20
A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA ATRAVÉS DO PROCESSO SUCESSÓRIO NA AGRICULTURA FAMILIAR DO OESTE CATARINENSE E DO LESTE MINEIRO 1 Ana Louise de Carvalho Fiúza 2 Adriana Maria da Silva Costa 3 Maria Helena Furtado Santiago 4 Neide Maria de Almeida Pinto 5 Sheila Maria Doula 6 1 Introdução Historicamente a oposição campo-cidade serviu para essencializar o espaço dentro de modelos cristalizados, opostos e excludentes. Falar de cidades-rurais associando e interrelacionando os espaços só foi possível, muito recentemente, na segunda metade do Século XX, com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e dos meios de transporte paralelamente à globalização da economia, com os seus fenômenos de localismo-globalizado e globalismo-localizado, que reduziram as fronteiras entre os espaços. A característica básica usada tradicionalmente para distinguir o rural e o urbano, segundo Kageyama (2008) foi o critério ocupacional: o mundo rural foi, durante séculos, considerado o mundo das atividades e ocupações agrícolas, realizadas em um ambiente predominantemente natural, com comunidades e densidade populacional menor, bem como menor divisão do trabalho, menor número de contato entre as pessoas e menor possibilidade de mobilidade social. Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os espaços rurais e os centros urbanos. Pretendemos, neste artigo, explicitar diferentes facetas desta interdependência, a partir da análise desta inter-relação em contextos 1 Trabalho apresentado no VIII Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural, Porto de Galinhas, 2010 com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 2 Professora Adjunta do Departamento de Economia Rural Universidade Federal de Viçosa (UFV) Brasil. Líder do GERAR Grupo de Estudos Rurais: Agriculturas e Ruralidades. [email protected] 3 Mestranda em Extensão Rural - Departamento de Economia Rural - Universidade Federal de Viçosa- (UFV) Brasil. Membro do GERAR Grupo de Estudos Rurais: Agriculturas e Ruralidades E-mail: [email protected] 4 Mestranda em Extensão Rural - Departamento de Economia Rural Universidade Federal de Viçosa (UFV) Brasil. Membro do GERAR Grupo de Estudos Rurais: Agriculturas e Ruralidades Email: [email protected] 5 Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP. Universidade Federal de Viçosa, Brasil. [email protected] 6 Doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo, USP/SP. Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais Brasil. [email protected]

A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

  • Upload
    ngodieu

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA ATRAVÉS DO PROCESSO SUCESSÓRIO NA AGRICULTURA FAMILIAR DO OESTE CATARINENSE E DO

LESTE MINEIRO1

Ana Louise de Carvalho Fiúza2 Adriana Maria da Silva Costa3

Maria Helena Furtado Santiago4 Neide Maria de Almeida Pinto5

Sheila Maria Doula6

1 Introdução

Historicamente a oposição campo-cidade serviu para essencializar o espaço dentro de

modelos cristalizados, opostos e excludentes. Falar de cidades-rurais associando e

interrelacionando os espaços só foi possível, muito recentemente, na segunda metade

do Século XX, com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e dos meios de

transporte paralelamente à globalização da economia, com os seus fenômenos de

localismo-globalizado e globalismo-localizado, que reduziram as fronteiras entre os

espaços. A característica básica usada tradicionalmente para distinguir o rural e o

urbano, segundo Kageyama (2008) foi o critério ocupacional: o mundo rural foi, durante

séculos, considerado o mundo das atividades e ocupações agrícolas, realizadas em um

ambiente predominantemente natural, com comunidades e densidade populacional

menor, bem como menor divisão do trabalho, menor número de contato entre as

pessoas e menor possibilidade de mobilidade social.

Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

espaços rurais e os centros urbanos. Pretendemos, neste artigo, explicitar diferentes

facetas desta interdependência, a partir da análise desta inter-relação em contextos

1 Trabalho apresentado no VIII Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural, Porto de Galinhas, 2010

com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 2 Professora Adjunta do Departamento de Economia Rural – Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Brasil. Líder do GERAR – Grupo de Estudos Rurais: Agriculturas e Ruralidades. [email protected] 3 Mestranda em Extensão Rural - Departamento de Economia Rural - Universidade Federal de Viçosa-

(UFV) Brasil. Membro do GERAR – Grupo de Estudos Rurais: Agriculturas e Ruralidades E-mail: [email protected] 4 Mestranda em Extensão Rural - Departamento de Economia Rural – Universidade Federal de Viçosa

(UFV) Brasil. Membro do GERAR – Grupo de Estudos Rurais: Agriculturas e Ruralidades Email: [email protected] 5 Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP.

