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“A inteireza do espírito começa por se caracterizar no escrúpulo da linguagem. Medindo e pesando uma a uma as expressões da lei, outra coisa não faz o legislador que lhe pesar e medir o pensamento. Quando este zelo da perfeição da frase não se conciliar com “a educação intelectual” daquele, a quem se cometeu o encargo de redigir um grande código, é que essa educação, realmente defeituosa, o deixou sem uma das qualidades mais necessárias 1

A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

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A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS. - PowerPoint PPT Presentation

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Page 1: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

“A inteireza do espírito começa por se caracterizar

no escrúpulo da linguagem. Medindo e pesando

uma a uma as expressões da lei, outra coisa não

faz o legislador que lhe pesar e medir o

pensamento. Quando este zelo da perfeição da

frase não se conciliar com “a educação

intelectual” daquele, a quem se cometeu o

encargo de redigir um grande código, é que essa

educação, realmente defeituosa, o deixou sem

uma das qualidades mais necessárias ao

desempenho de tão grande missão”.

(Rui Barbosa, Réplica, 426)

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Page 2: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

1. Pontuação

2. Eufonia: eco

3. Léxico: uso apropriado de palavras

4. Léxico: emprego de palavra supérflua

5. Pleonasmos inúteis

6. Má-formação de palavras derivadas

7. Galicismos

8. Ordem de palavras

9. Emprego de tempos e modos

10. Emprego do infinitivo flexionado e não flexionado

11. Regência

12. Emprego da preposição

13. Emprego de a e à. A Crase 2

Page 3: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 117. (pág. 84). – Proj. : Não se considera condição a cláusula que não deriva, exclusivamente, da vontade dos agentes (...).

Rui: Raro me ocuparei, nestas notas, com a pontuação,

que, em muitos pontos, deve ser emendada, não tanto

por capricho do ortógrafo, como pelo dever, que o

legislador incumbe, de evitar equívocos e dúvidas quanto

ao pensamento dos textos. Mas, neste passo, análogas a

muitos outros do Projeto, me parece curiosidade, a

dessas duas vírgulas flanqueando o advérbio

exclusivamente. Haverá nesse apuro de ortografia

alguma intenção especial? Obedecerá ele a alguma regra

misteriosa de gramática, ou a alguma sutil exigência de

redação? Eliminados esses dois sinais, teria ela uma

clareza, ou expressão diversa? Casos há, em que se

justifique o uso amiudado no Projeto, de guardar entre

duas vírgulas o advérbio. Mas em trechos como este me

parece requinte inexplicável, senão manifesto desacerto.

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Page 4: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 433 (pág. 212). – Proj.: Os valores que existirem no cofre dos órgãos não poderão ser retirados, a não ser por ordem do juiz, e, somente:Rui: A conjunção não sai aqui entre vírgulas por descuido meu. Estava assim no projeto dos vinte e um, e assim veio no da Câmara dos Deputados.

Redação de Rui: (...) os que existirem no cofre de órgãos, não se poderão retirar, senão mediante ordem do juiz , e somente.

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Art. 175. (pág. 97-98). – Proj.: Não importa interrupção da prescrição a citação nula por vício de forma, por circundução ou por perempção da instância ou da ação.

Rui: Enfiada de cinco ãos em duas linhas. Que desapuro na redação de uma lei destinada a transpor gerações?

Art. 196. (pág. 126). – Proj.: O instrumento do consentimento do casamento deverá ser integralmente transcrito na escritura antenupcial.

Rui: Para evitar o tríplice eco, bastaria substituir consentimento por autorização, que é a palavra usada no artigo 184, n. III.

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Page 6: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 281. (pág. 161). – Proj.: O dote não pode ser aumentado pelos cônjuges, depois do casamento.

Rui: A noção de cônjuges pressupõe casamento já efetuado. Antes dele há esposos, há nubentes, mas não cônjuges. Temos aqui, portanto, uma redundância no dizer: pelos cônjuges, depois do casamento.

