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A JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E A PANDEMIA DO COVID 19
1 APRESENTAÇÃO DO TRABALHO
Elaine Harzheim Macedo,
Coordenadora e Revisora1
O Grupo de Estudo de Processo Civil, vinculado ao Núcleo de Processo Civil da
Ajuris, adequando suas atividades à realidade de uma quarentena, deu prosseguimento ao
seu trabalho neste ano de 2020, passando a realizar reuniões virtuais, mas adotando a
mesma sistemática de trabalho anterior. Nesse sentido, optou-se para neste primeiro
semestre de 2020 debater-se sobre a temática da judicialização dos conflitos no cenário
nacional de pandemia, prosseguindo-se, depois da apresentação geral do tema, objeto da
reunião inaugural deste semestre, aqui documentado, em reuniões ordinárias que deverão se
realizar na sequência, com regularidade quinzenal, quando, então, serão discutidos temas
específicos e pontuais, vinculados e desdobrados do tema geral, com preferência ao
enfoque basicamente prático, já que a sustentação teórica foi objeto da primeira reunião.
2 PANORAMA SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA E O
ATUAL CENÁRIO DE PANDEMIA
Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler2
1 Doutora em Direito (UNISINOS); Mestre em Direito e Especialista em Direito Processual Civil (PUC/RS).
Desembargadora do TJ/RS aposentada e ex-Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do RGS. Professora
aposentada dos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da PUC/RS. Professora da Escola
Superior da Magistratura/AJURIS e da Escola Superior da Advocacia/ESA-RS. Membro do Instituto dos
Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS), da Academia Brasileira de Direito Processual Constitucional
(ABDPC), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e
Político (ABRADEP), do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (IGADE). Advogada. Coordenadora do Grupo
de Estudos em Direito Processual Civil da Ajuris. E-mail: [email protected] 2 Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler: Advogada. Mediadora. Conciliadora. Especialista em
Processo Civil Brasileiro. Líder do Núcleo Jurídico do Instituto do Câncer Infantil. Presidente da Comissão
Especial da Saúde da OABRS. Pós graduada em Psicologia Forense. Facilitadora de Práticas Restaurativas.
Psicanalista em formação. Integrante do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil da Ajuris, coordenado
pela Dra. Elaine Harzheim Macedo.
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2.1 Introdução
O presente estudo, aborda a judicialização da política através do método filosófico
da realidade num mundo cada vez mais dominado pelas questões globais. Os conceitos
trabalhados pela filosofia demonstram o abismo entre a normatização e a quantidade de
culturas emersas na sociedade pós verdade. A constelação da teoria política, historicamente,
enraizada na concepção medieval, convida o leitor a voltar às raízes históricas da
conceituação política, rememorando certos significados originais importantes e
ressignificando-os.
A secularização, tão bem trabalhada na obra “A Filosofia Política na Sombra da
Secularização”, de Hans-Georg Flinkinger, provoca o debate no contexto nacional e
mundial, através da Organização Mundial de Saúde, de declaração de emergência
internacional de Pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2º), o Covid-19. Mas o qual a
repercussão do assunto na jurisdição e mais especificamente no processo civil brasileiro?
Diuturnamente, estamos observando a repercussão da pandemia nas esferas
público/privadas e na dificuldade de regular padronização dos procedimentos e informações
sobre as repercussões jurídicas da declaração internacional. Num mundo conectado, são
inúmeras notícias que invadem os governos e os lares, acarretando numa infodemia
simultânea à pandemia. O processo, sabe-se, organiza o manejo das situações para que elas
sejam úteis e possam solucionar os conflitos intersubjetivos ou coletivos de interesses dos
envolvidos. O processo civil contemporâneo repensa a justiça e a jurisdição, inclusive, o
cidadão. Trabalhos como o dos juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988)3 já
visavam ao movimento de acesso à justiça prestigiando um processo de resultados. Assim,
a repercussão civil da pandemia já pode ser notada em diversas áreas do sistema judiciário
brasileiro: justiça do trabalho, justiça comum estadual ou federal, justiça militar e justiça
eleitoral. São inúmeros os reflexos e as interfaces da declaração mundial de pandemia nas
organizações de controle internas e externas (internacionais), das pessoas físicas e jurídicas,
obrigando o leitor a lembrar da Teoria Geral do Estado, disciplina que estuda os fenômenos
3 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, trad. de Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.
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do Estado desde sua origem, formação, estrutura, organização, funcionamento e suas
finalidades.
A Teoria Geral do Estado sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos,
sociológicos, políticos, históricos, geográficos, antropológicos, econômicos e psicológicos
e corresponde à parte geral do Direito Constitucional, base do Direito Público, disciplina
dos Cursos de Direito e afins.
O caráter multidisciplinar do estudo utiliza ora fenômenos de indução, ora de
dedução, para chegar às conclusões, se identificando com a Ciência Política para alicerçar
ao debate.
A importância da TGE e da ciência política para o direito é fenômeno da
secularização, conceito no dicionário online de Português de “1. Transformação ou
passagem da coisas, fatos, pessoas, crenças e instituições, que estavam sob domínio
religioso para o regime leigo. 2. Transferência de bens ou pessoas do regime religioso ou
monástico, passando os bens ao regime civil, e as pessoas ao regime secular, leigo. 3.
Absolvição do voto de clausura; dispensa dos votos monásticos. 4. Ação ou efeito de
subordinar ao direito civil o que era do direito canônico.”
O pensamento constitucional na política, aqui, é o foco do raciocínio do conceito de
secularização, hoje muito discutido. A bipolaridade histórica do questionamento convida o
leitor a acolher a política como algo desmistificado.
2.2 Da Secularização
Vários autores oferecem referências sobre o conceito, contudo, saeculum significa
século em português, período de cem anos no passado ou projetado, para o futuro. O século
delimita um período dentro de uma linha considerada infinita em relação ao passado e
também ao futuro. Trata-se de uma imagem baseada na ideia de continuidade do tempo,
dentro do qual o momento presente marca apenas o ponto de vista inscrito por nós. O
período de cem anos, no mundo cristão, a contagem do nascimento de Jesus como ponto de
partida evidencia o caráter aleatório desse tempo, diferente da contagem judaica ou da
islâmica, o que denota a perspectiva cultural da expressão. Logo, as normas de orientação
ético-culturais, igualmente, coordenam o ser no mundo e o seu tempo.
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A aplicação do termo século expressa a pretensão do homem de se apoderar do
tempo e de se tornar seu construtor como criador de um mundo seu. A apropriação do
tempo pelo homem é fenômeno importante para a análise do mundo moderno, fiel à
concepção racionalista.
A secularização da visão teológica do tempo causa um anseio existencial
irrecusável. Não por acaso a sociedade moderna ganhou o status de uma sociedade de
consumo e de trabalho que se submete cada vez mais à lógica temporal, que mede o valor
da pessoa e sua biografia social pela produtividade econômica. A essência do tempo é
enigmática e uma preocupação da filosofia. Aristóteles já dedicava ao ser ou não-ser esse
status ontológico.
A magia do tempo nas variadas disciplinas poderia ser aqui narrada pela
racionalidade instrumental, mas isso seria um abuso do tempo disponível do leitor, que
poderia abandonar o texto nessa ampulheta alquímica. No direito, o que nos cabe nesse
momento, é chamar atenção para expressões como cláusulas pétreas, garantias legais, que
apontam essa construção externa do conceito proposto.
2.3 O fenômeno da pós-verdade
A secularização traz a raiz ambígua do tempo vista sob a ótica da teologia,
sociologia e psicanálise. Assim, a ciência política transcende e desencadeia na revisão dos
conceitos de política, soberania, povo, estado-nação e ganha um significado de nova
constelação política. Essa instância transcendente desmascara a ordem liberal e descreve a
pós-verdade que modela a opinião pública, os fatos, às emoções e crenças na cultura
política. A questão da pós- verdade relaciona-se com a dimensão hermenêutica na fala de
Nietzsche (2011), admitindo-se que “não há fatos, apenas versões”. A busca pela verdade,
ressignificada. O cada novo “aqui e agora” político-social. Tal constelação favoreceria a
reformulação e o fortalecimento do conceito de democracia, porque a real dinâmica política
dependeria com maior rigor, da participação ativa dos cidadãos nas decisões políticas.
Revalidar os conceitos de povo-nação, que não são homogêneos diante da realidade das
sociedades multifacetas é provocador. Os limites geofísicos, o idioma e o alcance do poder
político levam à formação de nações modernas com identidade próprias. O conceito de
povo perdeu seus contornos existenciais unívocos e com isso sua força legitimadora. O
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conceito não passa de uma projeção e de fragmento. Na realidade, a maioria dessas
populações é composta de correntes tribais com interesses e orientações religiosas
conflitantes, correntes que jamais se aproximaram dos ideais iluministas ou de
racionalidade. Disso decorre o enfraquecimento do Estado-nação, provocado pela migração
do poder político em direção a organizações ou instituições internacionais. Ademais, dentro
do cenário de pandemia, a imprensa atinge um alcance que extrapola os territórios, além do
conteúdo ser recheado de interesses políticos partidários com as chamadas notícia falsas, ou
fake News.