Universidade Federal de Viçosa, Brasil. [email protected] 6 Doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo, USP/SP. Universidade Federal de Viçosa,

Minas Gerais – Brasil. [email protected]

Page 2: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

socioespaciais com dinâmicas campo-cidade diferenciadas. Analisaremos, inicialmente,

a relação campo-cidade na Zona da Mata Mineira, em uma região marcada pela

tendência ao êxodo, nos anos 2000, contrapondo-a ao cenário do Oeste de Santa

Catarina, marcado pelo crescimento da população economicamente ativa no meio

rural. Enfocaremos especificamente, os efeitos de tais dinâmicas sobre o processo

sucessório no meio rural, em virtude deste processo estar atrelado ao modelo de

desenvolvimento que se estabelece em cada região. Modelos de desenvolvimento

territorial mais marcados pela intersetorialidade e pela expressividade do capital social

configuram um campo de possibilidades de reprodução social das unidades produtivas

familiares diferenciado em relação aqueles em que não há uma dinâmica territorial

marcada pela proximidade entre os setor primário, secundário e terciário da economia.

2 A relação campo-cidade em Minas Gerais

A fim de percebermos de forma mais clara a dinâmica socioeconômica em cidades

rurais em Minas Gerais realizamos nossa pesquisa em Leopoldina, cidade situada na

Zona da Mata mineira. Esta cidade foi escolhida por apresentar uma forte tradição

leiteira mantida pelos agricultores familiares. Leopoldina como tantos outros municípios

mineiros até a década de 90 apresentava-se como uma cidade com baixa atratividade

urbana, cenário que foi modificado na década seguinte, nos anos 2000. No estudo

sobre os impactos socioeconômicos resultantes do fenômeno de migração rural no

estado de Minas Gerais realizado por Santiago et al. (2009)7, os dados apontaram que

7 Para realização desta pesquisa sobre o êxodo nos municípios foram utilizados dados secundários do

censo demográfico de 1991 e 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. Em 1991, as cidades com maior tendência ao êxodo encontravam-se nas mesorregiões consideradas mais pobres do estado, como Vale do Jequitinhonha, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce e Norte de Minas, estas pessoas partiam do campo para a cidade na expectativa de uma melhoria da qualidade de vida. Para o ano de 2000 o quadro se reverteu, as cidades das mesorregiões citadas anteriormente passaram a se tornar de tendência de permanência no campo. Percebe-se, também, que as cidades em que a população mais cresce são aquelas com alto desenvolvimento econômico: Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, dentre outras, que oferecem opções diversificadas de emprego, melhores serviços de saúde e educação. Os rendimentos rurais médios permaneceram inferiores aos rendimentos urbanos, apesar do rendimento rural ter aumentado; menor demanda por mão-de-obra no campo, enquanto na cidade houve aumento; busca de melhoria da qualidade de vida na cidade através do acesso à educação e saúde, mostrando que a baixa remuneração da agricultura, combinada com a atração das cidades está levando ao esvaziamento dos campos.

Page 3: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

o município de Leopoldina apresentava baixa atratividade urbana, alto desenvolvimento

socioeconômico e médio potencial de permanência no campo para o ano de 1991,

sendo classificado no grupo de municípios de „Tendência ao campo‟ por possuir um

conjunto de variáveis mais favorável a vida no campo que na cidade, em termos de:

rendimentos rurais, rendimentos urbanos, expectativa de vida até 60 anos, população

residente no meio rural versus Urbano, População Economicamente Ativa Rural versus

Urbana, área Plantada, renda per capita, % de alfabetizados de 15 ou mais anos. A

seguir apresentamos um quadro com a tipologia criada para classificar os municípios

mineiros, segundo o seu grau de tendência ao campo ou a cidade.

Tabela 1: Tipologia dos municípios mineiros segundo a tendência ao campo ou a cidade.

TIPOS DE MUNICÍPIO INDICADORES DO TIPO DE RELAÇÃO RURAL-URBANO PRESENTES NO MUNICÍPIO

Com baixo êxodo Baixa a média atratividade urbana, baixo a alto desenvolvimento socioeconômico e alto potencial de permanência no campo.

Com tendência ao campo Baixa a média atratividade urbana, baixo a alto desenvolvimento socioeconômico e médio potencial de permanência no campo.

Com tendência ao êxodo Média atratividade urbana, baixo a alto desenvolvimento socioeconômico e médio a baixo potencial de permanência no campo.

Com alto êxodo Alta atratividade urbana, médio desenvolvimento socioeconômico, e médio a baixo potencial de permanência no campo.

Já em 2001, o município de Leopoldina manteve o seu desenvolvimento

socioeconômico, mas o seu potencial de permanência no campo baixou, passando o

município a ser classificado como de „Tendência ao êxodo‟, tal como aconteceu em um

significativo número de municípios mineiros entre 1990 e 2001, como pode ser visto

nos mapas e no quadro que se segue.

Page 4: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Figura 1 – Tipologia dos municípios mineiros em 1991, segundo a sua tendência ao campo ou a cidade.

Fonte: Resultados da pesquisa, 2009.

Figura 2 – Tipologia dos municípios no ano de 2001, segundo a sua tendência ao campo ou a cidade.

Fonte: Resultados da pesquisa, 2009.

Page 5: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Tabela 2 – Distribuição dos municípios mineiros, em 1991 e 2001 segundo a sua tendência ao campo ou a cidade.

