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i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A INFLUÊNCIA DA REINCIDÊNCIA NA DOSIMETRIA DA PENA E SEUS EFEITOS FRENTE AO ORDENAMENTO JURÍDICO JUSSARA SALETE MAY BARATTO Itajaí, outubro de 2006.

A INFLUÊNCIA DA REINCIDÊNCIA NA DOSIMETRIA DA PENA …siaibib01.univali.br/pdf/Jussara Salete May Baratto.pdf · dosimetria da pena e os demais efeitos que dela decorrem de acordo

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPSCURSO DE DIREITO

A INFLUÊNCIA DA REINCIDÊNCIA NA DOSIMETRIA DA PENA ESEUS EFEITOS FRENTE AO ORDENAMENTO JURÍDICO

JUSSARA SALETE MAY BARATTO

Itajaí, outubro de 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPSCURSO DE DIREITO

A INFLUÊNCIA DA REINCIDÊNCIA NA DOSIMETRIA DA PENA ESEUS EFEITOS FRENTE AO ORDENAMENTO JURÍDICO

JUSSARA SALETE MAY BARATTO

Monografia submetida à Universidade doVale do Itajaí – UNIVALI, como requisitoparcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito.

Orientadora: Professora Esp. Débora Cristina Freytag Scheinkmann.

Itajaí, outubro de 2006.

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AGRADECIMENTO

A Deus onipotente que me conduziu a esta vitória.

À minha orientadora, Professora Débora CristinaFreytag Scheinkmann, que, com muita dedicação eatenção, me orientou na realização da pesquisa e

organização do presente trabalho monográfico.

A minha “AMIGA ESPECIAL”, pelo carinho,incentivo e subsídio diante das minhas limitações.

Aos professores, verdadeiros mestres, quetrouxeram a luz para minha vida, incentivando-meem todo aprendizado e formando vínculos de

amizade.

Aos verdadeiros amigos que fiz ao longo destescinco anos, pelo laço que formamos deste convívio

afetuoso.

Aos funcionários da UNIVALI, pela audácia edesenvoltura que exercem suas atividades,

buscando melhorar o nosso dia junto à instituição.

Enfim, a todos que depositaram confiança em minhapessoa, demonstrando apoio nos momentos difíceis,

meu carinho.

A todos vocês, meu muito obrigado e minha eternaadmiração.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família, especialmenteaos meus filhos, Mariana e Thiago, a quem procuroser um exemplo de que sempre é possível sebuscar conhecimento se reciclar e por quem tenhomeu infinito amor.

E ao meu marido, Roberto, por toda suacompreensão e amor.

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iv

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí,

a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de toda e

qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, outubro de 2006.

Jussara Salete May BarattoGraduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Jussara Salete May Baratto, sob o título

A influência de reincidência na dosimetria da pena e seus efeitos frente ao

ordenamento jurídico, foi submetida em 13 de novembro de 2006 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Débora Cristina Freytag

Scheinkmann (presidente) Eduardo Erivelto Campos e Fabiano Oldoni (membros), e

aprovada com a nota 9,75 (Nove e setenta e cinco).

Itajaí, outubro de 2006.

Prof. Esp. Débora Cristina Freytag ScheinkmannOrientadora e Presidente da Banca

Prof. Msc. Antônio Augusto LapaCoordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos

CFRB Constituição da República Federativa do Brasil

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

PIDCP Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de NovaIorque

STF Supremo Tribunal Federal

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Crime:

“[...] é um fato (injusto punível) provocado por uma CONDUTA HUMANA que,

juridicamente relevante, é tipificada e tem como componente o agente e, como

conteúdo, a figura da ilicitude, tornando passível de apuração da culpabilidade,

derivando daí uma punibilidade, uma vez provada aquela culpa (culpa lata)”1.

Dosimetria da pena:

Consiste no processo de individualização da pena, traduzindo o momento que o

magistrado impõe ao indivíduo a sanção que espelha a reprovação estatal pelo

crime cometido.

Ordenamento Jurídico

É o conjunto de normas jurídicas com relações particulares entre si.

Pena

“[...] é a mais importante das conseqüências jurídicas do delito. Consiste na privação

ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais

competentes ao agente de uma infração pena.”2

Reincidência:

1 FALCONI, Romeu. Lineamento de direito penal. 3 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.152.2 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 6. ed. rev. atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1. p. 553.

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"[...] situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime

anterior, em sentença transitada em julgado"3.

Tipo penal:

“[...] é o de modelo descritivo das condutas humanas criminosas, criado pela lei

penal, com a função de garantia do direito de liberdade”4.

3 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 434.4 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 167.

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RESUMO

A presente pesquisa versa sobre o instituto da reincidência,

que é alvo de significativa discussão doutrinária, posto que sua aplicabilidade vem

sendo questionada após o advento da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988. Este instituto foi abordado de forma descritiva, sendo analisado desde

a sua origem, evolução, definição e a forma como é regulado na legislação

contemporânea, com o intuito de identificar a sua aplicação no sistema legal brasileiro e

harmonização com os princípios constitucionais vigentes, mormente naquilo que tange

à sua influência na dosimetria da pena e aos outros efeitos que a sua caracterização

implica. Procurou-se demonstrar, nesta pesquisa, de forma sistematizada e lógica, em

que momento a reincidência será considerada pelo aplicador da sanção penal e as

demais conseqüências que implica ao infrator considerado reincidente pela lei penal em

vigor. O processo de aplicação da lei penal consiste num dos mais importantes e

significativos momentos do processo penal posto que é exatamente neste instante que

o Estado, detentor do jus puniendi, dá sua resposta à sociedade e ao infrator da lei, a

medida exata da reprovação da conduta deste. Assim, demonstrou-se importante

esclarecer qual a influência da reincidência na dosimetria da pena, o que é objetivo da

presente pesquisa.

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SUMÁRIO

Capítulo 1. DO CRIME, TIPO PENAL E CRIMINALIDADE ................. 01

1.1 HISTÓRICO DO CRIME..................................................................................05

1.2 CONCEITO DO CRIME...................................................................................08

1.3 TIPO PENAL ...................................................................................................12

1.3.1 Do dolo ........................................................................................................19

1.3.2 Da culpa ......................................................................................................20

1.4 CRIMINALIDADE............................................................................................24

Capítulo 2. DOSIMETRIA DA PENA..........................................................27

2.1 CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS .....................................................................27

2.1.1 Culpabilidade ..............................................................................................30

2.1.2 Antecedentes ..............................................................................................34

2.1.3 Conduta social............................................................................................37

2.1.4 Personalidade do agente ...........................................................................38

2.1.5 Circunstâncias e conseqüências do crime ..............................................39

2.1.6 Motivos ........................................................................................................40

2.1.7 Comportamento da vítima .........................................................................41

2.2 CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES .................................43

2.2.1 Circunstâncias atenuantes........................................................................44

2.2.2 Circunstâncias agravantes ........................................................................46

2.3 CAUSAS DE AUMENTOS E DIMINUIÇÃO....................................................56

Capítulo 3. REINCIDÊCIA E SEUS EFEITOS NA APLICAÇÃO DA

PENA...................................................................................................................58

3.1 REINCIDÊNCIA ..............................................................................................58

3.1.1 Etimologia e breves apontamentos históricos sobre a origem e evolução

geral do instituto .................................................................................................58

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3.1.2 Origem e evolução no direito brasileiro ...................................................61

3.1.3 Tratamento legal contemporâneo e fundamentos a reincidência..........64

3.2 A PROBLEMÁTICA SOBRE A RECEPTIVIDADE DA REINCIDÊNCIA APÓS

A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL DE 1988 E O PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM ................................... 71

3.3 A INFLUÊNCIA DA REINCIDÊNCIA NA DOSIMETRIA DA PENA E

OUTROS EFEITOS DAQUELA DECORRENTES................................................ 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................85

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.................................................89

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa monográfica, realizada com o objetivo

institucional produzir monografia para fins de obtenção do título de Bacharel em

Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, tem como objeto de estudo o

instituto da reincidência, mormente naquilo que diz respeito à sua influência na

dosimetria da pena e os demais efeitos que dela decorrem de acordo com a

legislação brasileira.

A escolha do tema se justifica em virtude de que a reincidência

se demonstra como matéria controvertida na doutrina, havendo questionamentos

que beiram desde a sua constitucionalidade até a forma de aplicação de seus

efeitos, de modo que a pesquisa pode vir a contribuir com o debate ainda acirrado

sobre a problemática.

Desta feita, como objetivos investigatórios, em termos gerais,

tem-se a análise da reincidência tal qual regulada na legislação brasileira, com

especial enfoque na sua influência e efeitos quando da aplicação da pena e

concessão de benefícios ao apenado.

Já naquilo que tange aos objetivos específicos do presente

trabalho, consistem em:

a) pesquisar, sintetizar e descrever o crime, tipos penais e

criminologia;

b) investigar, resumir e comentar a respeito dos principais

aspectos a serem levados em consideração quando da dosimetria da pena;

c) investigar, analisar e descrever acerca da influência da

reincidência na dosimetria da pena e os demais efeitos decorrentes da sua

caracterização.

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Para realização do presente trabalho e no intuito de alcançar

os objetivos investigatórios delimitados, foram formulados três problemas de

pesquisa com suas respectivas hipóteses, os quais serviram de norte a ser seguido

para a efetivação da pesquisa relatada nesta Monografia, quais sejam:

a) Como pode ser conceituado o instituto jurídico da

reincidência e quais são os seus requisitos legais no ordenamento jurídico

atualmente vigente?

b) Quais as determinações legais que regem a dosimetria da

pena no sistema penal brasileiro e de que forma é feito o cálculo para aplicação da

pena privativa de liberdade?

c) Qual a influência da reincidência segundo os critérios

adotados na dosimetria da pena e os efeitos que dela decorrem?

As hipóteses estabelecidas para cada um desses

questionamentos foram, respectivamente, as seguintes:

a) Segundo as determinações legais que regem a dosimetria

da pena no sistema penal brasileiro, o cálculo da pena deve ser efetuado em três

fases distintas e subseqüentes, as quais servem para individuar a pena prevista

abstratamente para o crime ao caso concreto.

b) A reincidência consiste em instituto jurídico previsto na

legislação penal brasileira com o objetivo de demonstrar a maior periculosidade do

agente infrator e, portanto, serve para apená-lo de forma mais intensa, tendo como

requisito legal a sentença penal condenatória pela prática de crime pretérito.

c) A reincidência exerce forte influência na dosimetria da pena

posto que agrava a quantidade aplicada, além de que produz efeitos em diversas

outros aspectos pertinentes ao reincidente.

A fim de alcançar a solução dos problemas de pesquisa

inicialmente delimitados, confirmando-se ou não as hipóteses inicialmente

estabelecidas, a presente monografia será dividida em três capítulos distintos.

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No Capítulo 1, dá-se início ao trabalho com o estudo

introdutório sobre o crime, quando serão abordados a sua origem, história e

conceito. Realizar-se-á, também, uma pesquisa sobre os tipos penais legalmente

previstos na legislação penal atualmente em vigor, encerrando-se a pesquisa com o

estudo da criminologia.

No Capítulo 2, por sua vez, discorrer-se-á especificamente

sobre a dosimetria da pena, individuando-se cada uma de suas fases a fim de

verificar quais as circunstâncias, elementos e demais aspectos que devem ser

levados em consideração pelo magistrado quando da aplicação da pena.

No Capítulo 3, encerrar-se-á a pesquisa com a análise

específica do instituto da reincidência, pesquisando-se desde a sua origem e

desenvolvimento histórico até alcançar-se a forma como vem sendo tratada pela

legislação atualmente em vigor. Será abordada, ainda, a questão relativa à

constitucionalidade da reincidência, encerrando-se o capítulo com o estudo

concentrado sobre a influência da reincidência na dosimetria da pena e demais

efeitos que possam decorrer da sua caracterização.

Nas Considerações Finais, que sucederá o último capítulo e

encerrará o presente Relatório de Pesquisa, serão consignadas as conclusões

alcançadas ao longo da pesquisa, com as respostas dos problemas inicialmente

formulados, as quais poderão, ou não, ser seguidas de incitação à continuidade de

reflexões e estudos sobre a reincidência.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na fase de

investigação foi utilizado o método indutivo, e, o relatório dos resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da pesquisa foram acionar-se-ão as

técnicas do referente, da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa

bibliográfica histórica e contemporânea, utilizando-se, sempre que possível, de

fontes primárias.

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Este trabalho se reveste, ainda, das seguintes características

científicas básicas: (a) área de concentração: direito e sociedade; (b) linha de

pesquisa: direito penal e constitucional.

Por derradeiro, consignar-se-á que as categorias operacionais

destacadas em rol próprio serão contempladas ao longo do texto sem quaisquer

destaques e, além daquelas constantes da relação, outras poderão constar ao longo

da Monografia, sempre acompanhadas dos seus respectivos conceitos operacionais.

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Capítulo 1

DO CRIME, TIPO PENAL E CRIMINALIDADE

1.1. HISTÓRICO DO CRIME

Ao analisar o Direito Penal, o pesquisador é remetido a

períodos passados, onde o conhecimento histórico resulta em um maior

entendimento quanto a sua interpretação.

Nas sociedades primitivas, quando ocorriam catástrofes

naturais, estas eram entendidas como manifestações divinas de desagrado dos

deuses. Durante este período, punia-se o infrator a fim de que a divindade

aceitasse o perdão.

Neste contexto histórico, Leal1 explica que:

Tudo indica que o homem sempre viveu em grupo e isto nos leva acrer que, desde as origens, houve a necessidade normas deconduta para reger a vida social primitiva. Tais normas nada maisrepresentavam do que as tradições, as superstições e oscostumes misticamente observados pelos membros do grupo. Orespeito a essas normas era de natureza essencialmente sacral.Ignorando a ciência, o homem primitivo não poderia compreendersequer a origem dos mais simples fenômenos naturais. Tudo eramistério, tudo era magia e a natureza não poderia ser encaradasenão com o olhar de misticismo, o que inevitavelmente conduziao grupo a colocar-se sob a proteção de diversas divindades. Surgedaí a idéia da proteção totêmica, materializada nas leis do tabu, ouseja, normas comportamentais de natureza sagrada que, como tal,impõem o respeito absoluto.

1 LEAL, João José. Direito penal geral, São Paulo: Atlas, 1998, p. 59.

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E continua, complementando a questão:

Parece não haver dúvida de que a reação do grupo primitivocontra o infrator visava fundamentalmente à busca dorestabelecimento da proteção sacral, perdida com a ofensacausada pela infração às normas do tabu. Essa ofendia adivindade protetora do grupo e era preciso castigar o individuo quenão soubera manter-se de acordo com os padrões decomportamento erigidos com base em uma concepção cósmicaessencialmente mística. Assim, a reação contra o infrator, envoltano manto de magia e do sobrenatural, baseava-se na idéia dereconciliação do grupo com seu deus (ou seus deuses) protetor2.

Já nas primeiras civilizações, aos se criar a lei, estava

esculpido o objetivo primordial de limitar e regular o procedimento das pessoas

diante das condutas amplamente consideradas como reprováveis, que garantisse

a paz e a tranqüilidade na convivência entre os seres humanos.

Segundo Bruno3:

A reação é a expulsão do grupo, que não só eliminava aquele quese tornara um inimigo da comunidade e dos seus deuses e forçasmágicas, como evitava a esta o contágio da mácula de que secontaminara o agente, violando o tabu, e as reações vingadorasdos seres sobrenaturais, a que o grupo estava submetido.

Na fase da vingança privada, observa-se que era permitida à

família da vítima, parentes ou até mesmo ao grupo social, o direito de praticar com

o agressor, o revide da ofensa ou da agressão, podendo ocorrer o banimento ou a

vingança por sangue, uma verdadeira guerra grupal, não existindo um limite para

este revide.

2 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 59.3 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense. Tomo 1º, 1967, p. 70.

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Relata Cretella4 que, no início, os primitivos romanos, como

inúmeros outros povos, faziam justiça com as próprias mãos, defendendo o direito

pela força.

Neste sentido Silva5 explica que:

Quando uma pessoa sofria uma agressão, ela própria exercia odireito de vingança. Mas, com o passar dos tempos, notou-se queesta fase do Direito Penal possuía aspectos de flagrante injustiça,como, por exemplo: 1. O direito de vingança era exercido pelopróprio ofendido, e a sociedade não participava da medidaretributiva: 2. Na maioria das vezes, a vingança ultrapassava apessoa do agressor, atingindo sua prole, ou qualquer outrofamiliar. A vingança tão somente satisfazia o ego do agredido; 3.Nem sempre a vingança retributiva á agressão sofrida; na maiorparte das vezes, senão em sua totalidade, ocorria umadesproporção entre a conduta criminosa e a resposta do agredido.Como resposta a um tapa, às vezes, o agredido tirava a vida deseu agressor. Temos aí uma flagrante desproporção entre aagressão e a retorsão.

Sob enfoque diverso, Leal6complementa a questão:

A denominada vingança privada, reconhecida como reação doindivíduo ou seu grupo contra membros de outros grupos, aparecemais tarde, quando a vida coletiva se torna mais completa e ogrupo se decompõe em grupos ou clãs secundários. Ainda aqui areação contra o infrator é de natureza social, pois exercitada peloofendido ou seus irmãos de sangue em defesa dos interessesmísticos ou sacrais do grupo. Com a decomposição dacomunidade única em clãs, o vínculo totêmico, que unia seusmembros, é substituído pelo vínculo sangüíneo, oportunizando,entre os grupos secundários, o exercício da vingança comoresposta ao ofensor. Tal reação era de caráter coletivo.

4 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito romano. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 46.5 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. Campinas: Bookseller, 1999. v.1; p. 356 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 61.

