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PESQUISA Research Volume 21 Número 2 Páginas 103-110 2017 ISSN 1415-2177 Revista Brasileira de Ciências da Saúde A Mídia e sua Relação com a Formação de Opiniões Sobre o Sistema Único de Saúde The Media and Its Relationship with the Formation of Opinion on the Brazilian Healthcare System JANAÍNE CHIARA OLIVEIRA MORAES 1 CYNARA RODRIGUES CARNEIRO 2 HANDERSON RAPHAEL FERNANDES VALE DA CRUZ 3 ILUSKA PINTO DA COSTA 1 MÔNICA RAFAELA DE ALMEIDA 4 Docente Mestre da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Cajazeiras. Paraíba. Brasil. Docente da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Cajazeiras. Paraíba. Brasil. Médico Residente em Ortopedia pelo Hospital da Restauração. Recife. Pernambuco. Brasil. Psicóloga da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Mossoró. Rio Grande do Norte. Brasil. 1 2 3 4 RESUMO Objetivo: investigar a relação da mídia na formação de opiniões sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), identificando se as informações passadas pela mídia à população contribuem para formação de opiniões negativas ou positivas acerca desse sistema. Material e Métodos: trata-se de um estudo quantitativo, realizado em duas unidades básicas de saúde com 100 usuários, escolhidos de forma não- probabilística acidental, sendo utilizado para a coleta de dados um questionário de entrevista, de elaboração própria, contendo perguntas objetivas referentes ao delineamento da amostra e à temática proposta. Resultados: 91,1% dos participantes consideram que os meios de comunicação contribuem para a formação de opiniões acerca do SUS; 88,9% associam os informes veiculados a uma realidade que é tida como nacional e mais da metade das pessoas (58,9%) acreditam que a mídia tende a direcionar a sociedade para que esta fique em dúvida com relação à qualidade do SUS. Conclusão: observa-se que a mídia detém o poder de moldar com suas matérias, a visão dos telespectadores sobre determinados assuntos, estendendo-se essa influência a todas as classes e níveis socioeconômicos. Com relação ao SUS, as imagens passadas pelos meios comunicativos incitam a críticas pessimistas frequentes e isso, não obstante, compromete a efetivação do sistema enquanto esfera de participação social. DESCRITORES Meios de Comunicação. Opinião Pública. Sistema Único de Saúde. ABSTRACT Objective: To investigate the role of the media in forming opinion on the Brazilian Healthcare System (SUS), and to identify whether the information streamed through the media has contributed to the formation of negative or positive opinions about the SUS. Methods: This was a quantitative study carried out in two primary care units with 100 individuals, selected by random non-probabilistic sampling. The data were collected using an interview questionnaire with objective questions related to sample profile and to the proposed topic. Results: 91.1% of the respondents considered that the media contributes to the formation of opinions about the SUS; 88.9% of them associate the streamed reports to the national reality; and more than half the sample (58.9%) believe that the media tends to misdirect the society in such a way to doubt the quality of the SUS. Conclusion: The media has the power to shape viewer’s opinions with their reports on certain subjects, extending this influence to all classes and socioeconomic levels. As to the SUS, the big picture transmitted by the main stream incites frequent pessimistic criticism, which compromises the effectiveness of the system as a sphere of social participation. DESCRIPTORS Communications Media. Public Opinion. Unified Health System. http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs DOI:10.4034/RBCS.2017.21.02.01

A Mídia e sua Relação com a Formação de Opiniões Sobre o ......A Mídia e sua Relação com a Formação de Opiniões Sobre o Sistema Único de Saúde R bras ci Saúde 21(2):103-110,

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PESQUISA

Research Volume 21 Número 2 Páginas 103-110 2017ISSN 1415-2177

Revista Brasileira de Ciências da Saúde

A Mídia e sua Relação com a Formação deOpiniões Sobre o Sistema Único de Saúde

The Media and Its Relationship with the Formation of Opinion on the BrazilianHealthcare System

