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Rev. Psicopedagogia 2003; 20(63): 270-91 270 270 270 270 270 A A A A A MICROGÊNESE MICROGÊNESE MICROGÊNESE MICROGÊNESE MICROGÊNESE NA NA NA NA NA OFICINA OFICINA OFICINA OFICINA OFICINA CRIA CRIA CRIA CRIA CRIATIV TIV TIV TIV TIVA Cristina Dias Allessandrini - Pesquisadora do LaPp, Laboratório de Psicopedagogia do IPUSP. Psico- pedagoga e Arteterapeuta. Coordenadora de cursos de Pós-Graduação em Arte Terapia em São Paulo, Goiânia, Natal e Belém. Conselheira da ABPp desde 1992. Associada Internacional dos Archives Jean Piaget, Universidade de Genebra, Suiça. ARTIGO ORIGINAL ARTIGO ORIGINAL ARTIGO ORIGINAL ARTIGO ORIGINAL ARTIGO ORIGINAL Cristina Dias Allessandrini Correspondência Rua Dr. Alberto Seabra, 364 São Paulo - SP - 05452-000 - Tel. (11) 3021-1583 e-mail: [email protected] RESUMO – Objetivos: Estudar a Oficina Criativa no contexto da criação e realização de um projeto de modelagem em argila. Relacionar a fundamentação epistemológica piagetiana com sua aplicação prática. Realizar uma análise microgenética das condutas dos sujeitos – crianças, adolescentes e adultos. Analisar o processo de regulação dos esquemas de ação, estudando, por meio de entrevistas e de observação, a dimensão afetivo-cognitiva das ações dos sujeitos no desenrolar das oficinas criativas. Métodos: A partir de uma oficina criativa de modelagem com argila, trabalhamos com 14 sujeitos, (10 deles com idade entre 6 anos e 5 meses e 16 anos, e 4 adultos), 6 desses sujeitos eram mulheres e 8, homens, escolhidos aleatoriamente. Preparamos protocolos, em forma de texto, a partir dos vídeos e de gravações das oficinas criativas. Analisamos em pormenor as condutas de três sujeitos: VIN (6;5), CAR (11;1) e RIC (38;9). Resultados: Foi possível examinar aspectos funcionais e estruturais de modo a compreender o processo de equilibração majorante que se estabelece durante a construção do projeto pessoal imaginado. Trabalhamos os quatro níveis de relações estabelecidas pelo sujeito: I. Relação intrapessoal: da pessoa consigo própria; II. Relações interpessoais: de um sujeito com outro(s) sujeito(s); III. Relação com o(s) objeto(s): em nosso caso, com a argila e IV. Relação com a tarefa: em nosso caso, com o projeto. Conclusões: O resultado confirma a regulação das ações no desenrolar das oficinas criativas. O equilíbrio majorante dos movimentos sucessivos ocorre dentro de um processo de ajustamento evolutivo e criativo das estruturas afetivo-cognitivas. Confirmamos a diferença qualitativa de desempenho dos sujeitos no processo, conforme o seu nível de desenvolvimento. UNITERMOS: Processo Criativo. Piaget. Visão sistêmica. Análise microgenética. Aspectos afetivo-cognitivos. Arte-Terapia. Oficina Criativa.

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Cristina Dias Allessandrini - Pesquisadora do LaPp,Laboratório de Psicopedagogia do IPUSP. Psico-pedagoga e Arteterapeuta. Coordenadora de cursosde Pós-Graduação em Arte Terapia em São Paulo,Goiânia, Natal e Belém. Conselheira da ABPp desde1992. Associada Internacional dos Archives JeanPiaget, Universidade de Genebra, Suiça.

ARTIGO ORIGINALARTIGO ORIGINALARTIGO ORIGINALARTIGO ORIGINALARTIGO ORIGINAL

Cristina Dias Allessandrini

CorrespondênciaRua Dr. Alberto Seabra, 364São Paulo - SP - 05452-000 - Tel. (11) 3021-1583e-mail: [email protected]

RESUMO – Objetivos: Estudar a Oficina Criativa no contexto da criaçãoe realização de um projeto de modelagem em argila. Relacionar afundamentação epistemológica piagetiana com sua aplicação prática.Realizar uma análise microgenética das condutas dos sujeitos – crianças,adolescentes e adultos. Analisar o processo de regulação dos esquemasde ação, estudando, por meio de entrevistas e de observação, a dimensãoafetivo-cognitiva das ações dos sujeitos no desenrolar das oficinas criativas.

Métodos: A partir de uma oficina criativa de modelagem com argila,trabalhamos com 14 sujeitos, (10 deles com idade entre 6 anos e 5 mesese 16 anos, e 4 adultos), 6 desses sujeitos eram mulheres e 8, homens,escolhidos aleatoriamente. Preparamos protocolos, em forma de texto, apartir dos vídeos e de gravações das oficinas criativas. Analisamos empormenor as condutas de três sujeitos: VIN (6;5), CAR (11;1) e RIC (38;9).

Resultados: Foi possível examinar aspectos funcionais e estruturaisde modo a compreender o processo de equilibração majorante que seestabelece durante a construção do projeto pessoal imaginado. Trabalhamosos quatro níveis de relações estabelecidas pelo sujeito: I. Relaçãointrapessoal: da pessoa consigo própria; II. Relações interpessoais:de um sujeito com outro(s) sujeito(s); III. Relação com o(s) objeto(s):em nosso caso, com a argila e IV. Relação com a tarefa: em nosso caso,com o projeto.

Conclusões: O resultado confirma a regulação das ações no desenrolardas oficinas criativas. O equilíbrio majorante dos movimentos sucessivosocorre dentro de um processo de ajustamento evolutivo e criativo dasestruturas afetivo-cognitivas. Confirmamos a diferença qualitativa dedesempenho dos sujeitos no processo, conforme o seu nível dedesenvolvimento.

UNITERMOS: Processo Criativo. Piaget. Visão sistêmica. Análisemicrogenética. Aspectos afetivo-cognitivos. Arte-Terapia. Oficina Criativa.

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INTRODUÇÃOA facilidade de pesquisar e obter informações

sobre o que está sendo desenvolvido em qualquerlugar de nosso planeta, atualmente é umarealidade, seja qual for a área de conhecimento.O homem tem o hoje acesso total ao conhecimentojá produzido. Podemos partilhar das pesquisasmais recentes acerca de temas de nosso interesse,trabalhando com uma rede de informações quenos mantém constantemente atualizados.

A educação desenvolvida em nossas escolasdeve poder acompanhar o ritmo intenso dessaevolução tecnológica, que torna possível tal redede interconexões. O desafio da pesquisadora emPsicologia e em educação é poder observar, cadavez com maior qualidade e precisão, o homemparticipante e atuante na construção de seu jeitode ser e de fazer a cada dia, a cada nova situação-problema que enfrenta.

Tal demanda social e cultural tornaimprescindível estudar e desvendar os caminhosinternos que o homem cria para vencer os desafiosque se apresentam nos projetos aos quais estávinculado. Como o sujeito alavanca suascompetências de modo a realizar o ‘seu melhor’durante o processo de aprendizagem e de vida?De que maneira o seu lado criativo participa naconstrução de ações que lhe são significativas?Como ele se coloca ao interagir com seus colegas?De forma harmoniosa e respeitosa, afetiva econsciente, enfim, íntegra?

Nossa pesquisa investiga o ser humano criadore formador, que desenvolve um projeto pessoalde modelagem em argila. Seu trabalho,desenvolvido em uma Oficina Criativa1 orientadapela pesquisadora, ocorre dentro de umenvolvimento crescente, na relação que eleestabelece consigo mesmo, com a idéia e com omaterial que utiliza para realizar a tarefa a que sepropõe. Estudamos, portanto, as dimensões afetivae cognitiva do sujeito nas diferentes relaçõespresentes na criação e realização de um projeto.

JUSTIFICATIVAEm nossa sociedade tecnológica há uma

crescente valorização do saber fazer, do encontrar

procedimentos que possibilitem a realização deprojetos de trabalho. Esses representam umcaminho de aprendizagem significativa. Em nossapesquisa, o projeto da pesquisadora édenominado Oficina Criativa, e, a partir dele, osujeito cria e realiza seu próprio projeto,modelando em argila.

A Oficina Criativa1-6 tem encontradoimportante espaço de inserção, isto é, tem sidoaceita como uma experiência educacionalinovadora. Ela representa uma metodologia emque “novas visões de mundo e de si mesmoemergem como (...) resultado de um intensotrabalho interior”7.

Nosso enquadre propõe uma análise científicae psicológica detalhada, articulada entre criaçãoe realização de um projeto pessoal, até então nãorealizada sob o ponto de vista da pesquisacientífica.

Estudamos e adaptamos a análise mi-crogenética desenvolvida por Inhelder, Cellé-rier et al.8 para algumas situações de resoluçãode problemas, para analisarmos as oficinascriativas.

No nosso ponto de vista, estudos a partir dateoria de Inhelder são relevantes, uma vez que aanálise microgenética das implicações das açõesque uma criança, adolescente ou adulto realizam,para construir seu projeto pessoal com argila, nãofoi ainda pesquisada de modo a estabelecer-secomo metodologia.

A necessidade de modelar um objeto em argilarepresenta um modo de expressão dosdinamismos afetivo e cognitivo dos sujeitos.Observamos que o indivíduo desenvolve formasqualitativamente melhores de resolver as sutissituações-problema que se apresentam a cadagesto que marca e modela a argila. Estudamos asignificação simbólica9-13 destes dinamismos quemanifesta-se na coordenação da ação interna dosujeito psicológico e se expressa na interde-pendência entre formas e conteúdos.

