trazer junto de

sua aplicação, verdadeiro ônus para quem dela se beneficia, principalmente porque a

carga de responsabilidade decorrente da assunção de trabalhos sociais não é das mais

simples.

É de se reconhecer, entretanto, que implementações de políticas

econômicas e sociais graduam diferentes necessidades assistenciais. Para a imunidade

tributária, apenas para termos a dimensão a respeito de sua importância às entidades

assistenciais, sabe-se que este instituto não apenas incentiva a atividade assistencial

caritativa, mas também protege e permite a criação de condições, ainda que mínimas, de

oportunidades para aqueles que são dependentes destes serviços de socorro social.

Neste plano, a igreja, oficialmente a instituição que teria iniciado

muitos dos trabalhos sociais, perderia espaço para os diversos modelos jurídicos, sob os

quais as entidades de benemerência passaram a assumir. De qualquer forma, tal

ocorrência não representa uma perda ou prejuízo, especialmente, porque a demanda,

proporcionalmente, teria aumentado em muito, pelas causas examinadas ao longo do

trabalho, como, verbi gratia, o fracasso dos planos econômicos, a dificuldade do Estado

em lidar com a massa de necessitados, a insuficiência dos projetos sociais entre outros.

Como observamos, deste estudo, o Estado, como o conhecemos, passa

por uma necessária reformulação de suas atividades, especialmente porque busca alterar a

relação mantida com os cidadãos, justamente para que o mínimo de dignidade seja, então,

permitido. Neste sentido, as mudanças de infra-estrutura, serviços e atendimento

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acabaram por ser redefinidos ante a nova ordem social criada. As demandas, como dito,

eram realmente crescentes, desta forma, exigia-se do Estado melhor coordenação e

eficiência. O Terceiro Setor, que é essencialmente um setor de serviços, encontrava um

nicho para o desenvolvimento de suas atividades.

O judiciário, através de sua jurisprudência, como constatamos, traz em

seu posicionamento inegável carga de humanidade quando da aplicação destes conceitos,

embora a questão legislativa das imunidades tributárias mereça um direcionamento mais

agressivo aos incentivos destinados à captação de recursos. No Brasil, apesar da timidez

com que os incentivos são tratados em relação às entidades assistenciais, acredita-se que

os primeiros passos tenham sido dados. Com a edição da Emenda Constitucional de

número 53, de 19 de dezembro de 2006, introduziu-se, a partir do parágrafo único do

artigo 23 da Constituição Federal, o sistema federativo cooperativo, onde a busca do

bem-estar nacional é de responsabilidade de todos. Com isto, o bem-estar social, e, por

óbvio as entidades assistenciais buscam, certamente, a proteção constitucional que ganha

mais força.

A interpretação que se faz perante os tribunais, como se depreende de

algumas decisões analisadas, vincula um posicionamento sistemático — permeado por

certo um pragmatismo ideológico — voltado a atender, de certo ponto, as reais

necessidades das entidades assistenciais, isso de um modo geral. Mesmo assim, a

concepção jurídica que se tem a respeito das imunidades leva em conta a própria lei.

Portanto, se não existe norma protegendo os interesses das entidades assistenciais, ao

judiciário não é dado resguardar tais entidades, dada a ausência normativa. De qualquer

forma, no caso brasileiro, não é o que ocorre.

Embora de forma tímida e um tanto quanto burocrática350

, as entidades

assistenciais contam com a proteção do Estado, atraindo para si uma enorme

responsabilidade institucional e social, mesmo sabendo que o Estado divide tais

responsabilidades, embora em um nível mais amplo.

A imunidade tributária assume, como vimos, instrumento de

materialização dos direitos humanos, especialmente porque suas ramificações assentam-

350

Dizemos burocrática, em razão dos inúmeros percalços administrativos que são exigidos à certificação

oficial das entidades assistenciais. Nesta pesquisa, fizemos uma abordagem relativa a alguns procedimentos

junto ao capítulo 5.

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se nos mais diversos níveis econômicos e sociais, possuindo conotações que vão muito

além de uma simples benesse tributária, ou limitação constitucional ao direito de o Estado

tributar. A repercussão das imunidades tributárias para as entidades assistenciais, é,

portanto, um meio e um fim em nosso sistema tributário nacional, lembrando que estas

podem ser consideradas, ainda, um investimento indireto no setor.

Como debatido nas linhas anteriores, vivemos em um sistema tributário,

onde, o poder de tributar ou não, acaba possuindo um caráter híbrido e heterônomo. A

imunidade, quando de sua concessão visa também um investimento do Estado em seus

planos sociais, embora a gestão, direcionamento e conclusão fique a cargo de algumas

entidades assistenciais. Neste quesito, a imunidade tributária, é, portanto, meio de

consecução de projetos sociais e sistematiza um ciclo de investimentos, sendo, portanto,

meio.

Como finalidade, a imunidade tributária, por sua vez, confere a justa

proteção e limitação constitucional ao poder de tributar do Estado, impedindo, em certos

níveis, a invasão do Estado. De outra banda, como projeto do Estado brasileiro, a

positivação dos direitos sociais confere a faculdade de exigir e mesmo postular junto ao

Estado, o cumprimento dos objetivos e fundamentos constitucionais, voltados ao

atendimento do interesse social. As imunidades, como tal, podem e devem ser exigidas

diante da regra positiva.

As imunidades tributárias, como um todo, não apenas figuram para o

Estado um não fazer — cobrar tributos, por exemplo —, mas também, direcionar? o fazer

estatal, rumo ao atendimento das necessidades mais básicas de seus cidadãos, o que

implica em dizer, proteger as entidades assistenciais que desenvolvem programas

voltados ao atendimento das populações mais necessitadas.

Destas conclusões, note-se, que a aplicação de tal instituto traz junto da

regra imunizante caráter humanizador para as relações econômicas mantidas entre o

Estado e os cidadãos, de forma a não apenas direcionar o sucesso dos planos econômicos

às estatísticas matemáticas. Afinal, o que se busca é o bem-estar social, a promoção da

igualdade, da liberdade e do espírito de solidariedade, que, atualmente, encontra-se

tolhido diante das limitações materiais do próprio Estado e das entidades assistenciais que

se dedicam a um trabalho altruístico como este, ou seja, de auxiliar aquele que não tem as

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condições mínimas e necessárias a um desenvolvimento justo, regular e principalmente

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