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A Lei de Talião7 surge para evitar o dizime das tribos, dando areação ou revide uma proporção ao mal praticado, é a conhecida“lei do dente por dente, olho por olho”, que concedia aos parentesda vítima o direito de praticar com o criminoso, a mesma ofensa eno mesmo grau por ele cometido.

Com esta evolução alcança-se a fase da composição. Neste

sistema, o infrator comprava a sua liberdade, livrando-se do castigo. A pena era

substituída por uma indenização, sobre a qual Falconi8 assim discorre “[...] a

indenização poderia ser uma retribuição pecuniária ou mesmo a prestação de

serviços pelo criminoso à família do ofendido“.

Até a Idade Média, a noção de crime não era muito clara, se

confundindo com outras práticas reprováveis. Até a consagração do princípio nullo

crimen nulla poena sine legen9, crime e pecado se confundiam pela persistência

de um vigoroso direito canônico, que por vezes substituía a legislação dos

Estados.

Para que as sociedades continuassem subsistindo, houve a

necessidade da intervenção do Estado, a fim de restringir as condutas humanas e

garantir à sociedade, que o transgressor fosse punido, porém, não com o uso de

força.

Neste sentido Tourinho Filho10 preleciona que: “[...]

reconheceu, pois, o Estado que o processo, mesmo para as relações jurídico-

penais, é fator indispensável, porquanto visa a proteger os cidadãos contra os

abusos do poder público”.

7 Lei do Talião originou-se do vocabulário latino, tálio, onis, que significa castigo na mesma medidada culpa. Juridicamente, lei do talião significa limitar, restringir, retribuir na mesma proporção desua gravidade as conseqüências do crime praticado, ou seja, a reação contra o crime deve atingiro infrator da mesma forma e na mesma intensidade do mal por ele causado.8 FALCONI, Romeu. Lineamento de direito penal. 3 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: ícone, 2002,p. 37.9 Não há crime sem pena prevista em lei.

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É um direito natural do homem de ser ouvido e o será pelo

processo, antes de perder sua liberdade, seus bens, seus direitos.

Ora, somente com o devido processo legal, expresso

atualmente na Carta Magna11, garante-se ao cidadão uma atuação imparcial do

poder jurisdicional do Estado, onde se visa a proteção da liberdade e de seus

bens, conforme aduz Tourinho Filho12: “[...] o Estado somente poderá inflingir pena

ao violador da norma penal, após a comprovação de sua responsabilidade (por

meio do processo) e mediante decisão do órgão jurisdicional”.

O Direito Penal visa regular o fato social sempre que ele

passe para o campo do injusto; ele intervém nas relações entre os seres humanos

quando os outros ramos do Direito não são mais eficazes para manter ou

restaurar o equilíbrio social.

Feita essa breve análise histórica do crime, dá-se

prosseguimento à pesquisa com a análise do conceito de crime.

1.2 CONCEITO DE CRIME

De acordo com Plácido e Silva13 crime deriva do latim crimen

que significa ato ou ação, que não se mostra abstração jurídica, mas ação ou

omissão pessoal, tecnicamente, diz-se o fato proibido por lei, sob ameaça de uma

pena, instituída em benefício da coletividade e segurança social do Estado.

10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 7 ed. atual. Com Lei n. 6.414, de 24de maio de 1977. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 13.11 Artigo 5º, inciso LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processolegal.12 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 14.13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20. ed. rev. atual. por Nagib Slaibi Filho e GláuciaCarvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 232.

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O direito faz parte das ciências humanas por sua própria

natureza, sendo assim, não se admite um conceito ou idéia una a respeito de um

determinado fato.

Há divergências entre os doutrinadores no tocante ao

conceito de crime.

Para alguns doutrinadores como Capez14 o crime no aspecto

material “pode ser conceituado como todo fato humano que, propositada ou

descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados

fundamentais para a existência da coletividade e da paz social” e no aspecto

formal ou analítico “é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os

elementos estruturais do crime. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito”.

Para outros, como Jesus15, apenas fato típico e antijurídico são requisitos para

compor o crime, sendo a culpabilidade mera dosimetria para o regime de

cumprimento de pena.

Leal16 define crime como a:

[...] infração da lei do Estado, promulgada para proteger asegurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem,positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamentedanoso.

Além de ser um fenômeno social, o crime é, na realidade,

uma conduta amplamente considerada como nociva, sendo um episódio altamente

reprovável na vida de um indivíduo. Não possui conceito único, imutável, estático

no tempo e no espaço. Sendo assim, cada crime tem a sua história a sua

individualidade.

14 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 11 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2004, p. 93.15 JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p.3216 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 166.

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É um ato ou uma ação que não mostra abstração jurídica,

sendo uma ação ou omissão pessoal como diz o autor Bruno17 “[...] fato que a lei

proíbe sob a ameaça de uma pena”.

Gonçalves18, discorre sobre o conceito de crime da seguinte

forma:

Tecnicamente podemos dizer ser um fato proibido por lei sobameaça de uma pena instituída em benefício da coletividade esegurança social do Estado, o que é o nome que se da aoenquadramento da conduta concretizada pelo agente na normapenal descrita em abstrato.

Bruno19 ainda menciona que o crime “[...] é ato que põe em

perigo as condições de vida da sociedade, constatado pela legislação e só evitável

mediante uma pena”.

Uma conduta é considerada crime quando estiverem

presentes os requisitos: tipicidade20, antijuridicidade21 ou ilicitude22.

Jesus23 ainda complementa que não há diferença ontológica,

de essência, entre crime (ou delito) e contravenção, posto que o mesmo fato

“pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador, de acordo com a

necessidade de prevenção social”. Assim, um fato que hoje é contravenção pode

no futuro vir a ser definido como crime.

17 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. p. 281.18 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 9.19 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. p. 284.20 Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espéciede infração contida na lei penal incriminadora. (JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado, p.228).21 Antijuricidade é a contradição do fato, eventualmente adequado ao modelo legal, com a ordemjurídica. (JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado, p.100).22 Ilicitude é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, consistindo na prática de umaação ou omissão ilegal. (CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 191).

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Elucidativa é a conceituação de Falconi24 sobre o conceito de

crime:

Crime é um fato (injusto punível) provocado por uma CONDUTAHUMANA que, juridicamente relevante, é tipificada e tem comocomponente o agente e, como conteúdo, a figura da ilicitude,tornando passível de apuração da culpabilidade, derivando daíuma punibilidade, uma vez provada aquela culpa (culpa lata). Ohomem é criatura dotado de razão e vontade, quando liberta avontade, passa a ter o livre arbítrio na escolha de suas condutas.O crime é o resultado do ato desta conduta, que poderá ser umaação “um fazer” ou uma omissão “um não fazer que era preciso”.

Este é o conceito de crime que se considera operacional

para o estudo proposto e, uma vez alcançado, dá-se prosseguimento à pesquisa

com o estudo do tipo penal, objeto de análise no item que segue.

1.3 TIPO DE CRIME

A expressão “tipo” foi introduzida no Código Penal com a

reforma ocorrida em 1984 e constitui tradução livre da palavra Tatbestand, de

origem alemã, sendo utilizada preponderantemente pela doutrina, havendo poucas

referências ao termo na lei penal positiva.

O termo “tipo” traduz a idéia de “esquema” ou “modelo” e se

trata de uma figura “puramente conceitual”.

Mirabete25 explica, com propriedade, a função do tipo penal,

aduzindo que:

23 JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado, p.10024 FALCONI, Romeu. Lineamento de direito penal. p. 152.25 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 2 ed. Texto atual. De acordo com as leis nºs9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-5-2001. atual até maio 2001. SãoPaulo: Atlas. 2001. p. 100.

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Como o Estado, através do ordenamento jurídico, quer sancionarcom penas as condutas intoleráveis para a vida em comunidade,tutelando bens jurídicos fundamentais, poderia fazê-lo com umanorma geral que permitisse a aplicação de sanções penais a todosaqueles que praticassem um fato profundamente lesivo a essesbens. Nessas condições, porém, os destinatários da norma nãopoderiam saber exatamente quais as condutas que estariamproibidas nem o juiz poderia saber quais penas deveria impor. Porisso, a lei deve especificar exatamente a matéria de suasproibições, os fatos que são proibidos sob ameaça de sançãopenal, ou seja, o que é considerado crime. Isso é feito através dostipos penais.

Assim sendo, “tipo é o conjunto dos elementos do fato

punível descrito na lei penal”, exercendo uma “função limitadora e

individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes”26.

Tendo em vista que a Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 consagra, em seu artigo 5º, inciso XXXIX, que não há crime sem

lei anterior que o defina, estabelecendo expressamente o princípio da reserva

legal, pode-se perceber a importância dos tipos penais, onde se encontram

descritas abstratamente as condutas penalmente relevantes.

Nesse sentido discorre Capez27:

É o tipo legal que realiza e garante o princípio da reserva legal.Consiste na descrição abstrata da conduta humana feitapormenorizadamente pela lei penal e corresponde a um fatocriminoso (tipo incriminador). O tipo é, portanto, como um moldecriado pela lei, em que está descrito o crime com todos os seuselementos, de modo que as pessoas sabem que só cometerão

26 BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 8 ed. São Paulo: Saraiva.2003, v. I, p. 199.27 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 5 ed. ver. e atual.São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 1p. 167.

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algum delito se vierem a realizar uma conduta idêntica à constantedo modelo legal.

Conclui-se, portanto, que o conceito de tipo “é o de modelo

descritivo das condutas humanas criminosas, criado pela lei penal, com a função

de garantia do direito de liberdade”28.

Trata-se da “descrição concreta da conduta proibida, ou seja,

do conteúdo ou da matéria da norma”29.

Consiste numa “verdadeira construção que surge da

imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em

tese, delitivas”. Portanto, “tipo é um modelo abstrato que descreve um

comportamento proibido”30.

É o “conjunto de elementos do fato punível descrito na lei

penal, ou [...] à qual tem de ajustar-se o fato para constituir crime”31.

Leal conclui, aduzindo que “o tipo penal é a projeção da

conduta praticada no campo jurídico-penal, devidamente ajustada à lei repressiva.

É, assim, a imagem jurídica do que a lei proíbe e pune”32.

Encerra Leal33, destacando a importância dos tipos penais

com a seguinte manifestação:

Ao formular a descrição dos elementos objetivos e subjetivos daconduta criminosa, o tipo exerce uma indiscutível função degarantia individual, indicando com clareza e de forma apriorística

28 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. p. 167.29 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 100.30 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8 ed. São Paulo: Saraiva,2003, v. I, p. 199.31 BRUNO, Direito penal: parte geral. p. 341.32 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 207.33 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 210.

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quais os comportamentos proibidos em face do amplo espaço doscomportamentos lícitos. Disso decorre, também, a funçãomotivadora ou acauteladora do tipo, sinalizando para que oindivíduo conheça a proibição ali positivada e se motive para seabster da conduta criminosa.

Em razão de sua relevância, “o tipo há de ser preciso para

que a ação seja bem identificada”34, sob pena de ofensa ao princípio constitucional

da reserva legal.

Para Bruno35, a importância do tipo penal é tão significativa

em razão de que:

A sua função não se esgota na descrição das condiçõeselementares do fato punível: serve de suporte à norma implícita efundamenta e limita a antijuridicidade; define precisamente o fatotípico, distinguindo-os de outros que o acompanham, influindosobre o problema da unidade ou pluraridade de crimes; marca ointer criminis assinalando o início e o término da ação nos seusmomentos penalmente relevantes, isto é, onde já se configura atentativa e onde termina a consumação; atribui à culpabilidade,através sobretudo do dolo, o seu caráter ajustado à figura penal;institui no Direito Penal, em vez do arbítrio, um regime deestabilidade e segurança. Poder-se-ia mesmo dizer que a noçãode tipo é uma noção nuclear à qual se devem referir as deantijuridicidade e culpabilidade.

Para Bitencourt36, entretanto, as funções do tipo penal

constituem-se em três, quais sejam: função indiciária, função de garantia e função

diferenciadora do erro.

Reveste-se de função indiciária em razão de que, tendo em

vista que o tipo circunscreve e delimita uma conduta penalmente ilícita, a

“circunstância de a ação ser típica indica que, provavelmente, será também

34 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Apud BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, p. 348.35 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. p. 348.

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antijurídica”. Ou seja, “a realização do tipo já antecipa que, provavelmente,

também há uma infringência do Direito, embora esse indício não integre a

proibição”37.

A função indiciária surge, portanto, em virtude de que a

“adequação do fato ao tipo faz surgir um indício de que a conduta é antijurídica, e

essa presunção somente cederá ante a configuração de uma causa de

justificação”38.

Já a função de garantia refere-se Bitencourt39 ao fato de que:

O tipo de injusto é a expressão mais elementar, ainda que parcial,da segurança decorrente do princípio da reserva legal. Todocidadão, antes de realizar um fato, deve ter a possibilidade desaber se sua ação é ou não punível. (...) função de determinar apunibilidade das condutas proibidas.

Por derradeiro, a função diferenciadora do erro justifica-se

em razão de que “hoje é indiscutível que o dolo do agente deve abranger todos os

elementos constitutivos do tipo penal”, de modo que para Bitencourt40:

O autor somente poderá ser punido pela prática de um ato dolosoquando conhecer as circunstâncias fáticas que o constituem. Oeventual desconhecimento de um ou outro elemento constitutivodo tipo constitui erro de tipo, excludente do dolo.

Analisado o conceito de tipo, bem como identificadas as suas

funções, passa-se ao estudo dos elementos que o integram, enfatizando-se,

desde já, que a doutrina não é consensual no que diz respeito a esta temática.

36 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 201-202.37 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal, p. 201.38 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 201.39 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 202.40 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 202.

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Segundo Capez41, o tipo penal é constituído dos seguintes

elementos:

Núcleo, designado por um verbo (matar, ofender, constranger,subtrair, expor, iludir etc.); referências a certas qualidadesexigidas, em alguns casos, para o sujeito ativo (funcionáriopúblico, mãe etc.); referências ao sujeito passivo (alguém, recém-nascido etc.); objeto material (coisa alheia móvel, documento etc.),que, em alguns casos, confunde-se com o próprio sujeito passivo(no homicídio, o elemento “alguém” é objeto material e o sujeitopassivo); referências ao lugar, tempo, ocasião, modo de execução,meios empregados e, em alguns casos, ao fim especial visadopelo agente.

Tal entendimento não é acolhido pacificamente pela doutrina,

a exemplo de Mirabete42, que defende ser imprescindível distinguir os tipos

dolosos dos tipos culposos para identificarem-se os elementos do tipo.

Segundo o autor, a estrutura dos crimes dolosos divide-se

em duas partes distintas: tipo objetivo e tipo subjetivo.

O tipo objetivo (descrição abstrata de um comportamento)compreende a ação delituosa descrita com todas as suascaracterísticas descritivas e, às vezes, de elementos normativossubjetivos. Compõem o tipo, assim, o verbo, o objeto material, oresultado, circunstâncias de tempo, lugar, modo e meiosexecutivos, finalidade da ação etc. O tipo subjetivo compreendenecessariamente o dolo como elemento intencional e genérico, e,eventualmente, outros elementos especiais da conduta, chamadoselementos subjetivos do tipo (injusto).

Já os crimes culposos possuem elementos diversos,

constituindo-se de estrutura diversa:

41 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. p. 167.42 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 101.

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Em geral, no tipo somente está descrito o resultado, ou seja, alesão ou perigo de lesão do bem jurídico, constituindo-se assimnum “tipo aberto”. A ação proibitiva deve ser estabelecida pelo juizde acordo com o entendimento (“critério”) da posição do garantidore dos cuidados objetivos devidos pelo sujeito ativo para evitar umresultado lesivo43.

Essa divergência de entendimentos doutrinários sobre os

elementos que integram o tipo penal se justifica em razão de que parte dos

juristas, adeptos da corrente tradicional, considera o dolo como elemento ou forma

de culpabilidade, e não como componente do fato típico.

Segundo Bruno44, “a posição do dolo na estrutura dogmática

do crime é hoje um dos pontos mais controvertidos da doutrina”.

É o que também explica Leal45:

Hoje, ainda existe divergência doutrinária sobre a posição do dolona estrutura do crime. Para alguns autores, é o dolo uma dasformas de culpabilidade (posição da doutrina tradicional); paraoutros, é elemento da culpabilidade (corrente psicológico-normativa). Para a doutrina moderna, no entanto, o dolo éconcebido como elemento subjetivo do tipo penal. Essa posiçãoteórica decorre da aceitação, hoje predominante, da teoria finalistada ação.

Muito embora não se tenha a pretensão de sanar a

divergência estabelecida sobre a posição do dolo, eis que tal questão apresenta-

se distante de uma pacificação de entendimentos na dogmática jurídico-penal, por

coadunar-se mais com a corrente que situa o dolo como um dos elementos

subjetivos do tipo penal, é mister a análise dos tipos dolosos e culposos.

43 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 101.44 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1967, v. 2, p. 59.45 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 211.

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1.3.1 Do Dolo

Capez46 conceitua o dolo como sendo a “vontade e a

consciência de realizar os elementos constantes do tipo penal. Mais amplamente,

é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta”.

Para Mirabete47, “pode-se definir o dolo como a consciência

e a vontade na realização da conduta típica, ou a vontade da ação orientada para

a realização do tipo”.

O legislador também conceituou o dolo, ou melhor,

determinou quando o tipo é doloso, mais especificamente no artigo 18, inciso I, do

Código Penal, que estabelece:

Art. 18. Diz-se o crime:I – doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco deproduzi-lo.

Segundo Bitencourt48, pela sua definição, constata-se que o

dolo é constituído por dois elementos:

Um cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da açãotípica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiroelemento, o conhecimento, é pressuposto do segundo, a vontade,que não pode existir sem aquele.