O estudo microgenético possibilita acompreensão do encadeamento das açõesdurante a elaboração do projeto. Procuramoscorrelacionar a resolução processual do

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problema com as modificações permanentes daestrutura da inteligência8. Essa metodologia nospermite desvendar o aspecto funcional daconstrução afetivo-cognitiva.

Em nossa pesquisa, o material utilizado paraa realização do projeto é a argila, materialfacilmente encontrado no solo brasileiro, portanto,acessível a todas as pessoas de qualquer classesocial. É relevante o educador, o arte-terapeuta eo psicopedagogo utilizarem esse material commaior consciência, compreendendo seu valor naconstrução interna vivida por cada um!

Afinal, atualmente encontramos nas escolascrianças e jovens que não querem aprender,assim como professores que não ensinam de fato,o que aponta para a necessidade de mudança etransformação do sistema educacional14.

Educar-se é aprender a construir o conhe-cimento com curiosidade e espontaneidade,explorando possibilidades e criando soluções.“Quando surpreendemos a nós mesmos, estamossendo criativos e descobrimos que podemosconfiar em nossa inesperada originalidade”11.Relativizamos a forma ressignificando o conteúdo.Podemos “olhar de dentro para fora, oconhecimento que se constrói de fora para dentro,para redimensioná-lo a cada novo insight”5.

Nossa visão de educação propõe o de-senvolvimento de uma mente questionadora,ativa e aberta. Convida o indivíduo a saberreconhecer-se no contexto social e cultural,observando procedimentos pessoais quevinculam ou direcionam a ação a realizar. Esse‘observar-se’ gera autoconhecimento e permiteuma certa consciência participativa, nacomunidade e no mundo. Nossa crença é que aeducação deve possibilitar oportunidades dedesenvolvimento a partir de propostasinteligentes15,16 e criativas, em que as crianças ejovens sintam-se comprometidos com seu própriocrescimento. Nesse enquadre, um projeto pessoalde trabalho representa um modus operandi deinegável valor.

Winnicott11 diz que “para uma existênciacriativa não precisamos de nenhum talentoespecial. Trata-se de uma necessidade universal,

de uma experiência universal“ em que mantemosviva “a capacidade de criar o mundo”. Precisamosoferecer à criança situações de aprendizagem quegarantam seu desejo de aprender e de construirsua inserção no mundo com consciência,tranqüilidade e alegria.

Uma maneira de se atingir tal meta é trabalharcom experiências significativas, desencadeadorasde aprendizagem. Afinal, há barro disponível emcada cidade e município! Ele poderia ter suasaplicações melhor compreendidas se osprofessores o utilizassem com maior freqüênciaem situações educacionais. O seu uso em contextoterapêutico16-23 tem sido enfatizado e reconhecidocomo importante agente de transformação e deexpressão do dinamismo psíquico do sujeito.

Portanto, é relevante o estudo maisaprofundado das dimensões afetiva e cognitivada implicação entre ações, em um trabalho demodelagem em argila. A presente pesquisapoderá nortear novas metodologias de ensino, afim de produzir uma melhor qualidade naaprendizagem de nossos alunos. Em nossaproposta, a ação criadora desencadeia aconsciência do sujeito em relação à sua ação. Elecria para realizar seu projeto de trabalho, paraconstruí-lo.

Os temas estudados são amplos e abran-gentes. A questão do projeto, de cunho pes-soal, representa o cerne de nossa pesquisa.Acreditamos que trabalhamos com aspectosrelacionados à ‘cultura do projeto’24, umademanda dos tempos atuais.

ANÁLISE MICROGENÉTICANo preâmbulo de sua última obra, Inhelder

apresenta, de forma evolutiva concisa, como foia construção de seu interesse “pelos aspectosfuncionais dos progressos do conhecimento”8.Relata, passo a passo, seu envolvimento com adupla análise estrutural e funcional dosprocedimentos de descoberta em situações deresolução de problemas. A autora reverencia aequipe de pesquisadores “animados por umdinamismo e um senso de inovação notáveis”que “quiseram traçar caminhos novos”. E,

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finalmente, descreve a tarefa de “ revelarcada vez mais claramente na criança o enca-minhamento de suas ações”.

Vale dizer que, nessa obra encontram-se váriosestudos que apresentam procedimentosmetodológicos desenvolvidos com a intenção decompreender os mecanismos funcionais dopensamento da criança. Como aponta Parrat-Dayan25, Inhelder se dedica “a delimitar osprocedimentos do sujeito, as teorias implícitas dascrianças, os objetivos e meios que utilizam, oplanejamento, os controles que encontram e suareação diante dos obstáculos”.

Nossa pesquisa aplica essa metodologia naanálise das oficinas criativas, procedendo àsadaptações que consideramos necessárias. Nestaperspectiva, analisamos o processo de regulaçãodos esquemas de ação, durante seu desenrolar.Tal proposta se mostra bastante desafiadora, pelaprópria complexidade do trabalho.

Estudar o sujeito psicológico, dentro doenfoque proposto, permite-nos levantar questõesrelativas ao modo de funcionar de crianças,adolescentes, jovens e adultos. Talvez possamoschegar a desvendar alguns desses procedimentos.De certa forma, estudar o projeto, sua criação erealização, representa uma nova modalidade deestudo do sujeito que se revela, durante odesenrolar das oficinas criativas.

O objetivo de uma análise microgenética, écompreender detalhadamente o processo em suasdiferentes etapas, tanto no nível da ação em si,como com relação a algumas intervenções queocorrem. O diálogo que se estabelece entrepesquisador e sujeito evoca nesse último umaresposta que importa analisar. Dentro doprocesso, analisamos o sujeito e a pesquisadoraque falam, assim como a ação que se desenrola,a partir dessa interação, na criação e concretizaçãode um projeto de modelagem em argila. Naprogressão microgenética, é importante analisarpequenos detalhes que permitem inferir o quedesencadeia mudanças, na evolução das ações.Durante o processo de Oficina Criativa, algo queé nada – a massa de argila – passa a ser tudo:um objeto que foi projetado.

A progressão que analisamos é a progressãoda forma: como um pedaço de argila, na mão deuma pessoa, ganha forma em função das açõesque ela realiza. Analisamos cada momento emque crianças, adolescentes e adultos estruturamessa tarefa, partindo de uma ação exploratóriada massa que têm nas mãos e progredindo atéchegar a um objeto.

Em nosso trabalho, é a criação seguida darealização de um projeto que dá forma à argila.A microgênese é a análise das pequenasestruturas que compõem uma ação maior8. Nocaso da criação de um projeto, todo essemovimento do sujeito, tanto em nível cognitivocomo afetivo, para realizar uma ação, é analisadodentro de suas pequenas particularidades.

Em nossa pesquisa, o recorte das seqüênciaspossibilita analisar as unidades significativaspara o sujeito, dentro do encadeamento que asqualifica. A numeração de cada frase do protocolopermite demarcar o início e o final de cadaseqüência. Esses conjuntos de frases numeradasformam um parágrafo, como em um texto,explicitando um determinado tempo da ação noprocesso.

Dessa forma, podemos realizar a análisemicrogenética sobre o encadeamento e a regulaçãodas ações do sujeito. No recorte das seqüênciasna Oficina Criativa, encontra-se inicialmente otempo de criação e depois o tempo de realizaçãode um projeto.

Analisamos o conteúdo das ações e asqualificamos de modo a reconhecer quandouma determinada unidade significativa seencerrou. Nesse trabalho algo começa etermina, para que o novo se inicie, às vezes,em direção ao objetivo maior; às vezes, emdireção a um objetivo dentro desse objetivomaior, que chamamos de ‘sub-objetivo’.

Nessa metodologia, trabalha-se de formadetalhada e aprofundada, tendo como intençãoobservar a coerência interna das açõesrealizadas, durante a evolução da OficinaCriativa. O trabalho microgenético nos permiteobservar a passagem das ações de cada sujeitoque, trabalhando com a argila, significa sua

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ação, durante o processo. As ações desse sujeitoassumem uma conotação própria, conforme omomento em que são realizadas.

Na pesquisa, analisamos a passagem doestatuto dessas ações que se iniciam comorotinas, transformam-se em primitivas, parachegarem a ser procedimentos, de acordo com omomento em que ocorrem.

Em nossos observáveis, inferimos as idéias-guia dos procedimentos dos sujeitos, que nosorientam para que possamos estudar asparticularidades funcionais de seu pensamento.

E também buscamos demonstrar o processode equilibração que ocorre a partir da regulaçãodas ações do sujeito na construção doconhecimento, ou seja, na realização de seuprojeto.

À medida que o sujeito manipula a massa,ocorre a composição de ações diferentes: aomesmo tempo em que ele a está amassando,movimenta a cabeça, olha, imagina. Existemnesse trabalho várias ações simultâneas, e nossoobjetivo é poder focalizá-las dentro de suaspequenas etapas de construção, pois quesignificam progressão.

Podemos notar uma diferença na qualidadedessas ações, na medida dos encadeamentospresentes, no processo de Oficina Criativa. Ointeressante é que, ao olharmos essas muitasetapas ou subetapas, percebemos momentosqualitativamente diferentes. Constatamos que aíum processo de equilibração majorante seestabelece.

A PESQUISATrabalhamos com 14 sujeitos, (10 deles com

idade entre 6 anos e 5 meses e 16 anos, e4 adultos), 6 desses sujeitos eram mulherese 8, homens, escolhidos aleatoriamente. Opré-requisito para participação nessa amostraera o interesse de desenvolver uma OficinaCriativa com argila. Escolhemos sujeitosdentro de uma larga faixa etária, pois o estudopermite tal abrangência.