2.4 A declaração da pandemia pela Organização Mundial da Saúde
Após a declaração internacional da pandemia, em 11 de março de 2020, devido ao
Covid-19, o coronavírus, essas interferências cosmopolitas podem ser vivenciadas dia a dia.
Apesar de todos os apelos internacionais no sentido de promover a democratização, não
conseguimos penetrar na superfície cultural e social de cada região, cujas condições
políticas, por vezes, são avessas a essas orientações gerais.
À luz da dignidade humana, a presente análise teleológica encontra dificuldade
quando apoiada nos direitos fundamentais expressos na Constituição brasileira. Só
conseguiremos romper com o paradigma atual se admitirmos o caráter provisório e sujeitos
a revisões contínuas das dinâmicas político-culturais na exegese diária. A ameaça da
incerteza compensa quando sobrepostas aos desafios vindos da modernização da sociedade.
A reinterpretação dos conceitos políticos e a empiria desencadeiam a revolução de
autorizar a reconstruir todas as razões reformulando os paradigmas científicos das
pesquisas atuais. Qualquer modificação epistemológica, por menor que seja, pode causar a
entropia do sistema como um todo. Essa desordem é que harmoniza os elementos novos e
autoriza o novo dispositivo de flexibilizar o sistema. A pandemia, evidentemente mudou o
cenário interno e externo do Brasil, no Distrito Federal, nos Estados e Municípios, que
estão “parados”, em isolamento social, salvo os serviços e atividades essenciais destacados
nos vários dispositivos normativos. Uma enxurrada de decretos, resoluções e medidas
provisórias sustentam os governos enquanto a saúde contabiliza os infectados, curados e
mortos. A economia já apresenta recessão e a segurança pública enfrenta altos índices de
violência doméstica e social, conforme declaração do chefe da ONU. António Guterres.
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Com a educação em “banho maria”, as aulas online e o trabalho remoto são as únicas
ferramentas para a informação e o trabalho.
Nessa esteira, em tese, o Judiciário, com seu poder normativo implícito e político no
sentido de conduzir a sociedade por determinados parâmetros estabelecidos a partir de
conflitos individuais ou coletivos, segue protagonizando a cena para assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, de acordo com a Constituição
Federal.
2.5 A judicialização das políticas públicas
O processo entrópico social é que acarreta a crescente judicialização da política e da
saúde em questão. Não estamos autorizados a mudar e a romper com um modelo, senão de
forma coercitiva senão o sistema não tolera, não sustenta e não reconhece qualquer
atividade diferente do regulamentado.
As demandas judiciais, como sempre, transbordam o sistema já colapsado e
represado, sintoma de um modelo democrático deficiente. A autopoiese, segundo os
filósofos chilenos, Francisco Varela e Humberto Maturana, na obra “Autopoiesis and
cognition: the realization of the living” (1980) é um termo criado em 1970 que designa a
capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Portanto, um ser vivo, como
sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre
mantendo interações com o meio. A judicialização é o maior sintoma dessa emergência
dogmática jurídica e da incontingência social. Por outro lado, cediço que a partir da
constitucionalização dos direitos individuais e coletivos e dos direitos sociais (arts. 5º a 7º
da CF) o processo de judicialização dos conflitos individuais e coletivos tornou-se uma
realidade no Brasil que não tem mais volta. É um novo panorama que encontra seu
fundamento no art. 2º da Constituição, que determina a independência e a harmonia entre
os poderes.
2.6 A multidisciplinaridade
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No exame, a avaliação e definição de um objeto sob diversos olhares de diferentes
disciplinas é o que estamos observando quando abordamos o assunto da pandemia. Cada
especialista, neste caso, faz suas próprias observações considerando seus saberes, sem
estabelecer contato com os diferentes do seu, o que pode acarretar na dissonância crítica de
informações. Um olhar de matemático é diferente do olhar humanista e está tudo bem, eis o
paradoxo; determinar o que é verdadeiro ou falso, sé é que isso é possível e produtivo.
Muitos axiomas, até agora, passaram nos testes sendo aceitos como verdades, até que um
axioma novo invalida um antigo e seja substituído por um novo axioma. Assim funciona o
pensamento lógico.
Ocorre que estamos diante de uma pandemia que desafia todos esses conceitos de
olhares que desnorteiam os olhares de todos. A judicialização da política na pandemia
decorre, justamente, dessas inúmeras possibilidades de visão de mundo e da inconsistência
de algumas probabilidades indecidíveis. O Direito sempre foi uma seara propícia para
quebrar os códigos através da prova por contradição.
O atual cenário nacional, seguindo a evolução em outros países, apresenta um
número crescente de casos do coronavírus, de modo que, a fim de evitar um colapso no
sistema público de saúde, demandam atuações urgentes e efetivas de forma multidisciplinar
que não convergem e acirram os conflitos internos e externos.
Para evitar o risco de contágio e garantir o êxito de cura em eventual circunstância,
deve-se prezar por medidas públicas efetivas e imediatas, através do Poder de Polícia,
restringindo liberdades individuais, regulando a prática de ato ou abstenção de fato, em
razão de interesse público. Além dessa medida, se mostra indispensável um agir estatal,
através de implementação de direitos humanos de segunda dimensão, ao buscar uma
prestação positiva estatal, a fim de garantir a tutela de direitos positivados no ordenamento
jurídico, como direitos fundamentais, a exemplo, de vida, saúde e integridade física. Para
tanto, tem-se por essencial um atuar conjunto e harmônico das funções estatais,
considerando o Poder uno e indivisível em busca de um bem maior a toda a sociedade.
Os três poderes estão em cena: Executivo, Legislativo e Judiciário. Quando se está
diante de um pleito de implementação da política pública perante o Poder Judiciário é
porque houve uma falha na implementação dessa ou, devido à urgência que a medida
demanda, não se pode aguardar todo o ciclo para que o Executivo e Legislativo atuem. É
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hora de organizar o plano de ação. Fazendo uma analogia à luz das famílias, não é hora dos
integrantes da família ficarem brigando enquanto só um trabalha para arrumar a casa e
prover tudo. Todos podem e devem ter funções distintas para que tudo funcione em
harmonia.
Diante de um cenário fático como o atual, as soluções compartilhadas com a
atuação conjunta das três funções estatais, de forma harmônica, possibilitam e aceleram a
superação de problemas, de modo a tornar mais fácil a tomada de decisões.
A Judicialização da pandemia deve ser vista com cautela em situações que não
demandam urgência e podem ser buscadas mediante os trâmites necessários para tanto, seja
por meio da edição de uma lei, após o processo legislativo, seja através do respeito ao ciclo
de implementação de políticas públicas ou do uso do Judiciário, justamente, por faltar
tempo para que tudo ocorra dentro dos padrões tradicionais.
O Judiciário não pode ser visto como mera “boca da lei”, com a função tão
somente de aplicar a lei ao caso concreto, mas sim de efetivar direitos fundamentais, atuar
por meio de medidas indutivas e coercitivas, a fim de integrar as funções estatais em busca
de um bem maior, mas parece que a harmonia dos poderes está desafinada e a discórdia
compromete o desempenho e performance do país.
2.7 Considerações finais parciais
A judicialização da política pública e o atual cenário de pandemia, ao final, podem
ser concluídos através do sentido empírico que nos conduz a revolução. Que o sentido
teleológico da justiça possa revolver em bons novos olhares sobre os conceitos que
ultrapassam a barreira das disciplinas.
Finalmente, difícil não politizar a pandemia, mesmo sendo caso científico de saúde
pública. Não existe nada puramente técnico que seja separado de outros olhares e
disciplinas. Os estados e os munícipios não estão dissociados da união. O país não está
separado de outras nações. As noções e os olhares de cada instituição pública ou privada
são diferentes e os aspectos políticos interferem em todas as áreas da nossa vida. As
ontologias se relacionam e no holismo sobre a pandemia foi rigorosamente evitado o
purismo.
9
Sobre a virtude da palavra-chave pureza, o livro “O pequeno tratado das grandes
virtudes”, de André Comte-Sponville (2009) ensina. “A pureza não é pura”, mas a pureza
do olhar da autora sobre o tema, foi procurado ser puro no sentido de interesse político
partidário.
Por isso, encerra-se esta parte do trabalho sem a pretensão de descobrir qual a
verdade por trás de toda a repercussão política da pandemia, até porque, existem muitas
verdades e não se acredita que alguma seja mais verdadeira do que outra. Afinal, a verdade
importa?
II PARTE: ESTUDOS DE SITUAÇÕES ESPECÍFICAS
A parte que segue corresponde a alguns aspectos muito específicos, que, na linha do
pensamento proposto – judicialização da pandemia e de suas consequências nas relações
intersubjetivas ou coletivas com enfoque multidisciplinar – passam a ser analisados por
integrantes do grupo, ainda que sem a pretensão de, nesta oportunidade, esgotar a matéria.
São reflexões iniciais a sugerir debate mais aprofundado pelo grupo ou mesmo
individualmente, na perspectiva de contribuir com os operadores e estudiosos do Direito,
especialmente com foco na resolução dos conflitos que desaguam no Poder Judiciário,
exigindo o comprometimento de todos os sujeitos e agentes processuais com a efetividade e
tempestividade do processo.