JANAÍNE CHIARA OLIVEIRA MORAES1

CYNARA RODRIGUES CARNEIRO2

HANDERSON RAPHAEL FERNANDES VALE DA CRUZ3

ILUSKA PINTO DA COSTA1

MÔNICA RAFAELA DE ALMEIDA4

Docente Mestre da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Cajazeiras. Paraíba. Brasil.Docente da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Cajazeiras. Paraíba. Brasil.Médico Residente em Ortopedia pelo Hospital da Restauração. Recife. Pernambuco. Brasil.Psicóloga da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Mossoró. Rio Grande do Norte. Brasil.

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RESUMOObjetivo: investigar a relação da mídia na formação deopiniões sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), identificandose as informações passadas pela mídia à populaçãocontribuem para formação de opiniões negativas ou positivasacerca desse sistema. Material e Métodos: trata-se de umestudo quantitativo, realizado em duas unidades básicas desaúde com 100 usuários, escolhidos de forma não-probabilística acidental, sendo utilizado para a coleta de dadosum questionário de entrevista, de elaboração própria,contendo perguntas objetivas referentes ao delineamentoda amostra e à temática proposta. Resultados: 91,1% dosparticipantes consideram que os meios de comunicaçãocontribuem para a formação de opiniões acerca do SUS;88,9% associam os informes veiculados a uma realidadeque é tida como nacional e mais da metade das pessoas(58,9%) acreditam que a mídia tende a direcionar a sociedadepara que esta fique em dúvida com relação à qualidade doSUS. Conclusão: observa-se que a mídia detém o poder demoldar com suas matérias, a visão dos telespectadores sobredeterminados assuntos, estendendo-se essa influência atodas as classes e níveis socioeconômicos. Com relação aoSUS, as imagens passadas pelos meios comunicativos incitama críticas pessimistas frequentes e isso, não obstante,compromete a efetivação do sistema enquanto esfera departicipação social.

DESCRITORESMeios de Comunicação. Opinião Pública. Sistema Único deSaúde.

ABSTRACTObjective: To investigate the role of the media in formingopinion on the Brazilian Healthcare System (SUS), and toidentify whether the information streamed through the mediahas contributed to the formation of negative or positiveopinions about the SUS. Methods: This was a quantitativestudy carried out in two primary care units with 100 individuals,selected by random non-probabilistic sampling. The data werecollected using an interview questionnaire with objectivequestions related to sample profile and to the proposed topic.Results: 91.1% of the respondents considered that the mediacontributes to the formation of opinions about the SUS; 88.9%of them associate the streamed reports to the national reality;and more than half the sample (58.9%) believe that the mediatends to misdirect the society in such a way to doubt thequality of the SUS. Conclusion: The media has the power toshape viewer’s opinions with their reports on certainsubjects, extending this influence to all classes andsocioeconomic levels. As to the SUS, the big picturetransmitted by the main stream incites frequent pessimisticcriticism, which compromises the effectiveness of the systemas a sphere of social participation.

DESCRIPTORSCommunications Media. Public Opinion. Unified Health System.

http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs

DOI:10.4034/RBCS.2017.21.02.01

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O Brasil é um país em desenvolvimento que, aolongo de séculos, vem buscando a organizaçãode seus sistemas econômico, educacional e de

saúde. Constituído por uma unidade territorialprivilegiada, vê-se frente ao desafio de estruturar-se eorganizar-se para a melhor utilização de seus recursos ecom isto garantir qualidade de vida à sua população1.Nessa perspectiva, a saúde foi e continua sendo assuntode intensos debates e constantes movimentos queincitaram a reformulação de novos conceitos sociais e atransformação do sistema assistencial de saúde no país.

Até a promulgação da Constituição Federal (CF)em 1988, a saúde não era reconhecida como um direitode todos. O Governo restringia a sua atuação em açõesde saneamento nas grandes cidades, portos eaeroportos. Neste sentido, não sendo a saúde alvo depolíticas públicas, restava às pessoas aresponsabilidade de sua própria saúde2.

