48
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES AVM - FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU em EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE CRIANÇAS DE 2 A 5 ANOS Liliane Conceição Ferreira dos Santos ORIENTADORA: Profª Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2016

A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM - FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU em EDUCAÇÃO INFANTIL

E DESENVOLVIMENTO

A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA

NO LETRAMENTO DE CRIANÇAS DE 2 A 5 ANOS

Liliane Conceição Ferreira dos Santos

ORIENTADORA:

Profª Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2016

Page 2: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

AVM - FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU em EDUCAÇÃO INFANTIL

E DESENVOLVIMENTO

A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA

NO LETRAMENTO DE CRIANÇAS DE 2 A 5 ANOS

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial

da obtenção do grau de especialista em Educação Infantil e Desenvolvimento.

Por: Liliane Conceição Ferreira dos Santos

Rio de Janeiro

2016

Page 3: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

AGRADECIMENTOS

À Professora Celuta Reissmann pela oportunidade de viver essa realidade.

Page 4: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

DEDICATÓRIA

À minha família e aos amigos de trabalho que estiveram sempre ao meu lado.

Page 5: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

EPÍGRAFE

“Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”

Paulo Freire

Page 6: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

RESUMO

A pesquisa pretende levantar dados sobre a hipótese de o uso de

celulares e tablets estar influenciando o letramento de crianças, de zona sul, da

cidade do Rio de Janeiro.Tal hipótese surgiu da observação de que há um

número crescente de crianças, cada vez menores, que demonstram no espaço

escolar maior interesse por aprender a ler e escrever.Considerando que a

criança é um ser global, que deve ser estimulado nas diferentes áreas -

emocional, motora, social, cultural e cognitiva - o estudo realizado nessa

pesquisa teve como eixo teórico autores que apontam para esse

desenvolvimento.

Inicialmente, Piaget e Freud serviram de base para o estudo dos

diferentes estágios pelos quais passa a criança. Através das características de

cada faixa etária, pode-se estabelecer algum padrão de desenvolvimento. A

seguir, em Vygotsky ressalta-se a importância do brincar na construção do

conhecimento e também da relação com o outro para solidificar essa

aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina

Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes teóricas que

complementam os autores mencionados anteriormente. Paulo Freire contribui

com sua reflexão sobre a importância da consciência crítica na aprendizagem.

Também para dar uma dimensão de convivência solidária, Leonardo Boff é

citado como referência da ética do humano. Para o estudo das fases do

desenho das crianças, Viktor Lowenfeld foi o teórico escolhido para sustentar a

análise feita dos diferentes grafismos.

Após dar corpo aos estudos da pesquisa, partiu-se para o levantamento

de dados dos questionários aplicados às diferentes famílias das crianças de 2 a

5 anos , de uma escola da zona sul, da cidade do Rio de Janeiro.Esses dados

foram tabulados e analisados, tendo por base os eixos teóricos dos autores

mencionados anteriormente.

Page 7: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

METODOLOGIA

A pesquisa de campo serve para coletar dados que serão depois

analisados. Essa pesquisa teve por objetivo levantar informações sobre o uso

de tablet e de celular, em crianças de 2 a 5 anos, numa escola da zona sul, da

cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente foi passado um questionário para as

famílias responderem de forma anônima, às seguintes perguntas:

1) A criança usa celular? ( ) sim ( ) não

Ele pertence: ( ) à família ( ) `a criança

2) A criança usa tablet? ( ) sim ( ) não

Ele pertence: ( ) à família ( ) à criança

3) A criança usa esses aparelhos com autonomia? ( ) sim ( ) não

4) A família identifica nesse uso uma aproximação com o processo de leitura e

de escrita? ( ) sim ( ) não

Além do levantamento das respostas dadas pelas famílias ao

questionário que foi aplicado, também foi pedido às crianças que fizessem um

desenho livre para que se pudesse comparar o nível de desenvolvimento do

grafismo com as futuras hipóteses da escrita. Levando-se em consideração

que o desenho pode ser considerado a pré-história da escrita.

Após a aplicação do questionário para o levantamento de dados, as

informações obtidas foram tabuladas em Gráficos e /ou tabelas, usando a

pesquisa quantitativa, para depois se fazer a análise dos resultados, usando a

pesquisa qualitativa.

Os principais teóricos utilizados para a realização desta pesquisa

foram Piaget, Freud, Vygotsky e Viktor Lowenfeld.

Page 8: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

SUMÁRIO

Introdução

Capítulo I - Fases do Desenvolvimento Infantil – Piaget e Freud ................10

Capítulo II – A ludicidade e a escrita ......................................................... 18

2.1 - O brinquedo em Vygotsky .................................................... 18

2.2 - O lúdico e a construção da escrita ...................................... 21

Capítulo III - O desenho infantil e a construção da escrita ...................... 24

Capítulo IV - A construção de uma cidadania crítica e ética ..................... 29

4.1 - A importância do ato de ler .................................................. 29

4.2 - O valor do cuidado ............................................................... 31

Capítulo V – Análise dos gráficos ............................................................. 34

Capítulo VII – Conclusão .......................................................................... 44

Capítulo VII - Bibliografia ......................................................................... 47

Page 9: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes
Page 10: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

10

INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa é “A influência da tecnologia no letramento de

crianças de 2 a 5 anos”.

A questão inicial deste trabalho é investigar se o uso de celulares e

tablets está aproximando as crianças de 2 a 5 anos da leitura e da escrita.

O tema sugerido é de fundamental relevância, pois cada vez mais

crianças têm acesso a esses aparelhos de forma assistemática, promovendo

mudança de atitudes no convívio social. Percebe-se no cotidiano o

envolvimento dessas crianças com os aparelhos , seja realizando jogos,

ouvindo músicas e assistindo a vídeos. Todas essas ações parecem de fácil

acesso aos pequenos que, com seus dedinhos, vão teclando os ícones e

fazendo seus desejos virtuais se realizarem.

São portanto objetivos desta pesquisa: analisar se a hipótese levantada

tem fundamento, a partir de dados coletados em pesquisa quantitativa;

investigar junto às famílias das crianças de 2 a 5 anos de uma escola da zona

sul do Rio de Janeiro, o grau de envolvimento delas com tablets e celulares;

conhecer essa realidade; levantar dados quantitativos que permitam uma

análise dos resultados; saber qual é a percepção da família sobre a

proximidade com a leitura e a escrita e tentar estabelecer alguma ligação entre

o uso assistemático. São também objetivos dessa pesquisa: apresentar a

importância das etapas do desenvolvimento infantil; destacar a importância do

brincar na construção do conhecimento; apontar o valor do cuidar com

intencionalidade no desenvolvimento da criança e no seu convívio social;

relacionar o uso da tecnologia à ludicidade e à construção do conhecimento e,

por fim, observar a evolução do grafismo e tentar estabelecer alguma

comparação entre o uso da tecnologia e a fase do desenvolvimento infantil

Page 11: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

11

I – FASES DO DESENVOLVIMENTO - PIAGET E FREUD

Piaget nasceu na Suíça em 1896 e realizou estudos sobre o

desenvolvimento infantil. Acreditava que, ao compreender os processos

primitivos do pensamento da criança, seria possível explicar também a gênese

das estruturas lógicas superiores que deles derivam.

