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a JuNta gEral do distrito dE aNgra do HEroísmo.a ElEição dE 1913 E um aNo E mEio dE política dura
E admiNistração agrEssiva
José guilHErmE rEis lEitE
Leite, J. G. R. (2010), A Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo. A eleição de 1913 e um ano e meio de política dura e administração agressiva. boletim do núcleo cultural da Horta, 19: 239-266.
Sumário: A Lei 88 de Agosto de 1913 visou a estruturação dos corpos administrativos em moldes democráticos e descentralizados, em harmonia com o Código Administrativo de Fontes Pereira de Melo datado de 1878. o presente ensaio debruça-se sobre o processo eleitoral de 1913, o qual conduziu a uma situação de grande instabilidade política causada pela luta entre democráticos e unionistas no seio da Junta Geral de Angra do Heroísmo.
Leite, J. G. R. (2010), the General Board of Angra do Heroísmo. the election of 1913 and a year and a half of tough policy and aggressive administration. boletim do núcleo cultural da Horta, 19: 239-266.
Summary: the purpose of the Law 88 of August 1913 was the organization of the administra-tive bodies in accordance with democratic and decentralized principles, based on the Fontes Pereira de Melo Administrative Code dated from 1878. this essay focuses on the electoral process of 1913, which led to a situation of great political instability caused by the struggle between democratic and unionists within the General Board of Angra do Heroísmo.
José Guilherme Reis Leite – Instituto Histórico da Ilha terceira. Ladeira de São Francisco. 9700 Angra do Heroísmo.
palavras-chave: República, Eleições de 1913, Democratas, Unionistas, autonomia, Junta Geral.
Key-words: Republic, 1913 elections, democrats, unionists, autonomy, General Board.
o ano de 1913 ficou marcado pela posse do primeiro governo partidário da República, em Janeiro, chefiado
por Afonso Costa, o todo poderoso líder dos democráticos e ainda por dois actos eleitorais, o de recompo-
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sição do parlamento e o das eleições administrativas, ambos em Novembro desse ano1.No distrito de Angra do Heroísmo, formado pelas ilhas terceira, S. Jorge e Graciosa, um dos três em que o Arquipélago dos Açores se encontrava dividido administrativamente, esses actos 2 eleitorais trouxeram algumas surpresas e, na contra corrente do que se passou a nível nacional, veio abalar a estabilidade dos democráticos, ace-lerando a organização dos unionistas de Brito Camacho e clarificando o equilíbrio político das várias sensibi-lidades republicanas.No período preparatório para os actos eleitorais de Novembro, tanto os democráticos, como os unionistas trataram de pela primeira vez monta-rem um sistema organizado dos seus partidos, não parecendo que os evolu-cionistas de António José de Almeida tivessem no distrito adeptos sufi-cientes para tanto. Acabava, assim, pelo menos formalmente, a unidade republicana (o Partido Republicano
Português) que entre 1910 e 1913, ainda que com fissuras manifestas, tinha conduzido o governo distrital e municipal, por meio de comissões administrativas.A união 3, o velho diário independen-te, se bem que próximo dos conser-vadores, fossem eles católicos, unio-nistas ou outros quaisquer, noticiava estas alterações, informando a opi-nião pública das reuniões partidárias de ambas as facções republicanas e os resultados políticos 4.os democráticos apareciam chefiados por Francisco Mendonça Pacheco e Melo, (1865-19?) 5 oriundo de uma família aristocrática da ilha Graciosa, que se evidenciara através dele e de outros membros, principalmente o eng.º João Mendonça Pacheco e Melo (1857-1931) 6, na política distrital do fim da monarquia. Beneficiavam, os democráticos, da herança do poder que detinham nas instâncias distritais, sobretudo no concelho de Angra do Heroísmo e da militância de alguns dos seus filiados, em que se destaca-
1 Para a história política da República consul-te-se, Douglas L. WHEElEr, História polí-tica de portugal, 1910-1916, Lisboa, Publ. Europa-América, 1978 e David FErrEira, História política da primeira República (1910-1915), Lisboa, Livros Horizonte, 2 vols., 1973.
2 Para a História açoriana consulte-se Histó-ria dos Açores, A.H., ed. do I.A.C., 2008, vol. II.
3 A UNIÃo (1893. Continua a publicar-se), in Enciclopédia Açoriana, consultavel em http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/enciclope-dia/index.aspx. As entradas que não tenham indicação de autor são da minha autoria.
4 A UNIÃo, A.H., 24-XI-1913.5 MElo, Francisco Mendonça Pacheco, in En-
ciclopédia Açoriana.6 MElo, João Mendonça Pacheco e, in Enci-
clopédia Açoriana.
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vam nesse ano de 1913 o dr. José Augusto dos Santos (1875-1931) 7
reitor do liceu e o dr. Luis da Silva Ribeiro (1882-1955) 8, já então um notável advogado e administrativista. Um outro homem forte do partido, o Eng.º Francisco de Assis Coelho Borges 9 (1872-1942) que fora o intré-pido executante das medidas mais duras das leis republicanas do tempo do Governo Provisório, com destaque para a lei da separação do Estado e das Igrejas, estava ausente por ter sido colocado nas obras públicas do distrito da Horta.os unionistas, também conhecidos por camachistas, eram a novidade política mas sofriam evidentemente de duas fraquezas. Por um lado eram vistos como dissidentes da unidade republicana e por outro, se bem que conservadores, não conseguiam dis-putar a confiança dos não republica-nos, pelos menos em Angra. organi-zavam-se sob a chefia do dr. Henrique Brás (1884-1947) 10, um conhecido advogado, de uma família da burgue-sia citadina e fiel e firme republicano desde os tempos de Coimbra. Fora o
primeiro governador civil do regime. Mas desde cedo se incompatibilizara com os excessos dos seus correligio-nários da linha dura, capitaneados pelo eng. Coelho Borges, o que o levara à demissão do lugar em 1912, sendo substituído por um outro mode-rado, o 2.º tenente António Afonso de Carvalho, (1880-1949) 11 que havia de chefiar o governo civil até ao primeiro governador nomeado pelo governo de Afonso Costa, em 1913, o já nosso conhecido Francisco de Mendonça Pacheco e Melo, o chefe distrital dos democráticos.os unionistas apareciam em força, com uma organização partidária for-mada por uma comissão distrital e por comissões municipais, anunciando mesmo a formação de comissões paro-quiais, das quais se constituíram de imediato as das paróquias citadinas. Pretenderiam de certo vir a contar com o apoio de todos aqueles que não se reviam na política dos democráticos e por isso anunciavam como membros da sua orgânica gente vinda do repu-blicanismo, como Amadeu Monjar-dino (1876-1954) 12 e Vicente Ramos
