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A INCLUSÃO/EXCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NOS ESPAÇOS FÍSICOS DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO Cilvane Adriane Marotz, Centro Universitário Leonardo da Vinci- UNIASSELVI Daiane Kipper, Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC 1 INTRODUÇÃO O espaço geográfico é o ‘palco’ onde as relações entre indivíduos e o meio acontecem, ou seja, é no espaço geográfico que as pessoas se relacionam, agem e interagem umas com as outras e com o meio. De acordo com Santos (2004, p. 153): O espaço se define como um conjunto de forças representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante de nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções. É no espaço geográfico, mais expecificamente no lugar onde vivem, estudam ou trabalham, que os sujeitos se manifestam culturalmente através do contato com o outro, dos seus semelhantes, neste caso, os ouvintes. No etanto, quando falamos em surdos, entramos em contato com uma outra cultura: a cultura surda. O movimento da cultura surda é algo recente na nossa história (se considerado o tempo histórico), mas se faz presente cada vez mais na sociedade através do movimento surdo na área da Educação, das conquistas políticas e sociais e pela busca de espaço social. Skliar (2001, p. 52) entende por identidade surda algo “em construção, uma construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou estar em movimento, e que empurra o sujeito em diferentes posições”. Assim, pela perspectiva da diferença, é de grande relevância analisar quais são os espaços físicos que os alunos surdos ocupam no interior da escola E.E.E.M. Nossa Senhora do Rosário em Santa Cruz do Sul no estado do Rio Grande do Sul (RS) e, ainda, se nestes espaços ocorre a inclusão de alunos surdos num espaço que também é ocupado por alunos, professores e funcionários ouvintes. É no interior do espaço escolar que as diferenças se manifestam de forma mais acentuada, conforme Lopes (2001, p. 107) “as diferenças existentes entre grupos e nos grupos culturais estão presentes na escola moderna”. Ainda de acordo com Lopes (2001, p. 109) “as políticas públicas de democratização da escola objetivam pluralizar o espaço físico

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A INCLUSÃO/EXCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NOS ESPAÇOS FÍSICOS DA

ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

Cilvane Adriane Marotz, Centro Universitário Leonardo da Vinci- UNIASSELVI

Daiane Kipper, Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC

1 INTRODUÇÃO

O espaço geográfico é o ‘palco’ onde as relações entre indivíduos e o meio acontecem,

ou seja, é no espaço geográfico que as pessoas se relacionam, agem e interagem umas com as

outras e com o meio. De acordo com Santos (2004, p. 153):

O espaço se define como um conjunto de forças representativas de relações sociais do

passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão

acontecendo diante de nossos olhos e que se manifestam através de processos e

funções.

É no espaço geográfico, mais expecificamente no lugar onde vivem, estudam ou

trabalham, que os sujeitos se manifestam culturalmente através do contato com o outro, dos

seus semelhantes, neste caso, os ouvintes. No etanto, quando falamos em surdos, entramos em

contato com uma outra cultura: a cultura surda. O movimento da cultura surda é algo recente

na nossa história (se considerado o tempo histórico), mas se faz presente cada vez mais na

sociedade através do movimento surdo na área da Educação, das conquistas políticas e sociais

e pela busca de espaço social. Skliar (2001, p. 52) entende por identidade surda algo “em

construção, uma construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou estar em

movimento, e que empurra o sujeito em diferentes posições”.

Assim, pela perspectiva da diferença, é de grande relevância analisar quais são os

espaços físicos que os alunos surdos ocupam no interior da escola E.E.E.M. Nossa Senhora do

Rosário em Santa Cruz do Sul no estado do Rio Grande do Sul (RS) e, ainda, se nestes espaços

ocorre a inclusão de alunos surdos num espaço que também é ocupado por alunos, professores

e funcionários ouvintes. É no interior do espaço escolar que as diferenças se manifestam de

forma mais acentuada, conforme Lopes (2001, p. 107) “as diferenças existentes entre grupos e

nos grupos culturais estão presentes na escola moderna”. Ainda de acordo com Lopes (2001, p.

109) “as políticas públicas de democratização da escola objetivam pluralizar o espaço físico

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escolar, sustentadas sob o forte argumento legal de que todos são iguais perante a lei e devem

ter as mesmas oportunidades e direitos”.

