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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA JERÔNIMO JOSÉ DE OLIVEIRA A LOGICA MODERNORUM EM PEDRO HISPANO: um estudo das Summulae Logicales e dos Syncategoreumata JOÃO PESSOA PB 2015

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA

    JERNIMO JOS DE OLIVEIRA

    A LOGICA MODERNORUM EM PEDRO HISPANO: um

    estudo das Summulae Logicales e dos Syncategoreumata

    JOO PESSOA PB

    2015

  • JERNIMO JOS DE OLIVEIRA

    A LOGICA MODERNORUM EM PEDRO HISPANO: um

    estudo das Summulae Logicales e dos Syncategoreumata

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Filosofia, do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraba como requisito final para obteno do ttulo de mestre em Filosofia.

    Orientador: Prof. Dr. Anderson DArc Ferreira.

    JOO PESSOA PB

    2015

  • JERNIMO JOS DE OLIVEIRA

    A LOGICA MODERNORUM EM PEDRO HISPANO: um

    estudo das Summulae Logicales e dos Syncategoreumata

    Dissertao apresentada como requisito final

    obteno do ttulo de Mestre em Filosofia, pela

    Universidade Federal da Paraba, por uma comisso

    examinadora formada pelos seguintes professores:

    __________________________________________

    Prof. Dr. Anderson DArc Ferreira Orientador - UFPB

    __________________________________________

    Prof. Dr. Bartolomeu Leite da Silva Membro - UFPB

    __________________________________________

    Prof. Dr. Francisco de Assis Vale Cavalcante Filho Membro - UFPB

    __________________________________________

    Prof. Dr. Danilo Vaz Curado Ribeiro de Menezes Costa Membro - UNICAP

    JOO PESSOA

    2015

  • AGRADECIMENTOS

    Muitos amigos incentivaram a elaborao desse trabalho. A todos eles

    agradeo e peo desculpas pelas ausncias neste longo perodo de quase

    isolamento, de que necessitei para estudo e reflexo pessoais, bem como para

    escrever a dissertao.

    A alguns, pela presena em distintas fases da tessitura da minha formao

    acadmica, devo agradecer nomeadamente.

    Agradeo ao professor Giovanni da Silva de Queiroz, amigo presente, que me

    apresentou Pedro Hispano, numa aula de Teoria do Conhecimento, e compartilhou

    materiais e conhecimentos.

    Ao professor Anderson DArc Ferreira, cujo trabalho de orientao, desde os

    primeiros semestres do curso de bacharelado em filosofia em aulas, grupos de

    pesquisa, orientao de monografia, orientao no mestrado deu lugar a uma

    valiosa amizade.

    Aos professores Bartolomeu Leite da Silva, Francisco de Assis Vale

    Cavalcante Filho e Danilo Vaz Curado Ribeiro que aceitaram participar da banca

    examinadora da dissertao e deram importantes contribuies para melhoramentos

    do texto.

    Ao amigo Allan Xavier e ao professor Paulo Ferreira, sem os quais eu no

    teria acessado textos fundamentais para o trabalho.

    Aos companheiros Pedro, Makys e Wagner, que me ajudaram com tradues

    e leituras do texto.

    O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq, Conselho Nacional

    de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Brasil.

  • RESUMO

    Este trabalho aduz a contribuio de Pedro Hispano, nas suas obras Summulae Logicales e Syncategoreumata, ao desenvolvimento dos temas da Logica Modernorum, como as propriedades dos termos e os elementos sincategoremticos. Considera-se, aqui, que as investigaes acerca de tais propriedades so uma marca que diferencia a Lgica (Dialtica) do sculo XIII daquela desenvolvida anteriormente. No sculo XIII, com todo o Organon de Aristteles conhecido, o filsofo medieval ocupou-se da escrita de manuais para serem usados nas universidades, como os de Guilherme de Shyreswood, Lamberto de Auxerres e Pedro Hispano, nos quais se discorria tanto os temas de logica vetus e logica nova, bem como se desenvolviam reflexes modernas, no mais sobre os silogismos, mas agora sobre cada termo constituinte da proposio. Os termos de uma proposio so o sujeito e o predicado (o nome e o verbo), so as palavras que, mesmo se tomadas fora de um contexto proposicional tm significao, tm um sentido para quem estiver familiarizado com a linguagem empregada no discurso. As propriedades dos termos aduzidas por Pedro Hispano na Summulae Logicales so a significao (significatio), a suposio (suppositio) a relao (relatio), a ampliao (ampliatio), a apelao (appelatio), a restrio (restrictio) e a distribuio (distributio). Ocupamo-nos dessas propriedades no segundo captulo deste trabalho. Antes, no primeira captulo, discorremos sobre os seis tratados cujos temas pertencem logica antiquorum e que oferecem uma propedutica necessria ao estudo da lgica. Por fim, no terceiro captulo, expomos a importncia da obra Syncategoreumata, que fornece o estudo dos demais componentes das proposies e argumentos. PALAVRAS-CHAVE: Logica modernorum. Pedro Hispano. Summulae Logicales. Syncategoreumata.

  • ABSTRACT

    This dissertation presents the contribution of Peter of Spain, in his works Summulae Logicales and Syncategoreumata, for development of Logica modernorum themes, as the properties of terms and syncategorematic words. Here, it is considered that investigations about these proprieties are a feature that distinguishes the Logic (Dialelectic) of XIII century from the previous one. In XIII century, with all Organon of Aristotle ever known, the medieval man wrote manuals to use in universities, for instance William of Sherwood, Lambert of Auxerre and Peter of Spain manuals, in which both subjects discoursed on logica vetus and logica nova matters, how they developed modern reflections about each term of proposition. The terms of a proposition are the subject and predicate (noun and verb), are the words that, even if taken out of context have propositional meaning, have a sense to anyone familiar with the language used in speech. The properties of terms adduced by Peter of Spain in Summulae Logicales, and presented in this study, are signification (significatio), supposition (suppositio), relation (relatio), ampliation (ampliatio), appelation (appelatio), restriction (restrictio) and distribution (distributio). It is shown in the second chapter. Before, in first chapter, we discourse about the six treaties whose subjects belong to the logica antiquorum and introduce every studies by logic. Finally, in the third chapter, we explain the importance of Syncategoreumata, because this work of Peter of Spain contains the others constituent elements of propositions and arguments. KEY-WORDS: Logica modernorum. Peter of Spain. Summulae Logicales.

    Syncategoreumata.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Quadro comparativo entre os tratados das Summulae e suas fontes ..... 22

    Figura 2 Quadrado das oposies ........................................................................ 28

    Figura 3 rvore de Porfrio .................................................................................... 31

    Figura 4 Quadro expositivo das 10 categorias e exemplos ................................... 35

    Figura 5 Esquema dos loci em Pedro Hispano ..................................................... 41

    Figura 6 Diagramas para o realismo e o nominalismo .......................................... 57

    Figura 7 Esquema de classificao da suppositio .................................................. 61

    Figura 8 Formalizao da Suppositio communis para o clculo de predicados ..... 62

  • SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 10

    1. PROPEDUTICA LOGICA MODERNORUM EM PEDRO HISPANO .............. 13

    1.1 O Organon de Aristteles e a periodizao da histria da lgica medieval ......... 14

    1.2 As Summulae do sculo XIII ............................................................................... 17

    1.3 Viso geral das Summulae Logicales de Pedro Hispano .................................... 20

    1.4 Os tratados da logica antiquorum nas Summulae Logicales ............................... 22

    1.4.1 De Introductionibus .......................................................................................... 23

    1.4.2 De predicabilibus .............................................................................................. 28

    1.4.3 De predicamentis ............................................................................................. 32

    1.4.4 De sillogismis ................................................................................................... 36

    1.4.5 De locis ............................................................................................................. 40

    1.4.6 De fallaciis ........................................................................................................ 42

    2. AS PROPRIEDADES DOS TERMOS COMO CENTRO DA INVESTIGAO DA

    LOGICA MODERNORUM NAS SUMMULAE LOGICALES DE PEDRO HISPANO 50

    2.1 Significatio e Suppositio ...................................................................................... 52

    2.1.2 Classificao da Suppositio .............................................................................. 61

    2.2 A Appellatio e os sentidos de existncia ........................................................... 66

    2.3 As propriedades decorrentes da Suppositio ........................................................ 67

    2.3.1 Relativum ......................................................................................................... 68

    2.3.2 Restrictio e Ampliatio ........................................................................................ 70

    2.3.3 Distributio ......................................................................................................... 72

    3. O TRATADO SYNCATEGOREUMATA................................................................ 74

    3.1 O significado das expresses sincategoremticas .............................................. 75

    3.2 Anlise de algumas expresses sincategoremticas na obra Syncategoreumata

    de Pedro Hispano ...................................................................................................... 77

    3.2.1 Composio ..................................................................................................... 78

    3.2.2 Negao ........................................................................................................... 81

    3.2.3 Palavras exclusivas .......................................................................................... 84

    3.2.4 Palavras que indicam exceo ......................................................................... 88

    3.2.5 Expresses consecutivas ................................................................................. 90

  • 3.2.6 Os verbos comear e cessar ......................................................................... 92

    3.2.7 As palavras necessrio e contingente ........................................................... 94

    3.2.8 Conjunes ...................................................................................................... 95

    3.2.9 Elementos para a resposta na disputatio ........................................................ 96

    CONCLUSO ........................................................................................................... 98

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 102

  • INTRODUO

    Pedro Hispano (Petrus Hispanus) identificado com o portugus Pedro

    Julio, o Papa Joo XXI, que foi pontfice entre 20 de setembro de 1276 e 20 de

    maio de 1277

    a quem est atribuda uma extensa obra escrita de lgica, filosofia,

    medicina, zoobiologia, mstica e alquimia, com uma tambm

    movimentada carreira acadmica que teria passado pelo menos pelo

    ensino em Paris, no norte de Espanha, em Toulouse, em Lisboa, em

    Siena, antes de entrar ao servio da cria pontifcia (MEIRINHOS,

    2009, p. 455).

    As pesquisas biogrficas feitas sobre Pedro Hispano, como ocorre geralmente

    com os autores medievais, recorrem a fontes indiretas, inmeros documentos que

    citam o autor e o relacionam a determinadas obras, como a meno de Dante

    Alighieri, na Divina Comdia, que pe Pedro Hispano no paraso por causa dos seus

    doze livros. Estes so os doze tratados chamados Summulae Logicales1.