7 SaNtos, José Augusto (por Carlos Enes), in Enciclopédia Açoriana.
8 Sobre Luís da Silva Ribeiro, consulte-se Carlos ENEs, “Luís Ribeiro e a sua Época”, in Luís da Silva RibEiro, Obras, iV Escritos político-Administrativos, A.H., Ed. I.H.I.t., 1996, pp. 13 a 98.
9 BorgEs, Francisco de Assis Coelho, in Jorge ForJaz e António MENdEs, genealogias
da ilha Terceira, Lisboa, Dislivro, 2007, vol. III, título de Coelho, pp. 290 e 291.
10 Brás, Henrique de oliveira, in Enciclopé-dia Açoriana.
11 CarvalHo, António Afonso de, in Enciclo-pédia Açoriana.
12 MoNJardiNo, Amadeu, in Jorge ForJaz, Os monjardinos, uma Família genovesa
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(1860-1936)13, gente nova, saída da Universidade, como Francisco Lou-renço Valadão Jr (1889-1969)14 e também velhos monárquicos agora convertidos à República, mas a uma república ordeira e moderada, como o jornalista José Augusto da Silva Sam-paio (1852-1914)15.A imprensa, por sua vez, também se adaptava às novas modalidades da política. A união mantinha-se como diário independente, mas católico e conservador. O Tempo (1905-1912)16, diário republicano da propaganda, do combate à monarquia e da política do Partido Republicano Português após a proclamação da República, desa-parecera em 1912, quando a unidade ruira. Apareciam agora o distrito (1913)17, como órgão do Partido da União Republicana, os unionistas, que em 1914 se transformaria em A defesa18 e o democrata (1914)19 órgão dos democráticos.Eram pois de monta as novidades no burgo angrense e o resultado de tudo isto ficava bem patente quer na
campanha, quer na organização, quer ainda nos resultados das eleições, primeiro da eleição intercalar, logo depois nas eleições administrativas.A eleição intercalar fazia-se no dis-trito para eleger um substituto para o lugar de deputado que fora ocupado desde a constituinte por Faustino de Fonseca (1871-1918) 20, alcandorado a senador. A novidade política desta eleição é que ambos os partidos con-correntes se esforçavam por forma-rem listas com açorianos residentes, não se contentando mais com a estra-tégia da eleição da constituinte, em que os candidatos eram todos açoria-nos ilustres mas há muito residentes em Lisboa e desenraizados da sua terra e dos seus problemas. Haviam servido para o bom nome dos Açores na constituinte, mas mandava o bom senso que para o Congresso se en-viasse gente inserida na política local, até como maneira de motivar o elei-torado. Não tinham, evidentemente, os decisores de 1911 contado com o golpe de transformar a constituinte em Congresso, sem eleição e por isso agora só podiam contar com a elei-
em portugal, Açores e brasil, A.H., Ed. de autor, 1987, p. 68.
13 Ramos, Francisco Vicente (por Carlos Enes), in Enciclopédia Açoriana.
14 Valadão, Francisco Lourenço (Jr.) (por Carlos Enes), in Enciclopédia Açoriana.
15 Sampaio, José Augusto da Silva, in genea-logias e Enciclopédia Açoriana (por Carlos Enes), A UNIÃo, 6 e 7 de Fevereiro de 1914.
16 o tEMPo (1905-1912), Jornais Açorianos, catálogo, P.D., B.P.A.P.D., 1995, p. 79.
17 o DIStRIto (1913), Jornais Açorianos, catálogo, P.D., B.P.A.P.D., 1995, p. 67.
18 A DEFESA (1914), idem, p. 65.19 o DEMoCRAtA (1914), idem, p. 65.20 FoNsEca, Faustino, in Enciclopédia Aço-
riana.
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ção de substitutos, em número muito reduzido. Davam o sinal político necessário, contudo.os democratas, dizia A união, bem haviam tentado convencer dois dos seus mais destacados militantes an-grenses a aceitarem lugar nas listas para a eleição, o dr. José Augusto dos Santos e o dr. Luís Ribeiro, mas perante a negativa destas personali-dades conformaram-se com a neces-sidade de indicarem nomes nacionais, o doutor Jaime Ernesto Salazar d’Eça e Sousa, lente da Faculdade de Medi-cina de Lisboa e o doutor Eduardo Alberto Lima Basto 21, catedrático do Instituto Superior de Agronomia, nomes ilustres, sem dúvida, mas que por não serem nem açorianos, nem residentes não inspiravam confiança suficiente para levarem a uma vitória.os unionistas, por sua vez, aposta-vam num nome que lhes garantia a simpatia de muitos, o antigo governa-dor civil Henrique Brás, prestigiado e insinuante quer em Angra, quer no distrito.Entretanto o governo enviava para Angra, um governador civil, de olhos postos na eleição é claro, o dr. João Baptista de Silva (1876-1948) 22, um fiel e duro apoiante de Afonso Costa.o resultado da eleição foi eloquente.
