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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas FFLCH-USP Alexandre Dias Cardoso Lindo Francisco Inácio Bueno Flávio Eduardo de Souza Caldas Grace Joplin A MENTE DO VILÃO O PNP na música da periferia de são Paulo Trabalho sobre o PNP - Professora Drª. Ana Rosa Ferreira Dias

A Mente Do Vilão-Ana Rosa-Terminando

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A Mente Do Vilão-Ana Rosa-Terminando

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

FFLCH-USP

Alexandre Dias Cardoso LindoFrancisco Inácio Bueno

Flávio Eduardo de Souza CaldasGrace Joplin

A MENTE DO VILÃO

O PNP na música da periferia de são Paulo

Trabalho sobre o PNP - Professora Drª. Ana Rosa Ferreira Dias

São Paulo - 11/06/2012

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SUMÁRIO

A fazer...

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INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende destacar e examinar as evidências do português não padrão

(PNP) contidas no Rap “A Mente do Vilão” composição de Mano Brown, representante do

grupo “Racionais Mc´s”, em conjunto com outros artistas que representam as respectivas

bandas: Banda Black Rio, Rosana Bronks e U-Time. Definido o corpus analisaremos as

ocorrências que caracterizam o PNP dentro dos traços de oralidade encontrados, e

partiremos em análise ao conteúdo gírio para definir seus significados dentro da música e

expandir para uma breve reflexão sobre seu uso.

O PNP NA MÚSICA DA PERIFERIA DE SÃO PAULO

Estudo do português não padrão (PNP)

A constatação da segregação social pelo léxico PNP

Justificativa

Este trabalho visa fazer um estudo da ocorrência do português não padrão na

linguagem da periferia da cidade de São Paulo. A escolha do cenário musical se deu

por acreditarmos que este seria um recorte interessante para análise, presumindo-se

que esta não sofre muita interferência do português padrão nos registro da escrita

das letras das musicas, muito embora “uma correção aqui e lá” aconteça, seguindo,

a partir disso, à frente para verificar como a integração entre a forma escrita e a

forma oral captada através da música ocorreria.

Sendo então o cenário musical nosso pano de fundo social, buscamos

selecionar letras que pudessem colaborar no levantamento de dados a respeito da

ocorrência de traços de oralidade, não comuns no português padrão, e que fossem

específicos de uma comunidade linguística. Consideramos então como fator

primordial o conceito das palavras: marginalização e preconceito linguístico.

[...] O português não padrão é a língua da grande maioria pobre e dos analfabetos do nosso povo. É também, consequentemente a língua das crianças pobres e carentes, que frequentam as escolas publicas. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais, desprestigiadas, marginalizadas, oprimidas, pela terrível injustiça social que impera no Brasil, - país que tem a pior distribuição da riqueza nacional em todo o mundo –, o PNP é vitima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas. Ele é considerado “feio”, “deficiente”, “pobre” “errado”, “rude”, “tosco”, “estropiado”. (BAGNO, 2001:28)

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Desta forma chegamos aos Racionais MC’s. Grupo escolhido para

analisarmos o fato linguístico. Os Racionais representam uma fatia da sociedade

negligenciada deste imenso país chamado Brasil.

Objetivo

1. Destacar as ocorrências do PNP na letra da musica “A Mente do Vilão”.

2. Analisá-la de acordo com as informações técnicas que absorvemos em aula

através de bibliografia direcionada e outros meios.

3. Fundamentar as análises pela linguística de Ferdinand de Saussure.

4. Elaborar interpretação e compreensão de como a gíria fechada pode

contribuir na construção do PNP.

Expectativa

Integrar a teoria e a realidade demonstrando que ambas se encontram em

relação simbiótica, o que está na teoria está na sociedade, e segue um

sistema.

Observar fatores relevantes sobre a linguagem da comunidade marginalizada,

verificar se a integração dessa linguagem na sociedade altera a construção

da gíria comum na cidade de São Paulo.

O corpus

Nosso corpus é a letra da música “A Mente do Vilão”, composição: Banda Black Rio, Mano Brown, Rosana Bronks, U-time.

Referência teórica

Utilizaremos o conceito da linguística de Saussure para analisar a letra da

musica com complementação de informações técnicas disponibilizadas no livro “A

Língua de Eulália” com consulta paralela a outros livros de base, como por exemplo:

Jean Claudel (livro que a grace trouxe). Este parágrafo precisar ficar mais claro.

