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1 A Imunidade Tributária das Instituições de Educação, a aplicação integral, no País, de seus recursos na manutenção de suas finalidades essenciais. ___________________________________________________________________________________ Capítulo de livro publicado: HABLE, J. Imunidade Tributária das Instituições de Educação, a Aplicação Integral, no País, de Seus Recursos na Manutenção de Suas Finalidades Essenciais. In: José Eduardo Sabo Paes (Org.). Terceiro Setor e Tributação 2. 1ed. Brasília: Editora Fortium, v. 2, pp. 76 a 103, 2008. __________________________________________________________________________________ RESUMO: Este trabalho examina o instituto da imunidade tributária das instituições de educação, disposta no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal. O estudo analisa, em especial, o atendimento ao requisito disposto no inciso II do artigo 14 do Código Tributário Nacional, que trata da aplicação integral, no país, dos recursos da entidade na manutenção de suas finalidades essenciais. Cuida-se inicialmente do conceito de imunidade e suas especificidades, discorrendo depois sobre as expressões: entidades sem fins lucrativos, finalidades essenciais da entidade e o atendimento aos requisitos descritos em lei. Por fim, trata do local da aplicação dos recursos e o reconhecimento da imunidade tributária. Tendo em vista as várias correntes de interpretações existentes, procura-se responder aos vários questionamentos que surgem quando se está diante do tema, como (a) se há a suspensão da imunidade da instituição de educação que emprega os seus recursos em uma atividade considerada não essencial às suas finalidades; (b) se pode a instituição de educação empregar seus recursos em aplicações financeiras, sem ser suspensa a imunidade tributária; (c) se a imunidade tributária é suspensa se vier a empregar suas sobras de recursos em aplicações financeiras no exterior; e, ainda, (d) se é suficiente para se manter a imunidade da instituição de educação que os resultados das atividades secundárias sejam revertidos às suas finalidades essenciais, entre outros. SUMÁRIO 1. Introdução. 2. A Imunidade Tributária. 3. As Instituições de Educação. 4. As Entidades sem fins lucrativos. 5. As Finalidades Essenciais da Entidade. 6. O atendimento aos requisitos descritos em lei. 7. A aplicação dos recursos na manutenção dos objetivos. 8. O local da aplicação dos recursos. 9. O reconhecimento da imunidade. Conclusão. Referências. 1. Introdução Na medida em que os indivíduos, agrupados, organizaram- se espontaneamente ou submeteram-se a uma vida em comum, surgiu um poder superior, o Estado, com o objetivo de assegurar a segurança

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE … · faculdade, e não obrigação, haurida da CF/88, às pessoas de direito ... ser privativa (CF/88, arts. 153, 155 e 156), comum

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A Imunidade Tributária das Instituições de

Educação, a aplicação integral, no País, de seus

recursos na manutenção de suas finalidades

essenciais.

___________________________________________________________________________________

Capítulo de livro publicado: HABLE, J. Imunidade Tributária das Instituições de Educação, a

Aplicação Integral, no País, de Seus Recursos na Manutenção de Suas Finalidades Essenciais. In: José

Eduardo Sabo Paes (Org.). Terceiro Setor e Tributação 2. 1ed. Brasília: Editora Fortium, v. 2, pp. 76 a

103, 2008.

__________________________________________________________________________________

RESUMO: Este trabalho examina o instituto da imunidade tributária das

instituições de educação, disposta no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal. O estudo analisa, em especial, o atendimento ao requisito disposto no inciso II do artigo 14 do Código Tributário Nacional, que trata da aplicação integral, no país, dos recursos da entidade na manutenção de suas finalidades essenciais. Cuida-se inicialmente do conceito de imunidade e suas especificidades, discorrendo depois sobre as expressões: entidades sem fins lucrativos, finalidades essenciais da entidade e o atendimento aos requisitos descritos em lei. Por fim, trata do local da aplicação dos recursos e o reconhecimento da imunidade tributária. Tendo em vista as várias correntes de interpretações existentes, procura-se responder aos vários questionamentos que surgem quando se está diante do tema, como (a) se há a suspensão da imunidade da instituição de educação que emprega os seus recursos em uma atividade considerada não essencial às suas finalidades; (b) se pode a instituição de educação empregar seus recursos em aplicações financeiras, sem ser suspensa a imunidade tributária; (c) se a imunidade tributária é suspensa se vier a empregar suas sobras de recursos em aplicações financeiras no exterior; e, ainda, (d) se é suficiente para se manter a imunidade da instituição de educação que os resultados das atividades secundárias sejam revertidos às suas finalidades essenciais, entre outros.

SUMÁRIO 1. Introdução. 2. A Imunidade Tributária. 3. As Instituições de

Educação. 4. As Entidades sem fins lucrativos. 5. As Finalidades Essenciais da Entidade. 6. O atendimento aos requisitos descritos em lei. 7. A aplicação dos recursos na manutenção dos objetivos. 8. O local da aplicação dos recursos. 9. O reconhecimento da imunidade. Conclusão. Referências.

1. Introdução

Na medida em que os indivíduos, agrupados, organizaram-

se espontaneamente ou submeteram-se a uma vida em comum, surgiu

um poder superior, o Estado, com o objetivo de assegurar a segurança

2

individual e coletiva dos membros do grupamento e de garantir

obediência às regras mínimas de convivência.

O Estado, na promoção do bem comum, exerce funções a

serem custeadas com recursos financeiros de diversas origens, entre as

quais, destaca-se a advinda da imposição tributária.

O tributo, como condição da própria existência da sociedade

pacificamente organizada, é a principal fonte de recursos para o

financiamento dos serviços públicos do Brasil, como garantia e proteção

ao próprio direito individual.

Quando se trata de tributação, surgem reações negativas

ante o Estado como instituição arrecadadora de impostos, porquanto,

quem paga nunca está satisfeito com a obrigação de contribuir; mas

também o Estado nunca está realizado com o que recebe, porque

gostaria de aumentar a sua receita; e, por fim, quem espera receber os

benefícios de uma política tributária, considera-se lesado diante da má-

qualidade dos serviços prestados à população.1

O Estado, por sua vez, mesmo com toda arrecadação

tributária à sua disposição, tem dificuldades para desempenhar sozinho

as funções discriminadas na Constituição Federal como necessárias ao

bem comum. No intuito, então, de suprir ou complementar essas

atividades essenciais, vem a Lei Maior, e institui um instrumento, a

imunidade tributária, que, entre outras funções, tem o poder de atrair

pessoas a colaborarem com o Estado, na missão de melhor servir a

sociedade, como a promoção e o incentivo à educação, entre outros.

Este artigo trata do instituto da imunidade tributária,

relacionado ao patrimônio, renda e serviços das instituições de

educação, discriminado no art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal de

1988, com ênfase na aplicação integral, no País, de seus recursos na

manutenção de suas finalidades essenciais, nos termos do artigo 14,

inciso II, do Código Tributário Nacional.

1 AMED, Fernando José e NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos Tributos no

Brasil. São Paulo. Edições Sinafresp, 2000, p. 14/15.

3

No desenvolver do trabalho, tendo em vista as várias

correntes de interpretações existentes, desde as mais restritivas até as

mais flexíveis e amplas, procuramos responder aos vários

questionamentos que surgem quando se está diante do tema, tais como:

i) suspende-se a imunidade da instituição de educação que

emprega os seus recursos em uma atividade considerada não essencial

às suas finalidades?

ii) Pode a instituição de educação empregar seus recursos

em aplicações financeiras?

iii) considerando o inciso II do art. 14 do CTN, entidade de

educação tem sua imunidade tributária suspensa se vier a empregar

suas sobras de recursos em aplicações financeiras no exterior?

iv) a violação de um dos requisitos legais, relacionado a um

tipo de imposto, suspende a imunidade dos demais impostos?

