A justiça na República de Platão

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  • 8/22/2019 A justia na Repblica de Plato

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    Humanitas Vivens LTDAUma Instituio a servio da Vida!

    Luiz Antonio BELINI

    A JUSTIA NA REPBLICA DEA JUSTIA NA REPBLICA DE

    PLATO (427-347 a.C.)PLATO (427-347 a.C.)

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    A JUSTIA NA REPBLICADE

    PLATO (427-347 a.C.)(427-347 a.C.)

    CAPA:Raffaello Sanzio,La Scuola di Atene, Plato, 1511.

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    Luiz Antonio BELINI

    A JUSTIA NA REPBLICADE

    PLATO (427-347 a.C.)(427-347 a.C.)

    Humanitas Vivens Ltda

    Uma Instituio a servio da Vida!

    Sarandi (PR) 2009

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    Copyright 2009 byHumanitas Vivens LtdaEDITOR:

    Prof. Dr. Jos Francisco de Assis DIAS

    CONSELHO EDITORIAL:Prof. Ms. Jos Aparecido PEREIRA

    Prof. Ms. Fbio Incio PEREIRA

    Prof. Ms. Leomar Antnio MONTAGNA

    REVISO GERAL:Andr Luis Sena dos SANTOS

    Anna Ligia CORDEIRO BOTTOS

    Paulo Cezar FERREIRA

    CAPA, DIAGRAMAO E DESIGN:Agnaldo Jorge MARTINS

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    Belini, Luiz Antonio

    B431j A justia na Repblica de Plato

    (427-347a.C.) [recurso eletrnico] /

    Luiz Antonio Belini. -- Sarandi :

    Humanitas Vivens, 2009.

    ISBN: 978-85-61837-11-2

    Modo deacesso:.

    1. Filosofia. 2. Plato

    (427-347a.C.) Vida e obra. 3.

    Pensadores pr-platnicos.

    CDD 21.ed. 193

    Bibliotecria: Ivani Baptista CRB-9/331O contedo da obra, bem como os argumentos expostos, de

    responsabilidade exclusiva de seus autores, no representando o ponto devista da Editora, seus representantes e editores.Todos os direitos reservados.

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    Sumrio

    I. Introduo.......................................................................

    II. A justia em pensadores pr-platnicos...............................

    III. A crtica histrica: Plato e sua obra..................................

    IV. A justia na repblica platnica..........................................

    V. Anlise da justia platnica..................................................

    VI. Concluso...........................................................................

    VII. Bibliografia.......................................................................

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    I. INTRODUO

    Plato um daqueles homens que marcaramdefinitivamente a histria, sobretudo a ocidental. O vigor e

    profundidade de seu pensamento, o empenho e exemplaridadede sua vida, conferiu-lhe um carter permanente em nossa

    cultura. Sua influncia se fez notar nos mais amplos camposdo saber e do agir humanos, como em toda a histria dafilosofia, da teologia e da poltica. Defensor de um homemnovo e uma sociedade nova inspirou muitos a no seconformarem com os limites do presente, mas desejar e lutar

    pelo ideal. E, no entanto, Plato vive intensamente oacontecimento de seu tempo, valorizando aquilo que, aps um

    exame crtico, a tradio lhe pode oferecer, procurando nacrise grega sua superao.

    Especialmente a Carta VIInos atesta que ele no seescondeu em um "abstracionismo", mas "encarnou" suasdescobertas intelectuais em uma prxis poltica nem semprefcil e bem sucedidas. Embora seu pensamento poltico se

    encontre condensado ainda noPoltico e nasLeis, de formaespecial a Repblica o lugar de sntese deste encontro:concentra seu empenho poltico-social com a luz de suametafsica. Sua misso como a daquele prisioneiro dacaverna que, libertando-se e contemplando o Bem, no

    poder seno retornar para auxiliar os demais ainda presos.

    Na Repblica Plato desenvolve paradigmaticamentea constituio de um estado, ou seja, a partir do como "deve

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    ser", procurando nela respostas s questes primordiaisimpostas pela crise de ento. Ir definir com clareza os pontos

    bsicos e apresentar a soluo, muitas vezes radicalizando-a.

    Como a alma com suas partes devem ser una, assim tambmo estado dever estar unificado em suas classes. Embora cada

    parte ou classe possua uma funo determinada, isto nodever ser motivo de diviso, mas concorrer para a unidade.Plato ir propor a unificao do indivduo e do estado a

    partir da justia, que ele compreende como "executar a tarefaprpria e no se meter nas dos outros" (433 A).

    Este ideal de unificao que ser proposto para todo oestado, Plato radicalizar em relao classe dosgovernantes e seus auxiliares, a ponto de faz-los uma grandefamlia. A isto se unir um segundo pressuposto: anecessidade de desvincular o poder poltico do podereconmico e refunda-lo a partir da capacidade para o

    governo. Deve governar aquele que conhece o Bem e sabecomo se devem conduzir os cidados e instituies paraalcanar a felicidade, portanto, o legtimo governo estintrinsecamente ligado ao filsofo. Pressupondo ainda umanova fundao do saber sobre as mais slidas basesepistemolgicas. E de sua conseqente educao. Naedificao deste estado no se privilegia uma parte, mas a

    totalidade, isto , cada indivduo ou classe est em funo dotodo.

    O tema que desenvolveremos concerne justia naRepblica que, porm, se imbrica com toda sua temtica.Aps ter procurado brevemente indcios histricos da origeme possvel conceitualizao do termo, faremos uma

    apresentao da crtica histrica quanto s obras de Plato, emespecial da Repblica; seguiremos apresentao do

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    desenvolvimento do dilogo sobre a justia, uma anlisecrtica. Esta se concentrar, sobretudo, nos limites que aconcretizao do ideal platnico da justia encontra em sua

    exemplificao, motivado muitas vezes pela radicalizao deseus pressupostos ou mesmo pelos limites intrnsecos que otempo impe obra. A bibliografia com seus contrastes deinterpretao exemplificam o seu carter pertinente e

    paradoxal.

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    II. A JUSTIA EM PENSADORESPR-PLATNICOS

    O pensamento filosfico foi longamente gestado. Asgrandes doutrinas morais da Grcia clssica e helnicativeram suas razes nas fontes antigas e obscuras do

    pensamento pr-filosfico onde o canal privilegiado foi apoesia. Assim, antes do nascimento da filosofia os educadoresdos gregos foram, sobretudo, Homero e Hesodo. Numcontexto onde a concepo mtica da vida e do universo e areligio pblica se imbricam1. E foi justamente atravs da

    poesia, unida ao direito, que os gregos "tiveram a primeirarevelao da sacralidade da justia"2.

    Porque Plato devedor de toda a tradio que a elechegou e para melhor compreendermos o contexto do debateinstaurado nos dois primeiros livros da Repblica, faremosalguns acenos noo de justia nos seus principaisantecessores.

    Embora em Homero3

    no se encontre ainda uma1. REALE, G., Storia della filosofia antica. Vol.I: dalle origini aSocrate, Milano 1991, 8Ed., p.22: "Enfim, os poemas homricos foramdecisivos no fixar uma determinada concepo dos deuses e do divino etambm no fixar alguns fundamentais tipos de vida e caracteres ticosdos homens, que viro a ser verdadeiros e prprios paradigmas". Esta eas prximas notas cuja obra no for em portugus a traduo serminha.2. BOSCO, N., Themis e Dike, em: "Filosofia", 1967, p.131.3. Para uma crtica da pessoa e obra de Homero: JAEGER, W., Paidea,

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    noo elaborada de justia, nem mesmo a palavra usada porPlato para design-la, dikaiosyne, certo que a noo de

    justo e injusto j estavam presentes. Alguns autores4 vem no

    primeiro livro da Odissia, o documento mais antigo entre osgregos que revela, ainda que incipientemente, umaconscincia da prpria responsabilidade moral.

    O texto uma acusao dos deuses em relao prepotncia humana (como por exemplo: Odissia, XVI, vv.386-388), causa de todas as suas desventuras. Debate que

    pressupe j uma certa familiaridade com as idias de bem ede mal, mrito e culpa, liberdade e ausncia de liberdade. "Aconscincia grega aparece j dividida entre a tentao deimputar aos deuses a responsabilidade dos nossos males e arepugnncia em associar as idias de divino e injusto"5.Embora com variantes e outros matizes, principalmente noque se refere questo da vida aps a morte, este mesmo

    debate aparece no livro XIX daIlada.

    No obstante tendo em conta que os poemashomricos pertencem a perodos diversos e conseqentementeapresentem uma diversidade na sua concepo da justia, bemcomo na dos deuses e do prprio homem, no seu conjunto

    pode-se dizer que a idia de justia apresenta elementos

    bastante estveis: a justia mencionada como harmonia,equilbrio de foras, resultantes das aes humanas e divinas(o universo regido pela justia de Zeus, superior foraharmonizadora), conseqentemente, a justia em relao aos

    vol.I, trad. it. de A. Setti, Firenze 1991, 4Ed., pp.49-119; LEITE, J. M.,Homero, Rio de Janeiro 1976.4. Entre eles BOSCO, N., Themis e Dike, op. cit., p.132, mencionaJaeger e Pasquali, referindo-se a Odissia, I, 32ss.5. BOSCO, N., Themis e Dike, op. cit., p.132.

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    deuses (piedade) e a justia em relao aos homens so vistasinseparavelmente. A simples violao das leis humanas(consuetudinais) representa uma ofensa aos deuses, j que

    estas so vistas como divinas, uma quebra da harmonia e,portanto, injustia6. Em geral, o piedoso e justo sempresalvo e o mpio condenado7.

    Os vocbulos que Homero utiliza para expressar aidia de justia so dique e tmis, que se alternam entre aevocao das pessoas de Dique e Tmis e os seus conceitos

    correspondentes8.

    6. Idem, p.134. HAVELOCK, E. A., Dike. La nascita della coscienza,trad. it. de M. Piccolomini, Roma-Bari 1981, p.234: "Um certo sentidode justia o que cada um tem como direito em esperar doscomportamentos humanos em determinados casos, e da parte dedeterminadas pessoas. um sentido que corresponde a Dique,considerado como um procedimento legal para a reparao de ofensas e

    a satisfao dos direitos".7. DEL GRANDE, C., Omero, em: Enciclopedia Filosofica, aoscuidados de Centro di studi filosofici di Gallarate, Firenze 1967, 2Ed.,

    p.1154.8. Dique significa originalmente "deciso judicial", assumindo numlento processo um significado preciso de vingadora inexorvel e de

    penalizadora. Na mitologia a deusa dos juzes, irm da Verdade, filhade Jpiter e Tmis. Para a origem etimolgica e desenvolvimento de

    Dique: DEL VECCHIO, G., La Giustizia, Roma 1946, pp.14-15.BRANDO, J. de S., Mitologia Grega, vol.I, Petrpolis 1986, p.158:Dique como "maneira de ser ou de agir, hbito, costume, lei, justia".Tmis significa etimologicamente "pr, colocar, estabelecer comonorma", expressando assim "o que estabelecido como a regra, a leidivina ou moral, a justia ou direito divino... Tmis a deusa das leiseternas, da justia emanada dos deuses" conforme BRANDO, J. de S.,

    Dicionrio Mtico-Etimolgico da Mitologia Grega, vol.II, Petrpolis

    1992, p.417; Tmis filha de Urano e Gia, sendo uma das Titnicas."Os mitgrafos e os filsofos imaginaram que Tmis, comopersonificao da justia, ou da Lei eterna, fosse conselheira de Zeus",

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    Ainda que o mundo de Hesodo seja diverso dohomrico9, o ideal da justia permanece inalterado: justoquem no ofende aos deuses e nem aos semelhantes. Toda

    sua obra um esforo para dar razo existncia do bem e domal no mundo. Sua concepo de Dique ir abrir caminho auma nova reflexo no que concerne justia. Alm deorganizar os deuses em uma teogonia sistemtica, fez da

    justia o problema central da existncia humana e divina10.