Art. 467. (pág. 222). – Proj.: Na falta de cônjuges, a curadoria dos bens do ausente pertencerá ao pai, à mãe, aos descendentes, na ordem em que se acham mencionados, não havendo empecilho que os prove de aceitar esse encargo.

Rui: Que os prive. Não cabe aqui o privar. Privar é desapossar de uma propriedade, um bem ou uma vantagem, nunca de um trabalho, um sacrifício, ou um ônus. Nestes casos é eximir, forrar, ou escusar o verbo apropriado. [Rui usou inibir no substitutivo] 6

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Art. 137. (pág. 88). – Proj.: Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de alguma peça judicial (...).

Rui: De alguma, não. Alguma não quer dizer toda, qualquer; e qualquer, toda é o que o texto quer dizer.

Art. 634. (pág. 272). – Proj.: O condômino pode fazer a sua posse contra os outros, como qualquer outro possuidor.

Rui: “Contra os outros” - Diga-se: “contra outrem”. Aliás parecerá que só se refere aos outros condôminos.

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Art. 1.455. (pág. 482). – Proj.: Sob a mesma pena, deverá o segurado comunicar ao segurador algum incidente que possa de qualquer modo aumentar o risco.

Rui: “Algum incidente”. Algum, não; todo incidente, o que vem a ser coisa bem diversa.

Art. 391. (pág. 190). – Proj.: São direitos do progenitor sobre a pessoa dos filhos menores (...).

Rui: Do progenitor. Empregado, como aqui na acepção de pai, o vocábulo não tem a precisão exigível na linguagem de um código civil.

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Art. 214. (pág. 133). – Parágrafo único - Proj.: Em tal caso, o juiz poderá ordenar a separação de corpos, até que os nubentes atinjam a idade legal.

Rui: “Nubentes” aqui, está errado. Nubente é a pessoa que vai casar. Logo, se na hipótese, já casaram as partes, não há nubentes: são cônjuges, ou casados.

Art. 320. (pág. 175). – Proj.: No desquite litigioso, sendo a mulher inocente e pobre, o marido é obrigado a prestar-lhe a pensão alimentícia, fixada pelo juiz.

Rui: Já não é litigioso o desquite, desde que foi julgado e decidido por sentença. Diga-se, pois, aqui, desquite judicial. [E também art.. 326, pág. 177]

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Art. 248. IV – Parágrafo único (pág. 147). – Proj.: (...) ainda que a doação se disfarce em venda ou outro contrato.

Rui: Os termos jurídicos são dissimular, simular.

Art. 14, III (pág. 46). – Proj.: Cada um dos municípios constitucionalmente organizados no território brasileiro.

Rui: “Constitucionalmente” abrange menos que “legalmente”, porquanto a constituição não compreende as leis, ao passo que as leis não serão leis, se não forem constitucionais.Carneiro, II, pág. 829: Se “Constitucionalmente” abrange menos que “legalmente”, como afirmara depois que as leis não serão leis, se não forem constitucionais?. Qual dos dois, tratando-se de um código civil, se reputa mais extenso o termo constituição ou o termo leis?.

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Apostila E. Bechara: O comentário de Rui é válido. Só lhe falta trabalhar com o bom emprego do artigo definido: a constituição não abrange todas as leis, missão do código, leis que infringirem preceitos a constituição, não serão leis, por inconstitucionais.

Art. 14. (pág. 46 ). – Proj.: São pessoas jurídicas de direito público interno: I – A federação dos Estados do Brasil.II – Cada um dos Estados componentes da federação brasileira e o Distrito Federal.Rui: “Federação dos Estados do Brasil” e “federação brasileira” são expressões usual e didaticamente certas. Mas a linguagem legislativa, no tocante às entidades de direito constitucional, há de obedecer à nomenclatura que a constituição lhes impôs. Ora, esta não conhece aquelas duas locuções, em vez das quais as que emprega são: os Estados Unidos do Brasil, o Governo Federal e a União.

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Art. 98. (pág. 78). – Proj.: A coação, para viciar a vontade, deve ser tal, que inspire ao paciente receio fundado de dano inconsciente à sua pessoa, à família ou aos seus bens (...).

