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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Gabriel Gustavo Cândido Avelar R. A. 003200500470 A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA São Paulo 2009

A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1785.pdf · A filosofia Nietzscheana foge da tentativa de codificar o que é Justiça

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Gabrie l Gustavo Cândido Avelar

R. A. 003200500470

A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA

São Paulo

2009

Gabrie l Gustavo Cândido Avelar

R. A. 003200500470

A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Direito da Universidade São Francisco, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito, orientado pelo Professor Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez.

São Paulo

2009

A967j AVELAR, Gabriel Gustavo Candido A Justiça de Zaratustra.;Gabriel Gustavo Cândido Avelar São Paulo: USF, (2009 47 p.

Monografia (graduação) – Universidade São Francisco., 2009 Orientador: Alessandro Urbano Sanchez

1. Filosofia do Direito. 2.Justiça. 3.Nietzsche. 4. Além homem. . Universidade São Francisco

[MLCR1] Comentário: Numero de paginas e ficha catalografica

Gabriel Gustavo Candido Avelar

R.A. 003200500470

A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em.........../.........../.............., na Universidade São

Francisco, pela Banca Examinadora constituída pelos professores:

_______________________________________________________

PROF. Me. ALESSANDRO RODRIGO URBANO SANCHEZ

USF

_________________________________________________________

PROF. Me. LUCIANO DE ALMEIDA PEREIRA

USF

______________________________________________________

PROFa Especialista VANESSA CRISTINA MORETTI

USF

[MLCR2] Comentário: Nome dos professors

Ao Professor e aliado Alessandro

Sanchez.

Agradeço a Maria Luiza Chr istovão

Ramos, que com sua dedicação e

diligência permitiu que esse trabalho

fosse concluído e aos meus pais por

acreditarem.

“E aqueles que foram vis tos dançando, foram julgados

insanos por aqueles que não podiam ouvir a música”

Friedrich Wilhelm Nietzsche

AVELAR, Gabriel Gustavo Cândido Avelar. A Justiça de Zaratustra, 50 pág., TCC, Curso de Direito, São Paulo: USF, 2009.

RESUMO

O tema Justiça está presente na obra de todos os principais filósofos conhecidos. Todos eles abordam a Justiça de maneiras diferentes, tentando definir o que é Justiça. Nietzsche também tratou em sua filosofia do tema da Justiça. Enquanto Sócrates buscava a maiêutica, pela dialética, Nietzsche buscava a desconstrução das idéias, por entender que deveriam ser superadas: em suas palavras os valores deveriam ser transvalorados, através da vontade de potência e da genealogia da moral. O trabalho apresenta uma pesquisa histórica e filosófica sobre a origem do conceito de Justiça moderno. Com base em pesquisa bibliográfica, aborda conceitos gerais de teorias e escolas filosóficas importantes para a sua conceituação. Uma vez abordado o tema, se aprofunda na filosofia Nietzscheana e extrai suas principais teorias, e então contrapõe essas idéias com as instituições modernas do Direito, da política e do Estado.

.

Palavras-chave: Filosofia do Direito, Justiça, Nietzsche, Além Homem.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

SEÇÃO 1 – A JUSTIÇA NO ESPAÇO E NO TEMPO 12

1.1. Etimologia da palavra Justiça 12

1.2. Uma breve história da Justiça: da pré-história ao Direito Romano 13

1.3. Escolas de Justiça 17

1.4 Justiça e religião 21

1.5 Moral, Ética e Direito 24

1.6 Aspectos subjetivos e objetivos da Justiça 26

SEÇÃO 2 – ASSIM FALAVA ZARATUSTRA 29

2.1. Assim Falava Zaratustra 29

2.2. O Além homem 30

2.3. Eterno retorno e Amor Fati 31

2.4. Vontade de Potência 33

2.5. Moral de senhor e escravo 34

2.6. Os fortes e os fracos 36

SEÇÃO 3 – A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA 39

3.1. O estado e a criação de novos homens 40

3.2. A moral de rebanho na Justiça 41

3.3. A genealogia e a transvaloração da Justiça 42

CONCLUSÃO 45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 46

10

INTRODUÇÃO

Desde o início da filosofia, a Justiça é tema de teorias, debates e discussões e ainda hoje

não se tem um conceito único sobre o seu significado ou aplicação. É um tema amplo porque

pode ser abordado sob diversos aspectos, desde sua origem, sua aplicação e o próprio significado

do que é Justiça em si.

O estudo dessas teorias e discussões revela que a Justiça faz parte da vida do homem e a

busca por ela é intrínseca à história da Humanidade. O conceito se transforma à medida que a

sociedade se transforma. Considerando a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale

(2003), o Direito nasce a partir de um fato ao qual é conferido um valor, e a partir dele se obtém

uma norma. À medida que novos fatos e novos valores surgem, a norma modifica-se em vezes

atendendo sua necessidade e em vezes contrariando seu propósito.

O presente estudo aborda os mais diversos conceitos de Justiça para fornecer um panorama

geral do que se entendia e se entende por Justiça sob o ponto de vista histórico, filosófico,

religioso e psicológico. Também aborda como sociedades e legislações tratam o tema da Justiça e

a sua busca ao longo do tempo.

A filosofia Nietzscheana foge da tentativa de codificar o que é Justiça. Sua discussão é

voltada para o estudo dos valores que compõe a Justiça, sua origem e a genealogia da moral

vigente. Busca ferramentas para a evolução e a superação desses valores, que diante de um estudo

criterioso revelam sua fragilidade ao estabelecer seus alicerces em religiões antigas e

desacreditadas e em sociedades extintas com valores já ultrapassados.

Em Assim Falava Zaratustra, Nietzsche trata dos principais e temas recorrentes de sua

filosofia: o Além homem, Vontade de Potência, Eterno Retorno, entre outros. Um estudo

conjunto dessa e de suas outras obras, embasa suas principais teorias: conceituando-as uma a uma

compreende-se suas idéias como um todo, tornando possível a aplicação da filosofia

Nietzscheana à Justiça como é compreendida atualmente.

11

Ao final, a filosofia de Nietzsche é inserida no contexto atual como forma de desconstruir o

senso comum de justiça, revelando sua origem e colocando-se em xeque seu valor para a

sociedade. Ponto a ponto, de forma iconoclasta, descaracterizam-se os princípios gerais do que se

entende por Justiça, para que cada homem possa compreender e descobrir por si próprio o que é

Justiça.

12

SEÇÃO 1 - A JUSTIÇA NO ESPAÇO E NO TEMPO

A Justiça não é estática: transcende as instituições humanas e as dimensões físicas. A cada

nova geração, em cada novo continente, se transformou junto com a mente dos homens. Ora

acompanhando as legislações, ora em franca contradição a estas, provocou revoltas e revoluções.

O homem busca Justiça, o filósofo busca saber o que é a Justiça. Conforme a maré do

tempo desmancha e cria civilizações, a Justiça perde seus antigos significados e ganha novos, no

contínuo fluxo do rio do tempo, muitas vezes determinando seu próprio curso.

1.1 Etimologia da palavra Justiça

Desde os antigos egípcios a idéia de Justiça esteve ligada ao equilíbrio e igualdade,

simbolizados pela balança. Segundo Del Debbio (2008) na mitologia egípcia a deusa da Justiça

era Maat, uma jovem que carregava em sua cabeça uma pluma. Quando uma nova alma chegava

ao reino dos mortos, Maat colocava o coração daquele que seria julgado de um lado da balança e

a pluma do outro: se eles ficassem em equilíbrio, o morto poderia comemorar sua além vida com

os deuses, caso contrário, sua alma seria lançada aos deuses do subterrâneo para ser devorada.

Em Grimal (1999) consta que a palavra Justiça tem origem no latim Iustitia, nome da deusa

romana que personificava a Justiça. Em sua origem tinha por definição e representava a igualdade

entre todos os cidadãos. Iustitia era representada por uma mulher de olhos vendados, com a

espada e a balança nas mãos: a venda representava a imparcialidade da Justiça, que não faria

nenhuma distinção entre seus cidadãos; a balança pesava os atos a serem julgados; a espada era o

símbolo da execução da Justiça.

Durante um julgamento, a deusa se mantinha em pé e após a arguição do direito, a balança

deveria encontrar um perfeito equilíbrio de seu fiel. Para os romanos esse ato representava a

epítome da prudentia, o equilíbrio entre o abstrato, a Justiça ideal e utópica, e o concreto, a

realidade dos fatos.

13

Na mitologia grega, Iustitia tinha como equivalente Diké, representada com a espada em

riste, uma balança de pratos, sem vendas e descalça, simbolizando sua busca pela Verdade.

Iustitia por sua vez apresentava a espada em descanso representando o Jus Dicere, - a espada

aguardando para ser utilizada se necessário e Diké, com sua espada em riste, representava o

Iudicare - a espada nas mãos representando a imposição da Justiça pela força.

1.2 Uma breve história da Justiça: da Pré-História ao Direito Romano

Desde as cavernas da África no Paleolítico Superior, até a corte de Haia na Suíça nos dias

atuais, o homem buscou e busca formas de sobreviver. À medida que evolui, transforma o meio a

sua volta e a sociedade em que vive, sendo também transformado por ela. Seguindo seus instintos

o homem primitivo andava em bandos, aumentando as chances de sobrevivência de sua prole.

Depois, com avanços tecnológicos rudimentares, e a revolução neolítica e o advento da

agricultura, passou a formar pequenos agrupamentos que segundo Figueira (2005) foram se

estendendo até formarem as primeiras cidades em uma evolução crescente originando os

primeiros reinos, os impérios e as repúblicas.

Paralelamente o homem se transformou e transformou suas relações, e a cada novo avanço,

a cada nova conquista, elas se tornaram mais e mais complexas. Ao dividir as tarefas básicas

como caçar e cuidar da prole, depois plantar, colher, distribuir, e com o surgimento de interações

mais complexas, o homem vislumbrou a necessidade de adequar o comportamento de todos a um

conjunto de ditames que tornasse a vida em sociedade equânime.