    Fora do contexto herico de Homero, a injustia que

    suscita a sua reflexo antes de tudo a maldade humana

    conforme: GRIMAL, P., Dizionario di Mitologia Greca e Romana,trad. it. de P. A. Borgheggiani, Brescia 1987, p.645.9. Muito mais na questo scio-econmica e geogrfica que nacronolgica, conforme BOSCO, N., Themis e Dike, op. cit., p.144:"No necessrio pensar uma grande distncia de tempo entre os

    poemas homricos e aqueles de Hesodo. Se alguns estudiosos retm

    Hesodo posterior a Homero, outros so, ao invs, propensos aconsider-lo como quase contemporneo e colocam as suas obras logodepois da Odissia. Existe at quem inverta as posies, considerandocertas partes da Odissia, as quais mostram evidentes afinidades com a

    poesia de Hesodo, posterior a esta". LESKI, A., Storia della literaturagreca, trad. it. de F. Codino, vol.I, Milano 1962, p.131, coloca Hesodologo depois de Homero, o que geralmente mais aceito. M.TROMBINO, em: L'"Apologia di Socrate" di Platone e il problema

    della giustizia da Omero a Platone, aos cuidados de PANCALDI, M. eTROMBINO, M., Torino 1991, p.103: "Enquanto Homero ligado aomundo da nobreza arcaica, Hesodo exprime os valores e a cultura domundo agrrio, o pobre mundo daqueles que - homens livres -trabalham duramente a terra para viver. Os poemas homricos nasceramno mundo jnico, dominado pelo trfego martimo e pelos problemasconexos idade das grandes migraes gregas; as obras de Hesodo soao invs natas na Becia, regio com vocao agrria e pastoril, longe

    do mar e da sua cultura. O prprio Hesodo pastor e agricultor".10. ESIODO, Teogonia, trad. it. de Graziano Arrighetti, Milano 1989,2Ed.

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    identificada com a mesquinhez do pobre que inveja o rico edo rico que oprime o pobre11.

    Hesodo inova, particularmente, na insistncia comque descreve os sofrimentos causados pela injustia. Bemcomo nos frutos da justia e da injustia. Sua obra umaexaltao ao trabalho, dando-lhe uma atribuio moral ereligiosa toda nova12, assim, os frutos da justia so a paz e a

    prosperidade enquanto os da injustia, dio e contendas.Exemplo singular neste sentido sua obra Trabalhos e Dias13,

    em que a idia bsica o nexo entre justia e trabalho14, queno obstante ser um sofrimento imposto pelos deuses aoshomens como castigo, ao mesmo tempo uma forma de

    purificao.

    A justia no final triunfar, porque conta com aproteo de Zeus, e isto apresentado como uma boa razo

    para viv-la, afastando-se da injustia15

    . Paradigmtica aimagem da cidade justa e da injusta (vv.225-247) com a

    11. HAVELOCK, E. A., Dike. La nascita della coscienza, op. cit., p.250, sublinha que em Hesodo a maldade tem conseqncias coletivas eno apenas individuais: a maldade de um poder ser paga por toda acidade.12. JAEGER, W.,Paidea, op. cit., vol.I, p.121.13. ESODO, Le opere e i giorni, trad. it. de L. Magugliani, Milano1988, 4Ed.14. JAEGER. W.,Paidea, op. cit., vol.I, pp.136-137.15. ESIODO, Le opere e i giorni, op. cit., Milano 1988, 4Ed., vv.213-218: " Perse, escute a justia e no alimente a Prepotncia: a

    prepotncia danosa ao homem fraco; nem mesmo o grande facilmentea pode suportar, antes, ele mesmo permanece oprimido e vai ao

    encontro da desventura. Melhor a outra estrada, em direo justia; ajustia no fim do seu curso vence a prepotncia, e s sofrendo o estultoaprende".

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    interveno de Zeus e Dique: "se entre os animais vale a leinatural do mais forte, entre os homens rege Dique"16.

    Mesmo sendo a lrica arcaica de relativo interessetico, nos importa enquanto fez o trmite entre a poesia picae a grande poesia trgica e a especulao filosfica,

    principalmente na obra de Slon, que exemplarmente ticoinclusive pelo ideal da medida.

    O pensamento de Slon est intimamente relacionado

    com a situao de Atenas de seu tempo, onde odesenvolvimento econmico (basicamente agrrio) possibilitao acmulo de riquezas de uma elite e torna a grande massamiservel e escravizada. Slon denuncia exatamente ainjustia cometida em vista deste enriquecimento,descrevendo seu processo psicolgico: a injustia reside naalma humana, porm, seus efeitos atuam na realidade social.

    Em Slon a justia como medida virtude no s dapessoa singularmente, mas tambm da cidade. O homem justoe sbio capaz de produzir boas leis e boas leis uma cidade

    justa. A boa lei educa o cidado para a justia17. Por fim, a

    16. DEL GRANDE, C., Esiodo, em: Enciclopedia Filosofica, aos

    cuidados de Centro di studi filosofici di Gallarate, Firenze 1967, 2Ed.,p.959.17. Segundo M. TROMBINO em:L'"Apologia de Socrate" di Platonee il problema della giustizia da Omero a Platone, op. cit., p.118,

    pertence a Slon o conceito de eunoma, ou seja, o bom governo, ogoverno segundo a justia. Este conceito ser importante para a idia de

    justia no mbito poltico. A este propsito afirma ISNARDIPARENTE, M., Il pensiero politico greco dalle origini alla sofistica,

    em: Storia delle idee politiche economiche e sociali, dirigida por L.Firpo, vol.I, Torino 1982, p.140: "O conceito fundamental em torno aoqual se concentra a sua especulao poltica a eunoma, a boa ordem,

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    garantia est nos deuses, que daro paz e felicidade aos justose desventura aos injustos, sejam pessoas individuais, sejamcoletividades18.

    Slon chega ao poder em 594-593 a.C. e procuraconcretizar seu ideal para salvar a cidade, em especial atravsde leis justas. A funo poltica sentida por ele fortementecomo um fazer justia, dar a sentena. Ele prprio afirma deter dado leis igualmente ao mal e ao bom, adaptando a cadaum a reta justia19. H quem veja na sua obra uma

    prefigurao daRepblica platnica20.

    Em Anaximandro encontramos o termo diqueaplicado sua viso geral do cosmos (fr.1)21, procedimentocomum entre os filsofos naturalistas. Muito discutida a

    a reta distribuio; na elegia que se d exatamente o nome de Eunoma

    (fr.3) ele d uma descrio que permanece clssica desta reta ordem,que tem para ele valor religioso, com a imagem de eunoma que rendecada coisa ordenada e composta, faz cessar a avidez e a violncia, pefim s obras da discrdia e ao dio da disputa".18. JAEGER, W., Paidea, op. cit., vol.I, pp.265 e 272, ressaltando ainfluncia do pensamento de Hesodo sobre Slon.19. ISNARDI PARENTE, M., Il pensiero politico greco dalle originialla sofistica, op. cit., p.141.

    20. BOSCO, N., Themis e Dike, op. cit., p.165: "Tambm sob outrosaspectos a cidade, ao mesmo tempo real e ideal, de Slon, prefigura aRepblica platnica. Em ambas a virtude dos singulares e aquela dacomunidade se condicionam reciprocamente: a sociedade justaquando feita de homens justos, e os homens mais facilmente sero

    justos se viverem em uma cidade justa; em ambos a nica justia exigevirtudes diversas a quem efetua diversas funes: a sabedoria nosgovernantes, a moderao nos governados; em ambas est junto

    utilidade e justia que os mais sbios governem".21.I presocratici. Testemonianze e frammenti da Talete a Empedocle,aos cuidados de A. Lami, Milano 1991, p.139.

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    interpretao deste fragmento. Para Heidegger22, por exemplo, este fragmento no pode ser interpretadosimplesmente como alguma coisa de exclusivamente fsico-

    naturalstico como o movimento das estaes, mas expresso de um pensamento sobre o ser dos entes,colocando-se, portanto, entre os primeiros documentos datradio a respeito da formao da metafsica ocidental.Havelock pensa que este fragmento deve ser interpretado semse recorrer ao conceito filosfico de justia csmica, antes,

    para ele o princpio da justia como conceito filosfico no se

    apresenta em nenhum pr-socrtico23.

    O fragmento simplesmente descreveria, portanto, comum linguajar transportado das composies de litgios

    judicirios, o ciclo dos eventos naturais, como o ciclo dasestaes. Em todo caso, pode-se entender neste fragmento um

    paralelismo entre a justia como princpio do relacionamento

    humano com os acontecimentos csmicos, como afirmaJaeger:

    "como na Repblica de Plato o estado a estrutura

    da alma humana escrita em grandes caracteres

    assim para Anaximandro o universo tende a ser uma

    ordem social escrita maior. Esta , porm somente

    uma tendncia, j que s Herclito v com plenaclareza na filosofia do predecessor este paralelismo

    e o elabora sistematicamente"24. Interpretao que

    22. HEIDEGGER, M., Il detto di Anassimandro, em: Sentieriinterrotti, trad. it. de P. Chiodi, Firenze 1968, p.302ss.23. HAVELOCK, E. A.,Dike. La nascita della coscienza, op. cit., pp.

    325-326.24. JAEGER, W., Paideia, vol.I, op. cit., pp.301-302 nota 54.ISNARDI PARENTE, M.,Il pensiero politico greco dalle origini alla

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    aproxima o pensamento de Anaximandro

    concepo da Dique em Slon.

    Para Herclito, dique teve um notvel significadosimblico, aparecendo em quatro dos seus ditos que chegaramat ns25. Sua concepo de dique desenvolve a intuio deAnaximandro da unidade do todo regulada pela dinmica dacompensao das foras: uma fora cede alternativamente auma outra, segundo uma necessidade interna, explicando todarealidade atravs desta luta. A harmonia exprime a lei da

    natureza csmica, tanto humana quanto divina, da dique.

    Segundo Havelock a justia no pensamento pr-socrtico no ultrapassa os limites daquelas regras decomportamento e de regularidade que eram as normasfundamentais da sociedade homrica; que "coisa a justia formalmente e definitivamente, no nos vem dito"26.