ANO

/SITUAÇÃO

BAIXO ÊXODO TENDÊNCIA AO CAMPO

TENDÊNCIA AO ÊXODO

ALTO ÊXODO

1991 15

1,8%

420

65,1%

272

31,9%

11

1,3%

2000 45

5,3%

237

27,8%

425

65,7%

11

1,3%

Fonte: Resultados da pesquisa, 2009.

Tabela 3: Média de pessoas no campo e na cidade em 1991 e 2000, em Minas Gerais. ANO /SITUAÇÃO

CAMPO CIDADE

1991 5.425 12.843

2000 3.092 15.705.

Fonte: Resultados da pesquisa, 2009.

Embora observemos nos mapas e quadros anteriormente apresentados que houve um

aumento do número de municípios marcados pelo “baixo êxodo” e tenha se mantido

estável o número de municípios mineiros com “alto êxodo”, diminuiu acentuadamente o

número de municípios com “tendência ao campo”. É neste grupo de municípios com

“tendência ao campo” que Leopoldina se encontra. Segundo dados do IBGE, o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística, a contagem de 2007 apresentou o Município de

Leopoldina com 49.915 habitantes, assim distribuídos: 43.494 na zona urbana e 6.421

na zona rural. Sua localização mostra uma proximidade com centros urbanos de médio

porte como: Cataguases, a 22 km; Ubá, a 92 km; Muriaé, a 65 km; e Juiz de Fora, a

115 km. Assim, o escoamento da produção é amplamente favorecido.

Page 6: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Figura 3: Mapa político de Minas Gerais com destaque para o município de Leopoldina.

O desenvolvimento de Leopoldina esteve ligado, em sua fase inicial, à expansão da

cultura cafeeira. Quando os cafezais deixaram áreas apreciáveis de terras cansadas, a

escolha quanto a melhor maneira de aproveitá-las foi direcionada para o

desenvolvimento da pecuária extensiva. Atualmente, Leopoldina tem na agropecuária,

destaque para a atividade leiteira, e na indústria, uma dinâmica marcada pela presença

de micro e pequenas empresas. Leopoldina se destacou dos demais municípios da

região por produzir o correspondente a 30,9% da quantidade total de leite da

microrregião de Cataguases comparada aos demais municípios da região, os quais

estão abaixo do patamar de 10%. Esta hegemonia na produção traduz a importância

da pecuária de leite como fonte de renda para os produtores do município8. Interessa-

nos, portanto, nesta pesquisa, analisar a influência dos fatores culturais e econômicos

para a continuidade da produção de leite nas unidades produtivas familiares.

Recentemente, o turismo rural em Leopoldina tem se desenvolvido. A cidade é sede do

Circuito Serras e Cachoeiras mineiras. Mantém no distrito de Piacatuba, o Museu da

8 A sede municipal tem uma altitude de 210 m e com clima dominante tropical, quente e úmido. As chuvas concentram-se no período de outubro a março. A estação seca dura de quatro a cinco meses e coincide com os meses mais frios. A temperatura média anual é de 22,3ºC e a temperatura máxima ultrapassa 35ºC no verão.

Page 7: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Eletricidade, próximo à Usina Maurício, com pescaria, lancha e jet ski onde se realizam

festivais gastronômicos e de viola. O distrito de Abaiba foi berço do cavalo Mangalarga

Marchador ,linhagem Abaíba reconhecido nacionalmente. É tradicional ainda no

município de Leopoldina a Feira Regional de Artesanato e a Feira da Paz - FERARP-

Feira geral de âmbito regional, com cerca de 150 expositores para a divulgação de

produtos e/ou serviços do tipo artesanal e de comidas típicas, aberta ao público

semanalmente e Exposição agropecuária e industrial com Exposição de Gado e

Especializada da Linhagem Abaíba- Exposição setorial de âmbito nacional.

A vida citadina de Leopoldina oferece possibilidades de acesso à educação superior

em três instituições, sendo duas particulares, que juntas perfazem um total de dez

cursos superiores voltados para a área da educação, da saúde, do direito e da

administração, e uma unidade do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas

Gerais, CEFET/MG com cinco cursos direcionados ao desenvolvimento industrial. Os

jovens do município costumam se deslocar diariamente em busca de outros cursos nas

cidades vizinhas como Cataguases e Muriaé. Ressaltamos que somente no inicio de

2010 iniciou um curso ligado às Ciências Agrárias na cidade de Muriaé, oferecido pelo

Instituto Federal de Educação Tecnológica IF-Sudeste, o qual está em fase de

implantação e outro, na mesma área, em Leopoldina, oferecido por uma Instituição

Privada. Ainda em relação à prestação de serviços a população tem acesso à saúde no

município em hospitais e clínicas e em Muriaé encontra-se um hospital de tratamento

de câncer que é referência nacional.