E assim, do dividir a caça entre todas as famílias, até as negociações sobre propriedade

intelectual, a Justiça nasceu e evoluiu no decorrer do tempo. Do mais básico dos instintos até

sobre aquilo que nem mesmo se pode tocar, a Justiça busca agregar de forma equânime as

inúmeras miríades do infinito conjunto de relações humanas.

No período conhecido como pré-história, anterior ao surgimento da escrita, o homem ainda

nômade, possuía organização social tribal. Com o passar do tempo e com a evolução dos meios

de sobrevivência, surgiram os primeiros agrupamentos humanos, criando-se um pacto social

14

inicial. Por contarem exclusivamente com a tradição oral, pouco se pode dizer sobre como a

Justiça era organizada nestes primeiros povoados.

Ainda em Figueira (2005) supõe-se que a Justiça nesse período não era uma busca pelo que

era equânime e sim um sistema em que deveria prevalecer a vontade do mais forte sobre os mais

fracos, ou a obediência ao líder do agrupamento, critérios que aumentariam as chances de

sobrevivência do grupo. A vingança como forma de Justiça retributiva também pode ter sido um

instrumento para a organização da sociedade primitiva: como a vontade do mais poderoso ou

mais sábio deveria ser a respeitada ou sobre a diferenciação de direitos entre membros da tribo e

estrangeiros e quais as ameaças ou punições para aqueles que descumprissem este sistema de

relações ainda informal.

Vestígios de civilizações antigas, de povos adoradores da Natureza, sugerem que seus

membros delegavam a incumbência de legislar ao sacerdote ou sobre aquele responsável pelo

contato com o divino. Dessa forma começa a transição do Jus dicare à legislação pelos códigos

recebidos dos deuses por sacerdotes ou reis.

Em Hamblin (2006) encontra-se o período histórico da mudança da tradição oral com o

advento daquele que seria o mais antigo código de leis escrito que se tem notícia, o código de Ur-

Nammu, escrito em sumério, entre 2100-2050 a.C.. As leis estão arranjadas na forma “se - (o

crime), então - (a punição)”, um padrão seguido por quase todos os códigos subsequentes. É

considerado notavelmente avançado em seus conceitos, porque instituía multas em dinheiro para

danos corporais, em oposição à idéia de lex talionis, princípio das leis babilônicas, descrito a

seguir.

Trezentos anos depois, em 1700 a.C., 281 leis talhadas em um monolito com cerca de 2,5

metros de altura, traziam em seu corpo o Código de Hammurabi. Segundo a lenda babilônica,

Hammurabi teria recebido as leis do próprio deus Sol Schamasch, cuja imagem está representada

no topo do monolito. Assim, o código de Hammurabi tinha legitimidade divina, característica de

quase todos os códigos e legislações existentes no mundo antigo, onde a Justiça não era fruto da

união das vontade humanas e sim de um patriarca supremo e todo poderoso, conectado com

poderes divinos, que decidiria sobre a vida dos mortais.

15

Importante salientar que essa é a concepção mítica. Na prática, os códigos simplesmente

compilaram tradições orais antigas e as transformam num corpo coeso. Com o intuito de trazer a

obediência e a aceitação utilizavam como forma de convencimento a força divina superior. Dessa

forma de nada valia a Justiça individual perante a Justiça divina, incontestável e irrepreensível.

O monolito teve cópias espalhadas por todo o reino de Hammurabi, sendo o primeiro

conjunto de leis a homogeneizar juridicamente as regiões conquistadas, submetendo uma

extensão territorial, bem como uma quantidade de pessoas nunca antes vista, a um só código. A

Justiça desse código era basicamente de retribuição, baseada na lei de talião (lex talionis) , “olho

por olho, dente por dente”. As penas eram arbitradas por tribunais, cujas decisões

preferencialmente escritas e tomadas de acordo com o código, poderiam ser revistas pelo rei.

Refletindo a visão da época, o código fazia distinção entre homens livres, subalternos e escravos,

determinando penas diferentes para crimes cometidos por estas diferentes classes sociais. Outra

forma de se fazer Justiça através do código de Hammurabi é baseada no Iudicium Dei, o

julgamento divino, exemplificado no artigo dois do código: "Se alguém acusar um homem e o

acusado mergulhar em um rio e afundar, quem o acusa pode tomar posse de sua casa. Mas se o

rio provar que o acusado é inocente e ele escapar ileso, então quem o acusa será executado, e o

acusado tomará sua casa".

Da Grécia Antiga, pouca informação se tem sobre o seu sistema legal. Stanton (1990)

relatou que Draco, em 621 a.C., estabeleceu o primeiro código de leis escritas de Atenas. As

principais inovações do sistema draconiano eram relacionadas ao registro escrito da lei,

dificultando que apenas os detentores da tradição oral pudessem aplicá-la ou interpretá-la. Draco

também distinguiu assassinato de homicídio involuntário. Seu sistema era conhecido pelo rigor,

onde a pena de morte era aplicada inclusive para ofensas menores. O código de Draco foi

amplamente revisado por Sólon, que segundo Aristóteles, criou uma Corte (Heliaia), talvez

constituída por parte da Ekklesia, a assembléia dos cidadãos atenienses, constituindo um júri.

Dando poder às pessoas comuns de eleger seus representantes Sólon parece ter estabelecido a

fundação para a democracia. No entanto, registros históricos sobre Sólon são pobres e alguns

autores duvidam da veracidade de seus feitos. A análise do conjunto de leis e princípios legais

gregos sugere que estes foram incorporados pelo Império Romano, quando da conquista da

civilização grega.

16

Segundo Burns (2001) A civilização romana contou com mais de dez séculos de existência,

tendo transitado de uma pequena comunidade agricultora na península itálica, à monarquia, à

republica oligárquica e por fim, a um vasto império. Durante este período Roma absorveu grande

parte da cultura dos países conquistados, entre eles elementos da civilização grega.

O Direito Romano foi a base para inúmeros sistemas legais modernos. Sua influência nos

dias atuais se faz mais do que notável, seja na forma e conteúdo de leis especialmente em seus

princípios.

Compreendendo um período superior a mil anos de história jurídica, o registro da

organização do Direito Civil Romano se iniciou com o Ius Civile Quiritium, código que se

aplicava somente aos cidadãos de Roma. Era estritamente formal e conservador, exigia formas

ritualísticas de celebração de contratos de venda, acompanhada de testemunhas, por vezes até um

magistrado e por fim um tocar de mão, o Mancipatio, que representava a transferência da

propriedade, uma espécie de escritura pública, onde se dava ciência do ato para terceiros,

conferindo o efeito Erga Omnes ao ato.

Com a Lei das Doze Tábuas, no século V a.C., houve a primeira tentativa de sistematização

das leis no início da República Romana. Criada por um grupo designado pelos patrícios, dez

homens, o Decenvirato, elaboraram uma lista de procedimentos, definições e princípios sobre

direitos privados e como todo sistema primitivo combinava penas rigorosas com procedimentos

severos. Entre outras leis esparsas como Lex Canuleia, que permitia casamentos entre cidadãos e

plebeus, e Lex Olgunia, que autorizava os plebeus a ocuparem cargos sacerdotais, em 530 d.C. o

império romano teve o ápice da sua organização jurídica com o Corpus Iuris Civillis.

O Corpus Iuris Civillis, (Corpo de Direito Civil) com cerca de 50 livros, subdivididos em

1.500 títulos sobre o assunto, é um símbolo da revolução que os romanos causaram na

sistematização das leis, por ter sido agrupado por uma classe de juristas profissionais, que

aplicando os métodos da filosofia grega ao Direito, criaram uma Ciência do Direito, que incluía

manuais para o aprendizado desse sistema.

O legado do Direito Romano é a base do civil law sistema que concebe normas jurídicas

gerais organizado em códigos escritos, para serem aplicadas a casos específicos, também

conhecido como sistema romano-germânico. Este é o sistema jurídico mais disseminado pelo

17

mundo, presente na América, Europa, Oceania e Ásia, excetuado-se o Oriente Médio e parte da

África, regidos pelas Charias, ou leis islâmicas.

Segundo alguns estudiosos como Mukul Devichand (2008), as leis islâmicas poderiam ter

dado origem ao common law: a estruturação que utilizava decisões vinculadas a decisões

anteriores, pode ter sido transferida aos ingleses na invasão dos normandos no século XI, que por

sua vez herdaram este sistema de leis do Emirado da Sicília, de cultura árabe normanda. O

commom law foi desenvolvido posteriormente pelo sistema inquisitório inglês nos dois séculos

seguintes, onde as decisões judiciais se baseavam na tradição, no costume e no precedente.

O common law emprega um forma de raciocínio baseado em casos ou "casuísmo".

Aplicado a casos cíveis, o common law foi criado para compensar alguém por atos ilícitos

chamados torts, quer dolosos, quer culposos, e desenvolveu o ramo do direito que reconhece e

regula os contratos. O procedimento adotado pelos tribunais de common law é

chamado adversarial system (algo como "sistema do contraditório"), também criado por este

sistema jurídico. Ainda que o sistema seja complexo, o cerne de todo o common law é o stare

decisis, princípio em que os casos semelhantes devem ser decididos conforme as mesmas regras.

1.3 Escolas de Justiça

A filosofia, desde seu pai Sócrates, sempre discutiu o que é Justiça. A cada nova geração de

filósofos e pensadores, novas teorias foram propostas, e vários aspectos da Justiça sistematizados:

a Justiça socrática, retributiva, restaurativa e distributiva entre outras.