Diante disso, o presente trabalho teve por objetivo analisar como os espaços físicos estão

sendo ocupados pelos alunos surdos no interior da Escola Estadual de Ensino Médio Nossa

Senhora do Rosário em Santa Cruz do Sul/RS. Com base nesse objetivo, apresentamos a

problemática que conduziu o presente estudo: Quais as implicações da ocupação dos espaços

físicos escolares na inclusão/exclusão social dos alunos surdos? Para tal empreendimento, o

referencial teórico apoiou-se nos Estudos Surdos e nos estudos sobre Espaço Geográfico.

No que remete às questões metodológicas, a pesquisa assumiu uma dimensão

qualitativa, tendo em vista que existe uma relação direta entre o espaço escolar a ser investigado

e o sujeito surdo, método este muito utilizado em pesquisas na área das ciências humanas.

Conforme Gerhardt e Silveira (2009, p. 32):

[...] dados qualitativos buscam explicar o porquê das coisas, exprimindo o que convém

ser feito, mas não quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à

prova de fatos, pois dados analisados são não métricos (suscitados e de interação) e

se valem de diferentes abordagens.

A produção de dados baseou-se na pesquisa bibliográfica, que para Gil (2002, p. 44) “é

desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos

científicos”. Já a pesquisa documental envolve documentos primários, que, segundo Gil (2002,

p. 45) “vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda

podem ser reelaborados de acordo com os objetos de pesquisa”. Assim, a presente pesquisa

remete a um estudo de campo, uma vez que os sujeitos entrevistados se encontram num

determinado recorte de espaço-tempo, em que as pesquisadoras realizaram a produção de dados.

Gil (2002, p. 53) aborda essa questão dizendo:

Tipicamente, o estudo de campo focaliza uma comunidade, que não é necessariamente

geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer ou

voltada para qualquer outra atividade humana. Basicamente, a pesquisa é

desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de

entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que

ocorre no grupo. Esses procedimentos são geralmente conjugados com muitos outros,

tais como a análise de documentos, filmagem e fotografias.

A escola E.E.E. M. Nossa Senhora do Rosário atende alunos ouvintes do 1º ao 9º ano

do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Além disso, atende também aproximadamente 50

alunos surdos desde a pré-escola até o 9º ano do Ensino Fundamental em classes especiais para

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surdos, e as aulas são ministradas em Língua Brasileira de Sinais (Libras). Já no Ensino Médio

são aproximadamente 20 alunos surdos inseridos em classes de ouvintes, com a presença de

uma intérprete em cada classe.

A presente pesquisa foi realizada com os alunos surdos dos 7º e 8º anos do Ensino

Fundamental. A primeira autora dessa pesquisa é professora de História e Geografia para alunos

ouvintes do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental na instituição de ensino onde foi realizada esta

pesquisa. Já lecionou para o Ensino Médio com alunos surdos incluídos e, atualmente, convive

diariamente com alunos surdos na escola. A segunda pesquisadora foi professora de Matemática

no Ensino Médio com alunos surdos inseridos em classes comuns. Atualmente leciona

Matemática e Ciências para as classes especiais de surdos dos anos finais do Ensino

Fundamental, da referida escola.

O presente trabalho está dividido em quatro seções, sendo a primeira a presente

introdução onde constam objetivo, problema e metodologia da pesquisa. A segunda intitulada

O espaço escolar e os sujeitos surdos, apresenta o contexto escolar em que estão inseridos os

sujeitos da pesquisa, bem como a produção dos dados articulados com o referencial teórico. Por

fim estão as Considerações finas e as Referências do presente estudo.

2 O ESPAÇO ESCOLAR E OS SUJEITOS SURDOS

A escola E. E. M. Nossa Senhora do Rosário está situada na rua Professor José Soder,

nº 120, bairro Cohab, Santa Cruz do Sul, e fica defronte à universidade de Santa Cruz do Sul –

UNISC. Ocupa uma área construída de 1.981,17 m2 num terreno cuja área total é de 14.848,20

m2 tendo como área livre (pátio e quadras de esporte) 12.876,03 m2. Este é o espaço físico onde

a pesquisa envolvendo os alunos surdos do 7º e 8º ano das séries finais do Ensino Fundamental

ocorreu.

A noção de espaço compreendido por Santos (2004, p. 150):

[...] cobre uma variedade tão ampla de objetos e significando os utensílios comuns a

vida doméstica como um cinzeiro, um bule, são espaços; uma estátua ou uma

escultura, qualquer que seja sua dimensão, são espaços; uma casa é espaço, como uma

cidade também o é.