No desenvolvimento da pesquisa em Leopoldina procuramos perceber os efeitos da

mudança de configuração, de um município de “tendência ao campo”‟ para um de

“tendência ao êxodo” sobre o processo sucessório nas unidades familiares produtoras

de leite. Nossa amostra de produtores rurais entrevistados foi formada por gestores

familiares na faixa dos 56 anos, os quais assumiram a propriedade na qual vivem por

volta dos 29 anos, época em que constituíram família. Como era de se esperar a

escolaridade dos filhos dos produtores entrevistados era maior que a deles: os filhos e

filhas possuíam escolaridade em nível médio. As esposas, assim como os filhos se

envolviam mais com a produção leiteira nos estratos de maior produção que os de

menor. A presença dos filhos foi mais significativa do que a da esposa em todos os

estratos. O número de filhos vivendo no campo foi menor que na cidade,

Page 8: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

principalmente, nos estratos de menor produção. No tocante a composição da renda

dos agricultores familiares pesquisados, evidenciou a importância da aposentadoria

seguida pela renda advinda da pecuária leiteira.

A atividade leiteira praticada em Leopoldina utilizava a terra de forma extensiva, o que

tornava a terra um valor central e a herança uma estratégia de preservação do

patrimônio familiar com um ou dois filhos como gestores. A tecnologia utilizada na

produção leiteira era baixa, com animais meio sangue, utilização de monta natural,

baixa oferta de volumoso, ausência de suplementação alimentar, aleitamento natural

para o bezerro, ordenha manual realizada uma única vez ao dia, ausência de controle

zootécnico e de planilha de custo na administração da propriedade. Todos estes

indicadores caracterizam uma prática produtiva ainda não marcada pela racionalidade

produtiva, com forte preponderância do conhecimento passado de geração para

geração. A alteração tecnológica mais significativa na produção de leite ao longo dos

anos se deu, segundo os produtores rurais por força da Normativa 51, que aumentou

as exigências em torno da qualidade do leite. A

Embora os produtores rurais manifestassem uma avaliação negativa da atividade

leiteira, a grande maioria dos entrevistados manifestou a disposição em mantê-la ou

aumentá-la, em função da sua geração de renda mensal e da possibilidade de

poupança para o futuro através da recria de bezerros. No tocante ao significado da

unidade produtiva familiar para os possíveis sucessores observou-se que a condição

de produtor rural não estava indissoluvelmente ligada a atividade leiteira, mas ao modo

de vida camponês e a importância da manutenção do patrimônio familiar. Neste

sentido, o baixo nível tecnológico da atividade leiteira não se mostrou como

constituindo um fator restritivo a reprodução do modo de vida do agricultor familiar,

mesmo porque a renda obtida fora da unidade produtiva familiar se mostrou importante

na reprodução das famílias. No que diz respeito a uma possível especificidade da

atividade leiteira, a pesquisa demonstrou que a renda mensal e a possibilidade de

poupança a longo prazo, através da criação das bezerras se constituía em uma

segurança para o agricultor familiar e como uma possibilidade de sustento para a sua

família.

Page 9: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

2 A dinâmica campo-cidade no Oeste de Santa Catarina e sua influência sobre o processo sucessório

Já no que diz respeito à realidade do Oeste de Santa Catarina, a pesquisa foi realizada

em três microrregiões rurais: São Miguel do Oeste, Itapiranga e Campo Erê. Tal

classificação se deve ao fato das mesmas apresentarem uma densidade demográfica

menor que 80 hab/km²9. Dentre as três microrregiões, a maior densidade demográfica

foi encontrada em São Miguel do Oeste, 66 hab/km², e a menor em Campo Erê, com

20 hab/km². Itapiranga ficou no meio termo entre as duas, com 43 hab/km².

Figura 4. População rural e urbana referente aos anos de 1970 e 2007 nas microrregiões de estudo

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

1970 2007 1970 2007 1970 2007

São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

População Rural População Urbana

Fonte: Ipeadata, disponível: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?50185328

Em todas as três microrregiões (São Miguel do Oeste, Itapiranga e Campo Erê) a

população urbana cresceu e a rural diminuiu, entre as décadas de 1970 e 2007.

Entretanto, embora tenha havido este decréscimo da população rural, ao longo destas

quatro décadas, a População Economicamente Ativa no meio rural cresceu em todas

as três microrregiões, acompanhando a tendência de crescimento do Produto Interno

Bruto agropecuário.

9 Já quando observamos o perfil cultural percebemos a forte presença dos descendentes de italianos em

São Miguel do Oeste, de alemães em Itapiranga, e de italianos e caboclos em Campo Erê. O catolicismo se mostrou a religião dominante nas três micro-regiões, apesar de haver também uma menor expressividade do protestantismo.

Page 10: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Figura 5. População rural e urbana referente aos anos de 1970 e 2007 nas microrregiões de estudo

02000

40006000

800010000

1200014000

1600018000

1970 2007 1970 2007 1970 2007

S ã o Mig uel do Oeste Ita pira ng a C a mpo E rê

PEA Rural PEA Urbana

Fonte: Ipeadata, disponível: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?50185328

Podemos perceber que embora o PIB agropecuário tenha crescido menos que o

Industrial e o de serviços em duas das três microrregiões (São Miguel do Oeste e

Itapiranga), ainda assim, ele cresceu ao longo das 3 últimas décadas do Século XX e

da primeira do XXI, evidenciando um meio rural economicamente dinâmico.