Cada sujeito experiencia um trabalhoindividual de Oficina Criativa. Após cada

Oficina Criativa, ou no seu decorrer, é feita umaentrevista com o sujeito, de modo a colherinformações mais precisas sobre o processo.

Para a realização da presente pesquisa,produzimos os instrumentos abaixodiscriminados:

I. Oficina CriativaI.a. EntrevistaI.b. Protocolos

O protocolo é um instrumento, em forma detexto, preparado a partir dos vídeos e dasgravações das oficinas criativas. A entrevistafaz parte desse instrumento, e tanto a expressãoplástica (desenhos e modelagem) como aexpressão escrita dos sujeitos estão nelesregistradas.

II. Manual para análise microgenéticaO manual de codificação dos dados é descrito

e explicado a seguir. Ele compreende as tabelasrelativas a:

II.a. Análise estrutural: (dimensãotemporal e espacial) (Tabela 1)

II.b. Análise funcional: estatuto dasseqüências (Tabela 2)

II.c. Categorias observáveisII.c.1. Relação intrapessoal: da pessoa com

ela própria (Tabela 3)II.c.2. Relações interpessoais: de um

sujeito com outro(s) sujeito(s)(Tabela 4)

II.c.3. Relação com o(s) objeto(s): emnosso caso, com a argila (Tabela 5)

II.c.4. Relação com a tarefa: em nosso caso,com o projeto (Tabela 6)

III. Planilha de análise dos dadosPreparamos uma planilha de codificação

dos dados, para proceder a análise estatísticade três sujeitos. Representamos numeri-camente os eventos qualitativos presentes naanálise microgenética, utilizando o manualde codificação elaborado para esse fim.

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Quanto à dimensão espacial:••••• CA – – – – – Controle ascendente: ocorre quando as propriedades da matéria indicam o caminho a seguir.

O sujeito trabalha de forma exploratória, exercitando maneiras e possibilidades. Dessa forma,aciona seu conhecimento diante das questões que o objeto lhe apresenta. A construção de seuprojeto se dá passo a passo, na medida em que ele ajusta suas ações para realizá-lo.

••••• CD – – – – – Controle descendente: ocorre quando o próprio objetivo guia a sua concretização. O sujeitofaz ajustes e modificações em suas ações a partir das situações que se apresentam durante oprocesso. O projeto em si se mantém, até que seja finalizado.

••••• OT – – – – – Ordem teleonômica: as ações do sujeito são determinadas pelo projeto final. O encadeamentodos subobjetivos possibilita a realização de sua meta.

••••• OC – – – – – Ordem causal: o projeto se constrói pouco a pouco, na medida em que o sujeito define suasetapas de trabalho. Essas etapas de resolução paulatinas demonstram uma causalidade emsua ação.

••••• HI – – – – – Hierarquia: as ações do sujeito são dirigidas para um objetivo. O desenrolar das ações ocorre deforma mais ou menos linear e evolutiva, com regras e/ou procedimentos aparentemente bemdefinidos.

••••• HT – – – – – Heterarquia: as ações ocorrem justapostas e não são coordenadas em direção ao objetivo.Realizam-se durante os subobjetivos, que concorrem entre si, oferecendo muitas possibilidades.

Quanto à dimensão temporal:••••• SC – – – – – Sincronia: ocorre quando observamos um conjunto de indícios captados em um momento

específico, pertinentes a um momento T.••••• DC – – – – – Diacronia: ocorre quando um mesmo indício (fala, movimento, atitude, etc.) é constatado em

diferentes momentos da resolução do problema.

Tabela 1 - Aspectos estruturais analisados

MANUAL PARA A ANÁLISEMICROGENÉTICAAspectos afetivo-cognitivosO problema proposto ao sujeito – criar e

realizar um projeto – suscita nele a necessidadede utilizar e regular os esquemas que lhe sãofamiliares durante a Oficina Criativa. Inferimosque cada sujeito constrói um procedimento paraalcançar seu objetivo final: o projeto. E trabalharealizando subobjetivos que lhe permitem essaconstrução.

Estabelecemos uma sutil diferenciação entre ascategorias que consideramos representativas dadimensão afetiva e aquelas representativas dadimensão cognitiva. Para cada tipo de relaçãoestabelecida pelo sujeito, definimos que ascategorias correspondentes às variáveis A), B), C)e D) seriam aquelas relacionadas predominan-temente à dimensão afetiva, e as variáveis E), F),G) e H) seriam as correspondentes principalmenteà dimensão cognitiva.

Em nossa pesquisa, desenvolvemos umaanálise das dimensões afetivo-cognitivas em suamicrogênese, examinando os aspectos funcionaisdescritos nos procedimentos presentes em seudesenrolar. Procuramos, assim, compreender oprocesso de equilibração majorante que seestabelece durante a construção do projetopessoal imaginado.

Para tanto, trabalhamos os quatro níveis derelações estabelecidas pelo sujeito, presentes nodecorrer de uma experiência de projeto.

Temos, portanto, um total de 32 categoriasdescritas de modo a podermos interpretar as açõesdos sujeitos no decorrer da Oficina Criativa.

Para podermos proceder a uma análiseestatística dos dados coletados, preparamos ummanual de codificação.

Manual de codificaçãoPara conceber uma representação numérica

dos observáveis em cada seqüência, procuramos

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••••• TC – – – – – Seq. Tempo de Contato: ocorre quando o sujeito precisa de um tempo para compreender eentrar em contato com o trabalho. Percebemos em sua atitude que ele se prepara para a ação queestá para começar.

••••• EP – – – – – Seq. Entrar no Problema: o sujeito entra na questão que lhe é apresentada. Realiza suas açõesde modo a efetivamente iniciar seu trabalho. Há uma modificação em sua conduta e atitude, quepercebemos ser mais ‘precisa’ e aparentemente mais direcionada.

••••• NP – – – – – Seq. Novas Possibilidades: ocorre quando uma nova ação tem lugar e altera um pouco oprocesso de resolução do problema. O sujeito aparentemente realiza um certo encadeamento desub-objetivos, mas de repente, realiza uma ação totalmente nova, que interfere no desenvolvimentodo processo. Essa ação ocorre muito antes que ele próprio tenha uma idéia clara do que se passa.

••••• RE – – – – – Seq. Recurso: o sujeito aparentemente interrompe o que está fazendo e se distancia para acionarsua própria energia de modo a ir um pouco mais longe: respira, suspira, observa a câmera,alguém que passa ou algo que acontece. Essa seqüência surge em um momento em que seapresentam bloqueios, ou após um longo período de trabalho que o cansou. Ela é exterior àresolução do problema.

••••• CD – – – – – Seq. Conduta de Desvio: o sujeito aparentemente ‘procura uma idéia’. Não podemoscompreender imediatamente o que ele realiza, em se considerando o que deseja fazer. É como se ele‘interrogasse o objeto’: saindo de seu próprio caminho, fazendo algo diferente, para retomá-lo emseguida.

••••• TA – – – – – Seq. Transição de Ação: dentro da seqüência das ações, o sujeito faz algo que dá à sua ação umanova significação, o que faz com que reconheçamos uma mudança no nível de seu trabalho.Talvez, ele possa chegar a um novo nível de realização, em se considerando o seu objetivo.

••••• IV – – – – – Seq. Investigativa: durante o processo, o sujeito dialoga com o objeto, pois já adquiriu ’certaintimidade’ com ele. Aqui, sujeito e objeto compartilham o mesmo espaço. Percebemos que, emum dado momento, o sujeito sustenta o tempo de ação que direciona para a realização de seuobjetivo.

••••• SP – – – – – Seq. Síntese do Problema: ao final de uma ação, o sujeito refaz, de uma única vez, uma sériede ações, que lhes permite atingir o seu objetivo. É um resumo da resolução do problema.

••••• RG – – – – – Seq. Representação Gráfica: o sujeito trabalha suas idéias e imagens, representandograficamente o que visualiza. Ele faz a transposição de linguagem, passando do plano mental eideatório para o gráfico: desenha sua imagem mental, seu projeto ou seu objeto.

••••• SV – – – – – Seq. Síntese Verbal: o sujeito expressa seu aprendizado durante o processo, falando ouescrevendo sobre sua experiência, como um todo. Há uma primeira consciência do processovivido. O sujeito interpreta o trabalho feito e relata aspectos significativos do que construiuinternamente.

••••• RP – – – – – Seq. Retomada do Processo: o sujeito explicita passos do que experienciou, relatando aspectosque reconhece como detonadores de seu processo ou, então, como bloqueadores de sua ação.Na medida em que ele reflete sobre a experiência, (organizando-a), a consciência das etapas vividasconfigura-se. É quando o sujeito busca razões, construindo o sentido e o significado de suasexperiências.

Tabela 2 - Análise funcional: estatuto das seqüências

quantificar cada atributo presente nas categoriasestabelecidas. Assim, realizamos, em pormenor,a análise microgenética das ações.

Preparamos uma planilha na qual encon-tramos colunas e linhas, as quais representamas variáveis que compõem o objeto de nossapesquisa.

A análise, feita com base nas observações enas informações recolhidas acerca de cada sujeito

(transcritas e descritas a partir de fitas de vídeo),é formulada nos protocolos de pesquisa.

As linhas representam as etapas da OficinaCriativa, em seus diferentes momentos.Procedemos, assim, a análise estrutural efuncional do processo.