Verifica-se, portanto, que o tipo doloso é aquele que

contempla um elemento subjetivo. Esse elemento subjetivo do tipo é, em geral, o

dolo, podendo, eventualmente, constituir-se de elementos especiais, que são as

intenções e tendências.

46 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. p. 179.47 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 139-140.48 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 210.

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Trata-se de elemento integrante da conduta do agente e,

segundo Leal49,

Aceita a idéia de que a conduta [ação ou omissão] é vontadedirigida para a realização de um tipo penal, torna-se evidente queeste se compõe de uma parte objetiva [fato em seu aspecto físico]e de uma parte subjetiva, representada pela própria vontade derealizá-lo em todos os requisitos legais. A essa intençãodenominamos dolo, que constitui o elemento próprio de umacategoria de tipo de crime: o crime doloso, marcado pelaintencionalidade da conduta praticada e do resultado ocorrido.

Verifica-se, portanto, que o tipo será doloso quando presente

a intenção do agente em praticar a conduta definida como crime, com a vontade

manifesta de alcançar o resultado descrito no tipo [dolo direto ou determinado50]

ou com a aceitação de que é possível ou provável a realização do tipo e

assumindo o risco do resultado [dolo indireto ou eventual51].

1.2.2 Da culpa

Por sua vez, naquilo que tange ao tipo culposo, tem-se que o

seu núcleo “consiste na divergência entre a ação efetivamente praticada e a que

49 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 211.50 “Diz-se direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente àintenção e à vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade secoadunam com o resultado do fato praticado”. (MARQUES, José Frederico. Tratado de DireitoPenal. São Paulo: Milenium, 1999. v. III, p. 198). “No dolo direto o agente atua querendo comocerta a realização de determinado tipo penal. Se o tipo efetivamente ocorrido corresponderplenamente ao fato desejado pelo agente, o dolo terá sido direto ou determinado” (LEAL, JoãoJosé. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 214).51 “No dolo eventual, (...) o sujeito prevê o resultado e, embora não o queira propriamente atingi-lo,pouco se importa com a sua ocorrência (‘eu não quero, mas se acontecer, para mim tudo bem, nãoquero mas também não me importo com a sua ocorrência’)”. (CAPEZ, Fernando. Direito penal:parte geral, p. 182). “Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização dotipo, mas aceitar como possível e até provável, assumindo o risco da produção do resultado. Nodolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, possível, mas, apesar deprevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo. (BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direitopenal. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 215-216).

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deveria realmente ter sido realizada, em virtude da observância do dever objetivo

de cuidado”52.

Explica Leal53 que:

O que caracteriza o tipo culposo é a involuntariedade do resultadoefetivamente ocorrido. Na verdade, o que o distingue do tipodoloso é o fato do agente causar o resultado sem intenção deproduzi-lo. O crime culposo será, assim, um crime não intencionalquanto ao resultado.

Ao discorrer sobre o tipo culposo, portanto, há que se falar

em culpa que, segundo Bitencourt54, pode ser definida como a “inobservância do

dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado

não querido, objetivamente previsível”.

Em que pese tal definição do termo culpa, Mirabete55 enfatiza

que, “apesar de longa elaboração doutrinária, não se chegou ainda a um conceito

de culpa em sentido estrito [...]. Por essa razão, mesmo com a reforma da Parte

Geral, a lei limita-se a prever as modalidades de culpa”.

É o que dispõe o artigo 18, inciso II, do Código Penal:

Art. 18. [...]II – o crime é culposo quando o agente deu causa ao resultado porimprudência, negligência ou imperícia.

Essa ausência de um conceito exato de culpa, bem como o

fato de que se apresenta como impossível a previsão de todas as hipóteses em

que esta poderia se dar, faz com que os tipos culposos sejam predominantemente

52 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal, p. 224.53 LEAL, João José. Direito penal geral. p. 211, p. 216.54 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 224.55 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 145.

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abertos, ou seja, o tipo restringe-se a estabelecer que: “se o crime for culposo, a

pena será de [...]”56.

A culpa nunca estará, portanto, prevista no tipo, mas apenas

mencionada de forma genérica pois, conforme explica Capez57:

Isso se deve ao fato da absoluta impossibilidade de o legisladorantever todas as formas de realização culposa, pois seria mesmoimpossível, por exemplo, tentar elencar todas as maneiras de sematar alguém culposamente. É inimaginável de quantos modosdiferentes a culpa pode apresentar-se na produção do resultadomorte (atropelar por excesso de velocidade, dispararinadvertidamente arma carregada, ultrapassar em local proibido,deixar criança brincar com fio elétrico etc.).

Por essa razão, sabedor dessa impossibilidade, o legislador

limita-se a prever genericamente a ocorrência da culpa, sem defini-la. Com isso,

para a adequação típica, será necessário mais do que simples correspondência

entre conduta e descrição típica. Torna-se imprescindível que se proceda a um

juízo de valor sobre a conduta do agente no caso concreto, comparando-a com a

que um homem de prudência média teria na mesma situação. A culpa decorre,

portanto, da comparação que se faz entre o comportamento realizado pelo sujeito

no plano concreto e aquele que uma pessoa de prudência normal, mediana, teria

naquelas mesmas circunstâncias.

Nesse sentido explica Delmanto58:

Enquanto o dolo gira em torno da vontade e finalidade docomportamento do sujeito, a culpa não cuida da finalidade daconduta (que quase sempre é lícita), mas da não observância do

dever de cuidado pelo sujeito, causando o resultado e tornandopunível o seu comportamento.

56 Conforme consignado em diversos dispositivos do Código Penal.57 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. p. 185-186.58 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 34.

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Tanto as modalidades de culpa [imprudência59, negligência60

e imperícia61], quanto as diferentes classificações do dolo não serão objeto de

apreciação deste tópico do trabalho em virtude tão-somente dos limites

metodológicos impostos nas diretrizes da pesquisa, bem como em função do risco

de desvirtuar-se dos objetivos inicialmente delimitados.

Pode-se perceber, pelo conteúdo já consignado, que a teoria

do tipo é tema por demais vasto, de grande riqueza na doutrina jurídico-penal e,

assim sendo, desdobra-se em diversas nuances e aspectos dos mais variados

assuntos.

Entretanto, destaca-se que, neste item do primeiro capítulo,

foram analisados apenas os aspectos considerados mais pertinentes pelo

pesquisador, quais sejam: o conceito de tipo e as suas funções, importância e

elementos, bem como a distinção existente entre tipo doloso e tipo culposo. Desta

feita, dá-se prosseguimento à pesquisa com a análise da criminalidade, no intuito

de edificar-se um entendimento melhor acerca do assunto.

59 “Age com imprudência quem procede com excesso de ousadia” (FALCONI, Romeu.Lineamentos de direito penal. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p. 170). “Aimprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza,sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores. Exemplos: manejar ou limpar uma armacarregada próximo a outras pessoas; caçar em local de excursões; dirigir sem óculos quando hádefeito na visão, fatigado, com sono, em velocidade incompatível com o local e as condiçõesatmosféricas etc. (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 149).60 “Negligente é todo aquele que não cuida detalhadamente de certas condicionantes, sem asquais haverá sempre um perigo a outrem” (FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p.170). “A negligência é a inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as cautelasexigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental. Exemplos: não colocar aviso junto avaletas abertas para um reparo na via pública; não deixar freiado automóvel quando estacionado;deixar substância tóxica ao alcance de crianças etc.” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direitopenal, p. 149).61 “Por imperito tem-se aquele que não está habilitado para um tal serviço, ofício ou obrigação”(FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 171). “A imperícia é a incapacidade, a falta deconhecimentos técnicos no exercício de arte ou profissão, não tomando o agente em consideraçãoo que sabe ou deve saber. Exemplos: não saber dirigir um veículo, não estar habilitado para umacirurgia que exija conhecimentos apurados etc. A imperícia pressupõe sempre a qualidade dehabilitação legal para a arte ou profissão. Havendo inabilidade para o desempenho da atividadefora da profissão, a culpa é imputada ao agente por imprudência ou negligência, conforme o caso”.(MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 149-150).

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1.3 CRIMINALIDADE

A criminalidade é um problema social e comunitário. A

prevenção a essa criminalidade não pode se atrelar somente em relação ao

Código Penal mais sim ao estudo da Criminologia, ou seja, as causas do crime, os

reflexos na sociedade, os meios pelos quais a criminalidade é desenvolvida.

As penas sempre foram impostas como sanção a uma

atitude criminosa.

O criminoso, portanto, é aquele que praticou um ato anti-

social, ferindo assim as normas de conduta da sociedade. Diante desses

criminosos a sociedade, para se proteger, optou durante séculos pelas penas de

prisão, que continuam existindo nos dias atuais, porém sem alcançar seu objetivo

primordial que é o da ressocialização.

Infelizmente não se consegue ressocializar os infratores que

saem das prisões, em virtude das péssimas condições de sobrevivência enquanto

estiveram encarcerados, como a falta de ocupação, a superlotação e outros

motivos de suma importância, que deixam de recuperar o indivíduo, tornando-os

muito piores do que quando ingressaram no sistema penitenciário.

Para que a criminalidade não impeça o bom desenvolvimento

da sociedade, as pessoas que se envolvem em ações ilícitas são, geralmente,

banidas do convívio social e encarceradas em um sistema penitenciário que, na

América Latina como um todo, apresenta-se desorganizado e ineficiente, por

conta de, dentre outros fatores, não contarem com recursos humanos,

educacionais e orçamentários suficientes e/ou adequados para se conseguir um

efetivo trabalho de (re) socialização dessas pessoas62.

62 YASBEK, Maria Carmelita. Pobreza e Exclusão Social: expressões da Questão Social no Brasil.São Paulo: Temporalis, 2001, p. 33.

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Segundo Sá63:”[...] o tempo passado na prisão é um tempo

perdido, destruído, no curso do tempo prisional nada de aproveitável é acrescido

ao eu do condenado, nada se produziu, apenas a inutilidade”.

A prisão não é um ambiente adequado para que a pessoa se

recupere. Os maus tratamentos que os reclusos sofrem na prisão e as péssimas

condições que o Estado os oferece, fazem despertar no indivíduo ódio e repúdio

pela sociedade, se tornando muitas das vezes mais delinqüente do que já era.

Segundo Molina e Gomes64:

[...] a criminologia clássica encara o delito como meroenfrentamento formal e simbólico do infrator com o Estado(infração é a violação da leio do Estado). O castigo ao infrator, porisso mesmo, é o que importa, porque o delito é visto como algopatológico, que precisa ser sanado, extirpado, eliminado. E odireito precisa ser recomposto. Pouco interessa se o castigo temfinalidade preventiva ou não. Reparação do dano em favor davítima, ressocialização do infrator, nada disso conta. Se a penatem alguma finalidade preventiva, essa prevenção deve dar-sepela via da dissuasão (Intimidação, medo, coação), não daressocialização.

Jamais haverá um mundo tranqüilo, enquanto habitado por

homens.

Continuam os doutrinadores, Molina e Gomes:

[...] a criminologia moderna, por seu turno, enfoca o delito soboutra ótica, mais complexa e humana. Parte do pressuposto deque o delito é inevitável em qualquer sociedade e em qualquermomento histórico. É, ademais, algo conflitivo, que nasce no seio

63 SÁ, Geraldo Ribeiro de. A prisão dos excluídos: origens e reflexões sobre a pena privativa deliberdade. Rio de Janeiro: Diadorin, 1996, p. 43.64 MOLINA, Antonio Garcia Pablos de, GOMES Flávio Luiz. Criminologia. 2 ed. São Paulo. Revistados Tribunais, 1997, p. 473.

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da comunidade e deve ser resolvido pela comunidade. Éfenômeno social e comunitário, em suma, e só pode ser controladoquando o Estado e a comunidade unem-se em torno de programasbem elaborados.

A Criminalidade é filha da violência, sendo esta uma das

formas de agressividade inerente ao ser humano.

O aumento da criminalidade e da violência no país põe em

voga a discussão de que tal problema não surge de forma espontânea, natural ou

instintiva na sociedade, e sim, em maior freqüência, gera-se de condições sociais

específicas, agravadas pela questão social atual65.

Verifica-se, portanto, que muitos indivíduos infratores,

mesmo quando condenados, voltam a delinqüir, tornando-se reincidentes,

evidenciando, desta feita, a relevância deste instituto ora em análise.

Entretanto, antes de analisar a reincidência, torna-se

necessário proceder a um estudo prévio sobre a dosimetria da pena para,

somente depois, poder-se verificar qual a influência daquela na aplicação da pena.

Esse é o objeto de estudo do capítulo que segue.

65 CEPEMA. Penas e Medidas Alternativas: discutindo possibilidades. Tribunal de Justiça doDistrito Federal dos Territórios, 2003.

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CAPÍTULO 2

DA DOSIMETRIA DA PENA

A dosimetria da pena consiste no processo de

individualização da pena, cuja exigência é contemplada pela Constituição Federal,

mais especificamente no seu artigo 5º, inciso XLVI66. É nesse momento que o

magistrado impõe ao indivíduo a sanção que espelha a reprovação estatal pelo

crime cometido, exteriorizando e concretizando o jus puniendi, que, como já

mencionado, pertence exclusivamente ao Estado.

A dosimetria da pena é disciplinada pelo artigo 68 do Código

Penal, o qual estabelece o sistema trifásico, qual seja: na primeira fase, é fixada a

pena-base, atendidas as circunstâncias judiciais; na segunda fase, deverão ser

consideradas as circunstâncias legais que agravam ou atenuam a pena, e, na

terceira fase, deverão incidir as causas de diminuição e de aumento, completando

o processo.

Os elementos a serem levados em consideração em cada

uma dessas três fases que compõem a dosimetria da pena serão objeto de

análise nos itens que seguem.

2.1 CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

O Código Penal Brasileiro prevê que o magistrado, ao

proferir a sentença condenatória em processo crime, deve, obrigatoriamente, fixar

a pena ao condenado, a fim de que a atividade jurisdicional seja completa.

66 Art. 5º. [...]: XLVI – a lei regulará a individualização da pena.

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Na tarefa de fixação da pena, o juiz prolator da decisão há

que sopesar as circunstâncias estabelecidas pelo legislador no artigo 59 do

Código Penal Brasileiro, as quais recebem denominação de “Circunstâncias

Judiciais”.

Art. 59. O juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, àconduta social, à personalidade do agente, aos motivos, àscircunstâncias e conseqüências do crime, bem como aocomportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessárioe suficiente para reprovação e prevenção do crime:I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa deliberdade;IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, poroutra espécie de pena, se cabível.

Elas dependem da valoração do julgador, a quem incube a

tarefa de sopesar os critérios necessários para a fixação da chamada “pena-base”,

devendo, para tanto, analisá-las individualmente.

Segundo definição de Bitencourt67:

Circunstâncias são dados, fatos, elementos ou peculiaridades queapenas “circundam” o fato principal. Não integram a figura típica,podendo contribuir, contudo, para aumentar ou diminuir a suagravidade.

Porém, a pena-base in abstrato, muito embora se caracterize

como tarefa discricionária do juiz, não pode ser arbitrária, devendo, sempre,

atender aos fins da pena e aos fatores que ditam o quantun, sempre em decisão

que exponha os motivos pelos quais a pena mínima legal seja aumentada.

67 BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: p. 404.

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A doutrina e a jurisprudência orientam que a fixação da pena-

base além do mínimo previsto pelos legisladores somente dar-se-á quando as

circunstâncias judiciais forem desfavoráveis ao acusado; caso contrário, ela deve

ficar no mínimo previsto em lei. É o que se extrai do entendimento jurisprudencial

do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, manifestado quando do julgamento da

Apelação nº 96.005663-7:

Circunstâncias do art. 59, do CP, favoráveis ao réu – apelo providoparcialmente para adequar a pena-base ao mínimo legal. [...].Sendo favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, a

pena – base não pode ser fixada além da mínima68.

O tipo penal, além dos seus elementos essenciais, pode ser

integrado por outras circunstâncias acidentais que, embora não alterem a sua

constituição ou existência, influem na dosagem final da pena.

Sobre as circunstâncias judiciais, relevante é o

esclarecimento de Mirabete69, asseverando que:

[...] o juiz deve levar em conta, de um lado, a “culpabilidade”, os“antecedentes”, a “conduta social” e a “personalidade do agente”,e, de outro, as circunstâncias referentes ao contexto do própriofato criminoso, como os “motivos”, as “circunstâncias” econseqüências do crime”, bem como o “comportamento da vítima”.Diante desses elementos, que reproduzem a biografia moral docondenado de um lado, a as particularidades que envolvem o fatocriminoso de outro, o juiz deve escolher a modalidade e aquantidade da sanção cabível, segundo o que lhe parecernecessário e suficiente para atender aos fins da pena.

Delmanto70 também se manifesta sobre o tema, enfatizando

sua relevância ao aduzir que:

68 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. 2ª Câmara Criminal. Apelação Criminal nº 96.005663-7,Capital. Relator Desembargador José Roberge, j. 20.08.1996.69 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 293.70 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, p. 109-110.

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[...] são muito importantes as circunstâncias judiciais, pois é pormeio delas que o juiz encontrará a pena-base, bem como senorteará nas demais fases da fixação da pena (incisos I a IV desteart. 59). Por isso mesmo, a decisão do juiz deve ser fundada(CR/88, art. 93, IX), sendo-lhe defeso aplicar a pena-basearbitrariamente (ou com remissões genéricas e abstratas).

Nos itens que seguem, analisar-se-á, individualmente, cada

uma das chamadas circunstâncias judiciais, previstas no dispositivo legal supra

citado, a fim de ensejar uma compreensão dos preceitos que em si englobam.

2.1.1 Culpabilidade

A culpabilidade, quando considerada em seu sentido amplo,

tem o mesmo significado de que se reveste a palavra culpa.