Figura 6- PIB Industrial, Serviço e Agropecuário nos anos de1970 e 2007 nas microrregiões de estudos

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

160000

180000

1970 2007 1970 2007 1970 2007

São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

PIB Indústrial PIB Serviço PIB Agropecuário

Fonte: Ipeadata, disponível: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?50185328

Também o número de estabelecimentos agrícolas aumentou nas duas microrregiões

nas quais a População Economicamente Ativa no meio rural se mostrou maior que a do

meio urbano: Itapiranga e Campo Erê. Contudo, mesmo em São Miguel do Oeste o

Page 11: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

decréscimo no número de estabelecimentos não foi acentuado, fato que se constitui em

um indicador do êxito das estratégias reprodutivas adotadas nas unidades produtivas

familiares das três microrregiões pesquisadas.

Figura 7– Comparação do número de estabelecimentos Agropecuários

nas microrregiões de estudo nos anos de 1970 e 2006

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

1970 2006 1970 2006 1970 2006

São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

Estabelecimentos Agropecuários

Fonte: Ipeadata, disponível: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?50185328

Saindo do âmbito macro para o microeconômico podemos perceber que a tendência de

estabilidade no número de propriedades rurais destas três microrregiões tem se

efetivado com a predominância de estabelecimentos com área entre 11 e 50 ha.

Tabela 4 - Tamanho das propriedades visitadas nas microrregiões de estudo.

Área São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

1 a 5 ha 10% 3%

6 a 10 ha 27% 23% 16%

11 a 20 29% 39% 41%

21 a 50 32% 38% 36%

Mais de 50% 2% 4%

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

Estabelecimentos dentro destas dimensões têm viabilizado o desenvolvimento de

atividades produtivas que com o emprego de tecnologia, como é o caso da produção

leiteira, da suinocultura, da avicultura e do cultivo do fumo. Tais atividades têm sido

desenvolvidas de forma combinada, com base em estratégias reprodutivas que ficam a

meio-termo entre os benefícios da especialização e os da diversificação produtiva, não

adotando nem a exclusividade produtiva, nem a busca de auto-sustentação. A lógica

Page 12: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

reprodutiva dos agricultores familiares destas microrregiões combina, pois, atividades

de rápida e constante rentabilidade com outras de investimento mais longo, mas com

maior rentabilidade concentrada. A produção de leite, que tem uma renda regular

quinzenal ou mensal, é a atividade que mais se destaca nas três microrregiões. Ela se

combina com outras atividades de retorno mais longo, mas mais substancial como a

suinocultura, a avicultura e o plantio de fumo.

Tabela 5- Principais fonte de renda das famílias das microrregiões

Fonte de Renda São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

Leite 50% 66% 73%

Aves 8% 38% 10%

Suínos 43% 22% 12%

Fumo 16% 18% 18%

Soja Não especificada 3 41%

Agroindústria Não especificada 10% Não especificada

Aposentadoria Não especificada 18% 62%10

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

A renda mensal advinda destas atividades tem no estrato dos que auferem entre 3 e 5

salários mínimos sua tendência mais expressiva. Tal patamar de renda explica

perfeitamente a proximidade do padrão de consumo da população rural destas

microrregiões do oeste catarinense em relação à população de classe média urbana.

Os carros, motos e os eletrodomésticos das confortáveis residências desta região

atestam o poder aquisitivo da renda obtida por estes agricultores.

Tabela 6- Renda das famílias visitadas nas microrregiões

Renda São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

1 a 2 salários 8% 2% 23%

3 a 5 63% 65% 48%

6 a 10 24% 30% 21%

11 a 30 5% 3% 8%

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

10

Chamou a nossa atenção foi à questão da aposentadoria nas famílias, encontramos ao todo 62 aposentados, no entanto quando questionamos se a renda advinda desse benefício estava entre as três principais fontes de renda da família, apenas 10 desses responderam que sim. O que ouvimos desses aposentados na maioria das vezes foi que o valor recebido era muito baixo, sendo que em sua grande maioria recebiam somente um salário mínimo, sendo o mesmo utilizado principalmente em

medicamentos.

Page 13: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Atesta, também, a proximidade com os padrões urbanos de estilo de vida, a diminuição

no número de filhos, o que pode refletir, ainda, a racionalização em termos das terras

disponíveis não apenas por parte de cada família, como, também, em âmbito regional e

de fronteira agrícola fechada.