(v) é suficiente para se manter a imunidade da instituição

de educação que os resultados das atividades secundárias sejam

revertidos às suas finalidades essenciais?

2. A Imunidade Tributária

O termo imunidade é derivado do latim immunitas, que se

referia às isenções de taxas oferecidas aos senadores romanos.

Immunitas significa liberação de munus, ou seja, dispensa de encargo,

de ônus, denotando, privilégio ou prerrogativa.2

Leciona Aldemário Araújo,3 que a “imunidade pode ser

flagrada em matéria relacionada com qualquer área ou ramo do direito.

Neste sentido, encontramos, entre outras, imunidades penais,

parlamentares e tributárias.” Neste ensaio, iremos tratar

especificamente sobre a imunidade tributária.

2 MORAES, Bernardo Ribeiro. A Imunidade e seus Novos Aspectos. Revista Trimestral de

Jurisprudência dos Estados, São Paulo, n. 164, maio/jun. 1998, p. 9. 3 CASTRO, Aldemario Araujo. Artigo. O condicionamento das imunidades tributárias presente na

cláusula constitucional das “finalidades essenciais”, p. 2. Disponível:

http://www.aldemario.adv.br/imunidadec.pdf. Acesso em: 17.07.2007.

4

A Constituição Federal de 1988 - CF/88 não cria tributos e

sim, define competências tributárias dos entes políticos da federação,

limitando o seu poder de tributar, ao estabelecer princípios e normas

gerais do Direito Tributário.

Competência tributária pode ser definida como uma

faculdade, e não obrigação, haurida da CF/88, às pessoas de direito

público com capacidade política para instituir, em abstrato, tributos. O

poder de tributar é atributo inerente ao Estado, que decorre do

princípio da federação da autonomia financeira. O ente tributante, nos

termos da Constituição, tem a faculdade de instituir o tributo por meio

de lei, regra geral, lei ordinária.

Esta competência, segundo classificação doutrinária, pode

ser privativa (CF/88, arts. 153, 155 e 156), comum (CF/88, art. 145, II e

III), cumulativa (CF/88, art. 147) e residual (CF/88, art. 154).

A imunidade, como limitação ao poder de tributar, é um

fenômeno de natureza constitucional,4 inexistindo assim disposição

legal que preveja a ocorrência do fato gerador do tributo.

Em realidade, onde há imunidade, não há se falar em

“favor” concedido ou renúncia fiscal, mas simplesmente uma

incompetência impositiva do ente tributante, que se justifica não só

pela falta de capacidade contributiva, mas também por valores e

objetivos a serem protegidos.

Sendo um fenômeno constitucional, todos os casos de

imunidade tributária estão expressos na Constituição Federal, sendo

assim uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.5 No que

se refere às instituições de educação, porém, é uma norma de eficácia

contida e aplicabilidade condicionada ao atendimento de requisitos

infraconstitucionais, porquanto exige-se uma efetiva comprovação do

atendimento das exigências contidas no art. 14 do CTN.6

4 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22 ed., São Paulo:

Malheiros, 2006. p. 682. 5 CARRAZZA, Roque Antônio. Obra citada, p. 687. 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. Rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

192.

5

E ainda, dizem respeito, a princípio, somente à espécie de

tributo denominada IMPOSTO, isto é, a um tributo não-vinculado a uma

atuação estatal. Nesse sentido, não há qualquer impedimento

constitucional para a Fazenda Pública exigir, por exemplo, taxas ou

contribuições de melhoria ou parafiscais, das entidades relacionadas

como imunes.

Dizemos a princípio porquanto há quem defenda7 haver um

alargamento da imunidade para outros tributos, permitindo, por

exemplo, que entidades beneficentes de assistência social que prestam

serviços educacionais também possam gozar da imunidade

constitucional das contribuições de seguridade social, nos termos do

art. 195, § 7º da Carta Maior.8

Importante ressaltar que independentemente do termo

utilizado no texto constitucional, como: “é vedado ...” (art. 150, VI); “são

isentas ...” (art. 184, § 5º e art. 195, § 7º); “não incidirá ...” (art. 153, §

3º, III e § 4º, II, art. 155, § 2º, X), “ entre outros, sempre que a própria

Constituição estiver exonerando ou impedido a imposição tributária,

trata-se de imunidade, uma vez que a incidência tributária é excluída

diretamente pelo texto constitucional.9

3. As Instituições de Educação

Proclama a CF/88, em seu art. 205:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício

7Nesse sentido, CARRAZZA, Roque Antônio. Obra citada, p. 692, e CARVALHO, P. B. Obra citada, p.

195, entre outros. 8 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1988. “Art. 195. (...) § 7º - São isentas de contribuição para a

seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas

em lei.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 jul. 2007. 9 Nesse sentido, RE 168.110-DF, rel. Min. Moreira Alves, 04/04/2000, ao trata do art. 184, § 5º da CF/88,

que dispõe; “§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência

de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.”

6

da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (Grifamos).

Por esse excerto legal, nota-se que a educação é um direto

de todos e um dever do Estado, exigindo-se assim uma constante

promoção e incentivo, com a colaboração de própria sociedade, na

busca do pleno desenvolvimento da pessoa.

E nesse sentido, para que a iniciativa privada possa

cooperar e colaborar com o Estado nessa missão, suprindo suas

deficiências no setor educacional, é que o constituinte inseriu o atributo

da imunidade tributária às instituições de educação, na Carta Magna,

nesses termos:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;” (Grifos não do original).

A CF/88, por esse dispositivo legal, proíbe o Poder Público

de instituir, tão-somente, IMPOSTOS sobre o patrimônio, renda ou

serviços das instituições de educação, sem fins lucrativos, se atendidos

os requisitos descritos em lei.

Desse modo, a imunidade tributária, no que se refere às

instituições de educação, é uma imunidade subjetiva, ou seja,

“condicionada” ou “condicionável” para a sua fruição, ao atendimento

de requisitos infraconstitucionais.

4. As Entidades sem fins lucrativos

Para que a entidade de educação permaneça usufruindo a

imunidade tributária, necessário se faz, inicialmente, cumprir um

7

requisito básico: a ausência de fins lucrativos. Nesse sentido, expomos

os ensinamentos de Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto,10 sobre o tema:

“É instituição sem fins lucrativos toda entidade que não tenha por objetivo distribuir os seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio às pessoas que a instituíram. Para que sejam classificadas como “sem fins lucrativos”, é mister que as instituições preencham dois requisitos: a) não distribuam lucros (mais correto seria dizer seus superávits); e b) não revertam seu patrimônio às pessoas que as criaram. Preenchidos esses pressupostos, tem-se instituição sem fins lucrativos.”

