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1 ISSN 1980-637X A Missoni marca a chegada de grifes italianas ao mercado de luxo brasileiro, considerado promissor na Itália Marche: a região onde a gastronomia mistura sabores do norte e do sul em pequenas e charmosas cidades Fasano: a história de um dos grupos mais importantes da alta gastronomia brasileira começou com imigrantes italianos Entrevista: A nossa ex-aluna e chef Carole Crema, da La vie en Douce, conta detalhes de sua trajetória profissional marcada pelo pioneirismo Ano VI - Número 15 - Julho de 2010 Moda

A Missoni marca a chegada de grifes italianas ao … · Ingressos: R$ 30 - Recomendável a maiores de 12 anos Comédia à mesa Às vésperas do feriado de Ferragosto, ... máquinas

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ISSN 1980-637X

A Missoni marca a chegada de

grifes italianas ao mercado de luxo brasileiro,

considerado promissor na Itália

Marche: a região onde a gastronomia mistura sabores do norte e do sul em pequenas e charmosas cidades

Fasano: a história de um dos grupos mais importantes da alta gastronomia brasileira começou com imigrantes italianos

Entrevista: A nossa ex-aluna e chef Carole Crema, da La vie en Douce, conta detalhes de sua trajetória profissional marcada pelo pioneirismo

Ano VI - Número 15 - Julho de 2010

Moda

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Mensagem do Presidente

Meio-dia de sábado outonal, temperatura amena. Aquela cidade da Grande

São Paulo, próxima dos cem mil habitantes, tinha o costumeiro movimento de fim de semana, atraindo uma profusão de gente – em especial ao supermercado, pelo visto com preços mais convidativos.Naquele meio-dia, encontrava-me no local do abastecimento. Logo à entrada, no lugar reservado para os visitantes preferenciais, estavam dispostos cinco assentos .Sentei-me, abri o jornal e comecei a folheá-lo. Quando encontrei as palavras cruzadas, tirei a bic do bolso e iniciei o exercício mental.Estava absorto na minha tarefa, quando percebi que, ao meu lado, havia se sentado alguém. Notei que aquele ser calçava um par de botinhas pretas, brilhando na limpeza que exibiam. Sem tocar o chão, balançavam. Bem arrumadinho, o garoto, irradiando felicidade, põe a mão num dos bolsos e retira dois bombons. Abre o invólucro de um deles. A guloseima se revela, revestida com uma camada de chocolate branco. Com movimentos ritmados, sem afoiteza, inicia educadamente o processo de deglutição. Parecia navegar no paraíso.Perguntei-lhe como se chamava. Prontamente, respondeu: “Jaquesom, tenho oito anos”. Não tendo entendido, voltei a indagar: “Como se escreve seu nome, é com ‘c-k’?”– Não, moço, é com “q-u-e”, e “m” no final; eu sou brasileiro, não sou americano...Em seguida, dizendo que frequentava a escola, descreveu, feliz, suas atividades diárias. Sentiu-se importante... Começou pela hora do levantar, quando cumpria todas as exigências higiênicas. Destacou a economia da água que fazia, incluído o momento do banho. Demonstrou até mesmo preocupação com a feérica iluminação do estabelecimento.– Por que tantas lâmpadas acesas? Na minha casa, não esqueço de apagar as lâmpadas. Procurei saber dele como se portavam seus colegas na escola. Não pestanejou Jaquesom:

Botinhas e Educação– Moço, disse ele, palavrão na escola dá suspensão; em casa, nem quero pensar... Fazia todas as lições, tinha muitos amigos porque não brigava com ninguém. “Por que brigar, se todos somos filhos de Deus? Como filhos, somos todos irmãos! Vou à escola porque quero ser um grande homem!” Todas essas frases foram proferidas num discurso firme, com clareza e adequação de palavras.– Olhe, moço, não pensa que gastei todo o dinheiro com os chocolates, não. E, apressado, colocou sobre a mesinha do banco uma série de moedas e concluiu: “Sei que, se a gente tira e não põe, o saco de milho fica vazio...”Comecei a me preocupar. O tempo passava e Jaquesom não dava sinal de que estivesse acompanhado. Atrevi-me, então, a lhe fazer a derradeira pergunta: por que ele usava a botinha com cano semilongo.– Moço, nós moramos no campo. Se a cobra pular, ela pica o coro!Nesse instante, um casal – um e outro de botina – passa diante de nós com o carrinho das compras feitas e chama o Jaquesom. Este, ao se despedir, e não sem antes me apresentar os pais, agradeceu meu bate-papo e colocou o outro bombom na algibeira, notando que era para a irmãzinha.Esse encontro casual não poderia ficar esquecido. Numa comunidade simples, encontra-se um menino, filho de pessoas humildes, com esse grau de comportamento, hoje não muito comum. Louvor aos pais que o acompanham de perto, louvor aos mestres que complementam o delicado, mas gratificante, campo da educação.Permaneceu-me, entretanto, uma dúvida: aos olhos do garoto, eu teria ocupado um lugar indevido... era moço!

Por José de Oliveira MessinaPresidente do Colégio Dante Alighieriex aluno 1934/1946

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A revista (ISSN 1980-637X) é uma publicação do Colégio Dante Alighieri

José de Oliveira MessinaPresidente

José Luiz FarinaVice-presidente

Salvador Pastore NetoDiretor-Secretário

Adriana Fontana2ª Diretora-Secretária

João Ranieri NetoDiretor Financeiro

Milena Montini2ª Diretora Financeira

José PiovacariDiretor Adjunto

Francisco Parente JúniorDiretor Adjunto

Sérgio Famá D’AntinoDiretor Adjunto

José PerottiDiretor Adjunto

Lauro SpaggiariDiretor Geral Pedagógico

Carta ao Leitor

Capa: Divulgação / C1:Divulgação / C2: Divulgação / C3: Arturo Zavattini - Museo Nazionale del Cinema / C4: Tadeu Brunelli / C5: Arthur Fujii

Prezado Leitor, cara leitora:Nesta de número 15, trazemos, em matéria de Capa, uma das muitas facetas de uma Itália arrojada e moderna: sua indústria da moda. Nossa protagonista é a Missoni, com seus fios de tricô, uma dos ícones do luxo italiano que chegou ao Brasil no final de 2009.Outra importante história retratada na revista, de um nome já consolidado há décadas em São Paulo, é o da família Fasano, símbolo da alta gastronomia e, mais recentemente, da hotelaria requintada.Gastronomia e empreendedorismo são temas da nossa Entrevista. Nela, conhecemos um pouco da sempre dinâmica vida de nossa ex-aluna Carole Crema, chef e uma das criadoras da movimentadíssima La Vie en Douce.Continuando nos sabores, “nossa” chef, Silvia Percussi, nos presenteia com um pouco das tradições da culinária da região de Marche, além de nos apresentar três de seus pratos, todos deliciosos: Olive all’ascolana, Tournedos alla Rossini e Frustingolo. Na seção Jovem Chef, Silvia traz um alimento facílimo de preparar e do qual quase todo mundo gosta – a pipoca.Os marchigiani também estão presentes na seção Turismo, em que Edoardo Coen nos faz passear pela história e pelos mais importantes espaços físicos de Ancona, Iesi e Gradara.Os 50 anos de A doce vida, obra prima do diretor italiano Federico Fellini, é o tema da seção Cinema. Em Música, quem não conhece a história, finalmente saberá quem é, de verdade, a famosa Roberta, imortalizada pelo cantor e compositor Peppino Di Capri. Outro artista italiano retratado em nossa revista é o escultor Ettore Ximenes, autor do Monumento à Independência do Brasil, localizado no bairro do Ipiranga, em São Paulo.A seção Papo aberto inova, trazendo uma rápida entrevista sobre as novas configurações da família feita por Silvana Leporace, coordenadora do Serviço de Orientação Educacional do Dante, com o psiquiatra Sergio de Paula Ramos. E para ficar no assunto pais e filhos, vale a pena a leitura do conto Ilustríssimo Senhor..., em que José de Oliveira Messina nos mostra, de forma divertida, que o choque de gerações não é algo tão moderno assim.Boa leitura!Fernando Homem de MontesPublisher

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Expediente Fernando Homem de Montes/Publisher - Marcella Chartier/Editora (jornalista responsável - MTb: 50.858)Revisão: Luiz Eduardo Vicentin/Projeto Gráfico: Nelson Doy Jr./Diagramação e arte: Simone Alves Machado Ilustrações: Milton Costa/Comercial: Vinicius HijanoColaboradores: Alessandro Dell’Aira, Arthur Fujii, Barbara Heckler, Edoardo Coen, Fernanda Quinta, Laura Folgueira, Luisa Destri, Peri de Castro, Silvana Leporace, Silvia Percussi, Tadeu Brunelli, Vivian AlmeidaMande suas sugestões e críticas para [email protected]: 9.000 exemplares - Colégio Dante Alighieri - Alameda Jaú, 1061. São Paulo-SP - Fone: (11) 3179-4400www.colegiodante.com.br

ÍndiceNotas 6

Entrevista 8 Capa 14

Fasano 22Escultura 26Literatura 30

Música 32Cinema 34

Perfil 36Espaço aberto 40

Ensaio fotográfico 42Conto 48

Gastronomia 54Jovem chef 58

Turismo 60Papo aberto 64

Memória 66

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NotasAlicia Peres

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Uma história em que o ladrão é honesto O autor italiano Dario Fo, vencedor do Nobel de Literatura em 1997, tem mais de cem textos que fazem plateias rir por todo o mundo. “Nem todo ladrão vem para roubar”, escrito no final da década de 1950, se aproxima da realidade atual quando ridiculariza a vida de aparências dos personagens. Um casal, que em teoria estava viajando, tem sua casa invadida por um ladrão no meio da noite – e o marido, ao entrar na sala acompanhado da amante, surpreende o bandido. Ela também é casada, e com o amante da dona da casa. A peça recupera o humor ingênuo do século XVIII, auge das farsas, e traços do teatro do absurdo. O ladrão da história tem roubar como uma profissão, e sua esposa telefona nas casas em que sabe que ele está para atormentá-lo com questões conjugais. Tudo colocado de forma extremamente leve e divertida,

com personagens de comportamento expansivo e entonação cantada, peculiaridades italianas. Destaque para a interpretação de Salete Fracarolli, a esposa do ladrão, que reforça a ideia de que seu marido e ela, apesar de ladrão e cúmplice, respectivamente, são os exemplos de honestidade da trama. Nem todo ladrão vem para roubarDireção geral: Augusto Marin De 19 de junho a 2 de agosto no Teatro CommuneRua da Consolação, 1218, Centro - Tel.: (11) 3476-0792 Ingressos: R$ 30 - Recomendável a maiores de 12 anos

Comédia à mesaÀs vésperas do feriado de Ferragosto, em que se comemora, na Itália, a Assunção de Maria, um homem de meia idade, Gianni (Gianni Di Gregorio), vive um aperto financeiro com sua mãe. O dono de seu apartamento propõe, como troca para abater parte da dívida

contraída por conta dos aluguéis atrasados, que Gianni cuide de sua mãe por dois dias. O que começa como uma troca de favores acaba virando quase um princípio de negócio, já que o médico de Gianni e um amigo também acabam deixando suas mães sob a responsabilidade dele. O breve enredo é delicioso não apenas pelas

situações engraçadas, mas pelo próprio sabor: Gianni é um cozinheiro de mão cheia e prepara cuidadosamente os pratos das senhoras. Apesar da dificuldade financeira, ele mantém o prazer dos pequenos detalhes, sempre cozinhando acompanhado de uma taça de vinho branco, e a paciência com as hóspedes.“Almoço em agosto” marca a estreia de Gianni Di Gregorio (um dos roteiristas do filme Gomorra) na direção de um longa metragem, e recebeu três prêmios no Festival de Veneza de 2008. Está disponível em DVD nas locadoras. Almoço em agostoDireção: Gianni Di Gregorio - Distribuição: ImovisionDuração: 75 minutos - Recomendável a maiores de 12 anos

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Cartas

Thiago Travesso

“Sou ex-aluno do Colégio e gostaria de dar os parabéns pela iniciativa de, por meio da revista, valorizar e manter viva a italianidade no Brasil, um país com tantos milhões de oriundi e com tão poucas atividades dessa comunidade.”