Tabela 7- Número de filhos por família visitada nas microrregiões

N. de filhos São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

1 a 3 58% 63% 62%

4 a 6 34% 30% 24%

7 a 9 4% 4% 7%

10 a 12 4% 3% 4%

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

Quando observamos a idade dos gestores nas três microrregiões notamos, mais uma

vez, que não se sobrepõe nenhuma tendência cultural específica, seja dos

descendentes de italianos, de alemães ou de caboclos. Há tal como no número de

filhos, uma tendência comum a que o processo sucessório se efetive, majoritariamente,

quando os novos gestores têm, aproximadamente, quarenta ou cinqüenta e poucos

anos, já com filhos adolescentes. Assim, a sucessão, geralmente, se efetiva em uma

configuração da unidade produtiva familiar que conta com três gerações residindo

juntas: os patriarcas, o filho sucessor, geralmente o mais velho, e seus filhos.

Tabela 8- Idade dos atuais gestores que participaram da pesquisa nas microrregiões

Idade dos Gestores São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

31 a 40 anos 14% 3% 11%

41 a 50 anos 46% 45% 41%

51 a 60 anos 26% 39% 35%

61 a 70 anos 11% 12% 9%

Mais de 71 3% 1% 4%

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

Estes sucessores, geralmente, herdaram a terra seguindo estratégias culturais

construídas com base em razões práticas seculares, como a escassez de terras para

todos os filhos.

Page 14: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Tabela 9- Formas de obtenção de terras segundo os atuais gestores das propriedades visitadas nas microrregiões

Formas de obtenção

das terras

São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

Compra de terceiros 30,8% 41% 63%

Herança 77% 73% 52%

Compra de Parentes 10,8% 29% 14%

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

Assim, de forma velada, mas compreensível e legitimada por todos os membros da

família se estabelecem os critérios visando maximizar as possibilidades de reprodução

da unidade produtiva familiar. Seja através da compra da terra de forma facilitada pelos

“irmãos-não-sucessores” ao “sucessor”, ou mesmo, através do simples costume

culturalmente aceito de não se considerar as mulheres como herdeiras de fato, apesar

de o serem de direito, é que se estabelecem, através dos costumes, os parâmetros de

definição do sucessor ou sucessores.

Tabela 10- Distribuição forma de distribuição da herança ocorrida nas famílias dos atuais gestores das microrregiões

Recebedores de terra São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

Homem e Mulher

igualmente

19,3% 37% 15,3%

Mulher não recebeu 57% 31,5% 57%

Compensação para

não herdeiros

10% 8,2% Não especificada

Sem compensação 13,7% 23,3% Não especificada

Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

O filho considerado como sendo o que tem maior afinidade com a agricultura ou com

os pais é aquele que desde criança ouve isto, sendo estimulado a desenvolver

habilidades voltadas para tais atividades. Como a sucessão opõe de um lado os

costumes e de outro a lei, e também pelo fato de envolver a perspectiva de morte dos

pais e mesmo a sua perda de poder na família, este não é um assunto que se fale de

forma aberta e sem constrangimentos. Tal afirmação se fortalece com os dados

Page 15: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

coletados na pesquisa que destacam justamente esta situação de tanto os pais como

os filhos afirmarem que ainda não se definiu quem ficará na propriedade dando

continuidade ao patrimônio e as raízes da família.

Tabela 11- Perspectiva de quem ficará nas propriedades visitadas nas microrregiões, na visão dos pais e dos filhos que permanecem nas propriedades

Perspectiva de quem ficará com a propriedade

São Miguel do Oeste Itapiranga Campo Erê

Pai Filho Pai Filho Pai Filho

O filho mais velho 9% 15% 15% 13% 20% 22,1%

O filho mais novo 3% 5% 13% 14% 4% 7%

A filha mais velha 1% 3% - - - 2,3%

A filha mais nova - - 6% 3% - -

O filho mais estudado - 1% - 6% 6% 8,1%

O filho menos estudado

2% 1% - - 4% 7%

O com maior afinidade com a agricultura

28% 24% 26% 38% 17% 24,4%

O com maior afinidade com os pais

20% 18% 10% 10% 14% 4,7%

Ainda não foi definido

31% 25% 27% 16% 31% 19,8%

Mais de um sucessor 6% 8% 3% - 4% 4,7% Fonte – Dados da pesquisa de campo, 2009

Assim, após apresentarmos este retrato do processo sucessório nas unidades

produtivas familiares do Oeste de Santa Catarina, retomemos as nossas questões de

investigação, aos nossos objetivos de pesquisa e as nossas hipóteses. As questões de

investigação que nortearam a nossa pesquisa se referiam a investigar se havia uma

conexão entre fatores culturais e a saída dos jovens da unidade produtiva familiar. Ou

seja, procurávamos investigar se os jovens deixavam a propriedade paterna em

decorrência de: a) das restrições econômicas relativas às limitações das possibilidades

de reprodução da unidade produtiva familiar, como área da propriedade, tipo de

atividade produtiva, nível tecnológico e número de filhos; b) em decorrência de fatores

culturais relativos à inconformação dos jovens face aos costumes camponeses, tais

como: a conduta hierárquica e centralizadora dos pais e o forte sexismo discriminatório

dos direitos das mulheres no meio rural; e por fim, c) em decorrência dos apelos

urbanos de acesso a bens e serviços, bem como a possibilidade de trabalho melhor

remunerado e com garantias trabalhistas.