Cabe ressaltar que não basta a instituição ser classificada

como “sem fins lucrativos”, ou seja, a imunidade tributária não se estende

a qualquer entidade educacional sem fins lucrativos, mas sim àquela

que, além desse requisito, venha a cumprir os ditames que se

encontram no próprio texto constitucional, que é a perseguição de suas

finalidades essenciais, sem os quais não há se falar em gozo dessa

ordem.11

5. As Finalidades Essenciais da Entidade

É cediço que quando a Constituição Federal limita o poder

de tributar do Estado, a determinadas entidades, essa desoneração não

é concedida de forma gratuita e aleatória. Ou seja, para serem

beneficiárias da imunidade, as entidades devem cumprir as finalidades

cuja origem é constitucional. Assim, a entidade pode desenvolver

diversas atividades, essenciais ou não, porém somente serão agraciadas

pela exclusão constitucional ao poder de tributar aquelas atividades

descritas como essenciais, direcionadas ao interesse da sociedade.

Estabelece assim a CF/88:

“Art. 150. (...) § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os

10 BARRETO, Aires e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao

Poder de Tributar, São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 11 CARRAZZA, Roque Antônio. Obra citada, p. 735.

8

serviços, relacionados com as finalidades essenciais

das entidades nelas mencionadas.” (Grifamos).

Por esse dispositivo constitucional, pode-se extrair que a

imunidade tributária terá o seu alcance ampliado ou diminuído

dependendo da interpretação atribuída à expressão “relacionados com

as finalidades essenciais das entidades”.

Há várias correntes doutrinárias que procuram definir o

seu alcance:

I) a primeira corrente, com uma interpretação mais

restritiva, defende que a entidade somente estará imune, se o seu

patrimônio, renda ou serviços, estiverem diretamente relacionados com

a razão de ser da entidade, isto é, vinculados à essência da atividade

protegida constitucionalmente da incidência de impostos. Assim, toda

riqueza ou rendimento cuja procedência não guarde ligação com o valor

constitucionalmente protegido, no caso a promoção da educação, não

estará alcançado pela imunidade tributária.

Para esta linha de entendimento, o que interessa é avaliar

em que contexto surgiu a renda ou o rendimento e a sua ligação direta

com a finalidade essencial, qual seja, a educação.

Todo rendimento assim que não decorra diretamente da

promoção ou prestação de serviços educacionais não estará livre da

incidência tributária, a exemplo do Imposto de Renda - IR sobre o

aluguel adquirido na alocação de imóveis e o Imposto Predial Territorial

Urbano - IPTU sobre a propriedade desses imóveis alocados.

Defendendo essa tese, doutrina Marco Aurélio Greco:12

“Se uma renda veio de uma atividade não relacionada com as finalidades essenciais da entidade, não haverá imunidade, ainda que venha a ser aplicada segundo as

exigências do CTN.”

II) a segunda corrente, com um posicionamento mais

flexível, entende que a expressão “relacionados com as suas finalidades

essenciais” deve ter uma interpretação finalística, no sentido de que a

12 GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Imunidades

Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 718.

9

definição de a entidade ser alcançada ou não pela imunidade tributária

está na destinação que é dada à renda ou rendimento auferido pela

atividade desempenhada, e não pela análise de origem da riqueza ou

rendimento.

Assim, estando esta interpretação apegada ao contexto de

aplicação da respectiva riqueza, um rendimento estará imune de

tributação sempre que for destinado às finalidades essenciais da

instituição, independentemente de sua procedência.

Analisando a jurisprudência de nossos tribunais, em

especial a do Supremo Tribunal Federal - STF, observa-se que o

entendimento está pacificado no sentido de que a imunidade tributária

deve ser interpretada finalisticamente, conforme apregoa essa segunda

corrente, observando-se a destinação do rendimento, da renda ou do

patrimônio no desempenho da atividade determinada pela Constituição.

Nesse sentido, há julgados do STF13 afastando, por

inconstitucionalidade, pretensões de entes tributantes que buscam

exigir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços que decorram da

exploração de atividades econômicas, não relacionados com a finalidade

essencial da entidade imune, desde que o respectivo rendimento se

reverta às suas finalidades essenciais.

O Egrégio Pretório, em sessão Plenária de 26/11/2003,

firmou o entendimento exarado na Súmula 724:

“Súmula 724 – Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”

Respeitada a intenção de se harmonizar e pacificar a

jurisprudência pátria, essa Súmula e outros julgados no mesmo sentido

abrem um precedente, e dão abertura para não se pagar tributo e

13 BRASIL. STF. RE nº 218.503-8/SP, publicado no DJ de 29/10/99 – ISS sobre o preço cobrado em

estacionamento de veículos. RE 243.807/SP, publicado no DJ 28/4/2000 - Imposto de Importação e IPI

na importação de “bolsas para coleta de sangue” a serem utilizadas na prestação de serviços específicos

da entidade, e RE nº 237.718, publicado no DJ de 6/9/2001 - IPTU no caso de aluguel de imóvel para

terceiros, entre outros. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 26 jul. 2007.

10

evidentes desvios de finalidades da instituição, em nada contribuindo

para o melhor desempenho das finalidades essenciais da entidade. Ao

contrário, estimula sim o desenvolvimento de atividades paralelas, mais

lucrativas e seguras, sob a fácil alegação de que seus rendimentos

retornam e são aplicados nas atividades essenciais da entidade.

É notória a enorme dificuldade de se controlar e

demonstrar que o valor de renda de aluguéis, por exemplo, será

aplicada nas atividades essenciais da entidade. E ainda, na quase sua

totalidade, os contratos de aluguéis prevêem que é o inquilino que tem a

obrigação de pagar os impostos do imóvel alugado. Assim, nem um nem

outro pagam o devido imposto.

III) uma terceira corrente, mais moderada, desaprova a

interpretação restritiva do alcance da expressão ora em estudo, porém

coloca limitações ao entendimento mais ampliado e flexível, tese a qual

nos filiamos.

Esta linha de estudo, além de colocar o limite à não-

agressão ao princípio da livre concorrência, defende a aplicação dos

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade quando da análise do

reconhecimento da imunidade, ressaltando que “o entendimento mais

aberto ou flexível não significa exegese ilimitada ou absoluta.”14

Assim, quando se vai interpretar a expressão “relacionados

com as suas finalidades essenciais”, além de se verificar se o

rendimento resultante da exploração econômica se reverteu às

finalidades essenciais da entidade, devem ser aplicados os princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, na análise das atividades

desenvolvidas pela entidade, e não se limitar, como defendem alguns

14 CASTRO, Aldemário Araújo. In O condicionamento das imunidades tributárias presente na

cláusula constitucional das “finalidades essenciais”. José Eduardo Sabo (org.). Terceiro setor e

tributação. Brasília: Fortium Editora, 2006, p. 24. Escreve o autor: “Vislumbramos, ainda, na aplicação do

princípio da razoabilidade, outro importantíssimo elemento de limitação ao entendimento mais amplo.”

Obra citada, p. 25. No mesmo sentido, defende José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades

de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. Brasília:

Brasília Jurídica, 6ª Ed. 2006, p. 708.

11

doutrinadores,15 a constatar tão-somente se houve ou não violação ao

princípio da livre concorrência, nos termos da CF/88, art. 173, § 4º.16

A amplitude da imunidade tributária deve estar

diretamente ligada a uma análise administrativa, pautada, de forma

pormenorizada, nas circunstâncias fáticas e jurídicas de cada atividade

desenvolvida pela entidade. Exige-se, assim, além da verificação da

concorrência desleal, e se os resultados das atividades secundárias são

revertidas às finalidades essenciais da entidade imune, a aplicação de

outros princípios, como o da proporcionalidade e da razoabilidade,

evitando-se assim a ocorrência de abusos no exercício do aludido

beneplácito constitucional, sob o risco de se estar desvirtuando, “a

olhos nus”, o verdadeiro sentido constitucional da expressão estudada.