Ermanno Vallinoto Termini“Caríssimo amigo dr. José de Oliveira Messina, Ao retornar de viagem ao exterior, tive a grande satisfação de encontrar sobre a mesa o nº 14 da esplêndida revista Dante Cultural, e muito lhe agradeço a gentileza da remessa. Desde a Mensagem do Presidente até o Papo aberto e a Memória percorri suas páginas e fiquei feliz com os momentos evocados, que me transportaram no tempo até o início dos anos 50, quando tive a honra de poder associar-me à grande família do Dante. Por isso, ao amigo os meus parabéns pela grande obra que vem realizando à testa desse magnífico Colégio Dante Alighieri, e um abraço.”

Prof. Dr. Erwin Theodor Rosenthal (ex-professor do Colégio)

Autêntica cozinha toscanaA gastronomia baseada essencialmente na qualidade dos ingredientes e na simplicidade das elaborações é a marca principal da cozinha da Toscana. O restaurante Tre Bicchieri, que abriu as portas em junho, segue à risca essa linha, mantendo a elegância na apresentação dos pratos e no ambiente acolhedor, detalhadamente decorado com peças de antiquários, fotografias da região italiana, livros e louças. No cardápio sem muitas surpresas, pratos cheios de personalidade e de medidas precisas de cada elemento. E claro, clássicos toscanos desde o antepasto (como a Panzanella con l’insalata, R$ 20 na versão pequena, R$ 32 na grande), passando pelas carnes e pelas massas fresquíssimas (de produção artesanal diária feita no próprio restaurante, que utiliza máquinas importadas da Itália) até a sobremesa. O Picci, depois de passar pela máquina, é cortado e enrolado à mão. A opção com vôngole, lula e pimenta (R$ 46) chega à mesa muito bem servida. Também na carta de vinhos predomina a Toscana: mais da metade dos 250 rótulos provém da região.Mas a essência dessa região dá licença a algumas

poucas criações inspiradas em outras cozinhas. O “Tre Brullè” revisita a clássica sobremesa francesa feita de um creme de ovos, mel e baunilha queimado na superfície, sendo servido como degustação em três sabores: tradicional, laranja e pistache. A casa pertence a três sócios: o maître, Cid Simão (nosso ex-aluno), o chef Rodrigo Queiroz e

o sommelier Marcos Freitas. Todos estreantes como restaurateurs, mas com experiências anteriores no grupo Fasano e em premiados restaurantes no exterior. O nome do restaurante, porém, não surgiu do fato de ele ser liderado por um trio. Tre bicchieri é a cotação máxima dada aos vinhos no guia italiano Gambero Rosso. Até agora, os clientes parecem dar o mesmo conceito ao restaurante: está lotado em quase todas as noites, por pessoas que fizeram reserva prévia. Melhor ligar com antecedência para

não se juntar aos desavisados no balcão do bar.Tre BicchieriRua General Mena Barreto, 765 - Tel.: 11 3885-4004Estacionamento com manobrista: R$ 10

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Vida de formiguinhaA chef Carole Crema, da La vie en Douce, consegue tempo e disposição para inovar nos negócios, dar aulas, gravar programas e cuidar da família. É uma formiguinha, como ela mesma se define, tanto pela dedicação ao trabalho quanto pela paixão pelos doces Por Marcella Chartier

Na loja La vie en Douce da rua da Consolação, em uma esquina da zona sul de São Paulo, os clientes não param de entrar – a maioria mulheres. Na tarde do início de junho em que aconteceu esta entrevista com a chef Carole Crema, nossa ex-aluna e dona do estabelecimento, um trio queria fazer a degustação de doces para uma festa; uma grávida, acompanhada da mãe, queria satisfazer o desejo de comer um cupcake (bolinho individual enfeitado que virou febre em 2009) e mal esperou chegar à mesa para dar a primeira mordida; ou-tras clientes – essas com certeza assíduas, pois reconheciam Carole, que as cumprimentava uma a uma com abraços e beijos – passavam para comer um pedaço de bolo, o que parecia costumeiro. Aos que ainda não conhecessem os doces da La vie en Douce, a vitrine certamente servia como convite tentador para a primei-ra prova: Alice, a personagem do livro de Lewis Carrol, estava sentada no topo de um bolo enorme e colo-rido, cercado por cartas de baralho e cupcakes inspirados na aventura vivida no país das maravilhas. A ideia de fazer uma linha de doces inspirados no tema, na mesma época em que o diretor Tim Burton estreava sua versão da história, foi um sucesso. “Eu me esforço em sempre fazer diferente, fazer primeiro, o que tem de melhor e mais moderno”, diz Carole, pioneira, por aqui, no preparo e na comercialização de cupcakes, que eram mania em Nova York. Antes da linha especial de Alice, ela já fazia os bolinhos de chocolate, cenoura, banana, usando no recheio ingredientes brasileiros também, como a goiabada.

Carole estudou no Dante de 1978 a 1988, tempo suficiente para aprontar bastante e ser chamada na direto-ria com frequência. “A primeira vez foi no Maternal, eu tinha 4 anos. Estava com a tesoura na mão e tinha uma menina de quem eu não gostava que sentava do meu lado. Eu me lembro de olhar pra menina da fren-te, fazer um sinal de ‘shhhh’ e cortar a saia da menina do meu lado”, confessa a chef. Mas isso não significa que ela fugia dos estudos: depois de se formar no colegial, começou duas faculdades, a de Jornalismo e a de Ciências Sociais. Acabou desistindo das duas um tempo depois, quando se envolveu profissionalmente com turismo, o que acabou encaminhando-a à gastronomia. Estudou na Thames Valley University e na Mosi-mann Academy, em Londres, depois no Istituto per la cultura alimentari, em Milão. Tornou-se chef instruto-ra no California Culinary Institute, e vê em lecionar uma de suas maiores paixões. Por isso, quando não está cuidando de sua loja, do cardápio das redes Wraps e Go Fresh (das quais é chef executiva) ou gravando para os programas que tem na Fox Life e no canal Cozinha Caseira, além de vídeos para o site www.vamoscozi-nhar.com.br, do qual é colaboradora, Carole dá aulas no Senac e na Escola de Cozinha Wilma Kovesi. Com tantas atribuições, além de duas filhas pequenas para cuidar, ela está sempre à toda. “Tenho tantas ideias que não dá tempo nem de executar”, conta.

Ainda resta disposição para escrever o próximo livro, Cupcakes, que sai em outubro pela editora DBA. O pri-meiro, 400 g – Técnicas de cozinha, publicado pela Cia Nacional e escrito em parceria com outros três autores, vendeu mais de 15 mil cópias. No mesmo mês, ela abre as portas da segunda loja, na rua Pedroso Alvarenga, também na zona sul paulistana.

Nesta entrevista concedida à Dante Cultural, Carole conta sua trajetória e seus planos gastronômicos, que seguem misturando doses de sua autoria e de agrado aos clientes. “Sou cozinheira, mas isso também é quase ser artista, e minhas criações são como filhos. Ao mesmo tempo, porém, não tenho o menor pudor em seguir o que o público quer”.

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Que lembranças você tem dos tempos de Dante?Lembro muito da cantina no recreio, do lugar em que a gente comia misto-quente (minha comida preferida até hoje), da papelaria, onde a gente gos-tava de ficar olhando as coisas, do gosto do bolo de aniversário do pré-primário, tenho essa lem-brança superforte na cabeça. E claro, das minhas travessuras, eu era muito levada! Ia sempre para a Diretoria. A primeira vez foi no Maternal, eu tinha 4 anos. Estava com a tesoura na mão e tinha uma menina de quem eu não gostava que sentava do meu lado. Eu me lembro de olhar pra menina da frente, fazer um sinal de ‘shhhh’ e cortar a saia da menina do meu lado. Depois, mais velha, comecei a andar muito com os amigos do meu irmão (que é três anos mais velho), e eles eram péssimas influências. Eu fugia da aula, quando estava no Ginásio, para ir para o recreio do Colegial. Além disso, fui pega colando. Eu tinha suspensão toda hora. Eu ia para a sala do Zé Car-los ( José Carlos Martins da Silva, então assistente da diretoria geral pedagógica do Dante) e ele já olhava para minha cara dizendo: “Você de novo...” No Gi-násio eu era péssima aluna, mas depois passei em todos os vestibulares.

Lembro da gente cantando o hino, de levantar do lado esquerdo da mesa sempre que chegava alguém na sala, da caderneta... Tenho uma lembrança de-liciosa de quando a gente começava a usar aquela saia xadrez, na quinta série, e da meia de futebol que a gente comprava para deixar amassadinha no tornozelo e assim parecer uma polaina, moda dos anos 80.

Como foi sua trajetória até a escolha da gastro-nomia?Depois que saí da escola, prestei vestibular para duas faculdades, Jornalismo e Ciências Sociais. Eu achava que ia ser intelectual, absolutamente o contrário do que virei. Cursei Jornalismo na Cás-per Líbero de manhã e Ciências Sociais na USP à noite. Desisti da Cásper em setembro do primeiro ano, 1992, e fiquei 3 anos fazendo a USP. Comecei a trabalhar, então, numa empresa de representação de navios, adorei, e acabei largando a faculdade quando fui convidada a participar da abertura de um departamento marítimo na Stella Barros. Aí pensei: preciso ter uma formação. Eu tenho a sorte maravilhosa de ter os meus pais, que a vida inteira me apoiaram, e me educaram assim: “vocês

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“Meu pai fazia questão que a gente estudasse no Dante”, lembra a chef, que tem forte ligação com as raízes italianas de sua família até hoje

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têm que ser felizes, independentemente do que façam, porque todo o mundo que é feliz e faz o que gosta, faz bem”. Então, nunca tive problema com eles quando queria mudar de curso, mas eles sempre me exigiram uma for-mação superior. Uma faculdade de Turismo, àquela altura, não me agregaria nada. Pensei, como sempre penso: o que vai me dar dife-rencial de mercado? Na época, 1994, estavam começando os cursos de graduação em Ho-telaria, e me interessei. As pessoas diziam: “Nossa, Carole, que esquisito, Hotelaria?”. E eu achava que ia trabalhar com turismo para o resto da vida. E sempre quis morar fora do Brasil, mas nunca tinha tido a oportunidade. Até que, a um semestre da minha formatura, um namorado com quem eu estava havia bastante tempo terminou comigo (graças a Deus). Chorei uma noite toda, e no dia seguinte acordei, peguei um caderninho e comecei a fazer uma lista de tudo o que eu ia fazer. Uma das coisas era morar fora. Mas eu não queria ir só para aprender línguas. Fui conversar com meus professores da facul-dade, depois com algumas pessoas do meu trabalho, e me indicaram estudar Gastrono-mia, curso que não existia ainda no Brasil. E eu não tinha ainda nenhuma afinidade, não tenho nenhuma história de que cozinhava desde os seis anos, de que ficava ao lado da minha avó, nada disso. Não tenho nenhum passado romântico com a cozinha. Minha avó italiana cozinhava superbem, minha tia Ana virou restaurateur, mas nunca tinha pensado nisso para a minha vida. Fui pra Londres, cidade que escolhi porque já falava a língua deles. No meio do curso, me encan-tei pela área e nunca mais saí, vai fazer 15 anos. Fiquei um ano em Londres, me formei, voltei para o Brasil em 1997 e me casei com o Sérgio em 1998. Meu marido é médico, e precisou ir à Itália em 1999 para fazer um estágio. A gente era superduro de grana: o Sérgio era residente, e eu, recém-chegada da Europa, começando uma vida nova. A gente juntava as merrequi-nhas para pagar o aluguel. Como em quase todos os anos, fiz chocolates em casa para vender na Páscoa. Vendi muito bem, con-segui uma grana para ficar lá, pedi ao meu pai a passagem e fui para Milão com o meu marido. Antes, fui ao Dante conversar com o professor Lauro Spaggiari, que inclusive havia sido meu professor de italiano – eu queria ajuda para encontrar escolas de cozinha. Ele me deu di-

Acima, as recordações que Carole guarda das aulas de música, de uma profa. do primário e das aulas de Educação Física

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cas e posso dizer que, com o italiano que aprendi no Dante, me virei muito bem em Milão: em uma semana, já falava fluentemente a língua. Fiz um curso de três meses, conheci a Itália intei-ra, foi muito legal, gosto muito de lá e tenho uma ligação muito forte com essas raízes. Minha avó paterna nasceu aqui, mas a mãe e todos os irmãos dela nasceram lá, e ela chegou a voltar à Itália para morar por um tempão. Também por conta disso meu pai fazia questão de que a gente estudasse no Dante.Anos depois, fui estudar com um mestre do Cali-fornia Culinary Institute e me transformei em chef instrutora. Minha carreira é muito ligada à educa-ção.