    As Summulae Logicales foram escritas provavelmente por volta de 1230,

    conforme os dados biogrficos de Pedro Hispano apresentados por De Rijk, ou por

    volta de 1246 ou pouco depois (SARANYANA, 2006, p. 347). Kneale (1968, p. 236)

    considera que o Tractatus no foi o primeiro manual de Lgica publicado depois da

    ars nova, sendo este lugar das Introductiones in Logicam de Guilherme de

    Shyreswood. Deve-se considerar, contudo, que essas obras no so as nicas do

    gnero no sculo XIII, pois, com o advento das universidades iniciou-se o hbito de

    1 Ugo da San Vittore qui con elli e Pietro Mangiadore e Pietro Spano, lo qual gi luce in dodici libelli (Alighieri, 1998, 90).

  • 11

    se escrever smulas, ou pequenos tratados, para serem usados pelos estudantes

    (FREITAS, 2002, p. 50).

    A outra obra de lgica atribuda a Pedro Hispano so os Syncategoreumata,

    que recebeu uma edio crtica de L. M. de Rijk, que defende veementemente a

    autoria da obra pelo papa Joo XXI, confirmada nos vrios manuscritos usados para

    sua traduo, como os da Biblioteca de Npoles e do Vaticano.

    Neste trabalho, percorremos essas duas obras constituintes da logica

    modernorum. Conforme Morujo (2006, p. 302): o perodo da logica modernorum, a

    partir do sculo XIII, [...] se ocupa da anlise semntica da lgica Aristotlica (ou

    seja, das chamadas proprietates terminorum), da definio do objeto da lgica e da

    relao entre a lgica e a ontologia. Esses elementos so amplamente aduzidos por

    Pedro Hispano em seus tratados e, mesmo hodiernamente, no perderam sua

    vigncia enquanto problemas filosficos.

    Reflexes acerca da ligao entre mundo e linguagem, por exemplo,

    perpassaram o pensamento ocidental, alcanaram nossos dias, e, antes, foram

    exaustivamente debatidas no medievo, que se ocupou proficuamente das questes

    concernentes ao contedo da linguagem e desenvolveu, no sculo XIII, as teorias

    das propriedades dos termos. Contudo, parece-nos que os estudos em filosofia

    medieval do importncia, principalmente, teoria dos universais, representando-a

    por Pedro Abelardo no sculo XII e s concluses nominalistas de Guilherme de

    Ockham, expoente do sculo XIV. As reflexes de pensadores como Pedro Hispano

    ficam, ento, como uma lacuna para a compreenso do paulatino deslocamento das

    questes ontolgicas para as lgicas. E, dada essa lacuna, cremos contribuir com

    nossa pesquisa para um melhor entendimento desses problemas lgico-semnticos

    pensados ao longo da histria da filosofia, desde Parmnides, no fragmento 6 do

  • 12

    seu poema, e que, com o advento da filosofia da linguagem e desenvolvimentos da

    lgica contempornea ganharam fora em pensadores como Wittgenstein, Frege,

    Russell, Quine e Peirce, por exemplo.

    Posto ser uma questo central para a histria da filosofia e ter sido

    amplamente refletida na chamada logica modernorum, julgamos haver ainda

    inmeros aspectos da lgica dos modernos a serem esclarecidos e, por isso,

    enaltecemos a importncia de autores como Pedro Hispano. Intentamos, pois,

    analisar seus tratados Summulae Logicales e Syncategoreumata , para explicitar

    suas contribuies para a reflexo dos temas constituintes da logica modernorum, a

    partir das definies comentadas na obra e de uma apresentao dos termos, das

    propriedades dos termos e das expresses sincategoremticas que compem uma

    orao.

    Para constituir, assim, uma exposio linear, organizamos o trabalho em trs

    captulos, que mesclam comentrios e tradues instrumentais dos textos de Pedro

    Hispano (deixando o original em rodap para que o leitor possa observar a

    terminologia do autor), intentando explicitar a logica modernorum nas obras lgicas

    de Pedro Hispano. Em primeiro lugar trazemos os elementos da logica antiquorum

    que esto em seis tratados das Summulae Logicales, pois alguns conceitos prvios

    so necessrios; em seguida, ocupamo-nos dos temas das proprietates terminorum;

    por fim, abordamos os Syncategoreumata, que completam a logica modernorum.

  • 1. PROPEDUTICA LOGICA MODERNORUM EM PEDRO

    HISPANO

    Nesse captulo discorremos sobre alguns temas gerais que so a base para o

    desenvolvimento dos problemas da logica modernorum. Procuramos apresentar os

    perodos da lgica medieval de acordo com o corpus lgico de cada perodo, tendo

    por base as entradas de Aristteles no medievo. Isso porque, como observa De Rijk

    (1962, p. 15):

    Sob a influncia da concepo medieval de autoridade, os estudos

    medievais continuaram, de fato, a considerar Aristteles o lgico

    preeminente, cuja teoria virtualmente completa, mas, ao mesmo

    tempo, estavam plenamente conscientes dos novos rumos da logica

    modernorum2.

    Do sculo XIII, com o advento das universidades, atentamos para a

    elaborao de Summulae como as de Pedro Hispano e apresentamos brevemente

    algumas consideraes acerca das hipteses da influncia dos tratados de

    Lamberto de Auxerre e Guilherme de Shyreswood, que tambm so compndios de

    lgica, sobre a obra de Pedro Hispano. Por fim, descrevemos as Summulae

    Logicales e aduzimos alguns elementos dos seus seis tratados concernentes

    logica antiquorum.

    Para efetivarmos nossa trajetria o presente captulo ser dividido em quatro

    sees. A primeira tratar das entradas dos textos aristotlicos no medievo; a

    segunda descrever o que so as Summulae e sua importncia dentro da lgica

    2 Under the influence of the mediaeval conception of authority, the mediaeval scholars continued,

    indeed, to consider Aristotle the pre-eminent logician, whose theory is virtually complete, but, at the same time, they were fully aware of the new departures of logica modernorum.

  • 14

    medieval; a terceira apresentar, de forma propedutica, as Summulae de Hispano;

    por fim, na quarta seo, descreveremos os tratados da logica antiquorum nas

    Summulae Logicales analisando seis itens, a saber: de introductionibus, de

    predicabilibus, de predicamentis, de sillogismis, de locis e de fallacis. Com isso

    esperamos estabelecer todo o contexto necessrio para compreendermos no

    somente o esteio no qual nosso autor se situa, mas, tambm, a tradio por ele

    trabalhada.

    1.1 O Organon de Aristteles e a periodizao da histria da lgica medieval

    medida que os livros do Organon de Aristteles vo sendo conhecidos pelo

    mundo medieval, as reflexes acerca da lgica e, mais propriamente, da linguagem,

    desenvolvem-se, atentando para novos temas e problemas. A partir disso comum

    caracterizar trs perodos distintos da histria da lgica medieval, a saber: logica

    vetus, logica nova as duas juntas chamadas logica antiquorum e logica

    modernorum.

    O perodo da logica vetus possui as Categorias e o De Interpretatione, de

    Aristteles, mas tambm se ocupa de comentrios Isagoge de Porfrio. No sculo

    XII, em que se desenvolve a logica nova, os demais livros do Organon passam a ser

    conhecidos, principalmente pelas tradues de Bocio. Sobre isso, esclarece De

    Boni (2010, p. 29):

  • 15

    A afirmao de que a Idade Mdia foi buscar Aristteles, quando dele

    precisou, deixa-se comprovar, caso se examine o que aconteceu

    com os textos de lgica. Sabe-se que Bocio, entre os anos de 510 e

    520, ocupou-se com a traduo deles. Pois bem, o que se

    conservou, durante mais de 600 anos, foi apenas o que se

    encontrava na Logica Vetus, isto , as Categorias e o Sobre a

    interpretao. No entanto, ao se desenvolverem as escolas, no

    sculo XII, encontraram-se novamente, no se sabe onde, as

    tradues dos Primeiros Analticos, dos Tpicos e dos Elencos

    Sofsticos. Ficando faltando apenas os Analticos Posteriores, que

    Tiago de Veneza voltou a traduzir por volta de 1140.

    Tambm reconstruindo a histria das tradues da obra lgica aristotlica que

    chegaram ao medievo, Kneale (1968, p. 193) diz que as tradues latinas de Bocio

    das Categorias e do De Interpretatione foram os nicos textos de Aristteles ao

    alcance dos filsofos medievais e, em seguida, circularam suas tradues dos

    Primeiros Analticos, dos Tpicos e dos De Sophisticis Elenchis.

    Acrescenta Delgado (1975, p. 46), especificamente sobre a logica vetus:

    A primeira grande base para o desenvolvimento da lgica escolstica

    consiste na chamada logica vetus, composto principalmente por esta

    trilogia: Isagoge de Porfrio, Categorias e De Interpretatione de

    Aristteles, nas tradues de Bocio. Alm disso, por logica vetus

    tambm se entende os Comentrios de Bocio Isagoge, ao De

    Interpretatione, aos Topica de Ccero e os tratados boecianos, de

    relativa originalidade, Introductio ad sillogismos categoricos, De

    sillogismis hypotheticis, De differentiis topicis, De divisionibus, De

    definitione 3.

    3 La primera gran base para la elaboracin de la lgica escolstica est constituida por la llamada

    logica vetus, integrada fundamentalmente por esta triloga: Isagoge de Porfirio, Categoras y De Interpretatione de Aristteles, asequibles en la traduccin de Boecio. Adems de eso, por logica vetus se entiende tambin los Comentarios de Boecio a la Isagoge, al De Interpretatione, a los Topica de Cicern y los tratados boecianos, de relativa originalidad, Introductio ad sillogismos categoricos, De sillogismis hypotheticis, De differentiis topicis, De divisionibus, De definitione.

  • 16

    A partir das obras que marcam as investigaes lgicas no medievo at o

    incio do sculo XII, Delgado (1975) apresenta uma sntese das caractersticas da

    logica vetus. Esta tem por contedo os elementos metafsicos e lgicos das

    Categorias de Aristteles e neoplatnicos da Isagoge de Porfrio; tem tambm

    elementos da doutrina megrico-estoica da implicao, do silogismo hipottico de

    Teofrasto, dos desenvolvimentos da lgica proposicional empreendidos por Bocio e

    consideraes gramaticais; envolve questes de gramtica e retrica, j que com

    elas forma o trivium; e, alm disso, passa a ser aplicada como fundamental para as

    outras cincias.