Organização

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O que você verá mais abaixo, nas análises, é a letra extraída de sua

contrapartida oral que fora transcrita em apuração auditiva da música e utilizando

como suporte duas referências encontradas na internet (dispostas ao fim desta

monografia em anexo), se organizando da seguinte forma: fecham-se grupos de

verificação teórico-analítica, ou ferramentas de análise apresentando previamente

obras em que essas ferramentas se encontram e seus respectivos autores,

enumeram-se esses grupos e a seguir junto à letra da música devidamente

organizada anexa-se essa enumeração às ocorrências, em seguida dispor-se-á um

pequeno dicionário de gírias contidas na obra analisada, e no capítulo seguinte,

teremos uma interpretação desta obra a partir das verificações obtidas anteriormente

1. Capitulo I – Apresentação do corpus e critério de seleção

1.1 “A Mente do Vilão”

Está música escolhida pela observação de sua letra e seu conteúdo

hermético e obscuro ao falante comum do português, gírias fechadas como:

galachão, função, pipoca, chavão, fundão etc. e partindo da curiosidade de descobrir

o significado desses termos saímos em busca não só do significado estrito das

palvras em linguagem gíria, mas também do um significado um pouco mais amplo

dessa construção musical que traz ares da marginalização nas periferias de São

Paulo. Como dados complementares expomos que esta música gravada em meados

de 2010 não pertence a nenhum trabalho lançado pelo autor Mano Brown e por

nenhum dos seus co-autores: William Magalhães (Black Rio), Du Bronk´s (Rosana

Bronks) e Dom Pixote (U-time), existia a previsão de ser lançada junto ao trabalho

intitulado “Supernova Samba Funk” da banda Black Rio, porém não chegou a ser

incluída no CD. Talvez, e aí entramos do campo da suposição, de que com

acontecimentos relacionados à banda Racionais Mc´s de violência e morte1 em seus

shows, e também outros acontecimentos2 anteriores como o tumulto gerado no dia

da apresentação da banda durante eu show na virada cultural de São Paulo em

1 Fonte: http://atarde.uol.com.br/noticia.jsf?id=5609887 visualizado em 09/06/2012.

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20073, por isso o grupo talvez esteja tentando evitar letras que façam apologia ao

crime, coisa que não era objetivo antes, mas que pelo discurso foi aos poucos sendo

estabelecido na mente das pessoas como tal, e a partir disso não veicularam esta

música em que sua letra dá margem a essa suposta apologia ao crime, ou até pode-

se presumir que o grupo esteja procurando evitar a referida apologia porque esta

sucessão de acontecimentos prejudicou4 o espaço dos artistas de Rap dentro de

eventos na cidade de São Paulo.

Invariavelmente constata-se que suas letras falam sobre a realidade das

periferias urbanas brasileiras, discutindo temas como o crime, pobreza, preconceito

social e racial, drogas e consciência política, e que independente dos

acontecimentos, a fala que é captada nas canções do grupo é a representação do

que existe na sociedade e exprimem o descontentamento dessa marginalização por

parte do restante da sociedade.

Apesar de atuar essencialmente na periferia paulistana, de não fazer uso de

grandes mídias e se recusar a participar de grandes festivais pelo Brasil, o grupo

vendeu durante a carreira cerca de 1 milhão em álbuns.

1.2 Critérios de seleção

Das diversas músicas do grupo que fomos pesquisando, observávamos

fundamentalmente como era apresentado o material escrito (significante) e depois

como era cantado (som). Esta preocupação era para identificar se ao cantarem as

palavras não eram modificadas em relação ao som, demonstrando uma proximidade

da escrita com a forma oral, além do alto grau de conteúdo das expressões em

linguagem gíria. Essencialmente podemos entender os critérios como: a oralidade

transcrita e a gíria para seleção de material.

1.3 Qualificação da música

“Há línguas em português” José Saramago, em depoimento no filme: “Língua,

vidas em português”. 21/05/2012 – Universidade de São Paulo. IELP I – Ana Rosa

Dias.

2 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u104625.shtml visualizado em 09/06/20103 Fonte: http://www.band.com.br/entretenimento/noticia/?id=32575 visualizado em 08/06/20124 Fontes: http://gringosrecords.musicblog.com.br/260101/RAP-VIRA-TRAUMA-NA-VIRADA-CULTURAL-2010/ ehttp://www.tvexibir.com/noticias/confusao-no-show-do-racionais-mc-deixou-genero-fora-do-maior-evento-de-cultura-em-sao-paulo-43.html visualizadas em 08/06/2012.