o candidato da oposição, o unionista Henrique Brás, ganhava folgada-mente na Praia da Vitória e nas Velas e tanto em Angra, como na Calheta e em Santa Cruz perdia por números escassos de poucas dezenas de votos (94 em Angra, 29 na Calheta e 14 em Santa Cruz). Na Praia, num universo de 639 votos entrados na urna, arreca-dava 540 e nas Velas, dos 291 entra-dos, conseguia 123.Era um sério aviso para os democrá-ticos e uma derrota para todos, mas para o enviado governamental sobre-tudo.Alonguei-me um pouco neste acto eleitoral porque sobre ele conhece-mos apesar de tudo mais do que sobre aquele que se realizou passada uma semana, a 23 de Novembro, para a Junta Geral do Distrito, pois para este não conhecemos os números nem dos inscritos, nem dos votantes, nem sequer dos votos que cada candidato obteve.A eleição para a Junta Geral regia-se pela Lei eleitoral de 3 de Julho de 1913, a qual definia como eleitores os cidadãos portugueses do sexo mascu-lino, maiores de 21 anos, que estando no gozo dos seus direitos civis e políticos, soubessem ler e escrever e fossem residentes 23. Para os corpos
21 MarquEs, A. H. oliveira (coord.), parla-mentares e ministros da 1.ª República (1910-1926), Lisboa, AR/Ed. Afrontamento, 2000, pp. 115-116.
22 MarquEs, A. H. oliveira (coord.), idem, pp. 402-403.
23 legislação Eleitoral portuguesa (1820-1926), Lisboa, I.N.C.M., 1998, pp. 615 a 644.
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administrativos podiam ser eleitos os eleitores. Havia evidentemente excepções e a lei também definia aqueles que não podendo ser eleitores também não podiam ser eleitos. tanto a lei em si, como o recenseamento, a divisão dos círculos, apresentação de candidaturas, como a disciplina das mesas de voto e seu controlo por delegados eleitorais, não suscitou protestos ou sequer dúvidas, o que levou a que as eleições para a Junta Geral, como para as Câmaras Muni-cipais e Juntas de Paróquia tenham decorrido sem qualquer incidente ou protesto, como testemunhou a insus-peita união. Contudo, é necessário dizer que apesar da aparente liberali-
dade da lei, o universo dos eleitores e dos elegíveis era muito limitado, por-que nem podiam votar as mulheres e os analfabetos atingiam nos Açores cerca de 80% da população. o corpo eleitoral era assim não só reduzido, como essencialmente urbano.outra lei, a n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, regulava a organização, funcio-namento, atribuições e competências dos corpos administrativos e conjun-tamente com o velho código admi-nistrativo 24 de 1878, uma das glórias dos partido regenerador chefiado por Fontes Pereira de Melo, que por ser o mais democrático e descentraliza-dor dos códigos da monarquia, fora retomado pela República, quando o
24 boletim da Junta geral de Angra do He-roísmo, II Série, n.º 1, Janeiro de 1914.
O boletim da Junta geral de Angra do Heroísmo merece e necessita de uma refe-rência mais desenvolvida pois nunca des-pertou o interesse dos bibliófilos, que possi-velmente o desconheceram. A Junta Geral do distrito de Angra do Heroísmo, eleita para o triénio de 1914 a 1916, decidiu publi-car um boletim, o que só tinha acontecido anteriormente entre 1882 e 1892, quando a Junta Geral não era autónoma. A contrário da Junta Geral do distrito de Ponta Delgada, que desde a sua instalação em 1896 publi-cou o seu boletim, a de Angra do Heroísmo, instalada em 1898, não o fez.
Assim, a Junta Geral de Angra do Heroísmo, em 1914 passou a editar um boletim com-posto por duas séries. A 1.ª série, mensal, com início em Janeiro de 1914 publicou-se até ao número 50, de Fevereiro de 1918.
A esta série saíram 9 suplementos. A 2.ª série, iniciada também em Janeiro de 1914,
era irregular e publicou 9 números, o último de outubro de 1916.
Na 1.ª série publicavam-se as actas da Junta Geral e as actas da Comissão Executiva, tanto das reuniões ordinárias como das extraordinárias, havendo para cada um dos anos um Repertório Alfabético. Nos suple-mentos a esta série publicavam-se as actas da Junta Geral instalada em 1899 e da res-pectiva Comissão Distrital. Publicaram-se até outubro de 1900, tendo então sido inter-rompida a publicação.
Na 2.ª série publicou-se a legislação refe-rente às Juntas Gerais e outros corpos admi-nistrativos.
o Boletim era de formato 33 cm × 33 cm, composto e impresso na Minerva Cunha, até Setembro\outubro de 1914; na tipografia Sousa e Andrade, entre Novembro de 1914
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Congresso acabou por reconhecer a sua incapacidade para produzir um código administrativo republicano.Assim, em vez de um código novo, republicano de gema, o que havia era o código de 1878 e a lei n.º 88 de Agosto de 1913. As Juntas Gerais, como órgãos de administração distri-tal, que haviam sido extintas em 1892, reapareciam, eleitas directamente, com grande autonomia do governo, independentes e responsáveis pelos seus actos respondendo unicamente perante os tribunais administrativos.É preciso dizer-se que entre 1895 e 1910 haviam funcionado em dois distritos insulares (Ponta Delgada e Angra do Heroísmo) Juntas Gerais ditas autónomas 25, às quais, em 1902, se juntara a do distrito do Funchal. Contudo, nunca elas haviam gozado da independência do governo central, que o código de 1878 e a lei n.º 88 agora lhes concedia. Haviam sempre vivido uma tutela muito apertada do governo e sempre ameaçadas de dis-solução e substituição por comissões administrativas, faculdade que a lei atribuía ao governo.