A partir desses momentos, relativos a cadafase do processo, no tratamento de nossos dados,analisamos os conteúdos das ações do sujeito

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(aspecto funcional), e estabelecemos asseqüências e as subseqüências dentro das açõespresentes no decorrer do processo (aspectoestrutural). Procuramos observáveis quejustifiquem sua categorização, e, portanto, suacodificação. As ações são numeradas de acordocom sua descrição no protocolo.

Determinamos o tempo (minutos esegundos) de duração de cada seqüência e ousubseqüência.

As seqüências foram assim classificadas: TC- Seq. tempo de contato; EP - Seq. entrar noproblema; NP - Seq. novas possibilidades; RE- Seq. Recurso; CD - Seq. conduta de desvio;TA - Seq. transição de ação; IV - Seq.Investigativa; SP - Seq. síntese do problema;RG - Seq. representação gráfica; SV - Seq.síntese verbal e RP - Seq. retomada doprocesso.

Os aspectos estruturais são codificados deacordo com a idéia-guia do sujeito – de acordocom sua dimensão espacial:

1. CA - OC - HI; 2. CD - OT - HI; 3. CA - OT -HT e 4. CD - OT - HT

Ou seja:1. CA - Controle ascendente; OC - Ordem

causal; HI - Hierarquia2. CD - Controle descendente; OT - Ordem

teleonômica; HI - Hierarquia3. CA - Controle ascendente; OC - Ordem

causal; HT- Heterarquia4. CD - Controle descendente; OT - Ordem

teleonômica; HT- Heterarquia

Os indícios observáveis em sua dimensãotemporal – DC e SC – são codificadosseparadamente, pois representam um outroaspecto, cuja observação é relevante.Explicamos: DC - Diacronia e SC - Sincronia.

Em nosso procedimento de análise,levantamos variáveis: construções que podemassumir valores (qualidades) diferentes, deacordo com as categorias definidas comoobserváveis afetivo-cognitivos nas quatro formas

de relação que o sujeito estabelece no decorrerdo processo. Cada coluna representa umavariável categórica.

Temos oito categorias descritas de A a H. Ascategorias A, B, C e D explicitam aquelaspredominantemente afetivas, sendo que asclassificadas como E, F, G e H, expressamprincipalmente a dimensão cognitiva.

No tocante à avaliação das condutas dossujeitos, representamos a interpretação de suaação em um escala hierárquica: desde umaconduta com sua presença mais positiva - nota5 - até sua presença mais negativa - nota 1.

Cada categoria está definida em níveis deatributos, qualificados em uma ordemsucessiva a partir da interpretação pelapesquisadora. Assim, temos os níveis a, b e cpresentes na categoria alegre que, dentro domesmo eixo, em sua presença mais negativa,recebe a numeração d, e e f (do menor para omaior).

Por exemplo, em:• IA4a lemos: na relação intrapessoal, as

ações do sujeito recebem a nota 4 ,correspondente ao nível a de qualificação doconteúdo de sua ação.

• IIE3d lemos: na relação interpessoal, asações do sujeito recebem a nota 3 ,correspondente ao nível d de qualificação doconteúdo de sua ação.

Análise microgenética5.3.1. Tabela 1. Aspectos estruturais

analisados5.3.2. Tabela 2. Análise funcional: estatuto

das seqüências5.3.3. Relações afetivo-cognitivasTabela 3. Relação intrapessoal: da pessoa

consigo mesmaTabela 4. Relações interpessoais: do sujeito

com outro(s) sujeito(s)Tabela 5. Relação com o objeto: em nosso caso,

a argilaTabela 6. Relação com a tarefa: em nosso caso,

com o projeto

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A) Alegre Triste E) Coerente Incoerentea. Demonstra inteireza e d. Demonstra sentimentos a. Realiza sua ação com d. Apresenta inconstância

integridade em sua conflitantes no plano desprendimento, na coordenação deatitude interna. interno. demonstrando estar suas ações.

b. Expressa movimentos e. Expressa coordenando seus e. Toma decisõessoltos e naturais. movimentos presos e observáveis. impensadas,

c. Demonstra prazer e tolhidos. b. Articula seus aparentementereceptividade alegre; f. Demonstra desprazer observáveis, de modo inconsistentes,está bem. e tristeza, parece coerente. incoerentes e

estar deprimido, c. Encontra soluções, pois desarticuladascompreende as variáveis f. Repete os mesmosque se apresentam. gestos sem parar.

B) Firme Instável F) Comprometido Descompromissadoa. Demonstra segurança e d. Demonstra a. Suas inferências são d. Realiza ações

autodisciplina. insegurança e dirigidas pela incompatíveis com ab. Permanece firme e inconstância. consideração de conservação do todo.

engajado. e. Aparenta estar instável possibilidades. e. Realiza ações malc. Mantém-se em contato e atordoado. b. Organiza sua ação, definidas, sem

com a atividade. f. Mantém-se distante da antecipando aspectos compromisso interno.atividade, parece estar significativos. f. Permanece centrado,ausente. c. Compromete-se com a preso a uma única

proposta, descentrando-se dimensão da proposta.de si mesmo.

C) Equilibrado Perturbado G) Implicado Não-implicadoa. Está internamente d. Está excitado, ansioso, a. Dirige sua ação pela d. Dirige sua ação pela

tranqüilo, relaxado inquieto, agressivo, noção de todo, e ausência deafável e concentrado. irritado, disperso e conseqüente interação compreensão dos

b. Apresenta movimentos desatento. entre suas partes. indícios gerais.fluidos, suaves e e. Realiza movimentos b. As implicações se e. Não estabelecedelicadamente precisos, truncados, fortes e encadeiam de modo implicação entre suaspertinentes ao intensos, inferencial; as mudanças ações; as modificaçõesmomento. aparentemente são previstas como que realiza estão presas

c. Permanece centrado na distantes do que causadoras de novas a detalhes nãoatividade. deveriam ser. mudanças. relacionados entre si.

f. Movimenta-se de c. Compreende as f. Realiza movimentosum lado para o outro possibilidades que se fora do contexto, semou permanece abrem como considerar a relaçãoimobilizado. conseqüências de entre eles e o todo.

movimentos geradoresde novas formas.

D) Ativo Passivo H) Coordenado Descoordenadoa. É ativo e busca d. É passivo e parece a. Relativiza suas ações, d. Não relativiza a ordem

alternativas e paralisado. Repete ordenando-as por de suas ações, não fazaprimora seu gesto, seu gesto, não prioridades; considera implicações.ampliando suas ampliando suas implicações de ordem e. Tem dificuldade emfronteiras pessoais. fronteiras pessoais. transformacional. levantar possibilidades;

b. Demonstra estar e. Está desmotivado, é b. Verifica possibilidades; mistura semmotivado tem acomodado e trabalha a sistematizar as partesiniciativa e demonstra estar interdependência entre em relação ao todo.demonstra estar fechado ao novo. as partes e o todo. f. Suas decisões sãoaberto ao novo. f. Não estabelece c. Demonstra a intenção de descoordenadas.

c. Estabelece contato contato com a realizar interaçõescom a proposta / o proposta / material. diferenciadas.material.

Tabela 3 - Relação intrapessoal: da pessoa consigo mesma

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A) Respeitoso Invasivo E) Mente aberta Mente fechadaa. Estabelece relação d. Estabelece uma a. Alavanca suas d. Faz exatamente o que

agradável, relação competências com acha que deve ser feito,demonstrando simpatia. desagradável tranquilidade diante das como se se tratasse de

b. É respeitoso e atencioso demonstrando situações propostas. pseudo-obrigações,para com as observações antipatia. b. Seus julgamentos são e. Seus julgamentos sãoda pesquisador. e. É invasivo e orientados por inferências dirigidos por percepções

c. Reconhece o espaço do desatento para com dirigidas pela consideração parciais deoutro. as verbalizações da de possibilidades. possibilidades.

pesquisadora c. Mantém a mente aberta às f. Mantém-se fechado em sif. Não reconhece o sugestões da pesquisadora. mesmo, não escutando o

espaço do outro. que é dito pelapesquisadora.

B) Flexível Rígido F) Interdependente Dependentea. Infere possibilidades e d. Permanece alheio; é a. As interdependências são d. Reage às sugestões da

faz perguntas, esclarece impositivo e atingidas em sua pesquisadora sem levardúvidas, é afável e desobediente. totalidade. em conta o que lheobediente ao sentido do e. Não leva em conta b. Interage com as idéias sugere.processo. as sugestões dadas lançadas pela e. Mantém uma atitude de

b. Realiza as sugestões pela pesquisadora e pesquisadora, refletindo e dependência,dadas pela pesquisadora realiza movimentos dialogando a partir delas. realizando o mínimo doe age espontaneamente automáticos. c. Escuta as sugestões da que é sugerido pela

c. Estabelece contato com a f. Não estabelece pesquisadora, como pesquisadora.pesquisadora, em uma contato com a agentes mobilizadores de f. Reafirma o que semprerelação de interesse. pesquisadora em novas ações. soube fazer, repetindo

uma relação de antigos procedimentos“não-interesse”. que lhe são familiares.

C) Objetivo Ambíguo G) Criativo Não-criativoa. Seus procedimentos são d. Mantém-se a. Realiza ajustes criativos e d. Não promove o

precisos e diretos, em dissimulado, compensatórios em suas ajustamento criativo derespostas às intervenções fingindo não ouvir o ações, em uma suas ações na interaçãorealizadas. que é sugerido pela perspectiva majorante, com a pesquisadora.

b. É franco, sincero, direto pesquisadora mantendo a clareza de e. Inverte posições,objetivo e claro. e. É camuflado e seus objetivos. atribuindo àDisponível e interessado, ambíguo, confuso, b. Reconstitui os passos a pesquisadora ações fora

c. Olha nos olhos da defendido e preso. serem seguidos com do contexto.pesquisadora e ouve o f. Mantém-se presa ao pertinência ao contexto f. Julga informaçõesque está sendo dito. ‘si mesmo’ não se que se estabelece. incompletas como

descentrando para c. Aceita as intervenções da suficientes para suainteragir. pesquisadora, tomada de decisão.

promovendo uma auto-reulação de suas ações.