O tempo do processo não é o tempo do COVID 19, talvez um dos maiores desafios
a ser enfrentado.
3 COMBATE À PANDEMIA COVID-19 E REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL-
COMPETÊNCIAS
Lucas Pahl Schaan Núñez4
4 Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do
Rio Grande do Sul. MP/RS. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/RS. Integrante do Grupo de Estudos
10
O Poder Judiciário tem sido provocado para suprir omissões ou conter excessos
praticados pelo Poder Público no âmbito do combate ao avanço da Pandemia Covid-19. Ora
para controlar atos praticados pela autoridade pública que têm resultado em indevidas
restrições ao exercício de atividades essenciais, ora para determinar ao Poder Público que
promova restrições, combatendo decisões administrativas para o relaxamento das medidas
preventivas que possam ensejar danos à incolumidade pública.
Para a correta análise da questão jurídica, é impositiva a observância das repartições
de competência no âmbito Constitucional.
O artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, dispõe ser competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde. Trata-se da
competência administrativa material, que deve ser exercida de forma coordenada e
conjunta pelos entes federados, como, por exemplo, dispõe a Lei Federal nº 8.080/90,
artigos 16, inciso III, alíneas “c” e “d”, artigo 17, inciso IV, alíneas “a” e “b” e Artigo 18,
inciso IV, alíneas “a” e “b”.
Contudo, a competência administrativa material não afasta a necessidade de
observância da competência legislativa concorrente, disciplinada no artigo 24, inciso XII,
§§ 1º- 4º, da Constituição Federal, que define que compete à União Federal estabelecer
normas gerais, a serem suplementadas pelos estados no que lhes couber, e pelos Municípios
no restritivo âmbito do interesse local, a teor do artigo 30, incisos I e II da Carta da
República.
No exercício de sua competência legislativa, a União Federal editou a Lei nº 13.979,
de 06 de fevereiro de 2020, que estabelece normas gerais para o combate à Covid-19, cujo
artigo 3º, §1º, dispõe que as medidas como isolamento e quarentena somente poderão ser
determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações
estratégicas em saúde, e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo
indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
Para regulamentar o disposto no artigo §9º do artigo 3º, incluído na Lei 13.979/2020
pela Medida Provisória 926, o Presidente da República editou o Decreto 10.282, de 20 de
março de 2020, que define os serviços públicos e as atividades essenciais. A MP 926 foi
em Direito Processual Civil da Ajuris, coordenado pela Dra. Elaine Harzheim Macedo.
11
objeto da ADI 6341, levada para julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no
dia 15 de abril, referendando a medida cautelar anteriormente concedida pelo Ministro
Marco Aurélio, para conferir interpretação conforme a Constituição ao artigo 3º, a fim de
deixar claro que a União pode legislar sobre o tema, mas que o exercício desta competência
deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes.
Em razão do entendimento fixado pela Corte Suprema, foi editado o Decreto
Federal nº 10.329, de 28 de abril de 2020, que incluiu o §9º no artigo 3º, do Decreto Federal
10.282, positivando a previsão de que a definição dos serviços essenciais pela União
Federal não afasta a competência ou a tomada de providências normativas e administrativas
pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas competências e
de seus respectivos territórios, para os fins do disposto no art. 3º da Lei nº 13.979, de 2020.
Contudo, em que pese haja autonomia dos entes locais, é fundamental que as ações
de combate à Pandemia sejam realizadas de forma coordenada entre os entes federados e
agências reguladoras, com base em critérios científicos e informações estratégicas de saúde,
para que a atuação do Poder Público seja eficaz, sendo impositiva a observância das balizas
fixadas pela Lei Federal 13.979/2020 na edição das normas estaduais e municipais.
Do contrário, a proliferação de normas positivadas nas três esferas da federação,
com o mesmo âmbito de validade territorial, mas com conteúdos conflitantes, poderá
ensejar antinomias que terão de ser solucionadas pelo Poder Judiciário.
Nestas hipóteses, deve ser observada a regra geral no sentido de que, quando a
União Federal e os Estados, no âmbito de sua competência concorrente, definirem
determinados serviços como essenciais, os municípios não disporão de competência
legislativa para determinar a sua interrupção, uma vez que o exercício, pela União Federal,
da competência para a fixação de normas gerais exerce função de bloqueio, pois as normas
anteriores que lhe forem conflitantes serão suspensas (CF, art. 24, §4º) e as supervenientes
que lhe contrariem serão inconstitucionais.
Contudo, o Poder Judiciário também poderá exercer o controle da legalidade do
Decreto Federal quando configurados abusos pelo Poder Executivo Federal, como, por
exemplo, caso haja a definição de determinados serviços ou atividades como essenciais sem
base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde,
em afronta ao disposto no artigo 3º, §1º, da Lei 13.979.
12
Ainda, os Estados, no exercício de sua competência concorrente para suplementar as
normas federais, e os municípios, no exercício de sua competência suplementar fundada em
manifesto interesse local, também poderão classificar serviços como essenciais, desde que
com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em
saúde. Ainda, conforme entendimento da Corte Suprema, eventuais restrições ao exercício
de atividades definidas como essenciais pela União Federal, serão admitidas
excepcionalmente, quando houver comprovada base científica e manifesto interesse local,
devendo os atos normativos fundamentar a sua exposição de motivos com a explicitação
dos aludidos motivos de fato, sob pena de inconstitucionalidade.
Portanto, há que se ter em mente que surgirão conflitos oriundos problemas
relativos à subsunção de determinadas atividades essenciais cuja previsão legal está vertida
em conceitos jurídicos indeterminados, e também de antinomias entre normas Federal,
Estadual e Municipal, competindo ao Poder Judiciário resguardar o exercício das atividades
essenciais, para a garantia da ordem pública, sem, contudo, descurar da necessária cautela
para com a saúde pública, sendo impositiva a análise da legalidade dos atos praticados pelo
Poder Público à luz das evidências científicas e informações estratégicas em saúde.
4 COVID-19 E INTERNAÇÕES
Fernanda Carravetta Vilandi5
Um dos pedidos que poderá bater às portas do Judiciário em pouco tempo é aquele
que diz com a garantia de internação em UTI, para tratamento dos sintomas relativos ao
COVID-19, que, como se sabe, demandam, muitas vezes, a utilização de respiradores e de
outros equipamentos específicos de que estas unidades são munidas, cuja quantidade é
limitada, já havendo notícias de que, em alguns estados da federação6, as vagas estão
esgotadas ou em patamar próximo de seu esgotamento.
5 Juíza de Direito; doutoranda em direito processual civil pela UFRGS; mestre em direito pela UNISINOS;
especialista em direito processual civil pela UFRGS; especialista em direito ambiental pela UFRGS. Integrante do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil da Ajuris, coordenado pela Dra. Elaine Harzheim
Macedo, 6 Veja-se: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-servico/coronavirus-ceara-tem-100-de-leitos-de-
13
Coloca-se a questão da viabilidade, do ponto de vista prático, mas também jurídico,
do cumprimento de decisão judicial que determine a internação de paciente em rede
hospitalar cujas vagas estejam esgotadas, sem perspectiva de recebimento dos
equipamentos necessários para fornecer o tratamento adequado a outros enfermos. Assim,
em sendo acolhido pleito deste tipo, para dar cumprimento à decisão, certo é que outro
doente – em condições idênticas ou até mesmo mais delicadas – haverá de deixar de ser
atendido, implicando em possível óbito, solução que atende o direito à saúde de um, à custa
do sacrifício de direito de mesma importância de outrem.
À vista deste panorama, é irrefutável que as condições materiais, fáticas e objetivas
atuem como limitadoras do exercício do direito fundamental à saúde do indivíduo, na
medida em que colidam com direitos fundamentais de mesma hierarquia de outros, em
situação cuja solução refoge ao Estado-juiz, ganhando relevo a máxima da “reserva do
possível”, em que a realidade7 deve ser considerada, afastada a idealização dos fatos.