Assim, a escola enquanto instituição de ensino também é espaço onde indivíduos

constroem e reconstroem sua história permanentemente através de processos históricos do

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passado e presente. O espaço é construído e reconstruído permanentemente pelos sujeitos que

nele transitam, como ocorre na escola E. E. E. M. Nossa Senhora do Rosário. Os alunos surdos

que frequentam a escola são oriundos de diferentes municípios da região (municípios vizinhos).

Desta forma, é de suma importância abordar questões referentes a surdez, na perspectiva

da diferença para compreender as ocupações dos espaços escolares por alunos surdos. Como o

termo perpassa por diferentes épocas históricas, da visão clínica à antropológica, para esta

pesquisa estamos compreendendo a surdez na perspectiva da diferença, ou seja, pela sua

diferença cultural e linguística. Segundo Skliar (2001, p. 11) “a surdez constitui uma diferença

a ser politicamente reconhecida; a surdez é uma experiência visual; a surdez é uma identidade

múltipla ou multifacetada e, finalmente, a surdez está localizada dentro do discurso sobre a

deficiência”. Ainda, segundo o Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, pessoa surda é

aquela que, “[...] por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de

experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de

Sinais – Libras” (BRASIL, 2005, p. 1).

Abordar a questão da pessoa surda perpassa pela questão da diferença. Quem são os

diferentes? O gordo, o alto, a pessoa diferente, o surdo? Para Lopes (2012, p. 142) “as

identidades dos sujeitos são múltiplas, e em função das variadas posições assumidas por cada

um se elabora um processo de identificação próprio a cada sujeito”. Todos são diferentes, cada

pessoa possui características físicas e psicológicas diferentes, porém o que nos torna iguais é

que todos pertencem à ‘raça’ humana.

No âmbito escolar, as diferenças se evidenciam ainda mais quando alunos surdos e

ouvintes convivem no mesmo espaço. Baseado na inclusão de alunos com diferenças culturais

(aí entram os alunos surdos) em escolas regulares de ensino, ocorre o ‘choque’ porque a cultura

dominante é a dos ouvintes, logo, ser surdo significa ser incapaz de aprender, de falar, de se

relacionar, etc. Neste sentido, Perlin (2001, p. 55) discorre sobre os estereótipos que os ouvintes

lançam sobre os surdos “O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, às vezes

disfarçadamente, e evita a construção da identidade surda, cuja representação é o estereótipo da

sua composição distorcida e inadequada”.

Diante da questão das diferenças, percebemos a seguinte problemática: Quais as

implicações da ocupação dos espaços físicos escolares na inclusão/exclusão social dos alunos

surdos? Para discutir essa problemática, foram entrevistados 10 alunos surdos (meninos e

meninas) sendo 5 alunos do 7º ano e 5 alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. As cinco

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perguntas foram realizadas de forma coletiva, em cada ano. Os alunos responderam em Libras

e, para fazer a tradução, as pesquisadoras contaram com duas professoras ouvintes que estavam

lecionando para os surdos naquele momento. As respostas foram traduzidas e transcritas para a

Língua Portuguesa, pelas pesquisadoras.

A primeira pergunta foi em relação a interação dos sujeitos surdos nos diversos espaços da

escola. A mesma segue no quadro abaixo, bem como as respostas dos alunos:

Você se sente incluído nos diversos espaços da escola (pátio, biblioteca, refeitório, recreio,

etc.)? Por quê?

Resposta dos alunos do 7º ano:

“Não há fala com ouvintes, poucos professores sabem e usam Libras. Não sabem

Libras, não conseguem se comunicar. É ruim escola com ouvintes e surdos juntos. Surdos nunca

conversam e brincam com ouvintes. Alunos ouvintes são chatos porque riem, cochicham,

acham que somos palhaços”.

Respostas dos alunos do 8º ano:

“Ouvintes riem, ouvintes ficam de um lado e surdos de outro. Falta Libras para ouvintes.

Surdos ensinam ouvintes”.

Percebe-se claramente pela discussão levantada pelas duas turmas que os surdos não se

sentem totalmente incluídos em todos os espaços físicos da escola e o principal entrave para

que isso ocorra é a língua. Alunos ouvintes se comunicam entre seus pares em Língua

Portuguesa e alunos surdos em Libras. São duas línguas diferentes usadas no mesmo espaço

escolar. Desta forma, as diferenças ficam mais evidenciadas. De acordo com Lopes (2001, p.