Já em sentido estrito, a culpabilidade se refere ao maior ou

menor grau de censura ou reprovação do comportamento do agente infrator,

observada a realidade concreta em que ocorreram os fatos e, principalmente, a

possibilidade do agente poder ter agido de maneira diversa diante da mesma

situação.

Assim explica Costa Junior71, ao consignar que:

[...] não basta que o autor represente e deseje o resultado: serátambém necessária a consciência do injusto. O agente deverásaber que está a praticar algo de errado, pelo que poderá sercensurado. Não se faz mister que tenha um conhecimento precisoda antijuridicidade da conduta, de que saiba que seu ato serásubsumir-se em determinado tipo da Parte Especial. Bastará umconhecimento profano do injusto, como o entende um leigo e não

71 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva. 1991.v. I, p. 82.

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um técnico. Um conhecimento de que está a fazer algo de errado,que irá ser reprovado.

Percebe-se, pois que, a culpabilidade deve se firmar sob a

pessoa do homem, devendo este, portanto, ser capaz de tomar a decisão ou

conduta a seguir.

Como complementa Smanio72, trata-se da conduta voluntária

que produz um resultado antijurídico não querido, mas previsível, ou excepcional

previsto, de tal modo que podia, com a devida atenção, ser evitado.

Como já mencionado anteriormente, há autores que

sustentam que a culpabilidade é elemento do crime, integrando o próprio conceito

de crime. Havendo a culpabilidade, não se afasta a sanção penal.

Entretanto, esta concepção não é uníssona na doutrina,

havendo renomados juristas que a ela se opõem, a exemplo de Jesus73, para

quem, “[...] a culpabilidade é pressuposto da pena e não requisito ou elemento do

crime”.

Na acepção de Bitencourt74, o conceito de culpabilidade

contempla, em si, um triplo sentido. Conceitua mencionado autor:

Em primeiro lugar, a culpabilidade – como fundamento da pena –refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma penaao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela leipenal. Para isso, exige-se consciência da ilicitude e exigibilidadeda conduta – que constituem os elementos positivos específicosdo conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de quaisquerdesses elementos é suficiente para impedir a aplicação de umasanção penal.

72 SMANIO, Gianpaolo Poggio Direito penal: parte especial, São Paulo: Atlas, 1998, p. 24.73 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, vol. I, p. 398.74 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 277-278.

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Em segundo lugar, a culpabilidade – como elemento dadeterminação ou medição da pena. Nessa acepção, aculpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas comolimite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou alémda medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada éclaro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, finspreventivos etc.E, finalmente, em terceiro lugar, a culpabilidade – como conceitocontrário à responsabilidade objetiva. Nessa acepção, o princípiode culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade objetiva.Ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisívelse não houver obrado com dolo ou culpa.

Feitos esses esclarecimentos, é importante mencionar,

ainda, que a culpabilidade se divide em dolo e culpa em sentido estrito, sendo que

ambos já foram apreciados no primeiro capítulo do presente trabalho, devendo

apenas ser relembrados brevemente.

Noronha75 discorre que, “nos delitos de simples atividade ou

mera conduta, em que não existe resultado, o dolo é representação, vontade e

consciência da ilicitude da ação”.

O dolo pode ser tratado como genérico. Em crimes formais

ou de mera conduta, poderá a lei exigir o dolo específico. Nestes casos, para se

configurar o tipo, não bastará a consciência da ilicitude ou o dolo genérico,

devendo obrigatoriamente haver conduta específica.

Culpa consciente, dolo eventual e dolo indireto são institutos

que, embora apresentem algumas similaridades, não podem ser confundidos. No

dolo eventual o agente prevê o resultado, não o deseja, mas assume o risco,

produzindo-o. Na culpa consciente há previsão do resultado antijurídico, porém o

agente espera que este não acorra.

75 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, vol. 1, p.135.

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A distinção, assim, é nítida, por esta razão ressalta Costa

Júnior76:

Caracteriza-se a culpa consciente porque, ao lado de umaprevisão genérica positiva, se coloca uma previsão concretanegativa: o evento não se verificará. No dolo eventual, aocontrário, à previsão genérica positiva segue-se outra, de caráterparcialmente positivo: é possível que o evento se verifique.Inobstante tal previsão, o agente não se detém. Continua a agir,custe o que custar.

Duas são as explicações doutrinárias do dolo eventual: a

teoria da probabilidade e a teoria da vontade. Pela primeira, há dolo eventual

quando o agente prevê o resultado como provável, e não apenas como possível.

Pela segunda, existe dolo eventual quando o agente admite o resultado.

Depois de examinar essas duas teorias, conclui Bruno77 que:

o que é essencial é que o dolo eventual se integra por estes dois componentes:

representação da possibilidade do resultado e anuência a que ele ocorra

assumindo o agente o risco de produzi-lo.

Embora seja, na prática, difícil a constatação do elemento

necessário à distinção, a relevância deste se impõe que procure aquele valioso

elemento por todos os meios disponíveis. Na dúvida, ter-se-á de concluir pela

ocorrência de culpa, e não de dolo, em face do princípio universal de que na

dúvida se há de decidir a favor do réu.

Delmanto78 encerra, com propriedade, a relevância da

análise da culpabilidade do agente aduzindo que, “o que se julga em um processo

é, sobretudo, o homem, e, não, um fato descrito isoladamente na denúncia ou

76 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 88.77 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. p. 75.78 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, p. 110.

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queixa”, este que, “por vezes, retrata um episódio único e infeliz em meio a toda

uma vida pautada pelo respeito ao próximo”.

2.1.2 Antecedentes

Por antecedentes consideram-se os fatos da vida pregressa

do agente, “sejam bons ou maus, como, por exemplo, condenações anteriores,

absolvições anteriores, inquéritos arquivados, inquéritos em andamento, ações

penais em andamento, etc.”79.

Capez80 procede a uma análise histórica-evolutiva dos

antecedentes criminais, relatando que:

[...] esse conceito tinha abrangência mais ampla, englobando ocomportamento social, relacionamento familiar, disposição para otrabalho, padrões éticos e morais etc. A nova lei penal, porém,acabou por considerar a “conduta social” do réu comocircunstância independente dos antecedentes, esvaziando, porconseguinte, seu significado. Desse modo, os antecedentespassaram a significar apenas o anterior envolvimento em inquéritopoliciais e processos criminais. Com o advento da Constituição e aconsagração expressa do princípio da presunção de inocência (art.5º, LVII), deve ganhar força ainda maior a posição hoje majoritáriaque não considera maus antecedentes a existência de inquéritosou processos em andamento, ou ainda processos em que houveabsolvição.

Sob essa perspectiva, portanto, somente aquele que já

sofreu condenação, transitada em julgado, passa a ter antecedentes criminais, de

modo que ações ainda em tramitação, inquérito policial ou Termos

Circunstanciados, não podem ser considerados como antecedentes.

79 ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Curso de direito penal: volume 1: parte geral de acordo com aLei nº 9.714, de 25-11-1998. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 101.80 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. p. 304-305.

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O Superior Tribunal de Justiça assim consolidou sua

jurisprudência:

[...] II. O fato de o paciente já ter sido preso anteriormente não éfundamento capaz de justificar o aumento da pena-base acima domínimo legal em razão dos maus antecedentes.III. Nem mesmo o envolvimento em inquéritos diversos e em váriosprocessos ainda em curso podem servir como indicativos de mausantecedentes no momento da fixação da pena e do regimeprisional. Precedentes. [...] 81.

A doutrina segue o mesmo norte, conforme consignado por

Leite Filho82, que assim discorre:

Discordo daqueles que dizem que a existência de inquéritospoliciais e ações penais em andamento induz a antecedentes, poissimples inquérito (especialmente os arquivados ab initio) não podeser capaz de sugerir antecedentes em face do caráteradministrativo e pela falta de contraditório ao mesmo, além do que,enquanto não houver decisão condenatória com trânsito emjulgado, deve-se admitir a falta de antecedentes, a não ser emcasos de inúmeros inquéritos ou ações penais a conduzir indíciossuficientes de autoria ou de conduta reprovável.

Mas a questão não é pacífica posto que o Supremo Tribunal

Federal, em julgamento proferido pela 2ª Turma confirmando decisão do Tribunal

de Justiça de Goiânia, adotou entendimento de que a absolvição por falta de

provas indica maus antecedentes. Neste julgado, o STF consignou que:

[...] que art. 5º, LVII, da CF não impede que se leve à conta demaus antecedentes do acusado, para fins do disposto no art. 59 do

81 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus nº 53542, do Rio de Janeiro. RelatorMinistro GILSON DIPP. j. 15/08/2006. Diário da Justiça de 04.09.2006, p. 302.82 LEITE FILHO, Nelson. Antecedentes criminais. Terceira Seção - Revista dos Tribunais. Ano 89.Vol. 778. São Paulo: RT. Agosto 2000, p. 490.

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CP, a existência contra ele de inquéritos e processo criminais semcondenação transitada em julgado83.

Esse entendimento é contestado por parte da doutrina,

conforme se depreende da lição de Falconi84, que afirma:

[...] sigo entendendo possuir antecedentes criminais, somenteaquela pessoa que, após regular processo criminal, tiver contra siuma sentença condenatória firme – com trânsito em julgado. O fatode ter o agente “várias passagens pela polícia”, como argumentouum ministro do STF, a meu modesto juízo não induz mausantecedentes, principalmente para efeito criminal.

Costa Junior85, salienta que, ao se analisar os antecedentes,

a atenção deverá estar voltada também para aqueles que o Código não

contempla, como sendo as causas de agravamento e atenuação da pena:

Ao serem analisados os antecedentes, serão enfocados aquelesjudiciais, que não se acham contemplados pelo Código, comocausas legais de agravamento ou atenuação de pena. Serãoassim considerados processos paralisados por supervenienteextinção da punibilidade: inquéritos arquivados, condenações nãotransitadas em julgado, processos em curso, absolvições por faltade provas. De grande valia averiguar se se trata de criminosohabitual ou episódico, quando o delito pelo qual estiver sendojulgado for um fato isolado em sua vida precedente.

Prepondera o posicionamento de que os antecedentes

criminais só podem ocorrer quando comprovado que o agente cometeu o delito.

Havendo-os, importa dizer que haverá maior penalização, impedimento a

concessão de certos benefícios e se passa a ter uma situação comprometida.

83 Apud CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 11 ed. São Paulo: Damásio de Jesus. 2004.p. 305.84 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 383.85 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 162.

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Assim, o registro do antecedente criminal produz uma

mácula e esta fica encrostada, permanecendo para a vida na Sociedade, não

diferenciando aquele que caiu em desgraça, traçando para o agente um

diferencial, ter sofrido uma condenação, sendo que, para fins trabalhistas e para a

Sociedade em geral, isso caracteriza um fator grande de discriminação.

2.1.3 Conduta Social

Refere-se ao comportamento do agente, atividade,

manifestação de vontade, sendo ele o grande e principal protagonista. Este

comportamento diz respeito ao convívio no seio social, na família, no bairro, na

empresa. Enfim, o papel desempenhado pelo acusado em sua vida pregressa.

Mirabete86, define a conduta social como sendo: “aquela que

diz respeito aos diversos papéis desempenhados pelo agente junto à

comunidade”.

Sobre a conduta social, Bitencourt87 explica que, um

acusado,

[...] embora sem antecedentes criminais, [...] pode ter sua vidarecheada de deslizes, infâmias, imoralidades, reveladores dedesajuste social. Por outro lado, é possível que determinadoindivíduo, mesmo portador de antecedentes criminais, possa serautor de atos beneméritos, ou de grande relevância social oumoral.

Mas adverte o mesmo autor que, “nem sempre os autos

oferecem elementos para analisar a conduta social do réu”88.

86 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: p. 293.87 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 555.88 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal, p. 555.

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Capez89 diferencia a conduta social dos antecedentes

criminais aduzindo ter aquela “[...] um alcance mais amplo, referindo-se às suas

atividades relativas ao trabalho, seu relacionamento familiar e social e qualquer

outra forma de comportamento dentro da sociedade”.

2.1.4 Personalidade do agente

A personalidade do agente também se caracteriza como uma

das circunstâncias judiciais a ser levada em consideração quando da fixação da

pena-base.

Presume-se a índole do agente com o modo que ele sente e

se comporta com as reações do meio externo ou interno, reagindo a elas de

maneira passiva ou agressiva, baseado na ética e na Sociedade e observando as

distorções psicológicas.

Em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, pode-se perceber como a personalidade do agente pode ser sopesada

diante de um caso concreto, conforme consignado no seguinte julgado:

Logo, percebe-se nitidamente que a personalidade do réu évoltada à violência sem o mínimo respeito à integridade físicaalheia, o que causa temor da comunidade onde reside. Este fatorcausa reflexo direto na instrução desta ação penal, pois, casopersista tal comportamento, as testemunhas a serem ouvidas emjuízo naturalmente sentir-se-ão amedrontadas, temendo futurasrepresálias do réu, que está atemorizando o meio social em quevive, máxime pelo fato de estar respondendo a processo por

89 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 305.

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homicídio doloso, que deverá ser posteriormente submetido ao

Tribunal do Júri desta Comarca90.

Sobre os elementos que podem interferir na análise da

personalidade do agente, Bitencourt91 explica que:

As infrações criminais praticadas pelo réu durante a menoridade,que, segundo o melhor entendimento, não podem se admitidascomo maus antecedentes, servem, contudo, para subsidiar aanálise da personalidade do agente, assim como outras infraçõescriminais praticadas depois do crime objeto do processo emjulgamento. Essas duas circunstâncias – infrações penaispraticadas durante a menoridade ou depois do crime objeto docálculo da pena – constituem elementos concretos reveladores dapersonalidade identificada com o crime, que não podem serignorados.

Percebe-se, pois, que vários são os fatores que podem

contribuir para a análise da personalidade do agente. Para Capez92, o conceito de

personalidade do agente “pertence mais ao campo da psicologia e psiquiatria do

que ao do Direito”, de forma que exige uma investigação dos antecedentes

“psíquicos e morais do agente, de eventuais traumas de infância e juventude, das

influências do meio circundante, da capacidade para elaborar projetos para o

futuro, do nível de irritabilidade e periculosidade [...], do grau de autocensura etc”.

2.1.5 Circunstâncias e conseqüências do crime

É a análise do grau de dano causado a partir da ação

delituosa e seus reflexos sociais.

90 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Hábeas Corpus nº 11.434, de Canoinhas. RelatorDesembargador Tycho Brahe. Data da decisão 17.02.94. http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudência,acesso 06.07.2006.91 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 555.

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Segundo Capez93, “são os aspectos relativos ao delito e à

extensão do dano produzido, desde que não constituam circunstâncias legais”.

Para o autor, “embora todos os crimes praticados com violência causem repulsa,

alguns trazem conseqüências particularmente danosas”.

Como explica Mirabete94,

[...] é de caráter geral, incluindo-se nelas as de caráter objetivo ousubjetivo não inscritas em dispositivos específicos. As primeiraspodem referir-se à duração do tempo do delito, que podedemonstrar maior determinação do criminoso; ao local do crime,indicador por vezes, de maior periculosidade do agente; à atitudedurante e após a conduta criminosa (insensibilidade e indiferençaou arrependimento) etc. As demais referem-se à gravidade maiorou menor do dano causado pelo crime, inclusive aquelas derivadasindiretamente do delito.

A análise delas é de suma importância, na medida em que

“não se pode ignorar que determinadas circunstâncias qualificam ou privilegiam o

crime”. Entretanto, adverte-se que, se de alguma forma elas forem elas são

valoradas em outros dispositivos, ou até mesmo como elementos do crime, “não

devem ser avaliadas neste momento, para evitar a dupla valoração”95.

2.1.6 Motivos

São as denominadas “as causas de caráter psicológico da

ação”, como o egoísmo, a arrogância, o lucro fácil, o ciúme, a paixão o sadismo,

que acionam a conduta. Não podem ser confundidos com os previstos nos artigos

61 e 65 do Código Penal Brasileiro, como bem expõe Costa Junior96:

92 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 306.93 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 306.94 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral,. p. 294.95 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 556.96 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 163.

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Constituindo o delito expressão viva da personalidade humana, énatural que se indague acerca de toda a conduta, remontando àssuas fontes mais remotas, que são os motivos. Distingue-se omotivo do escopo. Enquanto este dispõe de naturezapredominantemente cognoscitiva (o agente representa a finalidadeque busca atingir), o motivo é essencialmente psicológico. Porvezes de confundem, como quando se furta para tirar proveitoeconômico. Outras se diversificam, como no homicídio porrelevante valor moral, em que a finalidade é a morte da vítima.

Segundo consigna Bitencourt97, “os motivos constituem a

fonte da vontade criminosa”, em virtude de que “não há crime gratuito ou sem

motivo” e, ainda, pelo fato de que, “para dosagem da pena é fundamental

considerar a natureza e qualidade dos motivos que levaram o indivíduo à prática

do crime”.

Na acepção de Capez98, os motivos são os “precedentes

psicológicos propulsores da conduta. A maior ou menor aceitação ética da

motivação influi na dosagem da pena”, ou seja, praticar um crime por piedade é

menos reprovável do que fazê-lo por estupidez.

Entretanto, é importante destacar que, caso o motivo já

“configure qualificadora, agravante ou atenuante genérica, causa de aumento u de

diminuição, não poderá ser considerado como circunstância judicial, evitando o bis

in idem”99.

2.1.7 Comportamento da vítima

97 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 556.98 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 306.99 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 306.

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O comportamento da vítima é um fator determinante da

criminalidade, pois, muitas vezes, ela pode contribuir, direta ou indiretamente, para

o encaminhamento do crime, embora não justifique a ação delituosa nem isente o

delinqüente da sua responsabilidade.

Muitas vezes, o comportamento da vítima se transforma em

fator criminoso, por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa,

como por exemplo, entre outras modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes

contra os costumes.