A “reserva do possível” e a absoluta ausência dos equipamentos necessários podem
ser considerados obstáculos reais, a serem tomados em conta nas decisões judiciais (assim
como nas administrativas ou controladoras), nos termos das novas disposições trazidas pela
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro8, com as recentes alterações. No
aspecto, ao tratarem de questões atinentes à interpretação das normas de direito público,
Maffini e Heinen propõem uma leitura pragmática dos direitos fundamentais, sendo as
escolhas interpretativas realizadas mediante a análise das consequências e da realidade do
uti-para-covid-19-ocupados-24375545; https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/internacoes-
por-covid-19-em-sp-pressionam-utis.shtml. Acesso em 17/4/2020. 7 O princípio da realidade, classificado por Moreira Neto como um princípio geral do direito, apresenta
especiais conexões, no campo do Direito Administrativo, com os princípios da razoabilidade,
discricionariedade e da motivação. Ele impõe que tanto as normas jurídicas como os seus desdobramentos de
execução, administrativos e judiciais, não se enveredem pela fantasia ou demandem o irrealizável, exigindo
que os comandos da Administração, abstratos ou concretos, detenham todas as condições objetivas para serem
efetivamente cumpridos, de modo a atingir os resultados sociais a que se destinam, sob pena de comprometer
a norma ou o ato irreal, bem assim todo o ordenamento, pois concessões à irrealidade conduzem ao
descumprimento habitual, ao desprestígio da autoridade, à banalização da lei e à desmoralização de todo o
sistema. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte geral e parte
especial. Rio de Janeiro: forense, 2009, p. 91. ³ No aspecto, o disposto no artigo 22, incluído pela Lei nº 13.655, de 2018: Art. 22. Na interpretação de
normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as
exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão
sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão
consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
14
Estado, havendo que se sopesarem os custos sociais de eventual concessão individual, sob
pena de frustração da ideia de segurança jurídica compartilhada.9
De um ponto de vista privado, se pensarmos em entes particulares como
demandados, além das dificuldades práticas que possam ser compartilhadas com aquelas
vividas pelos entes públicos, a situação enquadra-se nas excludentes de caso fortuito ou
força maior, nos termos do artigo 393 do Código Civil (salvo responsabilização expressa
contratada), que tem como seu elemento nuclear mais intenso o da inevitabilidade, e que,
invariavelmente, fica caracterizado pelo estado excepcional de emergência sanitária em que
imersa toda a coletividade mundial, sendo impossível que se evitem ou impeçam os danos
derivados da falta de equipamentos e materiais necessários ao combate deste vírus, já que,
notoriamente, são objeto de disputa em um nível mundial.
5 REFLEXO DA CRISE SOBRE OS CONTRATOS EDUCACIONAIS E OS
MÉTODOS DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS
Helen Bernasiuk10
A sociedade contemporânea está vivendo um momento atípico, até então sem
precedentes. Em decorrência de determinações atinentes ao isolamento social, ocasionada
pela pandemia da COVID- 19, ocorreu a suspensão e proibição das atividades de escolas e
universidades, o que se reflete na crise sobre os contratos de prestações de serviços
educacionais.
É inegável que muitas famílias já estão sofrendo reduções financeiras (perda de
emprego ou redução abrupta da renda), bem como o fechamento, ainda que temporário das
9 MAFFINI, Rafael; HEINEN, Juliano. Análise acerca da aplicação da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (na redação dada pela Lei nº 13.655/2018) no que concerne à interpretação das normas de
direito público: operações interpretativas e princípios gerais de direito administrativo. Revista de Direito
Administrativo, Edição Especial – Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro
– LINDB (Lei nº 13.655/2018), 2018, p. 256. 10 Helen Lentz Ribeiro Bernasiuk. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul – PUCRS. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em
Direito Público pela Uniderp – Anhanguera. Integrante do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil da
Ajuris, coordenado pela Dra. Elaine Harzheim Macedo. E-mail: [email protected].
15
instituições, ocasionaria redução de certas despesas (como transporte e refeição de
funcionários, água, energia, dentre outros).
Preambularmente, é preciso consignar que os serviços educacionais prestados por
entidades privadas estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A
esse respeito são os apontamentos de Carlos Cezar Barbosa11:
Dessa forma, a prestação de serviços educacionais pelas entidades privadas,
mediante remuneração, caracteriza relação de consumo, uma vez bem
identificados os sujeitos: instituição privada e aluno, como fornecedor e
consumidor.
Decorre dessa conclusão que a prestação de serviços educacionais remunerados
pela entidade privada delegada se subjuga à normatividade contida no Código de
Defesa do Consumidor, lei de natureza de direito público, que nasceu por
imposição do art. 5ª, XXXII, da Constituição Federal e que prevê ampla proteção
ao consumidor, partindo da presunção de sua vulnerabilidade no mercado de
consumo. Por se tratar de lei de direito público, seu conteúdo normativo é
intransigível.
A aludida submissão impõe ao estabelecimento de ensino a observância de
princípios que devem permear as relações entre fornecedor e consumidor, como
corolário do reconhecimento pelo CDC da vulnerabilidade deste e da conseqüente
intervenção estatal nas relações de consumo.
Há diversos projetos em discussão no âmbito do Congresso Nacional, bem como em
Assembleias Estaduais que buscam a redução das mensalidades, ou a sua suspensão,
enquanto suspensas as aulas presenciais.
Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei1180/2012 que preconiza sobre o
funcionamento da rede privada de educação durante períodos de calamidade, permite a
renegociação de mensalidades diretamente com as instituições particulares de ensino, bem
como prevê a possibilidade de redução das mensalidades entre 20% e 30%.
No Senado Federal, tramita o Projeto de Lei 1.163/202013, que dispõe acerca da
redução de no mínimo, 30% (trinta por cento) no valor das mensalidades das instituições de
ensino fundamental, médio e superior da rede privada cujo funcionamento esteja suspenso
11 BARBOSA, Carlos Cezar. Responsabilidade Civil do Estado e das Instituições Privadas nas Relações de
Ensino. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 106. 12 Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2242169 . Acesso em abril de
2020. 13 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141293. Acesso em abril de
2020.
16
em razão da emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de
2020.
Desse modo, seria cabível uma redução nos valores das mensalidades, todavia, não
se pode olvidar que a escola possui diversos encargos para sua manutenção, como
pagamento de folha de diversos profissionais, aluguel, dentre outras despesas.
No tocante às universidades, há possibilidade de plena eficácia de realização de
aulas na modalidade on-line, em termos de aproveitamento e carga horária, inclusive pela
maturidade de interação dos alunos.
Todavia, nos casos de educação infantil, a situação traz contornos peculiares. A
educação infantil passa a ser obrigatória a partir dos 04 (quatro) anos de idade, consoante
disposto no art. 06º da Lei de Diretrizes Básicas da Educação, nº 9.394, de 20/12/1996, bem
como em consonância com o disposto no art. 208, I, da Constituição Federal.
Em escolas de educação infantil (com crianças de 0 a 04 anos), muitas já
propuseram redução do valor das mensalidades, inclusive por não ser obrigatória a
matrícula dessas crianças nas instituições. Todavia, a partir dos 04 anos, como a matrícula
se torna obrigatória, há uma maior relutância em concessão de descontos, inclusive, porque
argumentam que os professores estão com carga horária mais elevada para adaptar-se à
nova realidade de ensino on-line.
O Tribunal de Justiça de São Paulo14, ao julgar o Agravo de Instrumento nº
2063767-80.2020.8.26.0000, manteve o indeferimento do pedido liminar de genitores que
pretendiam a redução de 50% dos valores atinentes à mensalidade escolar, em decorrência
da pandemia, cuja ementa se transcreve:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO 22ª CÂMARA DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
Agravo de Instrumento nº 2063767-80.2020.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº
28.787 - O
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL C/C PEDIDO DE
TUTELA ANTECIPADA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ESCOLARES.
DECISÃO QUE INDEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DA
AUTORA. PRETENSÃO DE DESCONTOS NAS MENSALIDADES
ESCOLARES DE SEU FILHO EM DECORRÊNCIA DOS EFEITOS DA
PANDEMIA COVID-19. AUSENTES OS REQUISITOS LEGAIS
AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA TUTELA. ESCOLA QUE TEM
14 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 2063767-80.2020.8.26.0000. Disponível em:
https://www.tjsp.jus.br. Acesso em abril de 2020.
17
FEITO ADAPTAÇÕES PARA ATENDER AOS ALUNOS PELA VIA
ELETRÔNICA E QUE SE COMPROMETEU A REPOR O CONTÉUDO NO
MOMENTO OPORTUNO. AUTORA QUE NÃO COMPROVOU, ADEMAIS,
A MODIFICAÇÃO DA SUA SITUAÇÃO FINANCEIRA A JUSTIFICAR A
ALTERAÇÃO DA BASE CONTRATUAL DESDE JÁ, SEM A OITIVA DA
PARTE ADVERSA. DEMAIS QUESTÕES QUE DEMANDAM DILAÇÃO
PROBATÓRIA. DECISÃO MANTIDA.
- RECURSO DESPROVIDO.
O fundamento foi o de que, muito embora a situação excepcional decorrente da
pandemia, a instituição de ensino propôs a reposição das aulas educacionais contratadas,
inclusive de modo presencial, o que não é possível no momento, em decorrência do decreto
de calamidade pública da cidade de São Paulo. O Desembargador Relator entendeu que,
como a escola estava mantendo as atividades pela forma on-line, isso também ocasionaria
uma demanda maior de custos e adaptações. Outrossim, os genitores não haviam
demonstrado a alegada redução salarial, a justificar a alteração da base contratual.
A pandemia está em curso no Brasil, bem como em diversos países e, ainda não
sabemos quanto tempo irá durar o fechamento das escolas, razão pela qual, é inviável
verificar se as aulas presenciais poderão ser recuperadas ou, ainda, se as aulas na
modalidade on-line são substitutivas das presenciais.
Ademais, a não prestação de serviços educacionais nos moldes em que contratados
não é possível por motivos alheios às escolas.