Para Piaget, as estruturas da inteligência e o próprio conhecimento são

construídos ao longo do desenvolvimento do sujeito. E, nessa construção, tanto

são importantes as condições internas (estruturas assimilativas), como as

condições externas (estímulos físicos e sociais do ambiente).

Buscando um ponto de equilíbrio entre a concepção “inatista” da

inteligência, para a qual as possibilidades cognitivas estão geneticamente pré-

determinadas, e a concepção “ambientalista”, que entende o desenvolvimento

como um produto de condicionamentos do meio, Piaget se coloca como um

“interacionista”, explicando o desenvolvimento das estruturas mentais como

resultado da interação ativa do sujeito com as influências do ambiente.

Garantindo, nessa abordagem, a íntima relação entre inteligência,

desenvolvimento e conhecimento. Piaget abre possibilidades à extensão do

termo construtivismo aos processos educativos.

“Piaget apresentou uma visão interacionista. Mostrou a criança e o homem

num processo ativo de contínua interação procurando entender quais os

mecanismos mentais que o sujeito usa nas diferentes etapas da sua vida

para poder entender o mundo. Sim, pois para Piaget a adaptação à

realidade externa depende basicamente do conhecimento. Piaget estudou

o desenvolvimento do conhecimento da lógica, espaço, tempo,

causalidade, moralidade, brinquedo, linguagem e matemática. Lidou com

muitos processos psicológicos: pensamento percepção, imaginação,

memória, imitação e ação.” (Rappaport 1981 – 51)

Segundo ele a compreensão não é um ato súbito. Supõe exercícios

cognitivos, assimilações incompletas, aglutinações de ideias, ajustamento e

Page 12: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

12

muitas outras operações, cuja importância reside tanto no conhecimento

construído como nos processos ou caminhos desenvolvidos para alcançá-lo.

Assim acontece com o cientista, cujo valor está dando no resultado do

seu trabalho como na descoberta de processos generalizáveis a outras

situações. Também com a criança, quando por exemplo, brinca com jogos

matemáticos, ativando processos internos fundamentais à compreensão do

número: ao tempo que resolve a situação-problema específica, proposta pelo

brinquedo.

Piaget, aproveitando aspectos que considerava válidos na Psicologia da

época, organizou uma forma de abordagem da população de suas pesquisas

de modo especial das crianças, através do que denominou método clínico. Isso

porque, inspirando-se nos procedimentos da clínica médica e psicológica, e na

experimentação, esse método caracterizado pela conversação dirigida para um

tema, por perguntas orais e contra-argumentos e por provas com materiais

concretos, ou seja, situações-problema que trazem determinado desafio

cognitivo para a criança.

“Piaget vê a criança como que tentando descobrir o sentido do mundo,

lidando ativamente com objetos e pessoas. A criança vai construir

estruturas mentais e adquirir modos de funcionamento dessas estruturas

em função de sua tentativa incessante de entender o mundo ao seu redor,

compreender seus eventos e sistematizar suas ideias num todo coerente.”

(Rappaport 1981 – 52)

Alguns conceitos piagetianos são fundamentais para a compreensão do

processo de desenvolvimento da inteligência. São eles: hereditariedade,

adaptação, esquema e equilíbrio.

Hereditariedade – O indivíduo herda uma série de estruturas biológicas

que predispõem ao surgimento de certas estruturas mentais. Portanto, a

inteligência não é herdada. Herda-se um organismo que vai amadurecer em

contato com o meio ambiente. A maturação do organismo vai contribuir de

forma decisiva para que apareçam novas estruturas mentais que proporcionam

Page 13: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

13

a possibilidade de adaptação ao meio ambiente. A aprendizagem social se

refere àqueles comportamentos, atitudes e conhecimentos que a criança

adquire através da convivência com o se humano.

Adaptação.- O ambiente físico e social coloca a criança diante de

questões que rompem o estado de equilíbrio do organismo e estimulam a

busca de comportamentos adaptativos. No processo global de adaptação

estariam implicados dois processos complementares: A assimilação e a

adaptação.

Pode-se dizer que há assimilação sempre que elementos do meio são

incorporados ao ser vivo, garantindo sua sobrevivência. Trata-se da

atualização de um aspecto comportamental ou mental do sujeito numa

determinada circunstância. Como por exemplo podemos citar o ato de subir

escadas. Quando a criança aprende a fazê-lo, sempre que precisar repetir o

movimento o fará. O mesmo ocorrerá com outros movimentos motores ou

mesmo no caso de aprender as operações aritméticas básicas.

Esta assimilação mental é bastante parecida com a assimilação

biológica. O processo de digestão é igual, porém a cada alimento ingrido o

organismo precisará de ajustar-se.

Acomodação – Quando a criança precisar de agir de forma diferente,

levando em conta as propriedades específicas do objeto , ela estará passando

por um processo de acomodação. Por exemplo: ela aprendeu a andar de

bicicleta e, ao se deparar, com um outro veículo parecido com a mesma, ela

tentará usar com as mesmas estratégias, mas provavelmente o funcionamento

do novo veículo trará novidades que provocarão um certo desequilíbrio e

exigirão novas competências. A acomodação impulsiona o progresso e mais

confiança frente aos desafios do meio ambiente.

“A este processo de modificação de estruturas antigas com vistas à

solução de um novo problema de ajustamento, a uma nova situação,

Piaget denomina Acomodação” (Rappaport 1981 – 58)

Page 14: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

14

Esquema – Unidade estrutural básica de pensamento ou de ação que

corresponde, de certa maneira, à estrutura biológica que muda e se adapta.

Assim como nosso organismo é formado por células, órgãos e aparelhos, na

estrutura mental tem como unidade o esquema que pode ser simples (resposta

ao ato de sugar) ou complexo ( maneira de solucionar problemas). O esquema

é um elemento dinâmico e variado em seu conteúdo. Por exemplo, o esquema

de preensão. O bebê através do ato reflexo de preensão diante de um objeto

que lhe é colocado nas mãos, porém quando ela cresce lhes são oferecidos

outros objetos que também precisarão do movimento de preensão. Esse

esquema é mais complexo que o ato reflexo, pois vai exigir o desejo de pegar o

objeto intencionalmente e a construção de estratégias previamente pensadas.

“Os esquemas, portanto, estão em contínuo desenvolvimento e este

desenvolvimento se dá no sentido de permitir ao indivíduo uma adaptação

mais complexa a uma realidade que é percebida por ele, de forma cada

vez mais diferenciada e abrangente, exigindo, portanto, formas de

comportamento e de pensamento mais evoluídas.” (Rappaport 1981 – 60)

Equilíbrio – Processo de organização das estruturas cognitivas num

sistema coerente, interdependente, que possibilita ao indivíduo um tipo ou

outro de adaptação à realidade. O adulto, para se equilibrar, é capaz de usar

sempre o mesmo tipo de estrutura e de funcionamento dessas estruturas. Já a

criança , poderá usar os recursos existentes ou desenvolver novos processos

de funcionamento mental.

“Podemos conceituar o desenvolvimento -- conforme Piaget—como um

processo de equilibração progressiva, que tende para um forma final, qual

seja a conquista das operações formais.” (Rappaport 1981 – 63)

As pesquisas realizadas por Piaget e seus colaboradores permitiram que

se percebessem determinadas regularidades ou formas peculiares do sujeito

de assimilar e compreender a si e ao mundo, ao longo do desenvolvimento. É o

que se denominou de “estágio” do desenvolvimento, que serão explicitados

abaixo.