Em verdade, “o comportamento da vítima pode contribuir

para fazer surgir no delinqüente o impulso delitivo”. Tanto é verdade que se pode,

inclusive, “falar-se em ‘vítima totalmente inocente, vítima menos culpada que o

criminoso, a vítima menos culpada que o criminoso e a vítima tão culpada quanto

o criminoso e a vítima totalmente culpada”. 100

A vitimologia ocupa-se do estuda da vítima e seus estudos

demonstram a interação existente entre ela e o autor do crime. Relatam Molina e

Gomes101 que um dos méritos das tipologias que os pioneiros daquela ciência

elaboraram

[...] foi o de salientar uma nova imagem muito mais realista e

dinâmica da vítima, como sujeito ativo – e não como mero objeto –capaz de influir significativamente no próprio fato delitivo, em suaestrutura, dinâmica e prevenção.

A relevância dessa circunstância para aplicação da pena-

base está no fato de que, “embora inexista compensação de culpas em Direito

100 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 557.101 MOLINA, Antonio Garcia Pablos de, GOMES Flávio Luiz. Criminologia, p. 82.

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Penal, se a vítima contribuiu para a ocorrência do crime, tal circunstância é levada

em consideração, abrandando-se a apenação do agente”. 102

Analisadas as circunstâncias previstas no artigo 59 do

Código Penal, necessárias, para fixação da pena-base, encerra-se o estudo dessa

primeira fase da dosimetria da pena, dando prosseguimento com a pesquisa sobre

as circunstâncias agravantes e atenuantes, a que se refere à segunda etapa.

2.2 CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES

Circunstâncias são os acontecimentos que ocorrem ao redor

do fato, porém, não participam da formação do tipo penal.

Circunstância é tudo que modifica um fato, sem alterar-lhe a

essência. São elementos, acidentais e acessórios, que se põem em derredor do

tipo, influindo apenas na qualificação penal103.

Sobre as circunstâncias, explica Prado104 que elas podem

ser:

[...] circunstâncias legais genéricas (ou comuns) e especiais (ouespecíficas), constantes da Parte Geral ou da Parte Especial doCódigo Penal, respectivamente. As circunstâncias legais genéricascompreendem as circunstâncias agravantes e atenuantes, além,de causas de aumento ou de diminuição de pena; ascircunstâncias legais especiais abarcam as qualificadoras e ascausas de aumento ou de diminuição de pena.

Acerca das circunstâncias agravantes e atenuantes,

Bitencourt105 afirma que podem ser objetivas e subjetivas:

102 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 306.103 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 167.104 PRADO, Luiz Regis. Cursos de direito penal brasileiro: parte geral – arts. 1º a 120. 6 ed. rev.atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. I, p. 503.

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[...] circunstâncias objetivas são as que dizem respeito ao fatoobjetivamente considerado, à qualidade e condições da vítima, aotempo, lugar, modo e meios de execução do crime. E a subjetivassão as que se referem ao agente, às suas qualidades, estado,parentesco, motivo do crime etc.

As agravantes e atenuantes são denominadas circunstâncias

legais em virtude de que vêm contempladas expressamente pelo legislador nos

dispositivos do Código Penal, mais especificamente nos artigos 61 e 62 e 65 e 66,

respectivamente.

Elas serão apreciadas nos dois tópicos que seguem,

oportunidade em que se analisará com mais acuidade as particularidades de cada

uma delas.

2.2.1 Circunstâncias agravantes

As circunstâncias agravantes também são previstas

expressamente no Código Penal Brasileiro, mais especificamente em seus artigos

61 e 62, que determinam:

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quandonão constituem ou qualificam o crime:I - a reincidência;II - ter o agente cometido o crime:a) por motivo fútil ou torpe;b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, aimpunidade ou vantagem de outro crime;c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outrorecurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meioinsidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

105 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. p. 404.

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e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relaçõesdomésticas, de coabitação ou de hospitalidade;g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo,ofício, ministério ou profissão;h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulhergrávida;i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção daautoridade;j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquercalamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;l) em estado de embriaguez preordenada.

Segundo Mirabete106, as agravantes são meras

circunstâncias que podem ou não existir no delito, sem modificar sua estrutura. A

enumeração é taxativa e, não estando à circunstância prevista expressamente

como agravante, só pode ser considerada, se for o caso, como circunstância

judicial (art. 59).

Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que:I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige aatividade dos demais agentes;II - coage ou induz outrem à execução material do crime;III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à suaautoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidadepessoal;IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga oupromessa de recompensa.

Segundo Mirabete107, com as disposições contidas nos

incisos do artigo 62, objetiva-se “punir mais severamente o organizador, o chefe, o

líder, o autor intelectual do crime, mais perigoso por ter tomado a iniciativa ou

coordenado a atividade criminosa”.

106 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado, p. 392.107 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado, p. 403-404.

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Essas circunstâncias, quando presentes, são de observância

e aplicação obrigatórias, até mesmo pelo próprio dispositivo legal que estabelece:

“são circunstâncias que sempre agravam a pena”.

Assim sendo, o magistrado deverá tê-las em consideração,

exceto nos casos em que a pena base já esteja fixada em grau máximo.

É o que preleciona Prado108 em sua doutrina:

As circunstâncias agravantes, quando presentes, devem serobrigatoriamente apreciadas pelo magistrado na segunda fase daaplicação da pena, salvo se constituírem ou qualificarem o crime.O contrário implicaria manifesto bis in idem.

Analisando-se cada uma das circunstâncias agravantes

previstas nos dispositivos legais transcritos, vislumbra-se a reincidência como a

primeira destas e, como objeto da presente monografia, será mais bem analisada

no capítulo seguinte.

No que tange ao motivo fútil, tem-se que este consiste

naquele motivo inexplicável, desproporcional, aquela conduta que não encontra

razão de ser, ao passo que o motivo torpe consiste em todo aquele praticado com

hediondez, que ofende os valores morais, desprezível.

É o que explica Hungria109:

Motivo fútil é aquele insignificante, flagrantemente desproporcionalou inadequado se cotejado com a ação ou omissão do agente.Torpe é o motivo abjeto, indigno e desprezível, que repugna aomais elementar sentimento ético.

108 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro: parte geral, p. 504.109 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 164.

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A aliena b refere-se à agravante de ter o agente praticado

crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou

vantagem de outro crime. Segundo Delmanto110, “aplica-se essa agravante

quando o sujeito – que já praticou um crime ou pretende cometê-lo – pratica outro

para facilitar-lhe ou garantir-lhe a execução, ocultação, impunidade ou vantagem”.

Sobre essa circunstância, explica Capez111 que:

[...] existe conexão entre os crimes. A conexão agravadora podeser teleológica, quando o crime é praticado para assegurar aexecução do outro. Pode também ser conseqüencial, quando umcrime é praticado em conseqüência do outro, visando a garantir-lhe a ocultação, impunidade ou vantagem.

Por sua vez, a traição, emboscada, mediante dissimulação

ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido agravam a

pena na medida em que influem “diretamente na magnitude do injusto”112

Na acepção de Delmanto113,

Na aliena c são indicados vários modos de cometer o crime quetêm como característica serem todos estratagemas insidiosos: 1.

Traição. É a forma insidiosa por excelência, podendo ser tantoobjetiva como subjetiva. Na traição objetiva, o agente surpreende avítima, atacando-a, por exemplo, quando ela dorme ou estápostada de costas. Na traição subjetiva, a vítima é moralmentesurpreendida, pois vê-se inesperadamente atingida por agente emquem, até então, confiava. 2. Emboscada. É a espreita, a tocaia,em que o agente aguarda, oculto, sua vítima, para surpreendê-la.3. Dissimulação. É o modo de agir em que se encobre a intençãocriminosa, o ardil empregado para surpreender a vítima,enganando-a. 4. Outro recurso que dificultou ou tornou impossível

110 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 120.111 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 309.112 CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal español. 6. ed. Madrid: Tecnos, v. II, 1998, p.352.

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a defesa. É indispensável que o recurso seja análogo aosanteriores (traição, emboscada ou dissimulação), ou seja, que, demodo insidioso ou ardiloso, haja dificultado a vítima de se defenderou lhe impossibilitando essa defesa. A surpresa, para serconsiderada agravante, precisa estar revestida de alguma formade insídia ou ardil que tenha atrapalhado ou obstado a defesa davítima.

Os delitos praticados com emprego de veneno, fogo,

explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo

comum também contemplam circunstâncias agravantes e, conforme leciona

Prado114:

[...] o meio insidioso é aquele dissimulado em sua eficiênciamaléfica; o meio cruel, o que aumenta inutilmente o sofrimento davítima, ou revela uma brutalidade fora do comum, em contrastecom o mais elementar sentimento de piedade (cfe. Exposições deMotivos do Decreto-lei 2.848/1940, item 38). Trata-se decircunstâncias agravante de natureza mista, que influi diretamentena medida do injusto e da culpabilidade, já que é maior o desvalorda ação, pelo modo ou forma de sua realização desta, e tambémmaior a gravidade da culpabilidade, pois implica a disposição deânimo cruel ou insidiosa.

Sobre cada um desses elementos, explica Capez115 que:

Veneno é a substância tóxica que perturba ou destrói funçõesvitais. Fogo é a combustão ou qualquer outro meio que provoquequeimaduras na vítima, como uma lamparina acesa. Explosivo étoda substância inflamável que possa produzir explosão, estouro,detonação. Tortura é a infligência de sofrimento físico ou moral àvítima. [...] Meio insidioso é uma formulação genérica que englobaqualquer meio pérfido, que se inicia e progride sem que sejapossível percebê-lo prontamente, e cujos sinais só se evidenciamquando em processo bastante adiantado.

113 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 120.114 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro, p. 508.115 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 309.

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Crimes praticados contra ascendente, descendente, irmão ou

cônjuge contêm, da mesma forma, a circunstância agravante do parentesco, a

qual “determina maior gravidade do injusto, do desvalor da ação, ‘por infringir os

deveres inerentes à relação de parentesco ou pelo simples conhecimento da

mesma’”116.

Sobre o abuso de autoridade ou prevalência de relações

domésticas, de coabitação ou de hospitalidade discorre Lyra117:

O abuso de autoridade ocorre quando o agente excede ou faz usoilegítimo do poder de fiscalização, assistência, instrução, educaçãoou custódia derivado de relações familiares, de tutela, de curatelaou mesmo de hierarquia eclesiástica. Relações domésticas sãoaquelas que se travam entre os membros de uma mesma família,freqüentadores habituais da casa, amigos, assalariados; acoabitação é um estado de fato, pelo qual duas ou mais pessoasconvivem no mesmo lugar; a hospitalidade é a coabitaçãotemporária, mediante consentimento tácito ou expresso dohospedante (v.g., pernoite, visitas, convites para refeição).

Por sua vez, naquilo que diz respeito à prática de delitos com

abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou

profissão é da doutrina de Prado118 que se extraem maiores esclarecimentos.

Segundo o autor:

Cuida-se de agravante que opera sobre a medida do injusto,demonstrando maior desvalor da ação. Exige um elementoobjetivo – maior facilidade ou menor risco para análise do delito –e um elemento subjetivo – uso (consciente e voluntário) ilegítimoou além dos limites do poder inerente a cargo, ofício, ministério ouprofissão.

116 CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal español, p. 377.117 LYRA, Roberto. Comentário ao código penal, p. 207.118 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro, p. 511.

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Acerca de cada um deles, Delmanto119 explica que:

O cargo e o ofício devem ser públicos. Ministério refere-se a quemexerce atividades religiosas. Profissão é a atividade habitualmenteexercida por alguém, como seu meio de vida (exemplo: médico,engenheiro, agrônomo etc.).

Complementa o mesmo autor aduzindo que se aplica esta

agravante quando “o agente pratica o crime com abuso de poder, isto é,

prevalecendo-se do cargo ou ofício”, enfatizando, ainda, que “ela também incide

quando o sujeito atua com violação de dever inerente ao cargo, ofício, ministério

ou profissão”120.

É também das lições de Prado121 que se pode obter maiores

elucidações obre a agravante dos crimes praticados contra criança, velho,

enfermo ou mulher grávida, ao consignar que:

Trata-se de circunstância agravante que atua sobre a magnitudedo injusto, implicando maior desvalor da ação, já que a qualidadeda vítima afasta a possibilidade de uma efetiva reação à açãocriminosa e, conseqüentemente, aumenta a probabilidade deprodução do resultado delitivo. Assim, o aumento do desvalor daação está calcado não apenas na presumida vulnerabilidade davítima, na desproporção de forças entre o sujeito ativo e passivo eno prevalecimento voluntário e consciente pelo agente de talsuperioridade, mas também na maior periculosidade da ação.

Nas quatro hipóteses contempladas nessa alínea, leva-se em

consideração o prevalecimento, pelo agente, da inferior capacidade defensiva

dessas vítimas122.

119 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 121.120 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 121.121 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro, p. 511.122 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 121.

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Naquilo que diz respeito à circunstância de estar ofendido

sob a imediata proteção da autoridade, Lyra123 explica que:

[...] tal circunstância agravante demonstra, de modo inequívoco, odesrespeito do agente para com a autoridade a quem estavaconfiada a vítima. Estão sob imediata proteção da autoridade, porexemplo, o preso, o doente mental recolhido a estabelecimentooficial, o estudante que atravessa a rua após interrompido otráfego pelo guarda de trânsito para esse fim.

Ainda nessa trilha, acrescenta Costa e Silva124 que “o

linchamento de um indivíduo que vai sendo conduzido por agente da força pública

é um exemplo típico de homicídio perpetrado com essa circunstância“.

A agravante em tela influi na medida da culpabilidade, por

ser maior a reprovabilidade pessoal da conduta típica e ilícita perpetrada contra

vítima que se encontra em particular situação de garantia125.

As condutas delituosas praticadas por ocasião de incêndio,

naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular

do ofendido também agravam a pena a ser aplicada.

Discorre Prado126 que:

[...] essa circunstância implica maior gravidade do injusto, de modoa agravar o desvalor da ação, dado que a produção do resultadodelituoso revela-se mais provável. Faz-se necessário que o agentese tenha aproveitado, de modo consciente e voluntário, da ocasiãoou do momento particularmente difícil em que se encontra a vítima,com o fim de dificultar sua defesa. Tal agravante também sefundamenta em razões político-criminais, pois o agente pode

123 LYRA, Roberto. Comentário ao código penal, p. 312.124 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 257.125 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro, p. 512.126 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito penal brasileiro, p. 512.

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prevalecer-se das circunstâncias não apenas para debilitar adefesa da vítima, mas também para facilitar sua impunidade.

O crime praticado por ocasião de incêndio, naufrágio,

inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido

tem sua pena agravada, portanto, porque, “embora não tendo provocado tais

situações, o agente se vale das facilidades que delas decorrem: dificuldades de

policiamento, menor cuidado da vítima etc” 127.

Por derradeiro, o legislador ainda prevê a agravante nos

casos em que o agente pratica o crime em estado de embriaguez preordenada,

quando aquele se embriaga já com o fito de vir a cometer o delito. Justifica-se o

agravamento da pena em virtude de que, com a ingestão do álcool, se liberam os

instintos reprimidos e cometem-se crimes violentos, conforme explica Capez128:

Na preordenada, a conduta de ingerir a bebida alcoólica jáconstitui ato inicial do comportamento típico, já se vislumbrandodesenhando o objetivo delituoso que almeja atingir, ou queassume o risco de conseguir.

Ou seja, nesse caso, “o agente comete o crime depois de ter,

propositadamente, se embriagado para praticá-lo”, sendo necessário “que se

prove ter o agente se embriagado, de propósito, para cometer o delito”129.

Analisadas essas circunstâncias, vê-se, ainda, que são

previstas mais agravantes para os casos em que o crime é praticado em concurso

de pessoas, nos termos do artigo 62 do Código Penal Brasileiro:

Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que:I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige aatividade dos demais agentes;

127 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 122.128 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 284.129 DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 122.

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II - coage ou induz outrem à execução material do crime;III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à suaautoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidadepessoal;IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga oupromessa de recompensa.

No concurso de pessoas, a conduta exige a participação de

duas ou mais pessoas, havendo dois autores. Não podendo a conduta ser

efetivada por um só, é caso de co-autoria, também poderá ou não haver a

participação de terceiros. Já havendo conduta cometida em concurso por duas ou

mais pessoas, haverá co-autoria ou participação, sempre dependendo do quanto

cada uma das pessoas tenha concorrido para a efetivação do delito.

Capez130, distingue duas espécies de concurso de pessoas:

a) O concurso necessário: refere-se aos crimes plurissubjetivos, osquais exigem o concurso de pelo menos duas pessoas. Aqui, anorma incriminadora, no seu preceito primário, reclama, comoconditio sine qua non do tipo, a existência de mais de um autor, demaneira que a conduta não pode ser praticada por uma só pessoa.A co-autoria é obrigatória, podendo haver ou não a participação deterceiros. Assim, tal espécie de concurso de pessoas reclamasempre a co-autoria, mas a participação pode ou não ocorrer,sendo, portanto, eventual.b) Concurso eventual: refere-se aos crimes monossubjetivos, quepodem ser praticados por um ou mais agentes. Quando cometidospor duas ou mais pessoas em concurso, haverá co-autoria ouparticipação, dependendo da forma como os agentes concorrerempara a prática do delito, mas tanto uma como outra podem ou nãoocorrer, sendo ambas eventuais. O sujeito pode cometer umhomicídio, sozinha, em co-autoria com alguém ou, ainda, serfavorecido pela participação de um terceiro que o auxilie, instigueou induza.

130 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 284-285.

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Face aos limites impostos pela metodologia empregada à

presente pesquisa, encerram-se os apontamentos sobre as circunstâncias

agravantes com essas breves consignações, dando-se prosseguimento à

pesquisa com a análise das circunstâncias atenuantes, no item que segue.