Rui 1: À família. Por que omitiu antes de família o possessivo anteposto a pessoa e a bens?

Rui 2: “Viciar a vontade” . O que a coação vicia (...) não é a vontade, mas a sua manifestação. O coato não deixa de querer o que queria; mas aparenta querer o que não quer.

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Page 13: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 183, IX (pág. 114). – Proj.: As pessoas que, por qualquer motivo, se acharem coactas, e não forem capazes de dar o seu consentimento, ou não puderem manifestá-lo de modo inequívoco. Rui : O seu consentimento. Não podia ser o alheio. Logo, o possessivo em bom português, é supérfluo. Depois, dar o seu consentimento são quatro vocábulos que se substituem vantajosamente por um : consentir.

Art. 183, XII (pág. 116). – Proj.: As mulheres menores de dezesseis anos e os homens menores de dezoito.

Rui : Basta dizer, como no art. 218: “as menores” e “os menores”.

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Art. 495. (pág. 229). – Proj.: A posse passa com os mesmos caracteres e qualidades aos herdeiros e legatários do possuidor.Rui : “caracteres e qualidades”. - Vocábulos, na espécie, equivalentes. Para que a redundância?

Art. 308. (pág.169). – Proj.: (...) salvo o direito que assiste aos credores de se oporem à separação, quando esta for fraudulenta.Rui : Para que esse for esta? Riscado ele, teremos, sem trambolho, a frase natural e elegante: “à separação, quando fraudulenta”.

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Art. 1.181, parágrafo único (pág. 406). – Proj.: A doação onerada com encargo poderá ser revogada por inexecução dela, desde que o donatário estiver em mora.

Rui : “A doação onerada com encargo”. – Como há de ser onerada, senão com encargo? Em vez desta locução pleonástica, digamos simplesmente a doação onerosa, ou onerada.

Art. 109, III (pág. 96). – Proj.: Contra os que se acharem servindo (...), em tempo de guerra e enquanto esta durar. Rui : Perissologia absolutamente errada. Desde que se está “em tempo de guerra”, é porque “esta dura”, e só “enquanto esta dura” é que se está “em tempo de guerra”.

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Art. 94 (pág. 78). – Proj .: Nos atos bilaterais o silêncio proposital (...).Rui : “Proposital”. – Diga-se intencional, voluntário, deliberado.

Art. 43 (pág. 62). – Proj.: Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver propositalmente (...).

Rui: Propositalmente não é português. As regras de analogia não autorizam a formação de semelhante neologismo (...). Assim como de “a propósito” só pode fazer apropositado e apropositadamente, também de “propósito” o uso vernáculo só adjetivou propositado e adverbiou propositadamente. São as expressões consagradas nos autores e nos vocabulários. Como, pois, legitimar proposital e propositalmente? De outro lado, para que essas duas palavras, tão contestáveis, quando temos, com o mesmo sentido e quase a mesma forma, propositado e propositadamente?

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Art. 914 (pág. 347). – Proj.: No caso de rateio entre os devedores da parte da obrigação, que competia ao insolvável (...).Rui: "Insolvável” . Galicismo. Em português, insolvente, ou insolúvel, conforme se trate do credor, ou da obrigação.

Art. 420 (pág.204). – Proj.: O juiz responde subsidiariamente pelos prejuízos causados ao menor, em consequência da insolvabilidade do tutor (...).

Rui: Insolvabilidade (é) francesia, que se traduz no português insolvência.

Carneiro, I, 45: Embora de uso muito comum no comércio e já apontado nos dicionários (...), o vocábulo insolvabilidade deverá ser substituído pela palavra insolvência. Do mesmo modo, no lugar em que se lê o adjetivo insolvável, deverá ser substituído pelo adjetivo insolvente.

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Art. 219 (pág. 134). – Proj.: O que afeta as qualidades pessoais do outro cônjuge, a sua honorabilidade (...).