Contudo, as inúmeras mudanças políticas eeconômicas que ocorreram no Brasil durante as décadasde 1950 a 1970, impulsionaram novas discussões nosetor saúde. Com a reabertura política e a participaçãode novos atores sociais, o modelo médico-hospitalarvigente passou a ser questionado. Esta situação e adesarticulação dos serviços de saúde começaram a gerarna sociedade um movimento em direção à transformaçãodos paradigmas do sistema de saúde. Todo essemovimento, chamado de Reforma Sanitária brasileira,teve como resultado efetivo, a VIII Conferência Nacionalde Saúde, realizada em março de 19863. Esta por sua vez,reuniu uma gama diversificada de representantes sociaisde todo o país e possibilitou a ampla legitimação dosprincípios e da doutrina da Reforma Sanitária. Comoconsequência desse fortalecimento político, taisprincípios foram incorporados ao texto constitucionalde 19884.

Em vista disso, propôs-se a criação do SistemaÚnico de Saúde (SUS) que pode ser considerada a cartafundadora de uma nova ordem social no contexto dasaúde5, passando esta a ter seu conceito ampliado paramuito além da ausência de doença, tornando-se em suatotalidade a exímia cidadania, garantida a todos osbrasileiros6. Sendo assim, por se tratar de um sistemapúblico e gratuito construído sob alicerces demovimentos e reivindicações populares para melhoriada saúde coletiva e individual, o SUS tem sido alvo deinúmeras críticas e os meios de comunicação realizamesta prática com muita frequência7,8.

A mídia pode ser definida como o conjuntodos meios de comunicação (jornais, revistas, rádio,televisão, entre outros) para alcançar as massas comfins de propaganda. Deste modo, por ser um forte veículode divulgação e integração do cidadão à sociedade, a

mídia tem o poder de transmitir informações que muitasvezes são incontestadas, concretizando na populaçãouma percepção irredutível e por vezes prejulgada dedeterminados assuntos9

.No tocante ao SUS, os meios de comunicação

mostram uma frágil realidade da saúde no Brasil, que defato não pode ser desmentida. Entretanto, a constânciade críticas negativas a respeito do SUS, talvez possaestar contribuindo para a formação de uma imagem deinsucesso do mesmo. A predileção da mídia emdemonstrar falhas no sistema vigente, que causamchoque e comoção geral, de certa forma, tem acapacidade de influenciar para que os serviços públicosde saúde sejam vistos apenas sob uma única ótica, “anão-resolutiva”, “a defeituosa”, “a deficiente”7.

Assim, o indiscutível controle dos meioscomunicativos sobre as notícias transmitidas configura-se num importante instrumento, não somente deinformação, mas também de construção de opiniões e/ou da persuasão destas10. Dessa maneira, torna-sepertinente questionar: qual será a relação entre osinformes jornalísticos e a formação de opiniões sobre oSUS? Até que ponto estas propagandas podem estarcontribuindo para a construção de uma visão críticasobre a saúde pública no país? Em vista dessaproblemática, o presente trabalho teve como objetivoinvestigar a relação da mídia na formação de opiniõessobre o Sistema Único de Saúde, identificando se asinformações passadas pela mídia à populaçãocontribuem para formação de opiniões negativas oupositivas acerca desse sistema.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório comabordagem quantitativa, realizado em duas UnidadesBásicas de Saúde (UBS): a UBS Simão de Oliveira (SO)situada no Centro da cidade e a UBS Amélio EstrelaDantas Cartaxo (AEDC) na Zona Sul, ambas na cidadede Cajazeiras – PB. Optou-se por preestabelecer estasunidades por sua localização em comunidades de níveissócioeconômicos distintos, no intuito de vislumbrar aopinião dos pólos extremos dos usuários do SUS. Apesquisa constou com a participação de 100 (cem)usuários, escolhidos de forma não-probabilísticaacidental. Para as duas unidades foi considerado umnúmero igual de participantes (50 em cada recinto).