Em A República, Platão (2002) relatou a definição de Justiça de Sócrates como uma

virtude. Sócrates desenvolveu sua tese demonstrando como seria uma república perfeita e justa:

“fazer e ter o que lhe é devido”. Um homem justo seria aquele que no lugar certo, faria seu

melhor e doaria exatamente a medida equivalente do que receberia. Por este princípio, a Justiça

teria origem na alma do homem e por definição seria o equilíbrio e a harmonia perfeita dos

homens consigo mesmo e com a sociedade em que vivem. A idéia socrática de Justiça é

intrínseca ao seus ideiais metafísicos, estando portanto ligado a uma idéia abstrata e utópica.

18

Jeremy Bentham (1979), filósofo inglês do século XVIII, propôs que os interesses dos

indivíduos eram os mesmos da sociedade, sistematizando o utilitarismo que pode ser simplificado

em uma sentença: “a melhor ação é a que proporciona a maior felicidade ao maior número de

pessoas”. Sua teoria do maior bem, aplicou a Justiça conforme a teoria do Consequencialismo,

isto é, uma ação ou regra seria avaliada unicamente em função de suas consequências, onde as

atitudes deveriam ser tomadas visando o bem estar geral e as punições deveriam ser aplicadas não

apenas como pena, mas também para impedir novos delitos. No utilitarismo, o valor moral de um

ato é determinado pelo seu resultado. A Justiça nasceria a partir da necessidade natural de que as

consequências fossem as melhores para todos.

Na mesma linha filosófica, John Stuart Mill (2000), filósofo inglês do século XIX, escreveu

em Sobre a Liberdade, que o único fim que garante a humanidade, individual ou coletivamente, a

interferência na liberdade de ação de qualquer um de seus membros, é a auto-proteção. Mill

entendia que as pessoas devem ser livres para fazerem o que quiserem, desde que não causem

nenhum prejuízo significativo a ninguém mais.

O sistema utilitarista encontrou suas principais críticas na incapacidade humana de calcular

o nível de prazer e dor em diferentes indivíduos para alcançar a felicidade. A felicidade coletiva

proposta por este sistema pode ser incompatível com a felicidade individual. Uma vez que a

Justiça seria aplicada para atender o melhor interesse do maior número de pessoas, isso poderia

implicar em punir excessivamente alguém, ou até mesmo punir um inocente, se isso representasse

um ganho geral dentro da concepção utilitarista de procurar em cada ato sua conseqüência e não

sua intenção.

Por outro lado, a Justiça retributiva entendia ser necessária uma punição exatamente

proporcional ao dano causado, a lei de talião, do latim talio que significa punição na medida da

ofensa. A lex talionis é encontrada em diversos códigos antigos, sua provável origem se encontra

na Bíblia em três partes: Levíticos 24:19-21 e Êxodus 21:22-25 onde Deus dita a Moisés as leis

que deverá ensinar ao povo de Israel e em Deuteronômio 19:21, onde Moisés explica as 12 tribos

as leis que recebeu.

A teoria da Justiça retributiva encontrava seu ponto fraco ao encorajar um sentimento de

vingança excessivo e não estimulava a reabilitação do indivíduo causador da ofensa, permitindo

19

inclusive que aquele que foi vítima se tornasse igual ao seu algoz em sua agressão, legitimado

pelo sistema de leis vigente naquela época.

A Justiça restaurativa seria uma visão de Justiça onde os ofensores são encorajados a tomar

a responsabilidade por seus atos, desculpando-se e reparando o dano causado, seja devolvendo o

que foi tomado inapropriadamente ou prestando serviços à comunidade. A teoria da Justiça

restaurativa entende que a ofensa é realizada contra a pessoa e a comunidade e não propriamente

contra o estado, dessa forma ofendido e ofensor tem papel de suma importância na resolução da

pena.

A Justiça distributiva teve como proeminente teórico o filósofo John Rawls (2001), que em

seu livro Uma Teoria da Justiça, expõe uma proposta de equilibrar liberdade e igualdade num

único princípio equânime. Insere-se basicamente em um universo de Justiça social com a

distribuição justa dos bens e serviços produzidos pela sociedade. Com base no contrato social,

Rawl buscou um equilíbrio entre as benesses e os fardos que envolvem a vida em sociedade,

questionou quais os princípios de Justiça que as pessoas concordariam seguir se desejassem

cooperação umas das outras, buscando sempre minimizar as responsabilidades geradas por viver

em conjunto. Segundo ele os humanos são racionais e razoáveis: racionais porque tem fins a

obter, e razoáveis porque podem perceber que não há porque não alcançar esses fins em grupo

quando possível, concordando com alguns princípios reguladores mútuos. Diferente de outros

teóricos do contrato social, Rawl apresentou uma maneira de tornar equânime a distribuição

partindo de uma posição original e coberta por um véu de ignorância: sem o homem saber seu

papel na sociedade, posição ou classe social, nem sua riqueza, ou seus talentos e habilidades

naturais, sem nem mesmo suas concepções do que é bom ou suas propensões psicológicas, seu

instinto de auto-preservação e de sobrevivência, somente assim os princípios de uma Justiça

equânime poderiam ser escolhidos.

A Justiça como lei divina tem por Deus a matriz de todas as leis e da moral. Entretanto, a

Justiça com origem divina encontra uma série de paradoxos e dilemas a serem resolvidos. Um

deles é o dilema de Eutifro, no qual se questiona se algo é certo por que Deus quer ou Deus quer

aquilo que é certo. Se a resposta for a primeira, a Justiça é arbitrária e não divina. Porém, se Deus

quer o que é correto, a moralidade representa um poder superior ao poder de Deus, que nesse

sentido passa a ser tão somente alguém que transmite o conhecimento da moral. Os pensadores

20

religiosos entendem que o dilema é falso, uma vez que para eles a divindade como todas as coisas

são a natureza de Deus, e somente expressadas sob seu comando.

Thomas Hobbes (1997) advogou que a Justiça seria uma criação humana equiparando-a à

Justiça divina. Entretanto, Hobbes colocou o Estado no lugar de Deus. A Justiça é criada pelo

poder superveniente, não se tratando de um comando divino, ou transcrição de costumes. As

regras seriam dotadas de autoridade, obrigatoriedade e caráter público, podendo ou não ter

relação com a moral, evidenciando-se a necessidade de um poder central que evitasse o mal e a

discórdia observados nos homens em seu estado natural, ou simplesmente como forma de

dominação por parte da autoridade.

O empirista John Locke (1978) entendeu a Justiça como uma lei natural, envolvendo um

sistema de consequências que derivam naturalmente de escolhas ou decisões. O empirismo de

Locke remete à terceira Lei de Newton que diz que para cada ação deve haver uma reação igual e

oposta. A Justiça necessitaria de um mútuo acordo entre os indivíduos sobre o que cada um deve

e merece, tendo assim um conceito universal e natural. No entanto, leis, princípios e até mesmo

religiões já tentaram codificar esse conceito, com resultados eventualmente paradoxais.

Concluindo, em oposição ao conceito de lei natural, Alf Ross (2000) entendeu que

conceito de Justiça natural é produto do aparelho interno de cada um, fruto de uma contemplação

e até mesmo da intuição, estando absolutamente a disposição de todos para ser deturpado. As

evidências como critério da verdade, explicam o caráter absolutamente arbitrário das afirmações

metafísicas, que acima do controle objetivo abririam as portas para as invencionices e

dogmatismos.

Alf Ross defendeu que não há a priori justificativa válida para dar a uma lei uma posição

especial. A experiência serve como princípio a ser seguido: por exemplo, o aforismo “suum

cuique tribuere”, dar a cada um o que é seu, é absolutamente desprovido de significado ou

relevância, até que a experiência mostre o que é de cada um, passando portanto a ser um petitio

principii, uma falácia conhecida como petição de princípio, que consiste em assumir que a

proposição ou tese inicial é verdadeira sem demonstrar sua validade. Para Ross, o sistema legal,

não seria verdadeiro nem falso, e sim uma diretriz para os juizes não para o cidadão.

21

1.4 Justiça e religião

Segundo Smart (2005), religião do latim religare, significa religar, entrar em contato com

o divino. Religião é o conjunto de crenças relacionadas com aquilo que parte

da humanidade considera como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o

conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças.

Historicamente a Justiça sempre teve relações com a religião. A princípio, o modelo de

conduta adotado pela sociedade e o conceito extrínseco da Justiça era dado pela manifestação

religiosa daquele povo e em algumas teocracias ainda hoje é assim.

As diversas religiões por mais diferentes que sejam em seus ensinamentos buscaram

formas de harmonia social, diferenciando-se umas das outras sobre este conceito e como alcançá-

lo. Por mais conflitante que seja a relação entre os seguidores de diferentes religiões há certas

regras de ouro abraçadas pela maioria delas, como “a de fazer a outros aquilo que você

gostariam que fizessem a você.”

Smart (2005) relatou que o Zoroastrismo é considerado por estudiosos de religiões a

primeira manifestação de um monoteísmo ético, com uma distinção clara entre o bem e o mal.

Criado por Zoroastro por volta do século VI a.C., o Zoroastrismo compreende a existência de

dois seres opostos, Ahura Mazda o criador de tudo e deidade do Bem absoluta, e seu opositor

Angra Mainyu, que não é uma entidade divina e sim o causador de desastres naturais, doenças e

tudo o mais de negativo.

Segundo Smart (2005), as concepções da dualidade bem e mal, a crença em um paraíso, a

idéia de ressurreição e de juízo final do Zoroastrismo teriam influenciado as principais religiões

monoteístas subsequentes: o Judaísmo o Cristianismo e o Islamismo.

O Judaísmo tem como doutrina,a crença em um Deus único e a eleição do povo de Israel

para receber a Tora por um pacto feito com Deus. A Tora é o texto central do Judaísmo e sua

tradução literal pode ser entendida como instrução ou lei. Contém os relatos sobre a criação do

mundo, do pacto de Deus com o povo de Israel, a história da peregrinação do povo de Israel pelo

deserto, e mais importante, tem em seu corpo os 10 mandamentos, que teriam sido recebidos por

22

Moisés, enviados por Deus, para que Moisés os ensinasse ao povo judeu. Dentro do Cristianismo

a Torá é conhecida como o Antigo Testamento ou Pentateuco, formado pelos cinco primeiros

livros da Bíblia.