A lei de Agosto de 1913, que era geral para o país, recolhia, no seu título VI, disposições especiais para o distrito de Angra do Heroísmo, Ponta Del-gada e Funchal.Aqui convém explicitar melhor o que isto queria dizer. o decreto de 2 de Março de 1895 estabelecera 26 para aqueles distritos açorianos que o pedissem, um regime administrativo especial, dito de autonomia adminis-trativa, o qual veio a estender-se ao distrito do Funchal em 1902. Esta autonomia administrativa exercia-se através de uma Junta Geral eleita directamente em círculos formados pelos concelhos isto, note-se, quando nos restantes distritos as Juntas Ge-rais haviam sido extintas. As Juntas, conhecidas por autonómicas, para exercerem as suas funções, recebiam parte dos impostos cobrados no dis-trito e com essas verbas administra-vam os sectores que a lei lhes atri-buía.Era precisamente tais réditos que a lei n.º 88 continuava a atribuir às Juntas Gerais de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Funchal, no seu título VI,
e Março de 1915 e na tipografia Andrade, a partir de Abril de 1915. A assinatura
custava 1 escudo e os anúncios oficiais na 4.ª página, que nunca se publicaram, custa-vam 4 centavos a linha.
tem interesse redobrado este boletim por-que tendo havido um incêndio no arquivo da Junta Geral nos anos vinte não se conhe-
cem os originais das actas deste corpo admi-nistrativo até 1928.
25 LEitE, José Guilherme Reis, política e Administração nos Açores (1890-1910). O primeiro movimento Autonomista, P.D., Jornal da Cultura, 1995.
26 boletim da J.g.A.H., II Série, n.º 2, Março de 1914.
246 boletim do núcleo cultural da Horta
que mandava continuar em vigor os artigos 28.º, 29.º, 30.º, 31.º e 32.º do decreto de 2 de Março de 1895, que, como dizia a lei “institui o regime autonómico das Juntas Gerais” e aclarava que em tudo o mais, quanto ao seu funcionamento, fiscalização e tutela, se regulariam as juntas pelas disposições da nova lei, com suas excepções:
1. A composição da Junta, formada por procuradores eleitos directamente pelos respectivos concelhos, sendo 7 por cada concelho de 1.ª ordem, 5 por cada concelho de 2.ª ordem e 3 por cada concelho de 3.ª ordem.
2. As comissões executivas eram compostas de 3 membros.
3. As Juntas conservavam os seus actuais funcionários de nomeação vitalícia, mas podiam remodelar os respectivos quadros, requisitando do governo o pessoal técnico e auxiliar que necessitassem e só quando fosse impossível o Estado ceder tal pessoal é que poderiam fazer contratos.
4. Além dos serviços que à data já estavam a cargo das juntas, estas passavam a deliberar sobre todos os assuntos e a arrecadar todas as recei-tas da nova lei.
5. Nenhum encargo novo, de carácter permanente, podia ser criado às jun-tas sem previamente ser criada receita nova.
6. As juntas pagavam ao Estado, que continuava a arrecadar os impostos, 5% das quantias arrecadadas, como compensação.
Era este núcleo o cerne da autonomia administrativa, à qual parecia agora a Republica converter-se, esquecendo a sua antiga animosidade contra a auto-nomia insular, quando da luta de finais do século XIX. Pela lei 88 dava-se de facto um passo em frente, porque a lei era descentralizadora, acabava com a tutela do governo, impedia a dissolu-ção das juntas e concedia no n.º 5 do artigo 87 uma velha aspiração auto-nomista, ao proibir a atribuição às Juntas Gerais de novos encargos sem se criarem novas receitas.Do velho decreto de 2 de Março de 1895 ficava em vigor unicamente o capítulo III, secção I, referente a receita e despesa, onde se definiam as receitas ordinárias e extraordinárias do distrito; o adicional de 15 por cento às contribuições directas do estado, predial, industrial, de renda de casa e sumptuária, que eram o essencial das receitas; o modo de cobrar tais impostos; a definição das despesas obrigatórias e facultativas.Aparentemente tudo corria pelo me-lhor e os autonomistas não se podiam queixar, nem tão pouco os empe-dernidos autonomistas monárquicos, porque esta lei, dentro do espírito da autonomia administrativa, cedia num
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campo pelo qual eles haviam lutado, sem êxito, porque os governos monár-quicos nunca haviam aceitado o fim da tutela directa do governo, através do governador civil, nem a proibição de atribuir novos serviços, sem atri-buir novas receitas.É verdade que não se avançava para qualquer autonomia política, como se poderia esperar do novo regime, mas isso não parecia incomodar, por agora, ninguém. Estava ainda longe o 2.º movimento autonomista e regio-nalista da década seguinte.Assim, a eleição para a primeira Junta Geral do novo regime administrativo, no distrito de Angra do Heroísmo, fez-se a 23 de Novembro de 1913. Pelas disposições da lei, na ilha ter-ceira, o concelho de Angra do Heroís-mo, o único de 1.ª classe, elegia 7 procuradores e o da Praia da Vitória, o único de 2.ª classe, elegia 5 procu-radores. Na ilha de S. Jorge, ambos os concelhos, o das Velas e o da Calheta, sendo de 3.ª classe, elegiam 3 procu-radores cada um e na ilha Graciosa, com um único concelho, o de Santa Cruz, esse também de 3.ª classe, ele-gia-se 3 procuradores.Como se esperava apareceram listas tanto dos democratas como dos unio-nistas, formadas ambas por filiados
e simpatizantes dos respectivos par-tidos. Sociologicamente observadas, todas eram compostas por gente dos mesmos meios sociais. Bacharéis em direito, oficiais de exército, comer-ciantes e pequenos proprietários. todos eles, mesmo os concorrentes por concelhos das outras ilhas, eram residentes na terceira, porque nem havia transportes capazes nem as con-dições económicas e sociais permi-tiam outra solução e para além disso os cargos não eram remunerados.os democráticos 27 apresentavam os seus trunfos mais fortes no concelho de Angra, o dr. Luís da Silva Ribeiro e o tenente-coronel Luís da Silva Alves (1859-1935) 28. os unionistas 29, por sua vez, concorriam com as suas emi-nências no concelho da Praia da Vitó-ria, o dr. António da Fonseca Carvão Paim da Câmara (1864-1931) 30, pe-dagogo e grande proprietário, filho do barão do Ramalho, de uma velha família aristocrática de tradições da esquerda monárquica e antigo filiado nos progressistas e o dr. Francisco Lourenço Valadão, recém-formado em Coimbra, bacharel em direito, advogado então no início da carreira, que poderemos considerar uma espe-rança entre os conservadores, que o futuro confirmaria, aliás. o resto das
27 A UNIÃo, A.H., 1-XI-1913.28 AlvEs, Luís da Silva, in Enciclopédia Aço-
riana.