O princípio da boa-fé, disposto no art. 422 do Código Civil deve nortear as relações
contratuais. A respeito da boa-fé contratual preleciona Jorge Cesa15 que:
À boa fé foi então conduzida e reconduzida uma série de eficácias, prévias à
constituição do vínculo, contemporâneas da execução e até posteriores a
realização da prestação, que, na idéia de confiança, encontraram um de seus mais
importantes fundamentos materiais.
(...)
Os efeitos da boa fé podem, assim, não ser declarados pelas partes, não ser por
elas queridos ou ser por elas totalmente desprezados. Não obstante, participarão
do conteúdo jurídico da relação, assim como participa deste conteúdo toda a
normatividade legal (em sentido estrito) não declarada ou querida pelas partes.
15 |SILVA, Jorge Cesa Ferreira da, A boa-fé e a violação positiva do contrato. RJ: Renovar, 2002 p. 48 e 54.
18
Os Projetos de Lei em tramitação que têm por objetivo fixar um percentual fixo de
desconto, podem não levar em consideração a realidade financeira das instituições, o que
por si só pode gerar inúmeros conflitos a serem enfrentados pelo Poder Judiciário.
Não se pode deixar de lembrar que se a redução do valor for além das possibilidades
da escola, ocasionará uma grande quantidade de demissões nas instituições, o que não se
almeja em situações extremas como a que estamos vivenciando. Desse modo, não parece
adequado fixar percentual padrão, porquanto cada escola possui uma realidade financeira
específica, bem como cada família foi atingida de maneira diversa.
Assim, em instituições com crianças menores de 04 anos, em que o ensino não é
obrigatório e já se tem uma redução de custos com alimentação e demais atividades, bem
como não há possibilidade de aula on-line, em razão da tenra idade, parece que a escola
pode propor uma redução do valor da mensalidade, que não afete a sua saúde financeira.
Nas modalidades universitárias, em que a carga horária e o aproveitamento se
mantem integrais, se houver desconto, o percentual deveria ser menor.
Em escolas de educação infantil, a partir de 04 anos, em que é obrigatória a
matrícula e haja a possibilidade de aulas pela modalidade on-line, ainda que não sejam de
aproveitamento integral como na modalidade presencial, a redução deve se dar de forma
proporcional à redução dos custos.
De um lado, tem se verificar que a situação pandêmica foi inesperada para todos,
tendo as escolas tomar medidas para a realização de atividades on-line, bem como diversos
genitores terem sofrido perda de capacidade econômica.
Muito embora a situação de pandemia, os contratos educacionais continuam
vigentes, impondo obrigações para ambas as partes. Desse modo, em não havendo uma
composição entre as instituições de ensino, com certeza diversas demandas ingressarão no
Judiciário, aliás, como já afirmado alhures.
Deste modo, cabe ao intérprete, ao aplicador dos direitos fundamentais, atribuir
importância distinta aos valores por ele densificados. Conforme assinala Ingo Wolfgang
Sarlet16, “sempre atento as circunstâncias do caso concreto, mas também igualmente
16 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. 12. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 412.
19
receptivo às hierarquizações axiológicas levadas a cabo pelo legislador democraticamente
legitimado”.
Por fim, há a necessidade de se verificar os princípios da boa-fé objetiva, lealdade e
cooperação e solidariedade para a solução das controvérsias oriundas da pandemia
ocasionada pelas situações extraordinárias decorrentes da denominada Covid-19. Mostra-se
prudente analisar quais despesas efetivamente diminuíram para a instituição de ensino, bem
como qual impacto disso na mensalidade escolar, observando-se que a manutenção das
instituições de ensino garante, outrossim, empregabilidade.
6 OS IMPACTOS DO CORONAVIRUS (COVID-19) NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO
CIVIL
Cíntia dos Santos Gonçalves17
O surto do coronavírus está trazendo impactos não apenas na economia, na saúde,
nas relações sociais, mas também no direito. Com isso, cumpre tecermos algumas
considerações dos efeitos COVID-19 sobre as ações de execução civil, visto que se trata da
realização de um direito que já foi definido pelo Poder Judiciário (título judicial) ou pelo
Legislativo (título extrajudicial).
Inicialmente, cumpre esclarecer que a prestação da tutela jurisdicional envolve além
da atividade de conhecimento, a atividade executiva, que seria a realização prática do
direito material18. Isto é, satisfazer uma prestação devida. Dessa forma, a execução pode ser
espontânea, em que devedor cumpre voluntariamente sua obrigação, ou forçada, em que o
cumprimento da obrigação é obtido por meio de atos executivos praticados pelo Estado.
Assim, o Código de Processo Civil dispõe em seus artigos 513 a 538 quanto ao
cumprimento de sentença, seja este provisório ou definitivo. Sendo que estes títulos
executivos se dão em regra, como fase do mesmo processo em que a sentença foi proferida.
17 Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil da Ajuris, coordenado pela Dra.
Elaine Harzheim Macedo E-mail [email protected]. 18 CARPES, Arthur Thompsen. DALL’ALBA, Felipe Camilo, JARDIM, Augusto Tanger (coords.). in.
Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. 4. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 11-13.
20
Por sua vez, nos artigos 771 a 925 do mesmo diploma legal, este trata sobre as execuções
de títulos executivos extrajudiciais, que são propostos em processos autônomos19.
A partir disso, constata-se que devido à crise pandêmica que se instalou não apenas
em nosso país, mas também no mundo, essa acabou por influenciar na prestação da tutela
jurisdicional. Veja-se que o Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº 313 de
19 de março de 2020, visando a dirimir os avanços do Coronavírus, a qual foi seguida pelos
demais tribunais, determinou a suspensão processual até o dia 30 de abril, posteriormente
revista pela Resolução 314 de 20 de abril de 2020 que modifica as regras de suspensão de
prazos processuais, para permitir o prosseguimento regular nos processos eletrônicos e
prorrogar o prazo de suspensão nos processos físicos, até 15 de maio, no âmbito do Poder
Judiciário, sem prejuízo de tal prazo vir a ser reduzido ou ampliado se necessário.
Nesse contexto, pode-se aferir que um dos primeiros efeitos da Pandemia sobre as
ações de execução civil é quanto ao cumprimento das obrigações. Visto que com a
decretação de estado de calamidade pública pelo governo federal, e igualmente, pelos
Estados, houve sérias restrições para funcionamento de determinados estabelecimentos.
Sendo necessário reduzir fluxos, contatos e aglomerações de trabalhadores, o que está
impactando nas atividades de determinadas empresas, que por terem seu faturamento
reduzido, se encontram em dificuldade de manter seus funcionários, o que poderá culminar
em falências e demissões.
Dessa forma, haverá, inegavelmente uma dificuldade no cumprimento das
obrigações, sendo que nesses casos, em que passado o período de suspensão e que o
executado não tenha condições de adimplir sua obrigação, este poderá,
exemplificativamente, se utilizar do previsto no artigo 222, §2º do Código de Processo
Civil para que tenha uma prorrogação do prazo:
Art. 222. Na comarca, seção ou subseção judiciária onde for difícil o transporte, o
juiz poderá prorrogar os prazos por até 2 (dois) meses.
(...)
§ 2º Havendo calamidade pública, o limite previsto no caput para prorrogação de
prazos poderá ser excedido.
19 DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael
Alexandria. Curso de direito processual civil: Execução. 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. Jus Podium,
2017. p. 45-49.
21
Com base no referido dispositivo, podemos constatar que apesar da regra ser pela
não prorrogação dos prazos, excepcionalmente, ocorrerá situações em que se poderá
exceder o limite legal, como nos casos de calamidade pública.
Todavia, deve-se salientar que o reconhecimento da pandemia, e por conseguinte, da
decretação de estado de calamidade pública não pode ser um meio para o não cumprimento
das obrigações. Assim, o executado deve trazer fundamentos tanto de fato, quanto de
direito que possam embasar seu pedido.
Nessa conjuntura, outro ponto que merece destaque é o fato que devido a crise do
Coronávirus, o judiciário vem limitando as medidas de constrição de bens de devedores.
Com isso, apesar de ser uma das medidas que pode valer-se o exequente, quando
verificado que o executado não efetuou o pagamento no prazo assinalado, e ainda constar
como primeiro na ordem de preferência, conforme o disposto no artigo 835 do CPC,
alguns magistrados vêm indeferindo o pedido de penhora online dos ativos financeiros da
parte executada ou reduzindo o percentual do valor que será penhorado, em virtude do
COVID-19.
Assim, a título de exemplo, na Execução de Título Extrajudicial nº 8010106-
39.2015.8.11.0045 em trâmite no Juizado Especial Cível e Criminal de Lucas do Rio
Verde-MT20, a juíza optou por determinar uma redução da penhora sob os rendimentos do
devedor de 30%, como era usualmente aplicado, para 10%, tendo em vista a situação de
calamidade pública decretada em razão do coronavírus.
Não obstante, na Execução de Título Extrajudicial nº 7035835-74.2019.8.22.000121
em trâmite na 6ª Vara Civel de Rondônia, o juiz indeferiu o pedido de penhora online, sob
o fundamento de que ainda que a execução se opere em benefício do credor, a menor
onerosidade ao credoe deve ser observado, principalmente em períodos de exceção, como
ocorre neste periodo de pandemia do Coronavírus:
Embora a execução se opere em benefício do credor, a menor onerosidade ao
devedor é princípio que deve ser observado. No atual momento o
bloqueio/penhora de valores em conta bancária é medida que fere a razoabilidade,
uma vez que as pessoas necessitam de liquidez para fazer frente às despesas que
podem surgir no período de exceção.