2.2.2 Circunstâncias atenuantes

As circunstâncias atenuantes são aquelas previstas pelo

legislador nos artigos 65 e 66, ambos do Código Penal Brasileiro, que

estabelecem:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maiorde 70 (setenta) anos, na data da sentença;II - o desconhecimento da lei;III - ter o agente:a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logoapós o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter,antes do julgamento, reparado o dano;c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou emcumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influênciade violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoriado crime;e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, senão o provocou.

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão decircunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora nãoprevista expressamente em lei.

Todas essas circunstâncias levam à atenuação da pena em

virtude de que, quando presentes, diminuem o grau de reprovação do tipo penal e,

por conseqüência, a quantidade de pena aplicável.

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Por serem circunstâncias genéricas, as atenuantes podem se

fazer presentes em quaisquer dos crimes contemplados na legislação, todavia,

elas jamais poderão diminuir a pena aquém do mínimo legal previsto em cada

tipo131, o que também ocorre com as agravantes, que não podem exceder ao

máximo da cominação, conforme explica Mirabete132:

Uma característica fundamental das circunstâncias atenuantes eagravantes, segundo jurisprudência dominante, é a de que nãopodem elas servir para a transposição dos limites mínimo emáximo da pena abstratamente cominada. Assim, a presença deatenuantes não pode levar a aplicação abaixo do mínimo, nem ade agravantes a acima do máximo.

Nesse sentido também preconiza a Súmula 231 do Superior

Tribunal de Justiça:

Súmula 231. A incidência de circunstância atenuante não podeconduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

Tendo em vista que essas circunstâncias são expressamente

previstas pelo legislador de forma taxativa, ao juiz, quando da aplicação da pena,

incumbe a tarefa de identificá-las diante do caso concreto, atenuando a pena com

maior ou menor intensidade, de acordo com critério que julgar adequado.

131 Esse entendimento não é pacífico na doutrina, conforme se extrai dos apontamentos doDELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, p. 129-130: “Embora a maioria da doutrina e dajurisprudência entenda que as atenuantes (arts. 65 e 66) não permitem a redução da pena abaixodo mínimo previsto na lei, Agapito Machado (in RT 647/388) e James Tubenchlak (O tribunal dojúri, 3ª ed. Forense, 1991, p. 285) sustentam a possibilidade dessa redução. Entre os argumentosinvocados por este último autor (inexistência, a partir da reforma de 84, de norma legal que proíbaexpressamente, analogia in bonan partem, eqüidade, melhor individualização da pena etc.), lembrao motivo de relevante valor social ou moral, que em um crime mais grave, como o homicídio, écausa especial de diminuição da pena (homicídio privilegiado – art. 121, § 1º, 1ª parte, do CP),permitindo a redução da pena abaixo do mínimo legal, enquanto que o mesmo motivo, previstocomo atenuante genérica no art. 65, III, a, não possibilita a redução abaixo do mínimo para crimesmenos graves, como o furto simples (CP, art. 155, caput)”.

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Consigna-se, por derradeiro, que as circunstâncias legais

somente influenciam na pena privativa de liberdade, não se estendendo à pena de

multa, conforme consta do entendimento constante no Acórdão publicado na

Jurisprudência Catarinense, volume 69, página 515.

Feitos esses apontamentos, encerra-se a análise das

circunstâncias legais, dando-se prosseguimento à pesquisa com o estudo das

causas de aumento e diminuição de pena, que, na terceira fase, encerram a

dosimetria da pena.

2.3 CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA

Consideradas na última fase de fixação da pena, poderão

aparecer na Parte Geral ou Especial, quando tratadas na parte Geral do Código

Penal, são definidas como causas de aumento e diminuição genéricas e na Parte

Especial, elas se apresentam ligadas ao tipo penal próprio. Estas causas

aumentam ou diminuem as penas, e são apresentadas em forma de fração. Nesta

fase, as causas podem aumentar ou diminuir as penas, ultrapassando os limites

mínimos e máximos previstos, ao oposto das circunstâncias anteriores133.

A propósito, Jesus134, discorre:

São causas de facultativo ou obrigatório aumento ou diminuição dasanção penal em quantidade fixada pelo legislador (um terço, umsexto o dobro, a metade etc) ou de acordo com certos limites (uma dois terços, um sexto até metade etc). As causas de aumentodão obrigatórias, salvo a prevista no art. 60, § 1º. As causas dediminuição da pena são obrigatórias ou facultativas, de acordocom a determinação do Código.

132 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado, p. 439.133 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral, p. 317.134 JESUS, Damásio, E. de. Direito Penal: parte geral. 24 ed. rev. e atual. 1º vol. De acordo com aLei 7.209, de 11.7.1984. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 579.

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Encontrando-se presentes estas causas, sua aplicação é

obrigatória, sendo prerrogativa do juiz aplicar o quantum, para as causas de

aumento e diminuição previstas tanto na Parte Geral como na Parte Especial. O

que difere a qualificadora das causas de aumento e diminuição de pena, é que a

pena já se encontra cominada.

Acrescenta Jesus135:

A expressão “causa facultativa” de redução de pena, aliada aotermo “pode” empregado pelo CP nas disposições que a contêm,não indica poder o juiz reduzir ou não a sanção penal, segundoseu puro arbítrio, não obstante a presença das circunstânciasexigidas. Se estas se mostrarem presentes, a redução éobrigatória, reservando-se ao juiz a tarefa de determinar oquantum da diminuição.

Jesus136 afirma:

[...] entendemos que existe diferença entre elas. Quando a normapenal prevê uma causa de aumento de pena na descrição doscrimes, não menciona expressamente o mínimo e o máximo: dizque a pena é aumentada de um a dois terços, de um sexto atémetade, de um terço, de metade, o dobro etc. [...] Quando, porém,trata-se de uma qualificadora propriamente dita, o Código,aumentando a pena, comina o mínimo e o máximo.

O art. 14 da Lei nº 9.807, de 13-8-99, que instituiu o

programa de proteção às testemunhas, criou, para todos os ilícitos penais, uma

causa especial de diminuição de pena, denominada na doutrina de delação

premiada ou colaboração voluntária, impondo, em caso de condenação, a redução

da pena de um a dois terços para o indiciado ou acusado que colaborar

voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação

135 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 579.136 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 580.

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dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e

na recuperação total ou parcial do produto do crime137.

Havendo concurso de causas de aumento e diminuição de

pena, prepondera a reincidência, os motivos determinantes do crime e da

personalidade do agente, sobre as demais, conforme se extraí do § único do artigo

68, Código Penal:

Art. 68. A pena base será fixada atendendo-se ao critério do art.

59 deste Código; em seguida serão consideradas as

circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de

diminuição e de aumento.

Parágrafo Único. No concurso de causas de aumento ou de

diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se, a um

só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a

causa que mais aumente ou diminua.

Analisadas as causas de aumento e diminuição de pena,

encerra-se a pesquisa sobre a aplicação da pena, verificando-se casa uma das

três fases da dosimetria, dando-se prosseguimento à monografia com o estudo

específico da reincidência, tema este afeto ao capítulo que segue.

137 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. p. 444.

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Capítulo 3

REINCIDÊNCIA E SEUS EFEITOS NA APLICAÇÃO DA PENA

3.1 REINCIDÊNCIA

3.1.1 Etimologia e breves apontamentos históricos sobre a origem e a

evolução geral do instituto

Procedendo-se a análise etimológica da palavra

“reincidência”, verifica-se que ela possui origem latina, traduzindo-se como

“incorrer”, podendo ser considerada também como “acontecer”, “ocorrer”. O

prefixo “re” extraído do latim “incidere” tem o condão de resolver a problemática

vernacular pertinente à reiteração, posto que significa “incorrer outra vez”138.

Assim sendo, pode-se afirmar que a reincidência, segundo

análise eminentemente gramatical, consiste no ato de reincidir, ou seja, de repetir

a mesma coisa139.

Entretanto, transportada para o Direito Penal, a reincidência

traduz-se em termo técnico, posto que contemplada expressamente pelo

legislador. É somente com relação à esta concepção que se passará ao estudo

histórico pertinente à sua origem e evolução geral, precedentes à sua previsão no

ordenamento jurídico brasileiro.

138 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 285.139 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 285.

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Muito embora alguns poucos doutrinadores identifiquem a

origem dos primeiros delineamentos da reincidência nas próprias passagens

bíblicas140, aduzindo que seu surgimento é muito mais antigo, a maioria dos

juristas confere ao Direito Romano o berço do referido instituto.

Segundo Falconi141, “foi no Direito Romano, e também no

germânico, onde a reincidência aparece pela primeira vez”. Entretanto, ressalta o

mesmo autor:

[...] que é necessário deixar claro que os institutos vindos daancestralidade, a exemplo de tantos quantos tenham atravessadoo tempo, surgem com uma série infindável de imperfeições que otempo se incumbe de corrigir. Assim, aceita-se a informação deque o instituto deita raízes no Direito Romano142.

Também atento às diferenças apresentadas entre a

reincidência verificada no Direito Romano e a contemporaneamente prevista na

legislação penal, Bruno143 destaca que, muito embora ela também se traduzisse

em condição influente no destino do réu, as conseqüências a que conduzia não

são extraídas de forma clara dos textos históricos.

Bruno144 aprofunda o estudo histórico consignando que, no

Direito Romano:

[...] como no Direito germânico medieval e no canônico, areincidência fazia agravar a pena só para certos crimes. A suainfluência, no Direito intermediário, era sobretudo admitida no furto,punido com a morte à terceira repetição. Aliás, nessa fase doDireito, sob o regime das penas arbitrárias, não era tão sensível a

140 A exemplo de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr,Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes (Trad.). 6. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 405 ao indicar aspassagens bíblica de Levítico, 26:14-38..141 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 285.142 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 285.143 BRUNO, Aníbal. Direito penal, Tomo III, p. 112.144 BRUNO, Aníbal. Direito penal, Tomo III, p. 113.

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importância dos dispositivos sobre a reincidência, livre comoestava o juiz de aplicar a cada caso a pena que entendesse,dentre as legalmente previstas.

Muito embora se possa apontar as origens históricas da

reincidência ao Direito Romano, é certo afirmar que referido instituto somente

tomou contornos definitivos com o advento do Código Penal Francês, no ano de

1810145.

Tendo entrado em vigor na data de 12 de fevereiro do

referido ano, o Código Penal Francês contemplou a reincidência de forma

expressa em seu ordenamento, dispondo, no artigo 56, que:

Art. 56. Quem, depois de ser condenado à uma pena aflitiva einfamante, ou somente infamante, comete um segundo crimetendo como pena principal e pena de reclusão criminal ao tempode dez a vinte anos, será condenado ao máximo da pena, aquela,também, poderá ser elevada ao dobro.

Após essa previsão expressa, ao longo das décadas que se

seguiram, o instituto da reincidência passou a ser adotado na legislação de

diversos países como circunstância capaz de agravar a pena aplicada ao infrator

na norma adjetiva penal, inclusive no Brasil.

O estudo da origem e evolução do tratamento legal

dispensado à reincidência pela legislação brasileira será objeto de estudo do item

que segue, encerrando-se a análise histórica do instituto com os apontamentos

supra consignados, os quais não se revestem do objetivo de encerrar a matéria,

mas de, tão-somente, oferecer um panorama introdutório geral.

145 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 285.

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3.1.2 Origem e evolução no direito brasileiro

Originariamente, a reincidência, na legislação brasileira,

remonta ao Código Criminal do Império, de 1830, que a previu, mais

especificamente em seu artigo 16, parágrafo terceiro.

Segundo Falconi146, neste dispositivo legal, “o legislador

conceituou a reincidência específica como forma de agravação da pena”, ou seja,

somente seria considerado reincidente aquele que tivesse sido condenado pela

prática de crime da mesma natureza do qual se estava aplicando a pena.

Muito embora o legislador de 1830 tenha consagrado a

reincidência somente na sua forma específica, não definiu expressamente qual o

alcance da expressão “delito da mesma natureza”, tendo essa regra perdurado até

o ano de 1890, quando entrou em vigor o Código Penal Brasileiro.

A redação dada por referido diploma normativo não foi bem

recepcionada pelos juristas, posto que, conforme destaca Prado147, enquanto o

“Código Penal 1830 não definia a expressão ‘delito da mesma natureza’, o

diploma de 1890 o fez em termos excessivamente restritos – ‘como tal entende-se,

para efeitos da lei penal, o que consiste na violação do mesmo artigo (art. 40)”.

Apesar das críticas dos doutrinadores a essa conceituação

excessiva e limitadora, a regra prevista no artigo 40 do Código Penal de 1890

continuou a vigorar até o ano de 1940, quando foi então aprovado o Código Penal

Brasileiro que se encontra em vigor até os dias atuais e alterou substancialmente

aquele dispositivo legal.

146 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 286.147 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 526.

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Em sua redação original, o Código Penal de 1940, muito

embora tenha acolhido, ao lado da reincidência específica, também a sua forma

genérica148, conceituou no § 2º, do seu artigo 46, os crimes da mesma natureza,

como “os previstos no mesmo dispositivo legal, bem como os que, embora

previstos em dispositivos diversos, apresentam, pelos fatos que os constituem ou

por seus motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns”.

Nesse período, verifica-se, portanto, que, segundo as regras

ditadas pela legislação brasileira, a reincidência seria incidente tanto na sua forma

específica, ou seja, quando o criminoso praticasse um crime da mesma natureza

daquele ao qual já havia sido condenado, bem como na sua forma genérica,

quando os delitos fossem diferentes, prevendo, para esta última hipótese,

“conseqüências agravantes menores do que a específica”149.

Destaca-se, ainda, que a reincidência perpetuava-se no

tempo, haja vista que não havia qualquer limite acerca do interregno entre a data

da condenação e o novo delito.

O regime jurídico pertinente à reincidência foi alterado no

ano de 1977, por intermédio da Lei nº 6.416, que a disciplinou de forma diversa da

até então.

De acordo com Prado150, a Lei nº 6.416/77 alterou

substancialmente a disciplina da reincidência, extinguindo-a na sua forma

específica e limitando no tempo os efeitos da condenação anterior, de forma a não

148 “[...] fala-se em reincidência genérica, que se conceitua como o cometimento de um delito,depois de ter sido o agente condenado e submetido a pena por outro delito, enquanto se denominade reincidência específica a que exige a prática de um novo delito igual, ou da mesma categoria,daquele pelo qual sofreu anterior condenação” (ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, JoséHenrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001, p. 837).149 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte gera, p. 838.150 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 526.

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estigmatizar perpetuamente o condenado. Segundo referido autor, após a entrada

em vigor dessa lei:

[...] adotou-se o sistema da temporariedade, de forma que a partirdesse diploma deixou de prevalecer a condenação anterior, paraefeito de reincidência, se decorrido período superior a cinco anosentre a data do cumprimento ou da extinção da pena e a dainfração posterior.

Após as modificações da referida lei, que alteraram a

redação do Código Penal de 1940, foi criada, em 27 de novembro 1980, uma

comissão de juristas151 para o fim de reformar a parte geral da lei adjetiva penal.

O projeto de autoria dessa comissão foi convertido em lei no

ano de 1984, pela Lei nº 7.209, de 11 de julho, que se encontra em vigor até os

dias atuais, entretanto, as disposições legais pertinentes à reincidência no Brasil

não sofreram modificações, estando de forma geral dispostas da seguinte forma,

nos artigos 63 e 64, ambos do Código Penal:

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novocrime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ouno estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.Art. 64 - Para efeito de reincidência:I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data documprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiverdecorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computadoo período de prova da suspensão ou do livramento condicional, senão ocorrer revogação;II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos

Feita essa análise histórica e evolutiva da reincidência na

legislação brasileira e alcançada a regulamentação atualmente em vigor, dá-se

151 Composta por Miguel Reale Júnior, Hélio Fonseca, Francisco Assis Toledo, Francisco SerranoNeves, entre outros.

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prosseguimento à pesquisa com o estudo dos fundamentos e tratamento legal

contemporâneo do instituto.

Ressalta-se, entrementes, que se encontram dispositivos

legais pertinentes à reincidência em legislações especiais brasileiras152, as quais

se relega a análise para o derradeiro item do presente sub-título, quando se

abordará a influência do instituto na aplicação da pena.

3.1.3 Tratamento legal contemporâneo e fundamentos a Reincidência

A reincidência encontra seu fundamento no princípio da

individualização da pena, prevista no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, determinando que o magistrado, “nos

ditames que a lei lhe impõe, terá que efetuar a tarefa de ajustar uma resposta

penal a conduta do infrator, devendo para tanto observar as circunstâncias

objetivas e, principalmente a pessoa do denunciado”153.

O Código Penal Brasileiro, em nenhum de seus dispositivos,

contempla um conceito de reincidência, limitando-se a determinar o momento em

que o instituto se verifica, conforme se depreende da redação do seu artigo 63, já

transcrito anteriormente.

Desta feita, é somente na doutrina que se pode extrair o

conceito deste instituto. Segundo Capez154, a reincidência pode ser conceituada

como "a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por

crime anterior, em sentença transitada em julgado".

152 A exemplo da Lei dos Crimes Hediondos, entre outras.153 BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 35 ed.atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2005.154 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 434.

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Já para Jesus155, o termo reincidência “deriva de recidere,

que significa recair, repetir o ato. Reincidência é, em termos comuns, repetir a

prática do crime”.

Pode-se afirmar, em termos gerais, que, tal qual regulada

hodiernamente pelo legislador, a reincidência é verificada quando o agente pratica

um novo crime após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória pela

prática de crime anterior, proferida no país ou mesmo no exterior, de acordo com o

artigo 63 do Código Penal Brasileiro, transcrito anteriormente.