    Conforme Gabbay e Woods (2008, p. 283), por volta de 1120 os Primeiros

    analticos, Tpicos e Refutaes Sofsticas, nas tradues de Bocio, tornaram-se

    disponveis. Posteriormente, no sculo XII, os Segundos Analticos foram traduzidos

    e adicionados ao grupo dos trabalhos chamados logica nova (ou ars nova)4. Dessas

    obras, os historiadores da lgica ressaltam a importncia que os medievais deram

    s Refutaes Sofsticas, isso porque, escreve Morujo (2006, p. 301), os diversos

    sistemas de lgica desta poca tentaro mostrar a sua fora na capacidade em

    resolver paradoxos.

    Finalmente, o terceiro momento da histria da lgica medieval o da logica

    modernorum, que, dentre outros aspectos sobre os quais discorreremos nesse

    trabalho, investiga as propriedades dos termos e os elementos sincategoremticos,

    ainda sob forte influncia dos Refutaes Sofsiticas, j que tambm intentam evitar

    sofismas e falcias.

    Pinborg (1984, p. 20) aduz resumidamente essas caractersticas da lgica

    medieval como segue:

    4 around the 1120s the Prior Analytics, Topics, and Sophistici Elenchi in Boethius translations

    became readily available. Later in the twelfth century the Posterior Analytics was translated and added to the group of works called the logica nova (or ars nova).

  • 17

    Na perspectiva cronolgica, ento, temos que lidar com trs

    conceitos: logica vetus, logica nova e logica moderna, que

    correspondem, em certa medida, a trs 'fases' diferentes da lgica

    medieval. A logica vetus a interpretao da antiguidade tardia da

    lgica aristotlica, transmitida por comentrios neoplatnicos e

    enriquecida com investigaes ps-aristotlicas, especialmente

    esticas. A logica nova a teoria aristotlica pura dos silogismos e

    a doutrina geral do mtodo. A logica moderna, por sua vez, uma

    criao original da Idade Mdia5.

    Todos esses contedos da lgica medieval foram reunidos em sumas, como

    as Summulae Logicales, de Pedro Hispano.

    Dentro do que nos propusemos nesse captulo, uma vez entendido o percurso

    de entrada das obras aristotlicas no medievo, faz-se necessrio entender o papel

    das Summulae no sculo XIII. Deteremo-nos a esse aspecto na prxima seo.

    1.2 As Summulae do sculo XIII

    Juntamente com as tradues de Aristteles para o Latim, bem como de seus

    comentadores rabes, sentiu-se a necessidade da elaborao de Tractatus ou

    Summulae que explicassem sistematicamente esses novos materiais. Segundo

    Libera (1990, p. 33):

    5 In prospettiva cronologica, abbiamo dunque a che fare con tre concetti: logica vetus, logica nova e

    logica moderna, che corrispondono in certa misura a tre diversi strati della logica medievale. La logica vetus linterpretazione tardoantica della logica aristotelica, trasmessa dai commentatori neoplatonici e arricchita dalle indagini postaristoteliche, soprattutto stoiche. La logica nova la teoria aristotelica pura dei sillogismi e la dottrina generale del metodo. La logica moderna invece una creazione originale del Medioevo.

  • 18

    As pequenas sumas de lgica do sculo XIII so herdeiras dos

    manuais de dialtica do sculo XII [...].

    Com notvel exceo das Summulae dialectices de Bacon, o

    plano das sumas no corresponde organizao atingida pelo

    corpus aristotlico nos anos 1230-1250; alm disso, essas pequenas

    sumas integram tratados sui generis que no existem na obra de

    Aristteles e deixam de lado vrios elementos aristotlicos,

    principalmente os Analticos. Essa distoro entre o corpus e a

    organizao da lgica como cincia aparece claramente no plano do

    Tractatus de Pedro de Espanha [...].

    De Rijk (1972, p. LXVII) observa que:

    Os manuais de Pedro Hispano, Guilherme de Sherwood e Lamberto

    de Auxerres so comumente tomados juntos pelos modernos

    historiadores da lgica. Todos os trs so, de fato, frutos de aulas de

    lgica no sculo XIII e no pode ser considerado outro, alm dos

    trs, como exemplo de tratados similares compilados naqueles dias6.

    De fato h aproximao entre essas duas obras, contudo os temas e

    composio semelhantes das obras desses trs sumulistas no implicam uma

    influncia direta de um sobre os outros.

    Primeiramente quanto a Guilherme de Shyreswood, Kneale (1968, p. 236) faz

    notar que dele um dos manuais de lgica mais antigos, as Introductiones in

    Logicam ou Summulae, escrito provavelmente em Paris na primeira metade do

    sculo XIII. Nessa obra tambm aparecem pela primeira vez os versos mnemnicos

    para a aprendizagem dos silogismos vlidos. Como eles praticamente no diferem

    dos copiados por Pedro Hispano, os apresentaremos apenas na exposio do

    6 The manuals of Peter of Spain, William of Sherwood and Lambert of Auxerre are commonly taken

    together by modern historians of logic. All the three are, indeed, fruits of the logical teaching in the thirteenth century and cannot be regarded other than as three samples of similar tracts compiled in those days.

  • 19

    tratado De sillogismis que fazemos adiante. Alm desses versos, h os que,

    segundo Kneale (1968, p. 237) indicam as relaes entre os quantificadores omnis,

    quidam e nullus e as maneiras como podem ser combinados com non. So os

    seguintes:

    Aequivalent omnis, nullus-non, non-aliquis-non.

    Nullus, non-aliquis, ominis-non aequiparantur

    Quidam, non-nullus, non omnis-non sociantur

    Quidam-non, non-nullus-non, non-omnis adhaerent.

    H semelhanas entre os compndios de Guilherme de Shyreswood e de

    Pedro Hispano, entretanto De Rijk (1972) argumenta contra a viso de Norman

    Kretzmann (1966), para quem Pedro Hispano foi diretamente influenciado por

    Guilherme de Shyreswood na composio das suas Summulae Logicales. Aps a

    exposio de uma srie de diferenas entre seus compndios, De Rijk (1972, p.

    LXXXIX) conclui:

    Todas essas diferenas as doutrinais e as concernentes a

    composio e organizao dos volumes so algumas evidncias

    que excluem todas as dvidas concernentes independncia mtua

    dos tratados. As numerosas similaridades devem ser explicadas

    como um resultado natural das posies dos autores frente

    tradio lgica comum dos sculos XII e XIII7.

    Tambm h estudos que apontam a relao entre o compndio de Lamberto

    de Auxerre, chamado Summa Lamberti, e o Tractatus de Pedro Hispano, mas De

    Rijk defende a hiptese de que os respectivos autores no sofreram influncia um

    7 All these differences the doctrinal ones and those concerning the composition and organisation of

    the contents are so evident as to preclude all serious doubts concerning mutual independence. The certainly numerous similarities should be explained as the natural result of both authors standing in the common tradition of twelfth and thirteenth century logic.

  • 20

    do outro. As evidncias que ele encontra para isso so: (1) a marcante diferena

    quanto subdiviso da suppositio; (2) o fato de um termo singular poder ter

    appelatio em Pedro Hispano, ao contrrio do que ocorre em Lamberto; (3) e a

    organizao dos livros no conjunto dos tratados.

    Entendido o contexto geral das summulae no sculo XIII cabe-nos, diante do

    percurso proposto para esse captulo de nossa dissertao, analisarmos, de forma

    geral, o que foi desenvolvido por nosso autor ao elaborar suas Summulae. Esse ser

    o guia de nossa prxima seo.

    1.3 Viso geral das Summulae Logicales de Pedro Hispano

    As Summulae Logicales so um compndio de doze tratados, seis acerca

    dos temas de Aristteles (proposies, predicveis, categorias, silogismos, tpicos e

    falcias) e seis acerca de temas especificamente medievais (suposio, relativos,

    ampliao, apelao, restrio e distribuio) (KNEALE, 1968, p. 240). De Rijk aduz

    que essa obra era referenciada no sculo XIII, geralmente, pelo nome Tractatus,

    mas muitos dos manuscritos no tinham qualquer ttulo. No sculo XV torna-se

    frequente o ttulo Summulae e somente a partir do sculo XVI o ttulo Summulae

    Logicales passa a ser mais usado.

    De acordo com De Rijk (1972, p. XLVI), a ordem dos tratados, nas cpias ou

    comentrios das obras de Pedro Hispano, nem sempre a mesma8. Em suas

    8 the order of the tracts as it occurs in copies of Peters work or commentaries upon it is not always

    the same.

  • 21

    pesquisas, ele constatou que a maioria das edies impressas reunia os textos

    concernentes logica antiquorum nos tratados I-VI, de modo que o sexto tratado era

    o De Fallaciis, e os de logica modernorum estavam dispostos na segunda parte das

    Summulae, tratados VII-XII. Contudo, De Rijk v uma boa razo para a ordem das

    Summulae ser a seguinte, encontrada no manuscrito Avignon 311: I- De

    Introductionibus; II- De Predicabilibus; III- De Predicamentis; IV- De Sillogismis; V-

    De Locis; VI- De Suppositionibus; VII- De Fallaciis; VIII- De Relativis; IX- De

    Ampliationibus; X- De Appellationibus; XI- De Restrictionibus; XII- De

    Distributionibus. Isso porque, nesta ordem, o tratado sobre as falcias o stimo,

    ficando separado do grupo da logica antiquorum, mas devidamente posto antes dos

    livros que tambm esto direcionados para a soluo de questes sofsticas.

    Fica evidente que as Summulae Logicales abrangem desde os temas da

    logica antiquorum reflexo da logica modernorum. Essa abrangncia de contedo,

    unida linguagem bastante clara e organizao didtica do texto, certamente

    justifica sua difuso e notvel utilizao como o principal manual de Lgica at o

    sculo XVI, j que o Tractatus, como escreve Kneale (1968, p.239), veio a ser

    aceite como o manual padro durante todo o fim da Idade Mdia e ainda estava em

    uso no princpio do sculo XVII, tendo j nessa altura 166 edies impressas.

    Entendidos esses elementos torna-se necessrio entendermos quais so os

    temas tratados nas Summulae que so herana direta dos tratados da logica

    antiquorum. Esse ser o escopo de nossa prxima seo.

  • 22

    1.4 Os tratados da logica antiquorum nas Summulae Logicales

    Observemos, primeiramente, os seis tratados das Summulae Logicales

    referentes logica antiquorum, j que noes como as de termo, nome, verbo,

    proposio, argumento, silogismo, falcia e outros temas aristotlicos de que os

    medievais se ocuparam so fundamentais para adentrarmos na logica modernorum.