E como foi o seu retorno, após a experiência de estudos no exterior?Quando cheguei de Londres, fui para o Gero (do grupo Fasano), onde fiz meu primeiro estágio, e lá fiquei por alguns meses. Em 1998, por conta da Copa do Mundo, a Stella Barros mandou grande parte da equipe para trabalhar em Paris. Me cha-maram para fazer parte da equipe que ficou por aqui e voltei, então, a trabalhar com eles. Paralela-mente, comecei a fazer jantares nas casas dos meus amigos, o tipo de coisa que todo cozinheiro em início de carreira faz. Até que fui dar uma aula no Senac meio por acaso e me apaixonei. Aí fui lecio-

nar na Anhembi Morumbi em 1999, quando eles co-meçaram o curso de Gas-tronomia, e fiquei quase cinco anos lá. Mas chegou uma hora em que comecei a ficar cansada. Amo dar aula, continuo até hoje e nunca vou parar, mas viver exclusivamente disso é muito extenuante, porque depende só de você, não dá para chamar assistente, contratar gerente... Mas você passa bastante tempo por aqui traba-lhando... Chegou uma hora em que pensei: vou abrir um negó-cio para poder ter um pou-co mais de tranquilidade. Porque, por mais que dê um trabalho louco, posso

ser dona do meu nariz. Hoje eu tenho duas filhas pequenas. Posso ir para casa almoçar com elas, de-legar funções... Vai fazer oito anos que abri o La Vie en Douce, com mais três sócias. Há dois anos comprei a parte delas e assumi o negócio sozinha.

Como você faz para equilibrar o uso de ingre-dientes importados e os de origem brasileira nos cardápios que monta?Quando eu faço um cardápio salgado, no Wraps, por exemplo, trabalho muito com produtos da-qui, até porque são mais acessíveis. Mas na parte de confeitaria, a gente não tem aqui produtos de qualidade. O chocolate nacional, ainda mais hoje, quando temos acesso ao importado, não dá mais para usar. E não temos frutas secas, por exemplo, no Brasil. Privilegio e tento usar o máximo de in-gredientes brasileiros, mas até um limite.

Como surgiu a ideia de trazer os cupcakes para o Brasil? E de fazer a linha inspirada na história de “Alice no País das Maravilhas”? Fui a primeira a comercializá-los aqui no Brasil, em junho do ano passado. É uma coisa muito lou-ca, porque, nesses anos todos que eu trabalho com doces, sempre ficava pensando: “Gente, como é que ninguém descobriu os cupcakes ainda?” E no ano passado decidi que queria lançar e ser a primeira. Fui pra Nova York, vi o que se fazia por lá e trouxe a ideia. E quando comecei a escutar que o Tim Burton ia fazer o filme, imaginei que tinha tudo a ver. Eu sou muito antenada em tudo que está acon-

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Cupcakes da linha inspirada no filme “Alice no país das maravilhas”, dirigido por Tim Burton

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tecendo. Gosto muito de moda e comecei a ver em revistas que tinha alguém fazendo uma coisinha aqui, outra ali, tudo ligado ao filme. Aí fiz os cup-cakes e foi grande a repercussão. Eu me esforço em sempre fazer diferente, fazer primeiro, o que tem de mellhor e mais moderno.

Foi assim também com o brigadeiro de colher, que você tirou do cardápio...Tirei, porque agora tem até na padaria! Eu tenho a patente, foi muito legal fazer, então que bom que está todo mundo fazendo, deixa eles fazerem. En-tão recuperei o brigadeiro enrolado.

Como você planeja as mudanças do cardápio normalmente?De acordo com o clima. Às vezes, no inverno, te-mos que ter opções mais quentinhas. No verão, mais frutas, e fora isso minha cabeça está sempre a mil, tendo ideias para mudar. Não dá tempo nem de executar. E em relação aos cardápios das festas? Até que ponto vocês fazem o que o cliente pede? Muito no começo, fazia tudo como era pedido. Mas hoje, se me pedem para fazer o doce da fu-lana, não faço, não acho bacana copiar. Mas se a pessoa sempre pede nossos serviços e já insistiu dez vezes em um doce de framboesa, faço um e pronto. Sou cozinheira, mas isso também é quase ser ar-tista, e minhas criações são como filhos. Ao mesmo tem-po, porém, não tenho o me-nor pudor em seguir o que o público quer. Quando eu co-mecei, fazia tortas elaboradas com lavanda, tapioca, e as pessoas queriam brigadeiro, então, ok! Vamos fazer briga-deiro, vamos deixar a pessoas felizes! Quero que elas co-mam, gostem e voltem.

É curioso que você seja hoje responsável por cardápios tão diferentes: um de doces e dois de comida saudável (Wraps e Go Fresh).Cozinha é técnica pura, são fórmulas, então na verdade não existe tanta diferença assim. Mas acho que uma refeição leve e saudável, para que se possa abusar um pouco mais na sobremesa, é a combi-nação perfeita. Eu faço isso.

E como você administra sua rotina? Sou super a mil. Mas no Wraps e no Go Fresh, eu faço apenas o desenvolvimento dos pratos, o que não me exige muito tempo. Estou há oito anos na rede deles, então faço com uma certa facilidade. Desenvolvo os pratos, apresento aos sócios e depois faço um treinamento, além de acompanhar e fazer provas. Mas tenho uma equipe de nutricionistas que tocam o dia a dia. As aulas são organizadas por horário, e o resto do tempo passo aqui e escrevendo meu livro Cupcakes, que sai em outubro pela editora DBA. Agora também trabalho no site vamoscozinhar.com.br, fazendo algumas grava-ções de receitas. E tenho um programa na Fox Life e outro no canal Cozinha Caseira. Amo fazer isso. Aliás, estou sempre feliz. Esses dias, numa segunda-feira, coloquei no meu Twitter: “Segunda-feira, que delícia! Um beijo para to-dos”. Sou uma pessoa feliz, porque tenho uma família linda e um trabalho que amo.

Quais os seus planos profissionais para o fu-turo? Além do livro, em outubro tem a expansão da empresa. Vou abrir a segunda loja La Vie en Douce na rua Pedroso Alvarenga. E aí é só es-perar a Globo me contratar para o lugar da Ana Maria Braga...(risos).

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Depois de criar o brigadeiro de colher, que virou febre, Carole repaginou o doce em sua forma tradicional, enrolada. A loja tem várias opções de cobertura

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Tradição de moda num país promissorCom mais de 50 anos de tradição, a Missoni chega ao Brasil e marca um território fértil para a moda italiana no paísPor Laura Folgueira Fotos: Divulgação

Pense em saias, blusas, calças, casacos e até sa-patos, feitos com fios de tricô costurados em zigue-zague, ou estampas gráficas, nas mais di-versas cores. Essa é a imagem mais comumente associada à marca italiana Missoni, nascida em 1953 nos arredores de Milão. Hoje, mais de 50 anos depois, a grife é conhecida por combinar nas suas coleções a tradição da moda italiana a roupas artesanais e moldá-las com uma cara quase infor-mal. As criações em tricô já se tornaram objeto de desejo entre os mais atentos à moda, e podem ser compradas inclusive em forma de utilidades para casa – há cadeiras, sofás, almofadas e mantas.

Depois de ter se estabelecido no mercado da moda mundial, com apenas 35 lojas próprias no mundo – o número é bastante pequeno quando compa-rado a grandes maisons como a gigante francesa Louis Vuitton, com mais de 400 lojas –, a Mis-soni abriu seu primeiro ende-reço na América Latina no Sho-pping Iguatemi, um dos mais luxuosos de São Paulo, em de-zembro de 2009. A vinda da marca foi cheia de pompa e cir-cunstância: pela

primeira vez, uma marca italiana desfilou em um evento de moda brasileiro – neste caso, o Capital Fashion Week, em Brasília.

A ocasião foi motivo para a vinda ao país de mem-bros da família Missoni, como Vittorio Missoni, diretor-executivo da grife, e seu filho, Ottavio Missoni Jr. – batizado assim por causa de seu avô, fundador da marca –, que foram homenageados na Embaixada italiana após o desfile. A produção da marca para o desfile em Brasília misturava o tricô com estampas delicadas, cores pastel e tendên-cias de moda marcadas pelas últimas temporadas nacionais e internacionais, como as aplicações de correntes. Ficou clara uma preocupação em adaptar o show para as terras e climas brasileiros – não se tratava, por exemplo, da mesma moda mostrada

na temporada de inverno 2010 da Semana de Moda de Milão, que acontecera cerca de três se-manas antes. No Brasil, o que se viu foram peças bem mais leves, trazidas da cole-ção de verão da marca.

O desfile cha-mou a atenção para a importân-cia que a moda italiana começa a tomar no cená-

A loja no shopping Iguatemi foi a primeira inaugurada na América Latina, em dezembro de 2009

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A Missoni é famosa por suas criações em tricô,

com o uso variado de cores e formas

geométricas em todos os tipos de peças

16A vinda para o Brasil incluiu o primeiro desfile da Missoni, no Capital Fashion Week, em Brasília

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rio e no mercado brasileiro. “A presença italiana no setor da moda no Brasil possui grande visibilidade e apresentam-se grandes possibilidades de expan-são”, acredita Antonella La Francesca, embaixatriz italiana no Brasil.

Por aqui, os convidados VIP da Missoni, tanto para os desfiles quanto para os lançamentos de coleção, realizados também na loja do Shopping Iguatemi, em São Paulo, não pertencem necessa-riamente à turma mais fashion. Poucas editoras de moda foram vistas nas primeiras filas de Brasília ou na loja paulistana. Quem ocupa a maior parte dos lugares são mesmo socialites e figuras políticas im-portantes – a clientela em potencial da marca.

Isso faz mesmo sentido, já que os preços das roupas com a etiqueta Missoni são altos: a faixa média de preço gira em torno de R$ 2.500, podendo chegar até a R$ 17.000. Pode parecer absurdo, mas são “basicamente os mesmos preços que os das de-mais lojas da Missoni no mundo”, explica Romy Dryzun, diretora de marketing da grife no Brasil. Porém, o valor final fica entre 30 e 35% mais caro no país, devido a impostos de importação.

Interesse e expansão de mercado Apesar das taxações altíssimas, o Brasil vem atrain-do cada vez mais investimentos estrangeiros na área de moda. Além da Missoni, Furla, Gucci e Santa Maria Novella (marca de produtos de ba-nho) foram as últimas a abrir as portas no país –

que já conta com lojas próprias de diversas marcas do chamado grupo “Made in Italy”. Entre as grifes de maior destaque, estão Bulgari, Binda (acessó-rios), Diesel, Ermenegildo Zegna, Salvatore Ferra-gamo, Dolce & Gabbana, Versace, Luxottica e Sá-filo (de óculos). A própria Missoni pretende abrir ainda uma loja em Brasília, uma loja só da linha Missoni Casa em São Paulo, e um Hotel Missoni na Ilha de Cajaíba, na Bahia.

O diretor-executivo da marca, Vittorio Missoni – filho dos fundadores Ottavio e Rosita – decla-rou, na época da inauguração da loja, ao portal de moda americano WWD ter escolhido o Brasil “por causa da forte evolução do mercado brasileiro nos últimos anos, marcada por uma economia positiva e pelo crescimento de novos shoppings de moda e lojas multimarcas”. Prova disso são o Shopping Ci-dade Jardim e a loja Daslu, ambos empreendimen-tos bem-sucedidos e restritos à classe A da cidade.

“O Brasil é atualmente umas das economias mais promissoras. As melhores condições econômicas e o rápido e incessante crescimento da classe média e médio-alta no Brasil auxiliarão na comercialização de artigos de moda e de luxo”, diz La Francesca. O faturamento do mercado de luxo no país pas-sou de 3,9 milhões de dólares em 2006 para 6,5 milhões em 2009, e as previsões para 2010 não poderiam ser mais otimistas: estima-se que serão superados os 7 milhões. Nesse cenário, a moda é o setor protagonista, seguido pelos calçados (pense,

por exemplo, no desig-ner francês Christian Louboutin, que também, desde 2009, vende no Shopping Iguatemi sa-patos de mais de R$ 2 mil), automóveis, joias e perfumes.

No Capital Fashion, ao lado da Missoni, desfi-laram mais duas marcas italianas – estas pouco conhecidas no país e ainda sem loja própria aqui: Renato Balestra e a masculina Mabro/Anti-chi Telai. A iniciativa foi da própria Embaixada italiana. “Isso aconteceu por conta dos contatos pessoais que temos na

Vittorio Missoni, diretor-executivo da grife, e seu filho, Ottavio

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Itália com estilistas e empresários de moda”, conta a embaixatriz.

