“A Linguagem dos Pássaros” (Mantiq-at-Tayr) e a mística do

8/3/2019 A Linguagem dos Pssaros (Mantiq-at-Tayr) e a mstica do

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- Revista dos Alunos do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio - UFJFA Linguagem dos Pssaros (Mantiq-at-Tayr) e a mstica do

Isl

The Conference of Birds (Mantiq-at-Tayr) and the mystical ofIslam

Dilaci S. Faria1

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Resumo

A busca que o ser humano faz do divino tema central das mais diversas

religies. Os religiosos procuram encontrar Deus de vrias formas. Algumas pessoas

praticam a religio de maneira ortodoxa, outras buscam na simplicidade das aescotidianas a forma de reverenciar e encontrar o Criador. H ainda os que usam da

linguagem escrita, prosa ou verso, de forma alegrica para compreender o sagrado. O

livro, traduzido como A Linguagem dos Pssaros ou A Conferncia dos Pssaros,

encontra-se nesse grupo. Esta obra, escrita no sculo XII pelo mstico muulmano persa

Faridud-Din Attar prova da sensibilidade, da perseverana, da delicadeza e das

dificuldades que o ser humano enfrenta para obter sua aproximao com Deus, que s

vezes lhe parece to perto e outras vezes to distante.

Palavras-chave: Sufismo; Corao; Alegoria.

Abstract

The search for God is a central theme of most religions. Religious devotes try

to find God in many ways. Some by practicing religion in an orthodox way; other by

pursuing the simplicity of daily actions as a form of to reverence God face-to-face.

Other, still, by resorting to allegoric language, in prose or verse, to realize the sacred.

The Attars Conference of Birds belongs to the latter group. This book, written in 12th

centurys Persia, is the testimony of the complexities, perseverance, delicacy and the

difficulties that men have to go through to get near God.

Key words: Sufism; Heart; Allegory.

1

Mestranda vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Religio pela Universidade Federalde Juiz de Fora.


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- Revista dos Alunos do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio - UFJF

Sacrilegens,Juiz de Fora,v.7, n.1, p.102-114,2010- D. Faria- http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2011/02/7-9.pdf 103

IntroduoDeus est mais prximo de ns do que nossa veia jugular

(Coro, 50:16)2

A Linguagem dos Pssaros, Mantiq-at-Tayr ou A Conferncia dosPssaros grande poema mstico escrito na Prsia do sculo XII por Faridud-Din Attar,

introduzido na Europa em 1863 pela traduo francesa de Garcin De Tassy, uma

narrativa alegrica que apresenta a essncia do pensamento sufi.

Trata-se de uma das maiores e mais importantes obras da literatura muulmana

e tambm da literatura mundial, acolhida por importantes escritores europeus como

Cervantes, Chaucer, Milton, Dante, e tambm pelo argentino Jorge Luis Borges e pelo

mexicano Octavio Paz.

O remoto rei dos pssaros, o Simurg, deixa cair no centro da China uma plumaesplndida. Cansados de sua anarquia, eles vo em busca de seu rei. Sabem que suafortaleza est no Kf, a montanha circular que rodeia a Terra. Empreendem a quaseinfinita aventura; superam sete vales, ou mares; o nome do penltimo Vertigem; oltimo se chama Aniquilao. Muitos peregrinos desertam; outros perecem. Trinta,purificados pelos trabalhos, chegam montanha do Simurg. Enfim o contemplam(Borges, s/d.).

Attar, que significa perfume, odor de rosas, tido como um dos trs maiores

poetas msticos persas de todos os tempos, juntamente com Sanai e Djalal Ud-Din

Rumi. Alm do seu Diwan (coletnea de versados religiosos) foi autor de diversos

Masnavi (esquema de dsticos com rima, adotados em poemas picos, alegricos ou

msticos) e de uma hagiografia, ou Memorial dos Santos, a Tadhkriatal-Awita.

A narrativa descreve de maneira metafrica as etapas percorridas pelos

pssaros-homens para atingir um estado desconhecido da conscincia humana, e por

isso colocado alm da barreira de palavras e da mente. A esse estado ele nomeia de

Simurgh, que pode ser encontrado quando se pratica determinadas aes que levam o

homem ao despojamento de iluses, dos falsos e mundanos ideais.

