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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A (IN) CONSTITUCIONALIDADE E A (I) LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA CÉSAR AUGUSTO CAON DEMARCHI Itajaí, novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE E A (I) LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA

MILITAR DE SANTA CATARINA

CÉSAR AUGUSTO CAON DEMARCHI

Itajaí, novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE E A (I) LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA

MILITAR DE SANTA CATARINA

CÉSAR AUGUSTO CAON DEMARCHI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar

Itajaí, novembro de 2010

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AGRADECIMENTO

Aos meus pais, Sebastião e Ivone, que muito

batalharam pela minha formação, resultando no

que sou hoje.

À minha família, pelo amor, educação e bons

princípios dados, que ajudaram na formação do

meu caráter.

À minha namorada, Ana Paula Corrêa de Mello,

por ter me ensinado o verdadeiro sentido da vida

e por me apoiar em todos os momentos difíceis.

Ao meu orientador, Professor Doutor Zenildo

Bodnar, pelos conselhos, paciência e

ensinamentos, que ajudaram na minha

aprendizagem e no bom andamento desta

monografia.

Aos amigos que sempre me apoiaram em todas

as decisões e me ensinaram os valores de uma

boa amizade.

Aos antigos colegas da Polícia Civil de Brusque,

que apesar de todas as adversidades, sempre

trabalharam arduamente e honestamente em

busca do bem da sociedade.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Sebastião Demarchi e Ivone

Maria Camatti Demarchi, e à minha namorada,

amor da minha vida, Ana Paula Corrêa de Mello,

pelo incentivo, apoio, paciência e carinho dados

nessa difícil caminhada.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí/SC, 26 de novembro de 2010.

César Augusto Caon Demarchi Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando César Augusto Caon Demarchi,

sob o título A (in) constitucionalidade e a (i) legalidade do termo circunstanciado

lavrado pela Polícia Militar de Santa Catarina, foi submetida em 26 de novembro

de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Zenildo

Bodnar (Orientador), Carlos Roberto da Silva (Examinador) e Osmar Dinis

Facchini (Examinador), e aprovada com a nota

Itajaí, 26 de novembro de 2010.

Professor Doutor Zenildo Bodnar Orientador e Presidente da Banca

Professor Mestre Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CESC/89 Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989 CPP

Código de Processo Penal

CRFB/88

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

STJ STF

Superior Tribunal de Justiça Supremo Tribunal Federal

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ROL DE CATEGORIAS

Ato administrativo

“manifestação ou declaração da administração pública, nesta qualidade, ou de

particulares no exercício de prerrogativas públicas, que tenha por fim imediato a

produção de efeitos jurídicos determinados, em conformidade com o interesse

público e sob regime predominante de direito público1.”

Autor do fato

“[...] aquele que cometeu a infração de menor potencial ofensivo [...]2.”

Autoridade policial

“[...] O conceito de „autoridade policial‟ tem seus limites fixados no léxico e na

própria legislação processual. “Autoridade” significa poder, comando, direito e

jurisdição, sendo largamente aplicada na terminologia jurídica a expressão como

o “poder de comando de uma pessoa”, o “poder de jurisdição” ou “o direito que se

assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a pessoas, coisas ou

atos”. É o servidor que exerce em nome próprio o poder do Estado, tomando

decisões, impondo regras, dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos

individuais, tudo nos limites da lei. Não têm esse poder, portanto, os agentes

públicos que são investigadores, escrivães, policiais militares, subordinados que

são às autoridades respectivas3.”

Decretos de execução

“Os decretos de execução ou regulamentares costumam ser definidos como

regras jurídicas gerais, abstratas e impessoais, editadas em função de uma lei

1 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São

Paulo: Método, 2010. p. 410-411.

2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais.

7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 87.

3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 86.

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cuja aplicação de algum modo envolva atuação da administração pública, visando

a possibilitar a fiel execução dessa lei4.” (grifo do autor)

Habeas Corpus

“Remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a

coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder5.”

Ministério Público

“O Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à

preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. Define-o

a Constituição como „instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis6.”

“O Ministério Público é o órgão que, no processo penal, é o titular da ação penal

pública e o fiscal da correta aplicação da lei7.”

Polícia administrativa

“[...] que tem por fim prevenir crimes, evitar perigos, proteger a coletividade,

assegurar os direitos de seus componentes, manter a ordem e o bem-estar

públicos [...]. Sua ação se exerce antes da infração da lei penal, sendo por isso

também chamada de Polícia Preventiva. As vastas atribuições desse ramo da

polícia são disciplinadas por leis, decretos, regulamentos e portaria [...]8.”

Polícia judiciária

“[...] destinada a investigar os crimes que não puderam ser prevenidos, descobrir-

lhes os autores e reunir provas e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao

4 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São

Paulo: Método, 2010. p. 230.

5 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 760.

6 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelledrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 210.

7 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 235.

8 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium,

2002. p. 35.

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juízo e, consequentemente, a julgamento; a prender em flagrante os infratores da

lei penal, a executar os mandados de prisão expedidos pelas autoridades

judiciárias, e a atender às requisições destas. Assume aí o caráter de órgão

judiciário auxiliar. Sua atividade só se exerce após a consumação do fato

delituoso, pelo que se dá à polícia judiciária também a denominação de Polícia

Repressiva [...]9.”

Representação criminal

“manifestação da vontade do ofendido ou de seu representante legal no sentido

de autorizar o Ministério Público a desencadear a persecução penal10.”

Suspensão condicional do processo

“A suspensão condicional do processo é, também, uma verdadeira transação. É

transação penal e processual. A parte acusadora a propõe e a Defesa tanto pode

aceitá-la como rejeitá-la. A diferença, contudo, quanto à transação disciplinada no

art. 76 é gritante. Esta só pode ser admitida em se tratando de contravenções ou

de crimes cuja pena máxima in abstracto não ultrapasse dois anos. Já a

suspensão condicional é perfeitamente admissível não só em relação a essas

infrações como também no que respeita a quaisquer outras, dês que a pena

mínima cominada não supere um ano11.”

Termo circunstanciado

“O termo circunstanciado tem por objeto a descrição de uma infração penal de

pequeno potencial ofensivo e suas circunstâncias, bem como eventual

qualificação de testemunhas e indicação das requisições de exames necessários

à prova da materialidade da infração. Dele também deverá constar, se não houver

a apresentação imediata do agente ao juiz, o compromisso de aquele comparecer

9 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium,

2002. p. 35.

10 FRANCO, Alberto Silva; BETANHO, Luiz Carlos; FELTRIN, Sebastião Oscar. Código penal e

sua interpretação jurisprudencial. v.1. t.2. São Paulo: RT, 1979. p. 48.

11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais

Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 226.

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em juízo, a fim de que não se imponha a prisão em flagrante ou se exija a

fiança12.”

Transação penal

“A transação que a Constituição permite possa ser feita, dizem, nada mais é que

um sucedâneo da ação penal. É como se a lei dissesse: a hipótese enseja

propositura da ação penal, mas, tratando-se de infração de menor potencial

ofensivo, a denúncia pode ser substituída por uma proposta de multa ou medida

restritiva de direito, sem a necessidade de se instaurar processo a respeito13.”

Verdade real

“Característico do processo penal, dado o caráter público do direito material sub

judice, excludente da autonomia privada. É dever do magistrado superar a

desidiosa iniciativa das partes na colheita do material probatório, esgotando todas

as possibilidades para alcançar a verdade real dos fatos, como fundamento da

sentença. Por óbvio, é inegável que mesmo nos sistemas em que vigora a livre

investigação das provas, a verdade alcançada será sempre formal, porquanto „o

que não está nos autos, não está no mundo‟14.”

12

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.

13 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais

Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 126.

14 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 24-25.

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................... X

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 .......................................................................................... 4

ATIVIDADE POLICIAL NO BRASIL ..................................................... 4

1.1 ORIGENS DO VOCÁBULO “POLÍCIA”, BREVE HISTÓRICO E ATUAL ESTRUTURA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................. 4

1.1.1 BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA ..................................................................... 5 1.1.2 ATUAL ESTRUTURA DA POLÍCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..... 13

1.2 POLÍCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................... 17 1.2.1 PODER DE POLÍCIA ................................................................................... 17 1.2.2 POLÍCIA ADMINISTRATIVA ......................................................................... 18 1.2.3 POLÍCIA JUDICIÁRIA.................................................................................. 21 1.2.4 INQUÉRITO POLICIAL ................................................................................ 25

1.3 ESTRUTURAS ORGANIZACIONAIS DAS POLÍCIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA .............................................................................................. 27

1.3.1 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA

CATARINA ........................................................................................................ 27 1.3.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA

CATARINA ........................................................................................................ 29

CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 35

ASPECTOS DESTACADOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ........................................................................................... 35

2.1 BREVE HISTÓRICO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL........................... 35 2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES ....................................................................... 40

2.2.1 PRINCÍPIO DA ORALIDADE ......................................................................... 41 2.2.2 PRINCÍPIO DA SIMPLICIDADE...................................................................... 44 2.2.3 PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE .................................................................. 45 2.2.4 PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL ..................................................... 46 2.2.5 PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL .................................................. 47

2.3 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS .......................... 48 2.3.1 INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO ............................................... 49 2.3.2 JUIZ TOGADO E JUIZ LEIGO ........................................................................ 52 2.3.3 CONCILIAÇÃO .......................................................................................... 54 2.3.4 TRANSAÇÃO PENAL .................................................................................. 56 2.3.4.1 TRANSAÇÃO PENAL NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA ....................... 58 2.3.4.2 OBRIGATORIEDADE DE PROPOSITURA DA TRANSAÇÃO PENAL QUANDO

INEXISTENTES OS IMPEDIMENTOS DO ART. 76, §2º, DA LEI 9.099/95 ...................... 60 2.3.5 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO .................................................. 62

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2.3.5.1 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL

PRIVADA ........................................................................................................... 65 2.3.5.2 OBRIGATORIEDADE DE PROPOSITURA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO

PROCESSO QUANDO INEXISTENTES OS IMPEDIMENTOS DO ART. 81, CAPUT, DA LEI

9.099/95 E ART. 77 DO CÓDIGO PENAL .............................................................. 66 2.3.6 INSTRUÇÃO E JULGAMENTO ....................................................................... 68 2.3.7 RECURSO DE APELAÇÃO ........................................................................... 74 2.3.8 EXECUÇÃO .............................................................................................. 76

CAPÍTULO 3 ........................................................................................ 78

AUTORIDADE COMPETENTE PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO .......................................................................... 78

3.1 O TERMO CIRCUNSTANCIADO ................................................................... 78 3.1.1 PROCEDIMENTOS PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO DA

POLÍCIA MILITAR ............................................................................................... 81 3.1.2 O TERMO CIRCUNSTANCIADO COMO MATERIALIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE

POLÍCIA JUDICIÁRIA ........................................................................................... 84 3.2 CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA A LEI 9.099/95 ................. 86 3.3 O DECRETO 660 DE 26 DE SETEMBRO DE 2007 ....................................... 93

3.3.1 CONCEITO DE DECRETO ............................................................................ 93 3.3.2 ILEGALIDADE DO DECRETO 660/07 ............................................................ 95

3.4 DIVERGÊNCIAS SOBRE A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO EM ALGUNS TRIBUNAIS E UNIDADES DA FEDERAÇÃO ............................... 99

3.4.1 ESTADO DE SANTA CATARINA ................................................................... 99 3.4.2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ............................................................ 101 3.4.3 ESTADO DE SÃO PAULO ......................................................................... 103 3.4.4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................ 109 3.4.5 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ................................................................ 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 112

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........................................ 115

ANEXOS ............................................................................................ 120

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto a abordagem da inconstitucionalidade e a

ilegalidade do termo circunstanciado lavrado por policiais militares, mormente no

Estado de Santa Catarina, realizando uma análise sobre dispositivos promulgados

na Constituição Federal e em legislações esparsas do ordenamento jurídico

brasileiro e catarinense. Para se chegar ao ponto principal, foram estudados os

mais relevantes marcos históricos que envolveram a polícia no mundo e no Brasil,

evoluindo a pesquisa até os dias atuais, demonstrando a sua atual organização e

diferenciação entre suas estruturas, bem como suas relações com o direito

administrativo. Em segundo momento, o estudo foi direcionado aos aspectos

destacados dos Juizados Especiais Criminais, com a abordagem de seus

institutos e procedimentos. Referente a esta pesquisa, procurou-se abordar

profundamente as competências existentes nos Juizados Especiais Criminais,

aprofundando questões importantes como o conceito de conciliação, infração

penal de menor potencial ofensivo, transação penal, suspensão condicional do

processo, juiz togado e juiz leigo, além de procedimentos processuais, como a

instrução e julgamento, os recursos e a execução. Ao final, o estudo foi

direcionado à pesquisa de qual autoridade policial seria competente para a

lavratura do termo circunstanciado. Nesse ponto, o termo circunstanciado foi

analisado como procedimento apurador de infrações penais de menor potencial

ofensivo na fase pré-judicial, buscando-se o seu conceito principalmente no

entendimento doutrinário. Foi abordado também o procedimento atualmente

adotado em Santa Catarina para lavratura do termo circunstanciado por policiais

militares e o entendimento de que o referido caderno investigativo materializa a

atividade de competência da polícia judiciária. Aprofundando-se nas pesquisas, o

estudo procurou buscar o verdadeiro conceito de autoridade policial positivado no

art. 76 da lei 9.099/95, entendendo-se esta como o delegado de polícia, e

levantou a ilegalidade do decreto 660/07 do Estado de Santa Catarina, sendo este

o ato administrativo que legitimou a lavratura do termo circunstanciado pela

Polícia Militar do Estado de Santa Catarina. Ao término, foram estudadas as

divergências sobre o tema existentes em algumas unidades da federação,

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xi

principalmente entre seus respectivos Tribunais de Justiça e Poderes Executivos,

além de serem trazidas jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e

Supremo Tribunal Federal. Por meio da pesquisa, com a utilização do método

indutivo, obtiveram-se os entendimentos de que o termo circunstanciado é

procedimento inerente à atividade de polícia judiciária; a lavratura do termo

circunstanciado por parte da Polícia Militar de Santa Catarina está revestida de

inconstitucionalidade e de ilegalidade, porquanto ofende aos princípios da ampla

defesa e do devido processo legal; e, por fim, a expressão “autoridade policial”

para os efeitos do art. 76 da lei 9.099/95 deve ser entendida como sendo o

delegado de polícia, em razão de seu conhecimento técnico e jurídico.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo do termo

circunstanciado lavrado pela Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, com

análise específica de sua constitucionalidade e legalidade.

O seu objetivo institucional é a obtenção do Título de

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas, campus Itajaí.

O objetivo geral é o estudo das instituições da Polícia Civil,

Polícia Militar e Juizados Especiais Criminais, verificando suas competências e

atribuições de acordo com o disposto na CRFB/88, na lei 9.099/95 e em outras

legislações pertinentes.

Tem-se ainda o objetivo específico, que é a análise da

inconstitucionalidade do termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar, a

caracterização deste como atividade de polícia judiciária e a conceituação do

termo “autoridade policial” para os efeitos da lei 9.099/95. É abordado também o

posicionamento da doutrina e da jurisprudência e a ilegalidade do decreto

estadual nº 660/07, que regulamentou a lavratura do termo circunstanciado pelos

policiais militares.

A escolha do tema se deu porque atualmente existe uma

grande divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial de posicionamentos

sobre a constitucionalidade do termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar.

Não existe ainda um entendimento pacificado, sendo que algumas unidades da

federação não autorizam o procedimento.

O estudo principia-se no Capítulo 1, tratando da história da

polícia no mundo e no Brasil. Estudar-se-á também a atual divisão policial

existente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a atividade policial no

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contexto da administração pública e a estrutura organizacional da Polícia Civil e

da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina.

No Capítulo 2, tratando de uma breve história dos Juizados

Especiais, dos princípios norteadores, do conceito de infração de menor potencial

ofensivo e das diversas competências existentes nos Juizados Especiais

Criminais, atribuídas pela CRFB/88 e pela lei 9.099/95.

No Capítulo 3, tratando de abordar diretamente a

inconstitucionalidade e a ilegalidade do termo circunstanciado instaurado pela

Polícia Militar de Santa Catarina. Para isso, tem-se o estudo do termo

circunstanciado como procedimento processual penal de competência da polícia

judiciária, além da essência da expressão “autoridade policial”, do decreto

estadual de Santa Catarina nº 660/07, e, por fim, das divergências existentes

entre diversos tribunais e a administração pública sobre o tema.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a inconstitucionalidade e a ilegalidade do termo circunstanciado lavrado

pela Polícia Militar de Santa Catarina, bem como do real significado trazido pela

lei 9.099/95 quando inclui o termo “autoridade policial” em seu texto legal.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1ª O termo circunstanciado, mesmo sendo procedimento

dotado de informalidade e simplicidade, é de competência exclusiva da polícia

judiciária, pois se trata de caderno investigativo destinado a apurar infrações

penais, ainda que de menor potencial ofensivo.

2ª A lavratura do termo circunstanciado pela Polícia Militar

do Estado de Santa Catarina ofende princípios inclusos na Constituição da

República Federativa do Brasil, bem como se reveste de ilegalidade dentro da

legislação catarinense.

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3

3ª A expressão “autoridade policial” inclusa na lei 9.099/95

deve ser interpretada como sendo unicamente o delegado de polícia, em razão da

necessidade de conhecimento técnico e jurídico que este deve ter para exercer

suas atribuições dentro da estrutura policial existente no ordenamento jurídico

pátrio.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação15 foi utilizado o Método Indutivo16, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano17, e, o Relatório dos Resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente18, da Categoria19, do Conceito Operacional20 e da

Pesquisa Bibliográfica21.

15

“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

16 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

17 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

18 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

19 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

20 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

21 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

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CAPÍTULO 1

ATIVIDADE POLICIAL NO BRASIL

1.1 ORIGENS DO VOCÁBULO “POLÍCIA”, BREVE HISTÓRICO E ATUAL

ESTRUTURA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A polícia em sentido amplo é o órgão estatal que tem a

função de garantir a segurança da coletividade, por meio da prevenção e

repressão de delitos, manutenção da ordem pública e auxílio à Justiça, utilizando-

se de métodos de patrulhamento, investigação e cumprimento de atos expedidos

pelos órgãos judiciários.

O termo teve origem na palavra grega politeia, vocábulo que

era utilizado para designar as atividades das antigas cidades-estados gregas

(polis), não havendo, no sentido atual da palavra polícia, qualquer relação com o

antigo significado da expressão22.

Sua existência pode ser considerada fundamental para a

manutenção da sociedade contemporânea, pois entre suas principais finalidades

está a de promover a segurança da coletividade e, em outros casos, aplicar as

determinações do Estado.

O renomado doutrinador MIRABETE traz o amplo conceito

de polícia:

A Polícia, instrumento da administração, é uma instituição de

direito público, destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade

e na medida dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a

segurança individual. Segundo o ordenamento jurídico do País, à

polícia cabem duas funções: a administrativa (ou de segurança) e

a judiciária. Com a primeira, de caráter preventivo, ela garante a

ordem pública e impede a prática de fatos que possam lesar ou

22

Nesse sentido, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 115.

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5

pôr em perigo os bens individuais ou coletivos; com a segunda, de

caráter repressivo, após a prática de uma infração penal recolhe

elementos que o elucidem para que possa ser instaurada a

competente ação penal contra os autores do fato23.

Pode-se verificar que a polícia é dividida em dois grandes

grupos, que atendem à demanda social tanto na preservação da ordem pública

quanto na apuração dos delitos já cometidos. A divisão das polícias, em polícia

administrativa e polícia judiciária, será tratada posteriormente neste capítulo.

Apesar de existirem diversos órgãos policiais no Brasil

instituídos com o propósito de promover a segurança pública em áreas variadas,

a presente pesquisa procurará se aprofundar com mais detalhes às instituições da

Polícia Militar e Polícia Civil, tendo em vista que estes são os órgãos

responsáveis, a nível estadual, pela preservação da ordem pública e pela

investigação criminal, bem como estão envolvidos diretamente na confecção do

termo circunstanciado positivado pela lei 9.099/95.

1.1.1 Breve histórico da polícia

Iniciando o estudo do caminho histórico percorrido pelas

instituições policiais, colhe-se da doutrina de THOMÉ um pouco sobre os

princípios da polícia e a sua introdução na sociedade. A existência desses órgãos

tem suas origens ainda na antiguidade:

A História Antiga não permite a análise científica das primeiras

organizações policiais. Jean-François Champolion (1790-1832),

orientalista francês que decifrou os hieróglifos egípcios e autor das

“Cartas sobre o Egito e a Núbia” narra a existência, naquela

região, desde os tempos remotos, de uma polícia repressiva e

auxiliar da instrução pública (com julgamento secreto), cuja

acusação era dever cívico das testemunhas. Menés, primeiro Rei

do Egito e unificador do país dizia que a polícia é „o principal e o

maior bem de um povo‟24. [...] Os hebreus sentiram a necessidade

de uma guarda constante nos depósitos de alimentação enquanto

vagueavam pelo deserto. Já em Jerusalém, dividiram a cidade em

23

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 57.

24 THOMÉ apud HERMES VIEIRA. Formação histórica da polícia de São Paulo. 1965. p. 2.

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quatro partes e confiaram a vigilância delas a um Intendente de

Polícia. Os romanos evoluíram de uma polícia sem qualquer

organização para uma força repressiva sujeita à forma solene25.

Ainda na Roma antiga, THOMÉ explica que em 510 a.C.,

após a queda da Monarquia, foi estabelecida a República, onde o Senado e o

Povo exerceriam a jurisdição criminal escolhendo para tanto um Cônsul, eleito

com mandato de um ano que, além de ostentar funções de magistrado,

juntamente com um segundo Cônsul, teria o poder de exercer as atribuições de

polícia26.

Em 388 a.C. surge na Roma Antiga o cargo de Pretor, com

competências de magistrado e encarregado da justiça, e a figura dos inspetores,

agentes que tinham a atribuição de servir como auxiliares de polícia27.

Otaviano assume o título de Augusto em 31 a.C.,

administrando Roma como Imperador, porém mantendo o governo sob aparência

republicana. Neste período são criados os cargos de proefectus vigilum e

proefectus urbi, autoridades que detinham conhecimento acerca dos crimes não

punidos com a pena capital e eram assistidos por quatorze curadores. A estes

curadores, estavam subordinados os agentes policiais que deveriam investigar os

crimes e prender os seus autores, realizar interrogatórios, buscas e apreensões e,

por fim, esclarecer tudo formalmente por escrito, direcionado os documentos

elaborados à autoridade competente28.

Posteriormente, após a queda de Roma, já na idade média,

cada país possuía sua própria organização policial. Na Espanha do século XI, a

polícia era organizada e conhecida como hermandades, grupos que se

25

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 10-11.

26 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 11.

27 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 11.

28 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 11.

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7

dedicavam a perseguir criminosos. Já a polícia inglesa, no século XII, atuava por

intermédio dos constables29.

Em relação às atividades policiais portuguesas da idade

média, THOMÉ ensina que seus princípios tinham origem no ano de 1020,

quando foi editado o documento conhecido como “Fuero de Leon”, trazendo à

nossa baila outros dispositivos que regulavam a polícia lusitana:

A organização policial portuguesa pode ser identificada já no ano

de 1020, baseada em documento conhecido como “Fuero de

Leon”, quando D. Afonso V, Rei de Castella, estabeleceu e

implantou regras de administração policial, entre outras, para

serem obedecidas na cidade de Leão e que foram observadas em

outras vilas e lugares. D. Diniz, em 1279, ordenou a Lei das

Pontarias que previa a possibilidade da prisão dos malfeitores por

Alcaides, Juízes, Alvazis, Comendadores e Meirinhos. O Rei

Fernando I, de Portugal (1367 – 1383), criou em 12 de setembro

de 1383 o “Regimento de Quadrilheiros” com o objetivo de conter

os assaltos nas estradas. No final deste período histórico, em

1446, surgem as Ordenações Afonsinas, seguindo-se as

Manoelinas (1521 – 1603) e Filipinas (1603 – 1867), todas

legislações que trataram do processo penal. Na época do

descobrimento do Brasil, estavam em vigor, em Portugal, as

Ordenações Afonsinas30.

Na era moderna e contemporânea, THOMÉ expõe sobre a

evolução das organizações policias:

A história recente possibilita a análise clara de que a polícia

evoluiu à condição científica experimentada em todo o mundo.

Com característica investigativa evidente, esclarecendo infrações

penais e sua autoria, a polícia afastou-se dos conceitos

repressivos. A criminologia reconhecida como ciência e integrada

às atividades policiais, o reconhecimento do impacto do meio

sobre o homem e o estímulo à educação social como fator

29

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 11.

30 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 12.

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8

preventivo da criminalidade são alguns aspectos que modificaram

o trabalho policial31.

Na obra, o autor relata sobre fatos que se iniciaram na

Revolução Francesa (1789), elevando o patamar da polícia até os dias atuais32.

Em 1808, Napoleão Bonaparte estabeleceu na França o

sistema acusatório formal através da criação do Código de Instrução Criminal.

Suas idéias se difundiram por toda a Europa e chegou até a América Latina

através da Venezuela33.

Na Inglaterra de 1829, os policiais começaram a patrulhar as

ruas da capital Londres em trajes civis, cujo objetivo inicial era convencer a

população de que não eram soldados, mas sim pessoas comuns do próprio povo

que tinham a atribuição de promover a proteção de todos. Posteriormente, em

1842, alguns policiais abandonaram definitivamente os uniformes e assumiram

funções de investigadores34.

O Código de Processo Penal Suíço de 1851 descrevia

atribuições da polícia judiciária, entre elas reunir provas e entregar indiciados à

autoridade judiciária, além de tomar precauções para a preservação dos vestígios

no local de crime35.

No ano de 1933, os Estados Unidos da América sofriam com

a onda de quadrilhas que financiavam a prática de crimes visando vantagens

patrimoniais. Foi neste período, em que surgiram os gangsters, que se utilizou

pela primeira vez a expressão “Crime Organizado”, tendo Al Capone como um

dos criminosos mais conhecidos. O governo estadunidense, para coibir a prática

31

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 13.

32 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 13.

33 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 13.

34 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 13.

35 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 13.

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do crime organizado, formou uma estrutura repressiva com competência federal,

reforçando a instituição hoje conhecida como FBI (Federal Bureau of

Investigations)36.