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Os signos da fala são arbitrários, pois estes vão sendo moldados ao longo da

história, é uma construção social. Sendo eles uma construção social acabam

apresentando em sua constituição aspectos: políticos, ideológicos, filosóficos,

culturais... Enfim, uma rede de associações que consolida o que hoje conhecemos

como língua. Na constituição da formação do povo brasileiro, várias línguas foram

fundamentais. No Brasil já se encontravam os índios, depois vieram os

portugueses, depois os negros escravos que aqui chegaram e contribuíram na

construção deste país, obviamente, a influência de todas estas culturas é um fato

em nossa realidade linguística.

As populações de origem indígena, africana ou mestiça aprenderam o português, mas manejam-no de forma imperfeita. Ao lado do português existe a língua geral, que é o tupi, principal língua indígena, das regiões costeiras, mas um tupi simplificado gramaticalizado pelas jesuítas, e destarte, tornado uma língua comum. (TEYSSIER, 2001: 94)

Tempos depois, a convergência da cultura Pop Norte-americana,

principalmente a do Hip-Hop, House e outras tendências além dos produtos e de sua

cultura midiática como seriados, comerciais, personagens históricas, e até suas

guerras fazem-se influenciar em terras Brasileiras, essa convergência se reflete

também nas lutas sociais enfrentadas lá e aqui concomitantemente, a cultura negra

Norte-americana encontra aceitação e reconhecimento nas zonas mais periféricas

da cidade de São Paulo e ao instalar-se gera a partir daí uma série de mudanças na

fala dos moradores dessas zonas, e transformam todos os setores que compõem

essa comunidade linguística. A língua é viva e como qualquer organismo vivo, sofre

mudanças. A língua é passível de transformação.

O Brasil é um país jovem e em construção, eclético por natureza, em continua

transformação. Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro “A coisa mais importante pros

brasileiros, presta atenção: é reinventar o Brasil que nós queremos”.5

Não seria então esta reinvenção proposta uma faceta da forma, do estilo, da

fala, e a fala uma comparação com a própria roupa que usamos? Ou seja, de

identidade? A identidade de nosso povo paulatinamente vem sendo forjado ao longo

5 Documentário: O Povo Brasileiro. (capítulo 1). Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=2gqz4BHYcck> acesso em 05/06/12

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dos tempos, é só pensar nos tipos de gramaticas que se tinha desde o século XVI

até hoje.

“A realidade é uma construção discursiva”. [...] “Quando usamos a língua

queremos ser acreditado, persuadir, [...] não tem apenas o sentido de informar”.

(informação verbal)6. A língua é uma forma não apenas de comunicação, mas

fundamentalmente ideológico-discursiva.

E esse espaço discursivo tem pretensões especificas. Estas e outras

questões filosóficas estão em voga ainda hoje. Qual a melhor forma de se falar?

Tipos e formas de falas caracterizam muito bem grupos sociais e

caracterizando estes, facilita sua identificação e, portanto, a situação hierárquica que

ocupa na sociedade. Em pleno século XXI há tantos povos, tantas línguas, tantas

formas de fala dentro de um mesmo território nacional, será que não há nenhuma

tensão, jogo de poder?

Esta forma de poder é conflagrada dentro de nosso próprio território brasileiro.

No caso do Brasil, essas relações de poder ficam fáceis de enxergar com a tamanha

desigualdade social que se observa. Disso nasce a raiz da ideia do preconceito

linguístico, que acaba provocando segregação e “categorizando grupos sociais”.

Isso nos fornece o estrato social, ficando o PNP como um marcador factual. Logo, A

Mente do Vilão é dessa forma extrato social.

2. Capítulo II – fundamentação teórica

A linguistica não tem a função de fazer juízo de valor sobre a lingua

isso fica a critério de disciplinas como a antropologia, sociologia, história...

Sua preocupação está em identificar como ocorre.

A linguística é uma disciplina e um campo do conhecimento. Enquanto disciplina, é relativamente nova, autônoma, do inicio do século XX pra cá. E esta disciplina tem como objeto o estudo das línguas naturais que surgem espontaneamente como meio de comunicação social.