    Em Herdoto encontra-se um elemento novo quanto terminologia. Em casos excepcionais ele usa para designar a

    justia o termo dikaiosyne, que aparece oito vezes empregadoem sua obra, com significados diferentes em conformidadecom o contexto em que se encontram, sempre comconotaes moralizantes27. Ser o termo geralmente usado por

    Plato. possvel que Herdoto seja tambm o primeiro asofistica, op. cit., p.150: "No difcil reconhecer sob esta teorizaocosmolgica um ideal de justia que tpica da cidade, com as suasrelaes igualitrias e anti-monrquicas, a justia da istes e doequilbrio: Anaximandro pressupe claramente o desenvolvimento dacidade jnica".25. HAVELOCK, E. A., Dike. La nascita della coscienza, op. cit., p.326.26. Idem, p.334.27. ERODOTO,Le storie, trad. it. de L. Annibaletto, Milano 1988.

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    empregar nomes que indicam "no-justia" em sentidoabstrato (a-dikia, a-dikema). Segundo Havelock, todo seu

    "vocabulrio sobre a justia reflete seguramente asconseqncias de uma aumentada prtica e

    procedimento legal na cidade-estado, que podemos

    imaginar como leis e frmulas legais que se

    multiplicam sempre que venham escritas"28.

    O significado desta mudana na nomenclatura ainda

    no claro, porm, "o aparecimento de dikaiosyne no textodo histrico assinala o ponto de partida de um outro processointelectual"29. Embora a justia ainda no haja a condio deconceito, a formulao do termo dikaiosyne indica que existeuma justia interior ao homem e uma que opera socialmente."Dikaiosyne uma qualidade pertencente ao dikaios, isto 'homem de justia', cujas caractersticas vm descritas no mito

    da Odisseia..."30

    Plato levar a termo este processo deinteriorizao da justia como qualidade humanaconsiderando-a uma virtude da alma.

    Com os sofistas temos um enriquecimento temtico eos interlocutores mais prximos de Scrates e Plato31.

    28. HAVELOCK, E. A., Dike. La nascita della coscienza, op. cit., p.365.29. Idem, p.366. DEL VECCHIO, G., La Giustizia, op. cit., p.16: "o

    primeiro grau de elaborao puramente conceitual representado,provavelmente, no formar-se daquele conceito de dikaiosyne, queacolhe em si o fundo comum das representaes mticas primitivas: ouseja, a idia de uma proporo e de uma ordem, onde surge umadeterminada harmonia".30. HAVELOCK, E. A., Dike. La nascita della coscienza, op. cit., p.377.31. Contudo, de suas obras chegaram at ns apenas fragmentos. Muito

    2222

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    Embora no tenham constitudo uma escola e apresentem umpanorama muito variado, seja sob o aspecto filosfico-culturalcomo no terico-poltico, e se desenvolva num perodo de

    tempo bastante longo, "tiveram em comum a caracterstica depr ao centro da especulao o homem nos seus vriosaspectos de sujeito cognoscitivo e volitivo"32.

    Muitos fatores contriburam ao surgimento dossofistas, "a pesquisa de uma gnese exterior, no filosfica dasofstica pode demonstrar que esta corrente de pensamento

    simboliza verdadeiramente a expresso de um determinadoclima histrico, no qual o tom dado exatamente pelos fatossociais... os sofistas, sem haver inteno, foram os filsofosda histria de sua poca, que interpretaram com umafidelidade perfeita"33. A vitria sobre os persas abriu o

    perodo de maior florescncia da potncia ateniense, centro dacultura grega.

    O declnio da aristocracia punha em crise valores evirtudes tradicionais e o crescente ordenamento democrtico

    das informaes que temos provm de seus adversrios, principalmentede Plato, o que influenciou o carter negativo que a eles historicamentefoi atribuido, conforme CORBATO, C., La sofistica, em: Questioni di

    storiografia filosofica, vol.I, aos cuidados de V. Mathieu, Brescia 1975,

    pp.116.32. CORBATO, C., Sofisti, em:Enciclopedia Filosofica, aos cuidadosde Centro di studi filosofici di Galarate, Firenze 1967, 2Ed., p.1524;quanto a um possvel denominador comum, afirma Corbato na p.1525:"este o seu modo de pensar e o seu mtodo, voltado physis totalenquanto se mostra ao homem, isto , um tesouro de experincias dasquais cada um examina e desenvolve um aspecto particular e aos

    problemas comuns do solues diversos e opostos".33

    . UNTERSTEINER, M.,Le origini sociali della sofistica

    , em:Studi

    di filosofia greca in onore di R. Mondolfo, aos cuidados de V. E. Alfierie M. Untersteiner, Bari 1950, pp.178-179.

    2323

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    possibilitava a participao dos cidados vida poltica. Nestecontexto se fez importante a retrica como poder de

    persuaso. Os sofistas sero os mestres da nova cultura,

    voltada para a classe dirigente.

    O comrcio abriu as fronteiras para umcosmopolitismo tambm cultural. A experincia dos viajantes

    possibilitou o contato com outros costumes e leis, onde suasprprias leis poderiam no ter sentido, provocando aquelerelativismo dos valores que d uma determinada unidade

    sofstica. De maior interesse para ns, entre outras coisas, acrise do conceito ainda muito vago de dique, mas que era umdos princpios fundamentais do agir que constitua aaristocracia.

    Protgoras que uma figura central na Atenas dePricles abandona o tema da relao entre dique e os deuses,

    entre dique e a ordem do mundo. Para ele a idia demoralidade e justia pertence naturalmente a todo homem e fundamental o ensino baseado seja em disposies naturaisseja simplesmente sobre o exerccio. Seu discurso filosficosobre a justia est centrado na conscincia do homem.

    No Teeteto (167 C) Plato afirma que para Protgoras

    o que justo para uma cidade o somente enquanto a cidademesma o retm como tal. Mas seu relativismo no simplesmente uma desvalorizao da justia, melhor umredimensionamento, "ele defende a validade da lei da cidade(o nomos) no pelas suas ligaes com a justia divina, masenquanto condio necessria manuteno da sociedadehumana"34.

    34. TROMBINO, M., em: L"Apologia di Socrate" di Platone e ilproblema della giustizia da Omero a Platone, op. cit., p.198. Mesmo do

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    Com a corrente naturalstica da sofistica se encontraa radicalizao da oposio entre nomos e physis, ou seja,

    entre lei e natureza, que exaltada em detrimento da leireduzida a mera conveno. Antes dos sofistas a tradiogrega dos antigos poetas ligava a lei humana com a ordemcsmica; os filsofos viam a lei em relao natureza dascoisas, ou seja, "como quer que fosse entendido o cosmo,naturalisticamente ou religiosamente, este era visto como sedede uma ordem superior - um superior princpio de dique - e

    assim lei humana e cosmo eram vistos em acordo"35.

    O relativismo defendido pelos sofistas, que cada polistem as suas leis prprias, fruto de conveno, e que justia se adequar s prprias leis, punha em crise esta visotradicional. Antifonte sofista contrape a physis lei. Um deseus fragmentos em sua parte central representa bem isto:

    "este essencialmente o objeto da nossa pesquisa que a maiorparte de quanto justo segundo a lei, se encontra em contrastecom a natureza" (fr.44).

    com um grupo de sofistas que G. Reale denominade polcos-sofistas que a justia vem radicalmentedesvalorizada. Estespolticos-sofistas "so homens polticos e

    ponto de vista do seu ensino de retrica no se pode dizer que fosse ummero "contestador" das virtudes tradicionais. Segundo REALE, G.,Storia della filosofia antica, vol.I, op. cit., p.233, mesmo no seu ensinode contrapr argumentao fazendo prevalecer o prprio, nosignificava "que ele ensinasse a injustia e a iniqidade contra a justiae a retido, mas simplesmente que ensinava os modos com os quais era

    possvel sustentar e levar vitria o argumento (qualquer que fossee o

    seu contedo)que na discusso, em dadas circunstncias, poderia

    resultar mais fraco".35. Idem, p.202.

    2525

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    aspirantes ao poder poltico, que, sem mais algum retenhomoral, usaram, ou melhor abusaram de certos princpiossofsticos para teorizar um verdadeiro e prprio imoralismo,

    que desembocou no desprezo da assim chamada justia, detoda lei constituda, de todo princpio moral: mas estes maisque o esprito autntico da sofstica representam aexcrescncia patolgica da sofistica mesma"36. Estes, comoTrasmaco e Clicles sero interlocutores do Scrates

    platnico na Repblica e no Grgias37, analisados mais frente.

    No obstante a difcil questo socrtica, podemosenunciar alguns dados bsicos da justia em Scrates. Nele a

    justia esta certamente ligada questo do estado, conjuntamente virtude moral e poltica38. Como outrasvirtudes (temperana e piedade) se dissolve na cincia porqueele "concebe a cincia e toda virtude essencialmente como

    justia interior, isto , como consciente vontade do bem"39

    .Neste contexto se inscreve sua misso: tornar os concidadosmelhores e conseqentemente, justos. A isto empenhou suavida radicalmente.

    36. REALE, G., Storia della filosofia antica, vol.I, op. cit., p.229.

    37. Idem, p.275. Embora como Clicles venha apresentado no Grgiasde Plato personagem literrio e no histrico, mas que de qualquerforma deve representar perfeitamente a expresso desta corrente.38. BOSCO, N.,N Themis n Dike, em: "Filosofia", 1967, p.472.39. Idem, p.473. REALE, G., Storia della filosofia antica, vol.I, op.cit., pp.314-315: "A tese da identidade das virtudes e cincia implicavaem primeiro lugar, em primeiro lugar, a unificao das tradicionaidvirtudes, como a sapincia, a justia, a sabedoria, a temperana, a

    fortaleza em uma s e nica virtude, exatamente porque, na medida emque so virtudes, cada uma e todas se reduzem essencialemente aoconhecimento".

    2626

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    Frente a polis e suas leis, Scrates "reconfirma semhesitao o princpio segundo o qual os privados no podem

    pretender se fazer superiores s leis e s sentenas pblicas...

    que a cidade pode salvar-se e reger-se somente se os cidadossaibam acolher as sentenas e respeitar as normasestabelecidas"40. Scrates pressupe as leis como garantia da

    justia entre os cidados.

    Nestas referncias histricas quanto origem eevoluo da justia pr-platnica, percebe-se um

    entrelaamento com realidades afins. Em uma viso de cunhoreligioso, com a vontade e ordenamento dos deuses; em umaviso naturalista, com a ordem cosmolgica. Quando sereflete sobre a vida do homem na polis, a justia se entrelaacom sua organizao: a forma de governo, principalmentedique como virtude aristocrtica; com as leis que regem asrelaes entre os cidados e dos cidados com o estado; sobre

    o carter das virtudes, sua origem e possibilidade de ensino,etc.

    Enfim, Scrates o melhor exemplo de homem quepautou sua vida sobre esta concepo e concentrou sobre estepilar os mais diversos elementos: a justia como conscinciano agir em direo aos deuses e aos concidados; como

    virtude que conduz ao bem e felicidade; como sabedoriaque possibilita a vivncia das leis com liberdade; que conduza uma misso.

    Estes elementos sero retomados por Plato que, naRepblica, far uma profunda anlise da justia e de sua inter-

    40

    . ISNARDI PARENTE, M.,Socrate e Platone

    , em:Storia delle idee

    politiche economiche e sociali, dirigida por L. Firpo, vol.I, Torino 1982,p.232.

    2727

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    relao: desde a anlise dos mitos educao, das leis sformas de governo41.