Cinquenta anos de modaHoje, o tricô Missoni pode ser mundialmente fa-moso – mas sua produção começou com apenas quatro máquinas, numa fabriqueta de Milão, em 1947. A história da família que se tornaria um dos símbolos da moda italiana se inicia em Ragusa, cidade onde nasceu Ottavio Missoni, fundador da marca. Longe de se interessar por moda, quando jovem Ottavio dedicou-se à corrida, fazendo parte da equipe nacional; convocado a lutar na guerra, foi feito prisioneiro pelos ingleses na África, perma-necendo, assim, no Egito, durante quatro anos, até 1946.

Ao voltar à Itália, precisando de trabalho, é que Ottavio decide começar a parceria com o amigo Giorgio Oberweger na pequena fábrica de tricôs em Milão. Mas, naquela época, a alta moda estava longe dos planos de Ottavio: os sócios fabricavam os uniformes oficiais do time de corrida italiano – usados na Olimpíada de 1948. Foi nesse evento

que, por meio de amigos em comum, Ottavio co-nheceu sua futura esposa, Rosita Jelmini. A partir de então, Rosita passou a ser a primeira estilista da recém-nascida grife Missoni, dando continuação, com o marido, ao pequeno ateliê de peças em tricô – nesse tempo transferido para o porão do prédio onde moravam, em Gallarate.

A primeira das inovações de moda da Missoni, nos anos 60, foi utilizar uma máquina até então desti-nada apenas à confecção de xales para criar outras peças. Surgiam, assim, os primeiros vestidos leves de tricô – uma novidade na moda italiana – des-critos pela crítica Maria Pezzi, no jornal Il Giorno, como “peças de museu que você pode usar”.

As novidades, porém, nem sempre foram bem re-cebidas pela sociedade italiana. Apesar de a crítica apreciar o trabalho artesanal da Missoni, a marca chegou a ser proibida de desfilar no mais tradicio-nal evento de Florença (naquela época o centro da moda italiana, antes do auge de Milão), depois de haver levado à passarela, em 1967, modelos vestin-do peças transparentes sem nenhuma roupa íntima

por baixo – expediente que, hoje em dia, de tão comum, chega a ser clichê.

Em 1970, a marca já era sucesso em Paris, Roma e Estados Unidos, com uma loja aberta dentro da lu-xuosa Bloomingdale’s, em Nova York. Com a ajuda de madrinhas como a le-gendária editora de moda Diana Vreeland, da revista Vogue americana, a marca se tornou sinônimo de sucesso, luxo e trabalho artesanal.

Se muitos jornais e críticos compararam, desde os anos 1970, a moda de desenhos gráficos e coloridos da Missoni com obras de arte, a marca levou essa compa-ração a outro patamar: ao longo dos anos, foi tema de exposições em museus como o Metropolitan Mu-seum of Art, em Nova York, o Palazzo Grazzi, em Vene-za, e o Sezon Museum, em Tóquio. A última delas foi

Reforçando a ideia de que se trata de uma empresa familiar, a última campanha da Missoni (com imagens feitas pelo fotógrafo alemão Juergen Teller) traz os membros do clã em momentos

casuais. Acima, Angela Missoni, diretora de criação da grife, com os filhos Francesco e Margherita. Ao lado, Margherita em destaque: a menina de 25 anos é como uma “embaixadora” da marca no mundo

e garante a popularidade da Missoni entre os jovens adultos

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Desfile da coleção de verão 2010, na Itália, em setembro de 2009

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A leveza das peças dá um ar jovial também às composições masculinas. Na foto, desfile pelas ruas de Milão

chamada de “Caleidoscópio Missoni” e apresentada no Museu Provincial de Gorizia, com as coleções de patchwork de Ottavio Missoni e mais de cem peças, entre vestidos, casacos e tecidos.

Ottavio, hoje com 89 anos, e Rosita, com 78, já há algum tempo passaram partes do negócio para a responsabilidade de seus sucessores – mantendo a empresa na família. Os filhos Angela, Luca e Vit-torio, segunda geração dos Missoni, foram criados para isso – o último é responsável pelas operações comerciais, deixando aos irmãos a direção criativa da grife. A linha casa, porém, ainda fica sob a tutela de Rosita, responsável pela criação de novas peças.

O rosto mais jovem da Missoni é o de Margherita, neta de Rosita e filha de Angela. A jovem de 25 anos virou o que se chama, no mundo da moda, de it girl: amiga das famosas irmãs atrizes e socialites Mary-Kate e Ashley Olsen, vive aparecendo em festas e inaugurações badaladas, sempre vestida com as criações da família. Ela é uma espécie de “embaixadora” da marca pelo mundo. A estratégia de marketing parece funcionar: a Missoni é cada vez mais popular entre os jovens. “A marca tem mostrado jovialidade tanto no feminino, que traz as cores, quanto no masculino”, acredita Romy Dryzun. “Os jovens adultos têm se interessado em usar Missoni por seu ar aventureiro.”

Essa renovação da marca, que tem atraído cada vez mais jovens endinheirados para seus produtos, pode ser vista em diversos aspectos da coleção. Hoje, não é só de lã e tricô, por exemplo, que vive a Missoni. Entre os tecidos utilizados pela mai-son estão o rayon-viscose (usado pela marca pela primeira vez em 1963), lurex e cashmere. É assim que a equipe de estilistas cria a mescla de texturas

responsável pelas mais belas inovações fashion da grife.

Milão: cenário atualA moda italiana, hoje, está certamente entre as mais influentes do mundo. A cidade de Milão é um dos três centros europeus da moda, ao lado de Paris e Londres. Cada uma dessas capitais repre-senta, por assim dizer, um “estilo”; enquanto Paris é o clássico chique, Londres é a terra de estilistas modernosos, como Alexander McQueen e Stella McCartney – e Milão, por sua vez, é o lugar da tradição.

“Eu diria que a moda italiana marca tendência, porque ela é um fenômeno no sentido que procu-ra expressar o comportamento e as ideias sociais de cada época”, acredita Paola Croso Mazuco, representante da Nuova Accademia di Belle Arti (NABA) no Brasil.

A Semana de Moda de Milão é a primeira a ter lu-gar entre as europeias (antes das de Paris e deLon-dres) e até mesmo da de Nova York. Isso significa que são as marcas italianas as primeiras a delinear quais são as tendências para a temporada da vez. Mas os clientes das cerca de 30 grifes que desfilam na semana – todas bastante tradicionais – não são tão fáceis de agradar. Se a Semana de Moda de Nova York, por exemplo, causou um aumento de 1.150 % nas vendas de algumas grifes no começo de 2010, o mesmo não foi verdade em Milão – por lá, os italianos gastaram apenas 22% a mais.

As tendências não são medidas apenas pelos desfi-les. Elas também são adiantadas durante a Feira de Milão, evento voltado a todos os setores ligados ao design: além de tendências de moda, garimpam-se lá também novidades em decoração, móveis e ar-quitetura, por exemplo. Segundo Paola, neste ano a principal tendência da feira foi a chamada “moda ética”.

“Nesse sentido, a moda italiana expressa os com-portamentos sociais de cada época. Agora só se fala na moda ética, que é realmente se preocupar com as tramas e tecidos certos, por exemplo. É impor-tante que o material que você vai usar nas peças sejam sustentáveis”, explica. “Não é uma moda qualquer, mas uma moda que faça sentido.” Parece promissor. Agora, é esperar pelas próximas tempo-radas de moda, e pelas próximas aberturas de loja por aqui, para conferir o resultado traduzido para a vida real.

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Quando a Missoni desembarcou em solo brasileiro para vender seus tricôs a preços astronômicos, veio seguindo uma tendência que já se anunciava: o crescente movimento das marcas de luxo em dire-ção à América Latina. Entre as italianas, as últimas a chegar, antes da Missoni, foram as tradiciona-líssimas Furla e Gucci – esta última, que também começou como um negócio familiar, ocupa o posto de quinta grife mais reconhecida do mundo, e se instalou no Brasil no final de 2008.Depois de passar cerca de 30 anos nas mãos dos descendentes de Guccio Gucci, criador da marca, a empresa italiana foi comprada, e a presidência passou para as mãos do também italiano Dome-nico de Sole – e para o grupo de investimentos Investcorp. Essa abertura ajudou a impulsionar a expansão que, mais tarde, traria a Gucci a terras brasileiras.A Gucci começou, em 1921, como uma fabricante de malas e acessórios de couro em Florença. Levou apenas alguns anos para que se tornasse, na Itália, sinônimo de luxo e exclusividade – e os primeiros artigos icônicos, como a bolsa bambu, apareceram já nos anos 40. Mas, apesar de a marca ainda guar-dar sua aura de tradição, o estilo mudou muito de lá para cá: não apenas os negócios saíram das mãos

Novas marcasda família, mas a responsabilidade pelas criações passou para o americano Tom Ford – o que signifi-cou, principalmente, muitas releituras, mais moder-nidade e um toque “casual”.Apenas um mês antes da Gucci, quem havia aberto as portas em São Paulo era a marca de acessórios de luxo Furla. Agora, a próxima da fila, segundo informações da Embaixada italiana no Brasil, é a Max Mara, grife que, diferentemente de outras conterrâneas, já nasceu dedicada à alta-costura, na Itália de 1951, por iniciativa de Achille Maramotti.O gosto pela moda, porém, também era familiar. A bisavó do fundador da marca, Marina Rinaldi, de-dicara sua vida à moda, criando um ateliê na região de Reggio Emilia. Depois que a Maramotti Con-fezione se estabeleceu e mudou de nome, não levou muito tempo para ficar conhecida no universo da moda florentina – em 1970, a grife já empregava mais de 400 funcionários, responsáveis pela con-fecção de 35 mil casacos por ano.Se a Missoni se fia nas estampas gráficas e exclu-sivas, são os casacos os grandes responsáveis pela fama de Max Mara. Eles já foram desenhados por estilistas como Anne Marie Beretta e Jean Charles de Castelbajac, e hoje saem dos croquis da diretora de moda Laura Lusuardi. Desejados por compra-doras do mundo inteiro, e agora disponíveis para as brasileiras, eles devem chegar por aqui com preços acima dos três dígitos.

Os itens em couro, primeiras criações da Gucci, ainda são seus principais hits. Atualmente, as primeiras da fila são as “Jackie bags”, lançadas em 2009. Ao lado, uma versão mais recente da bolsa bambu, modelo que, produzido desde os anos 40, se tornou febre depois que a primeira-dama francesa, Carla Bruni, apareceu usando-o em compromissos oficiais

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Fasano

Com uma história centenária de idas e vindas, o Grupo Fasano encontra-se, hoje, sob a administração e a liderança de Rogério, bisneto do fundador da marca

São raras as pessoas que moram em São Paulo e não conhecem o nome – ou, na verdade, a marca – Fasano. São 11 estabelecimentos na cidade, entre restaurantes, bares, casa de evento, loja de vinhos e um hotel, tudo sob a responsabilidade de um grupo que é administrado de forma familiar. Quem hoje comanda quase todas as iniciativas do grupo é Rogério Fasano, 48 anos, da quarta geração do clã. A família italiana se tornou símbolo de luxo e qualidade em gastronomia e hotelaria.

A história do Fasano foi construída, entre aberturas e fechamentos, por diversos patriarcas da família. Iniciou-se em 1902, ano da inauguração da Brasserie Paulista. O responsável foi Vittorio Fasano, imigrante milanês que chegara ao país em meados de 1880 – e que hoje dá nome à rua que abriga o Hotel Fasano. (A mudança de nome da antiga Rua Taiarana foi iniciativa do bisneto Rogério, à época da inauguração do estabelecimento.)