Rui 1: “Afeta”. Afetar, em português, significa simular, fingir, ostentar falsa ou esmerar-se ridiculamente. Também lhe deram os nossos clássicos a acepção de apetecer, desejar, querer (...). Mas no sentido em que aqui o aventura o Projeto é puro galicismo. Diz-se vernaculamente: o erro que toca às qualidades essenciais, que as interessa, que lhes respeita, ou diz respeito, que a elas se refere, que lhes é tocante, concernente, relativo, etc.Rui 2: “Honorabilidade” – Vocábulo de procedência meramente francesa (...). Redação de Rui: O que diz respeito às qualidades pessoais do outro cônjuge, sua honra e boa fama (...).

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Art. 658 (pág. 281). – Proj.: O direito autoral sobre composições musicais compreende a faculdade de fazer as combinações e variações sobre motivos da obra original, as quais passarão a pertencer a seu autor, com as mesmas garantias do direito do autor da obra original, quando feitas com o consentimento do autor dos motivos.Rui: O particípio “feitas” concorda, na intenção do redator, com “as combinações e variações dos motivos”. Mas a ordem gramatical o subordina a “garantias”, balburdiando inteiramente o texto. Entretanto, para evitar a extravagância desse resultado, bastava remover para depois do relativo as quais a oração terminal: “quando feitas com o consentimento do autor dos motivos”.

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Art. 1.284 (pág. 435). – Proj.: A esses depósitos é equiparado os das bagagens dos viajantes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casas de pensão, onde estiverem seus donos.Rui : Com esta ordem gramatical, seus donos indicará os donos das hospedarias, estalagens ou casas de pensão, quando o que se cogita em designar são os donos das bagagens. Correção: (...) onde eles estiverem.Art. 241 (pág. 145). – Proj.: Se o regime dos bens não for o da comunhão universal, a mulher será obrigada a indenizar as despesas que o marido tiver feito com a defesa dos seus bens próprios e os direitos privados.Rui : De quem são os bens próprios e os direitos privados? Da mulher. Entretanto, pela ordem gramatical aqui observada, o possessivo seu indica os direitos e os bens do marido. Cumpre alterar a construção para acordar o texto com o pensamento. Rui propõe: “(...) o marido recobrará da mulher as despesas que com defesa dos bens e direitos particulares desta houver feito”.

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Art. 416. (pág. 203). – Proj.: Se a causa da escusa ocorrer depois de aceita a tutela, os dez dias serão contados da data em que ela se der.

Rui : “Ela”. - A que se refere este pronome pessoal? Temos causa, escusa e tutela. Pela regra da proximidade a referência havia de ser ao último destes nomes femininos. E, contudo, é a causa, ao mais remoto, que o pronome feminino se liga. Será deste modo que se há de observar, na redação das leis, o preceito de clareza? Redação do Rui: “Se o motivo (...) da data em que ele se der”.

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Art. 155 (pág. 93). – Proj.: O menor entre quatorze e vinte e um anos não pode invocar a sua idade para eximir-se de uma obrigação, se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte (...).Rui : “se dolosamente a ocultou”. - Quis o texto dizer: se ocultou a idade. Mas, segundo a ordem gramatical das palavras , o que disse é: se ocultou a obrigação. Frutos inevitáveis da pressa”.

Carneiro, II, pág. 840: Que ordem gramatical é essa que, tendo em mesquinho e pouco preço o sentido, força o pronome a referir-se ao vocábulo obrigação de preferência a palavra idade, a que liga claramente o pensamento do contexto? Só pelo fato de haver na frase um substantivo feminino mais próximo da variação pronominal a, será esta, de força, associada àquele, por mais que a isso se oponha terminantemente o sentido da frase? 22

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Art. 183, X (pág. 115). – Proj.: O raptor com a raptada, enquanto esta não estiver em lugar seguro e fora do poder dele.Rui : “Do poder dele”. - Dele refere-se a lugar.