Page 15: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

15

Estágio sensório-motor: do nascimento aos dois anos,

aproximadamente. Inteligência essencialmente prática, cujo esquema básico

de assimilação, compreensão e reação aos estímulos são as sensações e os

movimentos. Iniciando a sua interação com o mundo através dos sentidos e

das ações, a criança progride gradativamente, organizando seus hábitos,

reconhecendo pessoas e objetos, integrando ações para resolver inúmeros

desafios adaptativos que vão surgindo, quanto mais o seu desenvolvimento lhe

permitir interagir com o meio físico e social.

Embora demonstrando toda a riqueza da construção de uma lógica nas

ações sensório-motoras, a grande limitação desse estágio está na ausência da

função simbólica, ou seja, da capacidade de representar realidades ausentes ,

através de símbolos que, externamente, aparecem nas imagens mentais

organizadas ou no próprio pensamento.

Estágio pré-operatório: de dois a sete anos, aproximadamente. A

interiorização das imagens dos objetos e das ações, unida aos contatos com as

diferentes linguagens do ambiente permitem, gradativamente, tanto a

compreensão dessas expressões simbólicas como a sua utilização. Isso

significa, do ponto de vista cognitivo, um avanço qualitativo de grande

importância, expresso pela ampliação das possibilidades de construção de

conhecimentos, bem como a comunicação da criança.

Por outro lado, tal progresso não significa um salto de inteligência

sensório-motora ao pensamento lógico.

O pensamento ainda apresenta-se como pré-lógico, isto é, preso ao

imediatismo da percepção, o que faz, por exemplo, a criança se iludir quanto à

interpretação de formas distâncias, quantidades, e dar uma explicação

fantasiosa , animista aos fenômenos naturais.

Essa limitação do pensamento pré-operatório gera o egocentrismo

cognitivo e social, isto é, a centralização no próprio ponto de vista e nos

próprios interesses, o que lhe dificulta a discussão e a atividade cooperativa

com os pares.

Page 16: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

16

Estágio operatório: dos sete aos doze anos, aproximadamente. Neste

estágio, o grande progresso está, exatamente, na conquista das operações, ou

seja, das relações mentais, cuja reversibilidade e flexibilidade garantem à

criança a compreensão lógica das situações vivenciadas.

Operar significa, assim, lidar com relações de classe, série, espaço,

tempo, causalidade, número e outras.

A criança, nesse estágio, necessita do referencial da experiência, do que

pode ser observado e manipulado para construir a sua compreensão lógica da

realidade. Nesse sentido, os conceitos e princípios teóricos, que não puderem

ser integrados a esses referenciais, ficarão no pensamento infantil, apenas

como informações memorizadas, sem nenhuma garantia de permanência como

resultado de conhecimento construído.

Estágio Formal: aproximadamente, a partir da adolescência. Variando

enormemente em qualidade e progressão, as operações formais estão

presentes no sujeito quando este pode demonstrar a capacidade cognitiva em

lidar com hipóteses conseguindo, por esse caminho fazer as suas deduções.

Tal como os povos primitivos, que não lidaram com abstrações sem que

as tivessem abstraído de suas ações concretas, a criança precisa, inicialmente,

construir a “lógica da ação” para, posteriormente, construí-la no pensamento.

Precisa tomar consciência das suas ações, refletindo sobre relações reais para

que, mais tarde, amplie seu raciocínio, liberando-o do espaço e do tempo

presentes, chegando a ser capaz de lidar com os “possíveis”, com a pesquisa e

com a ciência.

Freud nasceu em Freiberg, em 1856. Chocou a sociedade, no início do

século XX, com suas descobertas a respeito da personalidade da criança e

com a constatação de que certos acontecimentos vivenciados na infância eram

os determinantes principais de distúrbios de personalidade na idade adulta.

Freud causou um impacto decisivo ao mostrar a importância dos primeiros

anos de vida na estruturação da personalidade, determinando o curso do seu

Page 17: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

17

desenvolvimento futuro no sentido da saúde mental e da adaptação social

adequada ou da patologia.

Freud propôs fases do desenvolvimento infantil. São elas: a fase oral, a

fase anal, a fase fálica, o período de latência e a fase genital..

Na fase oral, a estrutura sensorial mais desenvolvida é a boca. É através

desse órgão que o bebê se mobilizará na luta pela preservação da vida.

Começará a provar e conhecer o mundo . Descobrirá o seio fonte de alimento e

de amor. Neste momento a libido está organizada em torno da zona oral.

Na fase anal, por volta do segundo ano de vida, a libido passa da

organização oral para a anal. A partir, dessa idade, dá-se a maturação do

controle muscula na criança, isto é, dá-se a organização psicomotora de base.

É o período em que se inicia o andar, o falar e em que se estabelece o controle

dos esfíncteres. A mão sai do tateio e preensão mais grosseiros, para

desenvolver precisão dos dedos indicador e polegar. O período é denominado

fase anal, porque a libido passa a organizar-se sobre a zona erógena anal. A

fantasia básica será ligada aos primeiros produtos, notadamente ao valor

simbólico das fezes.

Na fase fálica, a erotização passa a ser dirigida para os genitais,

desenvolve-se o interesse infantil por eles, a masturbação torna-se frequente e

normal e a preocupação com as diferenças sexuais entre meninos e meninas

passam a contaminar até a percepção dos objetos. Nessa fase a libido está

organizada sob o primado da zona erógena genital, mas configurada sob a

fantasia fálica.

No período de latência, a energia da libido fica temporariamente

deslocada dos seus objetivos sexuais. Ela está canalizada para o

desenvolvimento intelectual e social da criança.

Alcançar a fase genital constitui, para a psicanálise, atingir o pleno

desenvolvimento do adulto normal. É ser o homem que começou a surgir

quando a criança perde o nirvana intra-uterino e vai progressivamente

Page 18: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

18

introjetando e elaborando o mundo. As adaptações biológicas e psicológicas

foram realizadas. Desenvolveu-se intelectual e socialmente.

“Na primeira etapa da vida denominada fase oral por uns, período sensório

motor por outros, ou ainda infância inicial por terceiros, as características,

tarefas e aquisições a que se referem são basicamente as mesmas. A

diferença está mais no enfoque, na teoria e na técnica do que no

comportamento observado. E, obviamente, a criança é a mesma, quer seja

vista por um psicanalista, por um cognitivista ou por um teórico da

aprendizagem social.” (Rappaport 1981 – 92)

Page 19: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

19

II - A LUDICIDADE E A ESCRITA

2. 1- O BRINQUEDO EM VYGOTSKY

Observa-se no decorrer dos anos 80 e 90, em muitos campos da

educação, a influência da obra de Vygotsky (1896-1934) no discurso da relação

entre o contexto sócio-histórico e os processos de desenvolvimento e

aprendizagem individuais.

O processo de desenvolvimento, em Vygostsky, é observado por meio

das transformações produzidas nas Funções Psíquicas Superiores. Essas

funções são chamadas “superiores” porque são mediadas pela linguagem e

estão em oposição às funções nervosas elementares.. O laço familiar, o vínculo

cultural, a condição de humano são construídos pelo processo de

“aprendizagens” a que o ser humano vai estar submetido desde o seu

nascimento.