29 A UNIÃo, A.H., 25-XI-1913.30 Câmara, António da Fonseca Carvão Paim
da, in Enciclopédia Açoriana.
248 boletim do núcleo cultural da Horta
listas dava destaque, conforme os concelhos, a gente fiel aos princípios políticos e partidários e procurava colocar em lugares elegíveis aqueles que teriam mais préstimo na refrega política que se adivinhava.Uma busca mais minuciosa nas ge-nealogias da ilha Terceira 31 permi-tiria de certo definir o perfil social e económico das listas, mas isso alon-garia demasiado o estudo. Ficaremos pelo pessoal dirigente.o resultado da eleição não trazia grandes novidades para quem tivesse estado atento à eleição anterior. No concelho de Angra tinham os demo-cráticos superioridade, mas mesmo assim os unionistas elegeram 2 procu-radores e os democráticos 5. A Praia da Vitória era um feudo dos unionistas que elegeram os 5 procuradores. Nos outros concelhos ganhavam os unio-nistas nas Velas e os democráticos na Calheta e em Santa Cruz da Graciosa. Contudo o apuramento final dava a vitória aos democráticos por uma unha negra, 11 procuradores em 21. Ficava assim a maioria na junta asse-gurada por um único procurador.No dia 2 de Janeiro de 1913, sem prévia convocatória, como mandava a lei, reunia-se por direito próprio, a
Junta Geral do distrito de Angra do Heroísmo, nas salas que lhe estavam reservadas no edifício do Governo Civil. Instalada, tratou de eleger 32 o seu presidente, vice-presidente, secre- tário e vice-secretário. Foram eleitos, pelos democráticos, o presidente, o dr. Luís da Silva Ribeiro, o vice-pre-sidente, Eugénio Silva Camacho e o vice-secretário Carlos teixeira Aze-vedo, procurador eleito pelas Velas. os unionistas elegeram como secre-tário, José Machado Santos Jr, procu-rador eleito pelo concelho de Angra do Heroísmo. A eleição decorreu com decoro e sem incidentes. A do presi-dente era óbvia, porque Luís Ribeiro não só era o cabeça da lista mais votada, como era o mais eminente membro do partido democrático, que concorria às eleições. o vice-presi-dente, que conseguia a unanimidade da votação era, creio, um indepen-dente em matéria política o que levava que ambos os partidos se revissem nele. Eugénio Silva Camacho 33 era natural da ilha do Pico, há muito esta-belecido em Angra, comerciante e proprietário, que gozava da simpatia e da admiração da boa sociedade.Na eleição da comissão executiva, talvez o mais importante órgão da administração, porque reunia sema-nalmente e na prática assegurava o dia
31 ForJaz, Jorge e António MENdEs, genea-logias da ilha Terceira, Lisboa, Dislivro, 2007, 8 vols.
32 boletim da Junta geral de A.H., I Série, n.º 1, Janeiro de 1914.
33 CamacHo, Eugénio da Silva, in ForJaz e MENdEs, ob. cit., vol. VII, título de PiNHEiro, p. 619.
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à dia da Junta, saiu como presidente o tenente-coronel Luís da Silva Alves (conhecido na sociedade pelo coro-nel Alves) um oficial da administra-ção militar, com folha de serviço em África e reformado em 1910, secre-tariado pelo capitão Manuel Caetano e por Jacinto Martins Cardoso, dois deles democratas e o capitão unio-nista, mas todos eleitos pelo concelho de Angra do Heroísmo.Definiram-se as terças e sextas-feiras às 11 horas, para as sessões ordinárias da Junta Geral, nos meses previstos na lei, Maio e Novembro, mas deci-diu-se que se prolongariam as sessões em Janeiro conforme a necessidade. A comissão executiva, por sua vez, reunia semanalmente às quartas-fei-ras pelas 12 horas e ficava obrigada a apresentar relatórios das suas acti-vidades em cada uma das reuniões da junta geral. Formavam-se comissões eventuais, constituídas pelos procura-dores designados conforme as suas capacidades, para análise dos temas em discussão, ficando a seu cargo pesquisar e informar os assuntos para discussão e decisão. Decidia-se ainda a ida de um membro da comissão exe-cutiva às ilhas de S. Jorge e Graciosa um vez por ano, pelo menos, a fim de examinar os trabalhos de obras públi-cas e conhecer de perto as necessi-dades daqueles povos 34.