    41. HAVELOCK, E. A., Dike. La nascita della coscienza, op. cit., p.19, afirma que "depois de Hesodo, Plato parece ter sido o primeiro aafrontar a justia como um tema prprio, e o primeiro em absoluto a

    transform-lo em um princpio normativo e um problema de carterfilosfico"; e, na p.307, afirma que aRepblica o primeiro texto quetenta dar uma definio sistemtica da justia.

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    III. A CRTICA HISTRICA:PLATO E SUA OBRA

    Plato com seus escritos tem fascinado o pensamentohumano at hoje que, de uma forma ou de outra, tem algumarelao com ele. Um filsofo contemporneo pode dizer que

    toda a histria da filosofia no mais que anotaes aorodap de pgina de seus escritos. Assim tambm F. Adornoentende a "histria da crtica" de Plato, escrev-la seriareescrever uma "histria da filosofia"42. Seus escritos,

    patrimnio literrio da humanidade, no so reduzveis a umesquema, nem a exposies sistemticas ou manualsticas43.

    No obstante, na tentativa de entender comohistoricamente Plato foi estudado e interpretado se podeacenar a alguns pontos chaves. Em senso estrito, no que serefere a Plato, se pode demarcar o incio de uma histria dacrtica com a traduo de todas as suas obras nos primeirosanos do sculo XIX por Schleiermacher que, com seusestudos, tradues, comentrios e introdues, abre um novo

    caminho na leitura de Plato, mais precisa e filologicamentemais complexa44. Ele compreendeu qual era o estilo defilosofar prprio de Plato: o dilogo socrtico. Mostrando o

    42. ADORNO, F.,Introduzione a Platone, Roma-Bari 1986, 3 Ed., p.242.43. POPPER, K. R., La societ aperta e i suoi nemici. vol.I: Platonetotalitario

    , trad. it. de R. Pavetto, Roma 1993, 4Ed, p.337 nota 45, contra esta afirmao comumente aceita.44. Idem, p.245.

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    quanto inadequado a tentativa de construir um sistemaplatnico acabado45 pois Plato deve ser estudado dilogo pordilogo; errando, porm, ao pensar que Plato, quando

    comeou a escrever, j houvesse pronto o plano do seufilosofar e o distribudo programaticamente, dilogo pordilogo, segundo um plano didtico46.

    Esta via filolgica e histrico-filosfica aberta porSchleiermacher ser uma das percorridas pelos maioresestudiosos de Plato no sculo XIX, a outra ser a aberta com

    as "Lies sobre Histria da Filosofia" de Hegel, que com suaimpostao provocou um novo modo de estudar Plato47.

    Outro nome que se deve lembrar o de K. F.Hermann, que teve uma importncia decisiva na descobertado "verdadeiro" Plato, compreendendo que, contrariamente distribuio lgica proposta por Schleiermacher, os dilogos

    platnicos respeitam uma verdadeira e prpria evoluocronolgica. Porm, mais que na classificao dos dilogos,em Hermann "... felicssima a intuio que v Plato evoluirespiritual e historicamente considerando os vrios dilogoscomo espelho desta evoluo"48.

    45. JAEGER, W., Paideia, vol.II, trad. it. de A. Setti, Firenze 1990,

    3Ed., p.131: "Permanece mrito de Schleiermacher o haverreconhecido, com o vivo sentido de um romntico pela forma comoexpresso da individualidade espiritual, o elemento especfico dofilosofar platnico no fato que esse precisamente no tende ao sistemafechado, mas se apresenta como investigao filosfica em ato, comodilogo".46. REALE, G., Platone, em: Questioni di storiografia filosofica, vol.I,Milano 1975, pp.182-183.47. ADORNO, F.,Introduzione a Platone, op. cit., p.248.48. REALE, G., Questioni di storiografia filosofica, op. cit., vol.I, p.183.

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    Significativo ainda, no sculo passado, no que respeita exegese de Plato, foi o trabalho de Lewis Campbell.

    Partindo de caractersticas estilsticas encontradas no livro dasLeis, seguramente a ltima obra de Plato, ele podeestabelecer um critrio para a cronologia das obras platnicas,que a esta ltima se assemelhavam49. "A obra de Campbellabre toda uma nova prospectiva, relativamente evoluo e crise do pensamento platnico"50.

    Ser, no entanto, W. Lutoslawski que levar o mtodo"estilomtrico" s ltimas conseqncias, avanando aotrabalho de Campbell que no havia fornecido nenhumelemento para decidir quanto cronologia dos dilogosanteriores queles dialticos. mrito de Lutoslawski ofundamento cientfico da estilometria51.

    Neste nosso sculo houve uma verdadeira "exploso"de estudos platnicos e anti-platnicos52, concentrando-seprincipalmente em setores particulares (as tentativas desntese se fizeram mais raras). Plato lido e interpretado a

    partir dos mais variados pontos de vista53: neokantiano,

    49. JAEGER, W., Paidea, op. cit., vol.II, p.134: "Em concluso,tambm se, com este mtodo, no possvel determinar as relaescronolgicas de todos os dilogos entre si, pode-se porm, claramenteindicar trs grupos principais, dos quais ao menos os dilogos maisimportantes podem, com grande verossimilhana, serem estabelecidos".50. ADORNO, F., Introduzione a Platone, op. cit., p.251.51. STEFANINI, L., Platone, vol.I, Padova 1949, 2Ed., p.LXIII. Na

    p.LXX Stefanini reproduz uma tabela com as caractersticas estilsticasexaminadas por Lutoslawski.52. REALE, G., Questioni di storiografia filosofica, op. cit., vol.I, pp.191-192.53. ADORNO, F.,Introduzione a Platone, op. cit., pp.254-265.

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    idealista, existencialista, fenomenolgico, espiritualista54,tico-poltico e, sobretudo, aps 1960, se desenvolve uma

    pesquisa de carter sociolgico e antropolgico55.

    Quanto ao estado atual desta questo apresentamosaqui, em seus trs principais files, uma sntese de Adorno56.O primeiro que desenvolve a tese de Kramer e de Gaiser,referente principalmente "doutrina no escrita" de Plato57.O segundo filo baseado em um "retorno nica esistemtica filosofia de Plato (em paralelo ao retorno nica

    e sistemtica filosofia de Aristteles), filosofia platnica54. Idem, p.267. Segundo Adorno, entre os representantes deste pontode vista esto L. Stefanini e M. F. Sciacca.55. Idem, p.271.56. Idem, pp.274-277: "ao lado de outros estudos sobre Plato maismanualsticos e narrativos vm se delineando trs files principais de

    pesquisa..."

    57. Aqui no muito valorizada por ADORNO, F., Introduzione aPlatone, op. cit., p.274: "sem grandes acrscimos ou probantesconfirmaes...", que, porm, publica em 1978. Esta linha deinterpretao vem sendo hoje muito desenvolvida em especial, na Itlia,

    pelo Centro de Pesquisa de Metafsica da Universidade Catlica doSagrado Corao, em Milo, tendo frente Giovanni Reale e j umavasta publicao, em especial: REALE, G., Per una nuovainterpretazione di Platone, rilettura della metafisica dei grande

    dialoghi alla luce delle 'dottrine non scritte', Milano 1989, 6Ed.Reservas a esta linha de interpretao e obras desta corrente manifestado, por exemplo, por ISNARDI PARENTE, M.,

    principalmente na recesso ao livro de KRAMER, H., Platone e ifondamenti della metafisica, trad. it. de G. Reale, Milano 1982,publicada em "Gnomon", LVII (1985) 120-127; Idem, Il "Platone nonscritto" e le autotestemonianze. Alcune note a proposito di un libro

    recente, em: "Elenchos", V (1984) 201-209; Idem, Il problema della

    "dottrina non scritta" di Platone, em: "La Parola del Passato", XLI(1986) 5-30; Idem, La VII Epistola, em: L'eredit di Platonenell'Accademia antica, Milano 1989, pp.79-94.

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    fundada sobre uma viso ontolgico-sistemtica de tudoescandente em tramas de idias ordenadas como bom e

    justo que sejam"58. Alguns nomes deste segundo filo so: O.

    Wichmann, E. A. Wjller, H. E. Pester, L. Paquet e R. Marten.

    O terceiro filo procura a unidade da filosofiaplatnica unilateralmente, assumindo motivos diversos, ou nadialtica, ou na funo dada s tcnicas em vista deestruturaes sociolgicas, ou na doutrina das idias, ou emuma determinada lgica. Pensadores deste terceiro filo so,

    por exemplo, G. Cambiano e C. Diano.

    Quanto aos escritos de Plato, segundo o que o que possvel saber atravs de citaes de autores antigos, todoschegaram at ns. O problema de sua autenticidade foi centrode vivacssimo debate no sculo passado59, em quedeterminadas posies se radicalizaram negando a

    autenticidade de muitas destas obras. No nosso sculo aoinvs, est se difundindo nos estudiosos a convico que amaior parte, seno certamente todas, so autnticas60. Asdvidas que permanecem se referem s obras secundrias queno comprometem a globalidade dos estudos platnicos61.

    58. ADORNO, F.,Introduzione a Platone, op. cit., pp.274-275.

    59. JAEGER, W., Paidea, op. cit., vol.II, p.136: "Se bem sempre sesoubesse, desde antiguidade, que o nosso apanhado dos escritosplatnicos compreendia tambm obras no autnticas, contudo, somenteno sculo XIX, a crtica atingiu vera importncia e profundidade sobreeste terreno".60. REALE, G., Storia della filosofia antica, vol.V, Milano 1991,8Ed., p.476.61. REALE, G., Introduzione generale al pensiero di Platone, em:

    Platone. Tutti gli scritti, Milano 1992, 3Ed., p.LXIII: "os escritossobre os quais permanecem dvidas acerca de sua autenticidade so jpoucos, alm do mais de limitado relevo e, todavia, no de decisiva

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    Do que foi acima mencionado resta fora de dvida aautenticidade da Repblica62, obra que temos em primeiro

    plano63. Complicado, porm, fixar a cronologia desta obra.Nem mesmo fcil estabelecer o que de real existe nestedilogo que Scrates narra e o quanto apenas recursoliterrio platnico. A prpria cronologia dos personagens objeto de conjecturas e contradies64.

    importncia para os temas que tratam". Considerao feita j por

    JAEGER, W.,Paidea, op. cit., p.137.62. POPPER, K. R., La societ aperta e i suoi nemici, op. cit., p.132,contesta a traduo deste ttulo da obra platnica. Segundo ele, a

    palavra grega que intitula a obra seria melhor traduzida por AConstituio ou A Cidade-Estado ou ainda O Estado. No seu entender a

    palavraRepblica induz o leitor a uma idealizao da obra.63. Ainda que Digines Larcio a tenha considerado plgio: Vita dei

    filosofi III, 37: "Euforine e Pancio sustentaram que o incio da

    Repblica foi encontrado com frequentssimas correes emodificaes. E Aristosseno afirma que quase toda a Repblica seencontra escrita nas Antilogias de Protgoras", e ainda em III, 57: "omesmo Trasilo diz que os seus dilogos genunos so ao todo 56, com a

    Repblica dividida em 10 livros, afirma Favorino no segundo livro dasHistrias vrias que se encontra quase toda nas Antilogias deProtgoras". A respeito destas afirmaes de Digines Larcio, comentaREALE, G., Storia della filosofia antica, op. cit., vol.I, p.239 nota 16:

    "Protgoras teria, em resumo, antecipado a idia que o governo doEstado deve ser confiado aos filsofos. Mas... alm desta possveltangncia entre o Estado protagrico e aquele platnico existe umabismo".64. ROCHA PEREIRA, M. H. de, Introduo Repblica, em: A

    Repblica, Lisboa s/d, 6Ed., p.XII, retomando D. J. Allan (que por suavez aceita a cronologia de A. E. Taylor) afirma serem os personagens

    possivelmente os melhores indcios cronolgicos; enquanto LOZZA,

    G., Introduzione, em: La Repubblica, Milano 1990, pp.VI-VII, vnestes personagens um flagrante anacronismo com o qual Plato no sepreocupou.