O “desenvolvimento”, para Vygotsky,

“começa com a mobilização das funções mais primitivas (inatas), com o

seu uso natural. A seguir, passa por uma fase de treinamento, em que, sob

a influência de condições externas, muda sua estrutura e começa a

converter-se de um processo natural em um “processo cultural” complexo,

quando se constitui uma nova forma de comportamento com a ajuda de

uma série de dispositivos externos. O desenvolvimento chega, afinal, a um

estágio em que esses dispositivos auxiliares externos são abandonados e

tornados inúteis e o organismo sai desse processo evolutivo transformado,

possuidor de novas formas e técnicas de comportamento” (Vygotsky &

Luria, 1996: 215).

A atividade de mediação com o meio físico e social, pelo uso de

instrumentos e de signos, é o processo pelo qual torna-se possível a

construção de formas de comportamento constitutivas do ser humano. O

desenvolvimento das funções “superiores” é determinado pelas influências das

Page 20: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

20

“aprendizagens” internalizadas pela criança. Sobre esta relação da

aprendizagem com o desenvolvimento, diz Vygotsky:

“Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar

a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta

vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar

somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e

quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados,

esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento

independente da criança” (Vygotsky, 1991, c: 101)

Articulando a relação entre a atividade mediada por signos e

instrumentos, e a Zona de Desenvolvimento Proximal, Vygotsky (1991,c ,1997)

introduz a função lúdica, descrita como brinquedo. O brinquedo como elemento

de acesso à realidade das relações existentes no mundo e como agente do

desenvolvimento infantil, e descrito pelo autor, da seguinte maneira:

“..o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma

condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.

Apesar da relação brinquedo-desenvolvimento poder ser comparada à

relação instrução-desenvolvimento, o brinquedo fornece ampla estrutura

básica para mudanças das necessidades e da consciência. A ação na

esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação das intenções

voluntárias e a formação dos planos da vida real e motivações volitivas –

tudo aparece no brinquedo, que se constitui, assim, no mais alto nível de

desenvolvimento pré-escolar. A criança desenvolve-se, essencialmente,

através da atividade de brinquedo. Somente neste sentido o brinquedo

pode ser considerado uma atividade condutora que determina o

desenvolvimento da criança”(Vygotsky, 1991,c: 117).

Estudos recentes (Ferreira, 2000; Sarlé, 1999; Porto, 1996) têm buscado

compreender a dimensão do lúdico como suporte imaginário e como “leitor da

realidade”, ou seja, como agente estruturante do pensamento pela construção

dos significados.

Page 21: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

21

A motivação é sempre relativa à idade da criança: o que motiva um

bebê, não motiva uma criança de 4 anos. As tendências são uma síntese das

necessidades e desejos da criança, tentando tornar realizável o irrealizável,

tanto por não poder satisfazê-las imediatamente, quanto pela impossibilidade

de agir num mundo real (dos adultos). Por isso, ela cria o brinquedo.

“Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar brinca num

mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser

realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo. A imaginação

é um processo novo para a criança;” (Vygotsky, 1991, c: 106).

Os incentivos estão vinculados a determinantes externos que são

constituídos pelas influências do meio social sobre a criança, em diversas

relações de troca, com adultos, outras crianças e outros elementos

característicos de cada cultura, como jogos, brinquedos, representações

sociais e acesso a diferentes tecnologias, entre outros.

Em intercâmbio constante com o seu meio ambiente, a criança, diante

do desafio de conhecer-se e de conhecer o mundo, constrói sua compreensão

da realidade pela imaginação e que, em sua dimensão pragmática, é

constituída na interação com o brinquedo.

Vejamos a seguinte citação: “Assim, ao estabelecer critérios para discutir

o brincar da criança de outras formas de atividade, concluímos que no

brinquedo a criança atinge uma situação imaginária” (Vygotsky,1991, c: 107).

E, quanto ao papel da imaginação na organização psíquica, Vygotsky é

enfático ao afirmar que

“em sua acepção vulgar somente entende-se por imaginação ou fantasia

ao irreal, ao que não se ajusta à realidade e que, portanto, carece de valor

prático. Entretanto, a imaginação, como base de toda atividade criadora,

se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando

a criação artística, científica e técnica. Neste sentido, absolutamente tudo o

que nos rodeia e que foi criado pela mão do homem, todo o mundo da

cultura, se diferencia do mundo da natureza, todo ele é produto da

Page 22: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

22

imaginação e da criação humana, baseada na imaginação”(Vygotsky,

1997)

2.2 - O LÚDICO E A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986) mostraram que, durante muitas

décadas a pedagogia sustentava que a alfabetização era uma questão de

métodos. Uns privilegiavam os métodos analíticos (de estratégia perceptiva

visual) e outros os sintéticos (de estratégia perceptiva auditiva). Os defensores

das respectivas estratégias metodológicas debateram-se durante décadas para

provarem, uns aos outros, que seus métodos eram mais eficazes no processo

de ensino da leitura e escrita. As “cartilhas” eram mais importantes do que o

sujeito da aprendizagem. A partir desse princípio reinava a crença de que a

aprendizagem da escrita dependia dos métodos utilizados.

Em “Psicogênese da Língua Escrita” de Ferreiro e Teberosky (1986)

produziu uma revolução pedagógica profundamente significativa gerando

novos entendimentos sobre a aprendizagem da escrita. As autoras realizaram

uma pesquisa bastante acurada sobre as formas de aprendizagem da leitura e

da escrita em crianças de classe média e em crianças de classes sócio-

econômica mais desfavorecidas que moravam e estudavam em colégios da

periferia de Buenos Aires. Os resultados mostraram, além de um brilhante

estudo sobre as etapas de construção da escrita, que havia uma diferença

muito significativa no processo de compreensão da escrita entre as crianças de

classe média – filhas de pais que utilizavam a leitura e escrita como um

instrumento sócio-cultural - e crianças da periferia, cujos pais não nutriam

qualquer interesse pela leitura e, não raro, não sabiam ler, nem escrever. A

influência do meio na aprendizagem das crianças ficou bem delineada neste

trabalho. As marcas do meio influem decisivamente no processo de

aprendizagem, de forma tal, que as estratégias cognitivas são constituídas

através dos elementos oferecidos pelo ambiente sócio-cultural.

Page 23: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

23

A pesquisa das autoras teve, no entanto, como paradigma a teoria

psicogenética de Jean Piaget, de base interacionista e construtivista, e que

serviu como referencial para interpretar as fases de aquisição da leitura e da

escrita. Ao final do livro, Ferreiro e Teberosky concluem que estavam fazendo,

sem o saber, o que Vygotsky (1991,c) tinha claramente assinalado há décadas:

“Uma tarefa prioritária da investigação científica é desvendar a pré-história

da linguagem escrita na criança, mostrando o que é que conduz à escrita,

quais são os pontos importantes pelos quais passa este desenvolvimento,

e qual é a relação entre esse processo e a aprendizagem escolar”

(Vygotsky apud Ferreiro e Teberosky, 1986: 282)

Para estudar a psicogênese da escrita, Vygotsky (1991,c,) propõe que

analisemos a pré-história da linguagem escrita. Seus trabalhos buscam

reconstruir as etapas dessa construção, remontam a atividade da escrita a um

processo sócio-histórico, onde, de alguma forma, a trajetória de sua construção

na história da humanidade, passa pelos mesmos estágios que a criança em

sua aprendizagem. Com uma diferença básica: os antigos levaram milhares de

anos para produzirem o atual sistema alfabético e hoje, uma criança é capaz

de aprender em quatro ou seis anos de idade o que a humanidade demorou

séculos para construir. A criança repete um ciclo de expressão escrita que

parte da pictografia até a linguagem alfabética. E é isso que vamos examinar.