O pai, Fabrizio, e os filhos, Andrea e Rogério, formam a diretoria do grupo que administra a marca Fasano

Por Laura Folgueira Fotos: Divulgação

Quatro gerações e uma herança gastronômica

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O primeiro restaurante ficava localizado na Praça Antônio Prado, no centro. Apesar de bem frequentado, teve que fechar as portas após o falecimento de Vittorio, em 1923. Na época com apenas 6 anos, seu filho, Ruggero, foi mandado pelos irmãos já adultos de volta para a Itália, para completar seus estudos na Escola Militar de Moncalieri, próxima a Turim. (Morto em 1969, Ruggero também recebeu homenagem por parte de seu neto Rogério –virou nome de restaurante do grupo, o Nonno Ruggero.)A história dos Fasano no Brasil poderia ter acabado por aí – na Itália, Ruggero se casou e teve dois filhos, Fabio e Fabrizio. Mas, em 1937, decidiu fazer uso de sua dupla nacionalidade e voltou para o Brasil. Ao chegar ao país, sua veia de restauranteur falou mais alto, e ele decidiu reabrir o negócio do pai, no mesmo local. Desta vez, já com o nome que deixaria a marca na cidade: Fasano.Esse seria o começo de uma época promissora, em que Ruggero revelaria o perfil empresarial de estender as atenções a novos negócios, mantido até hoje: além do restaurante, ele passou a investir também em outras casas. Uma confeitaria na Avenida Vieira de Carvalho e uma casa de eventos no então recém-inaugurado Conjunto Nacional, à época o endereço mais luxuoso de São Paulo, ajudaram a fazer da marca um dos nomes mais populares da gastronomia paulistana. Lá, os Fasano, já uma das famílias mais influentes da cidade, receberam convidados como a atriz Marlene Dietrich, Dwight Eisenhower (então presidente dos Estados Unidos) e Fidel Castro.Os empreendimentos tinham tudo para continuar fazendo sucesso, mas a morte de Ruggero, em 1969, deixou a família sem um sucessor para os negócios – seu filho, Fabrizio, já trabalhava como executivo de uma indústria fabricante do uísque Old Eight. A marca Fasano, assim, ficou “fechada” até 1982, ano em que empreendedores ligados ao Shopping Eldorado fizeram uma proposta a Fabrizio: voltar ao negócio dos restaurantes, com o Jardim Gastronomique Fasano. O segundo endereço foi a Praça Antonio Prado,

onde a família abriu um restaurante em 1952

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Agora, a responsabilidade ficaria para Rogério Fasano, filho de Fabrizio, um jovem então com 20 anos. “Só que o projeto lá foi super equivocado”, relembra Rogério, mais de 25 anos depois. O motivo do fracasso foi a aposta errada na nouvelle cuisine, naquele tempo muito em voga entre os chefs de cozinha. “Logo depois fomos para a Rua Amauri, e resgatamos as origens dos pratos que a gente comia e dominava.” Assim, o Fasano voltou a ser um restaurante de comida clássica italiana – cozinha mantida até hoje, a despeito de mais algumas mudanças de endereço.Renovação versus modismosAs constantes realocações do restaurante estiveram ligadas principalmente ao próprio crescimento da cidade – o Fasano sempre procurou se fixar nos pontos mais procurados de São Paulo. A última mudança levou o restaurante para dentro do hotel da família, nos Jardins.“Você não tem que casar com o local, tem que casar com sua filosofia”, acredita Rogério. Isso quer dizer que, apesar do caráter circunstancial das mudanças de endereço – como a morte do avô, ou o convite de investidores para abrir um negócio em um no shopping –, tal eventualidade contribuiu para a criação de um nome forte, em lugar de enfraquecê-lo. “A mobilidade que São Paulo tem criou a oportunidade de cada um fazer à sua maneira, o que eu acho que modernizou a marca.”

E quando Rogério fala de modernizar, ele faz questão de enfatizar uma clara oposição entre moderno e modismo. “Deixar o modismo de lado e voltar às origens foi a razão do sucesso”, acredita. Por isso, no Fasano, os clientes não esperam encontrar espumas, reduções, influências da culinária de outros países, nem inovações hoje muito usadas na gastronomia contemporânea. Lá, o cardápio consiste em clássicos italianos, divididos em cinco menus, de acordo com regiões geográficas: Capri, Piemonte, Sicília, Al Mare e

Umbria. O chef, o premiado Salvatore Loi, discute cada mudança de cardápio com toda a diretoria do Grupo Fasano, que inclui, além de Rogério, seu pai e sua irmã, Andrea, responsável pelo menu do Buffet Fasano.A resistência de Rogério em aceitar novidades como a gastronomia molecular do catalão Ferran Adriá já rendeu alfinetadas de críticos gastronômicos como Josimar Melo, que escreveu em seu blog, em fevereiro de 2010, que Fasano era “tão competente quanto careta em matéria de cozinha. Um conservador empedernido em termos de gastronomia”. Ainda assim, Melo reconhece que Rogério é “um dos caras mais

importantes da gastronomia brasileira, e mesmo da América Latina, como atesta o impressionante nível de qualidade e profissionalismo da cadeia de restaurantes e hotéis que vem capitaneando”.

“Deixar o modismo de lado e voltar às origens foi a razão do sucesso”, explica Rogério, sobre o momento em que foi necessária uma mudança de rumo nos negócios da família

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“É uma discussão que não tem fim. O que é a modernidade?”, pondera Rogério, mencionando, como exemplo, o arquiteto Isay Weinfeld, responsável pelo projeto do local – e conhecido por realizar projetos que aliam a modernidade a aspectos clássicos e quase minimalistas.Hoje, a renovação constante da marca Fasano pode ser percebida na multiplicidade restaurantes, bares e hotéis. A grande maioria dos estabelecimentos foi construída na cidade de São Paulo – e é fruto de sonhos pessoais de Rogério Fasano. “A expansão foi impulsionada por um desejo, no fundo, particular, do que eu achava que faltava na cidade”, explica. “Faltava um bar, então a gente tinha que fazer o Baretto; quando fiz o Parigi, achava que os clássicos franceses estavam meio em baixa e tinham que ser resgatados.”Da mesma forma, Rogério define o vistoso e luxuoso hotel localizado nos jardins como “um sonho de pobre”. A ideia de migrar da gastronomia para a hotelaria nasceu, na verdade, da posse de um terreno. “Percebi que era um lugar inacreditável para se construir um hotel diferente em São Paulo”, explica ele. Trata-se de uma diferença que vem também no preço: até mil reais por uma diária. O grupo se estendeu para outras cidades, como o Rio – onde o Fasano é, hoje, a primeira escolha de celebridades internacionais, devido ao que o jornal americano New York Times descreveu como uma “aura de exclusividade” – e Punta del Este, no Uruguai, onde o grupo deve abrir um novo hotel de apenas 20 quartos até o fim de 2010.De Londres a São Paulo Quem ouve Rogério Fasano falar, com extrema convicção, sobre como construiu seus negócios,

abrindo bares, restaurantes e hotéis por toda a cidade de São Paulo e no Rio de Janeiro, imagina que essa tenha sempre sido sua ambição. De fato, ele hoje dedica quase todo o tempo ao grupo, geralmente trabalhando em sua sala no hotel Fasano de São Paulo, aonde chega às 11h30 da manhã. As noites são passadas geralmente

no salão do restaurante, checando o serviço e o movimento do local. Rogério só sai de lá às 2 horas da manhã.Muito antes, porém, de haver se tornado um dos mais famosos e influentes restauranteurs do país, o jovem Rogério teve uma ambição bem diferente: fazer cinema. Para isso, deixou o Colégio Dante Alighieri, onde estudou – e do qual garante guardar as melhores lembranças –, para morar em Londres no último ano do Ensino Médio, e ficou na cidade por um ano e meio, até 1982. “Quando eu tinha pai rico, queria fazer cinema. Quando não tinha mais pai rico, não tinha mais essa opção”, declara, com o espírito prático de quem aprendeu a administrar o negócio da família “na marra”.Mas a decisão de abrir mão do sonho de se tornar cineasta (decisão que acabou resgatando, por meio da gastronomia, os laços que tinha com o avô), foi tomada e executada sem sofrimento. “Acho que com 20 anos você tem muita vontade. Por isso, se foi duro, não me marcou”, diz. A herança dos patriarcas, porém, vai além da que está materializada na própria marca do sobrenome: “Meu avô fez restaurante sem ter conhecido o restaurante do pai dele. Eu fiz restaurantes sem ter conhecido os restaurantes do meu avô. É uma herança de sangue, não de tijolos.”

O grupo possui 11 estabelecimentos. Acima, a trattoria Nonno Ruggero localizada no próprio hotel

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Escultura

1922: Ettore Ximenes em São PauloO ateliê da Vila Prudente e o Palacete Puglisi nas “Impressões de Arte” de Carlos da Maia

Por Alessandro Dell’Aira Tradução: Lauro Spaggiari

São Paulo, a princípio cidade de estilo colonial, tornou-se neoclássica no início do século XX. O escultor italiano Ettore Ximenes nela perma-neceu de 1919 a 1926, quando morreu. O ano de ouro do artista foi em 1922, com a inauguração, em setembro, do “Monumento do Ipiranga”, por ele concebido para o primeiro centenário da inde-pendência do Brasil. Mas não foi esta sua única satisfação naquele ano. Em julho, o jornalista Car-los da Maia lhe dedicara seis artigos escritos para o diário A Gazeta de São Paulo – e reunidos mais tarde no pequeno volume “Impressões de Arte”. Dessas páginas podem-se obter informações pre-ciosas sobre o ateliê de Ximenes, localizado na Vila Prudente, e sobre uma residência na Bela Vista que, projetada por Ramos de Azevedo, e decorada por Ettore Ximenes, infelizmente já não mais exis-te: o Palacete Puglisi.

Nascido em 1855, em Palermo, na Sicília, Ettore Ximenes chegou a São Paulo em março de 1919. Por ser um modelador incansável, hábil no plasmar da argila, com a predição e a potência de um escul-tor-poeta, era ali chamado de o “Michelangelo do século XX”. Graças aos italianos mais influentes de São Paulo, pôde contar logo com grande apoio da alta-sociedade da época. Homem e artista im-petuoso, além de escultor, era também pintor e desenhista. Quando começou a dedicar-se aos con-cursos, sua fama cresceu.

Monumento à Independência: polêmica“Suntuoso, vasto, alto, concebido como um poema barbárico”. Assim Ugo Fleres (poeta, jornalista e crítico italiano) define, em 1928, o esboço que Et-

tore Ximenes apresentou no concurso promovido pelo governo do estado de São Paulo para o maior monumento à independência do Brasil. “Suntuo-so”, porque rico de agrupamentos escultóricos e al-tos-relevos. “Vasto”, porque a base se apoiava sobre uma estrutura de granito de 1.600 metros quadra-dos (projetada pelo arquiteto Manfredo Manfredi). “Alto”, porque o mastro da bandeira – empunhado pela figura que alegoriza a independência, e que aparece de pé em uma biga – alcançava 23 metros. E “barbárico” (entendido aqui como neorrenas-centista), porque embutia no traçado de inspiração

Ettore Ximenes na época de sua estada em São PauloD

ivul

gaçã

o

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“colonial” algumas transgressões aos “padrões clas-sicistas”, principalmente no grupo do Juramento de Pernambuco.

Os qualificativos atribuídos ao projeto nunca che-garam a ser, porém, objeto de unanimidade. As polêmicas em torno da obra começaram, sobretudo, por parte dos modernistas. Como lembra a histo-riadora Aracy Amaral, o futuro monumento era definido por Mario de Andrade como “um colossal centro de mesa de porcelana de Sèvres”, totalmente inadequado para a notabilidade do lugar.

Incomodado ou não com as críticas ao projeto do panteão, o fato é que Ximenes já dera início aos trabalhos, instalando seu ateliê na residência então situada na Vila Prudente, bairro da zona leste de São Paulo. E a despeito de todo o interesse em tor-no das vanguardas em 1922, a imprensa também abriu espaço para Ximenes. Prova disso é a referida publicação em julho do mesmo ano, pelo vesperti-no A Gazeta de São Paulo, dos artigos escritos por Carlos da Maia – e redigidos, diga-se de passagem, num tom entre o factual e o promocional.

Palacete PuglisiOs irmãos Giuseppe e Nicola Puglisi Carbone, originários de Riposto, cidade localizada na pro-víncia de Catania, tinham se estabelecido em São Paulo em 1890. Anos mais tarde, estavam entre os industriais com maior destaque na capital. No período de um quarto de século tinham passado do comércio de gêneros alimentícios entre a Sicília e o Brasil para a coparticipação em instituições de crédito, como o Banco Comercial Italiano. Eram proprietários do Moinho San-tista, acionistas da Companhia Refinadora Pau-lista, da Com-panhia City de Santos, dos Ar-mazéns Gerais e do Grande Ho-tel (onde havia até mesmo um cassino) do Gua-rujá, cidade cuja avenida principal conserva até hoje o nome deles.