D) Cooperativo Não-cooperativo H) Receptivo Não-Criativoa. Expressa um espírito d. Expressa um a. Constrói sua ação a partir d. Constrói sua ação a

colaborador, cooperando espírito de uma interação partir de uma relaçãocom o desenrolar do individualista, não cooperativa, com a competitiva entre ele eprocesso. cooperando com o pesquisadora, dentro de o ‘si próprio’ projetado

b. Estabelece uma relação desenrolar do uma circularidade na figura dade troca com a processo. dialética. pesquisadora.pesquisadora. e. Age de forma b. É receptivo à coordenação e. Não é receptivo à

c. Solicita o que deseja solitária, egoísta e das ações feita pela coordenação das açõesfazer por meio de independente pesquisadora. feita pela pesquisadora.perguntas, levanta demais. c. Recebe, de forma parcial, f. Demonstra pseudo-possibilidades. f. Permanece quieto as orientações da dependências

não interagindo no pesquisadora. resistentes.decorrer do processo.

Tabela 4 - Relações interpessoais: do sujeito com outro(s) sujeito(s)

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A) Reflexivo Automatizado E) Investigador Não-investigadora. Observa o que faz, d. Apenas repete a. Infere possíveis e d. Toma decisões

buscando novos procedimentos, sem redimensiona o uso do impensadas sem levarprocedimentos. observá-los com material, escolhendo o em conta as

b. Reflete em relação ao atenção. que e quando fazer, no propriedades do objeto.objeto argila ou desenho; e. Age de forma processo. e. Nega possibilidades deatento às mudanças que automatizada; sem b. Realiza inferências ele uso do material.ele sofre no decorrer do estar atento às conduzidas pela f. Produzprocesso. transformações do descoberta dos possíveis automatizações

c. É estudioso e objeto. que o objeto lhe nas relações ligadas àscomprometido com o f. Age sem vínculo com apresenta. condições instrínsecasque o objeto pode lhe o possível c. Investiga minuciosamente ao objetoproporcionar. conhecimento a ser as propriedades do argila/ desenho.

construído no material.processo.

B) Cuidadoso Descuidado F) Previdente Não-previdentea. Procura fazer o melhor d. Não se apercebe das a. Prevê situações que se d. Não prevê situações de

uso dos possíveis possibilidades; age organizam sucessão hierárquicamateriais que tem a sua sem consciência e de sucessivamente na na escolha defrente; aprofunda sua ação forma descuidada e escolha de procedimentos. procedimentos.

b. Trabalha com lógica, superficial. b. Antecipa escolhas de e. Compreende asencadeando suas ações. e. Faz sem pensar, de procedimentos variáveis

c. Organiza o espaço e os forma aleatória. condizentes com o objeto procedimentais emmateriais com que f. Não organiza o para realizar seu projeto. relação ao objeto, mastrabalha. espaço nem os c. Exercita possibilidades de não as coordena em

materiais com que uso procedimental do direção ao seu projeto.trabalha. objeto. f. Manipula o material

sem explorar suaspossibilidades.

C) Respeita Não respeita G) Observador Não-observadora. Investiga possíveis e d. Tenta adaptar o objeto a. Infere resultados a partir d. Mantém a mesma

explora as propriedades ao que deseja realizar, de duas condições conduta,do objeto. sem levar em conta o simultâneas, realiza independentemente da

b. Respeita o objeto, que ele lhe permite transformações em sua resposta do objeto.reconhecendo os limites fazer ação. e. Não observa asque ele lhe propõe. e. Mergulha na b. Observa as mudanças no mudanças no objeto,

c. Mantém seu desordem, não objeto, articulando-as mantendo-asenvolvimento, respeitando o objeto com seu projeto desarticuladas de seutrabalhando com em si. c. Observa as diferenças projeto.limpeza e concentração. f. Mantém-se distante, constitutivas do objeto f. Não leva em

demostrando um para esboçar objetivos e consideraçãonão-envolvimento para programas. a constituição materialcom o objeto. do objeto e procura

adequá-lo aos seusobjetivos e programas.

D) Desapegado Apegado H) Interativo Não-interativoa. Dialoga com o objeto, d. Age de maneira a. Realiza composições d. Realiza compensações

ouvindo o que ele tem a indiferenciada, não complexas, considera parciais e desarticuladasdizer; é perspicaz diante levando em conta o todas as propriedades que das propriedades dode suas respostas. que a ação lhe traz o objeto lhe impõe. objeto na realização de

b. Age com liberdade como retorno. b. Compreende a interação seu projeto.interior, buscando e. É apegado aos seus com o objeto, na dialética e. Mantém sua ação naalternativas, a partir das próprios ‘padrões’, de sua circularidade, busca de dependênciasrespostas do objeto. mantendo-os de promovendo sua que não existem.

c. É desapegado de seus qualquer maneira. utilização dentro de suas f. Permanece preso aospróprios ‘padrões’, f. É apegado aos seus melhores possibilidades obstáculos e àstraçando novos ‘padrões’ anteriores, para o momento. dificuldades que ocaminhos. repetindo suas ações. c. Considera transitórios os objeto lhe impõe.

obstáculos parteintegrante do processo.

Tabela 5 - III. III. III. III. III. Relação com o objeto: em nosso caso, a argila ou o desenho

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A) Curioso Apático E) Construtivo Não-construtivoa. Demonstra d. Parece estar apático e a. Descobre a conservação a d. Mantém sua ação

curiosidade em distante do processo, partir de compensações e de centrada em esquemasinvestir no que faz, desistindo com rapidez transformações. que apenas reproduz.enfrentando desafios e diante de problemas. b. Discrimina os e. Age de forma quasemantendo-se na e. Permanece perdido e procedimentos que melhor descoordenada, semproposta. age de maneira se adaptam às necessidades estar consciente dos

b. Demonstra dedicação reservada e distante. do seu projeto. procedimentos para ae entrega ao trabalho. f. Demonstra estar pouco c. Investiga possíveis, levando realização de seu

c. É caprichoso e comprometido com a em conta diferentes projeto.esforçado, mantendo tarefa, é desleixado. variáveis. f. Age de formavivo o espírito de exploratória,investigação. desvinculado das

necessidades de seuprojeto.

A) Disciplinado Indisciplinado F) Articulador Não-articuladora. Compensa d. Permanece perturbado a. Projeta o conjunto, d. Não observa nem

desequilíbrios que se durante o processo. incorporando detalhes não articula asapresentam. e. Age com indecisão e programados; descobre informações que

b. Estabelece prioridades indisciplina, realizando simetrias que usa para possui em direção àagindo com precisão, ‘de qualquer jeito’ a regular suas ações. construção deperseverança e tarefa. b. Regula sua ação, seu projeto.decisão. f. Distancia-se da tarefa antecipando e articulando e. Não regula sua ação

c. É meticuloso e ou até a abandona. aspectos significativos. com antecipaçõesdisciplinado. c. Constrói possíveis, significativas.

levantando hipóteses que f. Constrói possíveisconfirma ou não, fazendo simplesmentecompensações. levantando hipóteses,

sem buscar suaconfirmação.

C) Presente Ausente G) Autônomo Não-autônomoa. Age com ética e d. Age desvinculado de a. Dirige suas ações para a d. Dirige suas ações para a

tolerância, sendo leal seus valores, totalidade do projeto que construção de partes doa seus próprios demonstrando realiza. todo, independentes dovalores. intolerância e b. Coordena suas ações a projeto final.

b. Sabe priorizar, distanciamento ético. partir dos observáveis que e. Não coordena suaspermanecendo e. Apresenta uma postura constrói no decorrer do ações a partir dospresente, concentrado de ausência, sua ação é processo, realizando novas observáveis, repetindoe atento. obscura e aleatória. combinações. antigas combinações.

c. Aprende rapidamente, f. Aprende lentamente, c. Por inferência, encontra f. Permanece longodemonstrando agindo com alienação e soluções imediatas e tempo em busca deconsciência e lucidez de forma desatenta. rápidas. soluções, que temde ação. dificuldade para

encontrar.D) Tranqüilo Inquieto H) Auto-regulador Não-regulador

a. Age com d. Fica inquieto, a. Realiza implicações entre d. Produz contradições etranqüilidade e resolvendo implicações, quase círculos viciosos emrespeita seu tempo de rapidamente a tarefa simultâneas; não produz grande número defazer; sua respiração é como que para se livrar contradições. ações independentes.pausada, expressando dela. b. Programa suas ações e. Não estabeleceum ritmo natural de e. É impaciente com os desde o início do projeto, prioridades naconstrução do desacertos articulando-as. contigüidade das açõesprocesso. f. Expressa desprazer e c. Realiza menor número de que realiza.

b. É paciente com inquietação em tentativas para encontrar f. Faz muitas tentativas nadesacertos. vivenciar o processo. correspondências entre busca de relacionar

c. Expressa prazer em suas ações e suas suas ações e suasviver o processo. intenções. intenções.

Tabela 6 - IV. Relação com a tarefa: em nosso caso, com o projeto

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ASPECTOS AFETIVO-COGNITIVOSNAS OFICINAS CRIATIVAS:EXPLICITANDO AS CATEGORIASDurante as oficinas criativas, analisamos a

dimensão afetivo-cognitiva das ações dos sujeitosno processo de regulação dos esquemas de ação,observando aspectos do sujeito psicológico nasdinâmicas de suas condutas no decorrer do processo.