Voltando-se ao estudo das origens policiais no Brasil,

inicialmente cabe destacar que as leis processuais denominadas Ordenações

Afonsinas, que tiveram vigência em Portugal entre os anos de 1446 e 1521, foram

as primeiras normas jurídicas de procedimento penal a ter validade em território

brasileiro. É fato que as Ordenações Afonsinas praticamente não tiveram

aplicação no Brasil, pois foram revogadas em 1521, considerando que, até 1530,

houve pouquíssimo interesse da Coroa portuguesa pelo território recém

descoberto. Havia, nessa época, um rudimentar sistema policial:

O Brasil foi praticamente abandonado por Portugal nos primeiros

trinta anos de seu descobrimento, tendo o Rei Dom Manuel

providenciado tão-somente a instalação de algumas “Feitorias”

que garantiam a posse e serviram para o reabastecimento de

navios e para fiscalizar e inibir a ocorrência de contrabando, num

rudimentar sistema policial que se confundia com a defesa

econômico-militar da terra37.

Apenas no ano de 1530, quando Portugal já se encontrava

sob o regime das Ordenações Manoelinas, houve um maior interesse da Coroa

portuguesa pelo Brasil, que visava então a exploração, colonização e povoamento

do território, consequentemente ampliando as possibilidades de aplicação das

normas vigentes:

Somente em 1530, decidiu o Rei Dom João III enviar uma

expedição ao Brasil, com três missões: explorar a costa, desde o

Maranhão até o rio da Prata, impedir o comércio dos outros países

36

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 13.

37 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 14.

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europeus e fundar as primeiras Vilas, com o objetivo de

colonização38.

Atreladas às ordenações vigentes, a polícia, segundo

THOMÉ, iniciou suas atividades em território brasileiro na mesma época, quando

foi formado um aparato estatal que unia as funções militares, policiais e judiciais:

Nesta fase histórica, a ação militar em defesa da posse, a função

policial e a função de julgar não estavam separadas.

Subordinados aos Juízes ordinários estavam os “Meirinhos”, com

função de oficial de justiça; os “Jurados”, que prestavam

juramento e passavam a cumprir os deveres de polícia e os

“Vintaneiros”, que eram os policiais das localidades. Os

“Quadrilheiros” faziam o policiamento interno das Vilas, em favor

da ordem pública. Havia ainda o “Alcaide” e os “Carcereiros” 39.

O Alcaide, consoante estudo de RAMOS, possuía

atribuições bastante semelhantes com as funções dos atuais delegados de

polícia:

O Alcaide-mor dos castelos também era nomeado, e possuía a

função precípua de proteger os castelos, bem como todas as

pessoas. A eles pertenciam todas as carceragens dos presos e as

armas que à Alcaiadaria fossem apreendidas, e a indicação de

três pessoas, a fim de que uma delas fosse escolhida para

desempenhar a função de Alcaide Pequeno da Cidade e da Vila,

por três anos. Os Alcaides Pequenos das Cidades e Vilas

exerciam em sua área de atuação, atribuições semelhantes às

desenvolvidas atualmente por delegados de polícia. Além de

atender às requisições judiciais, como apresentar presos a

audiências, prender pessoas e soltá-las, exercia a função do

policial ao investigar crimes, prender pessoas em flagrante delito,

lavrando termo e apresentando imediatamente ao juiz da cidade,

38

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 14.

39 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 15.

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11

caso houvesse possibilidade, ou, não havendo, solicitavam

autorização do alcaide-mor para mantê-los presos40.

THOMÉ continua sua pesquisa sobre a história da polícia

brasileira, trazendo ao conhecimento vários fatos e datas importantes para a

polícia, demonstrando ainda a evolução da legislação processual penal. Em 25 de

junho de 1760, foi editado o “Alvará do Rei de Portugal”, regulando a atividade

policial preventiva e repressiva. Esta legislação utilizou expressões que hoje

possuem semelhanças no vocabulário jurídico, tais como “Delegados de

Província”, “comissários constituídos nas cabeças de Comarcas”, “réus de delito”

e “autuando-os em processos”41.

Quase vinte anos depois, em 15 de janeiro de 1760, foi

editado um novo “Alvará do Rei de Portugal”, que dispôs sobre a polícia de

segurança e tranquilidade pública42.

Um fato histórico que contribuiu para a ampliação das forças

policiais no Brasil foi a vinda da família real portuguesa, em 22 de janeiro de 1808,

época em que ocorriam as invasões napoleônicas na Europa. Com a chegada da

Coroa, ocorreu um rápido desenvolvimento econômico e social no país, o que

acarretou na necessidade do reforço e organização dos serviços policiais. Assim

é que o Alvará de 10 de maio de 1808 criou o embrião da polícia judiciária

brasileira. No alvará, foi estabelecida a Intendência Geral de Polícia da Corte e do

Estado do Brasil, com competência de cumprir as normas da legislação criminal

vigente à época, utilizando o vocábulo “Delegado” para designar a autoridade

policial da Província, que representava o Intendente Geral. A norma ainda

ratificou e fez observar no Brasil os outros dois Alvarás do Rei de Portugal acima

apresentados43.

40

RAMOS, Humberto da Silva. O direito brasileiro ao tempo da colônia. Revista da ADPESP, Ano 16, nº 20. v. I. São Paulo: Iglu, 1995. p.57

41 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 15.

42 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 15.

43 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 15-16.

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12

O registro dos primórdios da Polícia Militar também é

apresentado na obra de THOMÉ, antes e após a independência nacional:

O primeiro registro histórico associado à Polícia Militar é datado

de 13 de maio de 1809, praticamente um ano após a criação da

polícia judiciária, quando foi instituída a Divisão Militar da Guarda

Real de Polícia para “prover a segurança e tranquilidade desta

heróica e mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”.

Muito tempo depois, o Ato Adicional à Constituição, promulgado

em 25 de março de 1824, instituiu a Polícia Militar do Estado do

Rio de Janeiro e dos demais Estados, com características de

milícias particulares dos Presidentes das Províncias. A justificativa

do Príncipe Regente para a criação da Divisão Militar da Guarda

Real de Polícia afirmava que deveria ter “possível semelhança

daquela que com tão reconhecidas vantagens estabeleci em

Lisboa”44.

A lei 261 de 03 de dezembro de 1841, portanto já após a

independência do Brasil, promulgou o Código de Processo Penal do Império,

instituindo no município da Corte e em todas as províncias um Chefe de Polícia e

os respectivos Delegados de Polícia e subdelegados, todos nomeados pelo

Imperador ou pelos Presidentes das Províncias. Estas autoridades possuíam a

competência de “vigiar e providenciar sobre tudo que pertence à prevenção dos

delitos e manutenção da segurança e tranqüilidade pública” e “remeter todos os

dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma

exposição do caso e suas circunstâncias”45.

No ano de 1842, o decreto 120, datado de 31 de janeiro,

regulamentou a lei 261 e mencionou expressamente a “competência da polícia

judiciária”, que à época possuía atribuições, entre elas julgar crimes considerados

de menor potencial ofensivo, adotando uma política nacional de segurança

pública. O artigo 10 da referida norma estabeleceu que “Na Corte e nas capitais

das Províncias, mencionadas no Art. 5º, haverá uma casa privativamente

44

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 16.

45 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 16.

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13

destinada para o expediente ordinário da polícia”. Este dispositivo criou as

repartições públicas nos moldes das atuais delegacias de polícia46.

THOMÉ relata a ocorrência de reformas no sistema

processual penal no ano de 1871, que ordenaram a separação da polícia

judiciária e da Justiça, ocasião em que foi instituída também a figura do Inquérito

Policial:

Já no ano de 1871, houve nova Reforma Processual, através da

Lei 2.033 e do Decreto 4.824, separando a polícia judiciária da

Justiça e instituindo o Inquérito Policial, como diligência

necessária à denúncia ou à queixa e que consistia “em todas as

diligências necessárias para o descobrimento dos fatos

criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices,

devendo ser reduzido a instrumento escrito”47.

Dando um salto no tempo, já bem próximo dos dias atuais, o

autor traz ao conhecimento o registro de três legislações que estabeleceram a

formação das polícias civis e militares no Brasil:

Decreto 66.862/70 e Decretos-Lei 667 e 1.072/69 impuseram a

formação de uma polícia civil e uma polícia militar, a primeira com

função de polícia judiciária e a segunda, fardada e reserva do

Exército, para exercer o policiamento ostensivo48.

Após uma longa caminhada histórica por diversas fases da

sociedade, chega-se ao atual paradigma da segurança pública no Brasil, que será

a seguir estudado.

1.1.2 Atual estrutura da polícia no ordenamento jurídico brasileiro

A mais recente estrutura da polícia no Brasil está positivada

pelo artigo 144 da CRFB/88, que trata da segurança pública, e, em seus incisos,

46

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 16-17.

47 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 16-17.

48 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:

Editora do Autor, 1997. p. 16-17.

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14

estabelece a divisão e a denominação de cada uma das polícias existentes no

país:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da

ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,

através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal

II – polícia rodoviária federal

III – polícia ferroviária federal

IV – polícias civis

V – polícias militares e corpo de bombeiros militares.

É necessário ressaltar, como já dito anteriormente, que o

ordenamento jurídico brasileiro prevê atualmente dois grupos principais de polícia,

dividindo-se entre as instituições que compreendem a polícia administrativa

(também conhecida como ostensiva ou de segurança) e as instituições que

compreendem a polícia judiciária. Essa divisão será vista adiante, no item que

trata da polícia na administração pública.

Além das instituições policiais tradicionais descritas no artigo

constitucional supracitado, deve-se incluir ainda como órgãos integrantes do

conceito de segurança pública as guardas municipais, que tiveram suas criações

autorizadas pelo §8º do artigo supra mencionado:

§8.º Os Municípios poderão constituir guardas municipais

destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,

conforme dispuser a lei.

Ainda, para contribuir ao conhecimento, é de se trazer outras

duas instituições policiais brasileiras pouco conhecidas, que atuam na segurança

das câmaras legislativas federais.

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Uma delas é a Polícia do Senado Federal, que está

constitucionalmente prevista no artigo 52, XIII da CRFB/88 e detém as funções a

seguir definidas, regidas pela resolução interna nº 59/02 da referida casa

legislativa:

Art. 2º A Secretaria de Polícia do Senado Federal, unidade

subordinada à Diretoria-Geral, é o órgão de Polícia do Senado

Federal.

§ 1º São consideradas atividades típicas de Polícia do Senado

Federal:

I – a segurança do Presidente do Senado Federal, em qualquer

localidade do território nacional e no exterior;

II – a segurança dos Senadores e autoridades brasileiras e

estrangeiras, nas dependências sob a responsabilidade do

Senado Federal;

III – a segurança dos Senadores e de servidores em qualquer

localidade do território nacional e no exterior, quando determinado

pelo Presidente do Senado Federal;

IV – o policiamento nas dependências do Senado Federal;

V – o apoio à Corregedoria do Senado Federal e às comissões

parlamentares de inquérito;

VI – as de revista, busca e apreensão;

VII – as de inteligência;

VIII – as de registro e de administração inerentes à Polícia;

IX – as de investigação e de inquérito.

A outra instituição policial legislativa é o Departamento de

Polícia Legislativa, prenunciado no artigo 51, IV da Carta Magna e regido pela

resolução nº 18/03 da Câmara dos Deputados, tem como competências:

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16

Art. 2º O Departamento de Polícia Legislativa é o órgão de Polícia

da Câmara dos Deputados.

Art. 3º São consideradas atividades típicas de Polícia da Câmara

dos Deputados:

I - a segurança do Presidente da Câmara dos Deputados, em

qualquer localidade do território nacional e no exterior;

II - a segurança dos Deputados Federais, servidores e

autoridades, nas dependências sob a responsabilidade da

Câmara dos Deputados;

III - a segurança dos Deputados Federais, servidores e quaisquer

pessoas que eventualmente estiverem a serviço da Câmara dos

Deputados, em qualquer localidade do território nacional e no

exterior, quando determinado pelo Presidente da Câmara dos

Deputados;

IV - o policiamento nas dependências da Câmara dos Deputados;

V - o apoio à Corregedoria da Câmara dos Deputados;

VI - a revista, a busca e a apreensão;

VII - as de registro e de administração inerentes à Polícia;

VIII - a investigação e a formação de inquérito.

Verificando os diversos organismos policiais existentes no

ordenamento jurídico pátrio, cumpre relembrar que a presente pesquisa estará

restrita ao estudo da Polícia Militar e da Polícia Civil, por serem as instituições que

mais atuam diretamente na elaboração e lavratura do termo circunstanciado.

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17

1.2 POLÍCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1.2.1 Poder de Polícia

Para entender melhor as funções da polícia no sistema

jurídico pátrio atual, deve-se entrar na ótica da administração pública e estudar o

conceito do poder de polícia.

Poder de polícia é, para o Direito Administrativo, “a atividade

do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício

do interesse público”49.

A consistência desses interesses públicos se estabelece no

direito que o cidadão possui perante os mais variados setores da sociedade,

incluindo a segurança, a saúde, a propriedade, meio ambiente, entre outros. É

dever do Estado garantir que esses direitos sejam atendidos para impedir que

abusos sejam cometidos por particulares e assim se inicie a ocorrência de

desordem social, enfraquecendo o Estado, que passa a se tornar inepto e

desnecessário a medida que não possui força para interferir e garantir o interesse

público de bem-estar social.

O poder de polícia é tão importante para a administração

pública que veio a ser positivado no Código Tributário Nacional, no caso, apenas

como método para dar legitimidade à cobrança do tributo denominado taxa, mas,

sem dúvida, muito conveniente como fonte de interpretação:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração

pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou

liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão

de interesse público concernente à segurança, à higiene, à

ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado,

ao exercício de atividades econômicas dependentes de

concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade

pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos

individuais e coletivos. (grifou-se)

49

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 117.

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18

Por essa via, verifica-se que o poder de polícia é a atribuição

que o Estado possui para garantir que o interesse público esteja acima do

interesse particular, fazendo-o através da limitação ou disciplina de direito,

interesse ou liberdade, podendo também atuar na defesa dos direitos individuais e

coletivos, porém, sempre com o objetivo de proteger a vontade pública.

No tocante ao interesse público da segurança, pode-se

dividir a atuação do poder de polícia em polícia administrativa e polícia judiciária,

cujas características serão estudadas a seguir.

1.2.2 Polícia Administrativa

Analisando pela ótica da segurança pública, a polícia

administrativa, também conhecida por polícia preventiva ou de segurança, é

aquela utilizada pelo Estado com a função de manter a ordem pública e realizar o

policiamento ostensivo, a fim de prevenir a ação delituosa, ou seja, evitar, impedir

que a infração penal ocorra antes da sua execução.

Para isso, é comum que a polícia administrativa de

segurança pública utilize uniformes na realização de seus trabalhos, pois, como

exerce função ostensiva, é necessário que os seus integrantes sejam

prontamente identificados para o atendimento à população.

SILVA traz o conceito de Polícia Administrativa,

exemplificando como máxime de suas prerrogativas a proteção da coletividade e

dos direitos dos cidadãos, bem como a manutenção da ordem e bem-estar

públicos:

Polícia Administrativa – que tem por fim prevenir crimes, evitar

perigos, proteger a coletividade, assegurar os direitos de seus

componentes, manter a ordem e o bem-estar públicos [...]. Sua

ação se exerce antes da infração da lei penal, sendo por isso

também chamada de Polícia Preventiva. As vastas atribuições

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19

desse ramo da polícia são disciplinadas por leis, decretos,

regulamentos e portaria [...]50. (grifo do autor)

Por isso, em razão das atribuições da polícia administrativa,

observa-se que ela é um dos meios utilizados pelo Estado para aplicar o poder de

polícia, uma vez que é a responsável pela garantia da ordem pública, sendo a que

atua mais diretamente com a população.

O órgão que a nível estadual exerce as funções de polícia

administrativa é a Polícia Militar, constituída e com atribuições definidas no artigo

144, §5º da CRFB/88:

§5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a

preservação da ordem pública; [...]

Já o artigo 107 da CESC/89 institui as diretrizes específicas

da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina:

Art. 107 - À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar,

reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na

disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos

limites de sua competência, além de outras atribuições

estabelecidas em lei:

I - exercer a polícia ostensiva relacionada com:

a) a preservação da ordem e da segurança publica;

b) o rádiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;

c) o patrulhamento rodoviário;

d) a guarda e a fiscalização do transito urbano;

e) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;

f) a polícia judiciária militar;

50

SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium, 2002. p. 35.

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20

g) a proteção do meio ambiente;

Além da Constituição Estadual, é de se observar ainda o

artigo 3º do decreto-lei 667/69, com redação alterada pelo decreto-lei 2.010/83,

que estipula as regras gerais para atuação e competência das Polícias Militares:

Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e

segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito

Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas

respectivas jurisdições:

a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares

das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado

pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da

lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes

constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em

locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a

perturbação da ordem;

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da

ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;

d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo

Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir

grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção,

subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas

atribuições específicas de polícia militar e como participante da

Defesa Interna e da Defesa Territorial;

e) além dos casos previstos na letra anterior, a Polícia Militar

poderá ser convocada, em seu conjunto, a fim de assegurar à

Corporação o nível necessário de adestramento e disciplina ou

ainda para garantir o cumprimento das disposições deste Decreto-

lei, na forma que dispuser o regulamento específico.

Convém lembrar também que a polícia administrativa não

atua apenas no âmbito da segurança pública, pois, além da Polícia Militar, podem

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21

ser considerados polícia administrativa todos aqueles órgãos utilizados pela

administração pública para a fiscalização e promoção do bem-estar social:

[...] a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da

administração, além da própria Polícia Militar, os vários órgãos de

fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que

atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e

assistência social51.

Todavia, como a presente pesquisa visa aprofundar o estudo

na questão da segurança pública estadual relacionada com o termo

circunstanciado, será mantido restrito o conceito de polícia administrativa à Polícia

Militar catarinense.

1.2.3 Polícia Judiciária

A polícia judiciária, também conhecida como polícia

repressiva ou investigativa, tem como principais atribuições a investigação e

repressão aos crimes e contravenções que não puderam ser evitados na esfera

de competência da polícia administrativa. Percebe-se, então, que a partir do

cometimento do delito, há a transferência da competência repressiva à infração

penal, que agora passa a ser atribuição da polícia judiciária, devendo ela realizar

a investigação policial para juntar elementos e provas a fim de auxiliar na

elucidação do fato.

Nos estados federados, os órgãos competentes para realizar

as funções de polícia judiciária são as Polícias Civis, enunciadas no artigo 144,

§4º da CRFB/88:

§4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de

polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as

militares.

51

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 118.

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22

Analisando o dispositivo constitucional, constata-se que à

Polícia Civil incumbem duas funções: a de polícia judiciária e a de apuração de

infrações penais, exceto as militares.

Funções de polícia judiciária são aquelas descritas no artigo

13 do Código de Processo Penal, que determina procedimentos formais para a

instrução do Inquérito Policial52:

Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:

I – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias

à instrução e julgamento dos processos;

II – realizar diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério

Público;

III – cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades

judiciárias;

IV – representar acerca da prisão preventiva.

Esses procedimentos são realizados pela autoridade policial

com o objetivo de auxiliar o poder judiciário, na medida em que atende às

determinações da autoridade judiciária e requisições do Ministério Público na

busca de provas e cumprimento de atos necessários ao andamento do processo

penal. Por isso, a polícia, ao exercer funções de polícia judiciária, também pode

ser considerada órgão auxiliar da justiça, visto que pratica atos tendentes a ajudar

o juiz na busca da verdade real.

Em relação à apuração de infrações penais, deve-se notar

que o ordenamento jurídico brasileiro considera apenas duas modalidades de

infração penal: crime e contravenção, conforme o artigo 1º do Decreto-lei 3.914/41

- Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina

pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer

52

Nesse sentido, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 65.

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alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;

contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente,

pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou

cumulativamente.

Partindo assim, à Polícia Civil cabe a apuração e a

investigação dos crimes e contravenções penais de qualquer natureza, exceto

militares e as de competência da União.

Da doutrina, colhe-se o conceito de SILVA referente à polícia

judiciária e suas atribuições, definindo-a como a polícia competente para

investigar e auxiliar a justiça:

Polícia Judiciária – destinada a investigar os crimes que não

puderam ser prevenidos, descobrir-lhes os autores e reunir provas

e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao juízo e,

consequentemente, a julgamento; a prender em flagrante os

infratores da lei penal, a executar os mandados de prisão

expedidos pelas autoridades judiciárias, e a atender às

requisições destas. Assume aí o caráter de órgão judiciário

auxiliar. Sua atividade só se exerce após a consumação do fato

delituoso, pelo que se dá à polícia judiciária também a

denominação de Polícia Repressiva [...]53. (grifo do autor).

É obvio que a polícia judiciária também exerce o poder de

polícia do Estado, pois não apenas o policiamento preventivo, mas também o

repressivo é providência da administração pública para atender o interesse da

coletividade à segurança, uma vez que a apuração criminal tende a coibir e trazer

a verdade sobre determinado fato delituoso, objetivando, por fim, em caso de

condenação, tirar do seio da sociedade o indivíduo que cometeu a infração penal

e ressocializá-lo, para que não volte a transgredir novamente.

No Estado de Santa Catarina, o órgão competente para

exercer as funções de polícia judiciária e apuração de infrações criminais é a

Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, instituída e com competências definidas

pelo artigo 106 da CESC/89:

53

SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium, 2002. p. 35.

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Art. 106 - A Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia,

subordina-se ao Governador do Estado, cabendo-lhe:

I - ressalvada a competência da União, as funções de polícia

judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares;

[...]

III - a execução dos serviços administrativos de trânsito;

IV - a supervisão dos serviços de segurança privada;

[...]

VI - a fiscalização de jogos e diversões públicas.

Interessante levantar também a questão que em

determinados casos, as competências da Polícia Militar e Polícia Civil se

confundem nos conceitos de polícia administrativa e polícia judiciária.

Isto ocorre porque a competência de cada uma não é

restrita, pois a Polícia Militar, quando da apuração de infrações penais por parte

de seus integrantes, atua como polícia judiciária, instaurando o chamado Inquérito

Policial Militar (que será brevemente estudado adiante) e levantando provas e

elementos para auxílio na busca da verdade real pelo órgão judiciário

competente, para o julgamento dos chamados crimes militares. Essa competência

está implícita no artigo 144, § 4º da CRFB/88, que exclui da competência das

Polícias Civis a investigação das infrações penais militares e explícita no artigo

107, I, alínea “f” da CESC/89, já estudado anteriormente, que inclui entre as

atribuições da Polícia Militar de Santa Catarina exercer a polícia ostensiva

relacionada com a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal.

Por outro lado, observa-se que a Polícia Civil de Santa

Catarina além de suas competências investigativas, também exerce atribuições

de polícia administrativa, sob a ótica extensiva da administração pública, ao

realizar, por exemplo, a execução de serviços administrativos de trânsito e a

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fiscalização de jogos e diversões públicas, competências estas definidas no artigo

106, III e VI da CESC/89.

1.2.4 Inquérito Policial

Como resultado das pesquisas das atividades policiais,

considera-se importante remeter ao breve estudo do inquérito policial, que é o

resultado material das investigações da polícia judiciária. No terceiro capítulo,

será estudado o termo circunstanciado, positivado pela lei 9.099/95 que, apesar

de maneira mais simplificada, assemelha-se muito com o procedimento adotado

no inquérito policial.

A origem da palavra inquérito provém do vocábulo latino

quaeritare, que significa ir à busca de, pesquisar, perguntar, procurar. Segundo

FERREIRA, inquérito policial é o que “a autoridade policial promove pra descobrir

fatos criminosos, suas circunstâncias e seus autores54.”

NUCCI adota o conceito de Inquérito Policial como sendo o

instrumento escrito, onde constam as diligências necessárias para a elucidação

de delitos:

O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias

para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas

circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser

reduzido a instrumento escrito. Passou a ser função da polícia

judiciária a sua elaboração55.

Essas diligências que devem ser adotadas estão explícitas

no artigo 6.º do Código de Processo Penal, que define a atuação necessária da

autoridade policial ao tomar conhecimento do fato ilícito, a saber:

Art. 6.º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal,

a autoridade policial deverá:

54

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário da língua portuguesa. 10. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972. p. 676.

55 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 6. ed., revista,

atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 62.

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I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o

estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos

criminais;

II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após

liberados pelos peritos criminais;

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do

fato e suas circunstâncias;

IV – ouvir o ofendido;

V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do

disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o

respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe

tenham ouvido a leitura;

VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a

acareação;

VII – determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo

de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo

datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de

antecedentes;

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista

individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e

estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e

quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação

do seu temperamento e caráter.

Portanto, o inquérito policial é o conjunto de atos e

procedimentos adotados pela autoridade policial, com a finalidade de apurar,

investigar e obter informações que cercam o cometimento de um fato delituoso.

Na esfera militar, o caderno investigativo responsável pela

apuração das infrações penais militares é o inquérito policial militar, positivado

pelo Código de Processo Penal Militar:

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Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato,

que, nos têrmos legais, configure crime militar, e de sua autoria.

Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a

de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.

Este procedimento será tomado por uma polícia judiciária

militar e dirigido por uma autoridade militar. Todavia, o inquérito policial militar

somente poderá ser adotado quando há ocorrência de crime militar, sendo

considerados como tal os delitos descritos nos artigos 9º e 10 do Código Penal

Militar.

1.3 ESTRUTURAS ORGANIZACIONAS DAS POLÍCIAS DO ESTADO DE

SANTA CATARINA

1.3.1 Estrutura organizacional da Polícia Militar do Estado de Santa

Catarina

A estrutura da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina é

regida pelo decreto-lei 667/69, que estipula normas gerais quanto à organização

das instituições militares estaduais; pela Constituição Estadual, em seu artigo

107; e pelo Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Santa Catarina, lei

estadual nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983.

As normas gerais tratadas pelo decreto-lei 667/69

determinam quanto ao pessoal e a estrutura que as polícias militares devem

adotar. Para os efeitos dessa legislação, a hierarquia policial militar foi dividida em

três grupos: oficiais de polícia, praças especiais de polícia e praças de polícia.