Agora como campo do conhecimento, a história é mais antiga, desde que o homem começou a refletir sobre sua língua e a língua de outros homens já podemos falar em conhecimento sobre a linguagem.

Quando a gente fala em língua devemos pensar numa manifestação concreta de uma capacidade universal humana abstrata, a linguagem humana enquanto tal não se manifesta, ela se manifesta através das línguas naturais e através de outras forma de expressão que a gente

6 DIAS, A. R. F. informação obtida em aula - anotação. 12/03/2012. Universidade de São Paulo (USP).

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costuma chamar de linguagem, como a linguagem do cinema, do teatro, dos quadrinhos.

O objeto de estudo da linguística (ciência da linguagem) deve ser o coletivo e não o individual, homogêneo. Saussure dividia então o mundo da linguagem em: langue e parole. A langue (sistema inconsciente presente no cérebro de todo o individuo) e a parole (que é a fala, o caos a variabilidade). [...] O ponto de vista cria o objeto [grifo meu]. A língua enquanto objeto científico de estudo não esta ai pronta pra ser estuda, observada. Ela é extremamente complexa. É o linguista que deve definir a partir de que ângulo de que ponto de vista ele vai estudar a linguagem, é isso que cria o objeto científico. Então a linguagem é extremamente complexa, heteróclita e a gente deve no circuito da fala eleger aquela dimensão que é comum a todas7.

2. O que é o PNP?

[...] Eu tive de me segurar para não rir, quando ela disse aquelas coisas na mesa – acrescenta Silvia. Que coisas? – quer saber Vera. Ah, sei lá agora não me lembro – responde Sílvia. Eu me lembro – Adianta-se Emilia.– Ela disse “os probrema”, “os fosfro”, “moio ingrês’’. – É mesmo! E a mais engraçada foi: “percurá os hómi” – confirma Sílvia. Silvia ri, e Emília a imita. (BAGNO, 2000:14).

Esse é um diálogo entre três amigas: Sílvia, Emília e Vera estudantes

universitárias que vão passar as férias na chácara da professora Irene e lá

encontram a Eulália, uma falante do português não padrão (PNP).

O comentário que fazem acerca do modo como Eulália pronuncia as palavras

é ofensivo e zombeteiro, riem pela maneira como a personagem faz uso das

mesmas palavras que elas também conhecem, mas que não acham correto como

Eulália diz.

Infelizmente essa é a atitude que a maioria das pessoas têm ao ouvirem

outras quando se comunicam usando essas variantes. Essa maneira de pronunciar

as palavras não está correta e nem incorreta, trata-se apenas de uma variante

linguística que é nesse caso, o português não padrão. E o que significa isso?

Uma variante é uma das infinitas maneiras de se comunicar que existem e

que variam conforme vários critérios: social, geográfico e situacional (Conf. Gadet

apud Preti 1972: 8). Assim dependendo do meio social, do local e da situação em

que se encontra o falante, há variação de sua fala.

Por exemplo, um falante não falará com seus amigos e família de maneira

7 Maria Cristina Altman é professora titular do departamento de linguista da universidade de São Paulo. Ela é coordenadora do CEDOCH (Centro de Documentação em Historiografia da Linguística). UNIVESPTV. 22/11/2011. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=ndv6mSyXbZ4> Acesso em 06/11/2012

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formal, tampouco com um vaqueiro do interior de Tocantins. Mas, precisará fazer

uso de outra maneira de se comunicar quando na presença de seu patrão na

empresa em que trabalha, ou para produzir um texto para a escola em que estuda.

Essas formas são opções de se comunicar perante as pessoas e a sociedade e

dentro dessas opções encontramos inúmeras delas, como o português que não é o

padrão, ou seja aquele que não faz parte da norma padrão.

O português não padrão – PNP – pode ser também definido como sendo um

conjunto de todas as inúmeras variedades que existem e que não fazem parte da

norma culta. Encontramos no PNP todas as formas que estão marginalizadas

socialmente do vocabulário da vida das pessoas, como por exemplo: as gírias, os

dialetos, os falares regionais como o caipira, o mineiro, o nordestino etc.

Reiterando, o PNP é uma variante linguística, é uma maneira, uma escolha,

um tipo de comunicação e também uma norma. “A norma é aquilo que já se realizou

e, teoricamente, sempre se realizará no grupo social; é a tradição à qual todos estão

submetidos e obedecem sem sentir.” (SILVA, ANO? 188).