Suas leis conhecidas são o Halakha, numa tradução literal, o caminho a seguir, e o

conjunto de 613 mandamentos espalhados pelos manuscritos considerados sagrados pelo povo

judeu. Algumas são entendidas como mandadas diretamente por Deus, como os Dez

Mandamentos do Monte Sinai, ou divinamente inspiradas. São uma espécie de jurisprudência dos

costumes judeus.

Schon (2006) refere que o Islamismo, do árabe Islã, significa submissão. É uma religião

monoteísta surgida na Península Arábica no século VII, baseada nos ensinamentos religiosos do

profeta Maomé e em sua escritura sagrada, o Corão. O Islamismo não se distancia das religiões

tradicionais, entendendo que o próprio Islamismo assim como as outras religiões monoteístas

teriam uma proto-religião ancestral comum e vêem no Islamismo uma reedição dessa religião

antiga surgida com Adão, o primeiro homem.

O Islamismo prega uma vida de obediência aos preceitos morais estabelecidos pelo Corão

onde para alcançar a salvação o crente deve acreditar em um único Deus, rezar cinco vezes por

dia, praticar a generosidade, jejuar no Ramadã, e se possível uma vez na vida uma peregrinação

à cidade de Meca.

A charia é o corpo da lei religiosa islâmica. O termo significa "caminho" ou "rota para a

fonte de água", e é a estrutura legal dentro do qual os aspectos públicos e privados da vida do

adepto do islamismo são regulados, para aqueles que vivem sob um sistema legal baseado

na fiqh (os princípios islâmicos da jurisprudência) e para os muçulmanos que vivam fora do seu

domínio. A charia lida com diversos aspectos da vida cotidiana, bem

como política, economia, bancos, negócios, contratos, família, sexualidade, higiene e questões

sociais.

O Corão é a mais importante fonte da jurisprudência islâmica, seguido da Suna, a obra que

narra a vida e os caminhos do profeta. Não é possível praticar o Islã sem consultar ambos os

textos. A partir da Suna, relacionada mas não a mesma, vêm os ahadith, as narrações do profeta.

Um hadith é uma narração acerca da vida do profeta ou o que ele aprovava e a Suna é a sua

23

própria vida em si. O Ijma, o consenso da comunidade, também é aceito como uma fonte

menor. Qiyas, o raciocínio por analogia, é usado pelos estudiosos da lei e religião islâmica

(Mujtahidun) para lidar com situações onde as fontes sagradas não providenciam regras

concretas. Algumas práticas incluídas na charia têm também algumas raízes nos costumes locais

(Al-Urf).

A jurisprudência islâmica chama-se fiqh e está dividida em duas partes: o estudo das fontes

e metodologia (usul al-fiqh, "raízes da lei") e as regras práticas (furu' al-fiqh, "ramos da lei"). No

Islamismo não há distinção entre igreja e estado ou entre o Direito e os textos sagrados.

O Cristianismo é uma religião monoteísta, segundo Smart (2005) centrada na vida e nos

ensinamentos de Jesus de Nazaré, segundo consta no Novo Testamento, a fé cristã acredita

basicamente na figura de Jesus como filho de Deus, Salvador e Senhor. Criado com base nos

escritos de Paulo de Tarso, que escreveu junto com seus colaboradores grande parte do Novo

Testamento, Paulo não estava entre o apóstolos originais, tendo inclusive perseguido os cristãos

durante parte da sua vida. Depois de uma revelação de Jesus, Paulo mudou de lado e a partir daí

viajou, entre 44 e 58, pela Ásia, Europa inclusive em Roma, pregando a palavra desta nova

religião.

Em principio, a fé cristã era perseguida em Roma e seus praticantes eram decapitados se

fossem romanos ou lançados às feras ou às minas se fossem estrangeiros. Porém após

Constantino I subir ao poder, em 313 a religião cristã foi decretada como parte do Império

Romano e seu culto foi liberado. Constantino é considerado o primeiro imperador romano cristão,

ainda que este nunca tenha se convertido oficialmente. Mesmo com a queda do Império Romano,

o cristianismo continuou a se espalhar pelo mundo tornando-se a religião com maior número de

praticantes no mundo hoje.

Com cerca de 2000 anos de idade é uma das antigas instituições do mundo contemporâneo,

influenciou movimentos históricos e ainda hoje continua influenciando com sua moral o

pensamento de nações e pessoas. Convém lembrar que a Igreja Católica Apostólica Romana, a

maior representante do Cristianismo atualmente, não aceita o divórcio, opõe-se a alguns estudos

científicos, opõe-se à práticas contraceptivas, sexo pré-marital, homossexualidade entre outras

questões.

24

Na corrente contrária as religiões ditas tradicionais, o Satanismo e Luciferianismo

denominam um enorme número de pequenas seitas, algumas delas mais organizadas, como o

Luciferianismo de Anton de LaVey (1969). Estas seitas rejeitam a figura de um Deus único e

salvador e a necessidade de submissão para a salvação da alma. Em grande parte desses cultos a

figura de Lúcifer ou Satã representa a força da natureza ou os instintos primevos do homem que

não devem ser negados e sim vividos e experienciados. Esses cultos são antropocêntricos,

colocando o homem como responsável pelo seu próprio destino e pregam a libertação do

conformismo de massa, da estupidez e da falta de perspectiva.

O estudo comparado desses códigos de conduta, a Bíblia, Torá ou Corão, revela que a

natureza humana é diversa, mesmo em se tratando da defesa da própria vida. Alguns destes

códigos em interpretações passadas defendiam a vingança, extermínio de inimigos, ou mesmo

escravização de outros homens. Fica evidente, que estas interpretações desses códigos visavam a

proteção do grupo ou de um grupo em especial, depois do indivíduo e somente em alguns da

proteção dos restantes.

1.5 Moral, ética e Direito

Os conceitos de moral, ética e Justiça são diversos uns dos outros mas podem ser melhor

compreendidos se analisados conjuntamente. Segundo Grimal (1999), ética, do grego Ethos,

significa modo de ser ou cárater. Moral, do latim Mos, significa costumes. Direito do latim

directus, flexão verbal de dirigere, significa regra pré-determinadas ou um dado preceito.

Dentre estas palavras o conceito de ética é o mais filosófico e metafísico. Diferente da

moral ou do Direito, a ética não estabelece leis ou princípios a serem seguidos: é a reflexão sobre

a qualidade intrínseca dos atos. São juízos de valores sobre ações, estabelecidos pela análise com

base em critérios internos, se tal ação é boa ou má.

Uma vez que a ética estabelece juízo de valor e tem caráter íntimo é pessoal e

intransferível, fruto de um conjunto de valores pessoais que podem ou não convergir com o de

seus pares. Não faz lei ou mesmo tem poder de coerção. É um aspecto subjetivo que norteia o que

25

é bom para o indivíduo e para a sociedade, segundo o próprio. Contrariar a ética não traz

consequência ao indivíduo, quando esta não está inserida na lei ou na moral. O estudo

comparativo entre sociedades funciona como método de revelar o pensamento corrente de cada

sociedade, analisando seus critérios de comportamento ético ao longo do tempo, revelando o

comportamento humano.

A moral em seu sentido de costume revela-se como hábito de uma sociedade, enquanto a

ética é indissociável do ser, ela é o pensamento geral sobre o que é bom ou mau para um conjunto

de indivíduos, e portanto, exterior a esse. Os comportamentos éticos ou não, quando reiterados,

tornam-se a moral vigente, passando essa a ser o norteador do conduta humana em sociedade.

Representa o que tem de ser louvado e repetido, integrado como prática saudável e benfazeja

dentro do grupo e também o que tem de ser evitado e afastado. Em contrapartida pode ser

estabelecida por uma instituição religiosa ou de governo, mesmo não se tratando de hábito

costumeiro, sendo o comportamento imposto como moral e aceitável, com a força coercitiva

destas instituições.

Bittar (2009) explica que um ato imoral causa reprovação externa e pode causar

reprovação interna. Sempre há de causar reprovação externa porque a moral é a conduta esperada

do grupo, contrariá-la é colocar-se contra os interesses gerais de todos. Quando o ato é contrário a

ética do agente causa a reprovação interna, quando um ato imoral se encontra dentro dos limites

éticos do indivíduo, este não se reprova.

Condutas morais importantes para o funcionamento da sociedade que se destaquem pela

sua necessidade de serem seguidas dada sua relevância são transformadas em leis, e assim temos

o Direito. Direito é o conjunto de condutas a serem observadas em sua forma e conteúdo ou

daquelas que devem ser evitadas, estabelecendo sanções a quem desrespeitar qualquer um de seus

dispositivos.

Os conceitos de moral, ética e Direito por vezes se interseccionam e por vezes não o

fazem. Valorando cada um deles, temos que a ética parte do indivíduo, da sua coletividade nasce

a moral e de acordo com sua relevância esta se transforma em Direito. Nem sempre um

comportamento ético para um indivíduo é moral para a sociedade. Nem toda conduta moral se

transforma em lei. E nem toda lei é moral ou ética.

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Um código de ética que regula uma classe profissional é um conjunto de normas e regras

que visam estabelecer a ética de um ente jurídico com personalidade própria, nesse caso uma

classe profissional, pois a ética como já observado tem caráter íntimo e não pode ser transferida

ou imposta aos demais. A moral no entanto é geral, o código de ética representa um

comportamento moral para cada indivíduo seguir através de um código de lei, parte do Direito.

Para alcançar a finalidade e a plenitude de cada uma dessas idéias é necessário integrá-las

e entendê-las como um todo, dando ainda mais estrutura para a busca de um conceito ou um

direcionamento para o entendimento da Justiça. Quando existe ética, moral e Direito corretos, há

Justiça.