    Eles no so, obviamente, uma criao autoral de Pedro Hispano, mas fazem cpias

    e comentrios de outros textos j conhecidos no medievo.

    O quadro a seguir mostra a relao entre cada um desses tratados das

    Summulae e suas fontes, segundo De Rijk (1972):

    Figura 1 Quadro comparativo entre os tratados das Summulae e suas fontes

    Summulae Logicales de Pedro Hispano

    Fonte

    I De introductionibus De syllogismo categorico I de Bocio, assim, indiretamente, o De interpretatione.

    II De predicabilibus Isagoge de Porfrio a partir de Bocio e de outros tratados dos sculos XII e XIII.

    III De predicamentis Categorias de Aristteles por meio do comentrio In Categorias Aristotelis de Bocio.

    IV De sillogismis De Syllogismo Categgorico II de Bocio; indiretamente dos Primeiros Analticos

    V De locis De topicis differentiis I e II de Bocio e dos Tpicos de Aristteles

    VII De fallaciis De Rijk julga no ser fcil atribuir uma fonte segura para esse tratado, mas relata a existncia de manuscritos de duas obras que o constituem, Fallacie maiores e, adicionado posteriormente, Fallacie minores.

    Fonte: elaborado a partir de De Rijk (1972).

  • 23

    Esses livros so brevemente expostos a seguir, no integralmente, mas

    apenas considerando alguns temas gerais que constituem a Lgica nas Summulae

    Logicales e que so a base para as reflexes da logica modernorum. Seguiremos

    cada subseo conforme a sequncia dos livros estabelecida pelo quadro acima.

    1.4.1 De introductionibus

    O primeiro tratado das Summulae Logicales apresenta os conceitos basilares

    para o estudo de lgica na universidade do medievo. De acordo com De Rijk (1972),

    era usual um livro de questes introdutrios nos compndios da poca.

    A questo inicial que devemos considerar se refere ao tratamento de lgica

    como dialtica por Pedro Hispano. Esta , segundo Meirinhos (2002, p.335), uma

    arte propedutica aquisio das cincias e orientada para a disputa. Sobre a

    noo de dialtica, escreve Pedro Hispano:

    A dialtica a arte que tem a via e os princpios de todos os

    mtodos. E por isso, na aquisio das cincias, a dialtica deve ser a

    primeira.

    Diz-se dialtica de dia, que dois, e logos que discurso,

    ou de lexis que razo, quase indicando discurso ou raciocnio de

    dois. Convm saber, oponente e respondente disputando9.

    claro que a etimologia da palavra dialtica na passagem acima , primeira

    vista, um erro, j que a preposio no significa dois, mas, grosso modo,

    atravs de, de uma extremidade outra, ou seja, no dois, mas implica certa

    9 Dialetica est ars ad omnium methodorum principia viam habens. Et ideo in acquisitione scientiarum

    dialetica debet esse prior. Dicitur autem dialetica a dia, quod est duo, et logos, quod est sermo, vel a lexis, quod est ratio, quasi duorum sermo vel ratio, scilicet opponentis et respondentis disputando (SL, I, 1).

  • 24

    dualidade. Contudo, se pensarmos na disputatio, possvel supor a inteno de

    Pedro Hispano em aproximar dialtica a dois discursos entre oponentes numa

    disputa. Sobre isso, esclarece Meirinhos (2002, p. 336): enquanto cincia da

    linguagem a aprendizagem e o domnio da dialtica deve ser anterior aquisio ou

    estudo das cincias. Para Pedro, como o ilustra a fantasiosa etimologia, a dialectica

    justificada como arte da disputa, o fulcral exerccio escolar no ensino medieval. E

    justamente para aquisio dessa arte que seus elementos constitutivos devem ser

    aprendidos. Ponzio in Ispano (2004, p. 599), remetendo a Aristteles, acrescenta:

    O significado aristotlico de dialtica, como a arte do discurso, que

    utiliza premissas apenas provveis, sendo a dialtica relacionada ao

    dilogo, coexiste em Pedro Hispano e se pode encontrar nos

    esticos e atravs da tradio patrstica e, a partir da obra de Bocio,

    perdura em toda a Idade Mdia sendo dialtica a lgica geral,

    distinta da retrica, e que a via para alcanar os princpios de todos

    os mtodos, portanto a cincia que deve ser adquirida

    primeiramente10.

    Aps Pedro Hispano definir dialtica justifica a necessidade de esclarecer

    todos os seus elementos constitutivos, dizendo: mas porque no pode haver a

    disputatio seno mediante o discurso, nem discurso seno mediante voz, e toda voz

    som, vou comear do som como a priori11.

    As definies presentes no De Introductionibus, que servem diretamente para

    nossa compreenso da logica modernorum, so as seguintes:

    10

    Il significato aristotelico di dialettica, come arte della discussione, che si avvale di premesse

    soltanto probabili, e per il quale la dialettica posta in rapporto con il dialogo, coesiste in Pietro Ispano con quello che si pu fare risalire agli stoici e che attraverso la tradizione della patristica e lopera di Boezio dura per tutto il Medioevo di dialletica come logica generale, distinta dalla retorica, e che quindi la via per giungere ai principi di tutti i metodi e perci la scienza che deve essere acquisita per prima. 11

    Sed quia disputatio non potest haberi nisi mediante sermone, nec sermo nisi mediante voce, omnis autem vox est sonus, - ideo a sono tamquam a priori inchoandum est (SL, I, 1).

  • 25

    Som: tudo aquilo que propriamente percebido pelo ouvido12.

    Voz: som produzido pela boca de um animal, formado com instrumentos

    naturais (lbios, dentes, lngua, palato, garganta e pulmo)13. Mais adiante, a

    definio de termo partir da definio de voz. A relao entre termo e

    voz se torna bastante clara se considerarmos as tradues latinas do

    nominativo plural de , conforme nota Santos in Porfrio (2002, p. 27): O

    termo phona, traduzido ao latim por voces (sons vocais) deu lugar

    progressivamente a outros termos: sermo, nomen (em Abelardo), terminus

    (com a lgica terminista do sculo XIII) e terminus vocalis (com os

    nominalistas do sculo XIV) [...].

    Voz significativa: aquela que ao ouvido representa algo, como homem ou

    o gemido dos enfermos14 (em oposio voz no significativa).

    Voz significativa por natureza: aquela que para todos representa o

    mesmo, como o gemido dos enfermos, o ladrar dos ces15.

    Voz significativa ad placitum: aquela que, conforme a vontade de quem

    estabelece (ou, simplesmente, por conveno), representa algo, como

    homem16. E aqui merece nfase o carter convencional da linguagem em

    Pedro Hispano como em Aristteles no De Interpretatione.

    Nome: voz significativa ad placitum sem tempo, de que nenhuma parte

    significa separadamente, definida e reta17.

    12

    Sonus igitur est quicquid auditu proprie percipitur(SL, I, 2). 13

    Vox est sonus ab ore animalis prolatus, naturalibus instrumentis formatus (SL, I, 2). 14

    Vox significativa est illa que auditui aliquid representat, ut homo, vel gemitus infirmorum (SL, I, 3). 15

    Vox significativa naturaliter est illa que apud omnes idem representat, ut gemitus infirmorum, latratus canum (SL, I, 3). 16

    Vox significativa ad placitum est illa que ad voluntatem instituentis aliquid representat, ut homo (SL, I, 3). 17

    Nomen est vox significativa ad placitum sine tempore, cuius nulla pars significat separata, finita, recta (SL, I, 4).

  • 26

    Verbo: voz significativa ad placitum com tempo, cujas partes nada significam

    separadamente, definida e reta18. Entre nome e verbo, ento, a nica

    diferena, conforme suas definies, a referncia temporal, j que: ambos

    distinguem-se da voz no-significativa; tm carter convencional; no so

    frases, pois as partes destas tm significado separadamente; no so infinitos

    ou indefinidos, como no-homem; e no esto flexionados quanto ao caso,

    para os nomes, ou quanto ao modo e tempo, para os verbos.

    Proposio: orao que significa o verdadeiro ou o falso, como o homem

    corre19. Sem tratarmos ainda dos tipos de proposio e demais contedo do

    livro De Introductionibus, finalizemos esse glossrio dos conceitos

    introdutrios lgica das Summulae Logicales com o esclarecimento de

    Morujo (2006, p. 307), que nos aponta para questes da logica modernorum

    de que falaremos adiante:

    Em sintonia com a posio de Aristteles no Peri Hermeneias, nas

    summulae do sculo XIII a proposio considerada como a unidade

    lingustica primria. Os termos categoremticos e os elementos

    sincategoremticos que a compem so os dois elementos da

    linguagem, que remetem para algo que prvio prpria linguagem.

    Os primeiros supem, isto , esto na proposio em vez de uma

    certa realidade, de natureza fsica ou mental; os segundos reenviam

    para as operaes realizadas sobre os termos ou sobre as

    proposies (implicao, conjuno, disjuno, negao, etc.), ou

    para a quantidade universal ou particular das proposies em

    que os termos se encontram.

    18

    Verbum est vox significativa ad placitum cum tempore, cuius nulla pars significat separata, finita, recta (SL, I, 5). 19

    Propositio est oratio verum vel falsum significans, ut homo corrit(SL, I, 7).

  • 27

    As proposies so classificadas em categricas e hipotticas. As

    proposies categricas so subdivididas em: (1) universal: cujo sujeito um termo

    comum, ou seja, um termo universal, determinado por um sinal universal, como

    todo, nenhum; (2) particular: cujo sujeito um termo comum precedido de um

    sinal particular, como algum; (3) indefinida: que o sujeito um termo comum e no

    precedido por qualquer quantificador, como o homem corre; (4) singular: que tem

    como sujeito um termo singular, como Scrates, ou um termo comum unido a um

    pronome demonstrativo, como este homem. Classifica-se tambm a proposio de

    acordo com a qualidade, ou seja, em afirmativa ou negativa. E, finalmente, pode-se

    observar se o predicado diz algo do sujeito que lhe essencial ou prprio, ou

    contingente, ou que remoto e no convm ser atribudo ao sujeito. Assim,

    trplice a matria da proposio categrica, convm saber: natural, contingente e

    remota20.

    Podemos construir proposies categricas distintas, preservando os

    mesmos termos como sujeito e predicado de cada uma delas e alterando as

    relaes quantitativas e qualitativas. Assim, dois exemplos de proposies cujo

    sujeito homem e o predicado animal podem ser todo homem animal, que

    uma proposio universal afirmativa, e algum homem animal, que particular

    afirmativa.