Giuseppe, incentivador da União Açucareira, e representante em São Paulo da Società Nazionale Dante Alighieri, estava, por sinal, entre os que mais se empenharam, em 1911, para a fundação do Istituto Medio Italo Brasileiro Dante Alighie-ri, para cujo capital inicial contribuiu com vinte mil liras, valor idêntico à contribuição de Rodolfo Crespi e à de Francesco Matarazzo. Nicola, por sua vez, colaborou com dez mil liras. Entre os Puglisi Carbone e o escultor – todos de comum origem siciliana – criou-se uma forte ligação de amizade.

Nicola tornou-se o proprietário de um palacete na Bela Vista, na Rua Santa Magdalena (hoje Rua Santa Madalena), nº 35. O projeto era de Ramos de Azevedo; a decoração interna, de Ettore Xi-menes. A edificação era um raro exemplo de co-laboração entre os dois grandes mestres. Na área anteriormente ocupada pela construção, da qual subsiste apenas ruína, há hoje um grande estacio-namento descoberto.

Carlos da Maia, ao descrever o interior da luxuo-sa casa, faz referência a um friso único esculpido sobre três paredes da sala, e dedicado a “figuras representativas da arte italiana em suas diversas manifestações, tendo como ponto de convergência o gênio de Dante”. Segundo ele, o ornamento era um “symbolo de gratidão” oferecido aos donos da casa. O teto exibia afrescos com temas mitológicos (as Graças circundadas pelas Ninfas) e com refe-rências à história da Itália. Nas duas paredes da sala de jantar, Ximenes havia pintado uma cena da flora local, com jequitibás e orquídeas, e em outra, a praia do Guarujá – orgulho dos Puglisi Carbo-

ne –, com um estabelecimento balnear, carros e banhistas. No restante do pala-cete, havia bus-tos, estátuas, um vitral (desenhado por Ximenes) que separava o salão da sala de jantar, e uma saleta dedicada ao artista com obras suas, en-tre as quais um busto de Zina – O “Monumento à Independência do Brasil”, de Ettore

Ximenes, reproduzido em uma antiga cédula de 50 mil-réis

Divulgação

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talvez a “senhora X”, no livro de Fleres – e um bronze de David, vencedor de Golias.

Registros

Da edificação dessa propriedade de Puglisi, na Rua Santa Mag-dalena, e das modificações que ela sofreu no tempo, há rastros no Arquivo Histórico da Prefei-tura de São Paulo. O primeiro documento é de 18 de agosto de 1915, e consiste no pedido feito por Nicola Puglisi Carbone para avançar o encanamento até a Rua 13 de Maio, de modo a refazer a conexão da residência à rede de água. Em outro regis-tro, de 1918, além dos trabalhos de reconstrução de um muro de contenção do jardim, assinala-se a execução de algumas obras in-ternas, entre as quais a transfor-mação da sala de bilhar em sala de jantar. Data de 25 de julho de 1919 o envio, por Ramos de Azevedo, a cargo de Nicola Puglisi Carbone, de um pedido ao prefeito de São Paulo para a reformulação total

do edifício da Rua Santa Magdalena. Os trabalhos a serem realizados são complexos. O projeto se re-fere a uma construção a ser erguida mediante pré-via demolição da existente, da qual restaria apenas a sala de jantar. Era, de fato, um sobrado, com dois andares e um porão. No pedido, em papel tim-brado do escritório de Ramos de Azevedo, foram anexadas cinco grandes plantas: a seção frontal e transversal do edifício, o porão e os dois andares superiores.

Coincidência ou não, em 1919 Ximenes está em São Paulo por quatro meses. Os projetistas do pa-lacete, muito provavelmente, estavam informados do seu futuro envolvimento na decoração dos am-bientes internos. Esse excepcional binômio de pro-fissionais era o orgulho do proprietário. A bem da verdade, a nova fórmula prestava-se para a geração de réplicas, e era certamente bem-vista tanto por Ramos de Azevedo, como pelo artista “vindo de longe”. Não é por acaso que, em julho de 1922, os

seis artigos de Carlos da Maia se referiam aos dois polos mais sig-nificativos e simbólicos da assim considerada dupla de artistas: o ateliê, na Vila Prudente, e o Pa-lacete Puglisi, na Bela Vista.

Em um desses artigos, Carlos da Maia assim se exprime (texto reproduzido com a ortografia da época): “O palacete Puglisi é um monumento de arte architectural como poucos existem em São Paulo. Dois grandes profissiona-es collaboraram nelle: a constru-ção é de Ramos de Azevedo; a decoração é Ximenes (...).”

PosiçõesAncoradas no fulgor e no es-plendor social, as ambições da família Puglisi Carbone, não obstante, sofreriam logo um duro golpe. A causa da sua derroca-da financeira e do consequente afastamento da vida social foram as dívidas de jogo contraídas nos anos seguintes à construção do palacete. Dessa forma, os Puglisi Carbone perderam grande parte das suas propriedades.

Página de um livro contábil de 1912 com a lista dos financiadores do novo Istituto Medio Italo Brasiliano de São Paulo. Nos primeiros lugares, com 20 mil liras cada um, Rodolfo Crespi, Giuseppe Puglisi Carbone e Francesco Matarazzo. Nicola Puglisi Carbone contribuiu com 10 mil liras

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“David vencedor de Golias”,de Ettore Ximenes.

Bronze visto por Carlos da Maia na casa de Puglisi Carbone

(São Paulo, 1922)

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Cidade desde seu nascimento predominantemente colonial, São Paulo tornou-se, como já dito, neo-clássica no início do século XX, e foi, daí em dian-te, por força de seu rápido crescimento e desvairada transformação, atropelando monumentos, histórias, memórias e fortunas. O escultor Ximenes, “que de longe veio”, por aqui ficou mais do que o previsto e assim fincou seu controvertido estilo. Ugo Fleres resume a contento, a despeito de algumas impre-cisões, o livreto de Carlos da Maia e as polêmicas nascidas nos ambientes intelectuais paulistanos sobre a obra do artista siciliano, se bem que ele pareça elevar a própria opinião sobre Ximenes à dimensão de uma unanimidade crítica nacional.

Seja como for, depois de se questionar, de modo um pouco retórico, sobre se a arte verdadeiramente representativa consiste ou não na ilusão de criar o verdadeiro, conclui com uma frase não menos com-prometedora que arriscada: “Esperemos que cesse o barulho do jazz band, e então, somente então, será o momento de fixar no campo da história da arte italiana o lugar do escultor Ettore Ximenes.”

Projeto de modificação do edifício da Rua Santa Magdalena, de autoria de Ramos de Azevedo, enviado ao prefeito em 1919

São Paulo, Palacete Puglisi; restos do muro do jardim, no cruzamento da Rua Santa Madalena com a Rua Doutor Alfredo Ellis

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LiteraturaPor Luisa Destri

Os pormenores da História e da resistência familiar

Léxico familiar, publicado na Itália em 1963, é o relato das consequências do fascismo e da Segunda Guerra sobre um círculo íntimo e diminuto: os judeus italianos Levi, a família da autora, Natalia Ginzburg.

A célula familiar, sob o abrigo de um pai rude, porém afetuoso, sobrevive ao tecido social manipulado por um ditador carismático e autoritário. Nesse contraponto, o “léxico familiar” é o instrumento próprio da resistência – ou, nas palavras de Ginzburg, “o fundamento da nossa unidade familiar, que subsistirá enquanto estivermos no mundo”.Em Natalia, que adota o sobrenome do primeiro marido, Leone, essa unidade familiar se manifesta na forma como conjuga traços dos pais. A mãe foi, por excelência, a contadora de histórias da família, com capacidade ímpar de a tudo transformar em provérbio: a sentença, por exemplo, “Não reconheço mais a minha Alemanha!”, proferida por um livreiro amigo da família quando, após

a Primeira Guerra, retornou a seu país, era por ela usada sempre que não reconhecia algo, ou sempre que alguém estivesse, a seus olhos, muito mudado. E as primeiras impressões, que no pai se transmudavam em teimosia, na filha se convertem em sensibilidade aguda para prontamente captar a identidade daqueles que retrata. São registrados os detalhes mais capazes de definir a singularidade: o “erre arrastado” de um amigo que andava sempre entre Turim e a Romênia; a “meia cerzida com linha vermelha” que um sujeito usava ao fugir, na França, da ocupação alemã; “os sulcos melancólicos” que surgiam no rosto do irmão quando, estando “em repouso com as mãos unidas e apertadas entre os joelhos”, não dizia palavra sobre seu casamento e seu divórcio.E são esses traços que Ginzburg pretende resgatar, como prova da sobrevivência do afeto, da alteridade e da intelectualidade em uma sociedade assolada pela destruição levada a cabo no século XX.

Léxico familiar240 páginas – Cosac Naify

“– Como eu gostaria de ser um rei criança – dizia minha mãe com um suspiro e um sorriso, porque as coisas que mais a encantavam no mundo eram o poder e a infância, mas gostava delas combinadas juntas, de modo que a segunda mitigasse a primeira com sua graça, e a primeira enriquecesse a segunda com a autonomia e o prestígio. – Mas olhe que “veia” feia eu me tornei – dizia, ajeitando o chapéu na frente do espelho, chapéu que colocava simplesmente porque o tinha comprado e custava caro, mas que tiraria logo na primeira esquina da rua.

Trecho – Pensar que eu gostava tanto de ser jovem! Hoje me sinto com quarenta anos – dizia à Natalina, na soleira da porta. – A senhora tem mais de quarenta, a senhora tem quase sessenta porque é seis anos mais velha que eu – dizia a Natalina, agitando a vassoura ameaçadoramente, porque costumava falar sempre num tom agitado, e com uma expressão ameaçadora. – Com esse lenço aí, – dizia-lhe minha mãe – você não parece o Luiz XI. Parece o Marat. – E saía de casa” (p. 140)

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Apontado nos dois últimos anos como um dos favoritos ao Nobel de Literatura, o italiano Claudio Magris tem agora o terceiro de seus títulos lançado no Brasil: o romance Às cegas, no qual recupera o lugar-comum de um velho homem que, desencontrado

de sua lucidez, decide narrar sua trajetória a uma figura não identificável a fim de garantir a perpetuidade dessa mesma história.O protagonista é Salvatore Cippico, sujeito de mais de 80 anos internado em uma clínica psiquiátrica, enquanto seu interlocutor é o doutor Ulcigrai — para nós, apenas um nome. O relato segue o andamento próprio da lembrança, ou seja, a lógica do texto obedece às associações aparentemente livres da memória.Nesse caso, trata-se de uma liberdade apenas aparente, sobretudo porque a memória do narrador é coletiva, e não individual. Passou por Dachau, pela Guerra Civil espanhola, pelas Guerras Napoleônicas e pela Guerra Negra, ocorrida na Tasmânia no início do século XIX. Transitando por espaços e tempos diversos, seus devaneios procuram experiências que se repetem na história da humanidade: as revoluções, as guerras, a dominação.A narração se desenvolve em espiral, em um movimento que acaba por diluir os limites entre subjetividade e objetividade. Assim, ao tomar como sua uma experiência que é coletiva, esse indivíduo parece querer restituir ao sujeito sua responsabilidade como autor da História.Para que isso ocorra, entretanto, o leitor deverá se lembrar da necessidade de desconfiar – afinal, o relato é a construção de um homem que, embora consciente, se acha internado por distúrbios psiquiátricos, e todos os que falam em primeira pessoa têm total liberdade para falsear. Ao menos quando o narrador afirma: “Não é culpa minha”, traindo todo o seu esforço em se assumir como autor dos episódios relatados.Às cegas384 páginas - Companhia das Letras

Seguindo o fluxo da memória

Estudos sobre o romance

A cultura do romance é o primeiro dos cinco volumes de Romance, série de fôlego lançada pela Cosac Naify sob organização do italiano Franco Moretti. O tomo pretende-se um panorama vasto e profundo do que se firmou como o gênero literário por excelência da modernidade.