Logo, temos uma norma informal, uma norma formal, uma norma regional,

etc. É um mito pensarmos que há, no Brasil e em qualquer lugar do mundo, uma

única forma de falar e que esta deve ser sempre correta. Haja vista a imensidão

geográfica existente, as inúmeras línguas e variantes, seus dialetos, seus usos, seus

hábitos e sua cultura. Além do mais nenhum individuo se comunica da mesma forma

que outro mesmo estando na norma culta.

2.1 O Preconceito perante as variantes (e o falante)

Assim como a norma culta, que é uma variante, uma opção ao falante, o PNP

também é. Por qual motivo ainda há, então, tanto preconceito – assim como no

diálogo do texto de Bagno - perante esse tipo de variante? A reação é sempre a

mesma, ou riem ou lançam correções sobre o falar do PNP, por que há esse tipo de

comportamento?

Estudos apontam que é principalmente, por uma questão social. Pensa-se

que a norma culta é “a língua perfeita, o “bon usage”, ao qual todos os falantes que

quiserem falar e escrever bem devem usar” (SILVA, ANO?: 189). Trata-se, portanto,

de uma ficção, de um mito linguístico. A sociedade é constantemente iludida pela

pressão da norma culta, logo acaba exercendo essa pressão para com seus

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indivíduos, formando assim um circulo vicioso de pressão e preconceito.

Consequentemente, os falantes que praticam o português não padrão são

descriminados e desprestigiados pela sua escolha e na maioria das vezes até

banidos de um círculo social, idêntico ao caso de uma sanção como forma de

punição contra o falante e contra sua variante, pois esta é indevida e não é bem

vinda pela sociedade (Conf. ALEÓNG, 2001:159).

Há estudiosos que acreditam ser esse preconceito de ordem social devido à

diferenças de classes, isto é, a classe baixa fala o português não padrão como a

personagem Eulália, e a classe alta fala português padrão, como a personagem

Irene ambos personagens criados por Marcos Bagno em seu livro “A Língua de

Eulália”.

Entretanto é plausível mencionar que não se trata da diferença de classes

estritamente, haja vista o caso do “convivível” pelo ex-presidente Fernando Henrique

Cardoso, que é um cidadão de classe relativamente alta e que sofreu vários

comentários preconceituosos da mídia devido ao novo termo que “criou”. Seja

conhecida ou desconhecida a origem do preconceito, é relevante discutirmos essa

questão e a levarmos adiante, pois ela existe e continuará a existir conforme o

tempo e o espaço, a língua sofre alterações constantemente o PNP é uma delas e

não deve ser, portanto, descriminado e nem banido da linguagem social.

2.2 As vantagens do PNP

Ao contrário do que muitos pensam que se trata de um jeito de se comunicar

como sendo vulgar e inferior, o PNP é senão a variante que é mais usada devido à

várias características (e vantagens). Caso observemos os benefícios que existem

em comparação com a norma culta, veremos várias diferenças (Conf. Bagno, 2000:

36-37).

PNP PP

cê qué? Você quer?

Economico nos termos e na sua enunciação. Redundante, us mais termos para enunciar a mesma coisa.

Natural (usamos de acordo com a nossa lógica). Artificial (obedece aos padrões cultos).

Tradição oral (falamos “vamu”). Tradição escrita (escrevemos “vamos”).

Aprendido (passa de gerações a gerações). Aprendido, primeiro contato vem da gramática escolar.

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Fala Popular (em qualquer situação pessoal). Fala formal (em situações restritas).

O PNP além de todas as características mencionadas também é mais

suscetível a mudanças, pois não é conservador como a norma padrão que não

aceita alterações com facilidade. É por isso que quando há uma mudança na norma

padrão é porque esta já se cristalizou há tempo na norma não padrão.

“O PNP deixa vir à tona as forças transformadoras da língua e evolui com

mais rapidez que o PP, que refreia essas tendências, justamente para impedir que

elas o desfigurem muito depressa” (Bagno, 2000: 37).

2.3 Por que afinal, usamos o PNP?

Se já inferimos que o PNP é apenas uma opção a mais em nossas escolhas

de uso da língua, e não um modo errado de se comunicar, então por que o usamos

ao invés da norma padrão?