    Uma proposio em relao a outra, que tem em comum o mesmo sujeito e o

    mesmo predicado, como as dos exemplos acima, classificada em contrria,

    subcontrria, contraditria ou subalterna. Essas relaes so esquematizadas no

    conhecido quadrado das oposies, presente em outros compndios de lgica,

    20

    Propositionum triplex est materia, scilicet naturalis, contingens et remota (SL, I, 13).

  • 28

    como o de Guilherme de Sheryswood, e tambm nas Summulae Logicales, I, 11,

    conforme representado abaixo:

    Figura 2 Quadrado das oposies

    Fonte: Summulae Logicales, I, 11.

    As proposies contrrias podem ser ambas falsas e no podem ser ambas

    verdadeiras. As subcontrrias podem ser ambas verdadeiras, mas no as duas

    falsas. Entre as contraditrias, se uma falsa a outra verdadeira e vice-versa. J

    entre as subalternas, se a universal verdadeira, a particular tambm ser; se a

    particular falsa, a universal tambm ser falsa. O ltimo aspecto das proposies

    categricas tratado no De Introductionibus por Pedro Hispano sobre a converso

    de uma proposio em outra. H, pois, converso simples, por acidente e

    contraposio.

    Passemos, pois, anlise do prximo livro, a saber, De predicabilibus.

    1.4.2 De predicabilibus

    O tratado expe a teoria dos predicveis conforme a Isagoge de Porfrio.

    Pedro Hispano inicia dizendo que:

  • 29

    Predicvel s vezes tomado propriamente, e assim apenas dito

    predicvel o que predicado de muitos; s vezes tomado em

    sentido geral, e assim dito predicvel aquilo que predicado de um

    ou de muitos. Da se segue que predicvel tomado propriamente e

    universal so o mesmo, mas diferem nisto: predicvel definido

    atravs do ser dito, j universal atravs do ser. , pois, predicvel o

    que prprio a ser dito de muitos. Universal, por outro lado, aquilo

    prprio a ser em muitos21.

    Para compreendermos a passagem acima, observemos, sobre a leitura das

    Categorias (2, 1a15-1b10) empreendida pelo medievo, o que escreve Libera (2011,

    p. 437):

    A Idade Mdia reinterpretou de maneira particular a articulao

    das relaes entre inerncia (esse in) e predicao (dici de) com a

    qual Aristteles prefaciara a sua teoria das categorias.

    A oposio entre o universal de comunidade ou universal de

    Bocio, o universal definido como aquilo que comum a vrias

    coisas, e o universal de predicao ou universal de Porfrio, o

    universal compreendido como aquilo que dito de vrias coisas,

    uma metamorfose da definio combinatria das substncias

    (primeiras ou segundas) e dos acidentes (universais ou particulares)

    a partir das relaes de inerncia e de predicao formulada por

    Aristteles no captulo 2 das Categorias.

    O predicvel tomado em sentido prprio, ou seja, o universal distingue-se em

    (1) gnero, (2) diferena, (3) espcie, (4) prprio e (5) acidente. Cada um desses

    21

    Predicabile quandoque sumitur proprie; et sic solum dicitur predicabile quod de pluribus predicatur. Quandoque sumitur communiter; et sic dicitur predicabile quod de uno sive de pluribus predicatur. Unde predicabile proprie sumptum es universale idem sunt, sed differunt in hoc quod predicabile diffinitur per dici, universale autem per esse. Est enim predicabile quod aptum natum est dici de pluribus. Universale autem est quod aptum natum est esse in pluribus (SL, II, 1). Essa passagem mostra-se de extrema importncia para a compreenso no apenas das propriedades dos termos, mas tambm para o problema dos universais na idade mdia, pois esclarecendo a distino entre universal e predicvel, delimita tambm o campo especfico da linguagem e o da ontologia na filosofia.

  • 30

    predicveis explicado isoladamente por Pedro Hispano e relacionado com os

    demais.

    Gnero definido como o que predicado a partir de muitos que diferem

    quanto espcie; como animal predicado de cavalo, homem e leo, que so de

    espcies diferentes22. O gnero se classifica em gnero generalssimo e gnero

    subalterno. O primeiro aquele acima do qual no h outro gnero, de modo a no

    poder ser tambm espcie23. As dez categorias, que sero tratadas adiante, so

    gneros generalssimos. Os gneros subalternos, por sua vez, so os que tambm

    podem ser espcies.

    Espcie definida como aquilo que se predica de vrios, diferentes em

    nmero, com relao quilo que a coisa 24. Classifica-se em espcie

    especialssima, que no pode ser tambm gnero, e espcie subalterna, que tem

    outra espcie sob si. A relao entre gneros e espcies representada na rvore

    de Porfrio, que toma a categoria da substncia, passa pelos gneros subalternos,

    bem como as espcies, at a espcie especialssima e os indivduos, como segue:

    22

    genus est quod predicatur de pluribus differentibus specie in eo quod quid; ut animal predicatur de equo, homine et leone, que differunt specie (SL II, 2). 23

    Cf. SL, II, 6-7. 24

    Species est que predicatur de pluribus, differentibus numero, in eo quod quid est (SL, II, 8).

  • 31

    Figura 3 rvore de Porfrio

    Fonte: Summulae Logicales, II, 11

    A presena da rvore de Porfrio nas Summulae Logicales, observa Meirinhos

    (2002, p. 339), uma das ramificaes para o problema dos universais, que no

    tratado directamente, mas que insinuado em algumas passagens, como a que

    diferencia predicvel de universal na abertura do tratado De predicabilibus, citada

    acima. Especificamente quanto substncia, Pedro Hispano resume no tratado De

    dictionibus consecutivis da obra Syncategoreumata:

    [...] substncia dita em quatro modos: em um modo substncia

    indica matria (como a matria de Scrates, ou fogo, ou os outros

    elementos); no segundo modo substncia dita forma (como a forma

    de Scrates e outras coisas naturais); no terceiro modo substncia

    indica um composto de matria e forma (como Scrates e os outros

    individuais); no quarto modo substncia dita a essncia chamada

    quid ou o que predicado de muitas coisas (como homem, animal e

    semelhantes)25.

    25

    Quia substantia dicitur quatuor modis; uno modo substantia dicitur materia (ut materia Sortis vel ignis vel aliorum elementorum); alio autem modo substantia dicitur forma (ut forma Sortis et aliarum rerum naturalium); tertio autem modo substantia dicitur compositum ex hiis, scilicet ex materia et

  • 32

    Uma vez esclarecidos os elementos constitutivos do De predicabilibus, torna-

    se necessrio investigarmos o prximo livro, a saber, o De Predicamentis. Passemos

    a ele.

    1.4.3 De predicamentis

    O tratado, em sua maior parte, glosa o livro das Categorias e, como este,

    contm alguns elementos da teoria da predicao de Aristteles que, segundo

    Angioni (2006, p. 20), uma teoria a respeito das correlaes entre, de um lado, as

    estruturas objetivas pelas quais as coisas se do no mundo e, de outro, as

    estruturas lgico-lingusticas pelas quais pretendemos constat-las e remeter a

    elas.

    Inicialmente, seguindo as Categorias (1, 1a 1-15), Pedro Hispano distingue

    trs modos de predicao, pois das coisas que so ditas, umas so equvocas,

    outras unvocas, outras denominativas26. A esse respeito, Ponzio (2002, p. 608)

    considera que:

    Equivoco corresponde ao que Aristteles chama homnimo;

    unvoco a sinnimo, denominativo a parnimo. Em Aristteles, a

    referncia desses termos ao objeto; em Pedro Hispano, embora

    recupere a distino de Aristteles, j h a mudana prpria da

    lgica terminista, dos objetos para sinais ou nomes; ou melhor: aqui

    o discurso posto de tal maneira a poder ser entendido em sentido

    no apenas ontolgico ou realstico, mas tambm em sentido

    forma (ut Sortes et alia individua); quarto autem modo substantia dicitur essencia dicens quid sive predicabile de pluribus (ut homo, animal, et consimililia (Sync. V, 2). 26

    eorum igitur que dicuntur, alia sunt equivoca, alia quidem univoca, alia vero denominativa (SL, III, 1).

  • 33

    terminstico, porque consegue manter uma certa autonomia das

    questes de ordem metafsica27.

    A observao de Ponzio parece apontar para o fato de que na investigao

    da lgica dos termos j no se faz necessrio assumir uma defesa nem do realismo

    nem do nominalismo. H, pois, um distanciamento de Pedro Hispano das questes

    ontolgicas e sua fixao nas questes lingusticas. Uma leitura possvel a de que

    Aristteles se refere a sinais de primeira imposio, isto , aqueles que designam

    coisas, enquanto Pedro Hispano trata de sinais de segunda imposio, ou seja,

    aqueles que supem por outros sinais. Contudo, isso no implica uma postura

    nominalista, Pedro Hispano no pensa serem os universais meras emisses

    voclicas, e entendemos que o empreendimento da anlise das propriedades dos

    termos da proposio, de que Pedro Hispano se ocupa na parte da logica

    modernorum nas Summulae Logicales, est alicerada, fortemente, numa base

    ontolgica, como veremos no segundo captulo desse trabalho, e possvel

    caracterizar uma postura realista do filsofo, enquanto trata dos universais como

    coisas.

    A segunda distino do livro a presente nas Categorias (2, 1a 15-20), de

    entre as coisas que se dizem, umas dizem-se com ligao, outras sem ligao, ou

    seja, as sentenas e os termos. Mas antes de aprofundar esse assunto, Pedro

    Hispano aduz a terceira distino, concernente a oito modos de ser em, que faz

    referncia Fsica IV, 3 de Aristteles. Os oito modos de inerncia so:

    27

    Equivoco corrisponde a ci che Aristotele chiama omonimo; univoco a sinonimo, denominativo a paronimo. In Aristotele il riferimento di questi termini agli oggetti; in Pietro Ispano, bench si riprenda la distinzione di Aristotele, si avverte gi lo spostamento proprio della logica terministica, dagli oggetti ai segni o nomi; o meglio: qui il discorso impostato in maniera tale da poter essere inteso non soltanto in senso ontologico o realistico, ma anche in senso terministico o nominalistico, perch riesce a mantenere una certa autonomia dalle questioni di ordine metafisico.

  • 34

    A parte est no todo, como o dedo na mo;

    O todo est em uma de suas partes, como a casa na parede;

    A espcie est no gnero, como a espcie homem est contida no gnero

    animal;

    O gnero est na espcie, como animal no homem;

    A forma est na matria, tanto a forma substancial como a forma acidental;

    Qualquer coisa est no seu princpio eficiente, como o reino no reinante;

    Qualquer coisa est na sua finalidade, como a virtude na felicidade;

    Qualquer coisa est no lugar que a contm28.