Na divisão específica determinada pelo decreto-lei, em seu

artigo 8º, o grupo de oficiais de polícia compreende os postos de 2º tenente, 1º

tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel, este o posto mais alto atingível

dentro da Polícia Militar. As praças especiais de polícia compreendem as

graduações de aspirante a oficial e aluno da escola de formação de oficiais de

polícia. Por fim, as praças de polícia compreendem as graduações de subtenente,

3º sargento, 2º sargento, 1º sargento, cabo e soldado, podendo esta ser dividida

em até três classes.

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28

Em Santa Catarina, o estatuto dos policiais militares

reconhece a hierarquia e a disciplina como a base institucional da Polícia Militar,

prevendo o crescimento da autoridade e da responsabilidade de acordo com o

grau hierárquico:

Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional da

Polícia Militar. A Autoridade e a responsabilidade crescem com o

grau hierárquico.

§ 1º A hierarquia policial-militar é a ordenação da autoridade em

níveis diferentes dentro da estrutura da Polícia Militar. A

ordenação se faz por postos ou graduações; e dentro de um

mesmo posto ou graduação, se faz pela antigüidade. O respeito à

hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à

seqüência de autoridade.

§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral

das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o

organismo policial-militar e coordenam seu funcionamento regular

e harmônico traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por

parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

§ 3º A disciplina e o respeito á hierarquia devem ser mantidos em

todas as circunstâncias, entre policiais-militares da ativa, da

reserva e reformados.

Denota-se, pelo §2º do artigo supracitado, que há uma

grande preocupação com a obediência às normas legais e regulamentares, como

forma de manter a disciplina e a ordem dentro da Polícia Militar.

Conferindo competências a cada grupo de grau hierárquico,

os artigos 37, 38 e 39 do estatuto dos policiais militares catarinenses separam as

atribuições de cada grupo, designando maior responsabilidade conforme a

hierarquia:

Art. 37. O Oficial é preparado, ao longo da carreira, para o

exercício do comando, da chefia e de direção das organizações

policiais-militares.

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Art. 38. Os Subtenentes e Sargentos auxiliam e complementam

as atividades dos oficiais que no adestramento e no emprego dos

meios quer na instrução e na administração policial-militar, bem

como são ainda empregados na execução de serviços de

policiamento ostensivo peculiares a Policia Militar.

Parágrafo único. No exercício das atividades mencionadas no

caput deste artigo e no comando de elementos subordinados, os

Subtenentes e Sargentos deverão impor-se pela lealdade,

exemplo e capacidade profissional e técnica, incumbindo-lhes

assegurar a observância minuciosa a ininterrupta das ordens,

regras do serviço e normas operativas pelas praças que lhes

estiverem diretamente subordinadas, bem como pela manutenção

da coesão e do moral, em todas as circunstâncias.

Art. 39. Os cabos e soldados são essencialmente elementos de

execução.

Art. 40. Às praças especiais cabe a rigorosa observância das

prescrições dos regulamentos que lhes são pertinentes, exigindo-

se-lhes inteira dedicação ao estudo e ao aprendizado técnico-

profissional.

Expõe-se, por fim, que acima de toda a hierarquia da Polícia

Militar está o comando-geral, que, conforme prescreve o artigo 108 da CESC/89,

deve ser exercido por oficial da ativa do último posto da corporação.

1.3.2 Estrutura organizacional da Polícia Civil do Estado de Santa

Catarina

A Polícia Civil do Estado de Santa Catarina é organizada

com base no artigo 144, §4º da CRFB/88, que determina a direção das polícias

civis por Delegados de Polícia de carreira; pelo artigo 106 da CESC/89, bem

como pelo novo Plano de Carreira dos Policiais Civis do Estado de Santa

Catarina, lei complementar estadual nº 453/09.

O artigo 106, §1º da CESC/89, define que o “Chefe da

Polícia Civil, nomeado pelo Governador do Estado, será escolhido dentre os

Delegados de Polícia.”

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A lei complementar estadual nº 453/09 estabelece que a

divisão da Polícia Civil de Santa Catarina seja partida em dois grupos

organizacionais: a autoridade policial e os agentes da autoridade policial. Dentro

de cada grupo estão inclusos os cargos integrantes das carreiras policiais civis,

quais sejam:

Art. 2º Considera-se Autoridade Policial:

I - os Delegados de Polícia.

Pelo artigo mencionado, a legislação estadual reconhece

que autoridade policial são os delegados de polícia. As suas responsabilidades

estão inclusas no anexo VIII da citada norma, compreendendo:

DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Planejar, programar, organizar, dirigir,

coordenar, supervisionar e controlar as atividades de polícia

judiciária, de apuração de infrações penais e de polícia

administrativa, no âmbito das suas atribuições constitucionais e

legais.

RESPONSABILIDADE: Chefia das atividades de polícia judiciária

do Estado e de apuração de infrações penais, exceto as militares

e de atividades meio de interesse policial civil e de segurança

pública.

Dessa forma, as atribuições dos delegados de polícia estão

em consonância com o que dispõe a Constituição Federal, que designa a direção

das polícias civis aos integrantes dessa carreira, como já visto anteriormente.

Na outra esfera, pelo artigo 3º da lei complementar estadual

nº 453/09, encontra-se os cargos considerados agentes da autoridade policial:

Art. 3º Considera-se Agentes da Autoridade Policial:

I - os Agentes de Polícia;

II - os Escrivães de Polícia; e

III - os Psicólogos Policiais.

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Agentes de polícia são os agentes da autoridade policial

incumbidos de exercer, entre outros, o serviço externo da Polícia Civil. É a eles

outorgado o atendimento a diligências policiais, bem como o cumprimento dos

atos e serviços de polícia judiciária ou administrativa. Suas atribuições estão

descritas no Anexo IX da lei complementar estadual 453/09, que confere aos

agentes de polícia a competência para “executar os serviços de polícia judiciária e

investigativa ou administrativa, sob a direção da autoridade policial ou do superior

imediato, além de todas as atividades previstas em lei, inerentes ao exercício de

seu cargo.”

Entre essas competências, podem-se exemplificar algumas

dispostas pela lei complementar 453/09: Entregar correspondências e intimações

que lhe forem determinadas; Informar a unidade policial, através de relatório

sobre a conclusão de diligências que lhe forem incumbidas; Proceder à

investigação criminal, mediante ciência e supervisão da autoridade policial,

valendo-se de todos os mecanismos legais disponibilizados; Realizar

levantamento preliminar de local de crime ou que demande investigação policial,

colhendo materiais e informações necessárias às providências da autoridade

policial, quando houver risco de graves prejuízos à formação da prova pela

ausência de perito oficial; Emitir relatórios circunstanciados do curso das

investigações; Cumprir, quando designado, mandados policiais e judiciais;

Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança

pública.

Já o escrivão de polícia é fundamental à prática do exercício

de polícia judiciária e investigativa, e sua atividade compreende, basicamente, o

exercício dos serviços cartorários policiais, entre eles a lavratura de termos,

cumprimento de despachos determinados pela autoridade policial e colheita de

depoimentos e interrogatórios. Suas atribuições estão prescritas no anexo X da lei

complementar estadual 453/09, que confere aos escrivães de polícia o encargo

para “lavrar e subscrever os autos e termos de sua competência, adotados na

atividade de polícia judiciária, de forma contínua, providenciando sua tramitação

normal, sob orientação do Delegado de Polícia.”

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Podem-se exemplificar algumas atribuições designadas pela

legislação estadual ao escrivão de polícia: Cumprir ordens, despachos e outras

determinações legais emanadas do Delegado de Polícia; Executar os trabalhos

cartorários das unidades policiais; Lavrar e subscrever os autos e termos de sua

competência, adotados na atividade de polícia judiciária, de forma contínua,

providenciando sua tramitação normal, sob orientação do Delegado de Polícia;

Adotar providências necessárias à expedição de mandados, dentre outros, de

intimação às partes e requisição de servidores públicos, a fim de serem inquiridos;

Expedir certidões e providenciar cópia de documentos, após deferimento do

Delegado de Polícia.

Por fim, o psicólogo policial é o agente da autoridade policial

a quem compete a expedição de laudos psicológicos. A sua atuação é dirigida

tanto à sociedade quanto aos próprios policiais civis.

Suas atribuições descritas no anexo XI da lei complementar

453/09 incluem prestar atendimento em psicoterapia aos policiais envolvidos com

alcoolismo e drogas, ou em qualquer outra necessidade de natureza emocional

e/ou funcional e, quando necessário, providenciar o encaminhamento a

profissionais e instituições congêneres, bem como orientar seus familiares. Além

dessas, são também atribuições do psicólogo policial: Realizar, por solicitação de

órgãos das Secretarias de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão e

da Administração, avaliações psicológicas dos servidores que prestam serviços

na área de segurança pública, em especial, nos casos de desajuste funcional ou

qualquer outro problema de ordem comportamental; Conduzir viaturas,

acompanhar os policiais em locais de infração, nos quais haver partes

emocionalmente alteradas; Emitir laudos psicológicos nos casos de suicídio, de

personalidade de criminosos e adolescentes infratores, quando solicitado pela

autoridade policial; Proceder, quando solicitado por autoridade policial ou

judiciária ou por membros do Ministério Público, apoio psicológico e perícias na

sua área profissional como avaliações, pareceres e laudos psicológicos; Prestar,

quando solicitado pela autoridade competente, atendimento psicológico à criança,

ao adolescente, à mulher, e/ou ao homem envolvidos em infração criminal (na

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33

condição de vítima ou infrator) e, quando necessário, providenciar o

encaminhamento aos órgãos competentes.

Diferente da Polícia Militar, a Polícia Civil é uma polícia

desmilitarizada, ou seja, não existe hierarquia militar com diferentes postos e

graduações dentro de sua estrutura. Ainda assim, não significa dizer que não há

hierarquia e disciplina dentro da Polícia Civil.

A lei complementar estadual 453/09 também reconhece a

hierarquia e a disciplina como fundamento da estrutura policial civil:

Art. 25. A função policial civil está fundamentada nos princípios da

hierarquia e da disciplina.

Art. 26. A estrutura hierárquica constitui valor moral e técnico-

administrativo, sendo instrumento de controle e eficácia dos atos

operacionais e, subsidiariamente, indutora da boa convivência

profissional na diversidade de níveis, carreiras, cargos e funções

que compõem a Polícia Civil, visando assegurar a disciplina, a

ética e o desenvolvimento do espírito de equipe e de mútua

cooperação, em ambiente de estima, confiança, lealdade e

respeito recíproco.

§ 1º Independentemente da carreira, da classe e da entrância

funcional, o regime hierárquico não autoriza qualquer violação de

consciência e de convencimento técnico ou científico

fundamentado.

§ 2º Sempre que possível, serão observados os níveis hierárquicos

na designação para funções de direção, chefia e assessoramento.

§ 3º A hierarquia da função prevalece sobre a hierarquia do cargo.

§ 4º As carreiras de Agente de Polícia Civil, Escrivão de Polícia

Civil e Psicólogo Policial Civil, do Subgrupo Agente da Autoridade

Policial, não apresentam divisão hierárquica entre si.

Art. 27. A disciplina é o valor que agrega atitude de fidelidade

profissional às disposições legais e às determinações técnicas e

científicas fundamentadas e emanadas da autoridade competente.

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34

Dessa feita, exposta a organização da Polícia Civil do

Estado de Santa Catarina, verificaram-se as diferenças básicas entre as duas

forças policiais existentes no estado, bem como as variações entre os cargos e as

carreiras e suas atribuições dispostas na Constituição Federal, Estadual e nas leis

infraconstitucionais.

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CAPÍTULO 2

ASPECTOS DESTACADOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

CRIMINAIS

2.1 BREVE HISTÓRICO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

A busca por uma justiça célere e efetiva vem desde os

primórdios do Poder Judiciário. Desde o princípio, cada dia mais pessoas vinham

batendo à porta da justiça, na ânsia de ver seus desejos e direitos atendidos. A

realidade é que, na maioria dos casos, o efetivo da justiça não crescia na mesma

proporção da população, nem da sua demanda, o que muitas vezes acarretava o

embaraço do judiciário e a paralisação e atraso de diversos procedimentos

judiciais.

Como explicita a doutrina de GRINOVER e outros, já havia

de longa data uma grande preocupação dos operadores do direito no âmbito da

esfera penal, que acarretava em buscas por uma reforma na legislação penal e

processual penal visando melhorar o atendimento e aproximação do Poder

Judiciário à população, além de desafogar da apreciação deste os inúmeros

processos existentes, que aumentavam a cada dia:

Há muito tempo o jurista brasileiro preocupa-se com um processo

penal de melhor qualidade, propondo alterações ao vetusto

Código de 1940, com o intuito de alcançar um “processo de

resultados”, ou seja, um processo que disponha de instrumentos

adequados à tutela de todos os direitos, com o objetivo de

assegurar praticamente a utilidade das decisões. Trata-se do tema

da efetividade do processo, em que se põe em destaque a

instrumentalidade do sistema processual em relação ao direito

material e aos valores sociais e políticos da Nação.

Por outro lado, a idéia de que o Estado possa e deva perseguir

penalmente toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese

alguma, certa dose de disponibilidade da ação penal pública,

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36

havia mostrado, com toda evidência, sua falácia e hipocrisia.

Paralelamente, havia-se percebido que a solução das

controvérsias penais em certas infrações, principalmente quando

de pequena monta, poderia ser atingida pelo método

consensual56.

Pela exposição acima, verifica-se que antigamente, no

ordenamento jurídico brasileiro, a aplicabilidade do Direito Penal se dava com a

idéia de que o Estado deveria perseguir a infração penal sem dispor da ação

penal cabível, ou seja, o procedimento deveria seguir em sua totalidade, não

podendo procurar vias alternativas para a conciliação ou transação.

Com o passar dos anos, desde a elaboração do Código

Penal em 1940 e do Código de Processo Penal em 1941, esse método de

aplicabilidade foi se tornando arcaico à medida que a sociedade se modificava e a

criminalidade aumentava, sobretudo no tocante aos delitos cujas penas eram

mais brandas e às contravenções penais. Essa progressão não foi acompanhada

pelo Poder Judiciário, fato que resultou no entupimento das vias judiciais criminais

com inúmeras ações penais cuja outra medida não poderia ser tomada senão o

simples prosseguimento do processo em sua totalidade, como dispunha a

legislação processual à época.

O doutrinador TOURINHO FILHO explica as adversidades

que o Judiciário enfrentava antes da criação dos Juizados Especiais Criminais,

mais precisamente à época da reunião da assembléia constituinte de 1988:

Os constituintes de 1988, impressionados com o número

astronômico de infrações de pouca monta a emperrar a máquina

judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, regra geral,

quando da prolação da sentença, ou os réus eram beneficiados

pela prescrição retroativa, ou absolvidos em virtude da dificuldade

de se fazer a prova, e principalmente considerando a tendência do

mundo moderno de adotar um Direito Penal mínimo, procuraram

medidas alternativas que pudessem agilizar o processo,

possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena

56

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 35

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37

criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que

ocorria com a legislação de outros países.

Impressionados, também, com o número excessivo de

encarcerados, número esse desproporcional ao de celas

(enquanto tínhamos cerca de 110 mil presos, as celas não

chegavam a 60 mil), o que ocasionava constantes rebeliões nas

penitenciárias e casas de detenção (situação essa que

infelizmente perdura e em circunstâncias mais alarmantes), e

entusiasmados com as novidades introduzidas nos ordenamentos

europeus (a Lei n. 689/81, da Itália, que se converteu no art. 444

do atual Codice de Procedura Penale, o Código português e o

ordenamento processual penal francês, entre outros), bem como

com os excelentes resultados que o Juizado Especial de

Pequenas Causas vinha apresentando no cível desde 1984, os

legisladores constituintes procuraram solução para o processo e

julgamento das infrações de menor potencial ofensivo57.

A legislação que instituiu o Juizado Especial de Pequenas

Causas, citada pelo autor, trata-se da lei nº 7.244, de 07 de novembro de 1984,

que trouxe em seu artigo 2º os princípios norteadores das pequenas causas, além

da busca possível pela via conciliatória, que posteriormente viriam a ser aplicados

também na norma penal. Assim determinava o dispositivo citado:

Art. 2º - O processo, perante o Juizado Especial de Pequenas

Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,

informalidade, economia processual e celeridade, buscando

sempre que possível a conciliação das partes.

Em 1988, com a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil, definiu-se pela primeira vez sobre a criação dos Juizados

Especiais Criminais.

O artigo 98, I da CRFB/88 dispõe:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os

Estados criarão:

57

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 11.

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38

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e

leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a

execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações

penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos

oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a

transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de

primeiro grau;

Todavia, mesmo com a definição constitucional, as medidas

para a aprovação da lei regimental dos Juizados Especiais Criminais não foram

tomadas imediatamente pelo Congresso Nacional, como relata TOURINHO

FILHO:

Malgrado a norma datasse de 1988, nenhuma providência foi

tomada pelo Congresso no sentido de dizer quais seriam essas

infrações de menor potencial ofensivo, como se daria a transação

e como seria esse procedimento sumariíssimo. E, é óbvio, as

diretrizes teriam de vir do Congresso, já que era indispensável

uma lei que dissesse quais as infrações penais de menor

potencial ofensivo, matéria eminentemente penal. A competência

seria, portanto, dele, nos precisos termos do art. 22, I, da CF58.

Em 1990, ainda antes da promulgação pelo Congresso

Nacional da lei que instituiria os Juizados Especiais, surgiu no Brasil o primeiro

Juizado Especial Criminal nos moldes da Constituição. TOURINHO FILHO ensina

que o Estado do Mato Grosso do Sul, que já havia iniciado em 1989 estudos para

a instalação do instituto em seu território, promulgou a lei estadual n. 1.071, de 11

de julho de 1990, tornando-se esta a primeira norma em território nacional a

disciplinar sobre o tema:

Tratava-se da Lei estadual n. 1.071, de 11 de julho. Seu art. 69

dizia serem de menor potencial ofensivo os crimes dolosos

punidos com reclusão até um ano, ou detenção até dois anos, os

crimes culposos e as contravenções. Mais tarde, seguiu-lhe as

pegadas o Estado da Paraíba, com a Lei n. 5.466/91, cujo art, 59

58

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 17.

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39

definia as infrações de menor potencial ofensivo, adotando o

mesmo critério do legislador mato-grossense.59

Não obstante a boa intenção dos legisladores estaduais em

definirem seus procedimentos processuais específicos, a definição de infração de

menor potencial ofensivo e a criação de normas processuais de aspecto geral não

poderiam ser levantadas por uma lei estadual, tendo em vista que tal matéria é

penal e processual o que, como já visto, é matéria de competência privativa da

União, acarretando assim em manifesta inconstitucionalidade das normas

estaduais.

GRINOVER e outros comentam sobre este fato ocorrido

antes da promulgação da lei federal disciplinadora dos Juizados Especiais

Criminais:

Mas, antes da edição da Lei 9.099/95, alguns Estados (como Mato

Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba) criaram os Juizados

Especiais Criminais por intermédio de leis estaduais, que foram

instalados e vêm funcionando regularmente.

Pairavam dúvidas sobre a constitucionalidade das leis estaduais

que os haviam instituído. Até que o Supremo Tribunal Federal

finalmente decidiu que a criação dos Juizados Criminais pelos

Estados dependia de lei federal, sendo inconstitucional a norma

estadual que outorgara competência penal a Juizados Especiais

(HC 71713-PB). O entendimento foi reiterado no HC 72.582-1-PB

(DJU 20.10.95, p.35.258)60.

Importante a transcrição da ementa do Habeas Corpus

71713-PB, que verificou existir inconstitucionalidade dos Juizados Especiais à

época:

[...] II. Juizado especial: competência penal: "infrações penais de

menor potencial ofensivo": critério e competência legislativa para

defini-las: exigência de lei federal. 1. As penas cominadas pela lei

59

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 18.

60 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5 ed. São Paulo: RT, 2005. p. 38.

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40

penal traduzem presumidamente a dimensão do potencial

ofensivo das infrações penais, sendo legítimo, portanto, que as

tome a lei como parâmetro da competência do Juizado Especial.

2. A matéria, contudo, é de processo penal, da competência

legislativa exclusiva da União. 3. Dada a distinção conceitual entre

os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF,

ADIn 1.127, cautelar, 28.9.94, Brossard), aos primeiros não se

aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência

concorrente ao Estado-membro para legislar sobre o processo

perante os últimos. 4. Conseqüente inconstitucionalidade da lei

estadual que, na ausência de lei federal a respeito, outorga

competência penal a juizados especiais e lhe demarca o âmbito

material61.

Após discussões sobre o tema e a declaração da

inconstitucionalidade das normas estaduais pelo STF, foi editada e promulgada a

festejada Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, instituindo a figura dos Juizados

Especiais no âmbito nacional.

2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES

Como já explanado anteriormente, a Lei 9.099/95 aportou no

ordenamento jurídico pátrio com o objetivo de regular os Juizados Especiais

Cíveis e Criminais.

Os dois primeiros artigos da lei definem:

Art. 1º Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da

Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e

nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo,

julgamento e execução, nas causas de sua competência.

Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,

buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Já nos dispositivos iniciais se verifica a intenção dos

Juizados Especiais em atender às necessidades da população, ao adotar critérios

61

STF, HC 71713-PB, Tribunal Pleno, Relator Sepúlveda Pertence. Julgado em 26.10.94

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41

que buscam uma justiça ágil e eficiente, que procura a via da conciliação e da

transação sempre que possível.

Para atender a esse interesse de reduzir a burocracia,

entenderam os legisladores que os Juizados Especiais Cíveis e Criminais

deveriam se orientar por cinco princípios: a oralidade, a simplicidade, a

informalidade, a economia processual e a celeridade, todos analisados a seguir.

2.2.1 Princípio da Oralidade

O princípio da oralidade se baseia no entendimento de que

os Juizados Especiais devem adotar a forma oral para a elaboração da maioria de

seus procedimentos, por justificar que esta medida é mais benéfica, ou seja,

afirma-se que as declarações prestadas perante os juízes e tribunais possuem

mais eficácia quando formuladas verbalmente.

MIRABETE traz o benefício da oralidade nos procedimentos

judiciais:

A experiência tem demonstrado que o processo oral é o melhor e

mais de acordo com a natureza da vida moderna, como garantia

de melhor decisão, fornecida com mais economia, presteza e

simplicidade62.

MELO também defende a importância da oralidade no

procedimento do Juizado Especial ao ensinar que o princípio, de certa forma,

incentiva o jurista a conhecer e estudar sobre a causa discutida, pois a não

compreensão do fato estudado pode levar a algum prejuízo para qualquer das

partes, sobretudo porque não há muito espaço para formalidades escritas. Assim,

terá mais vantagem aquele que estiver preparado para requerer ou se manifestar

oralmente:

No sistema especial tudo será rápido. Quem não estudar

anteriormente a Lei 9.099/95, sairá da audiência com a sensação

de que é muito simples. Porém, provavelmente, terá perdido a

oportunidade de realizar algum ato importante, pois não haverá

62

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 32

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42

tempo para levar o processo para casa, ou consultar algum

colega.

Dentre os princípios introduzidos, a oralidade é o que mais

forneceu dinâmica ao procedimento do Juizado, sobretudo no

concernente às audiências de instrução e julgamento. Nesta

atuação moderna, a utilização da palavra falada tem supremacia,

motivo que por si só impõe ao jurista uma preparação prévia de

toda a matéria argumentativa e probatória utilizada em juízo63.

Todavia, é de se levantar que a intenção do legislador não é

de transformar o procedimento dos Juizados Especiais em um processo

exclusivamente verbal, mesmo porque a escrita não é um feito totalmente

excluído, estando previsto na própria lei 9.099/95, em seu artigo 65, §3º, a

exigência do registro escrito nos atos havidos por essenciais:

Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que

preencherem as finalidades para as quais foram realizados,

atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei.

[...]

§3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos

havidos por essenciais. Os atos realizados em audiência de

instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou

equivalente.

A lei, porém, não definiu o que seriam estes atos essenciais.

TOURINHO FILHO leciona que o intérprete da norma deve se valer do bom senso

e identificar quais seriam os atos essenciais:

Ao contrário do inciso III do art. 564 do CPP, que elencou os atos

essenciais ou estruturais, o §3º ora em exame limitou-se a dizer

“os atos havidos por essenciais”. Não os enumerou. Cabe, assim,

ao intérprete, valendo-se do bom senso, identificar no processo da

competência do Juizado quais sejam esses atos. Alguns são

facilmente individualizáveis: a intimação do autor do fato (para a

audiência preliminar), a citação do réu (quando for instaurado

63

MELO, André Luís Alves de. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais comentada. São Paulo: Iglu, 2000. p. 15-16.

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43

procedimento sumariíssimo – art. 78); a composição dos danos,

nos termos do art. 74; a homologação do acordo a que se refere o

parágrafo único do art. 74; a representação do ofendido ou de

quem suas vezes fizer – ainda que feita oralmente, deverá ser

reduzida a escrito (art. 75); o pedido de arquivamento formulado

pelo Ministério Público; a proposta formulada pelo Ministério

Público, indicando qual das penas, restritiva de direito ou multa

(art. 76); a aceitação da proposta formulada pela Defesa ou

eventual contraproposta (art. 76, § 3º); a homologação do acordo

celebrado entre acusador e autor do fato (art. 76, § 4º); a denúncia

ou queixa feitas oralmente, quando então devem ser reduzidas a

escrito (art. 78); o recebimento da denúncia ou queixa (art. 81); a

sentença; os recursos64.

Apesar do que dispõe o artigo supracitado, não é proibido

que as provas levantadas em audiências de instrução e julgamento sejam

reduzidas a termo, devendo ficar a critério da autoridade judicial que estiver

conduzido o ato. Isso se dá porque o dispositivo define que os atos realizados em

audiência de instrução e julgamento poderão, excluindo assim a obrigatoriedade,

ser registrados por fita magnética ou qualquer outro meio tecnológico equivalente.

Mas é certo que o levantamento de tal hipótese pelo

legislador foi trazido com a intenção de beneficiar o procedimento do Juizado

Especial, assim como descreve TOURINHO FILHO:

Nada impede, também, possam as provas colhidas na audiência

ser reduzidas a escrito. Quanto a estas, contudo, a lei permite

sejam gravadas em fita magnética (fita cassete, fita de vídeo) ou

equivalente. Com a evolução da informática é possível, nas

audiências, serem colhidos interrogatórios, depoimentos,

declarações, alegações orais (debates) e outros atos importantes

por meio de digitação ou mesmo gravação, transformando tais

informações em bytes, que, por sua vez, formarão banco de

dados eletrônicos relativos ao processo e que poderão ser

armazenados em disquetes, ou num sistema mais abrangente que

possibilite consulta ou leitura e, eventualmente, degravação, se se

pretender ingressar no Juízo revidendo. Como exemplo, podemos

citar o CD gravável ou o MD gravável. Tudo isso será possível,

64

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 74-75.