De acordo com o tratamento legal contemporâneo, não mais

se exige que o agente tenha efetivamente cumprido a sanção penal que lhe foi

imposta na sentença condenatória irrevogável para que se verifique a reincidência,

ou seja, o legislador optou pela reincidência ficta.

Zaffaroni e Piarangeli156 apontam as distinções entre a

reincidência ficta e a reincidência real da seguinte forma:

Reincidência ficta [...] consiste na prática de outro delito depois deter sido condenado por outro, [...] reincidência real [...] consiste nocometimento de um delito depois de ter sido condenado e “sofridoa pena”, por um delito anterior.

A adoção da reincidência ficta pelo Código Penal Brasileiro é

alvo de discussão doutrinária, principalmente quando comparada à legislação

estrangeira, conforme se extrai da lição de Bruno157:

Discute-se, na doutrina, se deveria exigir-se, para se falar emreincidência, que o agente tenha realmente sofrido a execução dapena anterior ou se deve bastar, como em nosso Código e no

155 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 554.156 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 837.157 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense. tomo III, 1967, p. 118.

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italiano, a simples condenação, em sentença irrevogável, mesmaque a pena não se tenha cumprido. A resistência do indivíduo àadvertência da pena e, portanto, a irredutibilidade de sua vontaderebelde, argumenta-se, seria mais evidente se ele tivesserealmente experimentado o tratamento penal, sofrendo, pelomenos em parte, a sanção que lhe foi aplicada. Só então sepoderia afirmar, com toda a propriedade, a insuficiência da penaanterior, o que era argumento sobretudo daqueles que nessainsuficiência viam o fundamento da agravação penal. Execução dapena no todo ou em parte exige o Código suíço, do mesmo modoque o alemão. A posição de códigos como o nosso e o italiano émais severa, refletindo um espírito de punição mais rigoroso.

Apesar das críticas à reincidência ficta, segundo a legislação

atualmente em vigor no Brasil, não se exige que o agente tenha efetivamente

cumprido a sanção que lhe foi imposta na sentença transitada em julgado

referente ao crime anterior, bastando a existência desta última.

Destaca-se, ainda, que a lei brasileira exige que o trânsito

em julgado na sentença condenatória, para fins de reincidência, tenha se dado

anteriormente à prática do novo delito. Caso contrário, não se configurará referida

agravante.

Nesse sentido, explica Mirabete158 nos seguintes termos:

[...] para que ocorra a reincidência, com a conseqüente agravaçãoda pena a ser imposta ao autor de determinado crime, énecessário que já tenha transitado em julgado uma sentençacondenatória contra ele proferida no país ou no estrangeiro, poroutro crime (crime antecedente). É possível, pois, que o agente játenha sido condenado anteriormente por outro ilícito penal e nãose reconheça na aplicação da pena do delito posterior areincidência: basta que a condenação anterior tenha sido impostaem sentença que transitou em julgado após o cometimento dosegundo crime.

158 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 301.

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Exige-se, portanto, que tenha transitado em julgado a anteriorsentença condenatória antes do cometimento do segundo crime.Não se caracteriza a reincidência, assim, se, na ocasião da práticado novo crime, estiver pendente de julgamento qualquer recursosobre o delito anterior, inclusive o extraordinário.

Também há de se ressaltar que, de acordo com a legislação

atualmente em vigor, não há qualquer distinção quanto à natureza dos crimes

cometidos pelo agente, excetuando-se somente os crimes militares próprios e os

crime políticos, de acordo com o inciso II, do artigo 64 do Código Penal Brasileiro.

Dessa forma, não importa a natureza do crime antecedente

e subseqüente, “caracterizando-se a reincidência entre crimes dolosos, culposos,

doloso e culposo, culposo e doloso, idêntico ou não, apenado com pena privativa

de liberdade ou multa, praticado no país ou no estrangeiro”159.

Feita essa análise geral do tratamento legal contemporâneo

dispensado pelo legislador à reincidência, pode-se dizer que para que esta se

configure, é necessário o preenchimento de dois pressupostos distintos, quais

sejam:

a) a existência de sentença penal condenatória transitada

em julgado no Brasil ou no exterior pela prática de crime

e não de contravenção, que não seja propriamente militar

ou político e

b) a prática da infração nova se dê após o trânsito em

julgado da condenação anterior, sem superar o limite

máximo de cinco anos contado da data efetiva do

cumprimento ou da extinção da pena aplicada ao crime

precedente.

159 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 302.

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Alcançada essa conclusão, passa-se a perquirir sobre os

fundamentos que alicerçam a reincidência.

Zaffaroni e Pierangeli160, ao discorrerem sobre qual seria o

fundamento da circunstância agravante da reincidência, informam que a resposta

oferecida pela doutrina “não é, de modo algum, unitária nem coerente”, de forma

que sistematizaram as principais respostas encontradas, alcançando um número

total de cinco, entretanto, face aos limites metodológicos impostos à presente

pesquisa, dar-se-á enfoque somente aos dois fundamentos que mais se

destacam.

Um dos dois fundamentos mais difundidos pela doutrina

consiste naquele que entende ser a reincidência um demonstrador de maior

periculosidade da pessoa, o que justificaria o agravamento da pena.

Para os doutrinadores os supra mencionados161, este

posicionamento doutrinário se demonstra totalmente equivocado e é

“conseqüência da penosa recepção do positivismo perigoso a América Latina”,

argumentando que:

[...] excluído de que o conceito de periculosidade não secompagina com o de pessoa, ou, pelo menos, não parece ser issode todo compatível, se por periculosidade se entende uma maiorpossibilidade de cometer um delito, de modo algum se podeafirmar isso na reincidência, particularmente na reincidência “ficta”ou genérica. Nada faz presumir ser mais provável que venha apraticar um delito de emissão de cheque sem provisão de fundos,quem antes causou um homicídio culposo com o seu veículo, doque aquele que nada fez até então. Por outro canto, tampouco secompreende ser mais provável que alguém venha a cometer umdelito, porque foi intimado, dias antes, de uma sentença

160 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 838.161 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 838.

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condenatória definitiva, quando, por qualquer inconvenienteburocrático, poderia vir a ser intimado uns dias após, e, portanto,não tivesse transitado em julgado essa sentença, quando daprática do segundo delito162.

Apesar dessas críticas supra transcritas, há doutrinadores

que defendem ser fundamento da reincidência o fato de que ela indica uma maior

periculosidade do agente, o que justifica o agravamento da pena. São os adeptos

da teoria da “periculosidade presumida”, a exemplo de Fernandes e Fernandes163,

para quem a reincidência “demonstra a marcante periculosidade de delinqüente

que, sem qualquer constrangimento, entram, saem e retornam às prisões [...] por

absoluta carência de qualquer sentimento de culpa ou arrependimento”.

Quanto ao segundo fundamento da reincidência de maior

destaque, trata-se da denominada “teoria normativa da culpabilidade” segundo a

qual “se a condenação anterior não foi suficiente para reforçar os mecanismos de

contramotivação do autor, faz-se necessário reforçar a condenação pelo segundo

delito”164.

Referida teoria também é alvo de severas críticas por parte

de alguns doutrinadores, a exemplo de Falconi165, para quem:

[...] se a primeira pena se mostrou “ineficaz”, não há de ser aexacerbação da segunda que a transformará em “eficaz”.Redundante é o equívoco de pensar que o agravamento da penapoderá, de alguma forma, intimidar o delinqüente. Não é esta amelhor terapia. Aliás, tem-se revelado a pior. O sistema das penastem-se demonstrado refratário ao bom caminho daressocialização.

162 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 838-839.163 FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. 2. ed. ver., atual., e ampl.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 345.164 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 839.165 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, p. 287.

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Esse é, também, o posicionamento de Zaffaroni e Pierange-

li166, que não vêem como certa a adoção da teoria normativa da culpabilidade

como fundamento da reincidência. Para os autores, “esta teoria esquece que a

mera notificação de uma condenação, sem qualquer cumprimento de pena, não

pode contramotivar a ninguém, ressalvada a hipótese de se lhe atribuir efeitos

mágicos”.

E complementam que,

[...] nem mesmo uma regulação da reincidência “real”, ou seja, queexija o efetivo cumprimento da pena, pode-se afirmar estaconseqüência, posto que sabe-se que a pena, muifreqüentemente, não é contramotivadora, mas precisamentemotivadora, ou seja, condicionante da assunção dop rol ou papeldesviado do sujeito167.

Como se pode notar, ambas as teorias que servem de

fundamento para a reincidência são alvo de críticas ferrenhas por parte de alguns

doutrinadores, como por exemplo, Falconi, Zaffaroni e Pierangeli, os quais

entendem ser incabível o agravamento da pena ao delito praticado pelo simples

fato de existir uma condenação definitiva anterior pela prática de outro crime que

com este em nada se relacione.

Principalmente após a promulgação da Constituição da

República Federativa do Brasil, em 1988, tomou corpo o entendimento de que o

instituto da reincidência e o conseqüente agravamento da pena decorrente da sua

caracterização não têm compatibilidade com os princípios do direito penal de

garantias.

166 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 839.167 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 839.

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Passou-se a cogitar e defender, inclusive, que a reincidência

não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, matéria esta que, pela

relevância e correlação com o tema escolhido no presente estudo, será objeto de

análise no item que segue.

3.2 A PROBLEMÁTICA SOBRE A RECEPTIVIDADE DA REINCIDÊNCIA APÓS

A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL DE 1988 E O PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM

Como é consabido, a Constituição de um país se apresenta

hierarquicamente superior às demais leis vigentes e, portanto, todas as normas

infraconstitucionais devem, obrigatoriamente, ser criadas e interpretadas à luz dos

preceitos ditados pelo legislador constitucional.

A sedimentação da supremacia da norma constitucional

somente ocorreu no século XVIII, como resultado do movimento constitucionalista

ocorrido à época, que deu origem ao denominado Estado Constitucional168.

A partir de então, todas as leis que não tivessem natureza

constitucional, passaram a dever reverência à Constituição em vigor, posto que

esta foi colocada em posição hierarquicamente superior. Desta forma, como bem

ressalta Freitas169, “o processo de interpretação da Lei Maior, almejando conferir-

lhe vida e realidade marcadamente axiológica, apresenta-se, com certeza, como o

núcleo e a parte mais fascinantes do direito constitucional”.

168 COUTINHO, Adriana Rocha de Holanda. A importância dos princípios constitucionais naconcretização do direito privado. In LOTUFO, Renan. (Coord.) Direito civil constitucional: caderno3. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 59-92, p. 60.169 FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à constituição: preceitos de exegeseconstitucional. In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (Orgs.). Direitoconstitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, 2001, p. 226-248, p. 226.

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A atividade interpretativa da Constituição demonstra-se,

algumas vezes, como tarefa não tão simples, de modo que, em todos os ramos do

Direito já se identificaram acirradas discussões sobre a “constitucionalidade” de

certos institutos jurídicos e dispositivos legais, que acontecem cada vez que nova

Lei Maior entra em vigor no país, inclusive no campo do Direito Penal.

O mesmo ocorreu com o instituto da reincidência, ora objeto

de estudo no presente trabalho, cuja constitucionalidade passou a ser questionada

e discutida após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, mormente frente aos preceitos ditados pelo princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana.

Ainda, destaca-se que, segundo entendimento encontrado na

doutrina, o agravamento da pena em decorrência da reincidência fere o princípio

do non bis in idem, o qual proíbe a dupla incriminação de uma pessoa pelo mesmo

fato.

Esse impedimento de punição do mesmo agente pela prática

do mesmo delito repousa raízes muito antigas, mesmo “centenárias”170,

entretanto, ressalta-se, pela importância do texto normativo, que foi

expressamente consignada quando da celebração do Pacto de São José da

Costa Rica, ou Convenção Americana de Direitos Humanos, que já data de 22 de

novembro de 1969.

A adoção expressa das determinações ditadas na

Convenção Americana de Direitos Humanos somente ocorreu no Brasil com o

Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, entretanto, muito dos preceitos lá

ditados fizeram parte integrante do Texto Constitucional de 1988, entre os quais

se insere o princípio do non bis in idem.

170 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 840.

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O fundamento de alguns juristas para sustentar a não

receptividade do instituto da reincidência se dá no fato de que entendem estar

punindo-se duplamente o infrator reincidente da lei penal ao agravar a pena de

outro crime, que com o antecedente em nada se relaciona.

É o que se entrai dos apontamentos consignados por

Falconi171, que é enfático ao afirmar:

Penso mesmo que a reincidência, como fator de agravamento depena, implica em escancarada prática de “bis in idem”. Afinal, irbuscar subsídios numa outra conduta já consumada (consumadaaqui no sentido gramatical) e julgada, com sentença condenatória– indiferente à categoria da sanção aplicada – para o fim deexacerbar a pena, é mesmo uma heresia. Aquele que contraiuuma “dívida” e, posteriormente dela se viu livre – de qualquerforma é indiferente -, não pode ter contra si qualquer forma deacréscimo se, por acaso, vier a contrair outra dívida. É assim emtodos os setores da atividade humana, e o Direito Penal não podeter o condão de alterar algo que pertence ao jus naturalis.

Zaffroni e Pierangeli172 seguem esse mesmo norte, para

quem:

[...] em toda agravação de pena pela reincidência existe umaviolação do princípio non bis in idem. A pena maior que se impõena condenação pelo segundo delito decorre do primeiro, pelo quala pessoa já havia sido julgada e condenada.

Entretanto, apesar destas críticas, prevalece o posiciona-

mento de que o agravamento da pena pela reincidência não ofende o princípio do

non bis in idem porque o aumento se fundamenta na condenação anterior e não

propriamente no crime antecedente.

171 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. p. 287.172 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 840.

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Mas, para os autores supra mencionados, esse argumento

não passa de verdadeiro “jogo de palavras, uma vez que a condenação anterior

decorre de um delito, e é uma conseqüência jurídica do mesmo”. Assim, ao

“obrigar a produzir seus efeitos num novo julgamento, de alguma maneira se

estará modificando as conseqüências jurídicas de um delito anterior”173.

Concluem, desta feita, “que a agravação pela reincidência

não é compatível com os princípios de um direito penal de garantias, e a sua

constitucionalidade é sumamente discutível”174.

Maia Neto175 compartilha desse posicionamento, aduzindo

que:

O instituto da reincidência é polêmico e incompatível com osprincípios reitores do Direito Penal democrático e humanitário, umavez que a reincidência na forma de agravante criminal configuraum plus para a condenação anterior já transitada em julgado.Quando o Juiz agrava a pena na sentença posterior, está, emverdade, aumentando o quantum da pena do delito anterior, e nãoelevando a pena do segundo crime.

A crítica também pode ser extraída das lições de Copetti176,

que afirma: "ao aumentar-se a pena do delito posterior pela existência da

circunstância agravante da reincidência, em realidade se está punindo novamente

a situação anterior já sentenciada”.

Entretanto, a oposição ao agravamento da pena decorrente

da reincidência, conforme já mencionado, não se dá somente sob o argumento de

173 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 840.174 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral, p. 841.175 MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos humanos dos presos: lei de execução penal, Lei nº7.210/84. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 147.

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que esta ofende o princípio do non bis in idem, mas também, porque não estaria

de acordo com os preceitos ditados com o princípio da dignidade da pessoa

humana, que foi expressamente adotado pela Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido posiciona-se Ferrajoli177, para quem a

reincidência, ao agravar a pena do delito posterior, ofende os ditames do princípio

da dignidade da pessoa humana em virtude de que pune o homem por “aquilo que

ele fez, e não por aquilo que ele é”, complementando que:

[...] o Estado, além de não ter o direito de obrigar os cidadãos anão serem ruins, podendo somente impedir que se destruam entresi, não possui, igualmente, o direito de alterar – reeducar, redimir,recuperar, ressocializar etc. – a personalidade dos réus. O cidadãotem o dever de não cometer fatos delituosos e o direito de serinternamente ruim e de permanecer aquilo que é.

Mas, apesar da propriedade dos argumentos consignados

pelos juristas adeptos da teoria de que a reincidência não se coaduna com os

preceitos ditados pela Constituição Federal e não teria sido por ela recepcionada,

ainda prevalece, quase que em caráter absoluto, o entendimento que segue o

norte contrário, mormente quando analisada a jurisprudência brasileira.

A única decisão proferida por Tribunais Superiores de que

se tem notícia a adesão a essa corrente doutrinária foi proferida em 11 de agosto

de 1999, quando do julgamento a Apelação Criminal de nº 699.291.050 pela 5ª

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que figurou

como Relator o Desembargador Amílton Bueno de Carvalho.

176 COPETTI, André. Direito penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2000, p. 194.177 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, p. 179.

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Neste acórdão, o Relator, ao citar a decisão monocrática

proferida pelo juiz Mauro Evely Vieira de Borba quando da decisão objeto do

recurso, que foi adotada integralmente como suas razões de decidir, consignou:

No nosso Código Penal, a reincidência, além de agravar a pena do(novo) delito, constitui-se em fator obstaculizante de uma série debenefícios legais, tais como a suspensão condicional da pena, oalongamento do prazo para o deferimento da liberdadecondicional, a concessão do privilégio do furto de pequeno valor,só para citar alguns. Esse duplo gravame da reincidência éantigarantista, sendo, à evidência, incompatível com o EstadoDemocrático de Direito, mormente pelo seu componenteestigmatizante, que divide os indivíduos em aqueles-que-aprenderam-a-conviver-em-sociedade e aqueles-que-não-aprenderam-e-insistem-em-continuar delinqüindo178.

Referida decisão foi inédita e encontra-se isolada na

jurisprudência nacional, prevalecendo, portanto, nos Tribunais Superiores, a

concepção de que a reincidência e os efeitos dela decorrente em nada ofendem a

ordem constitucional estabelecida em 1988.