A pré-história da linguagem escrita

“O momento em que uma criança começa a escrever seus primeiros

exercícios escolares em seu caderno de anotações não é, na realidade, o

primeiro estágio do desenvolvimento da escrita. As origens deste processo

remontam a muito antes, ainda na pré-história do desenvolvimento das

formas superiores do comportamento infantil; podemos até mesmo dizer

que quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio e

destrezas que a habilitam a aprender a escrever em um tempo

relativamente curto” (Luria, in Vygotsky, Luria e Leontiev, 1988: 143)

Aprender a ler e escrever está para além do simples deciframento de

significantes. A relação da criança com a atividade lúdica presente nos

Page 24: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

24

brinquedos infantis é carregada da atividade representativa que impregna os

gestos, pessoas e objetos de uma significação que substitui a função primária

desses elementos. No simbolismo primário pode-se perceber a relação entre

significado e o significante. Em outras palavras, na ação da criança sobre o

brinquedo, observa-se a construção da significação pelo deslocamento, no

campo do significado, sobre um mesmo objeto.

Através da imaginação, a criança cria e recria todas as possibilidades de

transformar um objeto em vários outros, de acordo com o seu desejo, sua

criatividade e o contexto em que está inserida.

Page 25: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

25

III – O DESENHO INFANTIL E

A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA

Na Pré –História o homem buscou se comunicar através de desenhos

feitos nas paredes das cavernas. Através desse tipo de representação (pintura

rupestre) trocava mensagens, passava ideias, expressava seu cotidiano e

transmitia seus desejos e suas necessidades.

Assim também a criança representa seu mundo através da sua

expressão gráfica.

O desenho infantil é uma das formas pelas quais a criança apresenta

seu desenvolvimento.

Quanto mais a criança adquire maior vivência de si mesma e da

circunstância, tanto mais ela se desenvolverá, por meio do desenho, o senso

de independência, criatividade, a maturidade emocional e intelectual.

Através da expressão artística, a criança se expõe de forma intuitiva. Tal

material torna-se uma abertura capaz de conduzir até a compreensão da mente

infantil que pode se dar por meio da interpretação grafológica ou por outras

possibilidades de trabalho.

Por meio do desenho acompanha-se a evolução da personalidade da

criança e percebe-se a visão particular que cada uma tem sobre o mundo que

a cerca.

A criança utiliza a mente, as mãos; reage sensitivamente ao que vê,

ouve, sente ou toca. Daí a importância da família e da escola proporcionarem

experiências ricas que estimulem o uso dos sentidos e da criatividade. Quando

ela faz uso da expressão gráfica, ela combina dois aspectos muito importantes:

seu conhecimento das coisas e sua relação com os objetos, pessoas ou

animais que são representados.

Page 26: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

26

À medida que ela cresce em seu desenvolvimento, a expressão

gráfica/artística vai se tornando mais enriquecida de detalhes, pois sua relação

com o mundo também vai se modificando.

A criança vai descobrindo e explorando o que pode fazer com os

diversos materiais que lhe são oferecidos, para que ela os possa utilizar na sua

criação artística.

Variedade de papéis: tamanhos, formas e texturas diferentes. Os tipos

de lápis: grosso e fino; bem como outras diversidades de materiais.

As manifestações artísticas, iniciadas nos primeiros anos de vida, podem

significar indivíduos mais preparados e mais equilibrados entre o cognitivo e o

emocional.

“A confiança em si mesma, suscitada pelo fator de ela poder controlar a

linha que traça no papel, é uma experiência importante. Não temos o

direito de privá-la disso, pois é algo que pode prejudicar sua própria

confiança na realidade de outra ações.” ( Lowenfeld -1977-p.22)

A ajuda que se pode dar à criança diz respeito à motivação para o

desenho.

Há uma diferença entre o que a criança observa de realidade e o que

expressa no desenho. Dependendo da faixa etária, da sua habilidade motora e

da sua criatividade a sua representação gráfica terá características diferentes.

As proporções, por exemplo, mudam como um todo ou como uma parte, de

acordo com a importância que tem para ela naquele momento.

“O desenvolvimento é um processo contínuo, e não podemos forçar uma

criança a crescer mais depressa.” (Lowenfeld -1977-p.34)

Devemos estimular a criança a pensar sobre sua obra. É interessante

realizar perguntas que enriqueçam sua reflexão sobre o desenho. No entanto,

temos que tomar cuidado para não procurar o real nos desenhos infantis. Na

realidade, a expressão tem a ver com seus sentimentos e suas emoções.

Page 27: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

27

Da mesma forma, deve-se estimular a criança a respeitar os desenhos

dos demais colegas, incentivando a tolerância e o respeito ao trabalho alheio.

A criança representa seus movimentos desde bebê, ela usa os

movimentos corporais para se manifestar.

Aos dois anos, quando lhe é oferecido um papel grande (A3), a criança

começa a traçar linhas de forma livre e incontrolável. Seis meses depois, a

criança começará a descobrir que pode produzir de acordo com a sua vontade.

Quando ela percebe essa mudança, fica mais satisfeita e mais confiante.

À medida que sente que consegue controlar seus movimentos, porque

pode repeti-los, procura agir da mesma forma em outras situações, como por

exemplo, ao comer; descobre que pode guiar a colher à boca.

Os rabiscos representam a liberdade e a criatividade.

“Para compreendermos o verdadeiro significado dos rabiscos infantis,

devemo-nos esforçar , o mais possível, para nos colocarmos no lugar da

criança. Quanto menor uma criança, menores são seus meios de

desabafo” (Lowenfeld -1977-p.95)

Algumas crianças apresentam traçado firme com movimentos largos;

outras são delicadas e tímidas, com traçado leve e movimentos curtos. As

garatujas são diferentes entre si, assim como as próprias crianças.

No que diz respeito à ocupação do papel, pode-se observar movimentos

variados e independentes. Algumas usam somente uma parte do papel,

concentrando ali suas garatujas; outras com maior senso de organização

espacial distribuem os desenhos por toda a folha. Há um sentimento estético

em sua expressão gráfica.

Nessa faixa etária, os lápis de cera devem ser grossos para evitar que

quebrem com o uso, pois as crianças ainda não possuem controle motor

suficiente para manuseá-los. Também deve-se oferecer todas as cores, mesmo

Page 28: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

28

que a criança faça uso de uma única escolha. O ideal é deixar a variedade ao

seu alcance, pra que ela, aos poucos, vá experimentando novas possibilidades.

Após o movimento de rabiscos, a criança começa a desenhar em

círculos, formando pequenas células.

Conforme a criança cresce já não se satisfaz com seu pensamento

imagístico e o que representa no papel. Ela passa a tentar estabelecer uma

relação mais próxima da realidade. Também vai ficando mais sensível às

coisas a sua volta, ao ambiente em que vive. Procura inserir cenas do dia a dia

em seus registros. Inclui figuras parentais, animais, vegetação, enfim, muitos

elementos que são fruto da sua observação sobre a realidade.