6. O atendimento aos requisitos descritos em

lei

A vedação constitucional, disposta no art. 150, VI, “c”, de

instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das instituições

de educação sem fins lucrativos, está condicionada ainda ao

atendimento aos requisitos da lei.17

A CF/88, no seu art. 146, II,18 confere competência à lei

complementar para regular as limitações constitucionais ao poder de

tributar.

Assim, embora a CF/88 não defina a natureza da lei, se

ordinária ou complementar, por estar-se tratando de imunidade

15 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais:

Centro de Extensão Universitária, 1998. Pesquisas tributárias. Nova Serie, nº 4, p. 46; MACHADO, Hugo

de Brito e TORRES, Ricardo Lobo. Imunidades Tributárias. Coord. Ives Gandra da Silva Martins

(Coordenador). Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 93 e 219,

respectivamente, entre outros. 16 BRASIL. CF/88. “Art. 173 (...) § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à

dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” Disponível

em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 jul. 2007. 17 BRASIL. CF/88. “Art. 150. (...) VI - instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos

partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de

educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da LEI;” (Grifamos). 18 BRASIL. CF/88. “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) II - regular as limitações constitucionais ao

poder de tributar;”

12

tributária, que é uma limitação constitucional ao poder de tributar, nos

dizeres do art. 146, II, há se exigir lei complementar para estipular os

requisitos que trate efetivamente da matéria.19

A Lei nº 5.172, de 1966,20 que, pelo Ato Complementar nº

36, de 13 de março de 1967, recebeu a denominação de Código

Tributário Nacional - CTN, foi acolhida pela Carta Magna de 1988, em

seu art. 34, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,21 pelo

princípio geral da recepção, como lei complementar em sentido material.

Assim, vem o CTN regulando as limitações constitucionais ao poder de

tributar, ao apresentar no seu art. 14, em numerus clausus, os

requisitos necessários a serem observados, nestes termos:

“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.” (Grifos não do original).

Importante frisar ainda que a Lei Federal nº 9.532, de

1997,22 de natureza ordinária, também elenca no § 2º do seu art. 12, os

requisitos que as instituições devem obrigatoriamente atender para o

gozo da imunidade, na esfera federal.

19 Há doutrinadores que entendem ser lei ordinária. Nesse sentido, Oswaldo Othon e Carlos Valder do

Nascimento. Imunidade tributária, Caderno de Pesquisas Tributárias – nova série, n. 4. Coord. de Ives

Gandra, São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista dos Tribunais, 1998, p. 348 e 736,

respectivamente. 20 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25/10/1966. CTN. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui

normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2007. 21 BRASIL. CF/88. ADCT “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro

dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de

1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. (...) § 5º - Vigente o novo

sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja

incompatível com ele e com a legislação referida nos § 3º e § 4º.” Disponível em:

http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2007. 22 BRASIL. Lei nº 9.532, de 10/12/1997. Altera a legislação tributária federal e dá outras providências.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2007.

13

Esta Lei está sendo questionada, quanto à sua

constitucionalidade, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade

nº 1.802-3/DF,23 sob a alegação, entre outras, de ofender à reserva de

lei complementar. Até o momento, no julgamento da medida cautelar, o

rel. Min. Sepúlveda Pertence deferiu parcialmente a cautelar,

suspendendo, no que se refere ao artigo 12 da mencionada Lei, a

vigência apenas da alínea “f” do seu § 2º, ementando:

“1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar.” (Grifos nossos).

Desse modo, pode-se, diante deste julgado, concluir que os

requisitos dispostos no art. 12 da Lei nº 9.532/97, que tratam de

normas sobre a constituição e o funcionamento das entidades imunes,

à exceção da alínea “f”, têm validade e devem ser atendidos pelas

instituições de educação para a fruição da imunidade, quanto aos

impostos federais.

7. A aplicação dos recursos na manutenção dos

objetivos

Entre os requisitos a serem observados por uma entidade

de educação, para não ser alcançada pela tributação de impostos, sobre

o seu patrimômio, renda ou serviços, está a aplicação integral, no País,

dos seus recursos, segundo dispõe o art. 14, II, do CTN.24

Considera-se RENDA de uma entidade de educação todo o

montante de rendimentos, a qualquer título, que a sustente, podendo ir

23 BRASIL. STF. ADI 1802-3/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Data de julgamento 27/08/1998, DJ 13-

02-2004. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 26 maio 2008. 24 BRASIL. CTN. “Art. 14. (...) II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção

dos seus objetivos institucionais;” (Grifamos).

14

desde a manutenção do prédio, o pagamento de empregados da limpeza,

até o de professores, no desenvolvimento da atividade fim.

Quando se fala em gratuidade na prestação de serviços

supõe a existência de recursos para financiá-la, e uma das formas de

obtê-los está também no emprego de seu patrimônio na produção de

rendas.

Questiona-se então: os rendimentos dos recursos da

entidade de educação, empregados em aplicações financeiras,

estão abarcados também pela imunidade tributária?

Hugo de Brito Machado25 doutrina:

“Não ter fins lucrativos não significa, de modo nenhum, ter receitas limitadas aos custos operacionais. Elas na verdade podem e devem ter sobras financeiras, até para que possam progredir, modernizando e ampliando suas instalações. O que não podem é distribuir lucros. São obrigadas a aplicar todas as suas disponibilidades na manutenção dos seus objetivos institucionais.”

Nesse entendimento, havendo sobras financeiras, cabe ao

bom administrador tomar todas as medidas necessárias para a sua

multiplicação, empregando-as em aplicações financeiras, ou

investimentos correlatos, até que se obtenha recursos suficientes para

que possa progredir, ampliando suas instalações, sem os quais,

defende-se, não haveria como formar as reservas capazes de manter o

equilíbrio financeiro das entidades de educação, facilitando assim o

pleno atingimento de seus fins.26

Numa interpretação mais restritiva, em que o instituto da

imunidade alcança apenas o patrimônio, renda ou serviços diretamente

vinculados à atividade protegida constitucionalmente da incidência de

impostos, qualquer aplicação de seus recursos fora de suas finalidades

essenciais, como por exemplo, em investimentos imobiliários, e/ou,

aplicações financeiras, etc, já seria motivo suficiente para a não-fruição,

25 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 199. 26 CARRAZZA, Roque Antônio. Obra citada, p. 742/745.

15

ou suspensão da aplicação do benefício da imunidade tributária, nos

termos do § 1º do art. 14 do CTN.27

Contudo, na interpretação finalística, mais flexível, argúi-se

que o depósito de recursos em conta bancária, independentemente do

tipo de aplicação, tem como único propósito evitar a perda do valor real

da moeda, o que impede a sua desvalorização, protegendo assim o

patrimônio, desde que preordenados ao atendimento das finalidades

essenciais das pessoas jurídicas agraciadas pela imunidade.

O STF,28 no julgamento do RE 228.525/SP, rel. Min. Carlos

Velloso, pacificou a questão em debate, nos seguintes termos:

“(...) está em sintonia com a jurisprudência firmada por esse Egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Emb. Decl. Em RE nº 183.216, Rel.: Min. Marco Aurélio ('DJ' 02.06.2003, p. 12), em que ficou consignado que as aplicações financeiras efetuadas por entidades sem fins lucrativos com a finalidade de se evitar a perda do poder aquisitivo da moeda têm em conta o objetivo social que lhes são próprios, não caracterizado, por conseguinte, o investimento financeiro atuação fora do previsto no ato de constituição.”