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44

quando não em todo o território nacional, pelo menos nos grandes

centros65.

Então, como exposto, o princípio norteador da oralidade é de

extrema importância para o rito do Juizado Especial Criminal, por ser um dos

pilares sustentadores da celeridade requisitada pelo rito da Lei 9.099/95. Se a

oralidade não fosse adotada, dando-se preferência a procedimentos escritos com

prazos dilatados, de nada adiantaria promulgar uma lei que instituísse o rito

especial, pois este não teria eficiência para dar a agilidade que o judiciário

necessita.

2.2.2 Princípio da Simplicidade

Pelo princípio da simplicidade busca-se a diminuição do

volume de atos jurídicos e procedimentos adotados no rito da lei dos Juizados

Especiais. Como forma de buscar uma justiça mais ágil, entendeu o legislador

que o procedimento da lei dos Juizados Especiais deveria buscar com primazia

somente o necessário à elucidação do fato e evitar que a extensão de atos

burocráticos provocasse a demora na resolução da lide.

Segundo MIRABETE, pelo princípio da simplicidade “tem-se

a tarefa de simplificar a aplicação do direito abstrato aos casos concretos, quer na

quantidade, quer na qualidade dos meios empregados para a solução da lide,

sem burocracia”66.

Conforme orientação do mesmo autor é possível verificar

que o princípio da simplicidade está implícito em diversos artigos da Lei 9.099/95,

com dispositivos que visivelmente foram positivados com a intenção de diminuir a

burocracia dos Juizados Especiais.

O artigo 77, §1º da referida norma, por exemplo, determina

que quando for dispensado o inquérito policial para o oferecimento da denúncia, a

prova da materialidade prescinde de exame de corpo de delito, podendo ser

65

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 75.

66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 35.

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45

utilizado, para o devido fim, boletim médico ou prova equivalente. O artigo 77, §2º,

autoriza o Ministério Público a requerer o encaminhamento dos autos à justiça

comum, quando, pela complexidade ou circunstâncias do caso não permitam o

oferecimento da denúncia pelo representante ministerial. Também o artigo 65, §1º

declara que “não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido

prejuízo”, ou, o artigo 81, §3º, que dispensa a necessidade do relatório na

sentença.

2.2.3 Princípio da Informalidade

Este princípio procura diminuir nos Juizados Especiais a

formalidade desnecessária em determinados procedimentos. Pela adoção do

preceito, o legislador entendeu que o maior objetivo da Lei 9.099/95, que é buscar

a resolução da lide com agilidade e simplicidade, era incompatível com a

formalidade rigorosa comum no processo civil e processo penal.

Assim, foram adotados diversos dispositivos que

regulamentam os atos dos Juizados Especiais, tornando-os válidos sempre que

preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios

estabelecidos na lei, conforme disposto no artigo 65 da Lei 9.099/95.

O princípio da informalidade pode ser observado, na Lei

9.099/95, pelo artigo 67, que autoriza que a intimação seja feita por

correspondência com aviso de recebimento (AR), ou pelo artigo 65, §2º, que

permite que a prática de atos processuais em outras comarcas seja solicitada por

qualquer meio hábil de comunicação. Também a informalidade se encontra

presente nas chamadas audiências preliminares onde, reunidos o autor do fato, a

vítima, o representante do Ministério Público e o responsável civil, é feita a

proposta de conciliação (artigo 72), ou, após feita a representação, no caso dos

Juizados Especiais Criminais, a proposta de transação penal (artigo 76, caput).

Mesmo sendo um dos pilares dos Juizados Especiais, deve-

se entender que a informalidade não significa que o rito da Lei 9.099/95 deva ser

conduzido de qualquer forma. Na verdade, há um mínimo de formalidade que os

operadores do direito em contato com a lei devem observar. MIRABETE faz a

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46

ressalva dos pontos importantes que devem sempre ser observados no Juizado

Especial Criminal:

Não se deve esquecer, porém, que não se pode, a pretexto de

obediência ao citado princípio, afastar regras gerais do processo

quanto a atos que possam ferir interesses da defesa ou da

acusação ou causar tumulto processual, dispondo aliás a lei que

devem ser aplicadas subsidiariamente nos Juizados as

disposições do Código de Processo Penal no que não forem

incompatíveis com ela (art. 92).

Sem dúvida o Juiz não está isento de observar um mínimo de

formalidades essenciais para a prática de determinados atos

processuais. Não se trata, portanto, de excluir atos processuais,

mas sim da possibilidade de praticá-los de forma livre, de modo

plausível, desde que sejam aptos a atingir sua finalidade. Essa

liberdade, porém, não existe quando a própria lei determina forma

procedimental exclusiva, como ocorre com relação à citação do

acusado, que será sempre pessoal, no Juizado ou por mandado

(art. 66)67.

Pode-se então concluir que a informalidade é característica

marcante do rito dos Juizados Especiais, pois ela busca diminuir a preocupação

com formas rígidas, e, segundo entendimento do legislador, desnecessárias para

a resolução das pequenas lides abordadas pela Lei 9.099/95.

2.2.4 Princípio da Economia Processual

O preceito da economia processual é adotado pelos

Juizados Especiais como forma de reduzir a onerosidade ao Estado e às partes

envolvidas em determinado processo. Conforme MIRABETE, o princípio da

economia processual procura “sempre buscar o máximo resultado na atuação do

direito com o mínimo possível de atos processuais ou despachos de

ordenamentos, desprezando-se os inúteis68”.

67

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 35.

68 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 36.

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47

Não se trata, porém, da supressão de atos previstos na Lei

9.099/95, mas sim a possibilidade de escolha entre caminhos que possam facilitar

a instrução processual e evitar a repetição de atos processuais desnecessários,

consequentemente reduzindo o gasto de tempo e de recursos.

MIRABETE levanta alguns exemplos onde o princípio da

economia processual se faz presente:

Exemplos dessa orientação são a abolição do inquérito policial e a

disposição que prevê a realização de toda a instrução e o

julgamento em uma única audiência, evitando-se tanto quanto

possível a sua multiplicidade. Além disso, preconiza-se o

aproveitamento dos atos processuais, tanto quanto possível,

poupando-se tempo precioso, tão escasso nas lides forenses

diante da pletora de ações propostas. [...] Nada impede, ao

contrário, é recomendável que, para a documentação dos atos

processuais, sejam utilizados formulários impressos com espaços

para serem preenchidos pelos auxiliares da justiça, poupando-se

o tempo de redação integral desses documentos69.

Assim sendo, conclui-se a importância do princípio da

economia processual na busca de atingir o objetivo dos Juizados Especiais,

reduzindo custos e buscando encurtar o caminho para se chegar à resolução da

lide.

2.2.5 Princípio da Celeridade Processual

Celeridade processual, nos Juizados Especiais, é a busca

pela rapidez e agilidade dos procedimentos submetidos ao rito da Lei 9.099/95,

com o fim de se chegar à resolução da lide no menor espaço de tempo possível.

Em se tratando do Juizado Especial Criminal, a aplicação desse princípio tem o

escopo de reduzir a distância entre a prática da infração penal e a solução do

caso.

Novamente trazem-se os exemplos de MIRABETE para

demonstrar a aplicação do princípio:

69

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 36.

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48

[...] prevê a lei que a autoridade policial, tomando conhecimento

da ocorrência, deve lavrar o termo circunstanciado, remetendo-o

com o autor do fato e a vítima, quando possível, ao Juizado.

Estando presentes estes no Juizado, já se pode realizar a

audiência preliminar, propondo-se a composição e, em, seguida, a

transação, que, obtidas, serão homologadas pelo juiz. Permite-se,

ainda, em termos gerais, que os atos processuais sejam

realizados em horário noturno e em qualquer dia da semana (art.

64). Nesse mesmo sentido de celeridade, dispõe a lei que a

citação pode ser feita no próprio Juizado, que nenhum ato será

adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução

coercitiva de que deva comparecer (art. 80) etc.70

Ainda sobre o mesmo princípio, MIRABETE71 ensina que a

celeridade processual, quando utilizada pela busca rápida da solução

jurisdicional, evita a impunidade pela prescrição e dá uma resposta rápida à

sociedade na realização da Justiça Penal. O desfecho do conflito de interesses

nessa modalidade é desejo coletivo da sociedade, por isso, a busca rápida pela

resolução das infrações penais é uma exigência da estabilidade e tranqüilidade

social.

2.3 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

A competência dos Juizados Especiais Criminais foi

delimitada pela primeira vez com a promulgação da CRFB/88, que, em seu artigo

98, I, já anteriormente citado, determinava que a União, no Distrito Federal e nos

Territórios e os Estados criassem Juizados Especiais, providos por juízes

togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a

execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Tratava-se de uma norma programática, pois como já visto,

era necessária a edição de uma lei federal que desse o conceito de infração de

menor potencial ofensivo e assim fixasse a competência dos Juizados Especiais

Criminais.

70

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 37.

71 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 37.

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49

Com a promulgação da Lei 9.099/95, o artigo 60, caput,

tratou de reafirmar o que dispunha a Constituição, sendo o mesmo ora transcrito

in verbis, com a alteração dada pela Lei 11.313/06, modificação esta que apenas

tratou de incluir a observância das regras de conexão e continência:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados

ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o

julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial

ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Explicitado o artigo que delimita as competências dos

Juizados Especiais Criminais, passa-se a analisar cada uma delas

separadamente.

2.3.1 Infração de menor potencial ofensivo

A definição de infração penal de menor potencial ofensivo

veio inclusa no artigo 61 do mesmo diploma legal, que, à época de sua

promulgação, considerava para seus efeitos apenas as contravenções penais e

os crimes cuja pena máxima não fosse superior a um ano, excetuados os casos

em que a legislação previsse procedimento especial.

Essa situação perdurou até a promulgação da Lei 10.259/01,

que instituiu no Brasil os Juizados Especiais Federais e fixou a sua competência.

Para os efeitos da Lei 10.259/01, foram trazidas duas

inovações: a determinação de que os crimes de menor potencial ofensivo seriam

aqueles cuja pena máxima não excedesse dois anos, e que todos estes, mesmo

os sujeitos a procedimentos especiais, estariam submetidos ao rito do Juizado

Especial Federal, conforme se observa da antiga redação do seu artigo 2º e

parágrafo único, antes de sua alteração pela Lei 11.313/06:

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e

julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às

infrações de menor potencial ofensivo.

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Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial

ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine

pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

A partir disso, iniciaram-se discussões acerca da

aplicabilidade dessas inovações aos Juizados Especiais Criminais estaduais, pois

a Lei 10.259/01 dispunha que somente para efeitos do Juizado Especial Federal

seriam consideradas infrações de menor potencial ofensivo com as características

citadas.

Além disso, também havia o artigo 20 da Lei, que vedava a

sua aplicação à justiça estadual:

Art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser

proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro

definido no art. 4º da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995,

vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.

Todavia, a doutrina nacional deu por entender que era

incabível criar dois conceitos de infração penal de menor potencial ofensivo,

passando a defender que a pena máxima de dois anos e a abrangência aos

crimes inclusos em procedimentos especiais deveria também ser submetida ao

rito da Lei 9.099/95.

GRINOVER e outros contribuíram com seus ensinamentos

acerca do tema:

Como a Lei 9.099, também a Lei 10.259, de 12.07.2001, que

dispôs sobre os Juizados Especiais Federais, ao definir as

infrações de menor potencial ofensivo, de maneira expressa

especificou que essa definição só devia ser considerada “para os

efeitos” daquela lei (art. 2.º, parágrafo único). Consta da Lei dos

Juizados Federais que não seria aplicada ao “juízo estadual” (art.

20). Contudo, como as mesmas infrações podem ser, na grande

maioria das vezes, de competência das Justiças Estadual e

Federal, firmando-se a competência destas Justiças por outros

critérios, não poderia o legislador ordinário, em face do disposto

no art. 98, I, da CF, considerar a mesma infração como de menor

potencial ofensivo para a Justiça Federal e não atribuir-lhe a

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51

mesma qualidade para a Justiça Estadual. Por isso, apesar da

vedação, sustentamos a aplicação da Lei 10.259 à Justiça

Estadual72.

Depois de reiteradas discussões ao redor da aplicabilidade

ou não da lei 10.259/01 aos Juizados Especiais Criminais estaduais, a matéria foi

superada com a promulgação da Lei 11.313/06, que alterou o artigo 61 da Lei

9.099/95, passando a ter o seguinte texto:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial

ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os

crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)

anos, cumulada ou não com multa.

Nota-se também que foi excluído o dispositivo que retirava

dos Juizados Especiais Criminais a competência para a análise de crimes

submetidos a procedimentos especiais.

Sobre a nova redação do artigo 61, o doutrinador

TOURINHO FILHO discorre:

O legislador, aqui, dando nova redação ao art. 61, pela Lei n.

11.313/2006, considerou de menor potencial ofensivo “as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena

máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa”.

Infrações de menor potencial ofensivo são, em primeiro ligar, as

contravenções, pouco importando a pena cominada.

Finalmente, o legislador não ressalvou os crimes sujeitos a

procedimento especial. E assim agiu porque ele mesmo já havia

entendido dessa maneira com a promulgação da Lei n.

10.259/2001. Foi apenas coerente73.

Conclui-se pelo exame dos atuais dispositivos da Lei

9.099/95, que as infrações penais de menor potencial ofensivo são as

72

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 76 73

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 42.

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52

contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não exceda a dois anos,

estando estes submetidos ou não a legislação especial.

2.3.2 Juiz togado e juiz leigo

O artigo 60 da Lei 9.099/95 determina que o Juizado

Especial Criminal seja provido por juízes togados ou togados e leigos, construindo

uma discricionariedade acerca da sua constituição. Nota-se, então, que podem

existir duas estruturas de Juizados Especiais Criminais, aqueles providos apenas

por juízes togados e os providos por juízes togados e leigos.

Juiz togado é aquele que exerce a função jurisdicional em

sua plenitude. São os popularmente conhecidos “juízes de carreira” e suas

competências e atribuições são regidas pela CRFB/88, pela Lei Orgânica da

Magistratura Nacional – LOMAN (lei complementar federal nº 35/79) e, em Santa

Catarina, pelo Estatuto da Magistratura do Estado de Santa Catarina (lei

complementar estadual nº 367/06). Os juízes togados necessitam realizar

concurso público para ingressar na magistratura e, dependendo da organização

judiciária de cada tribunal, são promovidos de entrância para entrância, iniciando

a carreira no cargo de juiz substituto. Essa matéria é regulada pelo artigo 93 da

CRFB/88, que trata dos princípios da magistratura.

Já o cargo do juiz leigo está positivado na Lei 9.099/95, que

o considera, em seu artigo 7º, um auxiliar da justiça. Apesar da nomenclatura,

somente poderá ser juiz leigo o advogado com mais de cinco anos de

experiência:

Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça,

recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em

Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos

de experiência.

A Lei dos Juizados Especiais garantiu amplas atribuições ao

juiz leigo, ao explicitar que ele poderá dirigir a instrução processual, sob a

supervisão de juiz togado (artigo 37), e proferir decisão, devendo ser analisada

também por juiz togado que a homologará, proferirá outra em substituição ou

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53

determinará a realização de atos probatórios indispensáveis antes de se

manifestar (artigo 40).

Apesar da tentativa da lei em revolucionar a justiça com a

criação do juiz leigo, tal medida vem encontrando resistência e, em Santa

Catarina, a utilização desses auxiliares é bastante tímida, como se observa da

citação retirada do Manual do Juiz Leigo, editado pelo Tribunal de Justiça de

Santa Catarina:

Podem-se apontar várias justificativas para a timidez na utilização

dos juízes leigos no Estado. O só fato de se cuidar de uma

proposta inovadora é motivo para receios, que são

potencializados pelo infeliz adjetivo “leigo”, utilizado pelo texto

legal. A idéia de um terceiro, leigo, presidindo a fase instrutória e,

ainda, lavrando sentença, encontra resistência dentre os

magistrados.

Uma outra dificuldade para a atuação de juízes leigos encontra-se

na própria Lei nº 9.099/95, que exige que a sua nomeação recaia

sobre advogados com cinco anos de prática. Essa circunstância

impede, por exemplo, que assessores e funcionários do Poder

Judiciário ou do Ministério Público, ou professores universitários

sejam nomeados juízes leigos.

Além disso, observa-se que, em Santa Catarina, a matéria foi

regulamentada por meio do Ato Regimental nº 27/95 e da

Resolução nº 6/95 - GP, que cuidaram mais de outros aspectos

dos juizados especiais. Não existia, até julho de 2006, disposição

específica quanto à designação e à atuação do juiz leigo.

A ausência de regulamentação, entretanto, não inviabiliza a

atuação do juiz leigo, nos moldes do art. 7º da Lei nº 9.099/95,

motivo por que é conveniente afastarem-se, desde logo, alguns

preconceitos74.

A proposta da legislação na adoção de juízes leigos veio

como forma de atribuir mais celeridade ao processo do Juizado Especial Criminal,

74

TJSC. Manual do juiz leigo no Juizado Especial Cível. Florianópolis, 2006. p. 5. Disponível em < http://www.tj.sc.gov.br/institucional/especial/coordjuzesp/modelos_relacionados/manual_juiz_ leigo.pdf >. Acesso em 27.08.2010.

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54

pois sem a rigidez da necessidade de investidura na magistratura, diversos

julgadores poderiam auxiliar para se chegar ao rápido andamento processual, no

mesmo ritmo que a justiça precisa andar para atender a população.

2.3.3 Conciliação

Mais que competência, a conciliação é um dos objetivos do

Juizado Especial Criminal. O artigo 2º da Lei 9.099/95, já visto, é manifesto em

afirmar que o processo dos juizados especiais deve buscar sempre que possível a

conciliação e a transação.

TOURINHO FILHO descreve a conciliação como a

“satisfação do dano decorrente das infrações de menor potencial ofensivo, bem

como ao seu processo, julgamento e execução75”.

MIRABETE aprofunda o tema, descrevendo a conciliação

como uma proposição criada de forma a reparar imediatamente os danos sofridos

pela vítima em decorrência da infração penal:

A infração penal, além de ofender o interesse público, pode gerar

a responsabilidade civil, cujo fundamento legal é o art. 159 do

Código Civil. Uma das proposições da Lei 9.099/95 é facilitar a

reparação imediata dos danos sofridos pelo ofendido em

decorrência do ilícito penal, preocupação dos mais recentes

estudos da Vitimologia e outras ciências penais, em que se

condena o esquecimento da vítima do delito, desprotegida pelo

ordenamento jurídico [...]. A composição amigável, incluída na

expressão conciliação prevista pelo art. 98, I, da Constituição

Federal, não só pode pôr fim à pretensão punitiva, nos casos em

que implica renúncia ao direito de queixa ou representação, como

é também instrumento jurídico rápido para se alcançar a

reparação dos danos materiais causados pelo autor do fato76.

Ante isso, infere-se que a proposta da conciliação no rito do

Juizado Especial Criminal é trazer a participação da vítima ao processo, de forma

75

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33.

76 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p.

104.

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55

que ela e o autor do fato possam discutir juntos, de forma amigável, e compor as

suas desavenças, resolvendo o problema e retirando o peso ao Estado de ter que

mover seu aparato para encontrar uma solução.

O autor chama a atenção também para o fato de que a

conciliação não é possível quando a vítima do ilícito é uma coletividade sem

personalidade jurídica, ou o Estado, incluindo contra este as contravenções

penais e diversos crimes, como exemplo os cometidos contra a administração

pública e outros inclusos no Código Penal e legislação esparsa:

Há que se ressaltar, porém, a impossibilidade de conciliação nas

hipóteses em que o sujeito passivo do ilícito é somente o Estado.

Assim, ela é inadmissível, como regra, nas contravenções penais,

quase sempre infrações de perigo comum, e em inúmeros crimes

(arts. 166, 237, 301, caput, 302, caput e parágrafo único, 307 etc.,

todos do Código Penal). O mesmo se diga quando o ofendido é

uma coletividade destituída de personalidade jurídica (arts. 209,

caput, 233, 252, parágrafo único, 264, 271, parágrafo único etc.,

todos do mesmo Estatuto). Em outros ilícitos, em que são sujeitos

passivos o Estado e um particular, a composição é possível

quanto a este, mas não impedirá a instauração da ação penal,

podendo ser considerada apenas como eventual circunstância

atenuante. Nessas hipóteses, a ação penal é pública

incondicionada, o que impede a extinção da punibilidade pela

renúncia [...]. Restará apenas, nesses casos, a possibilidade da

apresentação da proposta de imposição imediata de pena não

privativa de liberdade77.

Para presidir a audiência de conciliação, o teor do artigo 73

da Lei 9.099/95 ordena que “a conciliação será conduzida pelo Juiz ou por

conciliador sob sua orientação”. Nessa tarefa, tanto o juiz quanto o conciliador

deverão apenas presidir a audiência de conciliação, ato que se destina à

satisfação dos danos, e sua atividade somente se estende a este ato. Não é

possível, por exemplo, que o conciliador interfira na proposta da transação penal

pelo Ministério Público, que será estudada adiante.

77

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 105.

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56

2.3.4 Transação penal

Restando infrutífera a conciliação entre o autor do fato e a

vítima, nos casos de ação penal condicionada à representação, ou sendo ação

penal incondicionada, a lei 9.099/95 em seu artigo 76, autoriza ao Ministério

Público a aplicação imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação

penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o

Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena

restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

Trata-se do instituto da transação penal, prenunciado pelo

artigo 98, I da CRFB/88 e, segundo a lei 9.099/95, é uma faculdade que o

Ministério Público possui para dispensar a ação penal tendente a apurar infrações

de menor potencial ofensivo, desde que o autor da infração aceite a proposta do

órgão ministerial.

TOURINHO FILHO discorre trazendo um conceito prático do

instituto da transação penal:

A transação que a Constituição permite possa ser feita, dizem,

nada mais é que um sucedâneo da ação penal. É como se a lei

dissesse: a hipótese enseja propositura da ação penal, mas,

tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, a denúncia

pode ser substituída por uma proposta de multa ou medida

restritiva de direito, sem a necessidade de se instaurar processo a

respeito78.

Na doutrina de GRINOVER e outros, é ensejado que a

transação nada mais é que uma concessão mútua entre as partes e os partícipes

envolvidos em infrações de menor potencial ofensivo. No entanto, apesar de

prevista na Constituição Federal, a lei 9.099/95 procurou restringir a liberdade de

transação, de modo que se preferiu adotar a conciliação dirigida por juiz ou

conciliador:

78

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 126.

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57

A transação, consistente em concessões mútuas entre as partes e

os partícipes, foi expressamente autorizada pela Constituição

Federal para as infrações de menor potencial ofensivo (artigo 98,

I).

Contudo, não permitiu a lei uma ampla liberdade às partes

envolvidas para transacionar, preferindo a conciliação dirigida por

juiz ou conciliador.

Assim, o Ministério Público não pode deixar de oferecer acusação

em troca da confissão de um crime menos grave ou da

colaboração do suspeito para a descoberta de co-autores, como

ocorre no sistema do plea bargaining dos Estados Unidos da

América [...].

Há balizas para a proposta do Ministério Público porque, além da

necessidade de serem preenchidas determinadas condições para

a transação que antecede a acusação, ficou a transação

restringida às seguintes possibilidades [...]:

opção entre a pena de multa ou a pena restritiva;

a fixação do valor da pena de multa;

a espécie, o tempo e a forma de cumprimento da pena restritiva79.

As penas restritivas de direitos, que podem ser aplicadas

imediatamente na transação penal, são aquelas previstas na parte geral do

Código Penal, artigo 43, consistindo no pagamento de prestação pecuniária, a

perda de bens e valores, a prestação de serviço à comunidade ou a entidades

públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana.

Já a pena de multa está positivada no artigo 49 do Código

Penal:

Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo

penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-

79

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 68.

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58

multa. Será, no mínimo de 10 (dez) e, no máximo, de 360

(trezentos e sessenta) dias-multa.

§1.º O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser

inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao

tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

Compreende-se então que a transação penal é um acordo

celebrado entre o autor do fato e o Ministério Público, onde, depois de restada

infrutífera a conciliação com o ofendido, ou sendo caso de ação penal

incondicionada, e atendidos os requisitos do artigo 76, §2º, é proposta a aplicação

imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa, para dispensar o

oferecimento da denúncia e a consequente instauração de ação penal.

2.3.4.1 Transação penal nos crimes de ação penal privada

De acordo com o que se extrai da previsão legal do artigo

76, entende-se que somente o Ministério Público tem o poder de ofertar a

transação penal, ou seja, dentro de sua competência já vista, apenas em casos

de ação penal pública. Estaria então desautorizada a proposta nos crimes de

ação penal privada, pois ao Promotor de Justiça não caberia tomar qualquer

medida, sendo que nesta situação atuaria apenas como fiscal da lei, e não como

acusador, uma vez que esta competência cabe ao próprio ofendido.

Ainda assim, tem-se entendido entre a doutrina que também

a ação penal privada pode ser atingida pela alçada da proposta. O

posicionamento de CARVALHO defende que não apenas é cabível a transação

penal nos crimes de ação penal privada, como o próprio ofendido pode ofertá-la:

Pela redação do artigo 76, teria sido excluída a possibilidade de

transação nos crimes de iniciativa privada. Consistiria isso simples

omissão do legislador ou uma vedação consciente? Quando a lei

confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação

penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que

é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação

extraordinária o substituto não tem poderes para transacionar com

os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia

oferecer transação penal quando houvesse autorização legal. A

Lei nº 9099/95 não lhe dá tal autorização. Ocorre que é princípio

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59

geral de interpretação que quem pode o mais, pode o menos. Ou

seja, quem pode deduzir em juízo uma pretensão condenatória

pode também transacionar a pretensão, reduzindo o seu alcance,

ainda mais consensualmente. Além disso, e mais importante, o

querelante pode até perdoar e ocasionar a extinção da

punibilidade, conforme autorizam os artigos 51 do Código de

Processo Penal e 105 do Código Penal. Desse modo, a

autorização para que o querelante transacione a pretensão

punitiva está assentada nos sistemas processual penal e penal

que devem ser aplicados à Lei nº 9099/95, à falta de dispositivo

específico80.