Carneiro, II, pág. 845: Dele, quer considerado à luz da gramática, quer em relação ao que se intenta indicar, não pode referir-se senão a raptor (...). Demais, como entender a gramática, obstruindo o pensamento, do sentido e da lógica? Como se compreenderiam certas construções gramaticais, se por elas não se irradiasse a luz da lógica, esclarecendo o sentido?

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Art. 308 (pág. 169). – Proj.: A separação do dote pode ser judicialmente requerida pela mulher, quando a desordem nos negócios do marido fizer recear que os bens deste não bastam para garantir os seus (...).Rui: “Recear que não bastam” é erro gramatical . Emende-se: “recear que não bastem”. O verbo recear, nesta frase, leva o seu subordinado ao conjuntivo.

Art. 473 (pág. 224). – Proj.: Os herdeiros imitidos na posse dos bens do ausente devem garantir a restituição com penhores ou hipoteca (...).Rui: “Devem”. - É a expressão preferida neste artigo, e nos subsequentes, à forma imperativa. Por que não dizer, no art.. 478, ordenará, no art.. 479, garantirá, no art. 480, serão confiados, no art. 483, capitalização? É o estilo próprio da lei, que não aconselha, não enuncia deveres morais: impõe , e manda. 24

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Ponderação de Carneiro: O Cód. Civil Português não escrupulizou em empregar de maneira análoga o mesmo verbo dever em vários artigos ligando-lhe um sentido imperativo (...). Não é o futuro a forma única pela qual se traduz em nossa língua essa ideia de ordem, mando ou império; tradu-la o imperativo, pode indicá-la o indicativo, o subjuntivo e até, bem que mais recentemente, o infinitivo.

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Page 26: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 140 (pág. 89). – Proj.: Os escritos de obrigações que forem redigidos em língua estrangeira, para produzirem efeitos legais, deverão ser traduzidos no idioma nacional.

Rui: “Que forem, para produzirem”. - parece que não cabe, em boa gramática, o infinitivo pessoal, produzirem, desde que o seu sujeito é o mesmo do verbo no modo finito”.

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Art. 471, § 1º (pág. 223). – Proj.: Findo o prazo a que se refere o art. 475, e na falta absoluta de interessados à sucessão provisória (...).Rui: “Interessados à sucessão”. No art. 372, tivemos “interessados para”. Aqui se nos oferece “interessados à”. Num e outro caso se diria em vulgar “interessado na”.

Art. 442, II (pág. 214). – Proj.: Para incidir sob o pátrio poder (...).

Rui: Outra vez incidir sob, incidir debaixo, quando incidir é cair sobre alguma coisa. Não invertamos ao vocabulário as posições.

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Page 28: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 161 (pág. 95). – Proj.: Quando tácita [a renúncia] presume-se soma qualquer fato do interessado que seja incompatível com a prescrição.

Rui: Não se presume com o fato: presume-se do fato. A presunção é a ilação que dele se tira.

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Page 29: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Art. 164 (pág. 95). – Proj.: Fixa salvo às pessoas legalmente privadas à administração dos seus bens o direito regressivo contra os seus representantes legais, quando a prescrição for devida à negligência ou dolo destes.Rui: “A negligência”. - Aqui não há mister de crase.

Art. 426, IV (pág. 208). – Proj.: Alienar os objetos destinados à venda.

Rui: Não cabe, neste passo, o sinal de crase, desde que se não alude a certa e determinada venda, mas a venda indeterminadamente. Se, em vez de vender, fosse alugar, dir-se-ia “destinados ao aluguel”? O a, em a venda, aqui, é como se estivesse: “destinados a vender-se”.

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Page 30: A LÍNGUA PORTUGUESA NA REDAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

Evanildo Bechara, nascido no Recife em 1928, é professor

titular e emérito da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal Fluminense

(UFF), atua nos cursos de pós-graduação e de

aperfeiçoamento para professores universitários e de

ensino médio e fundamental. É membro da Academia

Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia,

sócio-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa,

Doutor honoris causa da Universidade de Coimbra, e

representante da Academia Brasileira de Letras para a

adoção do novo Acordo Ortográfico.

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