Há se colocar, no entanto, o que dispunha a Lei nº 9.532,

de 1997:29

“Art. 12. (...) § 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.. (...) Art. 28. A partir de 1º de janeiro de 1998, a incidência do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica imune ou isenta, nas aplicações em fundos de

27 BRASIL. CTN. “Art. 14 (...) § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do

artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.” Disponível em:

http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2007. 28 No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 495207/CE; Min. Francisco Peçanha

Martins; T2, Data do Julgamento: 14/06/2005, DJ 08/08/2005, p. 232. Disponível em:

http://www.stj.gov.br. Acesso em: 22 maio 2008. 29 Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Medida Liminar) 1758 - 4, o STF, no mérito, por

unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão “inclusive

pessoa jurídica imune”, contida no art. 28 da Lei nº 9.532/1997, nos termos do voto do Relator.

Acórdão, DJ 11.03.2005. Já pela ADI 1802 – 3/DF, julgamento apenas da medida cautelar, considerou

inconstitucional o § 1º do art. 12, da Lei nº 9.532/97. Data de julgamento 27/08/1998, DJ 13/02/2004.

Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 26 maio 2008.

16

investimento, constituídos sob qualquer forma, ocorrerá: (...)” (Grifamos).

8. O local da aplicação dos recursos

Superada a discussão, nos termos do julgado do STF, sobre

a não tributação dos rendimentos auferidos em aplicações financeiras

efetuadas no Brasil, para que a entidade educacional possa usufruir o

beneplácito constitucional, a legislação regente (CTN, art. 14, II)

determina explicitamente que os recursos sejam integralmente

aplicados no País, na manutenção de suas finalidades essenciais.

José Eduardo Sabo30 expõe seu entendimento, afirmando

que “não se justificaria, por exemplo, que uma entidade fosse

beneficiada com a imunidade se não aplicasse integralmente no Brasil

os recursos na busca de suas finalidades.”

O cenário jurídico internacional está passando por

momentos especiais, resultado, em grande parte, da globalização, onde

há uma interdependência cada vez maior entre os Estados-nação, que

se intercruzam e ultrapassam as fronteiras territoriais, com pouca

distinção entre os países. Isso está trazendo grandes dilemas para os

governantes, a ponto de afetar a própria soberania de cada país e a

identidade de seus governados.

Pessoas físicas e jurídicas estão, hoje, autorizadas a realizar

aplicações financeiras no exterior, ou seja, no mercado de capitais fora

do Brasil, por meio de instituições financeiras e demais instituições

autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, observando as

regulamentações31 do Conselho Monetário Nacional, órgão deliberativo

máximo do Sistema Financeiro Nacional.

30 PAES, José Eduardo Sabo. Obra citada, p. 709. 31 BRASIL. RESOLUÇÃO nº 3.568, de 29 de maio de 2008, DOU 02.06.2008. “Art. 8º As pessoas

físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda estrangeira ou realizar transferências

internacionais em reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, sendo contraparte na operação

agente autorizado a operar no mercado de câmbio, observada a legalidade da transação, tendo como base

a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação. (...) § 2° As

transferências financeiras relativas às aplicações no exterior por instituições financeiras e demais

instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem observar a regulamentação

17

Existem várias possibilidades de aplicações financeiras no

exterior.32 O residente, pessoa física ou jurídica, pode constituir

disponibilidade no exterior, que é a manutenção de recursos em conta

mantida no seu próprio nome, na instituição financeira que desejar.

Hodiernamente, com a revolução tecnológica representada,

em especial, pela Internet, tem-se facilitado, em muito, tanto o controle

e manifestação da Administração Tributária, quanto as atividades do

sujeito passivo. Assim, em se tratando de aplicações financeiras, utilizá-

las, no seu dia a dia, ficou por demais cômodo e de fácil manejo. São

possíveis, em qualquer parte do mundo, por meio de sites de

operadoras virtuais, sediadas no País, ou não, sem que

necessariamente esteja o investidor ciente disso.

É possível assim um residente, no Brasil, sem maiores

dificuldades, efetuar aplicações financeiras no exterior, em empresa

estrangeira, em títulos mobiliários estrangeiros, em fundos de renda

variável, compostos de ações de empresas nacionais, por meio de um

site na Internet que esteja sediado em outro país, e, ainda, em uma

empresa transnacional, ou que seja coligada a uma empresa sediada no

exterior, entre outros.

Indaga-se então: considerando o inciso II do art. 14 do CTN,

uma entidade de educação teria sua imunidade tributária

suspensa se viesse a empregar suas sobras de recursos em

aplicações financeiras no exterior?

A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que recebeu a

denominação de Código Tributário Nacional - CTN, não poderia prever,

à época, tamanhas transformações tecnológicas, que possibilitassem o

acesso a informações e contra-informações em tempo real,

possibilitando um intercâmbio comercial e financeiro bastante facilitado

entre os países da comunidade internacional.

específica. Disponível: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucaobcb3568_2008.htm . Acesso

em: 04. ago. 2008. 32 Operações, como: (a) aplicações no mercado financeiro; (b) investimento direto, como a participação,

direta ou indireta, em empresa constituída fora do Brasil; (c) instalação e manutenção de escritórios no

exterior; e, (d) aquisição de imóveis residenciais ou comerciais, entre outros.

18

Diante desse contexto, deve o CTN ser interpretado dentro

do espírito da época, porém levando em consideração as inovações

tecnológicas, como também, e principalmente, a legislação que está a

viger, pois em termos do direito positivo, não se pode aceitar uma

interpretação contrária à própria lei.

Defende-se que, ao se vedar a remessa de recursos ao

exterior das instituições alcançadas pela imunidade, está-se

inicialmente evitando a possibilidade de distribuição de lucros para

residentes no exterior e auxílios financeiros a entidades fora do

território nacional, escapando assim do controle das autoridades

brasileiras, que não teriam competência para agir extraterritorialmente.

Num segundo momento, poder-se-ia argüir ainda que, em

se aplicando recursos no exterior, por meio de aplicações financeiras,

estar-se-ia deixando de investir em papéis, títulos e capitais de

empresas nacionais, o que direta ou indiretamente, teria influência

negativa na ampliação do parque industrial, criando-se menos

empregos, renda e impostos para o País, entre outros.

Roque Carrazza33 afirma que “a necessidade de aplicação

dos recursos no País impede que haja remessa de divisas ao exterior

ou, mesmo, que a entidade auxilie financeiramente outras congêneres

no exterior (...)”.

Partindo-se de uma interpretação literal do texto

constitucional, dentre as finalidades essenciais de uma entidade de

educação está a promoção e o incentivo à educação, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa. Portanto, tudo que for efetuado dentro

deste desiderato estará alcançado pelo conceito de imunidade.

Assim, o instituto da imunidade alcançaria apenas o

patrimônio, renda ou serviços da entidade, se os recursos forem

integralmente aplicados no País, na manutenção de suas finalidades

essenciais.

Nesse sentido, se uma entidade de educação realizar

qualquer aplicação fora do Brasil já será motivo suficiente para a não-

33 CARRAZZA, Roque Antônio. Obra citada, p. 722.

19

fruição, ou suspensão da aplicação do benefício da imunidade

tributária, nos termos do § 1º do art. 14 do CTN, por se configurar uma

finalidade secundária, e, em assim sendo, deverá ter uma tributação

normal, mesmo que o pretendido com a obtenção dessas rendas seja a

manutenção ou melhoramento da entidade, na busca de se realizar a

sua finalidade essencial.