TOURINHO FILHO também discorre que não há obstinação

para que o ofendido apresente a proposta de transação penal:

Se estiverem presentes todos os requisitos exigidos em lei para

que se proceda à “transação”, nada obsta possa o ofendido

formulá-la. Nesse sentido, a 11ª conclusão da Comissão Nacional

da Escola Superior da Magistratura: “O disposto no art. 76

abrange os casos de ação penal privada”. É verdade que a lei só

faz referência ao Ministério Público. Parece-nos, contudo,

induvidoso possa o ofendido, nesses delitos, formulá-la. Não tem

sentido vedar-se-lhe esse direito. Do contrário, haveria uma

discriminação odiosa, e, além do mais, ferir-se-ia o princípio da

isonomia. Se na ação pública o autor do fato faz jus ao benefício,

por que não em se tratando de ação privada? Se o ofendido,

titular da ação como substituto processual, dispõe de poderes

para promover, ou não, a ação penal, e, uma vez intentada, dela

desistir, seja pelo perdão, seja pela perempção, mais ainda os

terá para formular a proposta, pois poderá pretender, em vez do

processo, uma simples multa ou pena restritiva de direito. Quem

pode o mais, pode o menos81.

Em que pese às discussões acirradas acerca da propositura

da transação penal nas ações penais privadas, a jurisprudência vem pacificando o

entendimento de que a proposta é cabível, mas ainda assim incumbe ao

Ministério Público fazê-la.

80

CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais comentada e anotada. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 434.

81 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais

Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 130.

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60

No sentido, há precedente da Turma Recursal Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO. QUEIXA-CRIME. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO

PENAL. TRANSAÇÃO PENAL OPERADA. INCONFORMIDADE

DO QUERELANTE. Cabe ao Ministério Público propor a

transação penal, ainda que em ação penal privada. A

disponibilidade material da vítima reside na fase prévia de

composição dos danos e iniciativa processual. NEGARAM

PROVIMENTO82.

Por fim, o recente enunciado 112 do FONAJE – Fórum

Nacional dos Juizados Especiais – pronuncia que na ação penal de iniciativa

privada, cabem transação penal e a suspensão condicional do processo,

mediante proposta do Ministério Público83, acabando com as dúvidas que existiam

em torno da matéria.

2.3.4.2 Obrigatoriedade de propositura da transação penal

quando inexistentes os impedimentos do art. 76, §2º, da lei

9.099/95

Para que o autor da infração faça jus ao benefício da

transação penal, é necessário que ele atenda a alguns requisitos, conforme

disposto no §2º do artigo 76 da lei 9.099/95:

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à

pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco

anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste

artigo;

82

TJRS, RC 71001420520, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator Alberto Delgado Neto, julgado em 12.11.2007.

83 Enunciado aprovado no XXVII FONAJE, realizado nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2010, em

Palmas/TO. Disponível em < http://www.fonaje.org.br/enunciados.asp >. Acesso em 27.08.2010.

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61

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a

personalidade do agente, bem como os motivos e as

circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Não obstante a regra do artigo 76 da lei 9.099/95 prever que

a proposta de transação penal é uma faculdade do Ministério Público, já que

fixado que ele poderá propor a aplicação imediata de pena, entende a doutrina de

TOURINHO FILHO que, inexistindo alguma das hipóteses previstas acima que

impedem a propositura, o Promotor de Justiça é obrigado a oferecer a transação

penal:

Muito embora o caput do art. 76 diga que o Ministério Público

“poderá” formular a proposta, evidente que não se trata de mera

faculdade. Não vigora, entre nós, o princípio da oportunidade.

Uma vez satisfeitas as condições objetivas e subjetivas para que

se faça a transação, aquele poderá converte-se em deverá,

surgindo para o autor do fato um direito a ser necessariamente

satisfeito. O Promotor de Justiça não tem a liberdade de optar

entre ofertar a denúncia e propor simples multa ou pena restritiva

de direitos. Formular ou não a proposta não fica à sua discrição.

Ele é obrigado a formulá-la. E esse deverá é da Instituição. [...]84.

O mesmo caminho é seguido pela doutrina de GRINOVER e

outros, argumentando que o não oferecimento fere o princípio da isonomia:

[...] permitir ao Ministério Público (ou ao acusador privado) que

deixe de formular a proposta de transação penal, na hipótese de

presença dos requisitos do § 2.º do art. 76, poderia redundar em

odiosa discriminação, a ferir o princípio da isonomia e a

reaproximar a atuação do acusador que assim se pautasse ao

princípio de oportunidade pura, que não foi acolhido pela lei85.

Mesmo que necessária a proposta, a aceitação por parte do

ofendido não é obrigatória, podendo ele recusá-la se entender assim ser melhor.

84

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 125.

85 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 153.

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62

Contudo, se houver divergência entre a vontade do autor do fato e de seu

defensor, deve ser considerada a vontade daquele:

Cabe ao autor do fato e ao seu Defensor aceitar ou não a

proposta. Na hipótese de dissenso, deve prevalecer a vontade

daquele, tanto mais quanto a transação não lhe ocasiona nenhum

prejuízo86.

Com isto, ainda que legalmente explícito que a transação

penal é uma faculdade, o Ministério Público, quando o autor do fato atender a

todos os requisitos, não possui discricionariedade quanto à oferta, sendo obrigado

a apresentar a proposta.

2.3.5 Suspensão condicional do processo

No rito da lei 9.099/95 existe, além da transação penal, a

inovação da suspensão condicional do processo, positivada em seu artigo 89:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou

inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério

Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do

processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja

sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,

presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão

condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Entende-se pela doutrina que a suspensão condicional do

processo também é uma espécie de transação, entretanto, na transação penal, a

oferta é feita antes do oferecimento da denúncia, e ao autor do fato é proposto

pagar uma pena de multa ou restritiva de direitos para evitar a ação penal. Na

suspensão condicional do processo, a diferença é que a proposta é feita no

oferecimento da denúncia, e a aceitação do instituto não impede o início do

processo, visto que este já está iniciado com o recebimento da inicial acusatória.

O processo é apenas suspenso por um prazo determinado, ou seja, caso aceitas

as condições da proposta, a ação penal permanece imóvel, sem prosseguimento,

86

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 141.

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63

desde que o denunciado cumpra com as obrigações acordadas pelo prazo

firmado.

TOURINHO FILHO menciona a suspensão condicional do

processo, denominado-a também “sursis” antecipado:

A suspensão condicional do processo é, também, uma verdadeira

transação. É transação penal e processual. A parte acusadora a

propõe e a Defesa tanto pode aceitá-la como rejeitá-la. A

diferença, contudo, quanto à transação disciplinada no art. 76 é

gritante. Esta só pode ser admitida em se tratando de

contravenções ou de crimes cuja pena máxima in abstracto não

ultrapasse dois anos. Já a suspensão condicional é perfeitamente

admissível não só em relação a essas infrações como também no

que respeita a quaisquer outras, dês que a pena mínima

cominada não supere um ano.

Ademais, a transação não pressupõe denúncia, ressalvada a

hipótese de ser ela formulada no procedimento sumariíssimo; já o

“sursis” antecipado, sim. Após a oferta da denúncia e depois de o

Juiz proceder ao exame de admissibilidade da demanda (art. 395,

I, II e III do CPP) é que deverá ocorrer a audiência para

apreciação da proposta de suspensão do processo. Na transação

é imposta ao autor do fato uma multa ou medida restritiva de

direitos; na suspensão condicional do processo, não haverá multa

nem medida restritiva de direitos, apenas a promessa de

cumprimento de algumas condições que podem ser impostas, à

semelhança do que se dá com a suspensão condicional da

pena87.

Interessante é o ensinamento do autor, que afirma ser

possível a aplicação da suspensão condicional nos processos cujos crimes a

pena mínima não ultrapasse um ano. Assim, diferentemente da transação penal,

estariam incluídos também aqueles delitos não considerados de menor potencial

ofensivo, mas qualquer outro, desde que sua pena mínima não ultrapasse um

ano.

87

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 226.

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64

Esse posicionamento também é seguido pela doutrina de

GRINOVER e outros:

Em razão do disposto no art. 89 da Lei 9.099/95 tornou-se

possível a suspensão condicional do processo “nos crimes em

que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano”.

Desde logo cabe ressaltar que, diferentemente do que ficou

estatuído no art. 61, não fez o legislador aqui nenhuma ressalva

quanto aos “procedimentos especiais” previstos em lei. Não

importa, destarte, se o delito tem ou não procedimento especial

(envolve, portanto, em tese, crimes eleitorais, porte ilegal de droga

para uso próprio etc.); não importa, de outro lado, se o delito está

previsto no Código Penal ou em lei especial (envolve, portanto,

em tese, sonegação fiscal – alguns crimes –, crimes falimentares,

eleitorais, ecológicos etc.)88.

Caso aceita a proposta por parte do acusado, cabe ao juiz o

oferecimento das condições suspensivas do processo, que poderá suspender o

processo e submeter o acusado às condições do §1º e incisos do art. 89 e,

entendendo ser cabível, adotar outras que julgar adequadas.

§1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença

do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o

processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as

seguintes condições:

I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II – proibição de frequentar determinados lugares;

III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem

autorização do Juiz;

IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente,

para informar e justificar suas atividades.

88

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 267.

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§2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica

subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à

situação pessoal do acusado.

Por fim, para que o acusado tenha direito ao benefício da

suspensão condicional do processo, também é necessário que ele atenda aos

requisitos de não estar sendo processado ou não ter sido condenado por outro

crime, expostos no caput do artigo 89.

Além disso, o texto legal também traz outras determinações,

remetendo às que seriam necessárias para a suspensão condicional da pena,

trazidas pelo artigo 77 do Código Penal. Estão entre elas a condição de não ser

reincidente em crime doloso e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta

social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,

autorizem a concessão do benefício.

2.3.5.1 Suspensão condicional do processo nos crimes de

ação penal privada

Assim como no instituto da transação penal, pairavam

dúvidas se a suspensão condicional do processo poderia ser aplicada na ação

penal privada. Nesse caso, o artigo 89 confere ao Ministério Público a

competência para ofertar a suspensão condicional do processo, do mesmo modo

que é feita a propositura da transação penal. Porém, a diferença da suspensão

condicional do processo reside no fato de que ela deve ser proposta no

oferecimento da denúncia.

Com isto, residem duas condições no texto legal. Uma é que

o benefício deve ser oferecido pelo Ministério Público, e a outra, é que a

propositura deve ser feita junto com a denúncia, que é a peça inicial das ações

penais públicas. Ainda assim, apesar da determinação legal, a matéria já se

encontra superada.

O ensinamento de GRINOVER e outros propala que a

menção exclusiva de Ministério Público e denúncia não impede a suspensão

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condicional do processo na ação penal privada, em razão da analogia que vem

sendo reconhecida na matéria da transação penal89.

A possibilidade da medida na ação penal privada também já

foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça, que aduziu caber ao querelante a

legitimidade para a propositura da suspensão processual:

A Lei nº 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos

autorizadores, permite a suspensão condicional do processo,

inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada,

sendo que a legitimidade para o oferecimento da proposta é do

querelante90. (grifou-se)

Cumpre-se, ainda, relançar o enunciado 112 do FONAJE –

Fórum Nacional dos Juizados Especiais – manifestando que o Ministério Público é

o órgão competente para propor, tanto a transação penal, como a suspensão

condicional do processo nos crimes de ação penal de iniciativa privada.

2.3.5.2 Obrigatoriedade de propositura da suspensão

condicional do processo quando inexistentes os

impedimentos do art. 89, caput, da lei 9.099/95 e art. 77 do

Código Penal

Da mesma forma que na transação penal, o agente, para ter

direito ao benefício da suspensão condicional do processo, precisa atender a

alguns requisitos, conforme disposto no artigo 89, caput, da lei 9.099/95 e artigo

77 do Código Penal, ambos já analisados acima.

Na hipótese, ainda que a proposta seja uma “opção” do

Ministério Público, pois a lei, no artigo 89, novamente afirma que ele poderá

propor a suspensão do processo, é também entendimento pacífico da doutrina

que, atendendo o autor da infração aos requisitos legais, o não oferecimento do

benefício caracteriza nulidade por cerceamento de defesa.

89

Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 283.

90 STJ, AP 390/DF, Corte Especial, Relator Felix Fischer, julgado em 06.03.2006.

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67

Essa é a inteligência da doutrina de GRINOVER e outros,

argumentando que o Ministério Público possui o dever de apresentar a proposta,

uma vez que é o defensor da ordem jurídica:

A lei diz que o Ministério Público poderá propor a suspensão do

processo. Tal como já se passa com tantas outras situações em

que o verbo poder foi transformado em poder-dever (v., por

exemplo, a interpretação do verbo “poderá” contido no art. 77 do

CP), uma vez mais, a outra conclusão não se pode chegar. A

dupla face do princípio da oportunidade regrada bem explica tudo:

por força deste princípio, pode o Parquet agora, em lugar da via

clássica (repressiva), também direcionar-se à via alternativa

(despenalizadora) (isso nunca lhe foi possível, agora pode). Essa

opção, no entanto, deve seguir rigorosamente os critérios legais,

não pessoais. De outro lado, preenchidos os critérios que foram

eleitos pelo legislador para a suspensão do processo, o Ministério

Público, como é defensor da ordem jurídica (art. 129 da CF), além

de poder, se quer adstringir-se à legalidade, deve formular a

proposta prevista no citado art. 89. Do contrário, se afastaria da

legalidade, deslegitimando sua atuação91.

Interessante também colher o seguinte precedente do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CRIME. OUTRAS INFRAÇÕES PENAIS. ESTATUTO

DO IDOSO. APROPRIAÇÃO DE VALORES RELATIVOS À

ALVARÁ. ADVOGADO. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL

OFENSIVO. PROCESSAMENTO PELA LEI Nº 9.099/95.

INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE SUSPENSÃO

CONDICIONAL DO PROCESSO. NULIDADE RECONHECIDA DE

OFÍCIO.

O apelante foi denunciado e condenado pela prática de crime que

perquire processamento pelo rito previsto na Lei nº 9.099/95.

Cerceamento de defesa configurado, na medida em que ausente

oferta de suspensão condicional do processo, consoante

preconizado em seu art. 89. Nulidade detectada. Sentença

desconstituída a fim de que seja oportunizado ao Ministério

91

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 316-317.

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68

Público que se manifeste sobre o benefício referido. Apelo

prejudicado. Precedente. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA92.

Assim como na transação penal, a aceitação da suspensão

condicional da proposta não é obrigação do autor da infração, se não a quiser,

prevalecendo a sua vontade sobre a de seu defensor:

Formulada a proposta, pode a Defesa recusá-la. Óbvio. O

entendimento majoritário é o de que, se houver divergência entre

o acusado e o Defensor quanto à aceitação da proposta, há de

prevalecer a vontade daquele. Nem teria sentido devesse ser

acolhido o entendimento do Defensor, mesmo porque não seria

justo que o réu ficasse submetido a um processo sem a certeza

absoluta de um decreto absolutório93.

Ante o exposto, a apresentação da suspensão condicional

do processo, quando presentes todos os requisitos, é um dever do Ministério

Público, da mesma forma como ocorre com a transação penal.

2.3.6 Instrução e julgamento

Sendo infrutíferas as propostas de transação penal ou

suspensão condicional do processo, seja porque o autor do fato não atende aos

requisitos necessários, ou porque não quis aceitar nenhuma das ofertas, tem

início a instrução e julgamento, que são atos realizados em uma única audiência.

A teor do que dispõe o artigo 81 da lei 9.099/95, essa

audiência será o momento de realizar diversos atos, como oferecer resposta à

acusação por parte do defensor, recebimento da denúncia, inquirição de

testemunhas, interrogatório, debates orais e, por fim, a prolação da sentença:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para

responder à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a

denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima

e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir

92

TJRS, AC 70032743908, Sétima Câmara Criminal, Relatora Naele Ochia Piazzeta, julgado em 06.05.2010.

93 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 227.

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69

o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates

orais e à prolação da sentença.

§1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e

julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar

excessivas, impertinentes ou protelatórias.

§2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado

pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos

relevantes ocorridos em audiência e a sentença.

§3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos

de convicção do Juiz.

A aludida resposta à acusação é uma novidade trazida pela

lei dos juizados especiais criminais, pois ela é apresentada, pela defesa, antes do

recebimento da denúncia ou da queixa-crime. Segundo GRINOVER e outros, a

medida evita o prosseguimento de “acusações infundadas ou temerárias, pela

possibilidade de que a defesa se manifeste previamente à decisão judicial sobre a

admissibilidade da ação penal”94.

Continuando o estudo, a autora descreve as argumentações

a serem adotadas pelo ato:

Nessa fase [...] devem ser arguidos todos e quaisquer vícios que

poderiam levar à rejeição da denúncia e da queixa, nos termos do

art. 43 do CPP, e também a eventual falta de justa causa (o fumus

boni iuris), que igualmente caracteriza a ilegalidade da persecução

(art. 648, I, CPP)95.

Após a apresentação da resposta, o juiz pode adotar os

fundamentos da defesa e rejeitar a denúncia ou queixa. Por outro lado, se recebê-

la, dará prosseguimento à audiência com a sequência de atos.

94

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 190.

95 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 190.

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70

No próximo passo é feita a inquirição da vítima e das

testemunhas. Em muitos aspectos, nesta etapa, são aplicados subsidiariamente

dispositivos do Código de Processo Penal, corroborando o que determina o artigo

92 da lei 9.099/95.

Assim, em relação à oitiva do ofendido, adota-se a regra do

artigo 201 do CPP, que impõe a obrigatoriedade do ato, podendo ele ser

conduzido se, intimado, deixar de comparecer sem fundado motivo, nos termos

do §1º do mesmo artigo.

Quanto às testemunhas, a lei não estabelece um número

máximo para o arrolamento. Tampouco se encontra no Código de Processo Penal

a subsidiariedade clara a ser aplicada ao caso.

Segundo CABETTE, a análise da questão deve abordar

alguns dispositivos do CPP. Entre eles, o artigo 394, §5º dispõe que são

aplicáveis, subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo

as disposições do procedimento ordinário. Em tese, este artigo, aliado ao artigo

92 da lei 9.099/95, a primeira vista, dá a conclusão de que o número máximo de

testemunhas é oito, pois o artigo 401 do CPP, que trata do número de

testemunhas, não conflita com nenhum outro dispositivo da lei dos juizados

especiais criminais.

Entretanto, o artigo 538 do CPP aduz que nos casos de

infrações de menor potencial ofensivo que forem encaminhados ao juízo comum,

são aplicáveis as regras do rito sumário, que, no artigo 532 do mesmo diploma

legal, define o máximo de cinco testemunhas.

Em assim sendo, o autor conclui que, para regramento do

total de testemunhas a serem arroladas, deve-se considerar o máximo de cinco,

adotando-se subsidiariamente a norma do processo sumário no CPP, e baseando

a hipótese nos princípios da celeridade, simplicidade e economia processual:

Em primeiro lugar passou a dispor o artigo 394, § 5º., CPP, que

"aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial,

sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário"

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(grifo nosso). Esse dispositivo, aliado ao artigo 92 da Lei 9099/95,

que manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código de

Processo Penal que não conflitarem com aquele diploma, leva a

crer que o número máximo de testemunhas, a partir do momento

que não é explicitado na lei de regência, passa a ser aquele do

procedimento ordinário, que se aplica subsidiariamente, ou seja,

oito testemunhas (artigo 401, CPP).

Não obstante, estabelece o artigo 538, CPP, que naqueles casos

de infrações de menor potencial que forem encaminhados ao

Juízo Comum, nos termos dos artigos 66, Parágrafo Único e 77, §

2º., da Lei 9099/95, aplicar-se-ão as normas do procedimento

sumário. Agora, à vista deste outro dispositivo do mesmo Código

de Processo Penal e novamente sua conjunção com o artigo 92

da Lei dos Juizados Especiais Criminais, parece que o número de

testemunhas pode ser de cinco e não de oito, de acordo com o

disposto no artigo 532, CPP. Ora, se as infrações afetas

normalmente ao procedimento sumaríssimo devem assumir as

regras do sumário quando remetidas ao juízo comum, parece

sustentável que no silêncio da Lei 9099/95 quanto ao número de

testemunhas deva prevalecer o número previsto para o

procedimento sumário, mais próximo do sumaríssimo, inclusive

tendo em vista os princípios de celeridade, simplicidade e

economia processual que regem os Juizados Especiais

Criminais96.

Sobre a produção de provas, é de se levantar que o §1º do

artigo 81 da lei 9.099/95 não deve ser seguido à risca, pois há casos em que é

necessária a expedição de precatória para ouvir uma testemunha em outra

comarca, ou que as partes requeiram alguma outra diligência, ou que juntem

documentos em qualquer fase do processo, adotando-se, neste caso, o texto do

artigo 231 do CPP:

A regra de que todas as provas serão produzidas na audiência

não apresenta rigor absoluto: uma testemunha, por exemplo, pode

ser ouvida por precatória, como um documento poderá ser juntado

aos autos em qualquer fase procedimental, na dicção do art. 231

96

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Número máximo de testemunhas no procedimento sumaríssimo. Um problema não solucionado expressamente na reforma do Código de Processo Penal. Teresina: Jus Navigandi, 2009. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13714 >. Acesso em 17.07.2010.

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72

do CPP. Nada impede que a Acusação ou a Defesa requeira, nos

debates, a inquirição de alguma testemunha referida, ou outra

diligência conforme o caso, mesmo porque o §5º do art. 394 do

CPP determina que as disposições do procedimento ordinário

podem ser aplicadas subsidiariamente aos procedimentos

especial, sumário e sumariíssimo. Contudo, a concentração, na

medida do possível, é necessária, inclusive para obedecer ao

princípio da celeridade reclamado pelo art. 62 da mesma lei97.

Posterior à oitiva do ofendido e das testemunhas, tem-se vez

o interrogatório do autor da infração. GRINOVER e outros evidenciam que o

interrogatório é um importante momento para o acusado se defender e fornecer a

sua versão pessoal dos fatos:

Na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o

momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o

acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos

e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida,

um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela

faculdade de permanecer em silêncio (art. 5.º, LVIII, CF).

O interrogatório do réu presente constitui ato essencial do

processo penal e sua falta caracteriza nulidade insanável (art.

564, III, e, segunda parte, CPP). Se for revel, mas posteriormente

comparecer, deve ser obrigatoriamente interrogado, mesmo

depois da prolação da sentença98.

Como a norma não prevê peculiaridades nos interrogatórios

do Juizado Especial Criminal, aplica-se, também, o CPP de forma subsidiária,

buscando a regulamentação no artigo 185 a 196 do diploma processual penal.

Terminado o interrogatório, tem-se início os debates. Para

GRINOVER e outros99, trata-se da oportunidade que a acusação e a defesa tem

de apresentar suas alegações orais, argumentando sobre as provas produzidas,

97

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 157.

98 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al.. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 192.

99 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 192.

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73

as versões do fato e demonstrar os direito aplicável ao caso, na iniciativa de

influenciar o convencimento judicial.

A lei 9.099/95 também silencia sobre o tempo que a defesa

e acusação tem para fazer seus pronunciamentos orais. Conforme orienta

TOURINHO FILHO100, deverá ser aplicado por analogia as disposições do CPP.

Apesar de o autor remeter ao artigo 531 da norma processual, entende-se que a

menção correta seria ao art. 534, que, como exemplifica a sua obra, confere à

acusação e defesa o tempo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez para a

apresentação das alegações finais orais.

Após os debates, o juiz prolatará a sentença, em

conformidade com o artigo 381 do Código de Processo Penal, sendo dispensável

o relatório. Consoante o artigo 81, 2º da lei 9.099/95, será lavrado termo da

audiência de instrução e julgamento, contendo “breve resumo dos fatos

relevantes em audiência”. No mesmo termo, será prolatada a sentença. De

acordo com a doutrina de MIRABETE, a dispensa do relatório não acarreta em

prejuízo em razão da referência às ocorrências ocorridas no ato oficial.

O autor também menciona outros requisitos a serem

cumpridos pela sentença, nos casos de absolvição ou condenação, além de que,

se em determinados casos não for possível a colheita de todas as provas em um

único ato, poderá postergar a instrução dando ciência as partes para uma nova

audiência ou, sendo esta desnecessária, poderá prolatar a sentença devendo

intimar acusação e defesa regularmente:

Efetuados os debates, [...] deve o juiz proferir a sentença, com os

requisitos previstos pelo art. 381 do Código de Processo Penal,

exceto o relatório, dispensado expressamente pelo art. 81, §3º,

sendo indispensável a motivação, ou seja, sua fundamentação e

evidentemente, a disposição, sob pena de nulidade. Embora

dispensado o relatório, o “breve resumo dos fatos relevantes

ocorridos em audiência”, previsto no art. 81, §2º, na verdade, o

substitui, não havendo portanto nenhum prejuízo para o

procedimento.

100

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 157.

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74

Se for absolutória a decisão, deverá preencher os requisitos do

art. 386, e se condenatória os do art. 387, ambos do mesmo

Estatuto. É evidente que a sentença deve ser registrada

integralmente no termo.

Impossibilitado de proferir a sentença (falta de juntada de carta

precatória ou de outra prova a ser obtida em diligência, excesso

de audiências etc.), deve o juiz adiar a audiência,

complementando-se a instrução, se necessário, em data

designada da qual devem sair cientes os interessados. Se,

oferecidas as alegações orais, não houver prova a ser produzida,

desnecessária é a realização dessa audiência, podendo prolatar a

sentença, da qual devem ser as partes intimadas regularmente101.

Da sentença, são cabíveis embargos de declaração e

apelação, e os erros materiais podem ser corrigidos de ofício, hipóteses previstas

no artigo 83, caput, artigo 82 e artigo 83, §3º, respectivamente, todos da lei

9.099/95.

2.3.7 Recurso de apelação

Importante é o estudo do citado artigo 82, que se refere à

apelação nos seguintes termos:

Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da

sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma

composta de 3 (três) juízes em exercício no primeiro grau de

jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

Nos Juizados Especiais, o recurso de apelação é cabível em

dois casos: contra a decisão que rejeitou a denúncia ou queixa ou contra a

sentença. Conforme GRINOVER e outros102, a apelação é o “recurso ordinário por

excelência, permitindo a rediscussão de todas as questões de fato e de direitos

suscitadas na causa.”