A proximidade de Allah com o homem um marco na crena do Isl, palavra

que significa entrega, submisso a Deus. Na citao inicial: Deus est mais

prximo de ns do que nossa veia jugular pode-se perceber a intensidade dessa

percepo e sentimento.

2

O Coro dividido em captulos, denominados suras ou suratas, que so compostos de versculos. Aindicao 50 significa o nmero da sura e em seguida aos dois pontos o nmero do versculo, 50:16.


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O Coro no um tratado teolgico, mas um livro sagrado que prope

preceitos marcados pelo aspecto prtico e tico. A comunidade muulmana mais

preocupada com a moral do que com as questes teolgicas.

Os professantes da religio de Mohammad (Maom) da pennsula Ibrica

fizeram especulaes em face de outra perspectiva de percepo do sagrado, fato que

fascinou os intelectuais e artistas muulmanos incitando-os para a produo de um tipo

de expresso de sentimento religioso que os tornaram conhecidos mundialmente.

Nasceu um grupo que se tornou interprete dos ensinamentos cornicos, das palavras de

seu lder, com uma conotao diversa, ligada ao sentimento, interiorizao reflexiva

(esotrico) diferente do conhecido at ento ligado ortodoxia do texto sagrado

(exotrico). A proposta desses devotos foi o que passou a ser conhecido comopensamento sufi.

Em razo da riqueza dos ensinamentos e da extenso do texto de Attar o que

me foi possvel apresentar neste simples artigo uma plida descrio e singelos

comentrios sobre os ensinamentos que o autor, de forma to rica, oferece queles que

se interessam em tomar conhecimento da proposta que A Linguagem dos Pssaros

oferece. Com este objetivo agrupei os assuntos em cinco tpicos de modo a possibilitar

ao leitor uma rpida percepo do sufismo e da obra.

O Sufismo

O termo sufi procede de suf, l, ou hbito de l usado pelos religiosos

ascetas. Os praticantes do sufismo, os sufis, entendem que impossvel chegar a Deus

somente pela inteligncia, pela razo, pela vontade. Para o sufismo, a intuio mais

importante que a racionalidade, e dogma sempre a racionalizao do que se teme ou se

deseja.O sufismo no adota nada como sagrado, nem dogmas, nem smbolos, nem

cones, nem templos, e absolutamente flexvel, adequando-se ao momento, ao

presente. O ensinamento sufi concentra-se na essncia, o que importa, sempre, a

interioridade.

Esse importantssimo ramo da tradio esotrica foi mantido notadamente no

mdio Oriente. A palavra esotrica possui precisamente a acepo do termo grego


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esoteriks, interior, e est relacionada busca espiritual do homem, procura do

autoconhecimento como caminho para atingir a verdade suprema.

Uma das enunciaes do sufismo se ancora na shari'ah, religio positiva e a na

hagiqah, a ideia. A religio positiva o aspecto exotrico, o smbolo. A ideia, por sua

vez, o aspecto esotrico de religio positiva, o simbolizado. O exotrico est em

perptua flutuao como as ondas do mar, criando formas efmeras de acordo com as

pocas e naes do mundo. J o esotrico uma energia divina, o fundo imutvel dos

oceanos, que no est submetido transformao, ao devir. Por tanto, a religio no

pode assumir um carter dogmtico. Para se chegar at ela so necessrios iniciadores: a

tariqa, ou o mtodo para integrar os dois elementos componentes, a religio

exteriorizada e o Esprito essencial da espiritualidade divina.Ali Shahem em Princpios Gerais do Sufismo reafirma que a essncia do

conhecimento inicitico, no sufismo como em outras doutrinas esotricas, tem como

denominador comum a busca da verdade atravs de uma combinao de teoria e

prtica, reforando a ideia da necessidade de o buscador sufi ter um mestre, um guia

espiritual. O autor coloca ainda que atualmente existem quatro estgios pelos quais o

buscador sufi deve passar em seu caminho para a perfeio e unio com a Essncia

Divina. O primeiro, Nasut, ou Humanidade, tem como principal caracterstica o fielcumprimento pelo nefito das leis e cerimnias islmicas. O segundo, o mtodo,

Tariqa, ou Capacidade, d ao buscador a condio de iniciado; ele deixa de ser um

nefito no caminho espiritual e se torna um sufi. O terceiro, Araff indica que os olhos

do buscador foram abertos e ele est de posse de conhecimento sobrenatural e interior.

E o estgio final, Haqiqah, o da Verdade/Realidade, perfeita, plena e suprema

unio da alma com a Divindade.