Nesse momento, procura registrar como viu a cena, sem grandes

preocupações com as relações espaciais perfeitas. Ela vai estar mais atenta

aos detalhes do objeto desenhado. Como por exemplo: desenha uma girafa e a

representa com o pescoço comprido e manchas pretas pelo corpo.

“Na base dos laços emocionais, a criança estabelece, facilmente, relações

espaciais com seus desenhos, e vemos, então que as coisas que pinta não

estão mais dispersas, sem sentido no papel.” (Lowenfeld -1977-p.109)

Entre os quatro e cinco anos, a maioria das crianças começa a vincular

seus pensamentos com o mundo exterior. Às vezes, a criança retrata um fato

que a sensibilizou e, logo depois, pode esquecê-lo num desenho posterior.

Parece que não foi uma significação permanente. O mesmo ocorre com o

aprender o sentido de uma palavra, enquanto ela não fizer sentido e for

incorporada ao vocabulário, não será usada. Muitas vezes esse vocábulo volta

a ser usado num contexto apropriado ou inapropriado. A flexibilidade da

expressão impõe uma influência decisiva sobre seu desenvolvimento

emocional e psicológico.

Elvira Sousa Lima sintetiza assim seu pensamento sobre o desenho

infantil:

Page 29: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

29

“Na infância, o desenho surge em sintonia com o desenvolvimento do

cérebro infantil e acompanha a formação dos movimentos de circularidade

e de traçado das curvas, retas e ângulos. Ao traçar, a criança desenvolve

perícia para representar, como registro em algum suporte, os conteúdos de

sua memória e o exercício de sua imaginação. Isto é, as imagens se

sedimentam como memórias e, simultaneamente, a imaginação se integra

ao funcionamento da memória, promovendo o uso de símbolos com

formas, texturas, luz e cores.” (Elvira Sousa Lima – 2016 – 102)

Page 30: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

30

IV – A CONSTRUÇÃO DE UMA

CIDADANIA CRÍTICA E ÉTICA

4.1 – A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER

Paulo Freire (1921- 1977) dedicou sua vida e obra a cuidar da população

mais pobre e oprimida.

Elaborou um método de alfabetização de adultos e desenvolveu um

pensamento pedagógico assumidamente político. Para ele o objetivo maior da

educação é conscientizar, favorecer que os menos favorecidos possam

aprender e agir em busca de libertação.

Em seu método de alfabetização para adultos, Paulo Freire buscava

trabalhar com palavras-chave que tinham algum significado para o aprendiz.

Como por exemplo, a palavra TIJOLO era cheia de sentido para aqueles que

trabalhavam em canteiros de obras. Essas palavras eram chamadas de

palavras geradoras e deviam vir carregadas de significação da experiência

existencial do educando e não da experiência do educador.

Sua tônica fundamental reside em despertar nos educandos a

curiosidade, o espírito investigador e a curiosidade.

Freire queria para o professor papel de mediador, incentivador da

aprendizagem. O educador valoriza o conhecimento adquirido como uma

construção entre pares. Ninguém ensina ninguém, mas as pessoas não

aprendem sozinhas.

“Os homens se educam entre si mediados pelo mundo’ (Freire- 1995)

Esse é um princípio que norteia seu trabalho. O aluno chega à escola

levando consigo uma cultura própria que não é melhor nem pior que a do

professor , nem dos outros colegas de turma. Em sala de aula, a troca permite

que todos aprendam juntos em comunhão, ou seja, um com o outro, estando

garantidas as relações democráticas e a livre expressão.

Page 31: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

31

Para Paulo Freire, o aluno precisa aprender a ler a realidade (conhecê-

la) para, em seguida, poder reescrever essa realidade (transformá-la). Ele

valoriza a transformação social, estimula que todos sejam sujeitos da própria

história. Para ele, tudo está em permanente interação.

Existem três momentos distintos na educação freireana. O primeiro é

aquele em que o educador descobre o que o aluno traz de cultura e insere

esse seu conhecimento em sala de aula. O segundo é o da discussão dos

temas abordados, possibilitando que o aluno desenvolva seu pensamento

crítico da realidade. E o último, quando o aluno deve sugerir ações para

superar os impasses.

O objetivo final é a conscientização do aluno a cerca do mundo onde ele

vive.

Segundo Freire, a compreensão crítica do ato de ler não se esgota na

decodificação da palavra escrita, ela vai além disso.

“A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura

desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.” ( Freire-

1995-11)

Ao relembrar a infância o autor busca na memória vários momentos que

o levaram a desenvolver o ato de ler.

“Primeiro, a leitura do mundo, do pequeno mundo em que me movia;

depois, a leitura da palavra que nem sempre ao longo da minha

escolarização, foi a leitura da palavra-mundo.” ( Freire-1995-12)

O autor destaca a importância das atividades perceptivas que ele teve

na infância no contato com a natureza, com os objetos e com as demais

pessoas. Sentindo o barulho dos pássaros e do vento, o gosto dos frutos;

vendo a dança das copas das árvores, ele ia construindo seus textos, suas

palavras.

Page 32: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

32

Daquela época vêm também o universo da linguagem dos mais velhos,

com suas crenças e palavras.

O contexto em que ele foi construindo suas aprendizagens fazia sentido

na vida do professor, e assim é que ele compreende o processo para a

aquisição da leitura.

“Tanto o alfabetizador, quanto o alfabetizando, ao pegarem, por exemplo,

um objeto como faço agora com o que tenho entre os dedos, sentem o

objeto, percebem o objeto sentido e são capazes de expressar

verbalmente o objeto sentido e percebido.” (Freire-1995-19)

Freire lembra que a diferença entre o analfabeto e o alfabetizado é que

além de sentir e descrever o objeto, ele é capaz de escrever o nome dele.

“Podemos dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela

leitura de mundo, mas por uma certa forma de escrevê-lo ou reescrevê-lo,

quer dizer, transformá-lo através da nossa prática consciente.” (Freire-

1995-20)

4.2 – O VALOR DO CUIDADO

Percebe-se cada vez mais acentuada a presença de novas tecnologias

nas relações entre as pessoas e também com os objetos. A sociedade passou

a usar um novo modelo para se comunicar. A realidade virtual oferece imagens

e sons de objetos e/ou de situações que são diferentes na realidade concreta,

quando a exploração pelos sentidos com sensações de cheiro, peso,

resistências são oferecidas às pessoas.

A internet ampliou possibilidades infinitas de comunicação e de

resolução de problemas do dia a dia. São muitas as situações do cotidiano que

são resolvidas pelo uso da rede virtual. Vão desde um simples comunicado, a

viagens agendadas on line, reuniões de trabalho, pagamento de contas,

Page 33: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

33

pedidos de alimentação, lazer, encontros para movimentos sociais e políticos,

enfim abre-se uma porta para o mundo.

No que diz respeito às práticas pedagógicas muitos foram os avanços.

Hoje as crianças podem assistir na própria sala filmes e documentários de

diversos assuntos que enriquecem o trabalho realizado. O uso do tablet e do

celular como ferramentas de trabalho também estão crescendo no dia a dia.