O fato é que há inúmeros motivos científicos que comprovem o motivo no

qual adotamos em certas ocasiões o uso do PNP. Além daqueles de ordem

geográfica, social e situacional. Estudos linguísticos revelam que há vários

fenômenos responsáveis pela formação do PNP, apontaremos em nosso estudo

alguns desses fenômenos, a saber: (Conf. Bagno 2000: 74-127)

Rotacismo: É a troca de uma letra por outra, como na palavra “flor”, que torna-se

“frô’’. (não foi encontrado evidencias de rotacismo na analise da letra)

Metaplasmos: São fenômenos que continuam agindo na língua desde a passagem

do latim para o português. Alguns exemplos de metaplasmos, mais recorrentes são

os fenômenos de supressão de um fonema (ou uma sílaba), como: “está” torna-se

“tá”, ou “você” para “cê”. (Conf. LEITE ANO? :1).

Arcaísmo: São termos oriundos do passado do português arcaico, aquele idioma

falado pelos portugueses nos primeiros séculos de colonização do Brasil, e que

ficaram em nosso falar, como: “amostrar” que é o verbo atual “mostrar”. (não foi

encontrado evidencias de rotacismo na analise da letra)

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Redução de ditongos: Dificilmente ao falar pronunciamos o ditongo existente na

palavra “beijo”, e sim dizemos “bejo” e não há nada de mal nisso, o fato é que trata-

se de uma redução de ditongos que a língua faz naturalmente.

Há muitas análises e conclusões científicas que comprovam o motivo no qual o

falante se comunica daquela forma e não de outra, pelo PNP e não de acordo com a

norma padrão. Por isso, nunca iremos nos referir ao caso de atribuir a falta de

instrução escolar como um dos motivos nos quais um falante se apropria do PNP

mesmo aqueles falantes que não possuem nenhuma instrução educacional.

2.4 A gíria de grupo como uma das variantes

Um fenômeno efêmero e criativo, um vocabulário diferenciado e curioso, estamos

falando da gíria que é o foco de nossa investigação. Nesse caso, adotamos a gíria

de grupo ou seja: "a gíria considerada como parte integrante de um grupo social

restrito" (PRETI, D. 2004:101), na letra de canções estilo rap da banda Racionais. A

forma como a gíria que usam se manifesta abriga não só a presença de uma

variante linguística e sim motivos sociais e emocionais. Os integrantes querem na

verdade, fazerem uso dessa variante para causar impacto na sociedade, não

desejam que seu significado seja aberto e acessado a todos os que estão fora de

seu círculo social que é o dos jovens (negros) discriminados pela sua cor e classe

social. Observamos nesse caso a presença de “segurança linguística” (CALVET

2002: 72), isto é, quando os falantes não se sentem pressionados pela norma

padrão e fazem de sua variante a norma mais adequada e valorizada.

Quem canta a música dos Racionais não está só cantando e sim estruturando sua

linguagem de acordo com a gíria e também se integrando à comunidade do grupo

rapper e negro juvenil. A gíria desse grupo é tão fechada que chega até a ser objeto

de um resultado do preconceito social e racial no qual vive esses jovens e aqueles

simpatizantes com as canções e a mensagem codificada existente na letra da

música. Temos aqui o que Bloomfield classificou como “comunidade linguística”

(apud Calvet 2002:115) que é quando seus membros falam de um modo que se

entendem entre si e que pessoas externas a essa comunidade não entendem o que

querem dizer.

Em suma, observa-se na música “A Mente do Vilão”, a manifestação emocional de

um grupo que se sente marginalizado e excluído da sociedade, pelo preconceito

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racial, social econômico – e linguístico, como vimos anteriormente que há

preconceito com o PNP –. O rap colabora com a intenção dos cantores, pois serve

como forma de expressar essa revolta e insatisfação com o uso exacerbado da gíria

de grupo.

3. Capítulo III – Análise: métodos e procedimentos

Dentre os aspectos inovadores da fonética brasileira citada em (História da Língua Portuguesa, Paul Teyssier, pág 103) temo a ocorrência na música analisada do seguinte caso citado:

¹ h) Supressão do r final das palavras, p. 103

Em (A Língua de Eulália, Marcos Bagno).