No entanto, numa interpretação mais flexível, a finalística,

em que o que interessa, em última análise, é o retorno dos rendimentos

aplicados para o desenvolvimento das finalidades essenciais da

entidade no País, em sendo os recursos depositados em uma conta

bancária, independentemente do tipo e do local da aplicação financeira,

o seu maior propósito estará em evitar a perda do valor real da moeda,

protegendo o patrimônio da instituição.

Desse modo, independentemente de a aplicação financeira

ser efetuada no País ou no Exterior, desde que os rendimentos retornem

ao país para o atendimento das finalidades essenciais da entidade

investidora, não haverá, por si só, motivos para a suspensão da

imunidade tributária.

É o que se pode extrair dos ensinamentos de Aliomar

Baleeiro,34 ao doutrinar que: “os fins – educação, assistência social,

orientação política ou religiosa – é que se devem realizar no País,

aproveitando a este.” (Grifos nossos).

Corroborando com esse entendimento, há se colocar que é

uma realidade, nos dias atuais, a existência das várias interligações das

empresas, em transnacionais ou coligadas, com empresas sediadas no

exterior. Assim, exigir que as aplicações financeiras sejam efetuadas

tão-somente em empresas genuinamente nacionais ficam por demais

restritas e de difícil controle e manejo.

E ainda, em sendo a promoção de educação a finalidade

essencial da instituição, há se alegar que nada teria haver, em tese, a

ampliação do parque industrial, com mais empregos, renda e impostos

34 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 3ª ed., Rio: Forense, 1974,

p. 187.

20

para o País, como justificativa para se proibir as aplicações financeiras

no exterior, de instituições reconhecidas como imunes.

Utilizando-se de uma interpretação moderada, há se

ressaltar que, considerando a alta tecnologia e a legislação regente que

envolvem a realização das aplicações financeiras no exterior, quando da

apreciação do pedido de reconhecimento da imunidade, além de se

verificar se os resultados da aplicação financeira estão sendo destinados

às finalidades essenciais da entidade no País, devem-se utilizar os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com uma análise

das atividades desenvolvidas pela entidade no Brasil em cotejo com as

aplicações financeiras efetuadas no exterior.

9. O reconhecimento da imunidade

O poder de tributar é atributo inerente ao Estado, que

decorre do princípio da federação da autonomia financeira. Assim, cada

ente tributante, segundo a CF/88, tem a faculdade de instituir o tributo

de sua competência, por meio de lei, regra geral, lei ordinária. E, é a ele

também que competirá reconhecer a imunidade referente aos seus

impostos.

A regra constitucional da imunidade tributária das

instituições de educação é de eficácia contida e aplicabilidade

condicionada ao atendimento de requisitos infraconstitucionais,35

porquanto exige-se uma efetiva comprovação do atendimento das

exigências contidas no art. 14 do CTN. Torna-se, com isso, necessário

que o interessado a requeira junto à autoridade administrativa

competente, que apreciará a situação objetivamente, reconhecendo ou

não a imunidade tributária, por meio de ato declaratório ou despacho

fundamentado.

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada, p. 192.

21

Nesse sentido, citamos, como exemplo, a legislação do

Distrito Federal, o Decreto nº 16.106/94,36 que dispõe sobre o

reconhecimento da imunidade dos impostos de sua competência:

“Art. 68. O reconhecimento da imunidade, não-incidência e isenção, quando estas não forem de caráter geral, dar-se-á por Ato Declaratório ou por despacho de reconhecimento, na forma da legislação. (NR) Art. 69 - O pedido de que trata o artigo anterior deverá ser protocolado no órgão da Receita da circunscrição fiscal em que se localizar o requerente ou no órgão que administre o tributo, e conterá, no mínimo: I - identificação do interessado; II - tipo do benefício; III - especificação do tributo; IV - período de referência. § 1º O interessado deverá anexar os documentos comprobatórios que se fizerem necessários.” (Grifos não do original).

Já no âmbito da competência federal, as condições

subjetivas da imunidade tributária estão disciplinadas no art. 12, § 2º,

da Lei nº 9.532, de 1997.

No reconhecimento de imunidade tributária, a autoridade

administrativa competente pela análise deverá, em um minucioso

estudo, fazer ponderações e utilizar-se de um juízo de razoabilidade e

proporcionalidade, de forma que não obrigue a Entidade a uma rigidez

maior do que aquela exigida pelas normas legais.

Pelo princípio da razoabilidade, proíbem-se excessos,

devendo a Administração Pública, nos limites da lei, seguir critérios

racionais, porquanto sua relevância vai depender das circunstâncias do

caso em si. Cabe assim ao administrador verificar a preponderância

entre as operações efetuadas para a obtenção de recursos financeiros e

as atividades essenciais realizadas pela entidade, ponderando sobre o

que possa melhor atender aos interesses públicos, sempre na busca do

bem da coletividade.

36 DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 16.106, de 30 de novembro de 1994, que regulamenta a Lei nº 657,

de 25 de janeiro de 1994 e consolida a legislação referente ao processo fiscal administrativo. Disponível

em: http://www.fazenda.df.gov.br. Acesso em: 26 maio 2008.

22

Já pelo princípio da proporcionalidade, que se encontra

inserido no princípio da razoabilidade, verifica-se se o meio utilizado

pela entidade é o correto para poder alcançar o fim desejado, que é o

interesse público, numa proporção mais ideal possível entre o meio e o

fim que a lei deseja alcançar. Busca-se coibir excessos, evitando

abusos, na estrita realização da finalidade pública almejada.

Importante enfatizar que a observação desses dois

princípios não se deve apenas à Administração Pública, mas também ao

próprio administrado. Assim, tanto um quanto outro terão que seguir

critérios aceitáveis do ponto de vista racional, utilizando-se do bom

senso, aplicado ao direito, quando do desempenho de suas atividades.

José Eduardo Sabo Paes37 resume com precisão a

problemática envolvida, nesses dizeres:

“Identifico a aplicação, neste caso, do principio da razoabilidade; o que viria em boa hora limitar este entendimento mais amplo. Mesmo porque não é razoável nem proporcional que uma entidade reconhecida como imune desenvolva atividade de conteúdo empresarial como forma de manter-se e, inclusive expandir suas finalidades. Exemplo disto é a entidade que investe na construção e locação de imóveis visando, de forma continua a negociar os referidos imóveis no mercado imobiliário, criando até mesmo departamento imobiliário no âmbito de sua estrutura inserido inclusive no regulamento/regimento. Portanto, entendo que não é do espírito da Constituição que as entidades mencionadas no art. 150, VI, c, hajam em todo e qualquer campo, inclusive, de forma empresarial e, portanto, especulativa tendo suas receitas não tributadas.”