Foram utilizados como critérios para inclusão napesquisa, ser usuário dos serviços do SUS e ter idademaior ou igual a 18 anos. Foram excluídos gestores eprofissionais de saúde, por acreditar que estes tomem o

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estudo numa ótica política e profissional, nãofornecendo respostas fidedignas.

Como instrumento de coleta foi utilizado umquestionário de entrevista, de elaboração própria,contendo perguntas objetivas referentes aodelineamento da amostra e à temática proposta. Osdados obtidos foram apurados manualmente, agrupadosa partir dos dados primários, em seguida, organizadosem tabelas e gráficos construídos com auxílio doprograma estatístico SPSS (Statistical Package for theSocial Sciences) em sua versão 15.0 e posteriormenteanalisados através de estatística descritiva.

A pesquisa foi realizada de acordo com aResolução 196/96 do Código de Ética em Pesquisa comseres humanos - que garante aos participantes totalanonimato e a liberdade de recusa ou retirada do seuconsentimento em qualquer fase da pesquisa. O projetofoi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa daFaculdade Santa Maria/Cajazeiras - PB, sob protocolode número 597102010.

RESULTADOS

A caracterização dos sujeitos participantes dapesquisa ocorreu através do levantamento de dadossóciodemográficos, sendo estes consideradosrelevantes para a identificação do tipo da populaçãoestudada. A Tabela 1 refere-se à caracterização dosparticipantes quanto à idade e gênero, distinguidas porunidade de saúde.

A Tabela 2 apresenta o grau de escolaridade ea renda mensal em salários mínimos da população deambas as unidades de saúde pesquisadas.

O primeiro questionamento feito aosparticipantes foi se eles acham que os meios decomunicação mostram mais fatos que transmitem umaimagem de fracasso ou de sucesso da saúde brasileira,sendo as respostas expressas na Figura 1.

A Figura 2 aborda sobre os destaques da mídianas suas reportagens acerca da saúde. Quandocomparados individualmente, o número de pessoas que

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Transmite uma imagem de fracasso da saúdeTransmite uma imagem de sucesso da saúde

18,9%

81,1%

Destacam mais os avanços na saúde

Destacam mais os escândalos na saúde

Destacam os avanços e os

escândalos na saúde

Não souberam responder 3,3%

45,6%

38,9%

12,2%

Associam os fatos veiculados a uma realidade localAssociam os fatos veiculados a uma realidade nacional

88,9%

11,1%

Figura 1 - Imagem da saúde brasileira transmitida pelos meios de comunicação, segundo os participantes. Cajazeiras – PB. Brasil.2010.

F igura 2 - Reportagens sobre saúde destacadas pela mídia, segundo os participantes. Cajazeiras – PB. Brasil. 2010.

Figura 3 - Realidade da saúde percebida pelos usuários diante das informações transmitidas pela mídia. Cajazeiras – PB. Brasil.2010.

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considerou serem mais destacadas as reportagensescandalosas, há uma diferença significativa sobre osque acreditam serem mais divulgados os avanços nasaúde, demonstrando que os meios de comunicaçãotendem ao sensacionalismo.

A Figura 3 revela a visão do usuário quandoeste assiste, lê ou escuta situações de falta de zelo àsaúde do brasileiro, no que diz respeito a ele associaresta situação a uma realidade apenas local ou generalizá-la a nível nacional.

A Figura 4 apresenta a opinião dos participantessobre a influência da mídia na formação de uma visãoacerca do SUS.

A Tabela 3 aponta como os usuários veem odirecionamento dado pela mídia à população no que serefere às reportagens e notícias transmitidas.

DISCUSSÃO

No que se refere à caracterização da amostra, emambas as populações do estudo houve uma

predominância da faixa-etária de adultos, com umaprevalência do sexo feminino sobre o masculino. Alémdisto, os participantes atendidos na unidade de saúdelocalizada no centro da cidade caracterizam-se por umnível econômico mais elevado e um grau de escolaridademaior. Ao contrário desta, a população atendida na zonasul apresenta condições econômicas mais limitadas,constando-se no geral de uma populaçãosemialfabetizada.