² Transformação de lh em i, p.56³ Assimilação consonantal n e d “ A Língua de Eulália”, p. 74⁴ Redução de dintongos: ou > o p.80 – ei > e, p.88 ⁵ Eliminação das marcas redundantes de plural e gênero, p.48

Em (Metaplasmos contemporâneos: Um estudo acerca das atuais transformações fonéticas da língua Portuguesa, Isabelle Lins Leite, 2005)

⁶ Despalatização, é nome dado a transformação dos fonemas palatais em em nasal ou oral, p.8⁷ Apócope, é o nome dado ao fenômeno que suprime um fonema no final de um vocábulo, p.4⁸ Aférese, é o nome que caracteriza a supressão de um fonema (ou sílaba) do início de um vocábulo, p. 4*(no caso específico do termo à vonts a supressão final adicionou um s chiante como contrapartida ao t mudo que se pronuncia[ tʃ], a escrita assimilou essa chiante e a reforçou). ⁹ Epítese, é nome dado ao metaplasmo que acrescenta um fonema no final da palavra, p.3¹⁰ Síncope, supressão de fonemas no meio do vocábulo, p. 4¹¹ Monotongação, é o nome dado à transformação ou redução de umditongo em uma vogal, p.7¹² Ditongação, é o nome dado a transformação de uma vogal ou hiato em ditongo, p.7¹³ Nasalação, é o nome dado à transformação de um fonema oral em um fonema nasal, p.8

Na sequência apresentaremos as ocorrências enumeradas na letra da música:

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A Mente do VilãoBlack Rio/Mano Brown/Rosana Bronks/U-time

[Mano Brown]Fértil como a terra preta é a mente do vilãoQuem vem lá, seis função vindo⁵ de galachão(peraê)⁸⁺⁹

[Black Rio]Você não sabe de onde eu vimVocê não sabe o que é sofrerCosa Nostra tá⁸ chegando aíE todo mundo vai saber

[Du Bronks]Pode par que não dá ímpar, sou Du Bronk'sEntre lobos e hienas passo á vonts *⁸No volante do fusquinha essa é a visãoColeta das verdinhas dividindo o pãoFebre da ZS, vida gangsta⁷Rimas e brilhantes, Cosa NostraPerigo do caraio⁷, a vida é passagera⁴Chega de ensaio, a cena é verdadera⁴A banda é a Black Rio, a música traz sorteRepresenta Brown, chega Don PixoteDo lado dos monstrões, William MagalhãesNessa qualidade vem alguns milhõesNão sabe de onde eu vim, talvez não vai saberO Rosana tá⁸ aí, agora é pra valer.. [Pixote]Vamo⁵ caminhando observano³, tenho uns plano⁵ executandoNa terra da garoa tá lucrandoAndando contra o vento, vou vivendo um clima tensoRevólver na cintura de All Star e lençoA Cosa Nostra vem, só pra⁸ contar as de cem

O bang loco⁴ tá⁸ aqui, com a Black Rio zen

Alguns pipoca⁵ vem, a arma tá⁸ sem trava

Sem silenciadô¹ pra oureiada¹²⁺², vai pras nuvem⁵

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Em campo de novo, pode vim¹⁺¹³, tem vitória

A maioria é o povo, só quer fazê¹ o bem

Nego¹⁰ faz refém, os branco⁵ que aqui tem

Só pega o que tá⁸ dentro da mala sem ferir ninguémSalve FEBEM, me inspiro com o Wu TangCanta a realidade das ruas que te leva alémÉ o fim que vem, tipo o Ryu e o KenQuem representou bem mostrou ter coragem

[Black Rio]'Você não sabe de onde eu vim'

[Mano Brown]E no principio era trevas, no inicio do inicioUm cego leva uma leva. a um passo do precipícioNão de som nem de erva, louco de solidãoNo principio era trevas, Malcom foi LampiãoLâmpadas para os pés, negros do dois mil e dezFã de Mumia Abu-Jamal, Hosama, Sadã, Al-Kaeda, Talibã, Iraque, VietnãContra os boy, contra o GOE, contra a Ku-Klux-KlanEu já pã, de manhã, dando um pelé nos RocamPé-di-porco é pé frio, os seis é meia de lã (hã,hãhahã,hã,hã)E o blunt é de maçã, tá firmão, tá suave, sem flagrante na naveSou crioulo, sou chave, e elas gostam assimNão ando sozin⁶, sabe, tenho vários por mim

Olha! enquadraro⁷ os patrícios, vixe, o molho azedo¹¹Abandonaro⁷ o Peugeot, pularo⁷ o muro a milhão