No entanto, devemos tomar cuidado com o tempo reservado à utilização

desses aparelhos por crianças tão pequenas.

Segundo Leonardo Boff, franciscano e professor de teologia e filosofia

”O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado

pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato e do

contato humano” (Boff- 1999-11)

É comum assistirmos nas ruas e nos lugares públicos cenas de adultos

e crianças totalmente hipnotizados pelos aparelhos e desconectados do mundo

real. O autor nos chama a atenção para o cuidado que todos devem ter com a

conexão real. Na verdade ele traz a reflexão sobre um novo paradigma de

convivência social.

“ Sonhamos com um mundo ainda por vir, onde não vamos mais precisar

de aparelhos eletrônicos com seres virtuais para superar nossa solidão e

realizar nossa essência humana de cuidado e de gentileza. Sonhamos

com uma sociedade (...) onde os valores estruturantes se construirão ao

redor do cuidado com as pessoas, sobretudo com os diferentes

culturalmente, com os penalizados pela natureza ou pela história, cuidado

com os espoliados e excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos,

cuidado com as plantas, os animais...” ( Boff – 1999-13)

Ao escrever tal pensamento, o autor apresenta uma dimensão do

cuidado com a vida e com o planeta. Esse cuidado diz respeito a valores

humanista que tornam a vida em sociedade mais justa, fraterna e solidária.

“O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é

mais que um ato; é uma atitude . Portanto, abrange mais que um momento

Page 34: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

34

de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação,

preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro”

(Boff- 1999-33)

É importante ressaltar que não temos mais como voltar atrás no uso das

novas tecnologias, no entanto, devemos cuidar dos valores que estão

intimamente ligados à utilização que se faz delas.

Cabe à escola acolher as famílias e conversar com elas sobre a o uso

desses aparelhos buscando uma reflexão consciente e ética dessas mídias.

As crianças de 2 a 5 anos podem e devem se familiarizar com as novas

tecnologias, mas sob a constante observação da família. O cuidado que os

familiares devem ter diz respeito ao tempo de utilização, ao tipo de atividade

desenvolvida e a substituição do diálogo presencial pelo contato virtual.

Page 35: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

35

V - ANÁLISE DOS DADOS

Para análise dos gráficos é importante relacionar as nomenclaturas

apresentadas às faixas etárias correspondentes. São elas: Maternal I, para

crianças de 2 anos; Maternal II , para crianças de 3 anos; Pré-Escola I, para

crianças de 4 anos e Pré-Escola II, para crianças de 5 anos.

8 8

0

2

4

6

8

10

12

14

16

sim não

Maternal 1 - Usa celular?

13

7

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

sim não

Maternal 2 - Usa celular?

Page 36: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

36

14

7

-4

1

6

11

16

21

sim não

Pré- Escola 1 - Usa celular?

10 10

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

sim não

Pré- Escola 2 - Usa celular?

Page 37: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

37

Em relação à primeira pergunta sobre o uso do celular, 8 famílias das

crianças com dois anos responderam que os filhos usam o aparelho e 8

responderam que não usam. Ou seja, metade das crianças usa o celular.

Já as famílias das crianças com 3 anos, responderam que 13 usam o

celular, enquanto 7 não usam.

Nas famílias das crianças com 4 anos, a resposta foi 14 usam o

aparelho e 8 não usam.

Em relação às crianças de 5 anos, as famílias deram a seguinte

resposta:10 crianças usam o celular e 10 não usam o aparelho.

O que se pode observar é que conforme a criança vai crescendo, vai

apresentando maior interesse por usar esse instrumento. A pesquisa não

aprofundou o tipo de uso feito pelas crianças.

12

4

0

2

4

6

8

10

12

14

16

sim não

Maternal I - Usa tablet?

Page 38: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

38

18

2

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

sim não

Maternal I I - Usa tablet?

19

2

-4

1

6

11

16

21

sim não

Pré-Escola I - Usa tablet?

Page 39: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

39

No que diz respeito ao uso do tablet, conforme aparece no gráfico

apresentado acima, também verificamos um aumento do uso do aparelho, de

acordo com a faixa etária.

No grupo de 2 anos, 12 crianças usam o aparelho e 4 crianças não

fazem uso do mesmo. Já, no grupo de 3 anos, 18 crianças usam o tablet,

enquanto duas não. Aos quatro anos, o número passa a ser 19 usam o

aparelho e 2 não usam. Aos cinco anos, 19 usam o aparelho e uma não.

Observando as respostas dadas pelas famílias, constata-se que o uso

do tablet pelas crianças é mais comum que o do celular. Também aqui não foi

pesquisado o tipo de uso. A intenção é saber como se apresenta o

desenvolvimento do grafismo dessas crianças que usam esses aparelhos.

A Quem Pertence o Celular?

Maternal 1 Maternal 2 Pré1 Pré 2

à Criança 1

à Família 9 13 12 9

19

1

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

sim não

Pré-Escola I I - Usa tablet?

Page 40: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

40

A Quem Pertence o Tablet?

Maternal 1 Maternal 2 Pré1 Pré 2

à Criança 1 10 8 7

à Família 11 7 10 12

As tabelas acima apresentam os resultados das outras perguntas feitas

aos entrevistados. Percebe-se também que há um gradativo aumento quanto

ao pertencimento dos aparelhos. No grupo de 2 a 5 somente uma criança de 5

anos tem celular próprio.

Já o tablet apresenta um número variado. Desde uma criança de 2 anos,

passando por 10 crianças de 3 anos, 8 de 4 anos e 7 de 5 anos.

É possível que o uso do tablet seja mais frequente por apresentar uma

tela maior que apresenta figuras mais claras e adequadas à faixa etária.

Em relação ao uso dos aparelhos com autonomia, as respostas obtidas

são variadas. Conforme a tabela acima, verifica-se que no grupo que

respondeu sim, aparecem 11 crianças de 2 anos, 14 crianças de 3 anos,

17crianças de 4 anos e , por fim, 18 crianças de 5 anos. Ou seja, há um uso

com autonomia crescente, de acordo com o crescimento etário. Aos poucos, as

crianças vão se tornando mais confiantes e ousando mais no seu manuseio.

A Criança Usa o Celular e o Tablet Com Autonomia?

Maternal 1 Maternal 2 Pré1 Pré 2

Sim 11 14 17 18

Não 5 6 4 2

Page 41: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

41

A Família Identifica Nesse Uso Uma Aproximação com o Processo de Leitura e

de Escrita?

Maternal 1 Maternal 2 Pré1 Pré 2

Sim 9 14 15 15

Não 7 6 6 6

A última pergunta do questionário procura conhecer a percepção da

família sobre esse uso incidental. Procura saber se ela percebe alguma relação

entre a utilização dos aparelhos e uma proximidade com a leitura e a escrita.

Os dados obtidos apontam para respostas diferentes. Dentre as famílias

das crianças de 2 anos, 9 percebem que há uma relação entre o uso e o

letramento. Já nas famílias de 3 anos, 14 percebem a relação. Nas de 4 anos,

15 também têm essa percepção e, nas de 5 anos, 15 famílias.

As demais famílias de todas as faixas etárias apontam que não

percebem no uso desses aparelhos uma relação com o letramento. Temos,

então, 7 famílias de 2 anos, 6 de 3 anos, 6 de 4 anos e 6 de cinco anos. Ao

observar esses resultados, verifica-se que há um número maior de famílias que

percebem essa ligação entre o uso dos aparelhos e o letramento.