O mestre sufi deve ser entendido como algum que j trilhou o caminho doautoconhecimento e chegou a um nvel de conscincia maior, e por isso um ser mais

integral. As prticas do sufismo podem se desenvolver para alm do ensinamento oral,

ou seja, por meio de atividades especificas que passam pelos exerccios respiratrios e

pela dana. Atividades que apenas um mestre, empregando tcnicas e mtodos prprios

tm condies de prescrever ao discpulo.

Alm disso, como afirma Faustino Teixeira, na palestra As partes e o todo: o

apelo da mstica Isl em palestra na X Semana de Filosofia da UFSJ, o caminho da


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mstica sufi a lgica do corao e citou Muhammad Katami, ex- presidente do Ir,

para a compreenso das peculiaridades do pensamento islmico, com vivos reflexos na

tradio sufi, que est aberta para a complexidade do real:

nossos grandes pensadores, embora cientes da indispensabilidade da razo, sabiamque ela, sozinha, no poderia desvelar toda a realidade. Nossas tradies religiosaspregam que, no final das contas a f no corao, e no no intelecto, que apreende arealidade em sua totalidade (Kahatami, 2006, p. 61).

A maneira pela qual a tradio sufi acessou o real divino foi atravs do corao

que como um espelho que reflete a luz da divina Realidade. No dizer de Henri Corban

para o sufismo o corao (qalb) tido como rgo sutil da percepo mstica, capaz

de projetar a cada instante a presena diversificada das teofanias (Corban, 2001, p. 35).

O sufismo afirma o mistrio da unidade da existncia, mantendo viva a

conscincia da relatividade das coisas, o que no o identifica com o pantesmo, como

apontou Frithjof Schuon, pois o pantesmo prope uma concepo que pressupe uma

continuidade entre o Infinito e o finito, entre o Princpio Ontolgico e a ordem

manifesta. O sufismo no concede s coisas, em hiptese alguma, uma atribuio de

autonomia com respeito ao Ser ou ao Real (Schuon, 1991, p. 51-52).

A invocao Deus o Maior (Allahu Akbar), expresso to repetida pelos

muulmanos sufis prova dessa percepo, que um vis de grandeza encontrado em

toda religio monotesta. Os ensinamentos cornicos exaltam a grandeza de Deus e Sua

proximidade com o ser humano. A plenitude de Deus sempre realada no texto

sagrado muulmano, como possvel observar na sura 112, com apenas quatro

versculos, que retrata a crena na grandiosidade e plenitude de Deus.

Dize: Ele Allah, nico.Allah o Solicitado.No gerou e no foi gerado.E no h ningum igual a Ele.(Coro, 50:16)

A proposta de Attar

A Linguagem dos Pssaros um colquio de aves atravs do qual o autor

conta a histria de um bando de pssaros que resolve empreender uma viagem em busca

de um chefe, de um deus, de um sentido para a vida. Esse grupo se rene em assembleia

e ouve falar no Simurg, pssaro formidvel, que foi eleito para ser seu Rei.


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Attar, com alto carter simblico, em fala ritmada, conduz o leitor a uma

peregrinao pelo cotidiano da Prsia do sculo XII, atravs de uma comitiva que

conseguiu reunir, todos os pssaros do mundo para juntos se aproximarem de Simurg,

o rei dos pssaros. Para fazerem esse percurso foi eleita como guia, como mensageiro

divino, a poupa (folhaonline, 29/05/2008), ave tpica da regio. A Linguagem dos

Pssaros apresenta de forma inteligente e instigadora, entremeadas com a narrativa

principal, parbolas, histrias da tradio muulmana como de Layla e Majnum (casal

persa de namorados), das mariposas, de prncipes e mendigos, de dervixes, de sheihks e

profetas. Essas histrias cadenciam o ritmo das aventuras dos pssaros, conduzidos pela

poupa, de modo a dar uma pausa ao leitor para assimilar os ensinamentos desses

viajantes.A busca da compreenso do mistrio da presena de Deus, que sempre maior

do que qualquer ser humano possa imaginar, uma das caractersticas de todo texto que

procura levar os iniciados a um entendimento verdadeiro de Sua grandeza por meio do

encontro com Simurg, rei dos pssaros, pois os homens, de modo geral, tm dificuldade

em entender esse mistrio.