Esta análise é desenvolvida a partir doprocesso dialético de equilibração majorante,conforme foi proposto por Piaget26, 27.

No decorrer de nossas oficinas, levantamoscritérios observáveis e os explicitamos no decorrerda análise microgenética dos protocolos dossujeitos que constituem nossa amostra, de modoa presentificar a dimensão afetivo-cognitiva emuma escala de avaliação.

Procuramos enfocar, da forma mais abrangentepossível, aspectos vivenciados pelo sujeito.Portanto, analisamos os dinamismos valorativose operatórios que se apresentam no espaço e notempo, desde sua manifestação em sua dimensãomais evoluída, até a menos desenvolvida.

Observamos que há um eixo implícito presentena lógica interna das experiências das pessoas,que se manifesta em afetos e desafetos, em gostose desgostos, em vontades e não-vontades; comotambém em escolhas, percepções, discriminações,diferenciações, combinações, permutações etransformações. Trabalhamos, portanto, oraciocínio de gênero, em que tudo está incluídoem seus diferentes lugares.

Assim, realizamos a análise da energéticadas regulações das ações durante o processo.Energética porque essas regulações são rela-cionadas aos dinamismos propulsores dos pro-cedimentos. Esses, por sua vez, relacionados àssensações e aos sentimentos vivenciados a cadamomento no decorrer do processo, e desen-cadeadores de ações representativas do dina-mismo psíquico.

Para a nossa análise, selecionamos fragmentosdos protocolos que expressam cada atributodefinido nas categorias observáveis, interpretadose contabilizados no decorrer das seqüências queconstituem as oficinas criativas.

Cada atributo que qualifica a experiência éassim descrito: da melhor expressão até suamanifestação mais negativa. Em suma, quandoqualificamos a ação do sujeito a partir dosatributos descritos nos itens a, b ou c, conferimosa ela uma qualidade em sua esfera positiva.Quando avaliamos como correspondente a d, eou f, estamos atribuindo-lhe qualidades em suaexpressão mais negativa.

Relações intrapessoaisAs relações intrapessoais são aquelas que o

sujeito estabelece consigo próprio e queacompanham sua ação em todos os momentos desua vida. De certo modo, fazem parte da pessoaem sua constituição e se expressam em todas assuas ações, definindo, assim, a qualidadeessencial presente na energética do seu jeito defazer.

Ou seja: há uma dimensão de valor quequalifica o que o sujeito faz, qualquer que sejasua intenção ou ação em si. Esses valores seexpressam como sua condição humana da psique,de maneira que age baseado nos princípiosfundamentais que o mantém ligado ao ser ‘simesmo’. Tais valores dinamizam a energética queimpulsiona sua ação. Além disso, expressam ascompetências e as habilidades que desenvolveue que acompanham sua ação independentementede onde ocorra a inserção dessa ação.

Na busca de ações que o levem à realizaçãode sua proposta, o sujeito aciona seus esquemasfamiliares. Internamente, vive a regulação de umtipo de pensamento operatório que permaneceintimamente ligado aos valores que energetizamessa ação cognitiva.

Relações interpessoaisAs relações interpessoais são aquelas que o

sujeito estabelece com outro(s) sujeito(s). Estãoligadas aos sentimentos que coordenam suasduas dinâmicas básicas presentes de formadialógica: o centrar e o descentrar. Ao interagircom o outro, a pessoa ouve a si mesma(internamente). E assim pode ressignificar seumodo de sentir, pensar e agir. Pode também

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ajustar sua conduta em direção à construção deum procedimento que o levará à concretizaçãode suas metas.

Piaget28 descreve os três aspectos distintosmas indissociáveis de qualquer conduta em umasituação cooperativa: sua estrutura, sua energéticae os sistemas de símbolos que servem designificantes a essas estruturas operatórias e aesses valores.Na pesquisa, observamos apresença do sistema de valores nessa relaçãodialética porque pressupõe um ir e vir interno eregulador da dinâmica que norteia a ação.Dialética por se construir dentro de um processogradativamente majorante26, também descritoneste trabalho como o processo de equilibraçãomajorante, dentro do recorte de análise dosprocessos cognitivos que acontecemparalelamente aos afetivos nas situações vividaspelos sujeitos.

Quando observamos as relações interpessoais,podemos interpretar os modos como o sujeitoregula sua ação no decorrer do processo. Notamossituações em que ele ajusta sua ação a partir deuma intervenção da pesquisadora. Em verdade,na construção da Oficina Criativa, ambos vivemum processo de assimilação e acomodaçãorecíprocas26. Portanto, analisamos aqui ascompetências relacionais16 que os sujeitospossuem e que utilizam no jogo de interaçõespresente no processo.

Relações com o(s) objeto(s)Em nossa pesquisa, essas relações dizem

respeito ao modo como o sujeito manipula a massade argila que tem em suas mãos, ou comorepresenta graficamente sua experiência aodesenhar. Ou seja, à maneira como demonstrasua forma de vivenciar esse contato (com a argilae o desenho – objetos de nossa investigação)

Na interação com o objeto, o sujeitoexpressa o conhecimento que possui sobre omaterial. Por vezes, sua competência emmanipulá-lo vem de longo exercício dehabilidades durante aulas de artes oubrincadeiras entre amigos. Por outro lado, hápessoas que nem se lembram quando foi a

última vez que tiveram a oportunidade demodelar com argila ou de desenhar.

Nossa pesquisa infere que há um saber fazerpresente em cada ser humano26 no que dizrespeito a tal material. Nesse sentido, osesquemas cognitivos que são acionados comorotinas, primitivas e procedimentos29,30,31

expressam sempre o caráter intrínseco a essesesquemas.

Relação com a tarefaAs relações com a tarefa estão ligadas tanto

ao desempenho do sujeito no decorrer darealização de seu projeto quanto aos processosinternos que o vinculam àquilo que ele se propõea fazer, e que o mantém conectado – ou não – asua meta, mesmo quando diante de empecilhosou dificuldades.

Em se considerando a dimensão dos valores,é a energética que mantém o vínculo do sujeitocom cada etapa do processo em direção a umfazer, ou não, ‘o seu melhor’ . Essa energéticatem relação com a tolerância à frustração de nãoobter o resultado imediatamente e, portanto,precisar suportar o processo em todas as suasetapas. Está ligada também à responsabilidadede assumir uma tarefa e de procurar realizá-la,buscando possibilidades de êxito diante dos fatosque se apresentam.

A cada momento do processo, o sujeitosignifica sua ação, sustentando seu fazer demaneira a enfrentar desafios e construir caminhospara a realização daquilo que se propõe a fazer.Todo um saber fazer é evocado de modo a seconstruir procedimentos que permitam atingir ameta almejada.

A competência evocada para que a tarefaseja realizada possui um componenteestrutural: as aquisições que o sujeito já possuie lhe dão suporte. No caso desta pesquisa, a‘exigência’ é que trabalhe com a argila emcontexto de projeto. E o componente funcionalse manifesta na aplicação do conhecimento queo sujeito possui para realizar a tarefa nocontexto que propomos dentro de uma OficinaCriativa.

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RESULTADOSTodos os protocolos foram analisados a partir

das categorias observáveis descritas. Dentre ossujeitos que participaram de nossa pesquisa,analisamos em pormenor as condutas de trêssujeitos: VIN (6;5), CAR (11;1) e RIC (38;9).

Escolhemos esses sujeitos por considerarmosque são representativos de um grupocorrespondente à sua faixa de desenvolvimento:uma criança, uma adolescente e um adulto.

Observamos a regulação de suas ações nodesenrolar das oficinas criativas. Procuramoscompreender o equilíbrio majorante dosmovimentos sucessivos que ocorrem dentro deum processo de ajustamento evolutivo e criativodas estruturas afetivo-cognitivas. Nossa intençãofoi diferenciar qualitativamente o desempenhodesses sujeitos durante o processo, conforme oseu nível de desenvolvimento.

É relevante relatar que o protocolo do RIC foianalisado paralelamente por duas psicopedagogase educadoras, que estão desenvolvendo formaçãoem arte-terapia. Para analisar os dados desseprotocolo, ambas estudaram a fundamentaçãoteórica que embasa nossa pesquisa. Sua análisemostrou-se bastante aproximada àquela realizadapela pesquisadora responsável por este projeto.

A análise microgenética possibilita o recortedas seqüências que constitui cada uma dasoficinas. Observamos uma relação entre o tipode experiência vivida pelo sujeito e a qualidadede sua ação, dentro do encadeamento queinferimos, durante nossa análise.

Observamos diferenças nos esquemas de açãopresentes no desenrolar de cada oficina,expressas em nossos resultados como etapas daexperiência Oficina Criativa de cada sujeito.

Trabalhamos com uma escala de medidaqualitativa atribuindo uma pontuação a cadacategoria analisada, nos atributos que aconstituem, relativos a aspectos observados nosujeito durante o processo32.

O tratamento estatístico dos dados nos permitiurealizar a mensuração qualitativa da dimensãoafetivo-cognitiva presente nas relações que osujeito estabelece no decorrer da experiência.

Em nosso estudo procuramos compreenderque valores e atitudes permeiam as quatro formasde relação que o sujeito constrói durante aOficina Criativa: consigo mesmo, com apesquisadora, com o objeto argila e com o projetoque ele cria e realiza.