Nesse primeiro livro, mais de 40 colaboradores realizam estudos em torno de quatro questões centrais. A primeira delas dedica-se a ilustrar a trajetória cumprida pelo gênero desde as narrativas orais até a superação de obstáculos legais, reunindo, ainda, documentos relacionados a processos enfrentados por grandes obras, como a sustentação oral do advogado de acusação no processo contra Madame Bovary, de Flaubert, e a sentença que autorizou a publicação de Ulisses, de Joyce, nos EUA.A segunda investiga como se relacionam a supremacia da prosa de ficção diante dos demais gêneros literários e a forma como o homem se pensa no mundo. A terceira centra-se na relação escritor-leitor. E a última examina a relação do gênero com o universo burguês e as grandes cidades, e traz análises de obras que, por meio de experimentos com a linguagem, buscaram ultrapassar os limites do próprio romance. É nesta seção que comparecem os brasileiros José Luiz Passos, professor na Universidade da Califórnia, e Mario de Andrade, num estudo que destaca como se combinam, em Macunaíma (1928), experimentalismo linguístico e consciência nacional.O ensaio “É possível pensar o mundo moderno sem o romance?”, de Mario Vargas Llosa, abre este livro – inaugurando, portanto, toda a série. A resposta à pergunta-título, naturalmente, será negativa: para o romancista peruano, é impossível pensar o mundo sem o “vínculo fraterno que o romance estabelece entre os seres humanos”.A cultura do romance1.120 páginas – Cosac Naify

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Música

Romântico e eternoCantor italiano Peppino Di Capri faz sucesso há 50 anos e é lembrado ainda hoje por canções emblemáticas das décadas de 60 e 70Por Vivian de Almeida Fotos: Divulgação

Existem músicas que tornam seus intérpretes universais e suas vozes, eternas. “Roberta” (1964), uma das principais composições de Peppino Di Capri, é uma delas. A letra fala de um homem amargurado por ter perdido a sua amada, que dá nome à canção. Nos versos, ele roga para que ela o perdoe e lhe devolva a felicidade. Nem de longe, contudo, a interpretação do italiano é cabisbaixa.Em vídeos antigos, é possível ver Di Capri, hoje setentão, cabeludo e com grandes óculos de grau, interpretando sua obra-prima enquanto dedilha o piano, acompanhado por sua banda. Eram quatro rapazes vestidos com terno e gravata, cada um tocando seu instrumento: saxofone, flauta transversal, bateria e teclado. Encontravam-se ali claras influências do rock’n’roll, cujas características também modelaram a obra de Di Capri.De lá para cá, pode-se afirmar que o artista foi uma espécie de porta-voz da música romântica italiana,

responsável por levá-la para além das fronteiras da Europa. Recordista em participações no Festival de San Remo (foram 15, ao todo, sendo a última em 2005), Di Capri cumpriu sua função,

e hoje não apenas “Roberta”, mas toda a sua obra são uma referência de cultura italiana no mundo.Um de seus grandes fãs é o escritor turco Orhan Pamuk, que levou o Prêmio Nobel de Literatura em 2006. Em seu romance Neve, o autor faz referência ao sentimento que a canção provoca em seu protagonista, Ka. Pamuk conta, em entrevista concedida ao jornal italiano La Gazzeta di Mantova em 2007, que à época em que finalizava o livro, foi a um show que Di Capri fazia em Istambul. “Achei que a melancolia de ‘Roberta’ cabia perfeitamente no meu livro”, afirmou Pamuk. O escritor diz ainda que essa foi uma das canções favoritas de sua juventude.Fora da ficção, a canção pop melodramática dos anos 60 rendeu a Di Capri uma

O autor de “Roberta”, de 1964, inspirou-seem sua primeira mulher para compor a

canção que se tornou seu maior sucesso

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legião de fãs. No Brasil, fez sucesso principalmente pela força cultural dos imigrantes italianos. Peppino Di Capri, nome artístico de Giuseppe Faiella, foi o primeiro artista italiano a fazer um “twist”, sonoridade que marca músicas populares como “Saint Tropez twist” (1962). O gênero, típico dos Estados Unidos, tem como origem ritmos como o rock’n’roll e o jazz. Não à toa, três anos depois do lançamento do trabalho, Di Capri e sua banda abriram a turnê italiana dos Beatles, que estavam no auge de seu sucesso. Influenciados pelos rapazes de Liverpool, mas com conteúdo para fazer música própria e boa, o artista e seus companheiros começaram, nessa época, a conhecer a fama no mercado fonográfico europeu. Mas vale lembrar que a história, que deu certo, começou cedo.Aos quatro anos de idade, um pequenino Giuseppe já dava sinais do talento que estava crescendo. Nascido em 27 de julho de 1939, em Nápoles, em uma família de músicos, o garoto cantava e tocava piano. Seus primeiros ouvintes foram alguns soldados americanos que passavam pela ilha de Capri (situada no golfo de Nápoles, a pouca distância do continente), no início dos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Aos seis anos, começou a estudar música clássica e a se apresentar em casas da região. O primeiro grupo do artista se chamava The Rockers. Com seus companheiros, Di Capri lançou, em 1958, Non è peccato, que explodiu e levou o músico a uma turnê de um ano. Depois desse primeiro single, vieram outros, em versões em italiano, napolitano e inglês. Logo, Di Capri era um dos principais artistas em atuação do país. Nessa mesma época, em contrapartida, o cantor viveu uma crise na vida pessoal: separou-se de sua

primeira mulher, Roberta, a mesma que inspirou sua canção mais famosa e que lhe deu um filho, Igor.O amadurecimento musical aconteceu nos anos 70, quando o artista formou uma banda nova, a New Rockers, e venceu o prestigiado Festival della Canzone Italiana, em 1973, com a música “Non lo faccio più”. No mesmo ano, veio a canção que o acompanharia pelo resto de sua carreira, “Champagne”, que logo fez

um estrondoso sucesso também na Alemanha,

na Espanha e no Brasil. A década de 80 foi marcada, na vida pessoal, pelo nascimento dos filhos Edoardo, em 1981, que também é músico, e Dario, em 1986, que se tornou um ator famoso. Ambos são fruto da união com a bióloga Giuliana Gagliardi, sua segunda mulher. Por aqui, o nome de Di Capri já era então popular. Sua canção “Ancora con te” era tema da personagem Maura Garcez, vivida por Eva Wilma em Roda de Fogo, novela de Lauro Cesar Muniz e Marcilio Moraes, levada ao ar entre 1986 e 1987 na Globo.Em 2008, comemorou meio século de carreira com o lançamento de seu 50º disco, Melancolie – Greatest Hits, um registro da apresentação em Roma de sua última turnê. Apesar de tantos anos de sucesso, Roberta – a de carne e osso – é ainda hoje considerada celebridade na imprensa italiana pelo papel que teve na vida e, principalmente, na obra de Di Capri.

Seu 50º disco, Melancolie – Greatest Hits, foi lançado em 2008 para comemorar os 50 anos de carreira

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Cinema

O amargo doce da vidaHá 50 anos, a obra-prima de Federico Fellini já prenunciava que a vida mundana não seria nada fácilPor Barbara Heckler Fotos: Divulgação Versátil

Havia dois anos que o plano da criação de uma Cinemateca no Museu de Arte Moderna (MAM) no Rio de Janeiro tinha se concretizado. Dois festivais de cinema internacional já haviam sido realizados na cidade. Dessa vez, como a pujança do cinema político italiano alcançava seu auge com Pier Paolo Pasolini, Vittorio de Sica, entre outros diretores, a escolha foi pela realização do Festival História do Cinema Italiano. Esse tema era um compromisso obrigatório de cinéfilos e estudantes, que assim encheram as poltronas do MAM. No meio do público, estava o ainda desconhecido jornalista e ensaísta José Carlos Avellar, que mais tarde viria a dirigir a própria Cinemateca, além de se dedicar ao cinema integralmente como júri de festivais importantes (como o de Cannes), e tornar-se autor de diversos livros sobre o assunto. Em um daqueles dias, Avellar, que estava então com 25 anos, esperava ansioso as luzes se apagarem e a imensa tela revelar as imagens em branco e preto de mais uma obra do cineasta italiano Federico Fellini: A doce vida (La dolce vita, 1960). Naquele ano de 1960, Fellini já havia galgado sucesso com A estrada e outras tantas produções. Dentro do cinema, toda a plateia, e principalmente os críticos, aguardavam algo grande, mas talvez não tivessem noção de que aquela obra mudaria o jeito de se fazer cinema.O jovem Avellar trabalhava nos veículos cariocas O Jornal e Diário da Noite, e se lembra que

o filme causou tal furor que tanto os críticos de cinema como de outras artes preencheram linhas e mais linhas nas publicações da época, tanto para insultá-lo quanto para elogiá-lo. Essa era a intenção de Fellini: provocar. Logo na primeira cena, surgia a imagem que incomodou muito a Igreja Católica e seus fiéis: a estátua de Jesus sobrevoando, em Roma, as coberturas de prédios onde mulheres tomavam sol em biquínis “ousados”. Adiantado em seu tempo, Fellini criou uma história cujo protagonista é o jornalista Marcello Rubini, um homem que não conseguia manter uma relação monogâmica. O personagem, interpretado pelo galã Marcello Mastroianni, tinha como função correr atrás de furos de reportagem

envolvendo celebridades e membros da elite decadente, atividade que já antecipava um tipo de jornalismo tão comum nos dias de hoje. Seu amigo fotógrafo, de nome Paparazzo, representado pelo ator Walter Santesso, não perdia um clique dos famosos às voltas com situações comprometedoras. Esse nome acabou, por sinal, por se tornar mais do que um apelido, passando a definir um tipo de fotógrafo especialista em invadir a privacidade alheia. O legado deixado pela obra foi além, é claro, da designação desses fotógrafos. O próprio título tornou-se uma expressão internacional. “La dolce vita” remete a um estilo de vida

Uma das cenas mais famosas da história do cinema, a de Marcello Mastroianni e Anita

Ekberg na Fontana de Trevi, representa um encontro de estereótipos: o jornalista em busca de furos de reportagem e a diva hollywoodiana

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O amargo doce da vida com uma doçura superficial de fundo amargo causado pelo excesso de frivolidade da vida mundana. No roteiro quase inteiramente noturno, quem preenche esse cenário são os estereótipos marcantes escolhidos a dedo por Fellini. Em visita a Roma, a diva hollywoodiana Sylvia Rank, interpretada por Anita Ekberg, desfilava em frente aos fotógrafos, causava alvoroços em festas e, na cena mais mítica do filme, entrou na Fontana di Trevi com o encantado jornalista Marcello.Avellar pontua o grande feito de Fellini ao criar o personagem Steiner, vivido por Alain Cuny. Pai de família, ele é o contraponto de seu colega Rubini: tinha um objetivo bem definido de vida e uma paixão pela disciplina. Gostava do compositor erudito Bach, do pintor Modigliani e constantemente fazia em sua sala de estar uma reunião de intelectuais. A trama muda quando, sem um motivo explícito, ele se suicida após ter matado os dois filhos dentro da própria casa. Suicidando-se, morria junto a esperança de uma vida mais inteligente, segundo a interpretação de Avellar. A perturbação também suscitava um tipo de reflexão incomum no público acostumado com o “happy end”. “Há uma clara negação da construção dramatical convencional daquela época. Ela deixa de ser um ‘dar exemplo’ ao espectador, causando-lhe uma sensação de alívio pela solução dos problemas por si só”, afirma Avellar. A inovadora linha de A doce vida foi construída como se fosse composta de pequenos filmes independentes, com três horas entremeadas de diferentes histórias: a das duas crianças no subúrbio que fingiam ter visões da Virgem Maria; a da festa dentro de um castelo de aristocratas decadentes; a do final enigmático da arraia gigante na areia da praia, entre outras. “Houve uma evolução pessoal de Fellini nessa obra, do neorrealismo para a expressão autoral, com caricaturas, em estilos circenses”, explica Avellar. O marco de A doce vida está no roteiro complexo e na escolha de personagens expressivos que, apesar de retratarem a vida italiana daquela época, eram representações pitorescas e não um espectro puro do real. Fellini ganhou a Palma de Ouro em Cannes por unanimidade do júri, algo inédito até então.Aos 74 anos, José Carlos Avellar acredita que, além de tudo, o que faz de A doce vida um clássico é sua capacidade de ainda gerar interpretações mais ricas do que as realizadas há 50 anos. Para o jornalista, a imortalidade das obras do diretor italiano está exatamente na personalidade própria e na riqueza de cada um de seus filmes, que não

Em comemoração aos 50 anos de A doce vida, o Museu Nacional do Cinema de Turim, na Itália, exibiu a mostra Gli anni della Dolce Vita, realizada de janeiro a março deste ano. Foram expostas fotos dos bastidores da obra, algumas inéditas, captadas por Arturo Zavattini, câmera do filme e fotógrafo. Zavattini produziu imagens reveladoras e não autorizadas de momentos de descontração e concentração de Federico Fellini e seu elenco. Foi o próprio “paparazzo” do criador da expressão.

Federico Fellini lendo o roteiro durante a noite, período em que se passam praticamente todas as cenas do filme

O assistente de câmera Ennio Guarnieri, a atriz e cantora Nico (que anos mais tarde se tornaria a vocalista da banda Velvet Underground) e Federico Fellini numa pausa das filmagens

deixam de guardar, também, uma marca fellianiana: a dramaticidade sem deixar a veia cômica e a extravagância de personagens e cenários.