101

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 185-186.

102 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 204.

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75

A inovação trazida por esse artigo, baseada no artigo 98, I

da CRFB/88, procurou dar maior celeridade aos recursos aplicáveis ao Juizado

Especial Criminal, pois é possível atingir o duplo grau de jurisdição com maior

brevidade, ao facultar que três juízes de primeiro grau decidam a causa apelada,

evitando-se que o processo suba ao Tribunal de Justiça. Além da celeridade, a

proposta das Turmas de Recursos também é uma clara adoção dos princípios da

simplicidade e economia processual.

No entanto, quando a lei estipula que a apelação poderá ser

julgada por turma composta de três juízes de primeiro grau, atribui-se apenas

uma faculdade a cada estado para instalar a turma recursal. Em caso de não

existir em determinado estado a previsão da Turma de Recursos, a apelação será

julgada pelo Tribunal de Justiça:

Como já se observou, a Lei 9.099/95, com aparo no art. 98, I, da

Constituição, abriu a possibilidade de julgamento das apelações

contra decisões proferidas pelos Juizados Especiais por turmas

recursais integradas por três juízes em exercício em primeiro grau

de jurisdição. Atende-se, com isso, à garantia do duplo grau de

jurisdição, sem comprometimento dos princípios de simplicidade,

celeridade e economia processual, que devem informar a

atividade jurisdicional relacionada às pequenas infrações penais.

Trata-se, no entanto, como se vê tanto no texto legal como no

constitucional, de mera faculdade atribuída ao legislador local.

Assim, podem os Estados omitir ou adiar a criação dessas turmas

e, nessa situação, todos os recursos relativos às causas de

competência dos Juizados continuarão a ser julgados pelos

tribunais existentes103.

Em Santa Catarina, as Turmas de Recursos são

reconhecidas como órgãos do Poder Judiciário pela lei complementar estadual nº

339/06, que trata da Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, e, em

seu artigo 47, regulamenta a estrutura das mesmas:

103

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 204.

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76

Art. 47. As Turmas de Recursos Cíveis e Criminais, de que trata a

Lei n. 9.099, de 1995, são compostas por Juízes de Direito de

entrância especial ou, não sendo possível, por Juízes de Direito

de entrância igual ou superior à do prolator da sentença, com

jurisdição na sede de sua Comarca ou de Comarca que integre o

seu grupo jurisdicional, indicados pelo Tribunal de Justiça para um

período de três anos, permitida uma recondução.

§ 1º Compete ao Presidente da Turma de Recursos exercer juízo

de admissibilidade dos recursos e prestar informações quando

requisitadas.

§ 2º A Secretaria da Presidência da Turma de Recursos

funcionará para os atos de julgamento e processamento de

eventuais recursos contra as suas decisões.

Percebe-se que apesar de a competência ser atribuída a

juízes de primeiro grau, a legislação estadual ainda preza pela experiência dos

magistrados que irão rediscutir a matéria, ao definir que o segundo grau de

jurisdição dos Juizados Especiais seja composto por juízes de entrância especial

ou, em não existindo, por julgadores de entrância igual ou superior ao daquele

prolator da decisão de primeiro grau.

2.3.8 Execução

Pela letra do artigo 86 da lei 9.099/95, ao Juizado Especial

Criminal compete somente a execução da pena de multa, sendo as penas

privativas de liberdade ou restritivas de direito, ou a pena de multa cumulada com

alguma destas, processadas pelo “órgão competente”, nos termos da lei.

TOURINHO FILHO argumenta que o legislador, ao escrever

o artigo citado, aparentou tentar diminuir a extensão da competência fixada pelo

artigo 60 do mesmo diploma legal. Entende o autor que a competência para a

execução estende-se apenas à pena de multa, e, no caso de inadimplência,

atribui-se a execução da dívida à Fazenda Nacional ou Estadual:

Parece-nos que o legislador, no artigo sob comento, diminuiu a

extensão da competência fixada no art. 60. Daí, a nosso ver, a

competência do Juizado, na área da execução, restringe-se à

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77

multa, e, assim mesmo, se houver inadimplemento, desloca-se

para a Fazenda Nacional ou Estadual, [...] ou, se se tratar de

multa resultante de transação, não sendo possível sua cobrança,

nenhuma medida pode ser tomada, ante a falta de previsão

legislativa104.

Com relação à execução das outras penas, o doutrinador

remete a competência à lei de execuções penais (lei nº 7.210/84), a ser aplicada

pelo Juízo das Execuções Penais:

Já observamos que o fato de uma infração ser de menor potencial

ofensivo não constitui empecilho à imposição de pena restritiva de

liberdade. Assim, se não for possível a transação por um dos

motivos previstos em lei, invocar-se-á o procedimento

sumariíssimo ou até mesmo o procedimento comum, nos termos

do art. 538 do CPP, oportunidade em que poderá ser imposta

pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. E, nesses

casos, de quem é a competência para a execução? Por certo que

do Juízo das Execuções Penais, consoante as regras dos arts.

105 a 146 e 147 a 163 da Lei de Execução Penal105.

Com isto, quando o artigo relata “nos termos da lei”,

entende-se que a atribuição para regulamentar a aplicação das penas privativas

de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, submete-

se ao regramento da lei de execuções penais.

104

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 211.

105 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais

Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 212.

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78

CAPÍTULO 3

AUTORIDADE COMPETENTE PARA A LAVRATURA DO TERMO

CIRCUNSTANCIADO

3.1 O TERMO CIRCUNSTANCIADO

O termo circunstanciado é uma das novidades trazidas pela

lei 9.099/95, como instrumento hábil para apurar as infrações de menor potencial

ofensivo e definir a sua autoria, posteriormente encaminhado os fatos ao Juizado

Especial Criminal.

Apesar disso, a legislação, em nenhum de seus artigos, traz

uma definição explícita do que é o termo circunstanciado, abstendo-se apenas a

determinar que ele seja lavrado pela autoridade policial que tomar conhecimento

da ocorrência.

Ele está previsto no art. 69 da lei 9.099/95 que assim trata:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da

ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará

imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima,

providenciando-se as requisições dos exames periciais

necessários.

Segundo TOURINHO FILHO, o termo circunstanciado “nada

mais representa senão um boletim de ocorrência mais completo [...]106”. O autor

ainda complementa a descrição, informando todos os requisitos necessários à

elaboração do documento:

Deve conter a qualificação dos envolvidos e de eventuais

testemunhas, se possível com a indicação do número de seus

telefones, uma súmula das suas versões e o compromisso que as

106

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 92.

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79

partes assumiram de comparecer perante o Juizado. Se houver

necessidade, serão requisitados exames periciais, cujos laudos,

se possível, deverão ser anexados ao “Termo”107.

Já MIRABETE traz ao conhecimento os elementos do termo

circunstanciado, definindo-o como o relato de um fato tido como infração de

menor potencial ofensivo, a ser elaborado pela autoridade policial:

Deve a autoridade policial lavrar um “termo circunstanciado” da

ocorrência, ou seja, elaborar um relato do fato tido como infração

penal de menor potencial ofensivo. Esse termo de ocorrência não

exige requisitos formalísticos, mas deve conter os elementos

necessários para que se demonstre a existência de um ilícito

penal, de suas circunstâncias e da autoria, citando-se de forma

sumária o que chegou ao conhecimento da autoridade pela

palavra da vítima, do suposto autor, de testemunhas, de policiais

etc. Em resumo, devem ser respondidas as tradicionais questões:

Quem? Que meios? O que? Por quê? Onde? e Quando? Nada

impede que o termo de ocorrência seja elaborado com o

preenchimento dos espaços em branco de formulários impressos,

o que, aliás, facilita sua feitura e previne omissões108.

GRECO FILHO, ao ensinar sobre as disposições do termo

circunstanciado, faz um importante aprofundamento relativo à matéria ao analisar

a sua natureza jurídica. Para ele, o termo circunstanciado é um ato administrativo,

e como tal, deve atender cinco elementos essenciais: objeto lícito, forma legal,

competência da autoridade, motivo e finalidade. O objeto do termo

circunstanciado é descrito pelo autor:

O termo circunstanciado tem por objeto a descrição de uma

infração penal de pequeno potencial ofensivo e suas

circunstâncias, bem como eventual qualificação de testemunhas e

indicação das requisições de exames necessários à prova da

materialidade da infração. Dele também deverá constar, se não

houver a apresentação imediata do agente ao juiz, o compromisso

107

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 92.

108 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p.

86.

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80

de aquele comparecer em juízo, a fim de que não se imponha a

prisão em flagrante ou se exija a fiança109.

Continuando em seu raciocínio, o autor atribui ao termo

circunstanciado não apenas a simples descrição de um fato, mas também a

criação de um juízo de valor sobre determinada prática infracional:

Termo circunstanciado não é apenas um ato descritivo ou de

constatação mecânica ou fotográfica. É um juízo de valor sobre a

prática de uma infração penal que vai desde o entendimento

responsável da tipicidade ou atipicidade de uma conduta que leva,

ou não, a submeter alguém ao ônus de um procedimento de

natureza penal até a formulação de um enquadramento típico

quanto à natureza da infração, de pequeno potencial ofensivo ou

não.

Terminada a lavratura do termo circunstanciado, em estando

presentes todos os elementos elucidativos, ele deverá ser encaminhado ao

Juizado Especial Criminal, que irá definir a sua procedibilidade conforme já visto

no capítulo 2, podendo ser proposta conciliação, transação penal, suspensão

condicional do processo ou se prosseguir à instrução e julgamento. Cabe

ressaltar que o Ministério Público, por força do artigo 76 da lei 9.099/95, pode

solicitar o arquivamento do feito quando entender que o fato descrito é atípico ou

se trata de infração de bagatela110.

O parágrafo único, primeira parte do art. 69 ainda trata que

se o autor do fato, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao

Juizado ou assumir compromisso de nele comparecer, não será autuado em

flagrante e nem se exigirá fiança. É possível, portanto, que o autor do fato,

mesmo no cometimento de infração de menor potencial ofensivo, seja preso em

flagrante quando se negue a comparecer ao Juizado, devendo ser arbitrada

fiança quando exigível.

109

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.

110 Nesse sentido, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados

Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 124.

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81

MIRABETE ensina nesse caminho:

Segundo o parágrafo único do art. 69, nas infrações de menor

potencial ofensivo não será formalizada a prisão em flagrante

delito, nem se exigirá fiança do autor do fato quando for este

conduzido com o termo circunstanciado ao Juizado Especial ou,

na impossibilidade de encaminhamento imediato das partes,

quando assumir o compromisso de comparecer em Juízo. A

contrario sensu, caso não seja ele encaminhado imediatamente e

não preste tal compromisso, permite-se a lavratura do auto de

prisão em flagrante, exigindo-se a fiança quando cabível. Nessa

hipótese, deve a autoridade policial fazer constar do auto que o

autuado não quis comprometer-se ao comparecimento ao

juizado111.

Diante do estudado, inegável concluir que o termo

circunstanciado revolucionou o processo penal pátrio. Este é o resultado da busca

pelos princípios dos Juizados Especiais, revertendo-se o termo circunstanciado

em um procedimento mais simples e célere que o inquérito policial e,

consequentemente, menos penoso ao autor do fato, assim como deve ser a

pretensão punitiva das infrações penais de menor potencial ofensivo.

3.1.1 Procedimentos para a lavratura do termo circunstanciado da Polícia

Militar

A lavratura do termo circunstanciado da Polícia Militar é

regida pelo decreto executivo estadual nº 660/07. Nele são incluídos nove artigos

que tem o objetivo de regulamentar a atividade policial militar na lavratura do

termo. Serão analisados os mais importantes.

O artigo 1º da norma estabelece que o termo

circunstanciado pode ser lavrado no próprio local da ocorrência, por policial militar

que a atender, ou na delegacia, caso seja a intenção do cidadão a esta recorrer:

Art. 1º O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado na delegacia

de polícia, caso o cidadão a esta recorra, ou no próprio local da

111

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 86.

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82

ocorrência pelo policial militar ou policial civil que a atender,

devendo ser encaminhado ao Juizado Especial, nos termos do art.

69 da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Nota-se que o dispositivo ainda prevê a possibilidade da

lavratura por policial civil, também no local da ocorrência, caso este a atenda.

Pela redação do artigo, infere-se que este policial civil pode ser qualquer agente,

não necessariamente o delegado de polícia.

Ademais, o artigo determina que o termo circunstanciado

seja lavrado na delegacia de polícia no caso de o cidadão a esta recorrer.

Verifica-se que apesar do decreto procurar regulamentar a lavratura do termo por

policiais militares e civis, ainda houve a preocupação de garantir ao cidadão o

direito de recorrer a uma delegacia de polícia, se assim preferir.

A redação do artigo não define qual das partes envolvidas

tem o direito de requerer a lavratura na delegacia de polícia, pois o texto se

restringiu apenas em conferir a escolha ao “cidadão”. Cidadão, segundo

FERREIRA112, “é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado”,

ou simplesmente o “indivíduo, sujeito”. Apesar do sentido amplo, pode-se

entender que a essência do vocábulo “cidadão”, quando incluído no decreto,

procurou se restringir apenas às partes, podendo ser tanto o autor do fato quanto

a vítima.

Além da escolha acima referida, existem também outras

restrições que determinam a lavratura do termo circunstanciado na delegacia de

polícia. Uma delas, prevista no §1º do artigo 1º, impõe a condução das partes à

delegacia no caso de maior complexidade relacionada ao fato, ou se for

necessária a posterior expedição de carta precatória:

§ 1º Para os casos de infração penal de menor potencial ofensivo,

cuja lavratura do Termo Circunstanciado se revista de maior

complexidade, ou que necessitem de expedição de carta

precatória para posteriores diligências, as partes devem ser

conduzidas à Delegacia de Polícia.

112

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 120.

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83

Novamente, o dispositivo não aprofunda o que seria “maior

complexidade”. É possível entender que seja a necessidade de requisitar exames

periciais, que, como já estudado, é cabível na lavratura do termo circunstanciado.

Também há previsão da retirada dos envolvidos na infração

penal de menor potencial ofensivo, encaminhando-os à delegacia de polícia ou a

qualquer outro local adequado, a fim de preservar a integridade física ou procurar

a pacificação do conflito. Todavia, é expressamente proibida a criação de cartório

ou a condução para o interior de quartéis, com o objetivo da lavratura do termo:

§ 2º Nos casos em que houver a necessidade de retirar do local

os envolvidos na infração penal de menor potencial ofensivo, a fim

de preservar-lhes a integridade física, ou ainda objetivando a

pacificação do conflito, estes devem ser conduzidos às Delegacias

de Polícia ou, em caso de impedimento, a outro local adequado,

ficando vedada a criação de cartório e a condução para o interior

dos Quartéis da Polícia Militar, para a lavratura do Termo

Circunstanciado.

Após o encaminhamento do termo circunstanciado ao

Juizado Especial Criminal, é possível que o Ministério Público ou o juiz requeiram

diligências complementares para a fiel elucidação dos fatos. Nesse caso, as

diligências devem ser procedidas pela Polícia Civil, exceto se o requisitante

requerer sejam as mesmas procedidas pela Polícia Militar.

§ 3º Havendo requisição de diligências complementares por parte

do Poder Judiciário ou do Ministério Público para fatos atinentes a

infração penal de menor potencial ofensivo, comunicado ao

Juizado por meio de Termo Circunstanciado, caberá à Polícia Civil

assim proceder, salvo quando por razões técnicas a instituição

requisitante o fizer diretamente à Polícia Militar.

Não havendo situação de flagrância, a Polícia Militar deve

lavrar um boletim de ocorrência na modalidade de comunicação de ocorrência

policial. Este boletim, no entanto, não irá gerar o termo circunstanciado da Polícia

Militar, pois deve ser encaminhado à Polícia Civil para apuração da infração

penal:

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Art. 2º A Polícia Militar lavrará Boletim de Ocorrência na

modalidade de Comunicação de Ocorrência Policial, nos casos

em que não se configure a situação de flagrância, devendo

encaminhar a Polícia Civil, para a devida apuração da infração

penal, no primeiro dia útil após o registro.

Os artigos 4º e 5º evitam que as duas polícias estaduais

invadam a competência uma da outra. À Polícia Militar é vedada a prática de

quaisquer atos de polícia judiciária, com a exceção de cumprimento de mandado

de busca e apreensão por determinação judicial:

Art. 4º É vedado à Polícia Militar praticar quaisquer atos de Polícia

Judiciária, dentre os quais apuração de infrações penais, pedidos

de mandados de busca e apreensão, interceptação telefônica,

escuta de ambiente e representações de prisões temporárias e

preventivas, bem como, cumprimento de mandados de busca e

apreensão, exceto, neste caso, por determinação judicial.

Já à Polícia Civil é vedada a execução de policiamento

ostensivo, exceto quando em conjunto com a Polícia Militar:

Art. 5º É vedado à Polícia Civil executar ações de polícia

ostensiva de preservação da ordem pública, privativas da Polícia

Militar, exceto em operações conjuntas.

A despeito da nobre finalidade em regulamentar uma

atividade policial que, em tese, realçaria os princípios norteadores do Juizado

Especial Criminal, tem-se que o decreto possui vícios de inconstitucionalidade e

ilegalidade, como será visto mais adiante.

3.1.2 O termo circunstanciado como materialização da atividade de

polícia judiciária

De forma já vista no primeiro capítulo desta pesquisa, as

atribuições de polícia judiciária, genericamente, são aquelas descritas no artigo 13

do Código de Processo Penal, compreendendo, especialmente, a realização de

diligências e o fornecimento às autoridades judiciárias de informações

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85

necessárias à instrução e julgamento dos processos, conforme requerido pelo

Ministério Público ou juiz.

Relembrando ainda, à polícia judiciária também compete a

investigação de crimes que não puderam ser prevenidos, devendo descobrir-lhes

os autores e reunir provas que ajudarão na persecução, instrução e julgamento

penal. Ao atuar nesses sentidos, a polícia judiciária assume características

investigativas e de órgão auxiliar do Poder Judiciário.

Colhendo essas informações, não há como se negar que o

termo circunstanciado seja um procedimento materializador da persecução penal,

atividade esta de polícia judiciária, com fornecimento às autoridades judiciárias e

ao Ministério Público de informações necessárias à instrução e julgamento dos

processos.

Apesar de ser um procedimento sem maiores formalidades,

o termo circunstanciado conta com vários elementos probatórios na busca da

autoria e materialidade da infração penal de menor potencial ofensivo, não

apenas relata brevemente o ocorrido, mas também levanta as circunstâncias,

colhe a qualificação de testemunhas e até mesmo requisita a produção de provas

periciais necessárias para comprovar a materialidade do ilícito.

GRECO FILHO ensina, como já visto anteriormente, que o

objeto do termo circunstanciado é a descrição de uma infração penal de menor

potencial ofensivo, contendo suas circunstâncias, qualificação de testemunhas e

requisições de exames necessários à comprovação da materialidade delitiva.

Continuando o ensinamento, o autor também traz o motivo e a finalidade do termo

circunstanciado e faz uma analogia ao inquérito policial, elevando cada vez mais

a certeza de que o procedimento é ato específico de polícia judiciária:

O seu motivo, no sentido que o Direito Administrativo empresta a

esse termo, é a existência suficientemente caracterizada de uma

infração penal qualificada como de pequeno potencial ofensivo.

Sua finalidade é a de dar elementos, somados à prova técnica

requisitada, para a formação da opinio delicti do Ministério Público

para a propositura de ação penal ou das outras alternativas

previstas na lei especial. Da mesma forma que o inquérito policial

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para as demais infrações penais, o termo circunstanciado deverá

conter os elementos suficientes para sustentar a acusação e as

providências penais, na proporção exigida pela natureza da

infração (de pequeno potencial ofensivo) mas indispensável para

que tenham justa causa113.

Diante disso, é evidente que o termo circunstanciado é a

materialização da atividade de polícia judiciária, pois atende a todos os

pressupostos desta. Sendo assim, a sua lavratura para apuração de delitos da

competência estadual incumbe à Polícia Civil e deve ser determinada por

delegado de polícia de carreira, em conformidade com o que determina o artigo

144, §4º da CRFB/88, já estudado.

3.2 CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA A LEI 9.099/95

Com a promulgação da lei 9.099/95 iniciaram-se algumas

discussões entre seus dispositivos. Uma das mais famosas gira em torno do

artigo 69, que vem dividindo os doutrinadores e a jurisprudência acerca de sua

aplicação.

A divisão existente é referente à interpretação do termo

“autoridade policial”.

Em tese, no estudo da matéria do Direito Processual Penal,

entende-se que “autoridade policial” é o delegado de polícia, sendo ele o agente

público competente para instaurar o inquérito policial ou lavrar auto de prisão em

flagrante (artigo 304 do CPP)114.

Todavia, tem-se discutido que, para aplicação da lei

9.099/95 e lavratura do termo circunstanciado, o conceito de autoridade policial

seria extensivo, aplicando-se a “qualquer autoridade policial”, podendo ela ser civil

ou militar.

113

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.

114 Nesse sentido, MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo:

Atlas, 2000. p. 85.

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Muito se discute entre doutrinadores e juristas qual é a real

interpretação que a lei 9.099/95 quis dar ao se referir, em seu artigo 69, caput, à

autoridade policial.

Alguns doutrinadores, como TOURINHO FILHO, entendem

que autoridade policial, mesmo para efeitos da lei 9.099/95, é apenas o delegado

de polícia, atribuindo-se a ele a competência para a instauração do termo

circunstanciado, baseado no que dispõe o artigo 144, §4º da CRFB/88, que define

as atribuições da Polícia Civil:

Que Autoridade Policial tem competência para determinar esse

TC (Termo Circunstanciado)? Sempre se entendeu, entre nós,

que Autoridade Policial é o Delegado de Polícia. O art. 144, §4º,

da Constituição dispõe que “Às policias civis, dirigidas por

delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a

competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares”115.

MIRABETE também defende a tese nesse sentido:

[...] O conceito de “autoridade policial” tem seus limites fixados no

léxico e na própria legislação processual. “Autoridade” significa

poder, comando, direito e jurisdição, sendo largamente aplicada

na terminologia jurídica a expressão como o “poder de comando

de uma pessoa”, o “poder de jurisdição” ou “o direito que se

assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a

pessoas, coisas ou atos”. É o servidor que exerce em nome

próprio o poder do Estado, tomando decisões, impondo regras,

dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos individuais,

tudo nos limites da lei. Não têm esse poder, portanto, os agentes

públicos que são investigadores, escrivães, policiais militares,

subordinados que são às autoridades respectivas.

No sentido legal e constitucional, as polícias civis são dirigidas por

“delegados de polícia de carreira” (art. 144, § 4º, da CF). O

Delegado de Polícia é a autoridade competente para a

instauração e presidência do inquérito policial (embora por lei

possa ser atribuída a outras, expressamente, essa função – art. 4º

115

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 93.

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e seu parágrafo único, do CPP) e para a lavratura do auto de

prisão em flagrante (art. 304 do CPP). A expressão “autoridade

policial”, aliás, é citada em outros dispositivos da lei processual

comum (arts. 5º, §§ 3º e 5º, 6, 7, 9, 10, §§1 a 3, 13 a 17, 20 e

parágrafo único; 21, parágrafo único, 22 e 23, 39, §§ 1, 3 e 4, 46,

241, 301, 307, 308, 311, 325, 326, 332 etc.), sempre com única

referência ao delegado de polícia. A distinção da figura da

autoridade policial e dos demais agentes policiais é registrada no

Código de Processo Penal, que se refere “às autoridades ou

funcionários” (art. 47 do CPP), ou a autoridades e “seus agentes”

(art. 301)116.

Por outro lado, doutrinadores como GRINOVER e outros

entendem que “qualquer autoridade policial” pode ser responsável pela lavratura

do termo circunstanciado, podendo ela ser civil ou militar. Este posicionamento

provoca o entendimento de que a autoridade policial não é apenas o delegado de

polícia, mas qualquer agente estatal investido nas atividades que possuem

atribuições policiais, inclusive policiais militares:

Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato que

poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as

polícias federal e civil, que têm a função institucional de polícia

judiciária da União e dos Estados (art. 144, § 1.º, inc. IV, e § 4.º),

mas também a polícia militar117.

A autora também traz ao conhecimento uma das primeiras

conclusões sobre a expressão “autoridade policial”, formulada pela Comissão

Nacional da Escola Superior da Magistratura, a seguir transcrito in verbis:

Exatamente neste sentido, a Comissão Nacional da Escola

Superior da Magistratura, encarregada de formular as primeiras

conclusões sobre a interpretação da lei (v. n. 13 das

considerações introdutórias à Seção), apresentou a seguinte:

Nona Conclusão: “A expressão autoridade policial referida no art.

69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei,

116

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 86.

117 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 118.

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podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de

ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo118.

No mesmo caminho, o provimento 04/99 da Corregedoria-

Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina esclarece, em seu artigo 1º, o

conceito de autoridade policial com um sentido bastante amplo:

Art. 1° - Esclarecer que autoridade, nos termos do art. 69 da Lei

n° 9.099/95, é o agente do Poder Público com possibilidade de

interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualificativo

policial é utilizado para designar o servidor encarregado do

policiamento preventivo ou repressivo.

Em que pesem as divergências entre os que adotam o

sentido extensivo de autoridade policial e os que preferem o sentido estrito,

atribuindo-o apenas ao delegado de polícia, é de se analisar a brilhante doutrina

de GRECO FILHO, que não apenas vislumbra o conceito, mas também a

essência do significado de autoridade policial para a lei 9.099/95.

O autor argumenta com muita pertinência, baseando-se no

entendimento de Adroaldo Furtado Fabrício em banca de mestrado na Faculdade

de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, que o processo

penal, no qual integram o inquérito policial, o auto de prisão em flagrante e o

termo circunstanciado, é uma sucessão de “verdades provisórias”. Existe a

verdade provisória da autoridade policial, que instaura o inquérito ou lavra auto de

prisão em flagrante ou termo circunstanciado; a verdade provisória do

representante do Ministério Público, que forma sua opinio declicti, podendo

oferecer denúncia ou propor as medidas do artigo 76 ou 89 da lei 9.099/95; a

verdade provisória do magistrado, quando recebe a denúncia e, por fim, a

verdade provisória da sentença recorrível. No processo penal, ainda, só existe

verdade definitiva se a sentença transitada em julgado for absolutória, pois a

condenatória pode ser objeto de revisão criminal119.