Trabalhamos, portanto, com os significadosque ele atribui a cada gesto que manipula emodela, trabalhando com a argila em direção aoseu projeto. Inferimos que há uma forma pessoalde criar e de construir esse projeto, que expressao aspecto funcional de sua psique.

Por outro lado, observamos uma estrutura deação afetivo-cognitiva que sustenta e permite otrânsito de diferentes aspectos internos queenergetizam a ação do sujeito que, efetivamente,cria e dá a forma àquilo que até então era apenasum bloco de argila.

Constatamos uma relação entre a freqüênciae o tempo ocupados pelo sujeito em cada tipo deseqüência e de subseqüência, segundo as etapasda experiência Oficina Criativa.

Foi relevante demarcar, no preparo da planilhapara a análise estatística, quando o sujeito estavade olhos abertos ou fechados, pois a experiênciainterna é qualitativamente diferente se elepermanece com os olhos abertos ou fechados.

Algumas consideraçõesTorna-se relevante demarcar alguns aspectos

que nos chamaram a atenção no decorrer daanálise dos dados. Em primeiro lugar, defini-mos os observáveis a partir de um estudo minu-cioso do protocolo de um sujeito, CAR (11;5).Procuramos levantar indícios que se apresen-tavam como constituintes do processo de regu-lação das ações dos sujeitos, no decorrer do pro-cesso de Oficina Criativa.

Definimos que, para realizar uma análisepormenorizada da situação-problema que seapresentava, era necessário qualificar as etapasda experiência vivida pelos sujeitos.

Procedemos, nesse momento, a construção domanual para a análise microgenética em suaperspectiva estrutural definindo os tipos deseqüências presentes na realização de um projeto

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de trabalho. Demarcamos as seqüências queconstituem as etapas do processo, tendo como basea metodologia da Oficina Criativa.

A experiência de explicitar cada movimentointerno vivenciado pelos sujeitos no decorrer deseu processo tornou-se apaixonante. Em algunsmomentos chegamos a sentir o próprio pensa-mento do sujeito emergindo dentro de nós!

Era chegada a hora de explicitarmosas categorias que nos permitiriam analisar o as-pecto afetivo-cognitivo das ações. Novamente,penetramos em um universo imenso, tácido eimplícito, que procuramos trazer à tona.

Emergiram assim as categorias de observáveisque constituem a segunda parte de nosso manualpara análise microgenética.

Enfim, uma nova etapa vencida! De posse detodos os elementos a serem observados eanalisados, trabalhamos no preparo da planilhaque possibilitou a análise qualitativa estatísticade nossos dados. Pereira32 norteou nossos passosno sentido das possibilidades que tal tratamentodos dados abria.

Pesquisamos em nossos protocolos elementosobserváveis que confirmam nossas percepções.Concluimos essa etapa. Algo se confirmacientificamente, sem dúvida, fruto de um trabalhointenso! Nossa intuição de que alguns sujeitosnos possibilitariam a construção de um conhe-cimento ainda tácito revelou-se verdadeira.Socializamos, agora, informações quantificadasacerca de como se processa a equilibraçãomajorante na regulação dos esquemas acionadospelo sujeito, ao realizar uma tarefa que lhe servede desafio, na medida que ele vive sua dimensãoafetivo-cognitiva integradas.

Observamos o desempenho de três sujeitos,com idades bastante diferentes, mas com umatarefa básica em comum: realizar um projetomodelando com argila.

Constatamos que a regulação das açõesocorre, efetivamente, a partir de uma energéticavalorativa e que, se não está presente sob a formade vínculo ou vontade, não há uma atuaçãoconsciente que ‘ocupa o seu espaço’. Explicamosmelhor, quando o sujeito trabalha integrando seu

afetivo com seu cognitivo, parece que o motorcomum que desencadeia suas ações funcionamaravilhosamente. Mas quando um deles estáum pouco emperrado, parece que algo precisase equilibrar ‘por inteiro’. Realmente, confir-mamos nossa hipótese acerca do caráterindissociável da relação afeto-cognição.

E, finalmente, apontamos para as diferençasconstitutivas dos sujeitos, demarcando a qua-lidade maturacional do psiquismo que, emestando em processo de crescimento, está se auto-regulando sempre em uma perspectiva majorante.Haja vista que nossos sujeitos, em sua totalidade,criaram e realizaram seus projetos no decorrerdo processo vivido por meio da Oficina Criativa.

O elemento primordial que esteve presente,no sentido de alavancar as competências quepossuíam, foi o criativo de cada um. Que ele possacontinuar a permear as ações de todas as pessoasque procuram aprimorar seu gesto na busca desoluções para situações-problema, realizando,assim, seus projetos pessoais e profissionais emcada ambiente onde estejam inseridos!

DISCUSSÃOA discussão de nossos resultados finaliza com

algumas reflexões acerca do processo criativo.Quando o sujeito toca a argila, é convidado aestabelecer um contato de forma totalmente novapara ele. Sua sensibilidade passa a fazer parteintegrante de sua ação, de forma que a argilatambém norteia cada movimento, comandado emsua base pela psique em suas dimensõescognitiva e afetiva.

Quando o sujeito se entrega a essa experiênciaprimeira – que, em nossa Oficina Criativa, objetode estudo da presente pesquisa, é o tempo decriação do projeto –, permitindo que a idéia que setransforma em projeto pessoal se erga dasprofundezas de sua psique, acreditamos que eletoca o nível de criatividade fundamental. Algoeclode sem o comando de um ego direcionador.Esse ‘algo’ está intimamente ligado ao seu self, ouseja, à natureza maior de sua alma e de sua psique.

É importante ressaltar nossa surpresa aoconstatar essas duas dimensões na evolução do

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experimento que escolhemos para nossapesquisa. Tantas oportunidades tivemos decompartilhar o valor do potencial criativo queemerge durante as experiências de oficinascriativas, mas até então não tínhamos realizadotal compreensão. Esse insight nos é bastantesignificativo! A surpresa da constatação aquecenosso coração e nos convida a ir além... e além.

De certa forma, essa constatação nos permitiuuma tomada de consciência em relação ao quejá estava sendo realizado: o que seria um ‘toquede intuição’ presente em nosso trabalho diáriose confirmou. E mais uma vez a alegria dacriação, verdadeiramente oriunda de nossa fonteinterna, corporifica uma nova etapa no processode significar nossa ação terapêutica eeducacional.

Enfim, qual o sentido de tal depoimento?Nossa intenção é fortalecer a importância e o valorde cada etapa do processo criador eterno, sevivido a cada dia. Há anos estudamos, ensinamose utilizamos os oficinas criativas em nossotrabalho. Ao longo desse tempo fomos constru-indo uma compreensão imanente do processo.Desenvolvemos uma intimidade consciente eprofunda com essa metodologia, que nos permiteenxergar sua tridimensionalidade, ou seja, alémdela própria. Essa é uma constatação que nosalegra e, ao mesmo tempo, liberta. De certa formaa mente clareia e o coração se aquece. Cogniçãoe afeto intercomunicam-se no desenvolvimentode nosso autoconhecimento, como pesquisadorae como pessoa.

A alquimia criativa é um ingrediente mágicoque traz sabor aprimorado ao saber que emergepara ser elaborado e burilado. A tomada deconsciência ocorre quando o salto quânticoexpressa o ato criador descontínuo de suacontinuidade. Amorosidade e racionalidade semanifestam no ‘aha’ incubado por tantos etantos anos.

A alegria da constatação integra corpo emente, afeto e cognição, em um sentir sensível emental, criador de um sentido maior. Éextraordinário como se pode observar ainterdependência entre a energética afetiva que

nutre a ação cognitiva (portanto, mental), comsimplicidade e pertinência! Assim, o projetopessoal é concebido e nutrido, cria corpo e sedesenvolve dentro daquelas que são suasmelhores possibilidades.

Em momentos de idílio profundo do homempara com ele mesmo, essa ação criadora vemcarregada de sentido e preenche sua necessidadebásica de conceber e de dar vida àquilo que atéentão era amorfo. Ele sente que algo se produziue vive, em cada célula de seu corpo, umasensação de preenchimento imanente, quasetranscendente. A vibração energética que seprocessa em seu interior pode ser desfrutada aolongo de um tempo que é atemporal, poispermanece qualificando suas ações, independen-temente dos contextos em que são inseridas.

Nesse sentido, o ato criador é recebido comonutrição pelo seu ser sélfico, elemento imaterialdo corpo que sente e imprime, em suas ações, talqualidade amorosa.

Em nossa pesquisa, a natureza maior da almae da psique participa ativamente da ação criadoravivida pelo sujeito. Chamamos à totalidade dapsique de ‘ser sélfico’, pois consideramos queele expressa a unidade e a totalidade da perso-nalidade total, e, portanto, se compõe deconteúdos tanto conscientes como inconscientes.Enfim, como totalidade ele é a unidade que uneos opostos. Sua ação emerge impregnada daqualidade criadora de significados.

Criar é, dentro do que observamos, reco-nhecemos e vivenciamos, uma experiênciapsíquica espiritualizada, que conecta nossosdiferentes movimentos internos de modo aproduzir um resultado nunca anteriormenterealizado. O novo vivifica tal qualidade, quesurge como num passe de mágica, porque indicao nascimento de uma forma inusitada para aqueleque a experiencia.

Há uma qualidade amorosa vivida nessaconstrução criadora de novidades. O contato coma dimensão afetiva se expressa em umexperimentar sensações e sentimentos quecorroboram a pertinência do que está em processode realização. Nesse contexto, um estado

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diferenciado se produz no espaço interno daspessoas e sua consciência reconhece que algose corporificou.