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    parte algumas reservas os estudiosos concordamatualmente em afirmar que a Repblica uma obra da

    maturidade de Plato65 e isto por uma srie de razes, entreelas seu contedo66 e sua relao com o ltimo livro dePlato, as Leis. Algumas reservas que podemos mencionarso: o fato de Plato continuamente retomar seus escritos, oque em relao Repblica atestado tambm por DigenesLarcio67; a caracterstica platnica de desenvolver uma obraao nvel da oralidade e somente em uma fase posterior a fix-

    la por escrito68; que uma obra da espessura da Repblica nodeve ter sido elaborada e escrita em pouco tempo69, e a

    principal reserva, quanto unidade de composio da obra,ou seja, se o primeiro livro um dilogo autnomo e de poca

    juvenil ou no, problema que desenvolveremos em seguida.

    Embora o progresso da crtica desde Schleiermacher e

    Hermann at nossos dias tenha sido enorme e tenhacontribudo muitssimo para o avano na interpretao dePlato, em alguns pontos ainda no se chegou a um consenso,

    permanecendo aberta a discusso. o caso do primeiro livro

    65. REALE, G., Storia della filosofia antica, op. cit., vol.II, p.43:"Tem-se ulteriormente estabelecido que a Repblica pertence fasecentral da produo platnica, que precedida pelo Simpsio e pelo

    Fdon e que seguida doFedro".66. LOZZA, G., Introduzione, op. cit., p.XI: " certo ao invs que na

    Repblica, a partir do livro VI est j plenamente desenvolvida a teoriadas idias e que todos os temas da filosofia platnica venham fundidosem harmoniosa unidade: sobretudo por isso que o dilogo vem junanimemente atribudo plena maturidade de Plato".67. Vita dei filosofi, III, 37.68. REALE, G., Storia della filosofia antica, op. cit., vol.II, p.46.69. ROCHA PEREIRA, M. H. de, Introduo Repblica, op. cit.,

    p.XV.

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    daRepblica, que uma parte da crtica separou do conjunto daobra, considerando-o um dilogo autnomo e por suascaractersticas, juvenil. No entanto, outros crticos tm

    insistido na unidade de estrutura e de composio da grandeobra platnica.

    J Schleiermacher apresentou sua impresso quanto auma relativa autonomia do primeiro livro70, mas foi Hermannquem por primeiro formulou e aprofundou esta questo.Percebendo que o dilogo parece concluir-se no primeiro

    livro, levantou a hiptese no apenas de sua autonomia, mastambm quanto sua cronologia: seria obra juvenil, j queapresenta duas caractersticas fundamentais s obras tidascomo "dilogos socrticos": examinar uma aret e suaconcluso aportica71.

    Dummler retomando e aprofundando esta via

    70. SZLEZK, T. A.,Platone e la scrittura della filosofia. Analisi distruttura dei dialoghi della giovinezza e della maturit alla luce di un

    nuovo paradigma ermeneutico, trad. it. de G. Reale, Milano 1989,2Ed., p.361 nota 14.71. GIANNANTONI, G., Il primo libro della Repubblica di Platone,em:Rivista Critica di Storia della Filosofia, 02 (1957) 124. SCIACCA,M. F., La giustizia e l'idea del bene, em: Platone, vol.I, Milano 1967,2Ed., p.296, parte da convico desta hiptese que lhe parece

    praticamente incontestvel. interessante que POPPER, K. R., Lasociet aperta e i suoi nemici, op. cit., pretende demonstrar, entre outrascoisas, um afastamento de Plato em relao ao pensamento socrticono simplesmente como uma definio e maturao do seu prprio

    pensamento, o que por demais comumente aceito, mas como uma"mudana de tonalidade", o que implica uma diferena de postura entreas obras juvenis e as da maturidade (nas pp.272ss. Plato apresentadocomo traidor de Scrates), e especificamente no que concerne justia,

    a diferena entre o Grgias (que seria mais socrtico) e a Repblica,baseando-se em argumentos que envolvem o I livro (pp.153ss.), e noentanto no faz nenhuma meno quanto ao problema de sua datao.

    3636

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    levantou a hiptese, seguindo a lgica dos outros escritosplatnicos, com boa aceitao, de que este dilogo autnomopoderia ter sido intitulado Trasmaco72, mas o retendo como

    incompleto, j que no seu parecer Plato concluiria esta obracom um mito escatolgico, quem sabe o livro dcimo.Hiptese esta que, segundo G. Giannantoni73, no encontrouressonncia entre os crticos.

    Avano hiptese da autonomia do primeiro livroveio dado pelo trabalho de H. von Arnim, que atravs de um

    exame lingstico estabeleceu sua semelhana com oLaquetee com outros dilogos da juventude, situando-o

    posteriormente ao Protgoras e o Laquete e anterior aoLiside. Ainda segundo von Arnim, o Grgias dependeriadeste suposto Trasmaco. Coube, no entanto, a U. vonWilamowitz-Moellendorff explicar a conexo deste livro como resto da obra: Plato era muito ligado ao que havia

    produzido e no queria que nada se perdesse e portanto deveter reelaborado este Trasmaco para faz-lo prlogo aos livrosseguintes daRepblica74. Friedlaender assume e defende esta

    72. Assim comenta esta hiptese SCIACCA, M. F., Il problema dellagiustizia nel primo libro della Repubblica, op. cit., p.298: " ento nasprimeiras obras ou naquelas da primeira maturidade, de transio quase,que Plato polemiza com a tese trasimaquia da justia, e tudo faz supor

    que lhe tenha dedicado um dilogo, que em seguida lhe ser idneo prcomo introduo a uma obra de amplo respiro. Com razo algunsconsideraram este primeiro livro um dilogo autnomo, ao qual talvezPlato teria dado o ttulo de Trasmaco". Quanto autonomia do

    primeiro livro, JAEGER, W., Paidea, op. cit., vol.II, p.156, escrevesomente que esta "... opinio, hoje aceita por muitos, no , certo, maisque uma hiptese inteligente".73. GIANNANTONI, G., Il primo libro della Repubblica di Platone,

    op. cit., p.125.74. SZLEZK, T. A., Platone e la scrittura della filosofia, op. cit., p.362. ISNARDI PARENTE, M., Rileggendo il Platon di Ulrich von

    3737

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    tese, aprofundando-a num confronto com o Clitofonte. Teseque levada ao seu limite extremo por R. Preiswerk queacaba, inclusive, por denegrir a imagem de grande escritor de

    Plato75.

    A posio radical de Preiswark suscitou fortes reaesde crticos que reivindicam a unidade da obra. A este parecer

    j haviam se pronunciado Zeller, J. Hirmer, Th. Gomperz.Mas principalmente H. Raeder que argumentou contra asobjees unidade da Repblica, demonstrando que estas

    justamente indicam o carter introdutrio do primeiro livro, ese Plato utilizou um material anterior, isto, a seu ver, novm ao caso, j que na forma atual parte integrante daobra76.

    Mesmo W. Lutoslawski, que estabeleceu diferenasestilsticas entre o primeiro livro e o restante da obra, negou

    que este fosse uma composio parte77

    . R. Shaerer explicouWilamowitz-Moellendorff, em: Annali della scuola normale superioredi Pisa, vol.III.1, Pisa 1973, p.150: Wilamowitz "aceita tesescomposicionais tpicas da pesquisa do sculo XIX como aquela sobre acomplexa composio cronolgica da Repblica, com a hiptese,aventada por Hermann em 1839 e rebatida por von Arnim em 1914, docarter independente do livro I, o Trasmaco".

    75. GIANNANTONI, G., Il primo libro della Repubblica di Platone,op. cit., p.128.76. Idem, p.126.77. Na tabela cronolgica dos escritos platnicos conforme asafinidades estilsticas elaborada por W. Lutoslaweski e reproduzida porSTEFANINI, L., Platone, op. cit., vol.I, p.LXX, a Repblica aparececomposta ininterruptamente, ainda que em sua classificao qudruplaos separe: o primeiro livro classificado como o ltimo componente da

    segunda fase, que ele denomina como Primeiro Grupo Platnico, e oslivros restantes como os primeiros da terceira fase, que denomina comoGrupo Platnico Mdio.

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    a diferena entre o primeiro livro e o restante da obraafirmando que neste ltimo no se quer mostrar a ignornciade um sofista presunoso, mas de ajudar dois jovens filsofos

    (Adimanto e Glucon)78. Por fim, Rudberg rebateu as crticasseparatistas demonstrando quanto o primeiro livro estintrinsecamente relacionado com o restante da obra, o que

    justifica sua funo de introduo79.

    Por outra via Dornseiff observou que todas ascaractersticas que possibilitam a hiptese de uma redao

    juvenil do primeiro livro so igualmente explicveis retendocomo uma consciente retomada por Plato de sua maneira

    juvenil. Hiptese que foi assumida e desenvolvida por F.Adorno80.

    Como concluso do que foi apresentado para estetrabalho sobre a justia naRepblica de Plato, pode-se reter

    o seguinte: a autenticidade de toda a obra est fora dediscusso. Quanto sua unidade, ou seja, se toda a obra foipensada e escrita conjuntamente ou se o primeiro livro umdilogo autnomo e anterior que s posteriormente foiinserido como livro introdutrio ao dilogo, como se mostrou,a crtica est longe de chegar a um consenso que encerre aquesto, o que no altera para ns o valor do seu uso, pelo

    fato de ele estar ligado intrinsecamente ao restante da obra.78. Que Plato possa elaborar um dilogo com fins pedaggicos, oadaptando capacidade dos personagens defendido, por exemplo, porREALE, G., Storia della filosofia antica, op. cit., vol.II, p.46. No que serefere em especfico Repblica, sua apresentao dos personagens, em

    Platone. Tutti gli scritti, op. cit., p.1080.79. SZLEZK, T. A., Platone e la scrittura della filosofia, op. cit., pp.

    354-370, faz uma anlise pormenorizada desta relao.80. GIANNANTONI, G., Il primo libro della Repubblica di Platone,op. cit., p.131.

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    Mesmo assumindo a hiptese "separatista", isto implicarianuma reviso e adaptao por Plato a ponto de lhe servir aoescopo pretendido de faz-lo introduo sua obra-prima81.

    Quanto cronologia, respeitando a possibilidade de um fundojuvenil no primeiro livro, a Repblica como obra em suaforma atual concordemente um livro da maturidade dePlato.

    81. GIANNANTONI, G., Platone e l'accademia, em: Storia dellafilosofia, aos cuidados de Mario Dal Pra, Milano 1975, pp.175-176:"Como quer que se avalie estas observaes, porm, certo que aunidade de pensamento e do escopo dos dez livros em que foi porTrsilo dividida aRepblica, est fora de qualquer contestao, e neste

    quadro tambm o I livro vem sempre mais assumindo o carter de umdocumento testemunhante de uma consciente retomada da parte doPlato maduro dos temas fundamentais do socratismo..."