A simples leitura do livro, porm, no faz de ningum um sufi, nem mesmo um

iniciado no sufismo. A exemplo de outras escolas esotricas, o sufismo exige dobuscador a presena de um mestre vivo, de um guia como a poupa foi para os pssaros.

Os estgios pelos quais o buscador passa na sua viagem aparecem de maneira alegrica

na narrativa de Attar e o resultado final conseguido quando os pssaros viajantes

encontram Deus e se encontram em Deus.

No dizer de Leo Gilson Ribeiro a filosofia mstica arbico-persa que sustenta

ser o esprito humano uma emanao do divino, no qual se esfora para reintegrar-se, A

Linguagem dos Pssaros, de Faridud-Din Attar, um

relato cheio de magia e encanto que nos revela o deslumbramento de uma dassupremas meditaes msticas mundiais: a linguagem desses pssaros umainiciao ao caminho tico e divino, uma forma de Tao persa, que indica ocomportamento moral correto ao seguidor de uma das mais belas e acessveisramificaes do Islamismo (Ribeiro, s/d.).

O texto, tantas vezes comovente, dirige-se ao intelecto, compreenso e

interpretao das mais altas verdades que a alma humana possa alcanar. o corao o

alvo dessas palavras revestidas de nobreza, desapego a todo e qualquer materialismo,


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regido somente pelo amor ao prximo e o desejo ardente, radical, de se atingir a

Origem, Deus, atravs dos percalos dolorosos da vida at se chegar unio mystica com

a Divindade.

A histria contada de maneira metafrica incita o raciocnio dos leitores com

aluses que propiciam um entendimento sutil. Os pssaros podem ser homens comuns

ou, em outra exegese, os prprios adeptos do sufismo em busca de Verdade eterna e

imutvel.

No livro, a ave mais nobre, a poupa, conhecida tambm como mensageira do

Rei Salomo, conduz os pssaros rumo a Fnix, Deus eternamente ressurgido e

resplandecente. S alguns pssaros chegam at Simurgh. (trinta pssaros).

O pssaro Simurg seria a metfora do mestre perfeito e a manifestao de Deuscomo tambm o eu interior, o que se encontra na palavra de Ali (o quarto califa e

primeiro m xiita), quando diz: Aquele que chega a se conhecer, ou a adquirir o

conhecimento do seu eu, conhecer seu Deus.

A Invocao

Nos moldes do texto sagrado do Isl, Attar abre a narrativa com uma Invocao

de louvor ao Santo Criador da alma com aluso criao do mundo descrita no Coro,2:111, semelhante a Gnesis, I, 3; e aos Salmos, XXXII, 9. Prossegue em seguida:

Deus produziu o vento, a terra, o fogo, o sangue; por estas coisas Ele anuncia Seusegredo. Ele colheu a terra a amassou-a com a gua; depois de quarenta manhs,colocou nela a alma, e esta deu vida ao corpo. Deus deu-lhe inteligncia para que elativesse o discernimento das coisas. Quando viu que a inteligncia estava de posse dodiscernimento, deu-lhe a cincia, para que pudesse apreciar tudo o que lhe havia sidoconferido. Quando o homem tomou posse de suas faculdades, confessou suaimpotncia e submergiu no espanto; ento seu corpo entregou-se aos atos exteriores.Amigos ou inimigos, a sabedoria impe a todos inclinar a cabea sob o jugo deDeus; e, coisa admirvel! Ele vela por todos ns (Attar, 1991, p 3).

Deus tudo, e as coisas tm somente um valor nominal. Sabe que o mundo

visvel e o mundo invisvel so Ele mesmo. No h nada alm dele, e o que ,

Ele(Attar,1991, p. 4).

Mais a frente, o escritor refere-se ao mistrio da criao do ser humano ao

dizer:

Quando a alma uniu-se ao corpo, tornou-se a parte e o todo: nunca se fez um talismmais maravilhoso. A alma participou da elevao, e o corpo, da baixeza terrestre.Formou-se um amlgama de terra vil e esprito puro. Por esta mescla o homem


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tornou-se o mais admirvel dos mistrios. Ningum, no entanto teve conhecimentodesse segredo, e de fato, no assunto para qualquer indigente. Qualquer coisa quequeiras dizer, o melhor guardar silncio, pois ningum poderia lanar um suspirosobre esse tema (Attar,1991, p. 5).