    A prxima distino, que tirada das Categorias (2, 1a15ss), considera

    simultaneamente as relaes de predicao e inerncia. So de quatro tipos:

    Dentre as coisas que so, algumas so ditas do sujeito, mas no esto no

    sujeito29.

    outras nem so ditas do sujeito nem esto no sujeito30.

    outras so ditas do sujeito e esto no sujeito31.

    outras esto no sujeito, mas no so ditas de qualquer sujeito32.

    Feitas as distines, Pedro Hispano parte para a apresentao das dez

    categorias, que sintetizamos no quadro abaixo:

    28

    Cf. SL III, 2. 29

    Eorum que sunt alia dicuntur de subiecto, in subiecto vero nullo sunt (SL, III, 3). 30

    Alia vero neque dicuntur de subiecto neque sunt in subiecto (SL, III, 3). 31

    Alia vero dicuntur de subiecto et sunt in subiecto (SL, III, 3). 32

    Alia vero in subiecto sunt, de subiecto autem nullo dicuntur (SL, III, 3).

  • 35

    Figura 4 Quadro expositivo das 10 categorias e exemplos

    Categoria Expresso empregada por Pedro Hispano

    Exemplo

    Substncia Substantiam homem, cavalo

    Quantidade Quantitatem de dois cvados, de trs cvados

    Qualidade Qualitatem branco, negro

    Relao Ad aliquid dobro, triplo

    Lugar Ubi no lugar.

    Tempo Quando recentemente, amanh

    Posio Situm esse estar sentado, deitado

    Posse Habere estar armado

    Ao Facere cortar, queimar

    Paixo Pati ser cortado, ser queimado Fonte: elaborado a partir de Summulae Logicales, III.

    Em conformidade com Aristteles, a substncia classificada em substncia

    primeira e substncia segunda. Aquela o objeto singular, cada indivduo, que no

    pode ser predicado de algum sujeito e ocupa a parte mais inferior na rvore de

    Porfrio. J as substncias segundas so as espcies em que esto as substncias

    primeiras e os gneros dessas espcies, como homem e animal33. Tanto a

    substncia primeira como a segunda no esto em qualquer sujeito como um

    acidente, que inere no ente. Quanto substncia primeira diz-se isso por definio.

    Quanto substncia segunda, diz Pedro Hispano, comentando as Categorias (5, 3a

    5-20), que se chega concluso de que ela no acidente por induo e por

    silogismo. O raciocnio por induo o seguinte: Homem no est no sujeito,

    cavalo no est no sujeito, nem animal, e assim para as outras substncias;

    portanto, nenhuma substncia segunda est no sujeito34. Enquanto o silogismo :

    Nenhuma das coisas que esto no sujeito, so predicadas pelo nome e pela

    33

    Secunde substantie sunt species in quibus sunt prime substantie et harum specierum genera, ut homo et animal (SL, III, 6). 34

    Homo non est in subiecto, equus non est in subiecto, neque animal, et sic de aliis secundis substantiis; ergo nulla secunda substantia est in subiecto (SL, III, 8).

  • 36

    definio; mas toda substncia segunda predicada pelo nome e pela definio;

    logo nenhuma substncia segunda est no sujeito35.

    Tendo percorrido os elementos do De predicamentis, cabe-nos investigar, na

    sequncia proposta no incio dessa seo, o livro De sillogismis. Passemos a ele.

    1.4.4 De sillogismis

    No tratado De Sillogismis esto apresentadas as regras de formao e

    convertibilidade dos silogismos, alm das definies de proposio bastante

    explicada no tratado De Introductionibus , silogismo, figura e modo. Escreve Pedro

    Hispano que proposio a frase que afirma ou nega alguma coisa de algum ou

    de algo36. Por conseguinte, so proposies apenas as sentenas afirmativas ou

    negativas, isto , as sentenas declarativas que Aristteles chama

    . relacionada com a proposio que aparece a primeira definio de

    termo (embora Pedro Hispano j houvera mencionado a expresso termo comum

    no tratado De Introductionibus), a saber, termo aquilo em que se decompe a

    proposio, como o sujeito e o predicado37. So os termos da proposio que tm

    suas propriedades analisadas na logica modernorum.

    O conceito de silogismo apresentado em consonncia com Aristteles nos

    Primeiros Analticos. Escreve Pedro Hispano: Silogismo o discurso em que,

    postas certas coisas, necessariamente outras aparecem atravs das que foram

    35

    Nichil eorum que sunt in subiecto, predicatur nomine et ratione; sed omnis secunda substantia predicatur nomine et ratione; ergo nulla secunda substantia est in subiecto (SL, III, 8). 36

    Propositio est oratio affirmativa vel negativa alicuius de aliquo vel alicuius ab aliquo (SL, IV, 1). 37

    Terminus est in quem resolvitur propositio ut subiectum et predicatum (SL, IV, 1).

  • 37

    dadas38. Ou, simplesmente, postas as premissas, que so duas proposies, uma

    terceira proposio, a concluso, decorre delas. O primeiro exemplo de silogismo :

    Todo animal substncia

    Todo homem animal

    Portanto, todo homem substncia39.

    Figura do silogismo indica o ordenamento entre sujeito e predicado nas

    premissas. So trs as figuras do silogismo. A primeira figura aquela em que o

    termo mdio sujeito na primeira premissa e predicado na segunda. O exemplo

    dado por Pedro Hispano :

    todo animal substncia

    todo homem animal40.

    A segunda figura aquela cujo termo mdio predicado em ambas as

    premissas. O exemplo dado o seguinte:

    todo homem animal

    nenhuma pedra animal41.

    A terceira figura, por fim, a que tem o mesmo termo como sujeito em ambas

    as premissas. Exemplifica Pedro Hispano:

    todo homem animal

    38

    Sillogismus est oratio in qua quibusdam positis necesse est aliud accidere per ea que posita sunt (SL, IV, 2). 39

    omne animal est substantia. omnis homo est animal. ergo omnis homo est substantia (SL, IV, 2). 40

    omne animal est substantia. omnis homo est animal (SL, IV, 3). 41

    omnis homo est animal. nulus lpis est animal (SL, IV, 3).

  • 38

    todo homem capaz de rir42.

    Alm das figuras, o silogismo tem modos, que so as relaes de quantidade

    universal ou particular e qualidade afirmativa ou negativa que determinam as

    premissas. Assim, as figuras subdividem-se em dezenove modos de silogismos

    vlidos que tm como concluso proposies: a) universais afirmativas, b) universais

    negativas, c) particulares afirmativas ou, d) particulares negativas.

    Dos dezenove modos, nove esto na primeira figura. Desses, os quatro

    primeiros modos so concludos diretamente, ou seja, na concluso o extremo maior

    predicado do menor e, para que haja silogismos, a premissa maior deve ser

    universal e a premissa menor deve ser afirmativa, necessariamente. Os demais

    cinco modos da primeira figura so concludos indiretamente, pois na concluso o

    extremo menor predicado do maior43. Alm disso, observa-se que nessa figura

    ocorrem todos os tipos de concluso qualitativa e quantitativamente. A segunda

    figura contm quatro modos e suas concluses so apenas universais negativas ou

    particulares negativas. Nessa figura, a premissa maior deve ser sempre universal e

    um dos termos deve ser negativo. J a terceira figura tem seis modos, mas sempre

    com concluses particulares, sejam afirmativas ou negativas e a premissa menor

    nunca pode ser negativa.

    Todos os modos dos silogismos vlidos so conversveis nos quatro

    silogismos perfeitos da primeira figura mediante regras tratadas por Aristteles nos

    Primeiros Analticos e apresentadas por Pedro Hispano nas Summulae, juntamente

    com o mtodo mnemnico que uma das possveis razes para to ampla difuso

    do seu compndio de lgica.

    42

    omnis homo est animal. omnis homo est risibilis (SL, IV, 3). 43

    Atribui-se a Galeno, sc.II a classificao desses cinco modos como uma quarta figura, contudo essa outra diviso no mencionada por Pedro Hispano.

  • 39

    Os versos mnemnicos so os seguintes:

    BARBARA CELARENT DARII FERIO BARALIPTON

    CELANTES DABITIS FAPESMO FRISESOMORUM.

    CESARE CAMBESTRES FESTINO BAROCHO DARAPTI.

    FELAPTO DISAMIS DATISI BOCARDO FERISON44.

    Essas palavras so usadas tanto para o aprendizado de todos os modos das

    trs figuras como para que se aprenda a reduzir todos os demais modos em

    Barbara, Celarent, Darii e Ferio, uma vez que representam silogismos perfeitos.

    Nesses nomes, a funo das vogais justamente indicar a quantidade e a

    qualidade das proposies. Assim, A significa universal afirmativa, E representa

    universal negativa, I indica particular afirmativa e O representa particular negativa,

    como no quadrado das oposies, de modo que Barbara um silogismo formado

    apenas por proposies universais afirmativas. Celarent um silogismo em que a

    primeira premissa universal negativa, a segunda premissa universal afirmativa e

    a concluso universal negativa. Em Darii, a primeira premissa universal

    afirmativa, j a segunda premissa e a concluso so particulares afirmativas. Ferio,

    finalmente, indica que no quarto modo da primeira figura a primeira premissa

    universal negativa, a segunda premissa particular afirmativa e a concluso

    particular negativa.

    Nas palavras dos versos mnemnicos tambm tm sentido as consoantes

    iniciais B, C, D e F, que indicam a que modo da primeira figura os demais so

    redutveis. Desse modo, Baralipton, Barocho e Bocardo so redutveis Barbara;

    Celantes, Cesare e Cambestres convertem-se em Celarent; Dabitis, Darapti, Disamis

    44

    SL, IV, 13.

  • 40

    e Datisi so redutveis a Darii; e Fapesmo, Frisesomorum, Festino, Felapto e Ferison

    so conversveis em Ferio.

    Tm significado, finalmente, as consoantes s, p, m e c, a saber: s exprime que

    a proposio indicada pela letra precedente a ela deve sofrer conversio simplex, ou

    seja, o sujeito e o predicado devem ser postos um no lugar do outro sem que a

    quantidade seja alterada; p exprime que a proposio indicada pela letra precedente

    a ela deve sofrer conversio per accidens, ou seja, a posio do sujeito e do

    predicado deve ser trocada juntamente com a quantidade; m indica uma inverso

    das premissas; e c aponta a reductio per impossibile.