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    IV. A JUSTIA NA REPBLICA PLATNICA

    A Repblica inicia-se com Scrates narrando a umgrupo annimo82 sua descida83 ao Pireu no dia anterior para afesta da deusa que, tudo leva a crer, seja a deusa Bndis. Ali

    permanecendo por interveno de Polemarco que o hospeda e

    em sua casa se desenvolve o dilogo. O primeirointerlocutor84 de Scrates ser Cfalo, pai de Polemarco, Lsia

    82. Dando-se crdito relao desta obra com o Timeu, se concluiriaque Scrates estaria narrando a Timeu, Crcia, Ermcrates e a umquarto personagem que permanece annimo.83. Conforme mencionamos anteriormente, uma parte da crtica vnesta introduo uma profunda relao com o restante da obra. Na

    anlise de SZLEZK, T. A., Platone e la scrittura della filosofia, op.cit., p.354, a palavra "descida" que abre o livro da Repblica tem umafuno toda especial: no representa apenas um dado topogrfico, massignifica a "humildade" do filsofo, que desce com "benvolo interesse"

    pela festa e orao deusa (327 A), ligado ao fato que no Estado idealtambm o filsofo no permanecer no "alto", mas tendo contemplado aidia de Bem dever retornar, "descer" junto aos prisioneiros da caverna

    para al cumprir sua misso, em vista da felicidade de todo o Estado

    (519 D - 520 A). A traduo portuguesa de ROCHA PEREIRA, M. H.da, A Repblica, op. cit., neste sentido de toda inadequada,eliminando a idia de "descida": "Ontem fui at o Pireu comGlucon..."(327 A), enquanto o texto grego usa a palavra "kateben",conforme, PLATONE, LA Repubblica, trad. it. de G. Lozza, Milano1990, com texto grego frente.84. Ao quanto de real possuem os interlocutores de Scrates, noscontentamos em reportar uma significativa frase de R. L. Nattleship: "as

    figuras do dilogo so, por um lado, simplesmente expresses ideais decertos princpios; por outro lado, trazem consigo muito do seu carterreal", citado por ROCHA PEREIRA, M. H. da, Introduo

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    e Eutidemo. De sua vida sabemos pouco. Proveniente deSiracusa, chamado Atenas de Pricles, constri uma fbricade armas (escudos), na qual trabalhavam muitos escravos. No

    dilogo apresentado j em idade avanada.

    Interrogado por Scrates sobre a velhice, Cfalo seapresenta feliz por ter podido viver de modo "justo",restituindo aos deuses e aos homens o que lhes era devido.Scrates percebe na resposta de Cfalo uma concepo de

    justia que , seno inadequada, ao menos insuficiente (331

    C-D), momento em que Polemarco entra no dilogo e Cfaloo abandona, retirando-se.

    Este pequeno dilogo entre Scrates e Cfalo tem sidoalvo das mais variadas e contraditrias interpretaes.Giannantoni apresenta uma viso otimista85: Cfalo representaa classe aristocrtica, qual Plato permanece unido.

    Emblema de uma vida justa e velhice serena, prpria daaristocracia soloniana, Plato o teria apresentado paracontrastar aos seus contemporneos e por isso no deixaScrates confut-lo, mas o retira de cena. Radicalmentenegativa a interpretao de Rosen86: para ele Cfalorepresenta o cabea (= Cfalo) de uma famlia monrquica,que tendo vivido entregue aos prazeres na velhice um

    "libertino arrependido que procura alvio na religio para assuas recordaes de precedente paixo"87.

    Repblica, op. cit., p.VII.85. GIANNANTONI, G., Il primo libro della Repubblica di Platone,op. cit., pp.132-133.86. ROSEN, S.,Introduzione alla Repubblica di Platone, Napoli 1990,

    pp.24-30.87. Idem, p.27.

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    Nele, a honestidade e a disciplina aparecem somentequando as paixes desaparecem. Durante o domnio das

    paixes, a justia est ausente. "Em outras palavras, ele

    justo pelo menor tempo possvel. A justia no ento umbem em si, mas um mal necessrio"88. Segundo Rosen, ajustia tem "uma posio muito baixa na economia psquicade Cfalo. Ele fala da injustia (330 D), mas no da justia...

    No melhor dos casos, a justia tem para Cfalo umaconotao negativa"89. Sua viso, de "pio hipcrita", no

    passa de utilitarista.

    Uma viso "intermdia" pode ser a de Sciacca90 que ofaz em uma "chave" tica: Cfalo um homem sereno,comedido na palavra e no gesto; a inteno de Scrates saber se a esta postura exterior corresponde uma ordem moralinterior, constatando, segundo Sciacca, que o ponto de vistade Cfalo "no uma doutrina moral, mas um conjunto de

    consideraes ditadas por um modesto senso comum,acompanhado de uma fcil honestidade"91.

    Cfalo apresenta uma moral utilitria, no fundo um"fariseu bonacho". Para Sciacca, Cfalo tinha que se retirar

    por reconhecer justas as observaes de Scrates e como assuas no passavam de "senso comum", no podiam se

    contrapor argumentao filosfica de Scrates, queaproveita para levantar a questo: o que a justia?

    Concluindo, Cfalo, rico meteco, apresenta da justia

    88. Idem, p.27.89. Idem, p.27-28.90. SCIACCA, M. F., La giustizia e l'idea del bene, op. cit., pp.300-304.91. Idem, p.301.

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    uma opinio comum que, como se evidenciar adiante, atribuda ao poeta Simnides, de ser a justia o "dizer averdade e o restituir aquilo que se tomou" (331 C). Mas

    Scrates confuta esta definio porque h casos em que seucumprimento causa propriamente de injustia, como orestituir armas a algum em estado de loucura (331 C-D).

    Polemarco, filho de Cfalo, o herdeiro da discussoem favor do pai. Ao argumento que Cfalo aludiu como

    justia, pertencente ao senso comum, Polemarco chama em

    defesa Simnides que, apesar de todas as reservas platnicascontra os poetas, tido em boa conta. Scrates o chama de"homem divino e sapiente" (331 E). A famosa mxima sobrea justia a ele atribuda por Polemarco: " justo restituir acada um o que se lhe deve" (331 E)92.

    Entra assim em cena um filsofo, Polemarco93, com

    quem Scrates poder discutir. Scrates diz no ter entendidobem o que queria dizer Simnides com esta mxima (331 E),e assim comea a interrogar Polemarco, pois o poeta

    92. Conforme traduo de ROCHA PEREIRA, M. H. de, Introduo Repblica, op. cit., p.10. Embora a autora tente uma localizao destamxima entre os fragmentos de Simnides, esta no se encontra,conforme RADICE, R., em: Platone, Tutti gli scritti, op. cit., pp.1329

    nota 12.93. Polemarco no Fedro 257 B apresentado como adepto da filosofia.Em relao a esta sada de Cfalo e entrada de Polemarco, comentaSCIACCA, M. F., La giustizia e l'idea del bene, op. cit., p.304: "estafilosofia mida do senso comum (em relao a Cfalo) invencvel,

    porque no filosofia: Scrates no pode ter razo; da sofstica sim,que uma filosofia. Plato, com duas batidas a mete fora da discusso efaz entrar no seu lugar, os verdadeiros interlocutores de Scrates, os

    Sofistas: uma posio especulativa contra outra". Para Sciacca, aexceo de Cfalo, os interlocutores de Scrates so todos Sofistas (emespecial quanto a Polemarco, p.306).

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    certamente no a teria formulado sem nenhuma restrio,como no caso da objeo j apresentada a Cfalo.Concordemente Polemarco diz que Simnides convicto de

    que se deve fazer o bem aos amigos e no o mal. Assim sechega primeira definio de justia: restituir ao amigo o quelhe devido quando isto no lhe seja um mal. Logo se tiraroas conseqncias passando a soar assim: "a justia consiste no

    beneficiar os amigos e no fazer mal aos inimigos" (332 D)94.

    Como Polemarco insiste nesta definio, Scrates a

    reexamina perguntando-lhe o que entende por amigo. Aconcluso que amigo aquele que aparenta e de fato nos fazo bem. Com isto se precisa ainda mais a definio dePolemarco: "o justo consiste em fazer o bem ao amigo que

    bom e o mal ao inimigo que mal" (335 A), mas que Scratesrefuta (atravs de um sofisma95) mostrando o quanto

    94. Um definio semelhante aparece no Menon, 71 E. O prprioScrates de Xenofonte, nosMemorveis II 6, 35 define assim a virtude,e em IV 2, 16 a justia. Schmid-Staehlin e Henderickx consideraramesta definio como pertencente ao Scrates histrico. Contra estahiptese Zeller j notava que ela apenas sugerida mas no sustentada

    por Scrates e que Xenofonte a pe em sua boca como eco de opiniocomum, conforme: GIANNANTONI, G., Il primo libro della

    Repubblica di Platone, op. cit., p.134 nota 34. Tambm Adam afirma

    que "a opinio que a justia consiste no fazer o bem aos amigos e malaos inimigos, um fiel reflexo da moralidade grega prevalente", citadopor POPPER, k. R., La societ aperta e i suoi nemici, op. cit., p.346nota 13. ROSEN, S.,Introduzione alla Repubblica di Platone, op. cit.,

    p.29, alm de fazer uso sem reservas desta passagem de Xenofonte,estabelece este paralelo: "Fazer o bem aos prprios amigos e trazerdano aos inimigos de tudo apropriado para os guerreiros, e estaapropriao vir mais tarde s claras com o exemplo portado por

    Scrates ao co nobre, que gentil com os amigos e o oposto com osestranhos (375 A-E)".95. ROSEN, S., Introduzione alla Repubblica di Platone, op. cit., pp.

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    errnea. Um especialista em sua arte no pode, por execut-labem, tornar outrem ignorante. Antes propriamente ocontrrio. Como o calor no tem a funo de refrescar nem o

    seco de umedecer, assim, no prprio do justo fazer dano aoinimigo, nem a qualquer um que seja, o que o renderia injustotambm, mas fazer o mal prprio do injusto (335 D).

    O prprio Scrates apresenta uma concluso de seudilogo com Polemarco sobre a justia: "No ento sbioquem sustenta que a justia consiste no restituir a cada um o

    que lhe pertence, e com isto entenda que o homem justo deverestituir mal por mal aos inimigos e bem por bem aos amigos.Estes verdadeiramente no dizem a verdade, porque a ns resultado claro que em nenhum caso justo fazer o mal aqualquer um"(335 E).

    Desta concluso de Scrates se reafirma o que j

    notrio sobre sua concepo de virtude: quem conhece o bemno pode fazer o mal96, por isso "no sbio" quem pratica ainjustia. Ningum pode ter prazer em fazer o mal pelo mal e,sobretudo, em fazer o mal a si mesmo, ora, como Scratesafirmar, a injustia no tanto um mal para quem a sofrequanto para quem a comete, portanto o injusto o ignoranteque comete o maior mal a si mesmo.

