A INCLUSO E O ENSINO REGULAR

Valria Mota Scardua4

Resumo:

Este trabalho apresenta questionamentos que buscam justificar a incluso de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular. Alunos assim definidos, apesar de matriculados e frequentando as escolas no ensino regular, tm sido colocados parte no dia-a-dia nas salas de aula. Por dificuldades enfrentadas pelos professores e pela instituio, estes alunos tm seu ensino prejudicado. Deve-se olhar as diferenas com outros olhos, de forma a valorizar o que se pode aprender com elas, e no que elas, as diferenas, impedem o aluno de aprender.

Palavras-chave: Incluso escolar; mudana educacional; diversidade.

Dizem que sou loucopor pensar assim

Se eu sou muito loucopor eu ser feliz

Mas louco quem me dizE no feliz, no feliz.

Ney Matogrosso

Introduo

O tema incluso escolar tem sido amplamente discutido. Porm, para se abordar este assunto importante esclarecer de antemo os conceitos que esto inseridos neste contexto, como: quais so os alunos com necessidades educacionais especiais e o que significa incluso escolar.

Alunos com necessidades educacionais especiais seriam, conforme a Resoluo CNE/CEB N2 de 11 de setembro de 2001 estabelece em seu artigo 5, aqueles que apresentam durante o processo educacional:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitaes no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares

[...]

II - dificuldades de comunicao e sinalizao diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilizao de linguagens e cdigos aplicveis;

4 Graduanda em pedagogia pela Faculdade Cenecista de Vila Velha. Email: vscardua@hotmail.com.

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III - altas habilidades/superdotao, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (BRASIL, 2001, p. 70)

Vale salientar que a Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva, de janeiro de 2008, passou a considerar como pblico alvo da educao especial os alunos com deficincia, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotao, no usando mais o termo necessidades educacionais especiais.

Baptista (2003, p. 50) traz tona que este conceito de necessidades educacionais especiais, ao alargar o conjunto de sujeitos, pode provocar uma ampliao linear do grupo de supostos deficientes em decorrncia de uma mudana de termo que no acompanhada de uma mudana de concepo. Dessa forma, o autor fala sobre o risco que seria a ampliao do grupo, pois qualquer um que tenha alguma necessidade educacional especial em algum momento da vida escolar se tornaria um aluno com necessidades educacionais especiais, sendo digno, portanto, de todos os benefcios que os alunos que realmente possuem tais necessidades precisam.

A tarefa de definir incluso escolar no das mais simples. Segundo o Dicionrio HOUAISS (2001), uma das definies de incluir envolver. Esta palavra se encaixa bem no contexto escolar visto que envolver significa comprometer-se, tomar parte em algo. Portanto, para que haja incluso escolar, necessrio comprometimento por parte de todos os envolvidos, ou seja, alunos, professores, pais, comunidade, diretor, enfim, todos que participam da vida escolar direta ou indiretamente.

De acordo com Baptista (2003), a incluso escolar seria a transformao da escola para receber o aluno, ou seja, a escola deve se adaptar as necessidades do aluno e no o contrrio. O autor fala que esta transformao deve ser profunda e envolver toda a organizao do ensino, desde o projeto pedaggico at a formao continuada de tcnicos e professores que atuem nas escolas, deixando claro que esta transformao refere-se de fato a uma educao de qualidade.

Figueiredo (2002) tambm argumenta que se faz necessria uma transformao na escola para efetivar a incluso. preciso abandonar modelos e prticas que discriminam qualquer aluno e anular a tentao de se apropriar de solues paliativas. Prosseguindo, Figueiredo (2002, p. 68) afirma que no se trata de adequar, mas de transformar a realidade das prticas educacionais em funo de um valor universal que o desenvolvimento do ser humano.

Na viso de Ferreira (2005, p. 65), a incluso escolar justamente garantir o acesso e a permanncia do aluno na escola, seguida do mais pleno desenvolvimento escolar de todos os alunos, em um espao de relaes educacionais que valorize a diversidade como riqueza humana e cultural.

Para Mantoan (2003, p. 19), o mais relevante no conceito de incluso escolar que todos os alunos, sem exceo, devem freqentar as salas de aula do ensino regular, e quando aborda a questo dos alunos que fracassam em suas salas de aula diz que a incluso implica uma mudana de perspectiva educacional (2003, p. 19), atingindo no somente os alunos com deficincia, mas todos os demais, com o objetivo de alcanarem sucesso em sua vida escolar.

Incluso escolar seria, deste modo, no somente manter o aluno na escola, mas alm de mant-lo, faz-se necessrio tornar a escola um ambiente no qual ele possa de fato se desenvolver.