Attar finaliza sua invocao exaltando o sofrimento pelo qual o Lder dosProfetas passou por causa de injrias e maldades, sem se esquecer de antes mencionar o

sofrimento de Cristo ao p da cruz, de Joo Batista, com sua cabea degolada, de

Zacarias, morto em silncio. No deixou de relembrar as lamentaes de Ado, de No

que sofreu mil anos nas mos dos mpios, de Abrao, o desafortunado Ismael,

sacrificado no amor divino, de Jac que ficou cego de tanto chorar por seu filho, de

Jos, na escravido, no poo e na priso. Mencionou ainda na sua invocao J, estirado

na terra com vermes e lobos; de Jonas que se perdeu no caminho e foi parar no ventre deum peixe, a baleia; de Moiss que ao nascer foi colocado numa cesta e o fara exaltou-

o; referiu-se ainda a David que se ocupava fazendo armaduras e a Salomo de quem

apoderou-se um djim, esprito.

Em seguida vem a primeira Parbola. Depois o Elogio a Mohammad, o Senhor

dos Enviados. Narra uma Histria Alegrica e Elogios a Abu Beker, o primeiro amigo

do Profeta e pai de sua ltima esposa, Aisha, fala sobre Omar o segundo Califa, sobre

Osman, o terceiro tambm sobre Ali, o quarto Califa sucessor de Mohammad, dentreoutros temas, encerrando essa introduo com a Orao de Mohammad.

A Invocao feita por Attar mostra um mstico profundamente ligado e

respeitoso aos ensinamentos cornicos. Com essa caracterstica de comprometimento e

ateno com e aos ensinamentos do Coro chega-se ao primeiro captulo que inaugura a

narrativa da grande viagem.

A Busca de Deus

O tema divide-se em sete partes: a procura, a paixo, o conhecimento, o

desinteresse perfeito, a unidade em Deus, a estupefao e a anulao de si mesmo no

Bem-Amado. desse modo que comea a busca do nefito que supera cada dificuldade

que surge nesse caminho, at alcanar e desvelar sua miragem pessoal permitindo assim

contemplar uma realidade absoluta desprovida de fantasias. A necessidade do

simbolismo evidente, uma vez que, a ignorncia da meta final faz com que para

alcanar essa meta a maneira seja pela eliminao. Sabendo o que no , a mente

descobrir finalmente o que .


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A narrativa comea com o interesse que um grupo de pssaros (mais de mil)

sentiu de procurar e encontrar o seu Rei. Como eles no podiam fazer isso sem um guia,

reuniram-se em assembleia e pediram ajuda sbia poupa para efetuarem a busca.

A poupa lhes disse que o rei que estavam procurando, Simurg vivia escondido na

montanha de Kaf. Explica a eles que a viagem para chegar at l era muito difcil e

perigosa. Os pssaros imploram poupa que os guiassem e, para isso, elegem-na como

a condutora.

Ela aceita a misso e comea a ensinar a cada pssaro de acordo com seu nvel

de conhecimento e temperamento. Diz a eles que para alcanar o alto da montanha, Kaf,

necessitariam atravessar sete vales sendo os ltimos dois desertos. S quando

conseguissem passar o segundo deserto entrariam no palcio do rei. Os de vontadedbil, temerosos da viagem, comearam a dar desculpas (Attar,1991, p. 49).

O papagaio, egocntrico e egosta, disse que no lugar de ir em busca do rei, iria

procurar a fonte da vida: a fonte de Hidr basta-me; o pavo real, a ave legendria do

paraso, exclamou que sonhava que voltaria ao cu e que iria esperar pacientemente esse

dia; a pata lamentou-se porque sua vida dependia de estar prxima da gua e morreria

caso se separasse dela; a gara apresentou uma desculpa similar, no poderia viajar para

longe do mar, porque seu amor pela gua era to grande que, embora permanecessesentada durante anos sua margem, sem beber uma s gota de sua gua, ficaria a

contempl-lo. A cada desculpa a poupa percebia quo frgil era o nimo do fraco

buscador.

A coruja, ou o mocho, declarou que preferia ficar e buscar as runas com a

esperana de encontrar nelas, algum dia, um tesouro; o rouxinol disse que no iria

viajar, porque era enamorado da rosa e este amor tornara-se suficiente para ele, ningum

conhecia os seus segredos, unicamente a rosa. Havia se esquecido de si mesmo e spensava na rosa. Alcanar a Simurg est acima de mim (Attar, 1991, p. 49).