Mesmo com as diferenças socioeconômicasobservadas nas duas populações estudadas, asrespostas não apresentaram discrepâncias. Apesar dadiversidade entre a escolaridade e o nível econômicopredominante nas duas localidades, as informaçõesveiculadas pela mídia foram tomadas como um fatorrelevante para a formação de opiniões sobre o SUS.Neste caso, o nível educacional e a classe social parecempouco ter contribuído para o questionamento sobre averacidade e magnitude das informações transmitidas.

A amostra estudada considera que a mídiatende a influenciar significativamente, de maneira claraou não, a formação da opinião das pessoas acerca do

A mídia inf luencia sim na formação de opiniões sobre o SUSA mídia não inf luencia na formação de opiniões sobre o SUS

91,1%

8,9%

Figura 4 - Influência da mídia na construção da opinião popular sobre o SUS, segundo os participantes. Cajazeiras – PB. Brasil.2010..

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Sistema Único de Saúde (Figuras 1, 2 e 3 e Tabela 3).Ressalta-se também, que os meios de comunicaçãobuscam chamar a atenção do público com suasreportagens, porém, muitas vezes, estes fazem uso dematérias sensacionalistas que dão ênfase a desgraças esofrimento, conforme os resultados apresentados naFigura 2. No que se refere à saúde, há uma grandepredileção destes meios em demonstrar a fragilidade doSUS. Será que as informações passadas pela mídiatraduzem de fato a realidade da saúde brasileira? Ouserá que estas acabam apenas por incutir uma inverdadena concepção das pessoas?

As principais imagens e informaçõespublicamente divulgadas pela mídia sobre o SUS sãomais comumente associadas às mazelas e dificuldadesdo setor, quase sempre a partir de uma supostaineficiência do Estado, incompetência das autoridadesou dos profissionais da área, levando à construção deuma ordem simbólica pouco reflexiva sobre o campo dapolítica de saúde representada pelo SUS. É de se suporque a constância de reportagens desagradáveis, quetendem a destacar a precariedade na saúde pública,acaba por reforçar a idéia de um sistema falido edefeituoso11, 12.

Para alguns autores, o caráter comercial dainformação é preponderante no que se refere aosveículos de comunicação brasileiros. Ao optar entreinteresse e importância, aquele se sobrepõe, abrindoespaço na divulgação da informação, para interessesparticulares, e, consequentemente, para osensacionalismo. Opta-se, então, pela confusão entreinformação e entretenimento, exaltando-se os aspectosengraçados, dramáticos e de aparente conflito. Naprática, quanto mais negativo nas suas consequênciasé um acontecimento, mais probabilidade tem de setransformar em notícia. Assim, o poder de escolha dosmeios de comunicação, muitas vezes, beneficia oudesfavorece pessoas ou grupos. No âmbito do SUS, opapel da mídia tem se revelado pouco esclarecidoperante a sociedade, já que ora a saúde é ressaltada oraé escandalizada pelas matérias midiáticas12.

O controle da mídia sobre o processocomunicativo exerce, sem sombra de dúvidas, umaindiscutível persuasão sobre os telespectadores. Atransmissão vertical das informações impede as pessoasde enxergarem além do que é divulgado. O consumidorque lê um jornal ou assiste a um noticiário não tem como

verificar se essa notícia realmente aconteceu. Ele confiano jornal ou no noticiário. Esta incapacidade decomprovação dá espaço para que possam ocorrerinformações destorcidas, apenas para o aumento daaudiência e que, a certo ponto, tem o poder de moldar aopinião pública13.