1.6 Aspectos subjetivos e objetivos da Justiça

A idéia de Justiça ligada à harmonia e principalmente ao equilíbrio é recorrente nas

culturas antigas e modernas. A balança como seu símbolo em culturas orientais e ocidentais

sugere que essa manifestação seja parte de um arquétipo - a Justiça - ou a representação de um

arquétipo maior e superior, o de equilíbrio universal ou o da própria harmonia do todo.

Arquétipos são idéias universais, imateriais, mais antigas que a própria consciência,

partilhadas pelo inconsciente coletivo e que se manifestam no inconsciente pelos símbolos. A

balança sugere que a busca pela Justiça, independente da cultura, sempre foi ligada a uma

vontade superior de harmonia ou de equilíbrio. Embora o arquétipo seja partilhado por todos, sua

forma de manifestação varia enormemente, pois apesar da idéia universal ser facilmente

reconhecida, ela dificilmente é expressa ou experienciada da mesma maneira por dois indivíduos.

Considerando o conceito de Justiça ligado a uma possível igualdade, surgem um

questionamento que as mais diversas escolas filosóficas do Direito não responderam de maneira

definitiva. A igualdade entre todos os cidadãos buscada no conceito romano de Justiça sugere

tratamento semelhante a seres muito diferentes, o que acabaria por desequilibrar novamente todo

o sistema, eliminando-se as diferenças, tornando todos iguais, desqualificaria o paradigma que foi

igualado, beneficiando um em detrimento do outro.

27

A pluralidade do pensamento humano torna a Justiça perfeita uma utopia, pois cada

homem tem dentro de si sua idéia do que é justo. Essa idéia é formada a partir de elementos

básicos da educação do ser humano que influenciaram em maior ou menor grau a formação do

seu próprio conceito intrínseco de Justiça. Dessa maneira a Justiça como arquétipo, será moldada

de acordo com parâmetros que envolvem a própria idéia de Justiça de seus pais, do país em que

vive, da religião que segue, dos fatos e acontecimentos em sua vida, e em última instância do

próprio inconsciente coletivo, vindo dele e a ele voltando.

O conceito de Justiça embora possa ser entendido universalmente é único e exclusivo de

cada ser humano, formado por esse a partir de elementos internos e externos, que podem ou não

encontrar eco na idéia daqueles que o cercam, formando uma pluralidade de conceitos abstratos,

ou formando várias concepções de Justiça.

A exteriorização do sentimento de Justiça de um grupo gera uma Justiça que não atende

de forma plena a todas as justiças individuais, mas que atende de maneira geral as necessidades e

garantias básicas daquele grupo. Em geral, essas garantias estão ligadas a própria segurança do

indivíduo. Assim, busca-se um acordo de vontades, de onde surgiu o pacto social de Rosseau,

onde cada um abre mão de uma ligeira parte daquilo que é a expressão plena de suas vontades e

desejos, em troca de que não terá suas garantias básicas violadas.

Em comum acordo, as justiças são uniformizadas em um todo coeso, que futuramente

vem a se tornar a lei daqueles indivíduos. Essa manifestação de Justiça é pratica, não é e nem

jamais poderá ser perfeita, entretanto, pode atender satisfatoriamente a necessidade de Justiça,

aqui como equilíbrio ou harmonia do todo, numa estrutura social.

A Justiça prática não necessariamente atinge a maioria das vontades. Variáveis como

forma de governo e religião influenciam na maneira como a Justiça prática é construída e

aplicada. Regimes escravocratas por exemplo não levavam em conta a vontade destes, e em

outros regimes a diferenciação de classes determinava qual Justiça seria aplicada.

A Justiça externa portanto, obedece sempre a parâmetros práticos daquela sociedade.

Ainda que uma só espécie, o homem está dividido em diversas etnias e ainda não encontrou o

equilíbrio ou a justiça entre elas.

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O símbolo de um arquétipo universal de equilíbrio, ou o próprio arquétipo universal de

Justiça , é perfeito, utópico e inalcançável, pois vai de encontro às justiças internas e as justiças

externas, e a idéia de materializá-las na forma de lei foi a maneira que as sociedades

desenvolveram de manter uma estrutura social funcional. Que em primeira instancia, determina

regras de comportamento e limites para as atividades humanas e num segundo momento impoe

restrições ou punições das mais variáveis de acordo com o que o conceito externo daquela

sociedade considera Justiça.

O Direito é a materialização da Justiça externa, sendo um dos muito aspectos da Justiça.

Da antiguidade até a Roma antiga, o Direito nada mais era do que um amontoado de leis e

princípios dispersos, raramente agrupados e até então nunca codificados. Com os romanos e sua

intensa dedicação à sistematização de suas leis, surgiu a Ciência do Direito, com princípios da

filosofia grega sendo agora então aplicados ao estudo das leis.

Ciência vasta, o Direito comporta em si diversas divisões. Sua função é assegurar uma

manifestação una da vontade de Justiça de um determinado grupo. Entre essas manifestações

encontram-se as atividades consideradas proibidas, e as sanções aplicadas a quem o fizer. O

Direito compreende também as estruturas sob as quais essa legislação será exercida, formas e

procedimentos a cada situação específica e inclusive sendo responsável pelo estruturação dos

poderes de uma nação e a relação entre nações.

Portanto o Direito é a materialização da cultura jurídica de um grupo, sendo parte

indissociável da Justiça, representando a busca desse povo por um conjunto harmônico de regras

que estabelecem uma sociedade justa ou seja, equânime.

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SEÇÃO 2 - ASSIM FALAVA ZARATUSTRA

A obra de Nietzsche é extensa e diversos são seus pontos de vista, tendo sido rotulado por

alguns autores como filósofo irracionalista, defendendo a tese e a antítese da mesma idéia. A obra

de Nietzsche não é irracional: de maneira análoga à sua forma de pensar, Nietzsche imprimiu em

sua obra uma constante transvaloração de seus próprios ideais, constantemente abordando os

mesmos assuntos de maneiras diferentes. Por entender o mundo como um constante embate de

forças, a própria filosofia de Nietzsche se degladiou a todo tempo com as constantes

transformações de suas próprias idéias, à medida que sua filosofia se expandiu e conheceu outros

limites do que os previamente estabelecidos, se tornou maior e por se tornar maior, cabe a

releitura dos temas já abordados de maneira e aspectos diferentes

2.1 Biografia de Nietzsche

Nascido em 1844, em uma familia luterana, com seu pai e avô pastores, perdeu sua fé

durante a adolescencia e com os estudos sobre filosofia se afasta da religião, ingressa na

universidade de Leipzig, e lá entra em contato com a obra de Schoppenhauer. Sua formação se dá

com a leitura classica e o estudo do pensamento grego antigo, se torna professor de filologia da

universidade da Basiléia aos 25 anos, serve como voluntario na guerra franco prussiana, em 1870,

depois dai seu estado de saude só piora tendo de abandonar o ensino em 1879, e vivendo uma

vida errante em busca de um clima que pudesse atenuar seu grave estado de saude. Passa os

proximos dez anos circulando a Europa. Em 1889 seu estado se torna irreversivel, é acometido

por uma suposta crise de loucura colocando-o sobre a tutela da mãe e da irmã até seu falecimento

em 1900.

Devido a qualidade de seus trabalhos, a universidade de Leipzig lhe concedeu o título de

doutor em Filologia sem a necessidade de defesa de tese. De sua amizade com Richard Wagner,

nasce sua primeira grande obra, O Nascimento da Tragédia, de 1872. Após seu rompimento com

Wagner, sua filosofia voltou-se ao estudo e critíca das categorias morais, em 1877 publica

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Humano, Demasiado Humano, em seguida Aurora de 1881 e A Gaia Ciência de 1882. Após esse

período, com desilusões amorosas e a ausência de qualquer repercurssão de suas obras, a filosofia

de Nietzsche atingiu o limite da radicalidade critica, Assim Falou Zaratustra de 1885, Para Aelm

do Bem e do Mal de 1886 e Genealogia da Moral é segundo o próprio autor filosofia com golpes

de martelo. Ao fim da vida Nietzsche recebe algum reconhecimento, Assim Falou Zaratustra é

traduzido para o francês e troca correspondencias com autores da Dinamarca e da Suécia, que

revelam ser grandes admiradores de sua obra. Com a euforia desse momento, Nietzsche

acreditava que o silêncio que havia perdurado em sua vida tinha chegado ao fim, e com o intuito

de apresentar-se ao mundo escreve Ecce Homo, sua autobiografia.

2. Assim Falava Zaratustra

Escrito entre 1883 e 1885, em estilo aforismático, Assim Falava Zaratustra, trata da

peregrinação do profeta Zaratustra que depois de alcançar a iluminação no alto da montanha

dentro da caverna, atravessa o mundo levando as boas novas.

Usando metáforas, Zaratustra descreveu a humanidade de forma caricata, dando-lhe a

forma de palhaços, mendigos até mesmo animais como um asno e uma serpente. Em seus

ensinamentos e peregrinações ele descreveu a hipocrisia e a moral de fachada dos homens, sua

incapacidade em se superar e o deplorável estado mental em que se encontrava a humanidade.

Para mudar essa situação Zaratustra deu aos homens o Além homem que é a

transvaloração encarnada, pois se o homem superou o macaco, o Além homem superará o

homem. No decorrer da história, ele descreveu como age esse homem e como ele pensa,

menosprezando os valores vigentes e com um discurso iconoclasta, desafia as instituições e seus

líderes.

Diversos outros aspectos filosóficos e esotéricos são tratados em sua obra. Outros

alicerces da filosofia de Nietzsche estão presentes em sua obra como o Eterno Retorno e seu

principal argumento filosófico, a Vontade de Potência.