A poupa, entendendo o sentimento de insegurana dos pssaros, exortou-os

com a narrativa daqueles que tinham feito a perigosa viagem. Convencidos com suas

histrias os pssaros decidem ento ir at o primeiro vale. Entretanto, logo comeam a

ter problemas, e se do conta de que o caminho seria mais difcil do que haviam

imaginado.


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Recomeam as justificativas para desistncia da jornada. Um afirma que a

poupa no suficientemente sbia para conduzi-los. Outro se queixa que Satans lhe

tem possudo e lhe est pondo as coisas difceis. H ainda o que expressa seu desejo de

ter dinheiro e a comodidade de uma vida de luxo. A poupa decide ento descrever- lhes

os sete vales e desertos da viagem.

O primeiro vale que se apresenta o da busca ( talab);o que vem depois o do

amor (ischc), o qual no tem limites;o terceiro o do conhecimento (marifat); o quarto

da independncia ou da autossuficincia (istgna); o quinto o da pura unidade

(tauhid); o sexto o da terrvel estupefao (hairat);finalmente o stimo o da pobreza

(fakr) e do aniquilamento (fana), vale do qual no se pode avanar.

Em seguida faz a descrio dos vales e dos desertos. O Vale da Busca onde seprocura a Verdade com inquietude, com constncia, para obter um significado maior do

propsito da vida. S um ser realmente interessado e com dedicao pode atravessar a

salvo o primeiro vale e ir ao segundo vale, o do Amor.

O Vale do Amor, onde h o desejo ilimitado de ver o Rei Amado. Um fogo

abrasador comea a crescer no corao e se faz devastador. O lugar mais perigoso que

o primeiro vale, porque h obstculos no caminho para colocar o amor em prova.

Entretanto, esse mesmo amor impulsiona o buscador a sair desse vale e ir at uma terramais alta: o terceiro vale, o do Conhecimento.

Quando se entra nessa terra, no Vale do Conhecimento o corao se ilumina

com a verdade. nesse Vale que se adquire o conhecimento interior do Amado. Do

Vale do Conhecimento o viajante continua a viagem ao Vale do Desapego, onde perde

seus desejos de possesses mundanas. No h ataduras com o mundo material para o

viajante que atravessa esse vale. Cada novo lugar em que ele consegue chegar mais

perigoso que o anterior e deve ser explorado passo a passo, uma vez que cada umcontm suas prprias provas e dificuldades. Assim, toda chegada a uma terra diferente

uma experincia nova.

O quinto vale o Vale da Unidade. O viajante experimenta nele que todos os

seres so unos em essncia, que toda variedade de ideias, experincias e criaturas da

vida tem realmente e apenas uma s fonte, Deus. Depois o viajante chega ao Deserto do

Medo. Ento se esquece da existncia de si mesmo e de todos os demais. V a luz, no

com os olhos da mente, sim com os olhos do corao. A porta do divino tesouro, o


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segredo dos segredos, se abre. Nessa terra o intelecto j no funciona. Aqui se pergunta

ao viajante quem ele e a resposta : no sei nada. Finalmente chega- se ao Deserto

do Aniquilamento e da Morte. Ai chegando o viajante se percebe como uma gota que se

funde no oceano da unidade com o Amado.

Depois de ouvirem a descrio da poupa sobre o que lhes esperava os pssaros

se animam tanto que imediatamente continuam sua viagem.

O Encontro

No caminho, no entanto, alguns sucumbem pelo calor, outros nas violentas

ondas do mar. Outros simplesmente se cansam e desistem de continuar; um grupo

caado por animais selvagens e outros se detm tanto pelo atrativo das terras queatravessaram que ficam para trs. S trinta alcanam a montanha de Kaf, onde

encontrariam Simurg, seu Rei. Estavam cansados, depenados, famintos, com o corao

sofrido, mas haviam finalmente conseguido chegar ao destino idealizado.

No portal de entrada do reino, o arauto real os aguarda. Viemos reconhecer

Simurgh, o nosso Rei, dizem os pssaros. Merc do amor e do desejo dele perdemos a

razo e a paz de esprito... sofremos os maiores desconfortos e passamos as maiores

necessidades (Attar, 1991, p. 228) falam eles ao se aproximarem. No entanto, sotratados com desprezo pelo guardio, que impede a entrada desses sofredores.