Mesmo que o resultado econômico da exploração

desenvolvida pela entidade retorne às suas finalidades essenciais, não

se pode permitir a ocorrência de abusos no exercício do aludido

benefício constitucional, que venha a se apresentar num total desvio de

37 PAES, José Eduardo Sabo. Obra citada, p. 708.

23

finalidade, e, de certa forma, incentive a concorrência econômica

desleal, com as entidades não agraciadas pela imunidade.38

A título de exemplo, não se pode admitir que o patrimônio,

a renda ou os serviços de uma entidade de educação, fiquem livres do

devido imposto se:

(a) venha a explorar atividades econômicas, em tais

proporções, que sufoque o desenvolvimento lucrativo das demais

empresas que operam naquele mesmo setor, em uma evidente ofensa ao

princípio da livre concorrência, comprometendo a viabilidade das

empresas privadas, contribuintes do imposto;

(b) mesmo não havendo a concorrência desleal, venha a

explorar, tão-somente, atividades econômicas próprias do setor privado,

resultando em um favorecimento excessivo à Entidade;

(c) venha a empregar vultosa soma de valores em aplicações

financeiras, ficando em situação precária, prestes a ser abandonada a

promoção das atividades relacionadas às finalidades essenciais;

(d) centrando esforços em determinado ramo comercial,

venha a correr os riscos inerentes ao mercado, obrigando-se a sacar

valores advindos da atividade fim, para cobrir os rombos da atividade

comercial;

(e) venha a manter imóveis improdutivos, com o único

objetivo de especulação imobiliária, sem um evidente projeto maior de

expansão da atividade fim, entre outras.

É notório que em não sendo observados esses requisitos,

será muito mais fácil, seguro e viável, economicamente, que todas as

sobras financeiras, ou, recursos excedentes de uma entidade de

educação sejam, por exemplo, aplicados em investimentos imobiliários,

por meio de rendas de alugueres e/ou especulação imobiliária, ou

ainda, em aplicações financeiras, deixando-se de investir na educação

que tanto o país está carente.

Aldemário Araujo39 expõe suas idéias:

38 Nesse sentido, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil. Saraiva, t I, 6, 1990,

p. 203.

24

“Com efeito, não se revela razoável que a entidade imune busque, como esforço institucional fundamental, o desenvolvimento de atividades de conteúdo econômico como forma normal de sua existência e manutenção. O aproveitamento parcimonioso do patrimônio, de possibilidades de atuação econômica, não desnatura a imunidade. Entretanto, a busca incessante de ocupação de espaços econômicos, com dispêndio considerável de tempo, energia e recursos administrativos, revela-se incompatível com as finalidades essenciais da entidade. Afinal, o sentido da constituição da entidade é justamente reunir e coordenar esforços em tornos de certos objetivos socialmente relevantes. A busca dos meios de financiamento dos fins da entidade não pode ser alçada ao patamar de concorrer, absorvendo tempo e energias consideráveis no seio da instituição, com as

ações voltadas para a realização plena da entidade através de seus fins ou objetivos.”

Indaga-se ainda: pode a entidade, agraciada pela

imunidade, aplicar todas as suas sobras financeiras, em

atividades não essenciais, sob a alegação de estar acumulando

recursos para ampliação ou construção de nova sede, por tempo

indeterminado?

Há quem alegue que nem mesmo o tempo prolongado de

poupar recursos, ou de aplicá-los em instituições financeiras, seria

capaz de suspender o benefício da imunidade, desde que haja um fim

específico, qual seja, de somar determinado montante para construir ou

ampliar uma nova escola.

O fator tempo traz importantes elementos que afetam todo

o ordenamento jurídico. Tem ele relevante papel nas relações jurídicas,

onde se operam nascimentos, alterações e extinções de direitos.

Por sua vez, os princípios jurídicos da segurança e da

estabilidade devem nortear as relações entre as partes envolvidas.

Assim, o perecimento do direito, pela inércia de seu titular associado à

passagem de determinado prazo, justifica-se porque as relações

jurídicas não podem perpetuar-se, tornando imprescindível sua

estabilização no tempo.

39 CASTRO, Aldemário Araújo. Obra citada, p. 25/26.

25

Assim, há quem defenda que quando da análise do prazo

em que uma renda ou recurso permanece aplicado em determinada

exploração econômica, sem que os seus rendimentos retornem à

finalidade essencial da entidade, devem também ser aplicados os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Essa preocupação faz sentido porque, se após determinado

período, os recursos não forem revertidos às finalidades essenciais da

entidade, poderá ocorrer a extinção do direito de a Fazenda Pública

constituir o crédito tributário, pelo decurso de prazo.

A título de ilustração, levantamos o seguinte exemplo

hipotético:

Uma entidade de educação, declarada imune do ISS

e IPTU, com fundamento na interpretação finalística,

decide, a contar do exercício de 2000, empregar todas as

suas rendas da prestação de serviços e da alocação em

imóveis, em aplicações financeiras, com o objetivo de

acumular recursos para a construção de uma nova

escola.

Decorridos 8 (oito) anos, em 2008, a entidade resolve

que todo o montante investido (principal e rendimentos)

será sacado e investido em outro projeto, alheio às

finalidades essenciais da entidade. Nessa situação,

sendo suspensa a imunidade tributária da entidade, em

2008, nos termos do § 1º, do art. 14 do CTN, a Fazenda

Pública ao exigir retroativamente o imposto devido, a

quem sustente não mais poder constituir os créditos

tributários do ISS e do IPTU, referentes aos fatos

geradores dos exercícios de 2000, 2001 e 2002, por já

estar extinto pela decadência (CTN, art. 173, I; art. 150,

§ 4º e art. 156, V), o seu direito de constituí-los.40

40 Nessa hipótese, consideramos que, em não estando presente o pressuposto inércia do titular do direito,

não corre qualquer prazo extintivo para a constituição do crédito tributário. HABLE, José A extinção do

crédito tributário por decurso de prazo. 2 ed., Brasília: Lúmen Juris, 2007, p. 125/126.

26

E por fim, nota-se comumente, no âmbito administrativo,

que em havendo violação de um dos requisitos descritos no art. 14 do

CTN, anula-se o ato declaratório, e suspende-se41 a imunidade de todos

os impostos relacionados ao patrimônio, renda ou serviços da entidade.

Exemplificamos:

Uma entidade de educação tem diversos imóveis,

dentre os quais, um deles deixa de ser utilizado para as

finalidades essenciais da instituição.

Diante desse fato, a autoridade competente, com

fundamento no CTN, art. 14, II, c/c o § 1º, suspende a

imunidade do IPTU, não apenas do referido imóvel, mas

de todos os imóveis da entidade, do ISS relacionado a

todas as atividades desenvolvidas por ela, assim como do

IPVA de seus carros, exigindo-se retroativamente, no

período de cinco anos, os impostos devidos.

Indaga-se: está correto esse procedimento

administrativo?

Entendemos que não. A análise do reconhecimento da

imunidade deve ser efetuada para cada tipo de imposto, e ainda, no

caso do IPTU ou do IPVA, para cada imóvel ou veículo, respectivamente.

No caso em análise, se um dos imóveis não está sendo utilizado para as

finalidades essenciais, apenas este será alcançado pela tributação do

IPTU.

É o que previa o art. 28 da Lei 9.532/71,42 ao disciplinar

que não estariam abrangidos pela imunidade de imposto de renda os

rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações em fundos de

investimento das pessoas jurídicas imunes. Ou seja, o fato, por si só, de

se alocar recursos em aplicações financeiras não seria motivo para

41 Nos termos do CTN, “Art. 14 (...) § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º

do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.” (Grifos não do

original). 42 Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Medida Liminar) 1758 - 4, o STF, no mérito, por

unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão “inclusive

pessoa jurídica imune”, contida no art. 28 da Lei nº 9.532/1997, nos termos do voto do Relator.

Acórdão, DJ 11.03.2005.