Page 16: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

Quanto à questão do repúdio dos jovens a cultura camponesa como sendo um fator

explicativo para a saída dos jovens do meio rural, nossos dados nos mostram que é

falaciosa, para a realidade das três microrregiões pesquisadas no oeste catarinense, a

perspectiva de saída dos jovens em geral do meio rural. Os jovens, filhos de

agricultores familiares não podem ser vistos como um bloco unívoco. Dentre os filhos

de agricultores familiares há aqueles que vão sendo guiados, desde criança a

buscarem outras alternativas de trabalho e vida e aquele ou aqueles que serão os

sucessores. Quando observamos, a situação das unidades produtivas do oeste

catarinense notamos que embora tenha havido redução da população rural, não houve

redução do número de propriedades, nas últimas quatro décadas, ou seja, as

propriedades continuam a ter gestores da própria família, o que indica o expressivo

número de propriedades herdadas. Assim, a saída dos jovens não sucessores da

propriedade paterna parece guardar a mesma necessidade de reprodução social das

unidades produtivas familiares de gaúchos descendentes de italianos e alemães, que

tiveram que mandar parte de seus filhos pelo rio Uruguai, nos anos de 1940 a 1960,

para o oeste de Santa Catarina, em busca de outras terras agriculturáveis. Desta

forma, também a hipótese relativa à saída dos filhos devido à atratividade do meio

urbano pode se colocar como em correspondência a uma nova fronteira de trabalho,

que deixou de ser agrícola e passou a ser urbana.

Nossos dados mostraram que longe de ser um projeto individual, construído pelo

jovem, de forma isolada, aqueles que vão deixar a unidade produtiva familiar o

constroem dentro e com a família. Assim, o que podemos constatar é que as

estratégias sucessórias das famílias de agricultores do oeste catarinense se

configuram de forma processual, imprimindo entre os filhos, desde tenra idade, formas

de classificação de sucessores e não sucessores, que vão sendo por eles

interiorizadas e assumidas, a partir da aceitação de rotulações tais como: “fulano tem

queda para os assuntos agrícolas” e “beltrano já tem jeito para os estudos”. Embora,

não deixe de ser verdade que o trabalho urbano e o acesso a bens e serviços se

constitua em uma motivação para a saída dos jovens não sucessores, cada vez mais a

dinâmica territorial, que aproxima o urbano e o rural, em termos de uma economia

intersetorializada, bem como em termos da acessibilidade das pessoas do meio rural

aos padrões de consumo e de serviços encontrados no meio urbano, coloca antes em

destaque, que a motivação para a saída dos filhos não sucessores está em

Page 17: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

consonância com o fato de que a unidade produtiva familiar tem se viabilizado

economicamente com um ou dois sucessores, seja em função da tecnologia, seja em

decorrência de uma unidade produtiva contar geralmente com a força de trabalho de

uma família extensa, constituída pelo casal de patriarcas, pelo filho sucessor e sua

esposa, e pelos seus filhos, dividindo as tarefas da unidade produtiva familiar.

Em fim, nossos dados mostraram que as propriedades das três microrregiões do oeste

catarinense não estavam tendo problemas relativo à falta de sucessor: há filhos que

saem e há filhos que ficam, e as filhas continuam não sendo herdeiras em potencial.

No que diz respeito à consideração do peso dos costumes diferenciados vinculados

aos descendentes de italianos, alemães e caboclos, de religião majoritariamente

católica, não se evidenciou um traço peculiar em termos de construção de estratégias

reprodutivas. Contudo, nossos dados mostraram que dentre as famílias de alemães é

que as mulheres encontraram melhor condição em termos da herança da terra.

3 Considerações Finais

Ao analisarmos o efeito da dinâmica rural-urbano sobre a sucessão na agricultura

familiar na Zona da Mata mineira e no Oeste de Santa Catarina percebemos que a

tendência de crescimento da PEA rural no oeste catarinense reflete um ciclo virtuoso

de desenvolvimento que abre um campo de possibilidades de obtenção de renda e de

estilo de vida próximo ao urbano. Este cenário tem estado associado ao aumento de

unidades produtivas familiares na região quando comparamos os dados relativos aos

anos 2000 com a década de 70. Diante deste quadro é possível aventarmos a hipótese

de que a possibilidade dos agricultores familiares terem acesso ao melhor dos dois

mundos, o rural e o urbano, sirva de estímulo para que eles se mantenham como

sucessores nas unidades produtivas familiares no oeste catarinense, adotando novas

tecnologias e práticas produtivas que tem os possibilitado se manter competitivos no

mercado. Em contraposição, o contexto da agricultura familiar na Zona da Mata

mineira, o qual tem apresentado uma tendência ao êxodo, tem refletido uma dinâmica

tradicional na agricultura familiar e um diferencial da renda quando comparado com o

Page 18: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

meio urbano. Este cenário diferenciado pode resultar em uma falta de estímulo para a

continuidade na unidade produtiva familiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, R. CAMARO, A.A . Exodo rural, envelhecimento, e masculinização no Brasil: tendencias recentes. N 2. Set 1997

ABRAMOVAY, R. SILVESTRO, M; CORTINA, N; BALDISSERA, Ivan T; FERRARI D; TESTA, V. M. Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998

ABRAMOVAY, R. Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar. Florianópolis : Epagri ; Brasília, 2001: Nead/ Ministério do Desenvolvimento Agrário

____________________ “O capital social dos territórios – Repensando o desenvolvimento rural” in O Futuro das Regiões Rurais pp. 83-100 – Ed. UFRGS, Porto Alegre.