No podemos acreditar que o rei faa pouco de ns depois de todos os

sofrimentos por que passamos. Ele s poder contemplar-nos com os olhos da

benevolncia! (Attar,1991, p. 229).

Os pssaros, que passaram o pior, no desistem e com suas lamentaes

procuram convencer o arauto que lhes negou a entrada. S traziam consigo reclamaes

e relato dos infortnios. O recepcionista real lhes explica que no poderiam chegar aoAmado dessa maneira, com lamrias e queixas. Como se aproximar do Amado s

falando com queixumes e reclamaes da viagem? Precisavam chegar a Ele felizes por

terem vencido todos os obstculos e de poderem finalmente conhec-Lo.

Eles no se permitiram ficar molestados com a dureza da negativa. Como se

salvar da chama a mariposa que deseja unir-se a ela? Reagiram e se comparam

mariposa que se entregara por amor chama e fora queimada por ela. Preferiam serem

aniquilados no fogo do amor como a mariposa do que viver sem experimentarem a


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ventura de conhecer o seu Rei. Tendo-os colocado prova e finalmente se convencido

do amor e da convico dos trinta pssaros o arauto real abriu a porta e os levou ao

salo nobre.

As cem cortinas foram descerradas e o mundo se apresentou sem vus para

esses pssaros. E o que aconteceu? Cada um deles recebeu um escrito que, por

alegorias, descrevia o estado desolado em que se encontravam. E nada mais.

E Simurg, o rei dos Pssaros que tanto queriam encontrar, onde estaria? Eles

estavam sozinhos na sala real. O que seria aquilo? Estavam sem entender. S ento

descobriram o que procuravam na viagem. Eles s se viam a si mesmos, pois naquele

local no havia ningum. E o Rei Simurg? Perplexos, tudo o que viram eram a eles

prprios, isto os trinta pssaros, si-murg em persa.

O sol da proximidade dardejou seus raios sobre eles, e suas almas tornaram-seresplandecentes, ento no reflexo de seu rosto, os trinta pssaros (si murg)mundanos contemplaram a face do Simurg espiritual. Eles apressaram-se a olhar oSimurg que encontraram e asseguraram-se de que no era outro que si-murg (trintapssaros). Todos estavam estupefados; ignoravam se continuavam sendo elesmesmos ou se haviam se convertido no Simurg (Attar,1991, p. 232).

Em seguida entregaram-se meditao em busca da revelao do mistrio da

unidade e da pluralidade dos seres. Finalmente compreendem que, olhando-se a si

mesmos, tinham encontrado o Rei, e que em busca do Rei, tinham encontrado a si

mesmos. Attar procura por meio de seu texto fazer com que o buscador em nenhum

momento deixe de sonhar com a busca da Verdade.

Somos vizinhos um do outro;Tu s como o Sol, e eu como a sombra. Tu que s generoso com os indigentes!Por que no prestars ateno a Teus vizinhos?Meu corao est triste, minha alma aflita.O ardor me leva a Ti faz correr as minhas lgrimas

Como a gua da nuvem.Sinto no poder estar unido a Ti;No entanto no Ti busco menos.Ah! s meu guia, pois perdi-me de meu caminho!D-me a felicidade, ainda que venha aPedir-Te intempestivamente.Aquele que teve a fortuna de entrar em Tua vidaEnojou-se de si mesmo e perdeu-se em Ti.No estou sem esperanas, mas estou impaciente.Espero que de cem mil tomars um (Attar,1991, p. 10).


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Aps passarem por todas as atribulaes de anos e anos de viagem, os pssaros

mortais entregaram-se, por si prprios, ao aniquilamento total. O que se segue aps o

aniquilamento no foi objeto de reflexo de Attar. O mistrio continua, mas enquanto os

homens estiverem preocupados com as coisas do mundo, no se poro no caminho

procura do seu Deus.

Enquanto tua alma no estiver a servio do Rei eterno, como Ele te aceitar

aqui? Enquanto no encontrares o rebaixamento do nada no vers jamais a elevao da

imortalidade. Primeiro s lanado no caminho espiritual com envilecimento, depois s

elevado com honra (Attar,1991, p. 234).

Referncias Bibliogrficas

ATTAR, Faridud-Din.A Linguagem dos Pssaros. So Paulo: Attar Editorial, 1991.

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“A Linguagem dos Pássaros” (Mantiq-at-Tayr) e a mística do