Diante dessa realidade, o SUS vem perdendo abatalha da comunicação com seus usuários. Os avançosinegáveis, alcançados em sua curta existência, sãoamortecidos por significações de senso comum,assumidas pela mídia e verberadas como o fracasso dasaúde pública. Em geral, o nível de conhecimento dapopulação acerca do SUS é muito pequeno e dessaforma, associado à contribuição dos meios decomunicação, vai se construindo na sociedade umsentimento difuso sobre a saúde, sem a contrapartidade um esclarecimento sobre o muito que tem sido feitopara melhoria da saúde no país14.

Fora e dentro do aparato do Estado, a mídia, nasua maioria, se mostra mais preocupada em reproduziros desvios do SUS do que as mudanças substantivasque ele pode provocar no cenário social. Emconsequência, rotineiramente, os escândalos de impactocomo, a morte nas filas de atendimento, a corrupçãodesenfreada, o mau atendimento, o desdém dosfuncionários públicos e dos profissionais da saúde emrelação aos usuários, entre outras coisas passam adeterminar a agenda midiática. Ao deixar de melhorinformar sobre a visibilidade obtida pelo SUS, a mídiatorna-o politicamente frágil no contexto das lutas sociaise ideológicas que marcam o país na atual conjuntura8, 13.

Outro aspecto relevante apontado com oestudo, refere-se à generalização dos fatos quedemonstram precariedade na saúde e sua associação auma condição de âmbito nacional. A enormeintegralização das informações transmitidas pelos meiosde comunicação, onde todo país permanece interligadoatravés de suas lentes, elucida a visão de que todos osacontecimentos de um determinado local refletem arealidade de um país inteiro. A idéia de que há uma fortetendência das pessoas generalizarem as situaçõesdesagradáveis veiculadas pelos meios de comunicaçãocom relação à saúde, pode ser reafirmada, consolidandomais uma vez a falta de criticidade acerca das notíciaspassadas pela mídia10.

Submetendo-se acriticamente às indistintasimagens repassadas, boa parte do público considera-

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nas uma expressão inquestionável do real, ignorandoas mediações e camuflagens que tornaram possível suaconstrução. Falta a uma parcela da população,referências culturais e informativas que tornem possívelentender a ordem simulativa necessária à construçãodo discurso jornalístico. E não podemos esquecer que amaneira como as informações são publicamenteapresentadas nem sempre contribuem para que essaspessoas tenham um discernimento crítico sobre os fatosanunciados7,15,16.

Acredita-se que as críticas são, com certeza,imprescindíveis para que a população seja esclarecidasobre o contexto em que vive. A mídia deve semprecumprir com seu papel de enunciadora da verdade,denunciando a corrupção e os deszelos que permeiam asociedade atual, no intuito de que as falhas e os defeitossejam corrigidos e atualizados. No âmbito da saúdepública não poderia ser diferente. Contudo, ésubstancial que os meios de comunicação tambémforneçam críticas construtivas a respeito do SUS paraque a população reveja seus conceitos, muitas vezespré-estabelecidos, sobre a qualidade destes serviços.Apenas quando os atores sociais, políticos e a mídia

estiverem unidos pela luta em defesa do SUS, talvezeste possa construir outra imagem enquanto políticapública de saúde que versa pela universalidade,integralidade e equidade.

CONCLUSÃO

Mediante os resultados expostos, observa-seque a mídia detém o poder de moldar com suas matérias,a visão dos telespectadores sobre determinadosassuntos. Apesar da idealização prévia sobre umapossível influência da mídia sobre a opinião dapopulação, os achados demonstram que esta influenciaé concreta e se estende a todas as classes e níveissocioeconômicos. A credibilidade depositada nos meiosde comunicação contribui para que os informesveiculados sejam tomados como uma representaçãoglobal. Com relação à saúde pública e ao SUS, as imagenspassadas pelos meios comunicativos incitam a críticaspessimistas frequentes e isso, não obstante, comprometea efetivação do sistema enquanto esfera de participaçãosocial.

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CorrespondênciaJanaíne Chiara Oliveira MoraesRua Fausto Rolim, 156; Bairro: CapoeirasCajazeiras – Paraíba - Brasil; CEP: 58900-000email: [email protected]