ANJOS, F. S. Agricultura familiar em transformação: o caso dos colonos operários de Massaranduba (SC). Pelotas: UFPel/Editora Universitária, 1995.

ANJOS, F.S. CALDAS, N. V. Pluriatividade e sucessão hereditária na agricultura familiar. In. A diversidade da agricultura familiar (Org), SCHNEIDER, S. Porto Alegre: Ed UFRGS, 2006.

____ Agricultura Familiar, Pluriatividade e Desenvolvimento Rural no Sul do Brasil. Pelotas: EGUFPEL, 2003.

BADALOTTI, R.M.; RENK, A.; BERTONCELLO, A.; ROSSY, A.M.; AMARAL, E.; DALLAZEN, R. Reprodução Social da Agricultura Familiar r Juventude Rural no Oeste Catarinense. VII RAM – UFRGS, Porto Alegre, Brasil, 2007 – GT 01. Antropología Económica y Ecológica.

BAVARESCO, P.R. OS ciclos econômicos do EXTREMO OESTE CATARINENSE: Modernização, progresso e empobrecimento.Blumenau, 2003. Dissertação

apresentada ao colegiado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional – PPGDR do Centro de Ciências Humanas e da Comunicação da Universidade Regional de Blumenau – FURB, como requisito parcial para obtenção do grau de M BRUMER, Anita. A problemática dos jovens rurais na pós-modernidade. In: CARNEIRO, M. J; CASTRO, E. G de. Juventude rural em perspectiva. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.

BUAINAIN, A. M. (Coord.). Agricultura familiar e inovação tecnológica no Brasil: características, desafios e obstáculos. Campinas: UNICAMP, 2007. 238 p.

(Agricultura, instituições e desenvolvimento sustentável).

Page 19: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

CASTRO, E.G. Juventude rural no Brasil: processos de exclusão e a construção de um ator político. Rev. Latinoam.ciensocnineez. jun. 2009. Disponível: www.umanizales.edu.com. Acesso: 25/07/09.

___________. Debates. In: CARNEIRO, Maria José; CASTRO, Elisa Guaraná de. Juventude rural em perspect iva. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007

Censo Demográfico: 1970; 1980; 1991; 2000. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/. Acesso em: abr 2009.

Censo Agropecuário 2006. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/. Acesso em: set 2009.

CONFERENCIA NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). Dados Demográficos. Disponível em: http://www.cnm.org.br/demografia/br_demografia.asp. Acesso em. jun 2009.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 Acessado em: 2/09/2009.

Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), 1991. Disponível em: www.ibam.org.br/publique/media/regime-caixa.pdf. Acesso em: Junho, 2009

Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (ICEPA). Disponível em: http://cepa.epagri.sc.gov.br/Informativos_agropecuarios/Carnes. (2005). Acesso em: Maio, 2009

JUNGBLUTH, R. Documento histórico de Porto Novo São Miguel d´Oeste: Arco Íris, 2000.

KAGEYAMA, A. As múltiplas fontes de renda das famílias agrícolas brasileiras. Agricultura em São Paulo. São Paulo, IEA, v.48, n.2, p.57-69, 2001.

MENDONÇA, K. F C. RIBEIRO, Á. E. M. GALIZONI, F. M. Sucessão na agricultura familiar: estudo de caso sobre o destino dos jovens do alto Jequitinhonha, MG. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

MIOR, Luiz C. Agricultores Familiares, Agroindústria e Território: a dinâmica das redes de desenvolvimento rural no oeste catarinense. Tese de Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas-Sociedade e Meio Ambiente; UFSC, Florianópolis, 2003.

MIOR. L, C. Trajetórias das agroindústrias familiares rurais no estado de Santa Catarina (Brasil). IV Congresso Internacional de la Red SIAL. Argentina/ Mar Del Plat. 27 a 31 de out,2008.

Page 20: A INTERAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO VISTA … INTERACAO ENTRE O RURAL E O URBANO... · Esta visão de uma nova ruralidade é fruto dos fenômenos de interdependência entre os

PAULINO, E.T. Terra e vida. A geografia dos camponeses no norte do Paraná. (2003). Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente – São Paulo.

PLEIN, C. As Metamorfoses da Agricultura Familiar: O caso do Município de Iporã do Oeste, Santa Catarina Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento Rural. Porto Alegre, 2003.