118

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 118.

119 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.

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GRECO FILHO argumenta que cada uma das etapas de

convicção acima “envolve aspectos em função de um sentido garantista do

processo penal, essencial no Estado Democrático de Direito.” Por isso, são

necessárias: “1) a formação técnica da autoridade que a formula; 2) a investidura

formal da autoridade; 3) a assunção da responsabilidade pela coação decorrente

do ato que se pratica em face do suspeito, indiciado ou acusado120”.

Continuando o raciocínio do autor:

Se a ação penal indevida e sem justa causa já significa coação

ilegal passível de ser trancada por meio de habeas corpus, assim

também o inquérito policial e a lavratura do termo circunstanciado

na medida em que este último submete alguém ao ônus de

comparecer em juízo sob a ameaça da lavratura do flagrante ou

de ser compelido a prestar fiança. Com a lavratura do flagrante ou

do Termo Circunstanciado, a autoridade assume a coação

processual e torna-se autoridade coatora, responsável para ser o

impetrado no writ constitucional do habeas corpus121.

Com esse pressuposto, GRECO FILHO passa a concluir que

a única autoridade competente para a lavratura do termo circunstanciado é o

delegado de polícia, pois no meio policial, é o único investido de formação técnica

jurídica (o delegado de polícia necessita ser bacharel em direito), tem investidura

formal em cargo público, destinada à atuação repressiva e investigativa, e

assume a responsabilidade pela coação decorrente do ato que pratica122.

Avançando ainda mais, GRECO FILHO abrange no sentido

de que a lavratura do termo circunstanciado pelo delegado de polícia é um direito

do imputado, pois este somente pode ser assim considerado por quem atenda

aos requisitos acima:

Insta-se que a questão não é apenas formal, de interpretação da

letra do texto constitucional, mas da substância da garantia

constitucional do devido processo legal e da ampla defesa. O

suspeito, o indiciado ou o acusado têm o direito de somente assim

120

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.

121 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.

122 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.

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91

ser colocados pela autoridade que tenha a formação técnica

especializada, a investidura e a responsabilidade constitucional e

tal direito está ligado à garantia das liberdades públicas e da

dignidade da pessoa humana123.

Pela exposição do autor, conclui-se que a divergência não

se trata apenas de verificar quem é ou o que significa ser autoridade policial.

Deve-se ver também pelo lado daquele a quem é imputada a prática criminosa. A

lavratura do termo circunstanciado por qualquer agente policial que não o

delegado de polícia pode acarretar em grave insegurança jurídica ao ofender os

princípios do devido processo legal e da ampla defesa.

Abrindo parênteses, GRECO FILHO explica sobre os

princípios do devido processo legal e da ampla defesa:

Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal (CF, art 5º, LIV). A garantia do due process of law

é dupla. O processo, em primeiro lugar é indispensável à

aplicação de qualquer pena, conforme a regra nulla poena sine

judicio, significando o devido processo como o processo

necessário. Em segundo lugar, o devido process legal significa o

adequado processo, ou seja, o processo que assegure a

igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa. [...]124.

Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e

completa da acusação, que deve ser formulada de modo que

possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a

descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma

descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico

penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a

possibilidade de trancamento por meio de habeas corpus, se o juiz

não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar

e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o

fato de que deve defender-se125.

123

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.

124 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47.

125 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57.

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O agente público que não possui a formação técnica

necessária e a investidura no cargo destinado à investigação criminal, pode estar

mais suscetível a cometer equívocos, inclusive em relação aos procedimentos a

serem realizados ou à tipificação da infração penal a ser imputada. Há assim o

risco de se atribuir um delito mais grave a alguém ou de se prender, em situação

de flagrância, aquele que deveria apenas assinar um termo de compromisso ou

ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal.

É claro que a formação dos delegados de polícia não exclui

a possibilidade de estes também cometerem erros, mesmo porque se tratam de

seres humanos como qualquer outro agente público. O que ocorre é que os

requisitos para investidura do cargo de delegado de polícia e as suas

responsabilidades atribuem maior segurança jurídica ao imputado, pois este

somente será assim considerado por um agente público que assuma a

responsabilidade do ato, com formação técnica e jurídica, e que necessita ser

investido em cargo especificamente destinado à condução da persecução criminal

e produção de prova antes da ação penal (atividade de polícia judiciária),

procedimento que se materializa por meio do termo circunstanciado, inquérito

policial ou auto de prisão em flagrante.

É nesse sentido que GRECO FILHO, mencionando a obra

Lezioni sul processo penale, da autoria de Francesco Carnelutti, adverte:

[...] a afirmação de determinada convicção a respeito da prática de

uma infração penal deve ser técnica e dotada da responsabilidade

funcional da autoridade pública que a formula, para que a

sucessão dos atos tendentes a uma sentença penal de mérito,

passível, em tese, de ser condenatória, tenha um mínimo de

garantia básica contra acusações infundadas que, se assim forem,

sequer devem ser levadas à apreciação do juiz126.

Por isso, a autorização para que qualquer agente investido

na função policial lavre termo circunstanciado acarreta em insegurança jurídica, e,

concluindo, é uma evidente ofensa aos princípios constitucionais do devido

processo legal e da ampla defesa.

126

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.

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Em Santa Catarina, aliás, a questão sobre quem é

autoridade policial já foi dirimida com a promulgação da lei complementar

estadual nº 453/09, que em seu artigo 2º, I, considera como tal o delegado de

polícia, de forma já vista no primeiro capítulo da pesquisa. Registre-se que, em

Santa Catarina, não se encontra outra norma estadual conferindo a designação

de autoridade policial a qualquer outro agente público.

Em assim sendo, infere-se que a única autoridade policial

competente para lavrar o termo circunstanciado da lei 9.099/95 é o delegado de

polícia. Isso em razão da sua formação técnica e jurídica, investidura em cargo

público, cuja função é a investigação de delitos, e a possibilidade de ser

responsabilizado em virtude da coação processual. Além do mais, como já citado

anteriormente, em Santa Catarina há dispositivo legal promulgado reconhecendo

o delegado de polícia como autoridade policial.

3.3 O DECRETO 660 DE 26 DE SETEMBRO DE 2007

Em Santa Catarina, é autorizado que a Polícia Militar lavre o

termo circunstanciado ao atender ocorrência policial, percebendo se tratar de

infração de menor potencial ofensivo. A matéria em questão é regulada pelo

decreto nº 660 de 26 de setembro de 2007, expedido pelo governo estadual.

3.3.1 Conceito de decreto

Antes de aprofundar a matéria, é necessário entender o que

é um decreto e qual a sua finalidade dentro da sistemática jurídica brasileira.

Baseando-se na doutrina de ALEXANDRINO e PAULO127,

tem-se que os decretos são atos administrativos que estão incluídos no poder

regulamentar da administração pública. Esses atos são expedidos pelo Chefe do

Poder Executivo e podem ser destinados a cidadãos em geral, abrangendo sobre

todos os fatos ou situações que estão dentro das hipóteses que os atos procuram

prever, ou então, dirigidos à organização da administração pública.

127

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 229.

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94

Segundo os autores, no estudo do Direito Administrativo

existem dois tipos de decreto: os decretos de execução ou regulamentares e os

decretos autônomos.

Decretos de execução ou regulamentares são aqueles

destinados a atingir um número indeterminado de pessoas e são editados com o

objetivo de aplicar e executar fielmente as disposições uma lei já promulgada que

preveja a atuação da administração pública:

A edição de decretos de execução, embora decorra de

competência constitucional expressa, tem como pressuposto a

existência de uma lei, que é o ato primário a ser regulamentado. O

decreto de execução deve restringir-se aos limites e ao conteúdo

da lei, explicitando-o, detalhando seus dispositivos. As leis devem

ser redigidas em termos gerais; o detalhamento necessário à sua

aplicação é efetuado pelo Poder Executivo, o qual não pode

restringir, nem ampliar, muito menos contrariar, as hipóteses nela

previstas128.

A competência constitucional para a edição dos decretos de

execução ou regulamentares está positivada pelo artigo 84, IV da CRFB/88,

sendo ela atribuída, por simetria, aos chefes do Poder Executivo dos estados, do

Distrito Federal e dos municípios, conforme previsto em suas Constituições ou

Leis Orgânicas.

No Estado de Santa Catarina, o dispositivo que atribui

idêntica competência ao Governador é o artigo 71, III da CESC/89.

De outra parte, partindo ainda da lição de ALEXANDRINO e

PAULO, o decreto autônomo é o ato administrativo primário, expedido pelo chefe

do Poder Executivo com a função externa de conferir normas dirigidas aos

cidadãos de modo geral, ou interna, que se destina à organização, competência e

funcionamento da administração pública:

Consoante o magistério de Carlos Mário da Silva Velloso, alguns

sistemas constitucionais conferem ao Poder Executivo a

128

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 230-231.

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prerrogativa de editar regulamentos como atos primários,

diretamente derivados da Constituição. Esses atos são

classificados como regulamentos independentes ou autônomos e

se dividem em: (a) externos, que contêm normas dirigidas aos

cidadãos de modo geral; e (b) internos, que dizem respeito à

organização, competência e funcionamento da administração

pública129.

A autorização para o Poder Executivo expedir tais normas

surgiu após a promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, quando passou

a ser expressamente previsto, no artigo 84, VI “a” e “b” da Carta Magna, a edição

de decretos autônomos exclusivamente para dispor sobre a “organização e

funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de

despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” ou para promover a

“extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.”

Na CESC/89, não há previsão de decretos autônomos

expedidos pelo Governador do Estado.

3.3.2 Ilegalidade do decreto 660/07

Do decreto 660/07, já estudado anteriormente, é de se

concluir que a sua natureza jurídica é executiva (ou regulamentadora). No caso, o

ato administrativo tem o objetivo de regulamentar matéria da lei 9.099/95, que é

uma norma federal.

Pelo artigo 1º do decreto, já visto, tem-se a determinação

que o termo circunstanciado deve ser lavrado na delegacia de polícia, caso o

cidadão a esta recorra, ou no próprio local do fato, pelo policial militar ou civil que

atender a ocorrência. É inconteste que o dispositivo veio para regulamentar o

artigo 69 da lei 9.099/95, ao dispor sobre o procedimento da lavratura do termo

circunstanciado e, sendo assim, evidente concluir que ele dá interpretação

extensiva, ainda que implícita, do termo “autoridade policial”, atribuindo-o a

qualquer policial civil ou militar.

129

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 230-231.

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É necessário relembrar que a finalidade do decreto é

regulamentar uma lei, devendo, portanto, ter como pressuposto a existência

desta. Tendo o objetivo regulamentador e dependendo da existência da lei, é

inevitável concluir que o decreto seja subordinado a ela, não podendo contrariá-la,

criar ou estender interpretações que vão além dos limites legais definidos, ou

seja, o decreto somente pode regulamentar dentro daquilo que a lei permitiu.

Apesar de não haver restrições impostas pela lei 9.099/95, o

que inicialmente se autorizava a interpretação da autoridade policial como sendo

qualquer policial militar ou civil, conforme algumas doutrinas e jurisprudências, é

preciso verificar que posteriormente foi promulgada no Estado de Santa Catarina

a lei complementar 453/09, que, no artigo 2º, I, confere a atribuição de autoridade

policial apenas aos delegados de polícia, tornando a interpretação extensiva ao

artigo 69 da Lei 9.099/95, contrária à lei complementar referida e, portanto, ilegal.

Lembra-se que apesar da lei complementar 453/09 tratar do

plano de carreira da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, ela não deixa de

produzir efeitos erga omnes no que couber, por ser uma das características das

leis o princípio da generalidade, dirigidas a todos os cidadãos indistintamente e

com efeitos abstratos130.

Para se entender a ilegalidade do decreto, é necessário

estudar ainda o princípio da legalidade da administração pública. Sob a ótica da

doutrina, o princípio da legalidade comumente é dividido em duas faces. Perante

o particular, o artigo 5º, II da CRFB/88, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.”

Diante do princípio acima, existe a autonomia da vontade,

que confere ao particular o direito de praticar todas as suas vontades, ou deixar

de praticar aquilo que não lhe convém, desde que não haja lei que o impeça ou

determine de fazê-lo. Esta regra constitucional está inclusa no capítulo que trata

130

Nesse sentido, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. Coleção Sinopses Jurídicas. 17. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 26.

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dos direitos individuais e coletivos, e teve suas origens ainda no liberalismo do

século XVIII, como forma de proteger o particular contra os abusos do Estado131.

Já na previsão do artigo 37, caput, da CRFB/88, o princípio

da legalidade direcionado à administração pública, incluindo-se nesta o Poder

Executivo, possui uma interpretação muito mais restrita, não sendo aplicável a ela

a autonomia da vontade. Na realidade, administração pública não possui vontade

própria, estando adstrita à lei. A lei, como ensinam ALEXANDRINO e PAULO, é a

vontade geral, pública, que é manifestada pelos representantes do povo:

Deveras, para os particulares a regra é a autonomia da vontade,

ao passo que a Administração Pública não tem vontade

autônoma, estando adstrita à lei, a qual expressa a “vontade

geral”, manifestada pelos representantes do povo, único titular

originário da “coisa pública”. Tendo em conta o fato de que a

Administração Pública está sujeita, sempre, ao princípio da

indisponibilidade do interesse público – e não é ela quem

determina o que é de interesse público, mas somente a lei (e a

própria Constituição), expressão legítima da “vontade geral” –, não

é suficiente a ausência de proibição em lei para que a

Administração Pública possa agir; é necessária a existência de

uma lei que imponha ou autorize determinada atuação

administrativa132

Por isso, o decreto, sendo ato administrativo expedido pelo

Poder Executivo (órgão integrante da administração pública), não pode contrariar

o que está disposto nas leis, pois estas são a materialização da vontade geral do

povo.

Completando o acima estudado, colhe-se a doutrina de

MELLO, que também ensina que o administrador público, ao expedir decretos

(que o autor prefere denominá-los regulamentos), necessita de uma anterior

previsão legal que o faculte ou imponha a obrigação de atuar:

131

Nesse sentido, ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 193.

132 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed.

São Paulo: Método, 2010. p. 193.

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Ressalte-se que, dispondo o art. 5º, II, da Constituição que

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”, com isto firmou o princípio da garantia da

liberdade como regra, segundo o qual “o que não está proibido

aos particulares está, ipso facto, permitido”. Ante os termos do

preceptivo, entende-se: “o que não está por lei proibido, está

juridicamente permitido”.

De outro lado, conjugando-se o disposto no artigo citado com o

estabelecido no art. 84, IV, que só prevê regulamentos para “fiel

execução das leis”, e com o próprio art. 37, que submete a

administração ao princípio da legalidade, resulta que vige, na

esfera do Direito Público, um cânone basilar – oposto ao da

autonomia da vontade –, segundo o qual: o que, por lei, não está

antecipadamente permitido à Administração está, ipso facto,

proibido, de tal sorte que a Administração, para agir, depende

integralmente de uma anterior previsão legal que lhe faculte ou

imponha o dever de atuar.

Por isto deixou-se dito que o regulamento, além de inferior,

subordinado, é ato dependente de lei133.

Em Santa Catarina, não há previsão legal que autorize ao

governador do estado em atribuir o conceito de autoridade policial a qualquer

agente policial. Existe justamente o contrário, uma lei que define que autoridade

policial é o delegado de polícia.

Assim, ainda que houvesse entendimentos doutrinários e

jurisprudenciais à época da edição do decreto 660/07 favoráveis à interpretação

extensiva do termo autoridade policial, ele passou a se tornar ilegal a partir da

promulgação da lei complementar 453/09, por explicitamente contrariar dispositivo

desta norma.

133

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 342-343.

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99

3.4 DIVERGÊNCIAS SOBRE A LAVRATURA DO TERMO

CIRCUNSTANCIADO EM ALGUMAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO

Em diversos estados brasileiros, a confecção do termo

circunstanciado pela Polícia Militar vem sendo aceita pelos tribunais, Ministério

Público e órgãos do Poder Executivo. Porém, não existe um entendimento

pacífico e unificado em todo o território nacional, sendo que em algumas regiões o

aludido procedimento, quando lavrado por policiais militares, não vem sendo

aceito, muitas vezes pelas controvérsias relacionadas ao conceito de autoridade

policial ou polícia judiciária, estudadas no presente capítulo.

3.4.1 Estado de Santa Catarina

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina já vinha

reconhecendo o termo circunstanciado lavrado por policiais militares desde a

edição do provimento nº 04/99, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de

Santa Catarina.

O artigo 1º do provimento, como já analisado, disciplina que,

para os efeitos do artigo 69 da lei 9.099/95, autoridade é o agente do poder

público com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o

qualificativo policial é utilizado para designar o servidor encarregado do

policiamento preventivo ou repressivo.

O artigo 2º orienta aos magistrados de que não há

obstáculo, sob o ângulo correcional, para que conheçam e aceitem os termos

circunstanciados lavrados por qualquer agente público investido na função

policial:

Art. 2° - Ressalvando o parágrafo único do art. 4° do Código de

Processo Penal, a atividade investigatória de outras autoridades

administrativas, ex vi do art. 144, parágrafo 5°, da Constituição da

República, nada obsta, sob o ângulo correicional, que os Exmos.

Srs. Drs. Juízes de Direito ou Substitutos conheçam de "Termos

Circunstanciados" realizados, cujo trabalho tem também caráter

preventivo, visando assegurar a ordem pública e impedir a prática

de ilícitos penais.

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100

A jurisprudência estadual também é pacífica no relativo ao

conhecimento e aceitação do termo circunstanciado da Polícia Militar. A seguir

tem-se o julgado de um habeas corpus impetrado contra a instauração de

inquérito policial para apurar suposto crime de usurpação de função pública

(artigo 328 do Código Penal), atribuído a policial militar que lavrou termo

circunstanciado. No acórdão, reconheceu-se a legitimidade do policial militar para

lavrar o termo circunstanciado, argumentando que a Constituição Federal atribuiu

às infrações de menor potencial ofensivo um sistema penal e processual penal

com filosofia e princípios próprios:

HABEAS CORPUS – LEI N. 9.099/95 – AUTORIDADE POLICIAL

– POLICIAL MILITAR – LAVRATURA DE TERMO

CIRCUNSTANCIADO – POSSIBILIDADE – INDICIAMENTO EM

INQUÉRITO POLICIAL POR PRETENSA USURPAÇÃO DE

FUNÇÃO – INADMISSIBILIDADE DIANTE DOS PRINCÍPIOS

REGEDORES DA LEI N. 9.099/95 – FALTA DE JUSTA CAUSA –

TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – ORDEM

CONCEDIDA.

A Constituição Federal, ao prever uma fase de consenso entre o

Estado e o agente, nas infrações penais de menor potencial

ofensivo, criou um novo sistema penal e processual penal, com

filosofia e princípios próprios.

Para a persecução penal dos crimes de menor potencial ofensivo,

em face do sistema previsto na Lei dos Juizados Especiais

Criminais, e dando-se adequada interpretação sistemática à

expressão – autoridade policial – contida no art. 69 da Lei n.

9.099/95, admite-se lavratura de termo circunstanciado por policial

militar, sem exclusão de idêntica atividade do Delegado de Polícia.

O termo circunstanciado, que nada mais é do que – um registro

oficial da ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação

legal do fato –, prescinde de qualquer tipo de formação técnico-

jurídica para esse relato (Damásio E. de Jesus)134.

134

TJSC, HC 2000.002909-2, Segunda Câmara Criminal, Relator Nilton Macedo Machado, julgado em 18.04.2000.

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101

O Poder Executivo estadual admite e regulamenta a

atividade por meio do decreto nº 660/07.

Em recente requerimento da 11ª Promotoria de Justiça da

Comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, nos

autos 008.10.006132-7, argumentou que o termo circunstanciado lavrado pela

Polícia Militar somente deve ser recebido como peça informativa, e não como

procedimento investigativo. Para tanto, a promotoria invocou o parecer jurídico

“Persecução Penal Preliminar”, de autoria do Procurador de Justiça Antenor

Chinato Ribeiro, ressaltando três pontos: “a polícia judiciária só pode ser exercida

pelas Polícias Federal e Civil, nos âmbitos (sic) das respectivas competências;

excepcionalmente, a Polícia Militar exerce a polícia judiciária, mas somente

quanto aos crimes militares; autoridade policial é o Delegado de Polícia135.”

Não obstante, em razão da aceitação do Tribunal de Justiça

estadual e da regulamentação pelo Poder Executivo, a Polícia Militar do Estado

de Santa Catarina vem sendo autorizada a lavrar o termo circunstanciado.

3.4.2 Estado do Rio Grande do Sul

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul aceita

a lavratura do termo circunstanciado pela Polícia Militar.

O seguinte precedente decide que o termo circunstanciado

não se presta para realizar investigação ou instrução, pois tem o objetivo de

apenas coletar dados na ocasião dos fatos. Também relata que a autoridade

policial, para a lei 9.099/95 é qualquer agente investido na função policial:

HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

VALIDADE DE TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA

POLÍCIA MILITAR RODOVIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA

PORTARIA Nº172 DA SJS. Não se realiza investigação ou

instrução em termo circunstanciado, que tem o objetivo de coletar

dados na ocasião dos fatos. A expressão autoridade policial

referida no art. 69 da Lei nº 9.099/95 compreende quem se

135

Disponível em < http://blogdodelegado.wordpress.com/2010/05/28/pm-nao-pode-lavrar-termo-circunstanciado-diz-ministerio-publico/ >. Acesso em 08.10.2010.

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102

encontra investido em função policial, ou seja, a qualquer

autoridade. Não configurada coação ilegal. ORDEM

DENEGADA136.

Outro precedente decide pela competência da Brigada

Militar (Polícia Militar do Rio Grande do Sul) para lavrar o termo circunstanciado,

especialmente quando o autor do fato assina termo de comparecimento ao

Juizado Especial Criminal:

DESACATO (ART. 331, CP). APELAÇÃO DEFENSIVA.

PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA DA BRIGADA MILITAR PARA

LAVRAR O TERMO CIRCUNSTANCIADO. AFASTADA.

A Brigada Militar também possui competência para a lavratura do

Termo Circunstanciado, especialmente tendo o autor do fato

assinado o termo de comparecimento ao Juizado Especial

Criminal.

Havendo prova do fato, deve ser mantida a sentença

condenatória.

NEGARAM PROVIMENTO137.

O Poder Executivo estadual regulamenta a lavratura do

termo circunstanciado por policiais militares por meio da portaria nº 172/00, da

Secretaria da Justiça e Segurança. No ato, os dispositivos principais se prestam a

definir a competência da polícia civil e militar para a lavratura do termo, bem como

este deve ser lavrado no próprio local da ocorrência, e encaminhado no mesmo

dia ao Juizado Especial. Interessante verificar também que a lavratura do termo

circunstanciado por policiais militares somente se procede nas comarcas onde

houver acordo entre estes e o Ministério Público:

I – Todo policial, civil ou militar, é competente para lavrar o Termo

Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei nº 9.099, de 26 de

setembro de 1995.

136

TJRS, HC 71002724094, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relatora Laís Ethel Corrêa Pias, julgado em 30.08.2010

137 TJRS, RC nº 71000863100, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator Alberto

Delgado Neto, julgado em 04.12.2006

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103

II – A lavratura do Termo Circunstanciado por policiais militares

somente ocorrerá nas Comarcas em que houver acordo sobre o

tema entre a Polícia Estadual e o(s) representante(s) do Ministério

Público.

III – O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado no próprio local

da ocorrência, pelo policial que a atender, e encaminhado no

mesmo dia ao juizado Especial.

Dada a aceitação pelo Tribunal de Justiça, e havendo

regulamentação da Secretaria de Justiça e Segurança, a Brigada Militar do

Estado do Rio Grande do Sul (Polícia Militar) está autorizada a lavrar os termos

circunstanciados, desde que haja, na respectiva comarca, acordo com o

Ministério Público.

3.4.3 Estado de São Paulo

Sem dúvida, a mais interessante análise de divergências

acerca do tema se encontra no Estado de São Paulo.

A receptividade, pelo Tribunal de Justiça, do termo

circunstanciado lavrado por policial militar, vinha sendo regulada pelo provimento

nº 1670, de 19 de maio de 2009, editado pelo Conselho Superior da Magistratura

daquele Estado, que consolida as normas relativas aos Juizados de Conciliação e

aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Os itens 51 e 51.1 reconheceram a autoridade policial como

sendo aquela que atua no policiamento ostensivo ou investigatório (remetendo-se

aos policiais militares e civis) e autorizaram o juiz a receber os termos

circunstanciados elaborados pela Polícia Militar, com a condição de que sejam

assinados por oficial:

51. A autoridade policial que atue no policiamento ostensivo ou

investigatório, ao tomar conhecimento da ocorrência, lavrará

termo circunstanciado, que encaminhará imediatamente ao

Juizado.

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104

51.1. O Juiz de Direito responsável pelas atividades do Juizado é

autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados

elaborados por policiais militares, desde que também assinados

por Oficial da Polícia Militar.

Todavia, foi editada pela Secretaria de Segurança Pública

do Estado de São Paulo a resolução nº 233 de 09 de setembro de 2009. Nela, o

Secretário de Segurança Pública tece considerações, invocando o artigo 144 da

CRFB/88, de que os órgãos policiais devem desempenhar suas funções em

estrita obediência ao disposto no texto constitucional. Aduz também que compete

à respectiva secretaria organizar os serviços de seus órgãos e agentes, atentando

ao que dispõe a legislação no tocante à divisão de funções:

Considerando que, em cumprimento aos princípios constitucionais

da eficiência e da legalidade, devem os órgãos policiais

desempenhar suas funções com estrita obediência às atribuições

rigidamente fixadas pelo artigo 144 da Constituição Federal;

[...]

Considerando, por fim, sua competência para, no âmbito interno

da Segurança Pública, organizar os serviços de seus órgãos e

agentes, prestigiando a legal repartição de funções,

[...]

O artigo 1º da resolução passou a determinar que o policial,

seja ele civil ou militar, comunique imediatamente à “autoridade policial da

Delegacia de Polícia” ao se deparar com uma infração de menor potencial

ofensivo.