As reuniões extraordinárias da junta eram convocadas nos termos da lei, quando houvesse motivos urgentes e imprevistos e podiam ser solicitadas pela comissão executiva e pela quarta parte dos procuradores, para discus-são unicamente dos assuntos especi-ficados na convocatória e não outros.No mapa anexo pode-se constatar que neste ano e meio a junta geral reuniu frequentemente em sessões extraordinárias, o que não é de estra-nhar, sobretudo devido às inovações e necessidade de organização que a lei n.º 88 trazia.Para um observador minimamente atento o ambiente palaciano do pri-meiro dia, com a eleição ordeira, a saudação de cortesia do governador civil, presente, disse ele, unicamente com intenção de ser simpático e de cumprimentar os novos escolhidos do povo para a sua administração (não supusesse alguém que vinha destinado a tutelar a junta geral) e ainda com o discurso conciliatório do líder da minoria, oferecendo a sua lealdade e boa disposição de votar todas as propostas, viessem de onde viessem, desde que viessem para bem servir a administração, não podia esconder a verdadeira realidade. Esta realidade era, nua e crua, a existên-cia de dois grupos antagónicos, sepa-rados por uma pequena maioria de 1 voto e ambos dispostos, através dos seus líderes, o dr. Luís Ribeiro, pelos
34 boletim da Junta geral de A.H., I Série, n.º 4, Abril de 1914.
250 boletim do núcleo cultural da Horta
democráticos e o dr. Valadão, pelos unionistas, a lutarem pelos controlo da junta.os democratas preparavam-se para defenderem até onde pudessem a sua supremacia e os unionistas, por sua vez, preparavam-se para quebrarem essa supremacia e para inverterem os papéis, passando eles a controlarem a junta. No ano e meio que estudamos, a panorâmica política seria essa e, na verdade, as questões administrativas subordinar-se-ão a esses desígnios, invocando-se, sempre, é óbvio, o in-teresse das populações e nunca o inte-resse partidário.tudo serviria para cavar o fosso entre a maioria e a minoria e ambos, aguer-ridamente, defendiam os seus pontos de vista invocando razões e argumen-tos que lhes permitissem levar avante as suas opções. Contudo, os demo-cráticos iam mostrando fragilidades e com muita dificuldade manteriam a unidade e a disciplina que neces-sitavam para exercerem pelo voto a supremacia.os primeiros sinais de luta surgiram na querela que se levantou acerca do orçamento da junta, que tendo sido organizado e votado, ainda no ano de 1913, pela comissão administrativa, nos termos da lei, parecia agora, aos unionistas, incapaz de servir a nova junta eleita e por isso defendiam eles que se deveria organizar e votar em novo orçamento. A tanto opunham-se
os democráticos, que não só discor-davam da teoria, como assinalavam que alguns dos unionistas tinham eles próprios sido membros da comissão administrativa votando o orçamento sem qualquer protesto. Nada serviu a estes invocar que o haviam feito unicamente por pró-forma legal e no pressuposto que a junta eleita, uma vez instalada, aprovaria por sua vez um novo orçamento 35. Nesta primeira refrega venceu a força da maioria pelo voto e a junta conformou-se com o orçamento anterior e com a possi-bilidade de o vir a alterar, perante as necessidades, através de orçamentos suplementares. Em boa verdade, tra-tou-se de uma mera avaliação da uni-dade da maioria e da minoria e uma demarcação de opções políticas.os unionistas pretendiam cortar com o passado, que é o mesmo que dizer com a supremacia dos democráticos, que haviam dominado as sucessivas comissões administrativas e os demo-cráticos pretendiam, como o fize-ram, defender as opções feitas pelos seus correligionários nessas mesmas comissões.Um outro pomo da discórdia entre maioria e minoria, este com conse-quências previsíveis mais graves, apareceu em relação à substituição de procuradores. Entendiam os demo-
35 Idem, n.º 1, Janeiro, 3 de Março e 4 de Abril de 1914.
José guilherme Reis leite 251
cráticos que a substituição se fizesse chamando para o lugar a substituir o nome mais votado, independente-mente da sua filiação partidária e os unionistas defendiam que a substi-tuição, pelo contrário, devia respeitar a filiação partidária e por isso seria chamado o mais votado daquela lista a que pertencesse o procurador a substituir 36.No caso das substituições, numa pri-meira fase, vencendo a teoria dos de-mocráticos, conseguiram estes refor-çar a sua unidade e até a sua maioria, mantendo a supremacia durante todo o ano de 1914 e parte de 1915. Con-tudo, em Maio desse último ano os democráticos estavam irremediavel-mente divididos, devido a discordân-cias havidas na comissão executiva. tentaram ainda nomear uma comis-são executiva da sua confiança, che-fiada por Eugénio Camacho, mas essa também acabou por se dissolver entre acusações e dissidências 37.Chegara a hora dos unionistas, que apoiados por Luis da Silva Alves, o antigo presi-dente da primeira comissão executi-vas dos democráticos, se prestou a dar a maioria necessária para eleger, primeiro uma comissão executiva unionista, presidida pelo seu líder,
Francisco Lourenço Valadão e depois, com substituição de procuradores, fundamentada na teoria unionista de respeito pelas listas partidárias, ele-ger uma mesa para a própria Junta Geral, presidida pelo Dr. António da Fonseca Paim da Câmara 38.Estava instalada uma nova maioria na Junta Geral, porque em política nada é definitivo e tudo pode mudar con-forme as circunstâncias. os demo-cráticos em 1915, haviam vivido dias negros, com o golpe palaciano do Presidente da República, Manuel de Arriaga e com o governo ditato-rial de Pimenta de Castro 39, que não recuara perante nada e chegou mesmo a aprovar um decreto (Decreto de 9-IV-1915) que lhe permitia dissolver os órgãos administrativos que recal-citrassem e desobedecessem às direc-trizes governamentais. Na Junta Ge-ral de Angra do Heroísmo, bastou a ameaça e isso valeu aos unionistas permanecerem no governo da junta.Passada a tempestade, ganha a batalha na política nacional pelos democrá-ticos, em Maio de 1915, estes vieram a recompor o seu poder vencendo as eleições no distrito de Angra para o Congresso em Julho de 1915 40, mas não recuperando a junta geral, onde
36 Idem, n.º 7, Julho e n.º 11, Novembro de 1914.
37 Idem, n.º 15, Março de 1915 e n.º 16, Abril 1915.
38 Idem, n.º 17, Maio de 1915.39 Vide Douglas L. WHEElEr, ob. cit., p. 133
e segs.40 A UNIÃo, A.H., de 2-7-1915 e 5-7-1915.