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Nesse contexto e sob tais definies surge a pergunta: por que incluir? Uma das respostas mais completas poderia ser: para que o sujeito se desenvolva plenamente.

Ferreira (2005, p. 72) argumenta que o desenvolvimento de qualquer sujeito est articulado com sua constituio orgnica mas fundado, constitudo na vida coletiva. , pois, na coletividade, nas relaes sociais que se concretiza a aprendizagem. Dessa forma a escola pode ser concebida como um espao privilegiado de vivncia compartilhada de atividades humanas (2005, p. 73). Justificando assim a incluso como meio para o pleno desenvolvimento do sujeito.

Segundo Mantoan (2003), o conceito de respeito que prevalece quando o assunto a incluso leva a mais discriminaes, pois passa a idia de que as deficincias so fixas, que perda de tempo ensinar a quem nada poder aprender, em vista disso, s resta respeitar quem as possui.

Sobre as diferenas, Figueiredo (2002, p. 68) enfatiza que estas so inerentes ao gnero humano, explicando que so as diferenas que fazem do ser humano um ser nico, porm as semelhanas so os itens que nos aproximam uns dos outros. Deste modo, segue Figueiredo (2002, p. 69), preciso reconhecer o valor das diferenas como elemento de crescimento dos sujeitos e dos grupos sociais

Mantoan (2003) tambm discute a questo da diferena, em sua viso a igualdade deve deixar de ser uma norma. No o direito de ser igual que deve prevalecer, mas iguais direitos, apesar das diferenas. Deve-se lutar pela heterogeneidade, pela diversidade, pela riqueza que o diferente nos traz, no h nada de novo a aprender com o igual, mas a convivncia com o diferente sem dvida valiosa.

Um fato importante a se questionar o costume de separar os alunos em normais e especiais. Percebe-se que estes no so os nicos excludos das salas de aula em direo s classes especiais, mas sim todo o aluno que no consegue aprender o que o professor ensina e no tempo que o professor determina. Assim o professor utiliza os recursos a classe especial, o professor especializado, a escola especial de forma a criar uma fonte de alunos marginalizados que no se esgota.

Mantoan (2003) vem discutir este tema colocando em pauta que a maioria dos alunos que fracassam so os que no vieram do ensino especial, mas aqueles que acabaro indo para ele. Por exemplo, um aluno dito normal, que enfrenta dificuldades em uma matria especfica pode passar a ser considerado especial, tendo atendimento diferenciado, mas em uma anlise mais detalhada, percebe-se que este aluno de fato normal, e que sua dificuldade normal, como muitas que os estudantes enfrentam ao longo de sua vida acadmica.

A Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva, de janeiro de 2008 tambm aborda a questo da classificao de alunos e do valor da diversidade esclarecendo que:

As definies do pblico alvo devem ser contextualizadas e no se esgotam na mera categorizao e especificaes atribudas a um quadro de deficincia, transtornos, distrbios e aptides. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuao pedaggica voltada para alterar a situao de excluso, enfatizando a importncia de ambientes heterogneos que promovam a aprendizagem de todos os alunos.

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Para tanto, se faz imprescindvel uma mudana educacional necessria a uma educao de qualidade que os autores supra-citados pregam.

O termo professor especializado, conforme a Resoluo CNE/CEB N 2 estabelece, se refere quele que desenvolveu: (BRASIL, 2001, p. 78)

[...] competncias para identificar as necessidades educacionais especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementao de estratgias de flexibilizao, adaptao curricular, procedimentos didticos pedaggicos e prticas alternativas, adequados aos atendimentos das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas prticas que so necessrias para promover a incluso dos alunos com necessidades educacionais especiais. (Art. 18, 2)

Este profissional deve ter formao especfica na rea de educao especial.

Enquanto que o professor capacitado deve ter em sua formao contedos sobre a educao especial, de forma a perceber as necessidades educacionais dos seus alunos, flexibilizar a ao pedaggica de modo adequado a estas necessidades, avaliar a eficcia do processo educativo e atuar em equipe com o professor especializado. (BRASIL, 2001)

De acordo com Baptista (2003, p. 53), os conhecimentos dos profissionais especializados no substituem nem orientam o conhecimento do professor, no se trata, portanto, de conhecer profundamente a deficincia, como imaginam alguns educadores, mas de potencializar a ao tcnica de referncia para aquele que ensina. O ato de ensinar depende exclusivamente da ao do professor e o ato de aprender da ao do aluno, para tanto, o professor dispe de alguns recursos e instrumentos, tais como o dilogo, a observao, a negociao e a avaliao, que retroalimenta seu agir. O conhecimento especializado pode servir como um complemento valioso, entretanto, o conhecimento do professor elementar para sua ao.