    Apenas Scrates e Polemarco interromperam odilogo, Trasmaco97 , que j havia tentado intervir, mas foi

    32-34.96. SCIACCA, M. F.,La giustizia e l'idea del bene, op. cit., p.319 nota31, considera este primeiro livro um dilogo juvenil e portanto

    socrtico: "a tese justia-sapincia socrtica: a sapincia virtude e avirtude sapincia..."97. Trasmaco, cujo nome significa "audaz na batalha", nasceu em

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    contido pelos outros que queriam ouvir a argumentao at ofim, levantou-se furiosamente contra Scrates (336 B). Nolhe agrada o seu mtodo que consiste, segundo ele, em fazer

    perguntas para posteriormente confutar seu interlocutor, semdar uma resposta, "j que mais fcil perguntar queresponder" (336 C)98. E pede a Scrates que d a suadefinio de justia, em um modo claro e conciso, sem seexprimir por meio de frivolidades como ser a justia "o dever,ou a utilidade, ou a vantagem, o proveito ou aconvenincia" (337 A)99.

    Scrates defende seu mtodo reiterando suaignorncia no que concerne ao assunto em questo e suasincera disponibilidade em aprender, provocando Trasmaco a

    Calcednia na Bitnia (colnia de Megara). UNTERSTEINER, M., Isofisti, vol.II, Torino 1949, pp.373-374, conjectura quanto a sua

    cronologia: porque mais velho que Lsia e exercitou sua atividade emAtenas primeiro que Grgias, o que possibilitou sua meno porAristfanes em uma obra seguramente de 427 aC., pode-se estabelecercomo data limite para seu nascimento 459 aC. A data limite para suamorte dada pelo Discurso aos Lariseus, que no pode ser anterior a413 aC. Deve portanto ter desenvolvido suas atividades nas ltimas trsdcadas do sculo V. Embora haja quem afirme que ele tenha seenforcado, Untersteiner acha que no se deve dar crdito. Foi advogado

    mas parece no ter publicado seus discursos. A Suda enumera umelenco de suas obras, mas at ns chegaram somente algunsfragmentos, conforme: I presocratici. Testemonianze e frammenti,vol.II, aos cuidados de G. Giannantoni, Roma-Bari 1975, 2Ed., pp.963-970. Como retrico ficou famoso, podendo se auto-denominar de"mestre de eloqncia".98. Esta reprovao do mtodo socrtico freqente, por exemplo,

    Protgoras, 337 D.99

    . Comentando este incio de dilogo entre Trasmaco e Scrates,ROSEN, S., Introduzione alla Repubblica, op. cit., p.37, v noprimeiro uma antecipao de Maquiavel.

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    que o ensine e aos presentes. Evidentemente Trasmacoqueria falar, embora para isto tenha pedido um pagamento100.Como mestre de eloqncia tinha ali uma boa oportunidade,

    diante de um pblico qualificado, de demonstrar seus dotes,dominar a conversa e arrancar elogios. Trasmaco demora ematender ao pedido, tambm dos outros, mas s paravalorizar-se. De fato, o prprio Scrates havia notado que"Trasmaco, evidentemente desejava falar para se cobrir deglria, pois supunha que daria uma resposta admirvel" (338A).

    Assegurado o pagamento Trasmaco apresenta suadefinio de justia: "afirmo que a justia no outra coisaseno a convenincia do mais forte" (338 C), ao que Scrates

    jocosamente d um sentido restritivo, interpretando comoconvenincia do que superior em fora fsica: se paraPolidamas, o lutador de Pancrcio, que o mais forte de

    todos, lhe convm, para o seu fsico, comer carne bovina, talalimento ser justo e conveniente tambm para os outros,ainda que a ele inferiores (338 C-D).

    Trasmaco protesta contra a m interpretao deScrates e precisa sua definio: o mais forte quem governae faz leis teis a si prprio. "Certamente que cada governo

    estabelece as leis de acordo com a sua convenincia... umavez promulgadas essas leis, fazem saber que justo para osgovernos aquilo que lhes convm, e castigam ostransgressores, a ttulo de que violaram a lei e cometeramuma injustia" (338 E), portanto se pode "afirmar que h ums modelo de justia em todos os Estados - o que convm aos

    100

    . Plato no se cansa de criticar os sofistas por s ensinaremmediante remunerao, conforme: Apologia 20 A; Grgias 519 C;Hpias Maior282 B-E;Laqus 186 C; Crtilo 384 B, 391 B-C.

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    poderes constitudos. Ora estes que detm a fora" (339 A).

    A definio de justia dada por Trasmaco eivada de

    pessimismo, aplicando como princpio geral que ningumprocura o til para os outros, mas sim a si prprio101 . Por isso,os governantes que tm o poder maior, de fazer a lei e punirquem no as cumpra, submetem os sditos sua vontade eutilidade. Trasmaco afirma o direito de natureza, "do maisforte", sobre as convenes sociais102, ou seja, a diferenaentre os fracos e subjugados e os fortes e dominadores no

    positiva, mas natural.

    O seu princpio, a justia como convenincia do maisforte, tem, portanto, uma fundamentao natural: justo que omais forte governe em benefcio prprio e justo que o maisfraco se deixe governar em seu prejuzo. Rebelar-se contraesta lei que tem fundamento natural injustia, e

    conseqentemente, merece punio103

    . Em outras palavras, a101. SCIACCA, M. F., La giustizia e l'idea del bene, op. cit., p.310nota 23.102. Esta contraposio entre natureza, ou direito natural e convenoou direito positivo o centro do pensamento tambm de Hpias,conforme UNTERSTEINER, M., I sofisti, op. cit., pp.337-344.Clicles, no Grgias, desenvolve esta questo diferentemente de

    Trasmaco: para ele a lei instrumento dos mais fracos como proteocontra os mais fortes. MARTINEZ, T. C., De los sofistas a Platon:politica y pensamiento, Madrid 1986, p.83, afirma que Trasmaco, emsua exposio, no recorre explicitamente contraposio entre nomose physis, o que ser feito somente por Glaucon quando diz retomar seuargumento.103. No se pode dizer se esta teoria especificamente de Trasmacoou da sofstica em geral. Em todo caso, que seja justo que o mais forte

    domine sobre o mais fraco era opinio corrente, como atesta Tucdides,segundo LEVI, A., Storia della sofistica, Napoli 1966, p.10. POPPER,K. R., La societ aperta e i suoi nemici, op. cit., p.105, atribui esta

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    justia para Trasmaco egocntrica, a satisfao dosprprios desejos, e aquele que consegue satisfazer seusdesejos por definio o mais forte104.

    Scrates faz um balano das afirmaes deTrasmaco, lembra que o termo "convenincia" era um dosquais Trasmaco havia feito restries (339 A). Sua definiotem, portanto, de inovador somente a especificao: "do maisforte" (339 A). Concordes em que a justia umaconvenincia, alguma coisa de til, deve-se analisar o "mais

    forte". Scrates o faz perguntando se os governantes sofalveis, ao que Trasmaco consente. Ora, se eles tambmerram, alguma vez formularo leis que no os beneficie, masque lhes cause prejuzos. A concluso evidente, como osmais fracos devero obedecer sempre, alguma vez ser justofazer o que no convm ao mais forte (339 D).

    definio de justia a Pndaro. Esta teoria pode ser apenas umaadequao de Trasmaco realidade de Atenas naquele momentohistrico, conforme SCIACCA, M. F.,La giustizia e l'idea del bene, op.cit., p.310, nota 23: "a teoria denuncia um vivo senso da realidadeefetiva e um forte pessimismo histrico. Trasmaco talvez fosseconvicto que a justia no o til do mais forte, mas constatava queassim acontece na sociedade e que intil opr-se ao 'fato': melhor

    aceitar o jogo e tirar todas as vantagens possveis. Para Scrates, aoinvs, tarefa do filsofo e do governante modificar o dado, instauraruma sociedade justa, ou ao menos de prop-la como ideal. A Trasmacofalta este otimismo..." De fato, quanto tese apresentada ser realmentede Trasmaco paira muita dvida, j que ela no se encontra entre osseus fragmentos, e pelo contrrio, um fragmento seu diz que a justia o maior dos bens humanos (DK, 85) o que leva a concluir com LEVI,A., Storia della sofistica, op. cit., p.20 nota 22, "se pode suspeitar que

    Plato no apresente o seu pensamento de modo exato".104. ROSEN, S., Introduzione alla Repubblica di Platone, op. cit., p.40, v nisto uma prefigurao da vontade de poder de Nietzsche.

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    E assim Scrates coloca-o em xeque: "ora, pois, Trasmaco, no ser foroso que resulte da a seguintesituao: que justo fazer o contrrio do que voc diz? Pois

    no h dvida que se prescreve aos mais fracos que faam oque prejudicial aos mais fortes" (339 E)105. Concluso quetem o assentimento da platia (340 A-B). Mas Trasmacodiscordando da concluso de Scrates precisa ainda mais suadefinio: quem erra no forte quando erra (340 C), como omdico no mdico quando se engana relativamente ao

    paciente, precisamente pelo fato de se enganar; ou hbil

    calculador aquele que erra os seus clculos, precisamente pelofato de errar. Conseqentemente, artfice, sbio ou governantealgum se engana enquanto estiver nesta condio. Assim, "ogovernante, na medida em que est no governo, no seengana; se no se engana, promulga a lei que melhor paraele e essa que deve ser cumprida pelos sditos" (340 E - 341A).

    Partindo do prprio argumento de Trasmaco,Scrates demonstra que toda arte procura o bem de outrem,no o prprio, exemplo paradigmtico a medicina: o mdico

    possui a cincia mdica para curar os enfermos, ou seja, "amedicina no procura a convenincia da medicina, mas docorpo" (342 C).

    A esse ponto Scrates pode concluir: nenhuma cinciaprocura ou prescreve o que vantajoso ao mais forte, mas simao mais fraco e ao que por ela governado. Portanto, "...nenhum chefe, em qualquer lugar de comando, na medida em

    105. SCIACCA, M. F., La giustizia e l'idea del bene, op. cit., p.312

    nota 24: "Scrates e Trasmaco so concordes acerca do absolutorespeito lei da parte dos sditos, diferem no definir qual lei seja justa emerea obedincia".

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    que chefe, examina ou prescreve o que vantajoso a elemesmo, mas o que o para seu subordinado, para o qualexerce a sua profisso, e tendo esse homem em ateno, e o

    que lhe vantajoso e conveniente, que diz o que diz e faztudo quanto faz" (342 E)106.

    A este ponto ficou claro que a definio de justiadada por Trasmaco havia se voltado ao contrrio107. J que doconfronto entre as duas possibilidades, ou o governante no sbio, erra e neste caso no faz o que lhe conveniente; ou

    sbio, no erra, e propriamente por isso no faz o que lheconvm, mas o conveniente aos outros (pois quem conhece o

    bem no pode fazer o mal), s resta a conseqncia de que ogovernante justo no faz apenas o que lhe conveniente, masaquilo que convm aos sditos, estes por sua vez, obedecendoas leis colaboram com o bem e o progresso da comunidade108.

    106.Idem, pp.313-314: "aqui a fora do raciocnio socrtico: se ogovernante como tal sbio, no pode fazer o til prprio porquecontraditrio. S quem no tem o conceito de justia, o ignorante, podeidentificar o justo com o prprio til". Tambm ROSEN, S.,

    Introduzione alla Repubblica di Platone, op. cit., p.38.107. Para ROSEN, S., Introduzione alla Repubblica di Platone, op.cit., p.39: "... a confutao de Trasmaco da parte de Scrates uminsucesso filosfico. De outra parte porm um sucesso retrico".