20 Disponível em: https://www.tjmt.jus.br. Acesso em 17 de abril de 2020. 21 Disponível em: https://www.tjro.jus.br. Acesso em 17 de abril de 2020.
22
A pandemia do COVID-19 exige sacrifícios de todos, de forma que indefiro o
pedido de bloqueio nas contas bancárias da executada, sem prejuízo de rever a
decisão quando cessar o período de calamidade pública. Intime-se a exequente
para que se manifeste sobre o bem oferecido à penhora. A executada fica ciente
de que a oferta somente vale neste processo, devendo ser apresentada também, se
for o caso, no outro processo indicado na petição. Porto Velho/RO, terça-feira, 24
de março de 2020 . José Antonio Barretto Juiz de Direito Fórum Cível da
Comarca de Porto Velho Avenida Pinheiro Machado, nº 777, Bairro Olaria, CEP
76801-235, Porto Velho, - de 685 a 1147 - lado ímpar
Neste cenário, uma alternativa que poderia auxiliar a redução dos impactos dessa
pandemia nas ações de execução civil, seria a celebração de acordo, visto que o artigo 190
do Código de Processo Civil traz essa possibilidade, no alinhamento da norma fundamental
expressa no art. 3º, § 3º, do mesmo estatuto processual.
Assim, ainda que se tenha um árduo caminho para celebração de convenções no
âmbito da execução civil, nada obsta que as partes obedecido os critérios para tanto (sejam
titulares da situação jurídica; objeto lícito; seja feito por escrito; autonomia da vontade;
sejam civilmente capazes e o objeto seja autocomponível), possibilitem que o procedimento
se adeque ao objeto da demanda, ou seja, se adapte as peculiaridades da causa, bem como
as partes envolvidas na ação. Como por exemplo, convencionarem quanto à calendarização
da execução para que seja estabelecido os critérios para o cumprimento parcial e
progressivo da obrigação.
A partir disso, percebe-se que, neste momento, deverá haver um equilíbrio deste
conflito, possibilitando, de modo simultâneo, que os interesses do Exequente/Credor,
sempre que possível, sejam resguardados com garantias suficientes para proteger os seus
créditos e que o Executado/Devedor tenha meios para exercer sua atividade, bem como
tenha os recursos necessários para manter sua subsistência.
7 AS DECISÕES JUDICIAIS QUE VEICULAM PROBLEMA ESTRUTURAL EM
ÉPOCA DA PANDEMIA DO COVID-19
Luana Steffens22
22 Mestranda em Direito na área Teoria Geral da Jurisdição e Processo pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS). Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários e pela Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul - AJURIS. MBA em Direito
23
No momento atual brasileiro da pandemia do COVID-19, vivemos totalmente o
protagonismo dos profissionais da saúde – médicos, enfermeiros, cientistas e pesquisadores
- que se encontram na linha de frente à proteção da saúde da sociedade. Entretanto, quando
o isolamento social passar e a vida retomar o seu curso ‘normal’23, teremos cada vez mais o
protagonismo dos profissionais do Direito (juízes, promotores de justiça, defensores
públicos, advogados e etc.), sem embargo de já estar acontecendo. O Judiciário, nessa
conjuntura, terá uma atuação bastante forte.
É cediço a existência de incontáveis e crescentes decisões judiciais envolvendo
distribuição de medicamentos, equipamentos de proteção aos profissionais de saúde,
autorização de cirurgias eletivas e etc. A judicialização da política pública é natural nesse
momento de medo e apreensão em relação ao futuro, tanto no tocante à economia quanto à
saúde. Não obstante, será quando o pico do isolamento passar que o protagonismo judicial
tornar-se-á muito mais presente, ou seja, ações judiciais discutindo tratamento médico,
outras buscando indenizações pelo não fornecimento de tratamento chegarão muito
rapidamente às Cortes de justiça.
Principalmente em momentos de crise como o que estamos vivendo, decisões
rápidas e certeiras devem ser tomadas. Ordens simultâneas e contraditórias ou interrupção
de programas e atividades em curso podem acarretar inúmeros prejuízos e, até mesmo,
retrocesso. Assim, será que agora é o momento de os atores processuais intervirem nas
escolhas políticas realizadas pelo Poder Executivo? Por outro lado, quando o pico dessa
crise passar e os litígios aportarem mais intensamente ao Judiciário, qual o modelo de
decisão que mais se adapta à concretização da efetividade do processo (tutela adequada,
efetiva e tempestiva do direito material, mediante o processo justo)?
Nesse contexto de crise sanitária, qualquer intervenção do Poder Judiciário
no tocante às escolhas do Executivo acerca da melhor forma de contenção da pandemia
pode acarretar sérios prejuízo, bem como atraso nas melhorias então pretendidas. Agora é o
momento de a sociedade e o próprio Judiciário dar uma maior deferência às opções do
Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Ex-assessora de Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Pesquisa de Direito e Processo da AJURIS, coordenado
pela prof. Dra. Elaine Harzheim Macedo. Advogada. E-mail: [email protected]. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0751939826959797 23 Será que existe uma volta ao ‘normal’? Parece-nos que não existe mais a volta a vida normal. Teremos um
novo mundo quando essa pandemia passar!
24
Executivo. O momento presente exige do órgão jurisdicional maior prudência para a
intervenção nas seleções de políticas públicas efetivadas pelo administrador.
Sobre a questão, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão de lavra do
Des. Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, deferiu liminar no agravo de instrumento nº
5003426-39.2020.4.02.0000/RJ, para que o Judiciário não interviesse na política pública de
saúde estabelecida pelo Município:
(...)Diante da repartição de competências, constitucionalmente garantida, como
corolário do Estado Federativo, e, tendo em vista, a prudência que o delicado
momento exige, ante o novo cenário mundial, deve-se prestigiar, ao menos até o
presente momento, a política pública eleita pelo município agravante, evitando-
se que a intervenção do Poder Judiciário, que, por certo, não detém os
conhecimentos técnicos acerca da melhor forma de contenção da pandemia,
impacte, de forma imprevisível e incalculável, o sistema de saúde municipal.24
Na mesma linha, o artigo publicado pelo Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal
Federal:
(...) Está na ordem do dia a virtude passiva dos juízes e a humildade judicial de
reconhecer, em muitos casos, a ausência de expertise em relação à Covid-19.
É tudo novo para a Ciência, quiçá para o Judiciário. Nesse contexto, impõe-se aos
juízes atenção para as consequências das suas decisões, recomendando-se
prudência redobrada em cenários nos quais os impactos da intervenção judicial
são complexos, incalculáveis ou imprevisíveis.
Antes de decidirem, devem os juízes ouvir os técnicos, porque uma postura
judicial diversa gera decisões passionais que desorganizam o sistema de saúde,
gerando decisões trágicas e caridade injusta.
A novel figura do amigo da Corte (amicus curiae), que pode ser um cientista, um
economista, um médico, foi incorporada ao novo Código de Processo Civil para
coadjuvar os juízes e tribunais nas decisões que exigem conhecimentos que
escapam à formação dos profissionais do Direito.
A participação desses experts é fundamental, na medida em que aqui e ali
vislumbram-se decisões que apreendem máscaras e remédios, internam-se
pessoas cujo tratamento deve ser caseiro, fadigando a disponibilidade de leitos
hospitalares, impede-se a criação de postos próximos aos cidadãos para
receberem o auxílio econômico governamental, entre outras.
Positivamente, não é hora do impulso imoderado, mas do raciocínio prudente,
racional e consequencialista, sob pena de a Justiça, cujo desígnio é dar a cada um
o que é seu, transformar-se num paciente infectado por uma Covid que adoece a
alma e a razão, ferindo de morte, a um só tempo, a vida dos que sofrem e a
esperança dos que intentam viver”.25
24 Decisão que pode ser consultada no seguinte sítio: https://www10.trf2.jus.br/portal/wp-
content/uploads/sites/28/2020/04/decisao-volta-redonda.pdf, excerto extraído da p. 5 da decisão. Acesso em
29 abr. 2020. 25 In O Globo: https://oglobo.globo.com/opiniao-justica-infectada-hora-da-prudencia-24337119?utm_source-
aplicativoOGlobo&utm_medium-aplicativo&utm_campaign-compartilhar. Acesso em 20 abr. 2020.
25
Tal fato, contudo, não revela que o Judiciário não poderá interferir nunca em
políticas públicas. A possibilidade do controle de políticas públicas pelo Judiciário já foi
reconhecida, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45 (ADPF nº 45-9 – Distrito Federal26).
Entretanto, problemas altamente complexos de políticas públicas devem ser julgados por
meio de um processo comparticipativo, marcadamente policêntrico, que seja capaz de
abarcar diversos interesses existentes, mediante uma relação dialógica e contínua para a
concretização de direitos fundamentais e quebrar a lógica processual individual bipolar.
Entram em cena os processos estruturais.