Só se for, vai que vai, os moleque é zica carai⁷, dá trabai⁷Né? na selva a gente é o que é, porque não tem alarme bom quando o bom ladrão querVocês dão taça de veneno e quer suflé?Fértil como terra preta é a mente do vilão,Quem vem lá, seis função vindo de galachãoO coração da quebrada percorrendo as artériasVão, vão, nunca em vão, espalhando os sonhos em grãosNa contenção, sem férias, nem cor, nem close, um alvo sem poseMagrelo chavão desde os dozeMeu País demonstrou vergonha de ter minha cor (hã,hã)Seus cuzão⁵, né⁸⁺⁹ pra qualquer um memo¹⁰ nãoEnquanto a vanguarda negra e a vã, filosofia sã, Fundão meu divãInédito em avã premier, nu⁴ durma no barulho né⁸⁺⁹?Banda Black Rio na porra do bagulho Hé!

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[Black Rio](3x)Você não sabe de onde eu vimVocê não sabe o que é sofrerCosa Nostra tá chegando aíE todo mundo vai saber

Terra preta: Tipo de solo fértil e antropogênicos da região Amazônica.

Função: Gíria para designar ladrãoes de tênis e relógio.

Galachão: Carro Ford modelo Galaxie, (pesquisa em http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/galach%C3%A3o/2675/ visualizado em 08/06/2012.

Peraê: Espere > pera + aí peraê.

Tá: Está > tá

4. Conclusão

“Muito bem. Tanto fizeram que tudo aquilo que foge aos padrões e às normas da língua escrita é considerado “errado”. Por isso alguns fenômenos que ocorrem na língua falada são duramente combatidos e atacados, como se fossem verdadeiros crimes contra o “bom português”. Bagno a língua de Eulália p.82.

5. Referencias Bibliográficas

BAGNO, M. A Língua de Eulália: novela sociolinguística. 11ª edição – São Paulo:

Contexto, 2001.

TEYSSIER, P. História da Língua Portuguesa. Martins Fontes, São Paulo, 2001.

LEITE, I. L. Metaplasmos contemporâneos: um estudo acerca das atuais

transformações fonéticas da língua portuguesa. Falta editora edição e ano

CALVET, J. L. “Comportamentos e atitudes” in Sociolinguística: uma introdução

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crítica. São Paulo. Parábola. 4ª. Edição. 2002.

BAGNO, M. “Quem ri do quê?” in A Língua de Eulália. São Paulo. Contexto. 8ª.

Edição. 2000

PRETI, Dino “Transformações do fenômeno sociolinguístico da gíria” in Estudos de

Língua Oral e Escrita. São Paulo. Lucerna. 2004.

________ “A Sociolinguística e o Fenômeno da Diversidade na Língua de um Grupo

Social” in Sociolinguística: os Níveis da Fala. Sao Paulo. Nacional. 5ª Edição.

SILVA, Luiz “Variação Linguística: Dialetos, Registros e Normas Linguística” in A

Língua que Falamos. São Paulo. Globo. Falta editora edição e ano

FALTA ALEONG

6. Sites consultados

NOTICIÁRIO PERIFÉRICO. Da periferia de SP para a Periferia do mundo. Disponível em

<http://www.noticiario-periferico.com/2007/08/direto-do-jardim-rosanacapo-redondo.html > acesso em

08/06/2012

DIALETO LOCAL. Disponível em < http://www.capao.com.br/dialeto.asp?> acesso em 08/06/2012

BANDA BLACK RIO. Disponível em <http://www.bandablackrio.com/principal.php> acesso em

08/06/2012

SARAU VILA FUNDÃO. Disponível em < http://sarauvilafundao.blogspot.com.br/> acesso em

08/06/2012

DICIONÁRIO INFORMAL. Disponível em <http://www.dicionarioinformal.com.br/ > acesso em

08/06/2012

MIZTUREBA. Disponível em <http://www.miztureba.com/2009/06/top-5-palavroes-e-seus-

significados-18.html > acesso em 08/06/2012

ROCAM. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ronda_Ostensiva_com_Apoio_de_Motocicletas>

acesso em 08/06/2012

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WORLD CIGARS. Disponível em <http://www.worldcigars.com.br/sistema/ListaProdutos.asp?

IDLoja=12461&IDProduto=2531828 > acesso em 08/06/2012.

WU-TANG CORP. Disponível em <http://www.wutang-corp.com/ > acesso em 08/06/2012