Fase do Desenho Infantil

Maternal 1 Maternal 2 Pré1 Pré 2

Rabisco 7 2

Célula 9 12

Figura 6 2

Cena Simples 19 3

Cena Completa 17

Ao analisar o desenvolvimento do desenho infantil, verifica-se que as

crianças apresentam características compatíveis com o sua faixa etária.

Page 42: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

42

No Maternal I (dois anos), temos os seguintes resultados:

Duas crianças usam celular e não usam tablet; Sete crianças usam tablet

e não usam celular; Sete crianças usam os dois. No entanto, o desenho delas

encontra-se nos estágios de rabiscos e células, independente de usar os

aparelhos ou não.

No Maternal II (3 anos), uma criança usa celular e não usa tablet; Seis

usam tablet e não usam celular; Treze usam os dois. No entanto, o desenho

também corresponde à etapa de desenvolvimento do grafismo. Quatorze

crianças desenham células e seis desenham figuras.

No Pré-Escolar I (4 anos), uma criança usa celular e não usa tablet; sete

usam tablet e não usam celular; treze usam os dois. No grafismo, temos duas

crianças desenhando figuras simples e dezenove desenhando cenas simples.

Page 43: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

43

No Pré-Escolar II (5 anos), uma criança usa celular e não usa tablet; dez

usam tablet e não usam celular; nove usam os dois. O grafismo dessas

crianças também se apresenta compatível com a faixa etária. Três estão na

fase de cenas simples e Dezessete estão na fase de cenas completas.

Algumas crianças já registraram com letras seus pensamentos. Sendo

assim, foram constatadas doze crianças no nível pré-silábico; cinco, no silábico

e três no nível alfabético.

Page 44: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

44

“A partir do traçado, pelo exercício da função simbólica, a criança cria

desenhos, se integra à cultura e expressa sua individualidade. Neste

percurso, ela chega à escrita, que é também um produto cultural da

história da humanidade. Este percurso, além de reorganizar o cérebro para

escrever, possibilita à criança o desenvolvimento de sua identidade e ação

criativa”. (Elvira Lima – 2016 – 101)

Page 45: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

45

VI – CONCLUSÃO

Procurou-se nesse trabalho de pesquisa de campo estudar a influência

que celulares e tablets têm no processo de leitura e escrita das crianças de 2 a

5 anos, de uma escola de zona sul, da cidade do Rio de Janeiro.

Para tal estudo, a pesquisa apresentou como referencial teórico, A

análise do desenvolvimento infantil apresentadas por Piaget e Freud ; A função

do brinquedo para Vygotsky ; O lúdico e a construção da escrita – Vygotsky e

Emília Ferreiro; O desenho e a construção da escrita – Lowenfeld e Elvira

Lima; A importância do ato de ler – Paulo Freire e O valor do cuidado-

Leonardo Boff.

Tais referenciais serviram de base para a análise dos dados coletados

nos questionários apresentados pelas famílias.

As características que se apresentam no desenvolvimento infantil,

serviram para observar se o uso desses aparelhos estariam compatíveis com

as diferentes faixas etárias das crianças.

A importância da brincadeira e do brinquedo como possibilidade de

realização do pensamento infantil trouxeram uma reflexão sobre o papel que as

imagens apresentadas por esses aparelhos têm na construção de significado

para essas crianças.

A ludicidade na construção da escrita serviu para reforçar que na ação

da criança sobre o brinquedo, observa-se a elaboração da significação pelo

deslocamento, no campo do significado, sobre um mesmo objeto.

Considerando-se a aprendizagem da escrita como um processo de significação

construída na ação do sujeito sobre os objetos e na ação da cultura sobre o

sujeito, pode-se dizer que a criança aprende nessa relação estabelecida. Os

objetos cumprem a função de significante e o simbólico, que eles representam,

cumprem a função de significado.

Page 46: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

46

No estudo sobre o desenho infantil, revelou-se a possibilidade de se

reconstruir a trajetória pictográfica da criança, passando por símbolos e

composições gráficas que podem ser consideradas como prelúdio da escrita.

”O desenho é o registro do movimento humano ao exercer uma das

características mais importantes da espécie: a capacidade de simbolizar.

Todo desenho é, assim, uma manifestação da função simbólica e um ato

de criação. Na criança pequena, o movimento e seu registro são parte

intrínseca do desenvolvimento: toda criança desenha sem a necessidade

de ser ensinada. Desenhar é um ato de cultura e cada desenho revela a

dimensão interna simbólica e a função imaginativa da criança.” ( Elvira

Lima – 2016 – 89)

A criança vive no mundo e aprende a ler o mundo com suas próprias

lentes.O meio onde ela vive e as experiências que farão parte da sua vida vão

lhes dar repertório para sua própria aprendizagem. Daí a importância de

contextualizar o processo de alfabetização, de forma que faça sentido e que

promova a superação de desafios.

Sem dúvida, se não se preservar valores éticos para com o próximo e

para com o planeta – entendendo todos os seres vivos – a convivência dos

seres humanos estará comprometida. Precisamos valorizar os avanços

tecnológicos e as novas mídias de comunicação, mas não podemos esquecer

daqueles que fazem parte do mundo real. E, ao usar o mundo virtual, valores

humanitários que valem para o real, devem valer para o virtual.

Diante dos referenciais acima revisitados nessa conclusão e dos

resultados da pesquisa feita através dos questionários respondidos pelas

famílias e pelos desenhos feitos pelas crianças, pode-se dizer que, para esse

grupo de alunos que corresponde à classe média, da zona sul do Rio de

Janeiro, que tem acesso à cultura e bens de consumo, a expressão gráfica

apresentada revela características compatíveis com os estudos realizados

pelos citados autores. Ou seja, aparentemente, o uso desses aparelhos não

interferiu no desenvolvimento das crianças.

Page 47: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

47

Alguns pontos da pesquisa ainda podem ser investigados como o tempo

de uso diário desses aparelhos, se a leitura da imagem levou a leitura das

letras do alfabeto, promovendo uma leitura incidental. Esses aspectos não

puderam ser aprofundados, assim como outros não mencionados nessa

conclusão, mas que podem abrir espaço para futuros estudos.

Page 48: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA NO LETRAMENTO DE … · aprendizagem. Autoras como Elvira Souza Lima, Emília Ferreiro, Clara Regina Rappaport aparecem, ao longo da pesquisa, como fontes

48

VII – BIBLIOGRAFIA

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar - Petrópolis, RJ – Vozes - 1999

LIMA, Elvira Souza. Fundamentos da Educação Infantil – São Paulo – Ed.

Inter Alia - 2016

LOWENFELD,Viktor. A Criança e sua Arte – São Paulo - Ed. Mestre Jou –

1977

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – 31ªed. – São Paulo- Cortez-

1995

Paulo Freire, o mentor da educação para a consciência – Revista Nova Escola

Outubro de 2008

RAPPAPORT. Clara Regina. Psicologia do Desenvolvimento – São Paulo –

EPU – 1981

VIGOTSKY, Lev . Pensamento e Linguagem – São Paulo - Martins Fontes

A Formação Social da Mente – São Paulo – Martins Fontes