Considerando que os problemas que advirão decorrentes da pandemia da COVID-
19 serão altamente complexos, gerando um estado de desconformidade jurídica geral27,
urge que esses problemas tipicamente estruturais sejam julgados por meio de um processo
no modelo estrutural.
Portanto, esse cenário impacta a formação de um novo modelo processual com
foco na busca de soluções prospectivas, que são muitas vezes alcançadas pelo consenso de
seus participantes e, quando isso não for possível, dará ensejo a múltiplas decisões, em
cascata28.
Assim, mesmo à revelia de normas autorizativas expressas29, há vários exemplos
de processos de caráter estrutural no âmbito do interesse público. A área da saúde, por
exemplo, tem sido fecunda na outorga de medidas estruturais30. Ademais, processos que
26 in http://portal.stf.jus.br/. Acesso em 20 abr. 2020. 27 Segundo Didier Jr. e Zaneti Jr., “um estado de desconformidade estruturada é uma situação de ilicitude
contínua e permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que não propriamente ilícita, no sentido de
ser uma situação que não corresponde ao estado de coisas considerado ideal. Como quer que seja, o problema
estrutural se configura a partir de um estado de coisas que necessita de reorganização (ou de reestruturação).
Estado de desconformidade, como dito, não é sinônimo necessariamente de estado de ilicitude ou de estado de
coisa ilícito. Estado de desconformidade é situação de desorganização estrutural, de rompimento com a
normalidade ou com o estado ideal de coisas, que exige uma intervenção (re) estruturante. Essa
desorganização pode, ou não, ser consequência de um conjunto de atos ou condutas ilícitas”. DIDIER JR.,
Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo, v. 4, 13ª ed., Salvador: Ed.
JusPodivm, 2019, p. 574. 28 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no processo civil brasileiro. 2013. Disponível em:
www.academia.edu. Acesso em 22 ago 2019. 29 Nesse sentido, importa destacar o Projeto de Lei 8.058/2014, que tramita na Câmara dos Deputados, e
pretende instituir um processo especial para controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder
Judiciário. In
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=52EE95817C813A89D30A974B
55235047.proposicoesWebExterno1?codteor=1283918&filename=PL+8058/2014. Acesso em 20 abr. 2020. 30 É o caso de decisões que, ao outorgarem certo medicamento a um doente necessitado, fixam, fora dos
26
envolvem questões no tocante a políticas públicas são propícios para a aplicação de
técnicas estruturais com o escopo de alcançar maior efetividade ao processo.
A missão atribuída ao Poder Judiciário de “guardião da Constituição” exige a
possibilidade de repensar o exercício da atividade jurisdicional. Desse modo, sem
desconsiderar o papel e os limites do Poder Judiciário na seara da efetivação dos direitos
fundamentais, especialmente onde tal atuação entra em tensão com as ações e omissões dos
demais poderes estatais, entendemos que o modelo de processo estrutural para o
julgamento dos problemas estruturais que advirão da pandemia do COVID19, pode ser um
caminho para uma maior efetividade do processo e realização da tutela do direito material.
O futuro mostrará se essa técnica de decisão revelar-se-á eficaz.
8 COVID-19 NA ESFERA TRABALHISTA
Cristiane Mello31
Na esfera trabalhista, diante da atual conjuntura sócio econômica em razão do
momento epidêmico, as medidas legislativas tomadas vêm acautelar as relações de
emprego, na tentativa de minimizar as consequências de uma paralização total que
acarretará ao setor produtivo, como as prováveis demissões em massa.
Neste viés, foram editadas as Medidas provisórias 927 e 936, que flexibilizam as
tratativas diretas entre empregado e empregador, prevendo entre outras providencias, a
redução da jornada de trabalho, redução de salário e a suspensão dos contratos de trabalho
por até 60 dias, com a comunicação aos Sindicatos no prazo de 10 dias. O STF através do
julgamento da ADI 6363, tendo como Relator o Ministro Lewandowski, entendeu como
limites do pedido, condições para o fornecimento desse produto. Outro caso é a decisão tomada pelo Poder
Judiciário no Estado do Rio Grande do Norte, em relação ao Hospital Estadual de Referência e Atenção à
Mulher de Mossoró (Autos 0800817-45.2013.8.20.0001, 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal, In:
http://www.tjrn.jus.br/, acesso em 20 abr. 2020.) 31 Advogada, pós-graduada em Direito Empresarial pela UniRitter - Laureate Internacional Universitier.
Integrante do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil da Ajuris, coordenado pela Dra. Elaine Harzheim
Macedo.
27
válido o ato jurídico realizado exclusivamente entre empregado e empregador, ou seja,
reconheceu os acordos individuais e, bem como defendeu o Ministro Marco Aurélio, em
época de calamidade temos que admitir ao trabalhador assegurar o seu sustento32.
Assim, em que pese a protetividade da esfera trabalhista, o momento excepcional
clama por medidas como essas que de forma equânime e em total consonância com o
princípio da função social previsto no art. 8º do Código de Processo Civil visa ao bem
maior, que, após a saúde, é a natureza alimentar advinda da segurança das relações de
emprego que mantem o bem maior que é a vida, bem como toda as relações em sociedade.
9 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO DOS
CONTRATOS AFETADOS PELA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Valesca Vanacôr33
9.1 Introdução
O objetivo principal deste estudo é demonstrar a iminente necessidade da
judicialização das políticas públicas, e como ela vem sendo reconhecida pelo Poder
Judiciário, bem como, sob um olhar prático, relacioná-la com as relações contratuais em
razão do atual cenário.
O Brasil vivencia uma das maiores crises mundiais deflagrada pela pandemia do
novo Coronavírus (Covid 19), sendo que o afastamento da polarização política ou da
“guerra política” entre União e os Estados bem como, neste momento, a relativização da
judicialização, priorizando-se sempre que possível soluções consensuais, são medidas que
se impõem!
32 http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441439&tip=UN
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442248 33 Advogada nas áreas Cível e Empresarial. Direito Bancário com ênfase em Negociação com suporte jurídico
e Mediadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Integrante do Grupo de Estudos em Direito
Processual Civil da Ajuris, coordenado pela Dra. Elaine Harzheim Macedo.
28
Diante deste nefasto cenário fático, as soluções compartilhadas com a atuação
conjunta das três funções estatais, de forma harmônica, possibilitam e aceleram a superação
de problemas, tornando mais fácil a tomada de decisões.
9.2 O cenário atual
Os efeitos da Pandemia têm tomado conta da sociedade em escala mundial.
Já é possível prever que organizações dos mais diversos segmentos irão sofrer
inúmeros prejuízos.
As medidas adotadas pelos governos federal, estaduais e municipais de isolamento
social, vem causando reflexos econômicos à toda população brasileira, visivelmente já
percebidos.
Aqueles que sofrerão os impactos vão desde pessoas físicas a exemplo dos
autônomos como também os empresários, principalmente os micro, pequenos e médios
empreendedores. Constata-se, também os danos advindos da esperada redução de renda.
Outro impacto significativo, será no setor financeiro. Contudo, já se visualiza que
algumas medidas já estão sendo tomadas, como a flexibilização dos bancos quanto ao
recebimento de seus créditos. E por parte do governo, já foram anunciados pacotes de ajuda
financeira emergencial a pessoas físicas e jurídicas.
9.3 As relações contratuais e a judicialização da pandemia
Neste cenário, as relações contratuais, como contratos de locação, de prestação de
serviços, contratos bancários e outros, serão inevitavelmente atingidas e por certo serão
alvo de inúmeros questionamentos judiciais. A saber, nas últimas duas semanas do mês
de abril, foram propostas perante o STF aproximadamente 460 novas demandas
relacionadas à atual pandemia.
Sobre as relações contratuais, neste momento, são debatidos entre os operadores
do direito, temas como: a repressão à elevação abusiva de preços por produtos essenciais
cuja procura disparou diante desta crise, os dilemas que ameaçam a atividade empresarial
de lojistas (em particular, os locatários de pontos comerciais em shopping centers), a
busca pela manutenção do equilíbrio do atuarial dos seguros de saúde em relação à
cobertura de novos exames e novos tratamentos em benefício dos segurados, bem como o
29
equilíbrio contratual dos contratos bancários como por exemplo, os de parcelas fixas que
vão necessitar, pelo menos, da suspensão das mesmas, sem que haja renegociação com
aplicação de mais juros.
Diante desta Crise epidêmica, com tantos impactos na vida das pessoas, as
relações contratuais, provocam uma das reações mais imediatas da doutrina para
proporem possíveis soluções jurídicas para a crise, de modo a atrair a incidência da
norma, que seja a mais adequada para recompor o equilíbrio contratual.
Em tal contexto, no que se refere a judicialização, destaca-se, como suporte jurídico,
entre outros, a “Teoria da Imprevisão” que é aplicável quando, acontecimentos
extraordinários, tais como o Coronavírus, tornem a prestação de uma das partes do contrato,
excessivamente onerosa.
A teoria da imprevisão está prevista no art. 317 do Código Civil, segundo o qual
“quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da
parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
No mesmo sentido, também está previsto no art. 478, do referido estatuto:
“contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Nesta direção também caminha o seu artigo 393, que diz que o devedor não
responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não
se houver por eles responsabilizado.