Esse é o mesmo entendimento de Mirabete179, defendendo

que, ao contrário dos argumentos consignados nessas críticas, quando verificada

a reincidência:

[...] a exacerbação da pena justifica-se plenamente para aqueleque, punido, anteriormente, voltou a delinqüir, demonstrando comsua conduta criminosa que a sanção normalmente aplicada semostrou insuficiente para intimidá-lo ou recuperá-lo. Há, inclusive,um índice maior de censurabilidade na conduta do agente quereincide.

Destacada a existência desses questionamentos sobre a

recepcionalidade ou não da reincidência pela Constituição Federal de 1988 e

178 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 5ª Câmara Criminal. Apelação Criminal de nº699.291.050. Rel.: Dês. Amílton Bueno de Carvalho, j. 11.08.1999.179 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. p. 301.

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sobre possível ofensa ao princípio do non bis in idem e, principalmente, ressaltada

a prevalência do entendimento que defende a aplicabilidade das conseqüências

da reincidência, encerra-se este ítem com os apontamentos consignados posto

que o objetivo da pesquisa aqui realizada não é dirimir essa celeuma.

Do estudo efetuado neste ítem denota-se que a questão

aqui exposta ainda carece de pesquisas, debates e investigações mais profundas

e a solução dos conflitos de posicionamentos doutrinários, ainda se encontra

distante de uma pacificação.

Desta feita, dá-se prosseguimento à pesquisa com a análise

específica da influência da reincidência na dosimetria da pena e os demais efeitos

dela decorrentes de acordo com a legislação penal brasileira atualmente em vigor.

3.3 A INFLUÊNCIA DA REINCIDÊNCIA NA DOSIMETRIA DA PENA E OUTROS

EFEITOS DAQUELA DECORRENTES

Conforme já mencionado anteriormente em diversas

oportunidades ao longo da presente pesquisa, a reincidência, uma vez

caracterizada, influi na dosimetria da pena na medida em que consiste em uma

circunstância agravante, nos termos ditados pelo legislador no artigo 61, inciso I,

do Código Penal Brasileiro.

Ou seja, preenchidos os requisitos legais e verificado que o

agente é reincidente na prática de crime ou contravenção, a pena aplicada ao

novo delito deve ser agravada, de acordo com o critério do magistrado,

respeitados os limites legais.

Entretanto, há que se ressaltar ainda, sobre a influência da

reincidência na dosimetria da pena que, havendo mais de uma circunstância

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agravante ou atenuante a ser considerada, àquela pertinente à reincidência é

preponderante sobre as demais, juntamente com aquelas que resultem dos

motivos determinantes do crime e da personalidade do agente, nos termos do

artigo 67 do Código Penal, que estabelece:

Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deveaproximar-se do limite indicado pelas circunstânciaspreponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dosmotivos determinantes do crime, da personalidade do agente e dareincidência.

Além dessa influência na dosimetria da pena, no sentido de

agravar a punição imposta ao agente pela prática de determinado delito, a

reincidência possui outros numerosos efeitos de acordo com a legislação

brasileira.

Um desses efeitos consiste no impedimento de concessão

da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito ou

multa, na hipótese de crime doloso, nos termos das determinações ditadas nos

artigos 44, inciso II, 60, § 2º, todos do Código Penal, que estabelecem,

respectivamente:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas esubstituem as privativas de liberdade, quando:[...]II - o réu não for reincidente em crime doloso;

Art. 60. Na fixação da pena de multa o juiz deve atender,principalmente, à situação econômica do réu.[...]§ 2º A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis)meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critériosdos incisos II e III do art. 44 deste Código.

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A concessão da suspensão condicional da pena também

poderá sofrer o efeito da reincidência, conforme prevê o Código Penal:

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos,desde que:I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

A reincidência também tem como resultado a revogação

obrigatória do sursis nos casos de condenação por crime doloso e revogação

facultativa em hipótese de crime culposo ou contravenção, nos termos das

disposições expostas, respectivamente, nos artigos 81, inciso I e seu parágrafo §

do Código Penal:

Art. 81. A suspensão será revogada se, no curso do prazo, obeneficiário:I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso;[...]§ 1º A suspensão poderá ser revogada se o condenadodescumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmentecondenado, por crime culposo ou por contravenção, a penaprivativa de liberdade ou restritiva de direitos.

Também acarretará a revogação obrigatória do livramento

condicional quando sobrevier condenação em pena privativa de liberdade, ou

revogação facultativa se imposta outra modalidade de pena ao crime ou

contravenção, conforme artigos 86, inciso I e 87, ambos do Código Penal:

Art. 86. Revoga-se o livramento, se o liberado vem a sercondenado a pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível:I - por crime cometido durante a vigência do benefício;

Art. 87. O juiz poderá, também, revogar o livramento, se o liberadodeixar de cumprir qualquer das obrigações constantes dasentença, ou for irrecorrivelmente condenado, por crime oucontravenção, a pena que não seja privativa de liberdade.

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Outro efeito da reincidência previsto no Código Penal

Brasileiro consiste no aumento do prazo de cumprimento da pena para obtenção

do livramento condicional, se a condenação anterior transitada em julgado referir-

se a crime doloso, conforme a letra do artigo 83, incisos I e II, a saber:

Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional aocondenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2(dois) anos, desde que:I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não forreincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente emcrime doloso

A reincidência também se reveste do efeito de não permitir

que, para a pena aplicada ao crime subseqüente, seja estabelecido o regime

inicial de cumprimento no sistema aberto ou semi-aberto, salvo quando se tratar

de pena de detenção, a teor das regras previstas no artigo 33, § 2º, alíneas b e c:

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regimefechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regimefechado.[...]§ 2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas emforma progressiva, segundo o mérito do condenado, observadosos seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferênciaa regime mais rigoroso:b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4(quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio,cumpri-la em regime semi-aberto;c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4(quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

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Produz efeitos igualmente na reabilitação, ocorrendo a

revogação desta em caso de reincidência, quando sobrevier condenação a pena

diversa da de multa, nos termos do artigo 95 do Código Penal:

Art. 95. A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimentodo Ministério Público, se o reabilitado for condenado, comoreincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.

Outros dois efeitos da reincidência consistem no aumento do

prazo prescricional previsto para a pretensão executória e na interrupção da

prescrição, em atendimento às determinações contidas nos artigos 100 e 117,

ambos do Código Penal, que estabelecem:

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentençacondenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazosfixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se ocondenado é reincidente.

Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:[...]VI - pela reincidência.

A reincidência também tem o condão de impedir que se

reconheça algumas causas de diminuição de pena em determinados crimes, a

exemplo do furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP), do estelionato privilegiado

(art. 171, § 1º, do CP) e da apropriação indébita privilegiada (art. 170, do CP).

Além do Código Penal Brasileiro, outras leis em vigor

também contemplam efeitos da reincidência como, por exemplo, o Código de

Processo Penal que, em seu artigo 323, inciso III, não permite a prestação de

fiança na hipótese de condenação anterior por crime doloso:

Art. 323. Não será concedida fiança:[...]

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III - nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade,se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, emsentença transitada em julgado;

As leis penais especiais também trazem, em seus conteúdos,

diversos efeitos para a reincidência. A enumeração é longa e pode ser encontrada

em muitos dispositivos legais, motivo pelo qual se transcreve o resumo desses

efeitos, destacados no estudo de Paula180, que enumera os seguintes:

a) aumenta de um terço até metade a pena de quem já foicondenado por violência contra a pessoa no caso de porte ilegalde arma (art. 19, § 1º, do Decreto-Lei n 3.688/41 - LCP) que nãoseja de fogo;b) integra o tipo da contravenção penal de ter consigo materialutilizado para furto, por quem já foi condenado por furto ou roubo(art. 25 do Decreto-Lei n 3.688/41 - LCP )c) impede que seja aplicada somente pena de multa em caso decrime de sonegação fiscal (art. 1º, § 1º, da Lei nº 4.737/65);d) impede a suspensão da pena, no caso de condenação pelosegundo crime de imprensa (art. 72, inciso II, da Lei nº 5.250/67)e) aumenta, do dobro ao quíntuplo, os valores das multasaplicadas pelas penalidades previstas no artigo 125 da Lei dosEstrangeiros (art. 126 da Lei nº 6.815/80)f) agrava a pena do crime contra a segurança nacional (art. 4º, I,da Lei n 7.170/83);g) impossibilita a transação penal nas infrações de menor potencialofensivo (art. 76, § 2º, I, da Lei nº 9.099/95);h) impede a suspensão condicional do processo (art. 89, caput, daLei nº 9.099/95);i) é qualificadora do crime de arma de fogo, prevista no § 3º, IV, doart. 10, da Lei nº 9.437/97, cuja redação é criticada pela doutrinapor estar mal situada geograficamente, num parágrafo que nostrês incisos anteriores a ela descreve condutas típicas;j) permite a aplicação de forma cumulada da penalidade desuspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo

180 PAULA, Áureo Natal de. Efeitos da reincidência de acordo com a doutrina. Disponível em<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4009>. Acesso em 22 maio. 2006.

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automotor com outra de outra natureza, em se tratando dereincidência em crimes de trânsito, previstos na Lei nº 9.503/97(art. 296);k) dobra as penas pecuniárias previstas na lei que estabelecenormas para as eleições (art. 90 da Lei nº 9.504/97);l) agrava a pena, quando não constituem ou qualificam os crimesde natureza ambiental (art. 15 da Lei nº 9.605/98);m) aumenta, pela metade, a pena no crime de emprego,desenvolvimento, fabricação, comercialização, importação,exportação, aquisição, estocagem, retenção ou transferência,direta ou indiretamente, de minas terrestres antipessoal noterritório nacional (art. 2º, § 2º, da Lei nº 10.300/01);n) pode triplicar o valor da multa no caso dos crimes contra omercado de capitais, artigos acrescidos na Lei nº 6.385, de 7 dedezembro de 1976, pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001.o) aumenta de um terço para a metade do tempo de cumprimentoda pena até 25 de dezembro de 2001, para a concessão do indultocondicional ao condenado à pena privativa de liberdade nãosuperior a seis anos (art. 1º, inciso I);p) aumenta de um terço para a metade do tempo de cumprimentoda pena até 25 de dezembro de 2001, para a concessão do indultocondicional ao condenado à pena privativa de liberdade superior aseis anos que, na referida data, tenha completado sessenta anosde idade (art. 1º, inciso II);q) aumenta de vinte para vinte e cinco anos a quantidade detempo de cumprimento ininterrupto da pena até 25 de dezembrode 2001, para a concessão do indulto condicional,independentemente da idade ou do total da condenação (art. 1º,inciso III);r) aumenta para um terço a quantidade de pena a estar cumpridaaté 25 de dezembro de 2001 como requisito para obter comutaçãode pena e, ao mesmo tempo, reduz a quantidade a ser comutadapara um quinto (art. 2º).

Muito embora longa, essa enumeração dos efeitos da

reincidência realizada neste item não é exaustiva, posto que não exclui a

existência de outras esparsas em legislações especiais, podendo-se claramente

perceber que as conseqüências da caracterização da reincidência são numerosas,

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sendo aplicáveis em diversas oportunidades, quando se verificar a existência de

condenação definitiva por crime anterior.

Fica evidente, pois, que esses efeitos ou conseqüências são

decorrentes da concepção do legislador no sentido de que, sendo o agente

reincidente, a reprovação de sua conduta é maior porque insiste no

comportamento anti-social, desrespeitando o convívio em comunidade, agindo,

pois, com uma carga maior de culpabilidade.

Assim sendo, seja com fundamento na idéia de que a pena

aplicada ao delito precedente foi insuficiente, seja porque a reiteração da conduta

indica maior periculosidade do autor, o fato é que a reincidência implica na

exasperação da pena na medida em que demonstra maior culpabilidade do

agente, pois se presume sua intensa consciência da ilicitude do ato.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho monográfico teve como objeto de estudo

o instituto da reincidência, mormente naquilo que tange à sua influência na

dosimetria da pena e aos demais efeitos decorrentes da sua caracterização.

Partindo desse objeto, fez-se necessário o desenvolvimento

de uma estrutura lógica entre os temas relacionados, percorrendo a pesquisa,

portanto, desde a análise do crime, do tipo penal, da criminologia, das diversas

fases da dosimetria da pena, até alcançar-se o estudo da reincidência de forma

específica. Portanto, o trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo, realizou-se uma abordagem introdutória

sobre o conceito de crime e sua evolução histórica até a concepção

contemporânea desta categoria. Foram destacadas as concepções material e

formal de crime, constatando-se que a primeira considera o crime como todo o

fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados

fundamentais para a vida em sociedade, ao passo que a segunda o considera

apenas como o fato típico e ilícito. Percebeu-se que a conceituação da categoria

crime não é pacífica na doutrina, assumindo especial relevância da definição dos

tipos penais, que consistem na descrição concreta da conduta proibida, o qual

deve ser preciso para que a ação seja bem identificada. Ainda, de forma sucinta,

realizou-se, igualmente, algumas considerações sobre a criminalidade,

verificando-se que esta se trata de um problema social e comunitário, posto que

prisão não vem se demonstrando como mecanismo eficaz na ressocialização do

indivíduo condenado, que volta a delinqüir.

O segundo capítulo destinou-se à abordagem específica da

dosimetria da pena, que consiste no momento que o juiz, diante do caso concreto,

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impõe ao indivíduo a sanção que espelha a reprovação estatal pelo crime

cometido. Trata-se da exteriorização do jus puniendi, na medida em que o Estado

responde ao criminoso e à sociedade, dizendo a pena aplicável àquele. Pôde-se

observar que a atividade de aplicação da pena está dividida, de acordo com a

legislação em vigor, em três fases distintas, devendo, em cada qual, serem

sopesados alguns aspectos e circunstâncias definidos pelo legislador. Neste

contexto, destacou-se cada uma dessas fases e as respectivas ponderações a

serem feitas na fixação da pena. Percebeu-se, ainda, que a reincidência deve ser

levada em consideração na segunda fase da dosimetria da pena, posto que

contemplada em lei como uma das circunstâncias agravantes.

No terceiro e último capítulo tratou-se, especificamente, da

reincidência. Primeiramente, se fez mister a análise etimológica do termo e o

estudo da sua evolução na história geral para, somente depois, identificar o

surgimento e desenvolvimento legislativo no Brasil. Constatou-se que a

reincidência possui origem no Direito Romano e evoluiu até os dias atuais, em que

é considerada como a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido

condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgado. Procedeu-se

um estudo, também, sobre a constitucionalidade da reincidência e a suposta

ofensa ao princípio do non bis in idem, concluindo-se que, embora haja corrente

doutrinária contrária a aplicação dos efeitos da reincidência sob a assertiva de que

esta não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, prevalece o

entendimento que segue o caminho inverso. Por fim, a pesquisa se concentrou no

estudo a influência da reincidência na dosimetria da pena e, ainda, nos efeitos

decorrentes de sua caracterização. O resultado da pesquisa revelou que, na

dosimetria da pena, a reincidência deve ser sopesada na segunda fase,

agravando a pena aplicada abstratamente ao delito. Quanto aos demais efeitos, o

estudo declarou a numerosidade destes, previstos não apenas nos Códigos penal

e processual penal, mas também em leis especiais esparsas.

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A seguir serão transcritos os problemas e hipóteses

apresentadas na introdução deste trabalho, realizando-se, na seqüência, a

respectiva análise de referidas hipóteses, com base no resultado da pesquisa,

sintetizado nos três capítulos desta Monografia.

Primeiro problema: Como pode ser conceituado o instituto

jurídico da reincidência e quais são os seus requisitos legais no ordenamento

jurídico atualmente vigente?

Hipótese:

A reincidência consiste em instituto jurídico previsto na

legislação penal brasileira com o objetivo de demonstrar a maior periculosidade do

agente infrator e, portanto, serve para apená-lo de forma mais intensa, tendo

como requisito legal a sentença penal condenatória pela prática de crime pretérito.

Análise da hipótese: A hipótese restou confirmada apenas

parcialmente, eis que a pesquisa revelou que o requisito da reincidência não se

resume à existência de sentença penal condenatória pela prática de crime

pretérito, sendo necessário, também, que essa sentença seja definitiva, ou seja,

tenha transitado em julgado e, ainda, que não se supere o limite máximo de cinco

anos, sob pena de perpetuar-se condição de reincidente no tempo.

Segundo problema:

Quais as determinações legais que regem a dosimetria da

pena no sistema penal brasileiro e de que forma é feito o cálculo para aplicação da

pena privativa de liberdade?

Hipótese:

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Segundo as determinações legais que regem a dosimetria da

pena no sistema penal brasileiro, o cálculo da pena deve ser efetuado em três

fases distintas e subseqüentes, as quais servem para individuar a pena prevista

abstratamente para o crime ao caso concreto.

Análise da hipótese: Esta hipótese restou confirmada,

acrescentando-se, apenas que o estudo revelou que a individualização da pena

tratar-se de exigência constitucional, prevista no artigo 5º, inciso XLVI da CF.

Terceiro problema:

Qual a influência da reincidência segundo os critérios

adotados na dosimetria da pena e os efeitos que dela decorrem?

Hipótese:

A reincidência exerce forte influência na dosimetria da pena

posto que agrava a quantidade da pena aplicada, além de que produz efeitos em

diversos outros aspectos pertinentes ao reincidente.

Análise da hipótese: Esta hipótese restou confirmada.

Conclui-se, após a realização deste estudo, que a presente

Monografia alcançou o seu propósito investigatório, eis que analisou

cientificamente as hipóteses previstas para os problemas acima mencionados.

Entretanto, o desenrolar das pesquisas feitas deixou clara a necessidade de maior

aprofundamento científico sobre o tema, posto que diversos nuances relativos à

reincidência não alcançaram pacificação doutrinária tampouco jurisprudencial, o

que pode ocasionar certa insegurança jurídica aos jurisdicionados.

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