107), “as diferenças existentes entre grupos e nos grupos culturais estão presentes na escola

moderna, porém, tal instituição não sabe como trabalhar e pensar as mesmas”.

O ouvintismo prevalece entre os grupos na escola (ouvintes e surdos) numa clara relação

de poder que os alunos surdos entrevistados percebem e sentem. Esta problemática também

perpassa pela questão da identidade. Os alunos ouvintes se identificam como iguais em função

da oralidade (fala). Já os surdos são vistos como os diferentes em função da comunicação gesto-

visual. De acordo com Dizeu (2005, p. 589):

Estamos inseridos em uma comunidade ouvinte, onde todos os processos

comunicativos derivam da oralidade e nossas relações sociais se tornam possíveis

na/pela linguagem [...]. No caso dos surdos, esse acesso não apresentará condições

favoráveis. Diante disso se torna essencial a incorporação da língua de sinais na vida

desses sujeitos.

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A Libras é a língua natural dos surdos que se contrasta com a língua da maioria, daí a

necessidade dos surdos estarem com seus iguais. Para que a inclusão entre surdos e ouvintes

aconteça, é necessário que os ouvintes também saibam se comunicar pela Língua Brasileira de

Sinais.

A segunda pergunta feita foi para identificar como os sujeitos surdos entendem e se

veem diante dessa questão da inclusão.

1) O que significa inclusão para você?

Resposta dos alunos do 7º ano:

“É ruim estudar junto, ouvinte ri”.

Respostas dos alunos do 8º ano:

“Melhor estudar separado porque ouvinte ri”.

Nota-se claramente pelas falas das duas turmas que os surdos não querem estudar na

mesma sala com os alunos ouvintes. E isto perpassa pelas relações de poder que se estabelece

na escola quando os surdos afirmam que os ouvintes riem deles. Neste sentido, Perlin (2001, p.

68) afirma que “O mito de que a norma para os seres humanos consiste em falar e ouvir leva a

olhar para o surdo e dizer que ele é um selvagem”. Na opinião dos surdos entrevistados, a

inclusão social com os ouvintes não está acontecendo na escola. Percebe-se nestas falas que os

surdos querem ficar no seu espaço, sem serem incluídos nas turmas de ouvintes. Para eles,

surdos com surdos, ouvintes com ouvintes.

A terceira pergunta é justamente para descobrir quais são os espaços que os alunos

surdos mais frequentam.

2) Quais são os locais da escola que você mais frequenta e por quê?

Respostas dos alunos do 7º ano:

“Corredor (corredor que dá acesso às salas de aula dos surdos). No refeitório há muita

confusão, furam fila, falta respeito dos ouvintes”.

Respostas dos alunos do 8º ano:

“No corredor (corredor que dá acesso ás salas de aula dos surdos) porque tem mais

surdos e não achamos importante misturar. Ouvinte fofoca, é chato, empurra (alguns algumas

vezes). No refeitório empurram, furam fila. Na quadra gostamos um pouco quando tem jogos.

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A Escola Rosário tem pátio grande, tem mais espaço, é bom. A escola Bartolomay era pequena,

apertada”.

Vários são os problemas apontados pelos surdos neste debate, como a falta de respeito

dos ouvintes para com eles, principalmente no refeitório e na quadra de esportes. Não se pode

esquecer que a falta de respeito também acontece entre os alunos ouvintes, mas quando esta

falta ocorre com os surdos, temos uma questão delicada em jogo, que é a questão dos ouvintes

(dominantes) X surdos (minoria). Por ser um grupo minoritário, sentem-se inferiorizados, com

baixa autoestima e com dificuldades em reagir, sendo a principal dificuldade, a língua.

[...] em uma sociedade na qual a língua oral é imperativa, e por consequência caberá

a todos que fazem parte dela se adequarem aos seus meios de comunicação,

independentemente de suas possibilidades. Qualquer outra forma de comunicação,

como ocorre com a língua de sinais, é considerada inferior e impossível de ser

comparada com as línguas orais (DIZEU, 2005, p. 584).

É em função da barreira linguística que separa ouvintes de surdos que os surdos

preferem o corredor que dá acesso às suas salas de aula como local da escola que mais gostam

de estar. É neste local onde eles encontram seus pares para conversar e interagir. É como diz

Lopes (2001, p. 118) “Os surdos quando reunidos em um mesmo espaço escolar, têm

possibilidades de trocar experiências desiguais. Entre estas experiências, surgem diferentes

perspectivas valorativas e de poderes”.