252 boletim do núcleo cultural da Horta
os unionistas se mantiveram no po-der, apesar de uma tentativa de golpe infrutífera.A nova república velha tinha fragi-lidades óbvias e a supremacia dos democráticos mostrava fissuras im-paráveis 41, mas isso será para estudos futuros.Agora, voltando à junta geral de Angra do Heroísmo em 1914-1915, para se compreender a instabilidade da sua administração convém esclarecer que o orçamento era muito pobre e ficava aquém das manifestas necessidades distritais e mal conseguia cobrir as suas despesas obrigatórias. As despe-sas com o pessoal abafavam as dispo-nibilidades para qualquer intervenção nas áreas da competência da junta, o que levou um procurador a desa-bafar, comentando as desencontradas propostas para novas obras públicas: “todas as obras são necessárias, mas o mais difícil é obter par elas receitas” 42.Era esta efectivamente a imagem da situação financeira e a causa mais visível da sua instabilidade e inca-pacidade de acorrer às estradas, aos portos de cabotagem, à manutenção
dos edifícios, às águas minero-medi-cinais, aos estabelecimentos balnea-res, aos serviços agrícolas, aos servi-ços pecuários, à canalização da água, nas freguesias, aos serviços de sanea-mento, da saúde pública e a tudo o mais que todos exigiam. Basta anotar, a título de exemplo, que na conta de 1914 constava que a junta havia gasto na manutenção da rede de viação distrital a quantia de 11 contos e meio e na construção de estradas menos de 5 contos e que os vencimentos dos cantoneiros se elevavam a cerca de 7 contos 43. Não admira pois, que a ilha de S. Jorge, onde o programa de construção viária era o mais atrasado das ilhas do distrito, protestasse.Vivia-se na ilha terceira o rescaldo de uma grave crise de saúde pública, com reflexos na economia, devido à imposição de quarentenas de isola-mento, provocadas pela peste que grassara na ilha na primeira década do século XX e levara a medidas de excepção. Quis a junta geral, por proposta dos democráticos, em 1914, tomar providências para o futuro, nomeadamente instalando um hos-pital de isolamento 44 para doenças
41 Vide Luís MENEsEs, As Eleições legisla-tivas de 1921 e 1925 no Arquipélago dos Açores, A.H., ed. SREC, 1992, p. 63 e segs.
42 boletim da Junta geral de A.H., n.º 6, Junho de 1914.
43 “Conta da receita e despesa da Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo, relativa
ao ano civil de 1914”, in boletim da Junta geral de A.H., I Série, n.º 17, Maio de 1915 (publicada no anexo 3).
44 boletim da Junta geral de A.H., I Série, n.º 11, Novembro de 1914; n.º 13, Janeiro de 1915.
José guilherme Reis leite 253
infecto-contagiosas (a peste, a febre tifóide e a tuberculose) mas os unio-nistas opuseram-se, invocando que tal iniciativa não se inscrevia nas obrigações da junta, mas era antes obrigação municipal e que a junta já fazia o seu papel nesse campo através do laboratório de bacteriologia Aníbal Bettencourt. Levaram os democrá-ticos avante a sua iniciativa, mas os unionistas não recuaram e apelaram para o tribunal administrativo 45, que lhes deu razão, mandando fechar o hospital de isolamento, em Fevereiro de 1915. Foi um duro golpe para a política democrática, assim derrotada pelas próprias instâncias da justiça e uma vitória unionista.Por fim, convém aludir a um inves-timento que se tornou emblemático desta administração, a nova instala-ção ou paço da Junta geral, como ainda hoje é conhecido.A junta geral, desde a sua criação, nos primórdios da administração liberal 46, sempre funcionou junto do governo civil e no mesmo edifício. Até quando se autonomizou, em termos admi-
nistrativos 47, daquele, continuou a ocupar o mesmo espaço físico no Palácio do Governo e, apesar de se ter tornado ainda mais independente do governo civil, com a legislação dita de autonomia administrativa, em 1895, não procurou encontrar instala-ções próprias 48. Funcionava na parte do Palácio virada ao largo 3 de Março, a frente nobre do edifício, ocupando o conjunto de salas que fora entregue ao Comando Militar, mas que este dispensara, por não necessitar delas. Contudo, todos tinham consciência que era uma instalação precária e dependente da vontade do Ministério da Guerra 49.Com a República, o velho Paço Epis-copal de Angra foi confiscado e pas-sou a propriedade do Estado, com escândalo de muitos, mas por decisão política inabalável do novo regime 50. Desde logo ou até por isso mesmo se fez a confiscação e se pensou que o edifício do Paço, à ilharga da Sé, se tornaria nas futuras instalações da Junta Geral. Seja como for, apesar da iniciativa da sua aquisição ter sido
45 Idem, n.º 14, Fevereiro de 1915.46 “Junta Geral”, in Enciclopédia Açoriana.47 José Guilherme Reis LEitE, “Nos Caminhos
da Pré-Autonomia. A Junta Geral no código de 1886”, in Autonomia e História das ilhas (Actas do Colóquio Internacional), Funchal, Ed. C.E.H.A., 2001, pp. 109 a 125.