    Finalizado nosso estudo acerca desse tema, nosso prximo objeto de

    investigao, o livro a ser examinado, o De locis.

    1.4.5 De locis

    Esse tratado discorre propriamente sobre a argumentao dialtica e, por

    isso, tendo Pedro Hispano esclarecido os vrios sentidos do termo Ratio, se utiliza

    deste como meio que infere a concluso45 para definir argumento e argumentao.

    Vejamos: Argumento ratio que persuade sobre o que duvidoso, isto , meio que

    prova a concluso que deve ser confirmada pela argumentao [...]. Argumentao

    a explicao do argumento atravs do discurso, isto discurso que expe o

    argumento46.

    45

    Alio autem modo ratio idem est quod medium inferens conclusionem (SL, V, 1). 46

    Argumentum est ratio rei dubie faciens fidem, idest medium probans conclusionem que debet confirmari per argumentum [...]. Argumentatio est argumenti per orationem explicatio, idest oratio explicans argumentum (SL, V, 2).

  • 41

    Existem quatro tipos de argumentao: silogismo (tema do tratado IV),

    induo, entimema e exemplo. Para confirmar um argumento, considera-se seu

    topos, ou lugar, ou simplesmente, conforme Meirinhos (2010, p. 345), regra que

    permite garantir a validade de certas concluses de acordo com os termos que esto

    presentes nas premissas. Os topoi que so apresentados por Pedro Hispano e

    que remetem a doutrina boeciana dos loci so esquematizados por Meirinhos na

    figura abaixo:

    Figura 5 Esquema dos loci em Pedro Hispano

    Fonte: Meirinhos, 2002, p. 346

    Esses lugares so exemplificados com entimemas, exceto o lugar mximo ou

    proposio mxima, que evidente e no requer demonstrao como todo inteiro

    maior que suas partes, de tudo que se predica a definio, tambm se predica o

    definido, de tudo que se predica a espcie, se predica tambm o gnero47.

    47

    Cf. SL, V, 4.

  • 42

    Se pelos lugares dialticos constroem-se argumentos vlidos e os entimemas

    devem ser convertidos em silogismos completos, o mesmo no ocorre com os

    lugares sofsticos, que implicam falcias, mas, j que estas tambm ocorrem com

    frequncia nas disputas, elas so tratadas largamente na Summulae Logicales.

    Finalmente, percorrido os esclarecimentos realizados para a compreenso do

    De locis, resta-nos, para percorrermos a anlise dos seis livros propostos,

    analisarmos o De fallacis. Passemos a ele.

    1.4.6 De fallaciis

    Conforme j mencionamos acima, o tratado De fallaciis o stimo das

    Summulae Logicales, ficando separado do conjunto dos textos de logica antiquorum,

    o que se justifica pelo fato de a teoria da suposio [de que trataremos adiante] ter

    a sua origem histrica na anlise das falcias in dictione [no discurso], oferecendo

    como que um fundamento para a resoluo de certos sofismas pela compreenso

    da extenso semntica da referncia de certos termos na proposio (MEIRINHOS

    in CALAFATE, 2002, p. 347). Neste tratado, as falcias so apresentadas como

    elementos a serem considerados na disputatio, que , de acordo com Pedro

    Hispano, o ato silogstico de um contra outro com o propsito de demonstrar48. A

    disputatio composta por cinco elementos: oponente, respondente, tese, o prprio

    ato da disputa e seu instrumento. O instrumento perfeito da disputa o silogismo.

    Alm deste, como observamos, h a induo, o entimema e o exemplo, que tambm

    so instrumentos para a disputa, mas no em sentido pleno.

    48

    Disputatio est actus silogisticus unius ad alterum ad propositum ostendendum (SL, VII, 1).

  • 43

    A disputatio pode tambm ser classificada em quatro tipos: didtica (feita por

    meio de silogismos demonstrativos, cujas premissas so verdadeiras), dialtica

    (cujas premissas so provveis), probabilstica (cujas premissas so consideradas

    provveis pelo respondente) e sofstica (embasada em premissas aparentemente

    provveis), esta ltima o principal tema do stimo tratado das Summulae

    Logicales.

    A disputatio sofstica pretende levar quem se ope na disputa refutao, ao

    falso, ao paradoxo, ao solecismo e redundncia. A refutao se d quando, pela

    argumentao, se chega negao do que antes era afirmado. O falso advm de

    dois casos, pois ou uma contradio, como Scrates corre e no corre, conforme

    exemplifica Pedro Hispano, mas nesse caso o respondente facilmente capaz de

    identificar o falso, ou a falsidade j est na proposio e, sendo isso desconhecido

    pelo respondente, provvel concluir o falso por engano, j que a argumentao

    correta. H paradoxo quando uma opinio contrria a de todos os outros homens,

    ou da maioria, ou dos sbios. O solecismo ocorre quando se transgridem regras

    gramaticais, como concordncia verbal e nominal. A redundncia a repetio de

    termos inutilmente. Pedro Hispano enfatiza que tal repetio intil quando ocorre

    na mesma parte da proposio, como Homem homem corre, o que diferente de

    expresses como O homem o homem, que no intil na argumentao, e

    expresses como Deus, Deus meu, que serve para enfatizar o discurso49.

    Tendo apresentado as finalidades da disputatio sofstica, pois, na inteno, os

    fins antecedem os meios, e constatado que [...] os sofistas mais querem parecer

    sbios sem serem do que ser e no parecerem50, Pedro Hispano discorre sobre as

    treze falcias seis que concernem a dictione e sete que so extra dictione

    49

    Cf. SL, VII, 18. 50

    [...] sophiste magis volunt videri sapientes es non esse quam esse et nom videri (SL, VII, 21).

  • 44

    empregadas na disputa para persuadir o adversrio. As seis falcias concernentes

    ao discurso so: equivocao, anfibolia, composio, diviso, acento e figura do

    discurso51. Pedro Hispano pretende seguir Aristteles nas Refutaes Sofsticas,

    que prova, por induo e por silogismo, que toda falcia in dictione advm de um

    desses seis modos. O silogismo em BARBARA para tal prova o seguinte:

    Todo engano pelo fato de que com os mesmos nomes e frases no

    significamos o mesmo ocorre em qualquer um desses seis modos;

    Mas toda falcia in dictione ocorre do fato de que no significamos a

    mesma coisa com os mesmos nomes e frases.

    Portanto, toda falcia in dictione ocorre em qualquer um desses seis modos52.

    Cada premissa desse silogismo demonstrada por outro silogismo. Para a

    maior:

    Toda multiplicidade de discurso ocorre em qualquer um desses seis

    modos;

    Mas todo engano pelo fato de que com os mesmos nomes e frases

    no significamos a mesma coisa ocorre pela multiplicidade do

    discurso;

    Portanto, todo engano pelo fato de que com os mesmos nomes e

    frases no significamos o mesmo ocorre em qualquer um desses

    seis modos53.

    O silogismo para a premissa menor :

    51

    Cf. SL, VII, 24: equivocatio, amphibolia, compositio, divisio, accentus, figura dictionis. 52

    Omnis deceptio facta ex eo quod eisdem nominibus vel orationibus non idem significamus, fit aliquo istorum sex modorum; sed omnis fallacia in dictione fit ex eo quod eisdem nominibus vel orationibus non idem significamus; ergo omnis fallacia in dictione fit aliquo istorum sex modorum (SL, VII, 25). 53

    Omnis multiplicitas dictionis fit aliquo istorum sex modorum; sed omnis deceptio facta ex eo quod eisdem nominibus vel orationibus non idem significamus, fit ex multiplicitate dictionis; ergo omnis deceptio facta ex eo quod eisdem nominibus vel orationibus non idem significamus, fit aliquo istorum sex modorum (SL, VII, 25)

  • 45

    Toda malcia do discurso ocorre pelo fato de que com os mesmos

    nomes e frases no significamos a mesma coisa;

    Mas toda falcia in dictionis ocorre pela malcia do discurso;

    Portanto, toda falcia in dictionis ocorre pelo fato de que no

    significamos a mesma coisa com os mesmos nomes e frases54.

    Considerando esses casos em que significamos coisas distintas com os

    mesmos nomes e frases, Pedro Hispano parte para a exposio dos tipos de falcia

    in dictionis e suas subdivises. Essa tarefa se estende do 24 ao 100 no tratado

    VII. Como todas as falcias tm dois princpios ou causas a causa da aparncia e

    a causa da inexistncia , ambos sero identificados em cada tipo de falcia, mas

    antes convm esclarecer esses dois tipos de princpios. Diz Pedro Hispano: O

    princpio motor, ou causa da aparncia em qualquer falcia, aquilo que leva a crer

    no que no . J o princpio do defeito ou causa da falsidade aquilo que faz o que

    se acredita ser falso55.

    A primeira falcia tratada a equivocao, que assim definida: a falcia da

    equivocao o engano causado em ns pela incapacidade de distinguir os

    diversos aspectos que o mesmo nome apresenta simplesmente56, sua causa

    motora o emprego de uma mesma expresso em diferentes situaes sem

    considerar a variao de sentido que ocorre, j a causa da falsidade justamente a

    diversidade de significados que uma mesma palavra pode ter. Isso abarca tanto

    homnimos, como a palavra manga, quanto palavras que nos diferentes usos

    significam o mesmo, mas com distintas nuanas de sentido, como, exemplifica

    54

    Omnis malitia dictionis fit ex eo quod eisdem nominibus vel orationibus non idem significamos; sed omnis fallacia in dictione fit ex malitia dictionis; ergo omnis fallacia in dictione fit ex eo quod eisdem nominibus vel orationibus non idem significamus (SL, VII, 24). 55

    Principium autem motivum sive causa apparentie in qualibet fallacia est quod movet ad credendum quod non est. Principium vero defectus sive causa falsitatis est quod facit creditum esse falsum (SL, VII, 27). 56

    fallacia equivocationis est deceptio causata in nobis ex impotentia distinguendi diversas in eodem nomine rationes simpliciter (SL, VII, 28).

  • 46

    Pedro Hispano, na palavra saudvel, que significa sempre a mesma sade, porque

    se trata da sade de um animal, mas segundo modos diversos [nas expresses a

    urina est saudvel, a comida saudvel, a dieta saudvel, a medicina

    saudvel]57. Alguns silogismos para essa falcia so:

    Todo co capaz de ladrar;

    Mas certo animal marinho um co;

    Portanto, certo animal marinho capaz de ladrar58.