Porém, chamam atenção as respostas do 8º ano quanto à comparação de espaços do pátio

que fizeram entre a E. E. E. M. Nossa Senhora do Rosário, atual escola de surdos e a E. E. E.

F. Gaspar Bartholomay, que era referência em atendimento a alunos surdos até final do ano de

20091. No entender dos alunos, a E. E. E. M. Nossa Senhora do Rosário possui um pátio amplo,

bom para se deslocar e circular.

A quarta pergunta refere-se à luta maior dos surdos, compreender como se dá a Língua

Portuguesa e a Libras em todos os setores da escola.

3) Você encontra dificuldades em se relacionar com os ouvintes na escola (demais

professores, funcionários, alunos ouvintes)? Por quê?

Respostas dos alunos do 7º ano:

“Libras é importante”

1 Os alunos surdos passara a ser atendido na E. E. E. M. Nossa Senhora do Rosário, a partir do início do ano letivo

de 2010. E até o ano de 2009 eram atendidos na E. E. E. F. Gaspar Bartholomay, situada no centro de Santa Cruz

do Sul/RS.

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Respostas dos alunos do 8º ano:

“Alguns funcionários entendem um pouco de Libras. Quando precisa de algo na secretaria, o

professor da sala vai junto, ou faz mímica, ou leva escrito no papel ou pede um intérprete. Falta

funcionários que saibam Libras”.

Com base nestas entrevistas, compreende-se a importância de todos os ouvintes da

escola saberem Libras (professores em geral, funcionários, secretaria, supervisão, orientação,

direção e demais membros da comunidade escolar). Como uma escola que é referência no

atendimento escolar a crianças e adolescentes surdos não possui a Libras como língua usada

também entre ouvintes? Como poderá haver inclusão social de surdos em todos os segmentos

da escola (pátio, refeitório, recreio, secretaria, etc.) sem o domínio da Libras pelos ouvintes

envolvidos com a educação dos alunos surdos?

[...] o surdo acaba não participando do processo de integração social. Embora a

premissa mais forte que sustenta o oralismo seja a integração do surdo na comunidade

ouvinte, ela não consegue ser alcançada na prática, pelo menos pela grande maioria

de surdos. Isso acaba refletindo, principalmente, no desenvolvimento de sua

linguagem, sendo então o surdo silenciado pelo ouvinte, por muitas vezes não ser

compreendido (DIZEU, 2005, p. 585).

Em função da sua surdez, o aluno surdo acaba por ter uma participação limitada no

convívio diário com os alunos ouvintes. Para os ouvintes, é mais cômodo os surdos se

adaptarem a sua cultura ouvinte do que os ouvintes se adaptarem à cultura surda.

A quinta e última pergunta tem como objetivo verificar o que está ‘dando certo’ na

escola em relação à acessibilidade do aluno surdo.

4) O que você aponta como positivo em relação à acessibilidade na escola?

Respostas dos alunos do 7º ano:

“É bom ter luz sala que avisa quando termina aula. Falta funcionários saberem Libras.”

Respostas dos alunos do 8º ano:

“Falta funcionários saberem Libras. Falta luz no pátio para avisar que terminou o recreio”.

Com relação à acessibilidade, o aspecto positivo apontado foi o sinal luminoso nas salas

de aula (lâmpada que fica no interior de cada sala de aula para avisar a troca de um período de

aula, recreio ou fim da aula). No entanto, o que vários entrevistados apontaram é a falta do sinal

luminoso na parte externa da escola como saguão, corredores, refeitório, etc. para que possam

se orientar e saber se terminou o recreio ou se está na hora de começar a aula. Além disso,

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novamente veio à tona a necessidade dos funcionários em geral saberem Libras na escola.

Volta-se à questão da inclusão social que envolve acesso aos bens sociais, culturais e

econômicos, à educação, à saúde, ao trabalho, à tecnologia. Falcão (2006, p. 1) em seu artigo

afirma que:

É essencial para as crianças surdas utilizarem a Língua de Sinais de sua comunidade

com seus pais, com os profissionais da área educacional e com as pessoas de convívio

mais próximo para que garanta o desenvolvimento psíquico, social, político e

psicológico. É de fundamental importância a interação entre as crianças na sociedade,

sem formação de guetos nem de comunidades isoladas, onde todos convivem e

interagem física e linguisticamente.