27

suspender a imunidade da entidade quanto aos demais impostos

relacionados ao patrimônio, renda e serviços, e sim, tão-somente do

imposto de renda sobre os rendimentos auferidos.

Destarte, no reconhecimento da imunidade, quando da

análise do atendimento aos requisitos legais, em havendo a exploração

de atividades secundárias pela instituição de educação, a autoridade

administrativa competente, além de verificar se os resultados dessas

operações econômicas estão sendo revertidos ao desenvolvimento das

finalidades essenciais da entidade, deve efetuar uma análise mais

pormenorizada das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada atividade

desenvolvida pela entidade. Verifica-se ainda sua preponderância em

relação às demais atividades, utilizando-se dos princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, e não apenas se houve ou não a

agressão ao princípio da livre concorrência.

CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 define competências

tributárias dos entes políticos da federação, que é uma faculdade para

criar tributos, e limita o seu poder de tributar, ao estabelecer princípios

e normas gerais do Direito Tributário, entre elas, o instituto da

imunidade tributária.

A imunidade é um fenômeno de natureza constitucional,

pela qual ocorre a exclusão constitucional ao poder de tributar, que se

justifica não só pela falta de capacidade contributiva, mas também por

valores e objetivos a serem protegidos, como a iniciativa privada de

poder cooperar e colaborar com o Estado na promoção da educação,

entre outros.

Em realidade, essa desoneração tributária a determinadas

entidades não é concedida de forma gratuita e aleatória, mas sim tem

um alcance bastante amplo, no interesse de toda a sociedade, como um

instrumento para a concretização de valores fundamentais.

28

No que se refere às instituições de educação, a imunidade

tributária é uma norma de eficácia contida e aplicabilidade condicionada

ao atendimento de requisitos infraconstitucionais, porquanto exige-se

uma efetiva comprovação do atendimento de determinados requisitos

definidos em lei, tornando-se, desse modo, necessário que o interessado

a requeira junto à autoridade administrativa competente, que apreciará

a situação objetivamente, reconhecendo ou não a sua imunidade

tributária.

Há várias correntes doutrinárias que procuram definir o

alcance da expressão “relacionados com as finalidades essenciais das

entidades”. Há desde a mais restritiva, em que a entidade somente

estará imune, se o seu patrimônio, renda ou serviços, estiverem

diretamente relacionados com a razão de ser da entidade, até a mais

flexível, com uma interpretação finalística, no sentido de que a definição

de a entidade ser alcançada ou não pela imunidade tributária está na

destinação que é dada à renda ou rendimento auferido pela atividade

desempenhada, e não pela análise de origem da riqueza ou rendimento.

Desse modo, (i) suspende-se a imunidade da instituição de

educação que emprega os seus recursos em uma atividade considerada

não essencial às suas finalidades?

Analisando a jurisprudência do STF, observa-se que o

entendimento está pacificado no sentido de que a imunidade tributária

deve ser interpretada finalisticamente, observando-se a destinação do

rendimento, da renda ou do patrimônio no desempenho da atividade

determinada pela Constituição. Ou seja, desde que o respectivo

rendimento se reverta às suas finalidades essenciais, a entidade é

agraciada pela imunidade tributária.

Há que se exigir, no entanto, que além da verificação da

concorrência desleal, e se os resultados das atividades secundárias são

revertidas às finalidades essenciais da entidade imune, a aplicação de

outros princípios, como o da proporcionalidade e da razoabilidade,

evitando-se assim a ocorrência de abusos no exercício do aludido

beneplácito constitucional, sob o risco de se estar desvirtuando, “a

29

olhos nus”, o verdadeiro sentido constitucional da expressão

“relacionados com as suas finalidades essenciais”.

(ii) pode a instituição de educação empregar seus recursos

em aplicações financeiras?

Numa interpretação mais restritiva, qualquer aplicação de

seus recursos fora de suas finalidades essenciais, como por exemplo,

em aplicações financeiras, já seria motivo suficiente para a não-fruição

da imunidade tributária.

Contudo, na interpretação finalística, argúi-se que o

depósito de recursos, em qualquer tipo de aplicação, tem como único

propósito evitar a perda do valor real da moeda. Esse é o entendimento

exarado no RE 228.525/SP, do STF, que pacificou a questão em debate,

decidindo que “as aplicações financeiras efetuadas por entidades sem

fins lucrativos com a finalidade de se evitar a perda do poder aquisitivo

da moeda têm em conta o objetivo social que lhes são próprios, não

caracterizado, por conseguinte, o investimento financeiro atuação fora

do previsto no ato de constituição.”

(iii) considerando o inciso II do art. 14 do CTN, a entidade

de educação tem sua imunidade tributária suspensa se vier a empregar

suas sobras de recursos em aplicações financeiras no exterior?

Partindo-se de uma interpretação literal do texto

constitucional, o instituto da imunidade alcança apenas o patrimônio,

renda ou serviços da entidade, se os recursos forem integralmente

aplicados no País, na manutenção de suas finalidades essenciais.

Nesse sentido, se uma entidade de educação realizar

qualquer aplicação fora do Brasil já será motivo suficiente para a não-

fruição da imunidade tributária, por se configurar uma finalidade

secundária.

No entanto, numa interpretação mais flexível, a finalística,

em que o que interessa, em última análise, é o retorno dos rendimentos

aplicados para o desenvolvimento das finalidades essenciais da

entidade no País, em sendo os recursos depositados em uma conta

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bancária, o seu maior propósito estará em evitar a perda do valor real

da moeda, protegendo o patrimônio da instituição.

Desse modo, independentemente de a aplicação financeira

ser efetuada no País ou no Exterior, desde que os rendimentos retornem

ao país para o atendimento das finalidades essenciais da entidade

investidora, não haverá, por si só, motivos para a suspensão da

imunidade tributária.

Utilizando-se, no entanto, uma interpretação moderada,

devido a alta tecnologia e a legislação regente que envolvem a realização

das aplicações financeiras no exterior, quando da apreciação do

reconhecimento da imunidade, além de se verificar se os resultados da

aplicação financeira estão sendo destinados às finalidades essenciais da

entidade no País, devem-se utilizar os princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade, com uma análise das atividades desenvolvidas pela

entidade no Brasil em cotejo com as aplicações financeiras efetuadas no

exterior.

(iv) a violação de um dos requisitos legais, relacionado a um

tipo de imposto, suspende a imunidade dos demais impostos?

Entendemos que não. A análise do reconhecimento da

imunidade deve ser efetuada para cada tipo de imposto, e ainda, no

caso do IPTU ou do IPVA, para cada imóvel ou veículo, respectivamente.

No caso em análise, se um dos imóveis não está sendo utilizado para as

finalidades essenciais, apenas este será alcançado pela tributação do

IPTU.

E por fim, (v) é suficiente para se manter a imunidade da

instituição de educação que os resultados das atividades secundárias

sejam revertidos às suas finalidades essenciais?

No reconhecimento da imunidade, quando da análise do

atendimento aos requisitos legais, em havendo a exploração de

atividades secundárias pela instituição de educação, a autoridade

administrativa competente, além de verificar se os resultados dessas

operações econômicas estão sendo revertidos ao desenvolvimento das

finalidades essenciais da entidade, deve efetuar uma análise mais

31

pormenorizada das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada atividade

desenvolvida pela entidade. Verificar-se-á ainda sua preponderância em

relação às demais atividades, utilizando-se dos princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, e não apenas se houve ou não a

agressão ao princípio da livre concorrência.

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