48 José Guilherme Reis LEitE, política e Administração nos Açores de 1890 a 1910.
O 1.º movimento Autonomista, P.D., Jornal de Cultura, 1995, p. 329 e segs.
49 José Guilherme Reis LEitE, O palácio dos capitães generais, no prelo.
50 Cónego PErEira, A diocese de Angra na História dos seus prelados. Segunda parte. A.H., Ed. Livraria Andrade, 1954, p. 25 e segs.
254 boletim do núcleo cultural da Horta
desencadeada pela comissão admi-nistrativa, só em 1914, já na admi-nistração da 1.ª junta geral eleita com base na lei 88, de Agosto de 1913, o governo decidiu vender o velho casarão à Junta Geral, pelo decreto n.º 593, de 23 de Junho de 1914. A Junta, em reunião extraordinária, de 13 de Julho, deliberou aceitar a cedência do edifício por 6 mil escudos, moeda forte, mas especificando que o aceitava desde que ficasse no res-pectivo auto de cedência que estavam incluídas todas as suas dependências e água potável. Para a concretização desta compra, deliberou a Junta, con-trair um empréstimo junto da Caixa Económica da Santa Casa da Miseri-córdia de Angra do Heroísmo, de 12 contos insulanos, à taxa corrente de juro, pago em 2 anos, com as sobras das receitas. os 12 contos seriam gas-tos quer na compra, quer na adapta-ção, reparações e mobiliário 51.Em 23 de Julho, a comissão executi-va deliberou mandar elaborar os pro-
jectos e orçamentos para as repara-ções mais urgentes no edifício, para se puderem instalar rapidamente a secretaria, a tesouraria e a sala das sessões e só depois realizar as adap-tações necessárias à instalação dos serviços 52. tais serviços ou estavam também instalados no Palácio, como as obras públicas ou em espaços alu-gados, como o laboratório de bacte-riologia e a estação agrícola, nas casas alugadas na rua do Marquês.Daqui em diante 53, as obras, a compra de mobiliário e a decoração desenca-deou-se rapidamente e com pouca ou nenhuma contestação, porque na verdade as novas instalações eram um desígnio de todos, da maioria e da minoria, permitindo que a 25 de Março de 1915 a Junta Geral já reu-nisse no novo Paço e que se instalasse o Laboratório Distrital Aníbal Betten-court, que absorveu o laboratório de bacteriologia e a estação química agrícola, devolvendo-se ao proprie-tário a casa da rua do Marquês 54.
51 boletim da Junta geral de A.H., I Série, n.º 7, Julho de 1914,
52 Idem, n.º 8, Agosto de 1914.53 o essencial das deliberações pode-se con-
sultar no boletim da Junta geral: N.º 7. Julho de 1914, pp. 70-71-78 (compra e empréstimo); N.º 8. Agosto de 1914, pp. 86 e 89 (programa de reparações e obras); N.º 9. Setembro de 1914, pp. 91-92 (arre-matação de empreitada e entrega de objec-tos de culto ao Vigário Capitular, Projecto e orçamento de instalações para os labora-
tórios); N.º 11. Novembro de 1914, p. 105 (verbas para obras, mobiliário e decoração e aprovação do projecto); N.º 12. Dezem-bro de 1914, p. 125 (ajuste para cadeiras e gradeamento do jardim); N.º 13. Janeiro de 1915, p. 132 (obras no jardim e gradea-mento); N.º 14. Fevereiro de 1915, p. 137 (obras no Paço e Jardim); N.º 15. Março de 1915, p. 114 (inauguração das sessões e instalação laboratórios).
54 Idem, n.º 15, Março de 1915.
José guilherme Reis leite 255
Era, sem dúvida, um enorme benefí-cio para a administração distrital, esta nova instalação na Rua Rio de Janeiro,
apesar de muita gente contestar a vio-lência que havia sido praticada com a confiscação do Paço Episcopal.
coNclusão
A República, mesmo sem conseguir elaborar um código administrativo, pretendeu com a lei 88 de Agosto de 1913, legalizar e estabelecer uma administração municipal e distrital com eleições democráticas e com base num programa político descen-tralizador e de responsabilização di- recta dos órgãos eleitos perante os tribunais administrativos, aliás com base nos princípios do código de 1878. Manteve também o regime especial dito autonómico, vindo de 1895, para os distritos açorianos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo e para o do Funchal, na Madeira.
o estudo de caso da Junta Geral do distrito de Angra do Heroísmo mos-tra que a eleição de 1913 acabou por levar a esse órgão a instabilidade po-lítica provocada pela incapacidade de entendimento entre os democrá-ticos e os unionistas, como maioria e minoria e que ambos usaram todos os meios para se afirmarem e domi-narem a administração, não recuam perante nada.Por outro lado, os meios financeiros postos à disposição da Junta eram muito poucos em relação às suas obrigações e despesas obrigatórias, o que lhe retirava capacidade para uma administração eficaz.
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Sessões da Junta geral
1914 a Julho de 1915
Sessões ordinárias Sessões Extraordinárias
1914
2-I (Sessão preparatória- – eleição da mesa e comissão executiva) 6-I 9-I
1-V 5-V 8-V12-V15-V19-V22-V26-V29-V
1-XI 3-XI 6-XI10-XI13-XI17-XI20-XI21-XI27-XI
30-XII (eleição mesa para 1915 e comissão executiva)
1914
26-I28-I
20-II27-II
11-III12-III24-III
7-IV
13-VII18-VII25-VII
7-VIII 8-VIII22-VIII24-VIII
2-XII 4-XII
1915
1-V (nova comissão executiva) 4-V 7-V11-V (nova eleição da mesa)14-V18-V25-V28-V
1915
20-II26-II
6-III27-III
17-VI18-VI26-VI
aNExo 3