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2.2 Além homem

O conceito de Além homem é até hoje mal interpretado. Entendido por alguns como uma

raça superior ou como uma nova estirpe de homens que comandaria pela força de seus punhos e

pela amoralidade em seus corações foi usado em propaganda anti-semita como ideal do nacional

socialismo alemão. Nietzsche em uma carta a sua irmã em 1887, em Nice, se diz colerizado pelo

uso de seu Zaratustra em propaganda anti-semita e diz que não permitirá o roubo de seus ideais,

tendo sempre ridicularizado o patriotismo germânico. Desse elemento da filosofia decorrem

todos os outros: o Além homem é a epítome de sua filosofia, trazendo para si o que Nietzsche

admirava e buscava e afastando e destruindo aquilo que desprezava. O Além homem é a essência

da filosofia de Nietzsche e em sendo compreendido, seu autor assim também o será.

A palavra em alemão Übermensch apresenta dificuldade para ser traduzida em outras

línguas. Über em alemão pode referir-se a superioridade, transcendência, excessividade ou

intensidade, dependendo da palavra a qual está ligada; a palavra mensch é um espécime da

humanidade e não está ligada a um homem único. No Brasil, a tradução que se popularizou na

maioria das publicações foi “Super Homem”.

A definição de Além homem não trata de uma raça superior na concepção genética do

termo e sim de um estado de consciência elevado, onde o homem transcende os valores morais

impostos e supera as necessidades supérfluas, não sendo limitado por aspectos mundanos da

existência. O Além homem é basicamente a antítese do que seria um cristão para Nietzsche: o

cristão enterra seus instintos negando-lhes poder, obedece sem questionar ou entender uma moral

que não é sua, renega o próprio corpo e acredita que cumprindo esses mandamentos salvará sua

alma imortal, cujo corpo é somente parte, sacrificando a própria felicidade nesse mundo para

obtê-la em um próximo, criado tão somente pela sua própria insatisfação com este.

Na contra mão desse Infra homem, o Além homem é a afirmação da vida, a alma é só

uma parte do corpo, a natureza do homem é estimulada, não é refreada, seus instintos são

seguidos, ele vive e ama esse mundo, sua moral é baseada no seu caráter, moldado por ele

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mesmo. O Além homem encara a vida sem escudos morais, armaduras de dogmas ou um elmo de

submissão. Por estas razões está muito longe do entendimento de perfeição contemporâneo. Essa

perfeição está ligada em maior ou menor grau aos valores intrínsecos da sociedade, os quais o

Além homem despreza, portanto, longe de um herói valente e perfeito como Percival das lendas

do Graal, ele seria algo como o príncipe de Maquiavel, César Borgia, um tirano artista, alguém

com força para superar todas as fraquezas e debilidades humanas, que enxergasse Além do

homem.

2.3 Eterno Retorno e Amor Fati

E se um dia ou uma noite um demônio se

esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida,

assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma

vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e

cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de

indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e

tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e

este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.

A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu

com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os

dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste

alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és

um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse

poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te

triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda

uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos

sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e

mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última,

eterna confirmação e chancela?”“

33

O Eterno Retorno transcrito aqui do aforismo 341 de A Gaia Ciência, é a forma como

Zaratustra expõe a mediocridade do homem que diante da repetição infinita de sua vida apavora-

se com a possibilidade de reviver cada momento infame, desabonador, pequeno e patético, a

sucessão de erros, de escolhas amedrontadas, de subserviência e de negação à vida, enquanto que

o Além homem consideraria tal processo divino, pois nada seria mais sublime do que viver

infinitas vezes a reafirmação da própria vontade, de viver de acordo com sua própria natureza,

uma afirmação à vida e não uma fuga como o medíocre faz.

Segundo Niezstche, o Eterno Retorno não trata de uma percepção metafísica de passagem

do tempo, o universo não acaba e se desconstrói infinitas vezes da mesma forma, no entanto, os

momentos, as dores, alegrias, prazeres e medos são cíclicos, todos os dias essas instâncias da

realidade se alternam na vida do homem.

O Eterno Retorno é uma indagação do Amor Fati, amor ao destino, o questionamento que

diferenciará o homem do Além homem. O homem é motivado pela suas fraquezas e pelo seus

medos, busca uma vida meramente tolerável, e deseja não sofrer muito nem para conseguí-la e

nem para mantê-la, sem conhecer as profundezas do oceano e nem os picos montanhosos. O

Além homem entende a vida como infinita em cada momento e cada momento é uma afirmação

de sua vontade, e cada momento pode se repetir indefinidamente pois foi vivido com sua máxima

intensidade e de acordo com a sua vontade, com a sua verdade, amando cada um dos sentimentos

da vida, cada tropeço, cada dor e cada ferida, todos são adorados pelo Além homem, que busca

em cada momento a realização do todo, sem medo do de vir.

Para Nietzsche, Amor Fati é amar o inevitável, amar o destino, amar o justo e o injusto, o

próprio amor e o desamor. Ou seja,"ser, antes de tudo, um forte", sem se reclamar da vida, sendo

indiferente ao sofrimento. Uma retomada do antigo pensamento grego dos filósofos estóicos.

O Amor Fati foi usado por Nietzsche para representar a fórmula para a grandeza do homem

e que significa não querer nada de diferente do que se é, nem no futuro, nem no passado, nem por

toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo. O termo aparece várias vezes

em A Gaia Ciência, mas é neste trecho em particular citada de forma mais clara: "Quero cada vez

mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: - assim me tornarei um

daqueles que fazem belas as coisas. "Amor fati (amor ao destino): seja este, doravante, o meu

34

amor." Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar

os acusadores. Que minha única negação seja ‘desviar o olhar’! E, tudo somado e em suma:

quero ser, algum dia apenas alguém que diz sim."

2.4 Vontade de potência

Vontade de potência ou vontade de poder, Wille zur Macht em alemão, é um conceito

abordado em Assim Falava Zaratustra, a princípio entendido como um fator psicológico pela

vontade de poder, este conceito foi contrariado pelo próprio autor, colocando a vontade de

potência como uma força universal maior que o próprio homem. Inerente à condição humana a

vontade de potência é o que desafia o devir e a maneira como o ser humano expressa sua força. A

auto-conservação, a dominação e a submissão são consequências da vontade de poder.

Fortes e fracos tem vontade de poder. Em alguns a sua maior demonstração de força é a

própria sobrevivência, ainda que subserviente e medíocre; para outros é a superação do que se

tem e do que se é, para ambos a vontade de potência última é sempre tornar-se mais forte. A

afirmação da vida em si é vontade de potência, sem procurar significados externos ou

simbologias para a vida, a vontade de potência exacerba e é mais ampla que a própria existência,

a própria existência é o significado, é um porque e não um por quê.

O mundo de Nietzsche é Vontade e não representação, a existência se dá com base na

vontade e em suas manifestações, o universo é uma constante corrente de forças e potências que

se enfrentam de maneira constante. A vontade de potência é um constante vir a ser, dominar,

sobreviver, superar-se. O bom para Nietzsche é o norteado pela vontade de potência e não a

ausência dela.

2.5 Moral de Senhor e Escravo

35

Existem duas formas de moral para Nietzsche, a moral de rebanho ou escravo e a moral

de senhor ou mestre. A moral de senhor é baseada em uma escala de consequências boas ou

ruins, enquanto a moral de rebanho enxerga uma moral baseada em boas ou más intenções. Para

Nietzsche a moral é indissociável da formação cultural de um povo. Assim a moral de um povo

influencia em maior ou menor grau sua linguagem, códigos, práticas, artes e tudo mais a partir da

disputa entre essas duas morais. O estudo dessa disputa é a exegese para Nietzsche de todo o

pensamento ocidental. Com a morte de Deus, a moralidade passa a ser criada pelo homem, não

por uma entidade transcendente. Os fortes então criam sua própria moral com base em sua

avaliação.

A moral do senhor é a moral dos homens de vontade forte. E essa moral é baseada na

origem dos valores, que em princípio eram bons ou ruins de acordo com suas consequências,

portanto os valores não são em si absolutos, não existem fenômenos morais, só interpretações

morais desses fenômenos. Para o senhor, bom é o que é nobre, forte e poderoso, enquanto que o

que é ruim é a fraqueza, covardia, timidez e pequenez. A essência da moralidade de senhor é a

nobreza que protege os valores do homem forte. Tanto para a moral do senhor como a do

escravo, o medo é a mãe da moralidade, mas a moral de senhor traz consigo outras qualidades

como abertura de espírito, coragem, honestidade, confiança e um apurado senso de auto-estima.

Ela começa na mente do senhor, como uma idéia espontânea do que é bom, a partir daí então

passa a entender como ruim o que não é a idéia. Experienciando seus próprios valores, o homem

nobre não necessita de aprovação, ele julga por si e em si o que é prejudicial, sendo assim o

senhor reconhece que ele mesmo é a medida de todas as coisas, portanto o que é útil a ele é o que

ele valoriza em si próprio. Os senhores são os criadores da moral.

As sociedades conhecidas que seguiam uma moral de senhor são a grega e a romana. Um

exemplo de senhor são os heróis de Homero, dos clássicos Odisséia e Ilíada, homens de vontade

forte e de uma cultura nobre.

A moral de senhor não é objetivo último da transvaloração dos valores, o próprio autor

não acreditava que a humanidade deveria entender a moral de senhor como um fim em si ou até

mesmo um código de comportamento. Ele enxerga na moral de rebanho uma ameaça muito maior

e imediata, e acredita que a moral de senhor é tão somente preferível a moral de escravo, pois a

36

reavaliação desses valores, encontraria inconsistências em ambas, o objetivo ultimo não há, pois

a transvaloração é constante, e se houvesse seria a superação constante do homem por si próprio.