Não se trata aqui de uma ação direcionadapela consciência egóica. Ela o é pela consciênciamaior desse homem, sua consciência sélfica,presente nas profundezas da psique onde elaencontra esteio. Ainda assim, podemosreconhecer sua presença em situaçõeseminentemente concretas e geradoras denecessidades. Por exemplo, diante de um fato realcomo precisar resolver problemas: o elementocriativo emerge na articulação entre meios e fins,em um ir e vir de coordenações adequadas atrabalhar a resolução desses problemas. A mentevibra na construção do que pode ser a(s) res-posta(s), como em um diálogo intermitenteque provoca uma erupção criadora.

Nesse processo há uma certa tensão queantecede a criação, como se, a partir de suaemergência, uma energética se dinamizasse,formando, assim, a força propulsora desse atocriador.

Reconhecemos, assim, a presença de uma açãosistêmica, desencadeadora de novos significados.

O pensamento sistêmico é simples e complexoao mesmo tempo, pois trabalha o todo e a parteem suas inter-relações. Cada estrutura é con-siderada como manifestação de um processoparalelo, em uma teia de relações. O sistemainterage nas ‘partes’ que o compõem e evolui deforma dinâmica e contínua. Um mecanismode auto-regulação permeia o processo deequilibração na transformação decorrente dessedinamismo.

E assim, uma rede de interconecçõespermanece em constante e em contínua interação,construindo o conhecimento em eterna atualização.O que emerge na consciência traz, em si, apossibilidade de ser ressignificado, assim ocorreum reajuste permanente e significativo. Nessecontexto, o homem permanece dentro de umaatitude ativa diante do que se passa, reconhecendoseu potencial construtor de novas configurações.Atua, assim, de forma participativa na construçãodo seu futuro, ou melhor, do nosso futuro.

Finalmente, toda a ação vivificada emsituações de projeto ocorre dentro da categoria

de sistemas abertos, passíveis de mudanças etransformações que promovem aprendizagensplenas de sentido. Na condição e sistema aberto,o sujeito recebe do ambiente novos elementos,que processa e devolve, ajustando e corrigindosuas ações de modo a atingir o objetivo, mantendovivos os valores das ações que se delineiamdurante sua realização.

Reconhecendo a natureza dinâmica dotempo, especialmente vivida nos tempos dehoje, como podemos refletir sobre ele? Estamosno início de um milênio, vivendo em um tempoem que a tecnologia nos permite ter acessoinstantâneo ao que se passa em qualquer partedo planeta, o que favorece nossa capacidadede nos comunicarmos e de nos relacionarmoscom pessoas que lá estão. O dia, de ‘apenas24 horas’, evoca em nós a necessidade dedinamizar nosso fazer qualitativo em contra-ponto com a aceleração, quase natural, pre-sente nas muitas conecções que estabelecemosa cada momento.

Diante dessa realidade, somos obrigados aconstantemente relacionar: tempo e processo,tempo e ação, tempo e projeto. Trabalhamos arelação que estabelecemos conosco, a cadamomento. Construímos a relação com o outro,descentrando-nos de nossos padrões e criandonovas formas, novos procedimentos. Estabe-lecemos relações com inúmeros objetos distintos,que qualificamos conforme nossa escala devalores. Criamos projetos pessoais e de vida, queconstruímos passo a passo.

Algo se desenvolve a partir de uma situaçãoque, em seus encadeamentos, se dirige a umfechamento, a um término, pois o tempo destinadoà realização da tarefa acaba. Sucessivamente háuma situação real e concreta que produz novasações, em elos e ciclos que se abrem e se fecham,promovendo um movimento circular dialético einterdependente.

Interdependente porque algo já estáconstituído, mas também algo novo e diferenciadopode ser evocado, ainda que conservando algunselementos e transformando outros. Assim, cadaparte mantém o que é seu, interagindo com odiferente, para então se ajustar na interação. Algoautêntico em sua qualidade essencial se abre para

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A presente pesquisa recebeu financiamento da CAPEs, durante o período de 1996 a 2000, para a realização do Projetode Doutorado da autora, sob a orientação do Prof. Dr. Lino de Macedo. Parte da análise dos dados foi realizada em 1998, naUniversidade de Genebra, nos Arquivos Jean Piaget, sob a co-orientação de Silvia Parrat-Dayan.

o novo, transformando-se sem deixar de ser ‘simesmo’. Dessa forma podemos dialogar com ooutro, abrindo-nos para a construção do inusitadoe significativo.

Nesse sentido, a presença dos dinamismoscognitivos funcionam como reguladores da açãointerna, na experiência criadora de pequenas ougrandes respostas. E também indissociados dosdinamismos afetivos que sentem, significam eacolhem cada etapa do processo.

O homem constrói sua maneira de ser e defazer nesse mundo e nessa época. Dimensionasuas ações de modo que possa, mantendo suavisão e suas metas, definir o projeto que pretenderealizar no passo a passo de sua concretização.

Os novos tempos estão e vivificam transfor-mações imensas a cada momento e em todo lugar.Estar preparado para mudanças tem sido um dosmotes do dia-a-dia das pessoas que também estãoconstruindo o tempo atual. Sentimos a grandenecessidade de articular, sempre de um mododiferente, o que projetamos para nosso dia. Omesmo ocorre com nossas tarefas, nosso trabalho,nossas propostas, nossos problemas e projetos.

A realidade que o avanço da ciência promovedetermina uma nova visão de homem: alguém commente flexível, aberta e disponível para novasarticulações, que procura resoluções nas própriasquestões, observando e coordenando perspectivas,sempre considerando várias possibilidades. É ocontínuo articulado ao descontínuo. É o foco noque está aparentemente em caos.

Por vezes, hoje o velho emerge comoobsoleto, porque não acompanhou todo odinamismo dialético que permeou a evolução.Assim o novo, autêntico e sutilmente forteapresenta contornos inusitados e vibrantes,respondendo a uma demanda que expressavários níveis de necessidade. Enfim, cognitivoe afetivo expressam o ‘conluio’ psíquico criadorde idéias e novas articulações!

O que fazer? Como responder? Onde buscarreferenciais que nos permitam coordenar ações

de maneira a criar uma estratégia que respondaao que está sendo solicitado?

Ao avaliar e inferir, toda uma ação conscientee inconsciente manifesta a plasticidade mentaldaquele que ali se encontra. Como pensar nosprocedimentos que permitirão a concretização dasmetas projetadas?

No contexto do projeto, a ação criadora éfundamental. Competências são acionadas diantedas situações que se apresentam no decorrer doprocesso, tanto no que diz respeito à concepçãoquanto à elaboração e concretização do projeto.E assim, o elemento criativo permeia as manifes-tações da psique, as regulações das ações.

O homem abre a sua mente em direção àpossibilidade, aberta em sua essência, de que algosurja. O homem mantém a continuidade do desejode criar. Dessa maneira, disponibiliza sua energiapsíquica para que se constitua uma nova forma,um novo contorno. A partir de então, idéiasevocam imagens. A representação cataliza odesejo de criar. E assim, o projeto se constrói,permeado de intenção e sentido. Ele manifesta aação inconsciente e criadora.

Ao interagir com diferentes elementos que seapresentam, o homem permanece conectado adimensão criadora, fundamental de sua psique.Ele articula suas ações com vistas à realização deseu projeto. Cada passo pressupõe abertura aonovo e escolha consciente do que realizar naquelemomento. É quando se definem estratégias eprocedimentos expressam o caminho a seguir.

Na busca efetiva de etapas que concretizem oprojeto, a ação criadora permeia o desenvolvimentodo conhecimento. Algo novo emerge e toma forma.Assim o homem personaliza sua presença nessetempo e nesse espaço e o mundo recebe e podeacolher sua participação nessa construção contínuae constante do desenvolvimento do conhecimento.Talvez possamos, assim, participar de suaconstrução apenas atuando como seres humanoscriadores de sentidos e de uma presença amorosanessa Terra.

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SUMMARYThe microgenesis in creative workshop

Purposes: To study the Creative Workshop in the context of creating andcarrying out a project of modelling with clay. The main purpose was to relatePiaget’s epistemological foundation to its practical application, making amicrogenetic analysis of the subjects’ behaviors - children, teenagers andadults. It checks the regulation process of the schemes of action, examining,by means of interviews and observation, the affective and cognitive dimensionof the subjects’ actions during these workshops.

Methods: Working on the Creative Workshop modeling with clay, the14 subjects were chosen randomly (10 between 6 years and 5 months and16 years old and 4 adults), 6 women and 8 men. Data that have been gatheredwere presented in the shape of a text in the research protocols and wereprepared from videos and recordings of the creative workshops. It analysesin details the behaviors of three subjects: VIN (6;5), CAR (11;1) e RIC (38;9).

Results: Data analysis examines functional and structural aspects of thepsychic dynamism as to understand the increasing equilibration process thattakes place during the building up of the imagined personal project. It dealswith four levels of relationships established by the very subject: I. Intrapersonalrelationship: of the person with herself; II. Interpersonal relationships: of asubject with another/other subject(s); III. Relationship with the object(s): inour case, with the clay and the drawing and IV. Relationship with the task:in this case, with the project.

Conclusions: The result of this work confirms the regulation of the actionsduring the creative workshops: the increasing equilibration of the successivemovements takes place within a creative and evolutive adjusting process ofthe affective and cognitive structures. Besides, according to their level ofperformance, the qualitative difference of performance among the subjectsinvolved in the process has been proved.

KEY WORDS: Creative process. Piaget. Systemic view. Microgeneticanalisys. Affective-cognitive aspects. Art therapy. Creative workshop.

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Artigo recebido em: 18/08/2003Aprovado em: 25/09/2003

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