    Obviamente, devido aos diferentes significados de co, a concluso no

    decorre das premissas. J quando temos um verbo equvoco, formam-se falcias

    como:

    Tudo que ri tem boca;

    O gramado ri,

    Logo o gramado tem boca59.

    Nesse caso as premissas so ambguas, j que o verbo ridere tem mais de

    um sentido, a saber, rir e florescer. Finalmente, exemplificando a terceira espcie

    destas falcias, temos:

    Todo aquele que se levanta est em p;

    O sentado se levanta,

    Logo o sentado est em p60.

    Sendo a premissa menor ambgua, a concluso decorrente falsa.

    57

    [...] ut in hoc nomine sanum, quod significat semper eandem sanitatem quia sanitatem animalis sed secundum modos diversos(SL, VII, 28). 58

    omnis canis est latrabile. Sed quoddam marinum animal est canis. Ergo quoddam marinum animal est latrabile (SL, VII, 30). 59

    Quicquid ridet, habet os. Sed pratum ridet. Ergo pratum habet os (SL, VII, 32). 60

    Quicumque surgebat, stat. Sedens surgebat. Ergo sedens stat (SL, VII, 36).

  • 47

    A segunda falcia in dictione a anfibolia. Diz-se anfibolia de amphi, que

    dbio, e bole, que sentena ou logos, discurso, indicando uma sentena dbia

    ou um discurso dbio61. Alguns paralogismos em que ocorrem anfibolias:

    Qualquer coisa que de Aristteles possuda por Aristteles.

    Este livro de Aristteles.

    Portanto, este livro possudo por Aristteles62.

    A expresso de Aristteles pode ter diferentes significados, como ser

    possudo por Aristteles ou ser produzido por Aristteles, ocasionando a falcia.

    Em seguida, Pedro Hispano trata conjuntamente da composio e da diviso.

    Ora, s vezes, partes das oraes se juntam ou separam erroneamente, provocando

    as falcias como no paralogismo:

    A quem possvel caminhar ocorre que caminhe.

    Mas quem est sentado possvel caminhar.

    Logo, ocorre que quem est sentado caminhe63.

    Como se pode observar, a falcia ocorre porque, empregando-se a expresso

    possvel em sentidos diferentes, se infere que algum caminha e est sentado,

    quando se deveria concluir que quem est sentado tem a potncia para caminhar.

    Isso fica bastante claro nas Refutaes Sofsticas de Aristteles (366a 23ss) que diz:

    A ambiguidade e a homonmia (equivocao) assumem, assim, tais

    formas. Os exemplos que se seguem dizem respeito combinao

    61

    Dicitur autem amphibolia ab amphi, quod est dubium, et bole, quod est sententia, - vel logos, quode est sermo, quasi dubia sententia vel dubius sermo (SL, VII, 44). 62

    Quicquid est Aristotilis, possidetur ab Aristotile. Iste liber est Aristotilis. Ergo iste liber possidetur ab Aristotile (SL, VII, 45). 63

    Quemcumque ambulare est possibile, contingit quod ipse ambulet. Sed sedentem ambulare est possibile. Ergo contingit quod sedens ambulet (SL, VII, 68).

  • 48

    de palavras, por exemplo: Algum pode caminhar enquanto sentado

    e escrever enquanto no escrevendo. A significao no a mesma

    se algum proferir as palavras separadamente como se algum as

    combinar, dizendo ser possvel caminhar enquanto sentado [...]

    (ARISTTELES, 2010, p. 550).

    Outra falcia produzida pela tonicidade da palavra, ou pelo acento,

    entendendo-se acento [...] em geral, como toda forma de pronunciar [...]64. Um

    exemplo dado por Pedro Hispano a palavra latina populus, que significa certo

    gnero de rvores, quando ppls, e povo, se ppls. Assim, o paralogismo:

    Todo choupo [ppls] rvore.

    Mas a nao povo [ppls].

    Portanto, a nao rvore65.

    A ltima falcia in dictione so as figuras de expresso. Para esclarec-las,

    Pedro Hispano cita o captulo VII das Refutaes Sofsticas de Aristteles,

    referindo-se ao seguinte trecho:

    Nas falcias ligadas figura de linguagem, o erro se deve

    similaridade da linguagem, pois difcil distinguir qual tipo de coisas

    pertence s mesmas categorias e quais a diferentes categorias. Com

    efeito, aquele que pode realizar esta distino se coloca sumamente

    prximo da contemplao da verdade (ARISTTELES, 2010, p.

    559).

    As sete falcias seguintes 1) acidente, 2) segundo o qu e simplesmente,

    3) ignorncia do elenco, 4) petio de princpio (toma-se o que se pretendo provar

    como princpio), 5) consequncia, 6) considerar o que no causa como causa, 7)

    mltiplas perguntas como uma , que concluem o tratado VII, so extra dictione.

    64

    [...] accentus sumitur hic communiter ad omnem modum proferendi [...] (SL, VII, 81). 65

    Omnis populus est arbor. Sed gens est populus. Ergo gens est arbor (SL, VII, 79).

  • 49

    Estas diferem das primeiras porque a causa da aparncia e a causa da no

    existncia esto na coisa. [...] J a falcia in dictione a que a causa da aparncia

    est no discurso e a causa da falsidade na coisa66.

    Percorridos todos os caminhos que foram propostos para o primeiro captulo

    de nossa dissertao, podemos investigar de que forma a propriedade dos termos

    torna-se fundamental na discusso e investigao lgica no sistema de Hispano.

    Esse ser o objeto de nosso prximo captulo.

    66

    Fallacia extra dictionem dicitur cuius causa apparentie et causa non existentie est in re. Et per hoc differt a fallaciis in dictione. Fallacia enim in dictione est cuius causa apparentie est in dictione et causa falsitatis in re (SL, VII, 101).

  • 2. AS PROPRIEDADES DOS TERMOS COMO CENTRO DA

    INVESTIGAO DA LOGICA MODERNORUM NAS SUMMULAE

    LOGICALES DE PEDRO HISPANO

    Como j dissemos no captulo anterior, os termos e os elementos

    sincategoremticos so os elementos da proposio e esta a unidade lingustica

    primria das investigaes filosficas no medievo. Isso est em sintonia com a

    posio de Aristteles no Peri Hermeneias, que suspende a reflexo sobre qualquer

    outro tipo de discurso que no seja a proposio, anunciando de forma incisiva:

    deixemos de lado esses outros tipos [de discurso], pois seu exame pertence

    retrica ou potica. Vamos considerar agora o discurso declarativo67. Para

    Aristteles, qualquer uma das partes da orao, se tomadas isoladamente, tm

    significado, mas no afirmam ou negam qualquer coisa de algo. Diz Aristteles que

    a sentena fala dotada de significao, sendo que esta ou aquela sua parte pode

    ter um significado particular de alguma coisa, ou seja, que enunciado, mas no

    expressa uma afirmao ou uma negao68. Em outras palavras, os termos no

    encerram em si verdade ou falsidade, apesar de terem um significado.

    Nas Summulae logicales, Pedro Hispano trata das propriedades dos termos,

    ficando os elementos sincategremticos para outra obra. Inicialmente, convm

    saber que termo (Terminus) traduo de , que indica as palavras que

    ocupam os lugares extremos de uma proposio, ou seja, o sujeito e o predicado.

    67

    , ,

    . (Aristteles, Peri Hermeneias 17a5-8). Esta e outras tradues do Peri Hermeneias so do professor Giovanni da Silva de Queiroz. 68

    , ,

    . (Aristteles, Peri Hermeneias 16b25).

  • 51

    Entretanto, tambm podem ser analisados ainda que separados de uma proposio,

    pois significam algo. Termo suporta apenas as noes de nome e verbo do

    tratado De Introductionibus, sendo a voz significativa ad placitum simples ou

    incomplexa, isto , sem ligao com outros termos, que significa ou a substncia,

    ou a quantidade, ou a qualidade, ou a relao a algo, ou o fazer, ou o padecer,

    etc.69. Diz-se do termo ser voz, para se estabelecer a diferena com os demais sons

    no vocais. voz significativa porque representa algo ao ouvido, seja o nome

    homem ou um gemido, exemplifica Pedro Hispano, em oposio a buba que

    voz no-significativa. Diz-se ser ad placitum, pois institudo convencionalmente,

    em oposio voz significativa por natureza. Finalmente, o termo voz simples ou

    incomplexa, em oposio orao, que voz composta ou complexa.

    As propriedades dos termos so significatio, suppositio, appellatio, copulatio,

    relativum, ampliatio, restrictio e distributio (significao, suposio, apelao,

    copulao, relativo, ampliao, restrio e distribuio).

    No presente captulo nos deteremos na investigao das propriedades que se

    tornaram as mais importantes dentro do modelo lgico de Hipano. Assim, as

    investigaremos tendo em vista sua importncia dentro da obra de nosso autor e

    tendo como objetivo o entendimento de suas proposies basilares. Para isso

    iremos investig-las dividindo o presente captulo em trs sees. Na primeira

    analisaremos a significatio e a suppositio. Entrementes, para que tais noes se

    tornem claras, precisaremos percorrer, brevemente, a classificao da suppositio

    desenvolvida por nosso autor. Na segunda seo examinaremos a apellatio. Na

    terceira seo nos ocuparemos de investigar as propriedades decorrentes da

    69

    [...] aut significat substantiam, aut quantitatem, aut qualitatem, aut ad aliquid, aut facere, aut pati, et sic de aliis (SL, VI, 1).

  • 52

    suppositio: relativum; restricto e ampliatio; e distributio. Passemos s nossas

    anlises.

    2.1 Significatio e Suppositio

    Em primeiro lugar dentre as propriedades dos termos devemos falar da

    Significatio. Sua definio aparece no tratado De Suppositionibus da Summulae

    Logicales, como segue:

    A significao do termo, como aqui assumida, a representao

    de uma coisa pela voz secundum placitum. Porque toda coisa ou

    universal ou particular, mister que as expresses que no

    significam o universal nem o particular no significam alguma coisa.

    E assim no sero termos conforme ao que assumimos como

    terminus; assim como so termos os sinais universais e

    particulares70.

    A passagem acima requer algumas observaes. Primeiramente ela refora o

    carter convencional da linguagem, de modo que os termos so cunhados para

    representar coisas. Em segundo lugar, h uma dificuldade quanto ao uso de

    particularis fazendo referncia a coisas, pois parece que o texto pretende reproduzir

    o que est no Peri Hermeneias de Aristteles (7,17a39-17b): Das coisas, umas so

    universais e outras singulares (chamo universal o que natural que se predique de