Para Nietszche enquanto a moral do senhor nasce dele como um sentimento, a moral do

escravo é um ressentimento, uma reavaliação da moral de senhor. Dessa forma ao invés de

avaliar um ação com base em sua consequência pessoal, o escravo usa a medida da intenção boa

ou má. Nascida dos fracos como uma reação aos fortes, ela é seu completo oposto, como forma

de reação a opressão, vilaniza seus opressores. Indo na contra mão destes, menospreza tudo o que

a moral de senhor determina como bom e impossibilitado de exteriorizar sua força o escravo a

subverte cuidadosamente. Ela não busca transcender a moral do senhor, e sim escravizá-la

também. A expressão máxima da moral de rebanho é o utilitarismo, a busca do bem comum, o

melhor para todos e não somente para os mais fortes, entretanto aqui existe uma enorme

contradição porque não existe um bem comum, o que é comum sempre foi e sempre será, não

trazendo em si nenhum valor alem do comum e ordinário. E no final tudo será como sempre foi,

grandes coisas para os grandes, abismos para os profundos e delicadezas para os refinados, em

suma as coisas raras para os raros. Como os forte são bem menores em número comparado com

as grandes massas de rebanho, os escravos ganham poder corrompendo os fortes, fazendo-os

acreditar que suas verdades são malignas, e tudo o mais que os fracos não conseguem alcançar

também o são.

O autor expõe a inversão de valores como uma das formas com que o rebanho escraviza a

humanidade, pobreza vira sinônimo de sagrado ou elevado, e riqueza, ateísmo, maldade e

sensualidade se tornam cada vez mais sinônimos. O termo acídia, cujo significado é preguiça

mental ou inércia intelectual e ainda não desenvolvimento das faculdades cognitivas torna-se

somente preguiça, alterando a percepção de realidade do mundo, fazendo com que o crente passe

a estudar menos, pensar menos e trabalhar mais.

Nietzsche coloca que criando a ilusão da humildade como uma escolha voluntária, o

rebanho esconde que sua humildade tem origem em uma condição forçada por um mestre. Os

princípios bíblicos de oferecer a outra face, caridade, humildade e a piedade são o resultado da

universalização da moral de escravo, escravizando os senhores também. A obsessão dos fracos

com igualdade gera em Nietzsche a idéia de que o movimento democrático é uma herança do

cristianismo, a manifestação política da moral de rebanho.

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2.6 Os fortes e os fracos

Figura 1 – O forte e o fraco (extraído de

http://www.quino.com.ar em 1/11/2009)

"Consciência é só uma palavra que os covardes usam, inventada a

princípio para fazer medo aos fortes. Que nossos braços fortes sejam

nossas consciências e as espadas nossa lei." Ricardo III – Shakespeare

A figura exprime exatamente a relação dos fortes e dos fracos em Nietzsche: do lado

direito o homem forte e nobre que se vale de suas armas para fazer sua vontade; do outro lado, o

escravo que se vendo fraco e impotente se vale armas diferentes.

Em um confronto imaginário entre os dois cavaleiros supõe-se que o que carrega o brasão

do leão sairia vencedor, no entanto, traiçoeira é a moral do escravo que se vale dos atributos do

fraco para desequilibrar a batalha. Não tendo força por si só para fazer valer sua vontade o fraco

instila no coração do forte a piedade por este, se valendo de seus valores tradicionais como

escudo, o fraco desmoraliza o forte, fazendo-o crer ser ele um vilão.

Moralizando a batalha o fraco reprime o instinto natural do forte impedindo-o de

manifestar sua força e sua vontade, usando como escudo sua própria fraqueza, pois se ele não

pode se defender ou defender sua própria família, se coloca numa posição inferior, se valendo de

uma figura que consterna o forte. O forte até então vivendo em uma matriz moral de bom e ruim,

é rebaixado para o maniqueismo do bem e mal, sob pena de ser um homem perverso, cruel e

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torpe desprezado por todos à sua volta, seja por condenação moral interna, ou externa, esse

julgamento interno que imobiliza o forte é a vitória da moral de rebanho, a vitória pela fraqueza e

não pela força.

Os homens de grande vontade, de grande gênio, não mais puderam se desenvolver, tudo o

que se destaca é atacado e reduzido a cinzas por essa moral. O cenário é aterrador, é possível

imaginar a historia da humanidade seguindo o mesmo curso sem homens como Sócrates, que

enfrentou toda a sociedade ateniense, Alexandre, o Grande, que conquistou um império maior e

mais rico que jamais havia existido e até mesmo Joana D´Arc, essa sim já vítima da moral de

rebanho.

Ao invés de superar-se, a moral de rebanho se rebaixa, nivela por baixo toda a estrutura da

sociedade, tornando-os todos iguais, e se todos são iguais, o mais sábio e nobre não é diferente do

mais néscio e cruel.

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SEÇÃO 3 - A JUSTIÇA DE ZARATUSTRA

O Além homem não é uma raça superior ou um ser humano perfeito e escolhido pela

loteria genética como sendo a materialização do ideal apolíneo e dionisíaco em seu corpo e alma.

É um estado de consciência, uma maneira de ser e pensar que não comporta outras em si. Ao se

tornar um Super Homem, homem algum voltaria a ser humano novamente. Se tornar algo além

do homem é a constante transvaloração e superação de si próprio, o avanço constante do ser em

direção ao que ele realmente é.

E se por ora é impossível nascimento do Além homem como exposto, é possível se valer

do seu método de vida para adaptar a sociedade a um surgimento não de um, mas de uma

sociedade inteira renovada, sem a negação dos instintos, sem a vitimização cristã, afastada da

moral de escravo e do sentimento de rebanho. Uma sociedade que traga consigo a manifestação

plena da vontade de potência, uma sociedade de conflitos, pois deles emergem as melhores

soluções, uma sociedade que a todo instante se questione e transforme de acordo com a própria

vontade individual de seus componentes, louvando a diferença e amando o destino como ele é.

Uma sociedade de novos homens, que se transponham e evoluem, que erram e aprendem.

A Justiça de Zaratustra é portanto a forma como a Além sociedade, em seus aspectos mais

intimamente ligados à formação de uma nova Justiça, preza as diferenças e a individualidade, se

vale da força, entendida aqui como uma escolha de vida que se contrapõe à fraqueza, forma

homens nobres e de uma cultura superior, onde a Justiça não seja a expressão de igualar e sim de

diferenciar.

Em alguns aspectos a sociedade do Além homem se assemelha a República de Platão,

porém vai além dessa, criando uma infinidade de funções para uma infinidade de seres diferentes,

categorizados não como homens de ouro, prata e bronze, mas sim como elementos diversos em

uma escala que não atribui valor intrínseco em hierarquias de homens e nem de funções e sim de

resultados.

40

3.1 O Estado e a Criação de Além Homens

O Estado moderno tem como finalidade o bem estar social. Para tanto, a prática recorrente

na maioria dos estados conhecidos é uma promoção de ações que visam reduzir as diferenças

entre as pessoas em termos financeiros e educacionais e em geral promovem uma igualdade

social, que tornaria, em tese, toda a sociedade melhor.

O papel do Estado é dirimir as diferenças e tornar todos os cidadãos iguais perante ele, sem

que haja nenhum tipo de distinção. Em princípio, o objetivo em si é nobre, elevar as massas

humanas à condições mais dignas, de maneira que todo ser humano possa desfrutar de uma vida

plena e saudável. O que ocorre na prática é que à medida que procura-se eliminar as diferenças,

elimina-se a individualidade do homem. Ao torná-lo cada vez mais igual à seu semelhante é

tirado dele algo que jamais poderia lhe ser tirado: quem ele realmente é, com suas diferenças que

o tornam único. A única característica partilhada pela humanidade é que todos são diferentes.

O termo diferente soa pejorativo em qualquer discurso que visa bem estar social, mas é a

diferença que deveria ser exaltada. Não se trata de enaltecer o melhor ou pior: se o Estado aceita

que todos são diferentes, tratará diferentemente os diferentes para que na medida das suas

diferenças se tornem cada vez mais únicos.

O gênio humano é infinito e não deveria ser limitado por um discurso de igualdade. As

políticas de bem estar social poderiam estar centradas em ressaltar as diferenças e aceitá-las. Pois

nada em si é bom ou ruim, o juízo que se faz de cada coisa é que o é. O Estado deveria fazer com

que as diferenças sejam respeitadas e não esquecidas ou anuladas.

O Estado deve possibiltar que cada cidadão desenvolva seu talento, sua capacidade, suas

faculdades morais e mentais e lhe oferecer condição para que ele vislumbre seu próprio potencial.

Ao encontrar sua Verdadeira Vontade o homem exteriorizará em todo seu esplendor a sua

vontade de potência, inserido na máxima socrática de que o justo é o homem no lugar certo

fazendo a coisa certa, entendido aqui como certo o que de melhor se faz para si, dessa monta

acrescentado o máximo possível a sociedade.

41

3.2 A Moral de Rebanho na Justiça

Os ditames do Direito em geral são oriundos da moral de rebanho legitimada como modus

operandi para que se alcance o que tal moral entende como sendo Justiça.

Um exemplo da moral de rebanho no que tange a proteção dos direitos dos trabalhadores,

é a Consolidação das Leis do Trabalho, epítome do paternalismo na Justiça brasileira. Desde seu

início já posiciona o trabalhador como parte hipo-suficiente. O reflexo de tal legislação sobre a

mentalidade do brasileiro é claro, não havendo interesse em desenvolver atividade em que ele

possa ser mais lucrativo ou encontre maior realização. Sendo a busca pelo maior número de

benefícios, a busca pelo melhor trabalho passa a não ser aquele que mais se trabalha ou no qual se

faz o que se gosta, e sim o que se trabalha menos com o maior número possível de benefícios.

Essa afirmação encontra seu reflexo máximo no serviço público, no qual se garante um malefício

à busca pela superação do homem, a estabilidade.