    Rosen (p.45) contesta a lgica de argumentao de Scrates, para eleclaro sofisma, j que no se pode confundir as tcnicas (como a dotimoneiro, do marinheiro, da equitao, etc.) com a justia: "O modelodas tecnai como tal no apto a pr luz sobre a poltica em geral esobre a justia em particular. Isto porque a techne politicamenteneutra, se pode fazer um uso bom ou ruim". VEGETTI, M., L'eticadegli antichi, Roma-Bari 1994, 3Ed., pp.112-113.108. Nos Memorveis de xenofonte, Scrates discutindo com Hpias

    sobre a justia afirma "que justo o que conforme a lei" (IV 4, 13);"Ento quem age segundo a lei justo, quem viola injusto" (IV 4, 14);e mais a frente, "e entre aqueles que governam os estados... que so

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    Trasmaco no se d por vencido e reage argumentao de Scrates, "maneira sofstica"109, contra a

    justia. Para ele quem exerce uma arte a exerce em funoprpria, e um bom exemplo o pastor, que zela e engorda asovelhas, no para o bem delas, mas para o seu prprio. Comoos pastores so os governantes. Afirma enfaticamente arespeito de Scrates:

    " to profundamente versado em questes de justo e

    justia, de injusto e injustia, que desconhece serema justia e o justo um bem alheio, que na realidade

    consiste na vantagem do mais forte e de quem

    governa, e que prprio de quem obedece e serve ter

    prejuzo; enquanto a injustia o contrrio, e quem

    manda nos verdadeiramente ingnuos e justos; e os

    sditos fazem o que vantajoso para o mais forte e,

    servindo-o, tornam-no feliz, a ele, mas de modoalgum a si mesmos. E assim, meu simplrio, basta

    reparar que o homem justo em toda a parte fica por

    baixo do injusto" (343 C-D).

    Seguindo seu tempestivo discurso Trasmaco enumerauma srie de situaes em que o injusto leva vantagem sobre

    o justo. o que a experincia de todo dia ensina. A maiorfelicidade pertence ao completamente injusto. Quem parcialmente injusto castigado, mas o perfeitamente injusto

    capazes de fazer com que os cidades obedeam s leis, estes so osmelhores, e que o estado no qual os cidades mais obedecem s leisvive no modo melhor em paz e em guerra..." (IV 4, 15); "ento eu,

    Hpias, declaro que a mesma coisa 'ser conforme s leis' e 'serjusto" (IV 4, 18).109. SCIACCA, M. F.,La giustizia e l'idea del bene, op. cit., p.314.

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    maximamente feliz110.

    De fato, esta forma de Trasmaco argumentar, embora

    trgica e eivada de pessimismo histrico, uma maneiraangustiada de pr o problema do mal, comum a muitos

    pensadores. "Os justos no o so por virtude, mas por medo:aqueles que criticam a injustia no a criticam por recearem

    pratic-la, mas por temerem sofr-la" (344 C). Aps estediscurso Trasmaco queria retirar-se, mas no lhe permitiram(344 D).

    Do discurso de Trasmaco surgir uma nova questo:que o injusto seja mais feliz que o justo. Principalmente a

    partir de 344 D flagrante a alternncia do discurso deTrasmaco, que passar a utilizar os termos justo e injusto emseu significado tradicional, ou seja, como a justa medida nasrelaes111. Scrates no o refuta no mesmo campo em que

    levantou a questo, em outras palavras, Scrates no elencauma srie de situaes demonstradas pela experincia em queo justo leva vantagem sobre o injusto. Ele continuar a lgicade seu argumento, penetrando no ponto central da questo:entre a justia e a injustia, qual a virtude e qual o vcio? Ou

    110. Esta tese defendida tambm por Plo, ainda que mais

    atenuadamente, no Grgias platnico (em especial: 471 A-D).111. Interessante que SCIACCA, M. F., La giustizia e l'idea del bene,op. cit., em seus comentrios no faz esta observao. ROSEN, S.,

    Introduzione alla Repubblica di Platone, op. cit., p.49.GIANNANTONI, G., Il primo dibro della Repubblica di Platone, op.cit., p.135 nota 38: "se Trasmaco fosse coerente deveria terargumentado: justo o que conveniente ao mais forte, forte no sentidomais completo o tirano, ento a justia perfeita o til ao tirano e em

    tal modo sustentar que a justia mais til que a injustia. Parasustentar o contrrio ele deve devolver aos termos justia e injustia osignificado tradicional".

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    seja, qual conforme a lei moral? Das premissas deTrasmaco no era possvel outra concluso: a injustia virtude e sabedoria e a justia vcio e ignorncia (348 E).

    Trasmaco obrigado pela lgica de seu raciocnio ainverter a ordem moral tradicional. Scrates no precisou demuitas intervenes para demonstrar que a verdade ocontrrio: "logo, o justo se revela como bom e sbio e oinjusto como ignorante e mau" (350 C). o xeque-mate quefaz Trasmaco corar. Mas Scrates ainda demonstra que o

    completamente injusto no existe, porque ao menos com seuscompanheiros de injustia dever ser justo, de outro modo, osinteiramente injustos seriam incapazes de atuarem juntos (352D).

    Portanto, o homem injusto no pode viver melhor queo justo e ser mais feliz. Ainda uma argumentao: cada rgo

    tem sua atividade, que pode desempenhar por uma virtudeque lhe prpria, assim, no se explica a atividade dos olhospelo vcio (que seria a cegueira). Tambm a alma tem suaatividade que desempenha por meio de uma virtude que lhe

    prpria: a justia a virtude da alma enquanto a injustia seuvcio112. "Logo, a alma justa e o homem justo vivero bem, eo injusto mal... Ento, o homem justo feliz e o injusto

    desgraado" (353 E - 354 A). Encerrando o discurso: "jamaisa injustia ser mais vantajosa que a justia, bem-aventurado Trasmaco" (354 A).

    Ao trmino da discusso (e encerrando o primeirolivro), Scrates conclui que se desviou do caminho e norespondeu a questo central: que a justia? (354 B-C). Mas

    112. SCIACCA, M. F., La giustizia e l'idea del bene, op. cit., p.320.Este argumento desenvolvido tambm no Crton 47 E - 48 A.

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    se no se sabe ainda o que seja a justia, sabe-se o que ela no: a justia no o restituir o que se devido; no o fazer

    bem aos amigos e mal aos inimigos, no a convenincia do

    mais forte; a vida do injusto no mais feliz que a do justo.

    Glauco, no convencido pelos argumentos nem deTrasmaco nem de Scrates (358 B), retoma a problemtica.Como habitualmente escuta pessoas defendendo idias comoas de Trasmaco, quer ouvir de Scrates um convincentediscurso em favor da justia. Prope-se metodologicamente

    retomar as opinies comuns e defender a injustia (358 D).Distingue os bens em trs categorias: primeiro, aquelesestimados em si mesmos (357 B); segundo, aqueles que sedeseja por si mesmos e por seus efeitos, como a vista, a sade(357 C); por fim, aqueles que no se deseja por si mesmosmas somente pelos seus efeitos, como a ginstica e otratamento das doenas (357 C).

    Embora para Scrates a justia seja um bem dasegunda espcie, ou seja, desejada em si mesma e pelas suasconseqncias (358 A), a maioria das pessoas so de opiniode que ela pertena terceira espcie, ou seja, "pertence espcie penosa, a que se pratica por causa das aparncias, emvista do salrio e da reputao, mas por si mesma se deve

    evitar, como sendo dificultosa" (358 A). Scrates deverapresentar argumentos convincentes de sua posio.

    Segundo Glauco, "dizem que cometer uma injustia por natureza um bem, e sofr-la, um mal, mas que ser vtimade injustia um mal maior do que o bem que h em comet-la" (358 E). Por isso, as pessoas, principalmente para no

    serem vtimas de injustia sem poder comet-la,estabeleceram as leis que regulam a vida social, designando

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    de legal e justo aquilo que conforme a lei e conveno. Essa "a gnese e essncia da justia, que se situa a meio caminhoentre o maior bem, no pagar a pena das injustias, e o maior

    mal, ser incapaz de se vingar de uma injustia" (359 A).

    Glauco apresenta uma idia nitidamente sofstica dajustia113. Ela apenas um pacto entre os homens por naturezadestinados a receberem injustias sem poder comet-las.Estabelecidas as leis, justo quem lhes obedece, injusto quemdesobedece. Assim, se justo por incapacidade de cometer

    injustia, logo, a justia no estimada por si mesma, mas necessariamente praticada pelos incapazes, vale dizer, pelosmais fracos (359 B). Ilustrao disso a histria de Gigescom o anel mgico (359 D - 360 B).

    Se dois homens, um tido por justo e outro por injusto,tivessem a mesma oportunidade, os dois seriam injustos.

    Conclui-se "que ningum justo por sua vontade, masconstrangido, por entender que a justia no um bem parasi, individualmente, uma vez que, quando cada um julgar quelhe possvel cometer injustias, comete-as. Efetivamente,todos os homens acreditam que lhes muito mais vantajosa,individualmente, a injustia do que a justia" (360 C-D).

    Glauco ainda retoma numa srie de exemplos a tese japresentada por Trasmaco de que a vida daquele que perfeitamente injusto (a perfeita injustia segundo Glauco ser injusto e parecer justo) muito mais feliz da que a do

    justo, que no se importa com a aparncia, mas com arealidade (360 C - 362 C).

    Terminada a argumentao de Glauco, Adimanto, seu113. Idem, p.323.

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    irmo, a refora (362 D). No processo educacional se ensina ajustia, no como um bem em si mesmo, mas pelas vantagensque trs, ou seja, aquele que aparenta ser justo feliz: "os pais

    apregoam e recomendam aos filhos, bem como todos aquelesque tm algum a seu cargo, a necessidade de ser justo, semelogiarem a coisa em si, a justia, mas o bom nome que delaadvm, a fim de que aquele que parece ser justo receba destafama magistraturas, desposrios e quantas outras vantagens...e que o justo tem, devido sua reputao" (363 A).

    Retomando os dizeres de leigos e poetas, profetas dadivindade (366 B), demonstra que o injusto no tem nemmesmo que se preocupar com uma vida no alm, ps-morte,

    j que com o fruto de suas injustias poder oferecersacrifcios aos deuses e ainda granjear, alm do perdo, outrasvantagens:

    "efetivamente, se formos justos, s estaremos livresde castigo por parte dos deuses, mas afastaramos

    assim os lucros provenientes da injustia. Ao passo

    que, na qualidade de homens injustos, no s

    teremos lucros como tambm, se houvermos feito

    transgresses e cometido faltas, por meio das nossas

    preces os persuadiremos a deixarem-nos escapar

    inclumes"(366 A).

    Scrates lembra a dificuldade da empresa - respondera todos os detratores da justia - mas no pode deixar de faz-lo, o que seria "impiedade" (368 B). Para tanto estabeleceuma analogia, analis-la primeiro numa macro-estrutura(estado) e com isso iluminar a microestrutura (indivduo):

    "entendo que devemos c