E, por fim, no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:
“São direitos básicos do consumidor: (...) V – a modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes
que as tornem excessivamente onerosas”.
Por outro lado, antes da judicialização deve ser considerado o bom senso e a
negociação, pois o momento atual exige cautela. Precisamos da união do país e atuação
coordenada, integrada e solidária das funções estatais, pois a guerra contra o inimigo
invisível global não pode admitir fraquezas dentro ou fora do Estado, representadas pelas
30
desavenças políticas e discursos populistas, tendo em vista tantas Medidas Provisórias
editadas sem qualquer consenso entre a União, estados e municípios.
Havendo esta união será reduzido consideravelmente tanto os efeitos desastrosos
do conflito político entre União e Estados quanto a excessiva e exagerada "judicialização
da pandemia" com a prevenção e ao combate ao Covid 19. Ao contrário, a principal
vítima será a sociedade brasileira.
O caminho da negociação – especialmente tratando-se de direitos subjetivos e de
conteúdo patrimonial – será o que mais trará benefícios, a exemplo da ABRASCE,
Associação de empresas de shopping center, e a ALSHOP, entidade representante dos
lojistas, que negociaram e firmaram entendimento em relação à isenção dos aluguéis
devidos pelos lojistas durante o período em que seus estabelecimentos permanecerem
fechados341.
Tais soluções merecem respeito, na medida em que evitam a judicialização
desnecessária dessas questões, e vêm ao encontro da norma fundamental do art. 3º, § 3º,
do CPC/2015.
Ao nosso ver, em matéria contratual, se deve analisar, até que ponto as
circunstâncias da disseminação da COVID-19, sem dúvida alarmantes, efetivamente
comprometeram o equilíbrio contratual no caso concreto posto, o que será a rigor, o
critério balizador, seja dos institutos autorizadores da resolução contratual, seja de
eventuais pedidos revisionais.
9.4 A teoria da imprevisão e o princípio pacta sunt servanda
A teoria da imprevisão, no Direito brasileiro, admite a revisão contratual e por outro
lado o princípio do pacta sunt servanda prevê a obrigatoriedade contratual. Tal princípio
não aceita a resolução do contrato em face de prejuízos econômicos advindos de um mau
negócio jurídico.
Já a teoria da imprevisão decorre da expressão latina rebus sic stantibus, que em
uma rápida tradução quer dizer: manutenção do contrato enquanto as coisas estejam assim.
341 In: htpps://site.cndl.org.br/abrasce-e-alshop-fecham-questao-em-relacao-aos-shoppings. Acesso em abril
de 2020.
31
Ou seja, desde que mantidas as mesmas condições para todas as partes que estavam
presentes na elaboração do contrato.
Trata-se, portanto, de uma exceção ao princípio do pacta sunt servanda. Havendo
excessiva onerosidade à parte decorrente de evento posterior à celebração do contrato,
poderá haver revisão das cláusulas contratuais. Assim, será possível manter o equilíbrio
idêntico ao do momento em que o pacto foi firmado.
9.5 A teoria da imprevisão em tempos de pandemia
Com efeito, resta superado o entendimento engessado de que o contrato jamais
poderá ser revisto. Todo contrato tem uma função social que vai além dos interesses
particulares dos contratantes.
A situação pretérita de quem contratou não é mais a mesma diante do cenário atual
mundial de pandemia. Estamos diante de uma situação excepcional e a revisão contratual
será necessária em muitos casos.
Muitas empresas firmaram contratos levando em conta um cenário econômico e que
hoje mudou drasticamente, abalando as atividades empresariais e impossibilitando-as do
cumprimento dos contratos nos moldes, anteriormente, acordados.
A teoria da imprevisão não necessariamente implica na declaração de nulidade do
contrato, sendo por muitas vezes, a garantia de uma relação de equilíbrio entre os
contratantes.
Não há que se falar que a revisão do contrato estaria em desacordo com o princípio
da segurança jurídica, pois trata-se de um instituo que visa, sobretudo, a harmonizar as
relações jurídicas.
9.6 Conclusões parciais
A judicialização de políticas públicas na esfera do direito constitucional brasileiro
impõe ao Judiciário, cada dia mais, o controle dos atos e omissões dos agentes públicos
responsáveis por implementar políticas públicas que almejam, em seu fim último, atender
os comandos prioritários da Carta Constitucional, especialmente aos objetivos inscritos em
seu artigo 3º.
32
Esse parece ser o melhor caminho a ser trilhado na gestão pública, da qual o
Judiciário passa a fazer parte, nos limites constitucionais.
Nesse contexto, cumpre exigir dos gestores a justificação das escolhas
administrativas, não sendo mais possível falar-se em discricionariedade pura e simples.
Concomitantemente, se atribui ao juiz, nesse novo papel avaliativo, preconizado
pela Lei n. 13.655/2018, tal como verificar a adequação, a necessidade e as consequências
de determinar a implementação de uma política pública para assegurar os objetivos
fundamentais do Estado Democrático de Direito, garantindo o direito a uma boa
administração pública justa e de qualidade e que atenda ao fim a que se destina.
Quanto aos contratos afetados pela Pandemia, cuja judicialização poderá ter como
suporte jurídico a aplicação da teoria da imprevisão, esta dependerá da análise do caso
concreto, considerando princípios como: a) autonomia da vontade; b) força obrigatória do
contrato; c) função social do contrato; d) boa-fé objetiva; e) equivalência material.
Por derradeiro, não restam dúvidas de que a pandemia causada pelo Coronavírus e
seus efeitos funcionam como fator de desequilíbrio contratual, passível de ser revisto e
fundamentado na Teoria da Imprevisão, nos demais artigos acima citados e demais
disposições legais.
O presente estudo, oferece alternativas e um pensar e agir diligentes, ainda que
cautelosos para a revisão e ou adequação de obrigações contratuais assumidas para o
enfrentamento deste momento de dificuldades bem como sinaliza a necessidade imperiosa
da judicialização de políticas públicas adequadas, que neste momento de pandemia, nos faz
tanta falta, sugerindo, outrossim, o caminho da composição, da transação, do acordo,
inclusive extrajudicial, para a renegociação de contratos afetados quanto ao seu pleno
cumprimento pela pandemia COVID 19, que alterou o cotidiano de todos, serviços
públicos, atividades privadas, pessoas e famílias.
Entretanto, devemos observar o princípio da boa-fé objetiva para garantir uma
conduta leal dos contratantes no momento das conciliações, soluções de conflitos ou
mediações. A conduta de uma relação contratual leal deve estar embasada no
comportamento equilibrado das partes, no dever de cuidado em relação a outra parte
negocial, no dever da informação do conteúdo negocial, no respeito, na confiança entre as
partes, na colaboração e no dever de agir com honestidade. Por certo que a possibilidade de
33
revisões contratuais são uma forma de manter o sistema equilibrado, onde ambas as
partes possam realizar mudanças positivas e pontuais nos contratos firmados como forma
de reestabelecer o equilíbrio contratual para minimizar os efeitos ocasionados pelo o
advento da pandemia de Coronavirus (Covid-19).
10 À GUISA DE CONCLUSÃO DO TRABALHO COLEITVO
Elaine Harzheim Macedo
Não há como negar que o mundo não estava preparado para esta pandemia que
assolou e assola o planeta. Sob nenhum aspecto: saúde, economia, relações intersubjetivas
ou coletivas, entes públicos ou privados, poderes do Estado, mercado, cultura, costumes.
Cores distintas pintam esta nova realidade. O Direito não está imune a esta verdadeira
revolução do e no conhecimento.
A crise chegou quase silenciosamente nas primeiras semanas, pelo menos para o
mundo ocidental, mas foi atravessando os continentes e os oceanos e batendo às portas de
todos nós, ganhando visibilidade planetária e exigindo tomadas de posição, decisões que
praticamente colocaram o cotidiano em choque, cuja urgência é instantânea.
O Direito, o Poder Judiciário, o processo, constituem ciência, espaços e instituições
acomodados a um movimento que opera em dimensão distinta ao da contaminação pelo
COVID 19, linhas paralelas que agem em velocidades distintas. Nesse diapasão, o número
e a especificidade de conflitos que vêm se multiplicando por conta de sua afetação pela
pandemia não permite ainda uma visualização mais detalhada, mais aderente à realidade
que estamos enfrentando e àquela que ainda teremos que enfrentar. Estamos apenas dando
os primeiros passos de uma caminhada que certamente se mostrará muito árdua, mas não
invencível.
Esses estudos iniciais, envolvendo a judicialização de políticas públicas e a
intervenção da jurisdição na superação dos conflitos estabelecidos e a serem estabelecidos a
partir da crise do coronavírus, correspondem às primeiras reflexões, às indagações iniciais.
Ainda que não ofertem a resposta adequada e definitiva, contam com a vantagem de um
34
comprometimento com os novos problemas que devem ser resolvidos, devotando-lhes um
olhar sincero e humanístico, preservando na medida do possível a ordem jurídica.
Esta é razão de ser do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil, organizado e
mantido pela Escola da Ajuris, comprometido com o Direito como ciência social aplicada.
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