Com estabilidade o homem se acomoda, se conforta em seu cubículo e repartição e ali, as

custa do erário publico passará o resto da sua vida estagnado, tornando a sociedade um pouco

mais estagnada e retirando do mundo o seu talento, sem nunca tê-lo encontrado e acrescentado-o

à sociedade. A máxima de Aristóteles cabe ao paternalismo no Direito brasileiro, quando diz que

só os fracos se importam com a Justiça e a igualdade, pois os fortes não se preocupam com

nenhuma das duas.

No Direito penal, a fraqueza do sistema, aqui como representante do antagonismo fortes e

fracos, se revela na desumanização do suspeito ou do condenado. Atolado em um mar de

processos, alguns juízes se vêem na obrigação de decidir o maior número de casos, se valendo

dessa forma de fórmulas prontas e penas iguais para condutas e pessoas absolutamente diferentes.

Diante de uma infinidade de personalidades, razões e motivos, o código penal estabelece

sanções padrões a todos os casos, de maneira simplista, transformando homens em números. Não

existe reabilitação e nem mesmo remoção da sociedade: o condenado é inserido em uma mini

sociedade que na maioria dos casos só aumentará sua periculosidade. Não existe condição

mínima para a reabilitação dos condenados e o sistema pune indistintamente.

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Em tese a pena não deveria ser vingança e sim reabilitação. Não se trata de humanizar as

penas, mas de repensar seu objetivo. A sociedade se vinga de um crime aplicando uma pena ao

condenado e permitindo que ele seja recolhido a um local insalubre e violento onde na maioria

dos casos terá de se submeter ao um poder paralelo que o tornará ainda mais distante da

realização da sua Verdadeira Vontade. Para a sobrevivência da sua vontade de potência, o

condenado se direciona na contra mão do que o tornaria pleno e o sistema como um todo baseado

na fraqueza e alimentado pelo medo torna-se a própria degenerescência dos seus valores.

A sociedade não perdoa nunca, pois nunca tem sua sede de vingança saciada: condena

alguém a uma pena e esta quando cumprida, após tornar o sujeito passa a discriminá-lo por sua

condenação. Se a sociedade condena alguém é porque acredita que a pena estabelecida em tese

deveria ser suficiente para sua reabilitação: de que adianta condená-lo a um período limitado se a

discriminação será perpétua?

A moral de rebanho na Justiça perpetua um sistema de valores falso em que se busca uma

vingança que não é obtida, não cumpre o objetivo a qual foi designado e nem o objetivo para o

qual é usado. Ao desumanizar o homem, condenando-o sem critérios individuais, nivela-se o réu

por baixo, rebaixando-o.

Sempre será incapaz de perdoar a sociedade fraca que não encontra formas de superar seu

sofrimento. A sociedade forte perdoa porque pouca ou nenhuma ofensa lhe atinge, entende o

crime como sendo um produto individual de um sujeito individual tratando-o em sua medida.

3.3 A genealogia e a transvaloração da Justiça

A chave para a superação dos valores arcaicos é o conhecimento, deve-se conhecer aquilo

que será superado, o homem deve analisar os passos de sua história avaliando e descobrindo cada

uma das raízes que formam o sistema de valores no qual ele esta inserido. Sem uma visão ampla

e profunda dessa genealogia de valores nada poderá ser superado, pois o homem continuara

acorrentado a moral que pretende se livrar.

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Na psicologia o comportamento humano é fortemente influenciado pelos pais, ora por

assimilação, ora por repulsão de forma inconsciente o homem segue padrões comportamentais

que se espelham nos modelos mais importantes. Sem consciência ou discernimento o suficiente

os padrões são repetidos de maneira análoga ao modelo principal. O contrario também é

verdadeiro e à medida que reconhece o comportamento do modelo como nocivo, ele é subvertido

e executado de maneira contrária.

Em ambos os casos há um condicionamento de acordo com o modelo seguido. Os valores

de uma sociedade obedecem ao mesmo padrão, com uma sucessão de sociedades que seguem ou

rejeitam valores de maneira inconsciente seguindo um padrão de comportamento altamente

previsível e condicionado.

O estudo dessa genealogia de valores obedece ainda os mesmos critérios aqui chamados

analogamente de microcosmo e macrocosmo, pois o estudo do macrocosmo revela a genealogia

de valores de uma sociedade como um todo, demonstrando de qual nação, filosofia, religião ou

qualquer outra origem para os valores morais vigentes. No microcosmo o ser investiga dentro de

si a origem de seus comportamentos, procurando por padrões que revelem um condicionamento

anterior a formação do próprio sistema interno, interferindo na formação independente de

estrutura psíquica.

De posse do conhecimento de sua origem, tanto homem, quanto sociedade, podem

encontrar maneiras de se superar, compreendendo e se aprofundando nesse estudo, ambos

descobrem que o processo é ininterrupto, num primeiro momento, há de se superar os padrões

comportamentais estabelecidos antes do processo de formação, as amarras anteriores a sua

própria existência, superados esses, a meta é trasvalorar os posteriores e assim sucessivamente,

acrescentando novas informações e experiências, e encontrando melhores resposta e soluções

para realizar sua verdadeira vontade, quer seja a exteriorização de sua vontade de potencia ou

qualquer uma de suas manifestações, como o poder, a reprodução, sobrevivência, satisfação entre

outras.

O observação das estruturas sociais e instituições pilares da sociedade moderna revela a

predominância de uma tradição Judaico-Cristã. A carta magna do estado democrático de Direito,

invoca em seu preâmbulo a proteção de Deus, ignorando a importância de um estado laico, o

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papel secundário da mulher, que na tradição cristã é a origem do pecado original, é também um

dos traços que revelam a origem desse sistema de valores, a interferência da igreja em pesquisas

genéticas, as instituições como família e casamento, enraizadas tão profundamente nessa cultura,

que não raro pessoas que não professam nenhuma religião, ainda sim, tenham o costume de se

casarem dentro de um templo e seguindo um ritual estabelecido pela igreja católica apostólica

romana. Esse traço é um dos mais marcantes, demonstrando a profundidade dessa interferência,

mesmo sem seguir nenhuma disciplina religiosa, desconhecer os principais sacramentos e as

liturgias envolvidas, o Brasil é um país católico, onde os católicos não conhecem o catolicismo.

A idéia principal do judaísmo inserido nesse código de valores é a de igualdade perante

um todo poderoso, uma mensagem poderosíssima que ao mesmo tempo em que elimina qualquer

caráter de superação dos demais ainda submete o espírito a submissão diante de uma autoridade

inatingível e inquestionável, tornado o indivíduo dócil e facilmente manipulável, a partir dai

então, minimiza-se as diferenças e as características que fazem com que cada indivíduo

sobressaia-se sobre os demais, privando a ele e a sociedade daquilo que ele melhor poderia

oferecer. Todos iguais perante a lei é um anacronismo que assim como a própria idéia de

igualdade não reflete a verdade, na legislação pátria a diferenciação sim entre pessoas, mas não

como forma de exaltar as diferenças, e sim como forma de dirimi-las, e ao fazê-lo com o intuito

de fornecer iguais oportunidades a todos, nenhuma oportunidade é oferecida a ninguém, pois se

todos são iguais, não há melhores oportunidades em qualquer nível ou padrão de vida. A

mensagem de submissão presente no inconsciente dessa moral gera uma sociedade com pouco ou

nenhum ímpeto de questionamento do status quo, podendo ser continuamente oprimido sem se

dar conta de que não se trata de Deus a autoridade e sim do próprio homem.

Dessa maneira o sistema é frágil e obsoleto, sendo constantemente revisto e alterado por

quem de interesse, porem sem quebrar o padrão estabelecido ou alterar o status quo, a sociedade

passa então a viver sob um regime que desconhece e não acredita, dessa forma tornando a

sociedade como um todo desestruturado em seus pilares, uma sociedade de aparências, onde as

coisas aparentemente parecem funcionar de maneira aparentemente correta, imagem essa que não

resiste à analise menos criteriosa. Baseado em sociedades que não existem mais e em religiões

que ninguém acredita.

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CONCLUSÃO

Trasímaco, interlocutor de Sócrates em A República, traz a idéia de que a Justiça nada

mais é do que a vontade do mais forte, é direito de quem manda ou governa estabelecer as leis e

fazer cumprí-las segundo seu interesse, e a Justiça convencional, isto é, aquilo que o senso

comum aceita como justo nada mais seria que a obediência dos mais fracos. Antecipando em um

milênio e meio as idéias de Nietzsche, Trasímaco vislumbrou a Justiça de seu tempo como algo

muito longe da virtude metafísica defendida por Sócrates, e que ainda encontra reflexos no

presente.

A Justiça se transforma com o tempo, e com o meio, o processo de evolução histórica

deve ser entendido somente na dimensão do tempo, como algo que acompanha o passar dos anos,

entretanto, o termo evolução histórica não deve ser confundido com uma evolução em termos

práticos, ou seja, ainda que seja verdade que o conceito de Justiça e sua aplicabilidade e demais

ramos se transformem ao longo do tempo, não é necessariamente verdade que a Justiça em si se

torne melhor.

A genealogia de valores proposta por Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, aplicada as

normas morais vigentes, revela a influência desmedida de sistemas de valores estranhos ao dia a

dia da sociedade. Essas normas e valores, de origem arcaica e que não mais representam a

realidade do presente, persistem em se manterem como alicerces da cultura jurídica, ética e

moral. A razão desse atraso moral, é em parte culpa do próprio sistema que reforça idéias que

permitem sua existência ainda que anacrônica e parte culpa de uma humanidade leniente com a

escravização de sua vontade e repressão de seus instintos.

A discussão sobre a justiça, não se encerra por aqui. O intuito do trabalho era demonstrar

as origens históricas, filosóficas e religiosas desse conceito em nossa sociedade e apresentar a

necessidade de que sejam revistos e analisados individual e coletivamente. Os objetivos

propostos foram modestamente alcançados, porém, não se trata de um estudo definitivo ou

completo, muito pelo contrário, esse estudo alcançou seu objetivo exatamente por ser um

pequeno ponto de partida para uma longa jornada de aprendizado.

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