A necessidade das escolas de terem professores especializados em sua equipe docente surgiu quando as escolas denominadas especiais

[...] optaram por um currculo educacional que se afastasse da educao escolar, implementando-a a partir de programas de treinamento de habilidades necessrias vida diria ou vida prtica, cujos programas de interveno educativa se caracterizavam por um atendimento de natureza individualizada, orientados pela pedagogia teraputica, objetivando a superao das incapacidades pela interveno sobre os pontos fraco. (FERREIRA, 2005, p. 69)

De forma a fazer da presena de equipes interdisciplinares e profissionais especializados fundamental para a educao desses alunos.

Tanto o professor capacitado quanto o especialista deveriam ter como principal meta o trabalho em equipe e dentro da sala comum, sem necessidade de isolar o aluno em alguma classe especial, mas este o lugar que certamente torna o trabalho de ambos profissionais mais fcil. V-se tambm que muitos professores do ensino regular tm medo de receber em suas salas alunos com deficincia, pois se julgam sem preparo, dificultando o processo de incluso e fazendo com que o aluno ou sua famlia se sinta desmotivado e inseguro em continuar.

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Outra razo para se apoiar a incluso seria a legislao. O direito incluso est assegurado na Constituio Federal de 1988, quando, em seu art. 205, garante que a educao direito de todos, e em seu artigo 208, inciso III, garante atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino, ou seja, estes alunos devem estar matriculados na rede regular, e se precisarem de ensino especializado, que tambm seja realizado dentro da rede regular.

A Resoluo CNE/CEB N 2 vem para ratificar a Constituio ao afirmar em seu artigo 2 que os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos cabendo s escolas organizar-se para o atendimento aos educando com necessidades educacionais especiais (2001, p. 68) e confirma em seu artigo 7 que o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular (2001, p. 71). Logo, todos devem estar matriculados no ensino regular, e as escolas devem assegurar condies que garantam uma educao de qualidade.

Consideraes finais

A cultura do deixa pra l exercida pelo povo brasileiro tem ajudado a dificultar a incluso de todos na escola. Se os pais e a comunidade soubessem e lutassem por seus direitos, seguramente todos estariam na escola e com um ensino de qualidade, como garante a lei. Quando uma famlia tenta matricular seu filho deficiente na rede regular e encontra diversas barreiras, como acessibilidade, permanncia, adequao pedaggica, e compara a uma escola especial, pode chegar a concluso de que melhor deixar seu filho s nessa outra instituio, pois acredita que nela, alm do trabalho pedaggico, ele encontra um servio mdico especializado e assistncia social.

A diversidade enriquece uma sala de aula pelo simples motivo de se aprender com o diferente. Quanto maior a diversidade na sala, no s com relao a vrias deficincias, mas a diversidade cultural, de origem, de credo, de gnero, a fsica, faz a pessoa aprender mais, a conhecer mais o mundo, a perceber que h mais l fora do que se possa imaginar. A construo do conhecimento em uma sala onde predomina a diversidade ser muita mais preciosa. Dessa maneira, ser possvel sonhar com um mundo sem preconceitos e discriminaes. Eis a beleza do no ser igual.

Referncias:

BAPTISTA, Cludio Roberto. Sobre as diferenas e desvantagens: fala-se de qual educao especial? In. : MARASCHIN, C; FREITAS, L.B.L; CARVALHO, D.C. Psicologia da educao: multiversos sentidos, olhares e experincias. Porto alegre: Ed. da UFRGS, 2003.

BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Imprensa Oficial, 1988.

______. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Especial. Poltica nacional de educao especial na perspectiva da educao inclusiva. Braslia: MEC/SEESP, 2008.

______, Resoluo n 2. Institui as diretrizes da educao especial na educao bsica. Conselho Nacional de Educao/Cmara de Educao Bsica. Braslia, 2001.

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FERREIRA, Maria Ceclia Carareto. Ressignificando as prticas pedaggicas da escola comum na perspectiva da educao inclusiva. In: Anais do IX Seminrio capixaba de educao inclusiva Ressignificando conceitos e prticas: a contribuio da produo cientfica. Vitria: UFES, 2005.

FIGUEIREDO, Rita Vieira. Polticas de incluso: escola gesto da aprendizagem na diversidade. In: Polticas organizativas e curriculares, educao inclusiva e formao de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

HOUAISS, Antnio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MANTOAN, Maria Teresa Eglr. Incluso escolar: o que ? Por qu? Como fazer? So Paulo: Moderna, 2003.

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