No texto normativo, verifica-se perfeitamente que o conceito

de autoridade policial é atribuído ao delegado de polícia, pois considera que a

este compete, “por sua qualificação profissional”, tipificar o fato penalmente

punível:

Artigo 1º – O policial, civil ou militar, que tomar conhecimento de

prática de infração penal que se afigure de menor potencial

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105

ofensivo, deverá comunicá-la, imediatamente, à autoridade policial

da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição policial, a

quem compete, por sua qualificação profissional, tipificar o fato

penalmente punível.

Parágrafo Único – A comunicação prevista neste artigo, sempre

que possível, far-se-á com a apresentação dos autores, vítimas e

testemunhas.

Recentemente, em 15 de julho de 2010, foi julgado pela 5ª

Vara da Fazenda Pública de São Paulo, nos autos nº 053.09.035111-0, um

mandado de segurança da Associação dos Oficiais da Policia Militar do Estado de

São Paulo, que fora impetrado para combater a resolução 233/2009, nos

seguintes termos:

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por ASSOCIAÇÃO

DOS OFICIAIS DA POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO

PAULO, parte qualificada na inicial em face de suposto ato coator

de SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE

SÃO PAULO, sustentando que o impetrado atribuiu à competência

para elaboração dos termos circunstanciados exclusivamente aos

Delegados de Polícia, discordando do que determina o artigo 69

da Lei 9.099/95. Em face disso se pede a concessão da liminar

para que seja suspenso o ato concreto e imediato previsto no

artigo 1º, caput, e seu parágrafo único, da Resolução 233 SSP de

2009, anulando a citada Resolução.

Foi indeferida a liminar, decisão da qual resultou agravo de

instrumento.

Notificada, a impetrada apresentou informações, com preliminar

de ausência de direito líquido e certo, com ausência de prova de

representação. No mérito, alegou que se trata de atuação

integrada e harmônica entre as Polícias, já que a Resolução ora

impugnada estabeleceu tarefas para as duas Polícias, havendo

competências distintas em obediência à Constituição Federal.

Requereu ao final o indeferimento da petição inicial ou a carência

da impetração ou ainda fosse denegada a segurança.

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106

O MINISTÉRIO PÚBLICO opinou pela denegação da ordem138.

Na decisão, o juiz Kenichi Koyama fundamentou que não é

possível concluir que o termo “autoridade policial” excluiria a polícia judiciária,

mas também não há como se interpretar, de pronto, pela ilegalidade do termo

circunstanciado lavrado pela Polícia Militar. O magistrado em sua fundamentação

também levanta a questão da interpretação extensiva do conceito de autoridade

policial:

Por um lado é absolutamente inconteste e creio não existir maior

indagação que o dispositivo seguramente tem um núcleo duro do

qual não pode existir qualquer interpretação divergente, na qual se

tem por cediço que na locução “autoridade policial” é

absolutamente impossível subtrair a presença da polícia judiciária,

por outro lado, não é possível de pronto interpretar pela

ilegalidade da lavratura pela Polícia Militar. Realço, nesse ponto,

apenas que inviável decotar a legitimidade da polícia judiciária

como mínima destinatária do artigo em comento. Nessa base, a

dúvida que se impõe é justamente o alcance de “autoridade

policial”, controvertendo jurisprudência e doutrina se ali se alcança

também a polícia ostensiva preventiva a cargo dos Policiais

Militares139.

Continuando, o magistrado fundamenta sua decisão na Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 2.862/SP, argumentando que, mesmo não

tendo sido reconhecida pelo STF em razão da inadequação, por esta via, de se

pronunciar a constitucionalidade de atos normativos secundários, concluiu-se que

não há inconstitucionalidade material no tocante a ofensas ao artigo 144 da

CRFB/88:

De um lado é certo que já se dissipou o impacto inicial sobre a

legitimidade para lavratura de infração de menor potencial

ofensivo, porque no julgado tomado no C. Supremo Tribunal

Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade

2.862/SP, ainda que não conhecida dada a inadequação da via

138

Disponível em <http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127>. Acesso em 08.10.2010.

139 Disponível em <http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127>.

Acesso em 08.10.2010.

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107

pra pronunciar constitucionalidade de atos normativos

secundários, afastou-se em caso de superação da preliminar a

pecha de inconstitucionalidade material, seja por suposta invasão

das competências legislativas privativas, seja por contrariar os

parágrafos do artigo 144, concluindo na discussão pela

possibilidade de policiais militares encaminharem termo

circunstanciado de ocorrência para a polícia judiciária. A

conclusão somente não foi cristalizada pelo acolhimento da

preliminar, mas tal não desautoriza as lições ali lançadas. Seja

como for, em São Paulo, dentro do que este juízo tem notícia,

foram elaborados atos normativos estaduais que atribuíam à

Polícia Militar a possibilidade de elaborar termos circunstanciados,

a saber Provimento 758/2001, consolidado pelo Provimento n.

806/2003, do C. Conselho Superior da Magistratura do E. Tribunal

de Justiça de São Paulo, e Resolução SSP n. 403/2001,

prorrogada pelas Resoluções SSP ns. 517/2002, 177/2003,

196/2003, 264/2003 e 292/2003, da Secretaria de Segurança

Pública do Estado de São Paulo, agora revogadas por novidade e

incompatibilidade com a Resolução SSP 233/09140.

Ao término, foi concedida a segurança em parte, para anular

a resolução nº 223/2009, podendo a Polícia Militar voltar a lavrar os termos

circunstanciados, com a condição de serem assinados por oficial:

Isso posto, CONCEDO A SEGURANÇA EM PARTE para anular a

Resolução SSP 233/2009, permanecendo a necessidade de

assinatura concomitante de Oficial da Polícia Militar. Oficie-se-

lhe141.

Não obstante a profunda fundamentação do juiz da 5ª Vara

da Fazenda Pública de São Paulo, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo decidiu por suspender os efeitos da sentença até o seu trânsito em

julgado. Na decisão, o Presidente do Tribunal entendeu que o provimento nº

1670/2009 do Conselho Superior da Magistratura era anterior à resolução nº

233/2009 da Secretaria de Segurança Pública, e que aquele não tinha a intenção

de impedir que o secretário da segurança pública utilizasse de suas atribuições de

140

Disponível em http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127. Acesso em 08.10.2010.

141 Disponível em http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127. Acesso

em 08.10.2010.

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108

chefia e organização para estabelecer a competência da lavratura dos termos

circunstanciados apenas aos delegados de polícia.

Também ressaltou no sentido de que a lavratura do termo

circunstanciado deve ser realizada, a princípio, pelo delegado de polícia,

conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça decorrente do habeas

corpus 7.199/PR, não havendo, porém, ilegalidade na utilização do contingente da

Polícia Militar para também exercer esta função.

Por fim, relatou o Presidente que a execução imediata da

sentença pode trazer grave violação à ordem pública, pois poderia levantar

antigas divergências existentes entre as polícias Civil e Militar, além de gerar

prejuízos e incertezas no tocante à organização e administração das polícias e

políticas de segurança pública:

Não se olvida que o PROVIMENTO CSM Nº 1.670/2009, que

revogou o Provimento n. 758/2001, citado na r. sentença,

estabeleceu que: “51. A autoridade policial que atue no

policiamento ostensivo ou investigatório, ao tomar conhecimento

da ocorrência, lavrará termo circunstanciado, que encaminhará

imediatamente ao Juizado. 51.1. O Juiz de Direito responsável

pelas atividades do Juizado é autorizado a tomar conhecimento

dos termos circunstanciados elaborados por policiais militares,

desde que também assinados por Oficial da Polícia Militar”.

Porém, este Provimento datado de 19 de maio de 2009, que é

anterior da Resolução SSP n. 233 de 09 de setembro de 2009,

não teve a intenção de impedir que o Senhor Secretário de

Segurança Pública, no uso de suas atribuições, na administração

e chefia geral da organização policial em todo o Estado de São

Paulo, estabelecesse a competência funcional privativa dos

Delegados de Polícia, para a elaboração dos termos

circunstanciados.

Deve-se ressaltar que é a antiga a discussão quanto a

possibilidade da Polícia Militar também elaborá-los, devendo-se

considerar o entendimento do Superior Tribunal de justiça,

constante do Habeas Corpus n. 7.199/PR, Relatado pelo Ministro

Vicente Leal, no sentido de que: “tal providência deve ser

realizada, a priori, pela Polícia Judiciária, através do Delegado de

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109

Polícia”, aduzindo não consubstanciar: “todavia, ilegalidade a

circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar,

em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil”.

Nas circunstâncias, a execução imediata da sentença resultará

em grave violação à ordem e segurança públicas, na medida em

que pode aviventar antigas divergências entre as Polícias Civil e

Militar, que motivaram a edição da Resolução SSP n. 233/2009,

bem como gerar dúvidas e incertezas e prejuízo à administração

das polícias e ao gerenciamento das políticas públicas de

segurança.

Assim sendo, o presente pedido é mesmo de ser deferido, eis que

existem elementos ensejadores da suspensão142.

No momento, dada a suspensão da decisão da 5ª Vara da

Fazenda Pública de São Paulo, não havendo ainda trânsito em julgado para

definir a matéria, a Polícia Militar do Estado de São Paulo continua desautorizada

a lavrar o termo circunstanciado.

3.4.4 Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça, como já brevemente

abordado no tópico anterior, decidiu, no habeas corpus nº 7.199/PR, que a Polícia

Militar tem legitimidade para lavrar o termo circunstanciado, não havendo

impedimento legal para que o Estado se utilize do contingente da mesma quando

há deficiência dos quadros da Polícia Civil:

Ora, tal fato não consubstancia qualquer ilegalidade, nem afronta

ao direito de locomoção do paciente.

É certo que, como acentuado no parecer do Ministério Público, tal

providência deve ser realizada, a priori, pela Polícia Judiciária,

através do Delegado de Polícia.

Todavia, não tendo a Polícia Civil estrutura para atender a

demanda desses serviços, não há impedimento legal que

desautorize o Poder Executivo Estadual a utilizar os órgãos da

142

TJSP, Suspensão de Execução de Sentença nº 990.10.362786-5, Gabinete da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator Viana Santos, julgado em 10.08.2010.

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110

Polícia Militar, em regra destinados à relevante tarefa de

policiamento ostensivo fardado.

A propósito, transcreva-se excerto do parecer mencionado:

“Outrossim, tecnicamente também não há prejuízo algum para o

Paciente. Como não se trata de inquérito policial, não se deve

exigir a exclusividade do Delegado para lavrar o termo, como

afirma o Impetrante, em vista de seus conhecimentos técnicos.

Ora, a Polícia Militar está qualificada para atender a chamados de

ocorrência de delitos e, com certeza, saberá identificá-los, não

com o rigor técnico de um profissional do Direito, mas com a

experiência de sua digna atividade. Ademais, o termo

circunstanciado não é meticuloso na análise do fato típico, mas

apenas informa a ocorrência do delito e a data em que haverá

audiência perante o Juiz”[...]143. (grifo do relator)

3.4.5 Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, em 26 de março de 2008,

julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2862, interposta pelo Partido da

República, que postulava pela declaração de inconstitucionalidade de

provimentos editados pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo e de

resoluções, editadas pela Secretaria de Segurança Pública do mesmo estado.

Na decisão, o tribunal pelo, por unanimidade, decidiu por

não conhecer da ação, pois os atos impugnados se tratavam de atos normativos

secundários e não afrontavam diretamente a Constituição. No caso, porém, a

relatora fundamentou no sentido de que há a possibilidade de haver

inconstitucionalidade indireta:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATOS

NORMATIVOS ESTADUAIS QUE ATRIBUEM À POLÍCIA

MILITAR A POSSIBILIDADE DE ELABORAR TERMOS

CIRCUNSTANCIADOS. PROVIMENTO 758/2001,

CONSOLIDADO PELO PROVIMENTO N. 806/2003, DO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL

DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, E RESOLUÇÃO SSP N. 403/2001,

143

STJ, HC 7.199/PR, Sexta Turma, Relator Vicente Leal, julgado em 01.07.1998.

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111

PRORROGADA PELAS RESOLUÇÕES SSP NS. 517/2002,

177/2003, 196/2003, 264/2003 E 292/2003, DA SECRETARIA DE

SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATOS

NORMATIVOS SECUNDÁRIOS. AÇÃO NÃO CONHECIDA.

1. Os atos normativos impugnados são secundários e prestam-se

a interpretar a norma contida no art. 69 da Lei n. 9.099/1995:

inconstitucionalidade indireta.

2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacífica quanto à

impossibilidade de se conhecer de ação direta de

inconstitucionalidade contra ato normativo secundário.

Precedentes.

3. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida144.

Dessa feita, ainda não há posição do STF acerca da

matéria, pois no caso julgado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade atacava um

ato normativo secundário, que em tese não afronta diretamente a Constituição

Federal, mas sim uma lei, na situação, a lei 9.099/95. Não havendo decisão do

Supremo Tribunal Federal, as divisões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a

inconstitucionalidade do termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar

continuam divergindo em opiniões e decisões favoráveis ou contrárias.

144

STF, ADI 2862/SP, Tribunal Pleno, Relatora Carmen Lúcia, julgado em 26.03.2008.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a promulgação do artigo 98, I da CRFB/88 e da lei

9.099/95, pode-se dizer que iniciou uma nova fase no processo penal brasileiro.

Uma fase que procura diminuir a formalidade e a burocracia nos procedimentos

que visam a apuração das infrações penais de menor potencial ofensivo. Uma

fase que tira do autor do fato o peso da responsabilização penal e da morosidade

da instrução penal ordinária, que muitas vezes leva meses para se chegar a uma

conclusão. Uma fase que permite que o autor do fato negocie com a vítima ou

transacione com o Ministério Público, como forma mais ágil e eficiente de se

resolver o fato delituoso apurado.

É certo que o Juizado Especial Criminal está aí para

beneficiar a população, com os seus procedimentos ágeis e desburocratizados.

Uma justiça rápida e simples resulta em menor impunidade, melhor resposta do

Estado e maior satisfação da sociedade com este.

Não é possível negar que a lavratura do termo

circunstanciado por policiais militares é uma nobre busca pela satisfação social e

mais agilidade na resposta do Estado às infrações penais de menor potencial

ofensivo. Todavia, é preciso tomar cuidado para, quando na busca desse máxime,

não ofender dispositivos e princípios constitucionais ou incorrer em ilegalidades.

A CRFB/88 delimita especificamente as competências de

cada polícia, incluídas aí a Polícia Militar e a Polícia Civil. A esta foi atribuída a

competência para exercer as funções de polícia judiciária e a apuração das

infrações penais, e é justamente neste contexto que o termo circunstanciado se

encaixa. Ele é o procedimento materializador da apuração das infrações penais,

no caso, as de menor potencial ofensivo. Não há como se chegar à conclusão de

que seja apenas um procedimento escrito contendo o relato de um fato tido como

delituoso. Nesse termo escrito, formalizado, está a construção de uma verdade

provisória sobre uma suposta infração penal, e, junto com esta, o destino de uma

pessoa, que foi imputada como “autor do fato”.

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É a partir do termo circunstanciado que o Ministério Público

formará a sua opinião sobre o fato, podendo chegar à conclusão da ocorrência de

um delito e, dependendo do caso, oferecer denúncia. O juiz, ao analisar as provas

e presidir a instrução processual na busca da verdade real, irá considerar tudo o

que foi levantado no procedimento, inclusive na fase pré-judicial.

Dessa forma, confirma-se a primeira hipótese, concluindo

que o termo circunstanciado é procedimento materializador da apuração de

infrações de menor potencial ofensivo e da atividade de polícia judiciária e de

investigação, sendo, portanto, a nível estadual, de competência das Polícias

Civis.

Também se deve lembrar que a autoridade policial, quando

da lavratura do termo circunstanciado, necessita possuir conhecimento técnico e

jurídico e estar investido em cargo que preveja tal atribuição, não apenas para

saber se está diante da ocorrência de uma infração penal de menor potencial

ofensivo, mas também para saber quais provas levantar e como conduzir o

procedimento.

O cargo representado pela autoridade policial também deve

se revestir da responsabilidade da assunção pelos equívocos eventualmente

cometidos no exercício de suas funções, incluídas aí a lavratura do termo

circunstanciado. Isso se trata muito mais do que a simples discussão sobre quem

é autoridade policial, trata-se de verdadeira aplicação das garantias

constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa em benefício do autor

do fato que, quando imputado dessa forma, não pode ser de maneira alguma

afastado desses preceitos.

A lavratura do termo circunstanciado por policiais militares

também não pode se revestir de ilegalidade, contrariando norma legal que atribui

o conceito de autoridade policia aos delegados de polícia, como se verifica na lei

complementar nº 453/09 do Estado de Santa Catarina.

Com isso, também está confirmada a segunda hipótese,

tendo que a lavratura do termo circunstanciado por policiais militares está eivada

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de inconstitucionalidade, pois esses servidores, ainda que atuantes na nobre

função de policiamento preventivo, não estão investidos em cargo que exija

conhecimento técnico e jurídico, atribuições e responsabilidades necessárias para

lavratura do procedimento.

Partindo dessas considerações, tem-se também confirmada

a terceira hipótese, chegando-se à conclusão de que a autoridade policial é o

delegado de polícia, pois no ordenamento jurídico pátrio, ele é o único, dentro do

círculo policial, revestido de conhecimento técnico e jurídico, investido em cargo

com atribuições específicas de instruir a apuração das infrações penais e que

possui a responsabilidade necessária para assumir eventuais equívocos ou

abusos cometidos no exercício dessas atribuições.

No que tange as conclusões acima apontadas, ainda

existem diversos entendimentos espalhados pela doutrina e pela jurisprudência

nacional. Há, como já exaustivamente estudado na presente pesquisa, os

entendem que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo ou de

atribuição de polícia judiciária e que o termo autoridade policial, para efeitos do

Juizado Especial Criminal, deve ser estendido para qualquer agente investido na

função policial.

Apesar de as diferentes opiniões estarem sendo levantadas

há tempos, ainda há muito que se discutir para se chegar ao real sentido que a lei

9.099/95 quis dar quando se referiu ao “termo circunstanciado” e à “autoridade

policial”, o que somente poderá ser concluído com muito estudo e pesquisa

acerca do tema e com a consequente evolução da doutrina e da jurisprudência.

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SÃO PAULO (estado). Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Conselho Superior da Magistratura. Provimento nº 1670, de 19 de maio de 2009. Consolida as Normas relativas aos Juizados Informais de Conciliação, Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Anexos dos Juizados Especiais, Juizados Criminais com ofício específico e ofícios que atendem às Varas dos Juizados Especiais e Juizado Itinerante do Estado de São Paulo. São Paulo, SP. Disponível em < http://www.apamagis.com.br/fojesp/pdfs/juizados/legislacao/estadual/Provimento_CSM_1670_2009.pdf > Acesso em 16 de outubro de 2010.

______. Secretaria de Segurança Pública. Resolução nº 233, de 09 de setembro

de 2009. Regulamenta a elaboração de Termo Circunstanciado, previsto no artigo 69 da Lei 9.099, de 26-9-1995. São Paulo, SP. Disponível em < http://www.aipesp.com.br/novo/noticias.asp?id=51 > Acesso em 16 de outubro de 2010.

SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium, 2002.

THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ANEXOS

I – Decreto nº 660, de 26 de setembro de 2007, expedido pelo Poder Executivo do Estado de Santa Catarina:

DECRETO No 660, de 26 de setembro de 2007

Estabelece diretriz para a integração dos

procedimentos a serem adotados pelos órgãos da

Segurança Pública, na lavratura do Termo

Circunstanciado, conforme previsto no art. 69 da Lei

Federal n° 9.099, de 26 de setembro de 1995.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA,

usando da competência privativa que lhe confere o art. 71, incisos I e III, da

Constituição do Estado,

D E C R E T A:

Art. 1º O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado na

delegacia de polícia, caso o cidadão a esta recorra, ou no próprio local da

ocorrência pelo policial militar ou policial civil que a atender, devendo ser

encaminhado ao Juizado Especial, nos termos do art. 69 da Lei Federal nº 9.099,

de 26 de setembro de 1995.

§ 1º Para os casos de infração penal de menor potencial

ofensivo, cuja lavratura do Termo Circunstanciado se revista de maior

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complexidade, ou que necessitem de expedição de carta precatória para

posteriores diligências, as partes devem ser conduzidas à Delegacia de Polícia.

§ 2º Nos casos em que houver a necessidade de retirar do

local os envolvidos na infração penal de menor potencial ofensivo, a fim de

preservar-lhes a integridade física, ou ainda objetivando a pacificação do conflito,

estes devem ser conduzidos às Delegacias de Polícia ou, em caso de

impedimento, a outro local adequado, ficando vedada a criação de cartório e a

condução para o interior dos Quartéis da Polícia Militar, para a lavratura do Termo

Circunstanciado.

§ 3º Havendo requisição de diligências complementares por

parte do Poder Judiciário ou do Ministério Público para fatos atinentes a infração

penal de menor potencial ofensivo, comunicado ao Juizado por meio de Termo

Circunstanciado, caberá à Polícia Civil assim proceder, salvo quando por razões

técnicas a instituição requisitante o fizer diretamente à Polícia Militar.

Art. 2º A Polícia Militar lavrará Boletim de Ocorrência na

modalidade de Comunicação de Ocorrência Policial, nos casos em que não se

configure a situação de flagrância, devendo encaminhar a Polícia Civil, para a

devida apuração da infração penal, no primeiro dia útil após o registro.

Art. 3º O Instituto Geral de Perícias receberá as requisições

de Exames Periciais emitidas, providenciando os exames e respectivos Laudos

Periciais e encaminhando para o órgão que o requisitou.

Art. 4º É vedado à Polícia Militar praticar quaisquer atos de

Polícia Judiciária, dentre os quais apuração de infrações penais, pedidos de

mandados de busca e apreensão, interceptação telefônica, escuta de ambiente e

representações de prisões temporárias e preventivas, bem como, cumprimento de

mandados de busca e apreensão, exceto, neste caso, por determinação judicial.

Art. 5º É vedado à Polícia Civil executar ações de polícia

ostensiva de preservação da ordem pública, privativas da Polícia Militar, exceto

em operações conjuntas.

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Art. 6º Fica criada comissão presidida pelo Diretor de

Integração e composta por 2 (dois) integrantes da Polícia Militar e 2 (dois) da

Polícia Civil, indicados pelo Comandante-Geral e pelo Delegado-Geral da Polícia

Civil, respectivamente, para no prazo de 60 (sessenta dias), elaborar e apresentar

projeto de implantação de boletim de ocorrência e banco de dados policial

unificados, regulamentado por portaria do Secretário de Estado da Segurança

Pública e Defesa do Cidadão.

Art. 7º Os casos omissos e conflitantes serão regulados por

atos do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.

Art. 8º O disposto neste Decreto não se aplica aos crimes

militares.

Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua

publicação.

Florianópolis, 26 de setembro de 2007.

LUIZ HENRIQUE DA SILVEIRA

Governador do Estado

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II – Resolução nº 233, de 09 de setembro de 2009, expedida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo:

RESOLUÇÃO SSP - 233, DE 9-9-2009

Regulamenta a elaboração de Termo

Circunstanciado, previsto no artigo 69 da Lei 9.099,

de 26-9-1995.

O Secretário da Segurança Pública,

Considerando que, em cumprimento aos princípios

constitucionais da eficiência e da legalidade, devem os órgãos policiais

desempenhar suas funções com estrita obediência às atribuições rigidamente

fixadas pelo artigo 144 da Constituição Federal;

Considerando o reduzido alcance da Resolução SSP

339/03, que ao atribuir a elaboração de Termo Circunstanciado, de forma

concorrente, à Polícia Militar, condicionou sua atuação em restritas áreas da

Capital e Região Metropolitana e numa só região do Interior, em contraste com a

grande extensão territorial do Estado de São Paulo, onde a atribuição

permaneceu afeta exclusivamente à Polícia Civil, que exerce, por imperativo legal,

a atividade de polícia judiciária;

Considerando que a mencionada regulamentação restringiu

também a elaboração do Termo Circunstanciado, pela Polícia Militar, quanto à

natureza das infrações de menor potencial ofensivo, excluindo, dentre outros, os

casos de violência doméstica, porte de entorpecentes e de infrações penais cuja

pena exceda a um ano;

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Considerando que essa restrição abrange a grande maioria

dos crimes elencados como de menor potencial ofensivo, relegando à Polícia

Militar uma atividade residual, de desprezível repercussão na persecução penal,

que mais se presta a criar e estimular antagonismos do que a pretensa celeridade

da prestação jurisdicional;

Considerando que, decorridos seis anos, essa

regulamentação, de caráter nitidamente experimental, tímida e de reduzido

alcance, não ensejou a sua ampliação, que seria imperiosa e há muito

implantada, se o interesse público assim exigisse ao longo desse período;

Considerando que, desde a implantação dessa experiência,

o relacionamento entre as instituições policiais foi afetado de forma sensível, com

crescentes atritos, advindo posturas que prejudicam o bom andamento do serviço

policial, em detrimento do interesse público;

Considerando, por fim, sua competência para, no âmbito

interno da Segurança Pública, organizar os serviços de seus órgãos e agentes,

prestigiando a legal repartição de funções, resolve:

Artigo 1º - O policial, civil ou militar, que tomar

conhecimento de prática de infração penal que se afigure de menor potencial

ofensivo, deverá comunicá-la, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia

de Polícia da respectiva circunscrição policial, a quem compete, por sua

qualificação profissional, tipificar o fato penalmente punível.

Parágrafo Único - A comunicação prevista neste artigo,

sempre que possível, far-se-á com a apresentação dos autores, vítimas e

testemunhas.

Artigo 2º - A autoridade policial em serviço na Delegacia de

Polícia, ao tomar conhecimento da ocorrência, verificando tratar-se de infração de

menor potencial ofensivo, com a máxima brevidade, adotará as providências

previstas na Lei nº 9.099/95, dentre elas, a elaboração do Termo Circunstanciado.

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Artigo 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua

publicação, revogada a Resolução SSP-339, de 25.09.03 e demais disposições

em contrário.

Page 141: A (IN) CONSTITUCIONALIDADE E A (I) LEGALIDADE DO …siaibib01.univali.br/pdf/Cesar Augusto Demarchi.pdf · lhes os autores e reunir provas e indícios contra estes, no sentido de

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III – Requerimento da 11ª Promotoria de Justiça da Comarca

de Blumenau, nos autos 008.10.006132-7, que resolveu por não acatar termo

circunstanciado lavrado por policial militar e pugnou pela instauração do mesmo

por “autoridade policial”, entendendo esta como o delegado de

polícia.