Logo, a escola deve oferecer todos os recursos existentes e necessários para que ocorra

de fato a inclusão social e o conhecimento de Libras por parte de professores, funcionários e

alunos ouvintes. Se faz importante que todos os profissionais da escola saibam se comunicar

com eles.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve por objetivo analisar como os espaços físicos estão sendo

ocupados pelos alunos surdos no interior da Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora

do Rosário em Santa Cruz do Sul/RS. Com base nas entrevistas realizadas com os alunos surdos

dos 7º e 8º anos e tendo em vista a pesquisa bibliográfica, documental e fotográfica (que se

encontra em anexo), a escola precisa pensar e buscar soluções para aproximar alunos surdos

dos ouvintes, derrubando a barreira linguística que separa estes dois grupos: surdos e ouvintes.

A Libras é a língua materna dos surdos, portanto, são os ouvintes que precisam aprender

a se comunicar com os surdos. A não utilização da Libras pelos ouvintes, tem dificultado a

inclusão social dos surdos em todos os espaços da escola (pátio, refeitório, recreio, secretaria,

salas de aula, corredores, entre outros espaços). Para os ouvintes, é mais cômodo os surdos se

adaptarem a sua cultura ouvinte do que os ouvintes se adaptarem à cultura surda. Desta forma,

a escola precisa pensar em meios para aproximar a comunidade escolar dos surdos, através de

cursos de Libras, tendo por base a lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que reconhece a Libras

como língua oficial da comunidade surda e o Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004, que

aborda questões sobre a acessibilidade para que haja inclusão em sua totalidade. Enquanto isso

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não ocorrer, haverá apenas a integração dos surdos num ambiente predominantemente formado

por ouvintes.

Outra questão levantada nas entrevistas é que a escola deve manter as turmas só de

surdos, da pré-escola ao 9º ano do Ensino Fundamental. Não é do desejo dos surdos serem

inseridos em classes comuns junto com os ouvintes. Em relação à estrutura física, o pátio da

escola é grande e espaçoso e, quanto à acessibilidade, faltam lâmpadas luminosas nas partes

externas da escola como saguão, corredores e refeitório para que os surdos possam visualizar o

fim do recreio ou começo/término das aulas.

Com base na pesquisa, pode-se inferir que os surdos não ocupam todos os espaços

físicos da escola como poderiam, pois nas entrevistas os alunos das duas turmas afirmaram que

permanecem por mais tempo no corredor que dá acesso as suas salas de aula, porque ali

encontram mais colegas surdos. Diante deste fato, compreende-se que os alunos surdos

preferem estar com seus pares pela acessibilidade linguística, ou seja, os alunos preferem estar

em um grupo onde possam se comunicar.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/l10436>. Acesso em: 31 jan.

2015.

______. Decreto nº 5296 de 22 de dezembro de 2005. Estabelece normas gerais e critérios

básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com

mobilidade reduzida. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-

2006/2004/Decreto/D5296.htm>. Acesso em: 31 jan. 2015.

DIZEU, Liliane Correa Toscano de Brito. A língua de sinais construído o surdo como

sujeito. 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, 2005.

FALCÃO, Luiz Albérico B. Acessibilidade, inclusão social e educação de surdos: um

paradigma em foco. Revista Virtual de Cultura Surda e diversidades, n. 1, 2006.

Disponível em: <http://www.editora-arara-azul.com.br/revista/01/compar1.php>. Acesso em:

10 fev. 2015.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Orgs). Métodos de pesquisa. Porto

Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

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GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

LOPES, Maura Corcini (Org). Cultura surda & Libras. Porto Alegre: Unisinos, 2012.

_______. Relações de poderes no espaço multicultural da escola para surdos. In: SKILAR,

Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2001.

p. 105 -121.

PERLIN, Gládis T. T. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar

sobre as diferenças. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2001. p. 51-73.

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia ciência.

6. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.

SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. 2. ed. Porto Alegre:

Mediação, 1998.

ANEXOS

Portão de entrada da escola Vista de parte do pátio

Fonte: Elaborado pela pesquisadora Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Área de recreação Quadra de esportes

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Fonte: Elaborado pela autora Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Saguão Cartaz informativo em Libras

Fonte: Elaborado pela pesquisadora Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Vista interna duma sala de aula dos alunos surdos Corredor que dá acesso ás salas de aula

Fonte: Elaborado pela autora Fonte: Elaborado pela pesquisadora

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Vista parcial da biblioteca Vista parcial do refeitório

Fonte: Elaborado pela pesquisadora Fonte: Elaborado pela pesquisadora