Um paparazzo nos bastidores

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Perfil

Gramsci: um pensador inquieto e um ativista de coraçãoO jornalista e militante Antonio Gramsci destacou-se no cenário político italiano do século XX. Legou aos movimentos de esquerda inúmeros cadernos e cartas recheados de reflexões; porém, acima de tudo foi um humanista e defensor da democracia

Gramasci, Granusci, Grámisci... Antonio Gra-msci era confundido pelos mais diversos nomes. Esse homem de pequena estatura, medindo apenas um metro e meio, nascido na desafortunada Ilha da Sardenha, mais precisamente em Ales, na província de Cagliari, era conhecido, nas décadas de 1920 e 1930, por um círculo ainda estreito de intelectuais e engajados políticos. De lá para cá, agigantou-se de tal forma que sua figura continua no rol de estrelas da intelectualidade a influenciar os movi-mentos políticos na Itália, no Brasil e no mundo. Carinhosamente apelidado pela família de Nino, o quarto dos sete filhos de Francesco Gramsci e Giuseppina Marcias nasceu em 22 de janeiro de 1891. Sua saúde débil exigiu que aos quatro anos fosse submetido aos cuidados de uma babá: desde criança, Nino apresentava uma deficiência física na coluna vertebral, uma corcunda, cuja causa, suspeita-se hoje, talvez tivesse sido a doença de Pott (ou tuberculose vertebral), um tipo de tuberculose óssea diag-nosticada décadas mais tarde, no período em que ficou encarcerado. Somadas a essa dificul-dade, as privações eco-

nômicas levaram a família de Gramsci a viver sob condições muito penosas.Em 1911, no entanto, Nino ganhou uma bolsa de estudos que lhe permitiu ingressar na Faculdade de Letras e Filosofia de Turim, onde nasceu seu inte-resse pela área da linguística. Engajou-se nos mo-vimentos literários e políticos da cidade, e entrou para o Partido Socialista Italiano (PSI) em 1913, atitude que fez acender nele o jornalista militante que desistiria do diploma de Letras para se en-volver mais intensamente com política. Dois anos depois, começou a trabalhar na redação turinense do jornal Avanti!, órgão do PSI, escrevendo sobre teoria política. Colaborava também com artigos e notas para o Il Grido del Popolo, do qual se tornou

dirigente pouco depois, ressaltando o caráter socialista da Revolu-ção Russa (1917). Em 1919, fundou o perió-dico L’Ordine Nuovo, uma publicação dedi-cada à “cultura socialis-ta”, como enfatizava o subtítulo. O escopo do jornal era servir de ins-trumento de investiga-ção cultural e também como um órgão de luta política, ligando-se ao movimento turinense dos chamados con-Da esquerda para a direita, Gramsci é o primeiro

menino, à época, com 5 ou 6 anos (foto de 1905)

Por Fernanda Quinta Fotos: Fondazione Istituto Gramsci Ilustração: Milton Costa

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selhos ou comitês de fábrica (comissioni interne), voltados essencialmente para o opera-riado. Gramsci participou da cisão do PSI, em 1921, momento decisivo para o surgimento do Partido Comunista Italiano, o PCI, em Livorno, do qual foi um dos cofundadores e diri-gentes. Foi enviado em 1922 para Moscou como represen-tante do partido na Interna-cional Comunista (ou Komin-tern, organização internacional fundada por Vladimir Lenin para reunir os partidos comu-nistas dos diversos países). Lá conheceu a violinista e futura esposa Giulia Schucht, com quem teve dois filhos, Delio e Giuliano – depois de preso, Gramsci não viu mais Delio e só conheceu o segundo filho por meio de cartas e fotos. Em 1924, foi eleito para o Parlamento, lutando contra o movimento fascista, que recru-descia na Itália. A conjuntura mundial tensionava dia após dia. Enquanto o nazifascismo triunfava na Europa dos anos 30, o stalinismo ascendia na União Soviética. Foi nesse contexto que as questões levantadas pelo filósofo ganharam ainda mais voz, ameaçando com ideias revolucionárias o governo vigente. Por fim, a Itália assistiu ao golpe de Estado fascista, uma dura derrota para os partidos de esquerda, para o jornal L’Ordine Nuovo, para os conselhos de fábrica e, sobretudo, para Gramsci, que, com a proibição do PCI pelo regime de Benito Mussolini, e apesar de sua imunidade parlamentar, chegou a ser detido em fins de 1926. Após ser mantido num confinamento na Ilha de Ustica, ao norte da Sicília, e, em seguida, no cárcere de Milão, foi julgado e condenado em Roma, no ano de 1928, pelo Tribunal Especial para a Defesa do Estado, que determinou a reclusão do pensa-dor a 20 anos, 4 meses e 5 dias na penitenciária de Turi, província de Bari, onde ficou até 1933. Ainda como preso político, Gramsci foi transferido para uma clínica na cidade de Formia por conta da saú-de precária; mesmo após a concessão da liberdade

condicional no ano seguinte, o quadro piorava dia a dia. Morreu na clínica Quisiana, na capital italiana, em 27 de abril de 1937.O ideário gramscinianoO ideal gramsciniano era promover uma revolu-ção proletária. Assim, defendia a tomada de poder pelos cidadãos-trabalhadores; porém, uma tomada que fosse precedida pela formação de uma cultura permeada por valores socialistas e democráticos. Enquanto a maior parte dos intelectuais de esquer-da concentrava-se em analisar as relações entre po-lítica e economia, dando continuidade ao trabalho do alemão Karl Marx, Gramsci deteve-se a estudar o papel da cultura e dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Para ele, esses intelectuais advindos da classe ope-rária deveriam formular a estratégia que romperia com a hegemonia da classe dominante (burguesia) e elaborar os fundamentos para a consolidação das classes trabalhadoras, atuando como os agentes mais importantes de todo esse processo. A escola

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era vista como o instrumento mais eficaz de trans-formação. Segundo o historiador Alfredo Bosi, Gramsci “buscava o justo meio entre a conquista da liberdade responsável e a necessidade de uma disciplina intelectual e ética capaz de cumprir as tarefas de construção de uma república a ser er-guida pacientemente sobre os escombros de um mundo caduco”. Foi Gramsci quem trouxe à tona da discussão pedagógica o con-ceito de “cidadania”, afirmando ser um dever da escola tornar o aluno um cidadão. O legado do cárcereMesmo encarcerado, Gramsci não abandonou seu ritmo de in-telectual engajado, concentran-do-se em um plano de estudos para si. Nos dez anos seguintes, passados longe da esposa Giu-lia e dos filhos, que viviam em Moscou, escreveu assiduamente 2.500 páginas - escritas à mão em 33 cadernos - e uma quanti-dade enorme de cartas destina-das a familiares. Foi assim que comunicou a Tatiana, irmã de Giulia, que havia se comprome-tido a pesquisar sobre a história dos intelectuais italianos, a es-crever um estudo de linguística comparada, a fazer um estudo sobre o teatro de Pirandello e

a redigir um ensaio sobre os romances de folhetim. “Estou atormentado por esta ideia: de que é preciso fazer algo für ewig (para sempre)”, escreveu resoluto. Tatiana era quem mediava o envio de cartas entre Gramsci e seus interlocutores. Um destes foi Piero Sraffa, autor de Pro-dução de mercadorias por meio de mercadorias, um dos mais célebres textos de economia do século XX. Quatro dos cadernos foram preenchidos por traduções, principalmente do alemão e do inglês, vertendo Marx, Goethe, os irmãos Grimm, entre outros. Os escritos gramscinianos desse período

foram posteriormente chamados de Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere. A primeira edição das Cartas foi publicada em 1947, seguida pelos volumes dos Cadernos, divididos, inicialmente, nos temas: O materialismo histórico e a filosofia de Benedetto Croce (1948), Os intelectuais e a organi-zação da cultura (1949), O Risorgimento (1949), Notas sobre Maquiavel, a política e o Estado mo-

derno (1949), Literatura e vida nacional (1950), Passado e presente (1951). A maior parte desse seu legado, publi-cado postumamente após a Segunda Guerra, foi redigida com uma linguagem cifrada para driblar a censura fascista, modo pelo qual se valia de conceitos como “bloco histó-rico”, “intelectual orgânico”, “hegemonia” e, quando se referia ao marxismo, “filosofia da práxis”.

Para saber mais:

Fondazione Istituto Gramsci, Romawww.fondazionegramsci.org

Gramsci e o Brasilwww.gramsci.org

International Gramsci Societywww.internationalgramscisociety.org

A esposa de Gramsci, Giulia, com os filhos do casal, Delio e Giuliano, em foto de 1933. O pensador só conheceu Giuliano por fotos e cartas, por conta do tempo na prisão e do ativismo político

Já no fim da vida, em 1935, Gramsci tinha a saúde debilitada.

Morreu em 1937, cerca de três anos após ter conseguido liberdade condicional da prisão

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Carta ao filho Delio, a 22 de fevereiro de 1932

Delio querido, gostei do teu cantinho vivo com pássaros e peixinhos. Se os pássaros escapam às vezes da gaiolinha, não deves agarrá-los pelas asas ou pelas patas, que são delicadas e podem quebrar ou luxar, é preciso empunhá-los pelo corpo todo, sem apertar. Eu, quando menino, criei muitos pássaros e também outros animais: falcões, corujas, cucos, garças, gralhas, pintassilgos, tentilhões, andorinhas; criei uma cobrinha, uma doninha, ouriços, tartarugas. Agora te conto como vi os ouriços fazerem colheita de maçãs. Uma noite de outubro, quando já estava escuro, mas esplendia luminosa a lua, fui com outro menino, meu amigo, a um campo cheio de árvores de fruta, principalmente macieiras. Ficamos escondidos atrás de uma touceira contra o vento. Eis que de repente saem de cova os ouriços, cinco, dois maiores e três pequeninos. Em fila indiana se dirigiram para as macieiras, rodopiaram pela grama e depois se puseram a trabalhar, ajudando-se com os focinhos e as patinhas, faziam rolar as maçãs que o vento derrubara das árvores, e as recolhiam em uma clareira bem pertinho uma das outras. Mas as maçãs espalhadas no chão não bastavam; o ouriço maior, de focinho no ar, olhou em volta, escolheu uma árvore muito curva e encarapitou-se nela, seguido de sua mulher. Os dois pousaram sobre um ramo carregado e começaram a balançar-se ritmicamente; os seus movimentos comunicaram-se ao ramo, que oscilou cada vez mais com bruscos abalos, e muitas maçãs caíram no chão. Reunidas também estas perto das outras, todos os ouriços, grandes e pequenos, se arredondaram, com os espinhos eriçados, e se deitaram sobre os frutos que assim ficavam como que enganchados: alguns tinham poucas maçãs espetadas (os ouricinhos), mas o pai e a mãe conseguiram enfiar sete ou oito maçãs cada um. E enquanto estavam voltando para sua cova, nós saímos do esconderijo, apanhamos os ouriços com um saquinho e os levamos para casa. Eu consegui o pai e dois filhotes e os criei por muitos meses, livres, no quintal; eles davam caça a todos os bichinhos, baratas, besourinhos e comiam frutas e folhas de verdura. Gostavam mais das folhas frescas e assim pude domesticá-los um pouco; não se embolotavam mais quando viam as pessoas.(...) Vou-te escrever, outra vez, sobre o baile das lebres e sobre outros animais: quero-te contar coisas que vi e ouvi quando menino: a história do potrinho, da raposa e do cavalo que tinha rabo só nos dias de festa, a história do pardal e do kulak, do kulak e do burrinho, do pássaro tecelão, do urso etc.Te beijo,Papai

Carta à mãe, 10 de maio de 1928Caríssima mamãe,Não quero repetir o que já te escrevi tantas vezes para sossegar-te quanto às minhas condições físicas e morais. Eu queria, para ficar tranquilo de fato, que tu não te amedrontasses nem te perturbasses demais, seja qual for a pena que me derem. Que tu compreendesses bem, e também com o sentimento, que eu sou um preso político e serei um condenado político, que não tenho e não terei nunca de envergonhar-me desta situação. Que, no fundo, a detenção e a condenação eu mesmo as quis, de certo modo, porque não quis jamais mudar as minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar vida e não só ficar na cadeia.Que, por isso, eu só posso estar tranquilo e contente comigo mesmo. Querida mamãe, eu gostaria mesmo de abraçar-te muito apertado para que sentisse quanto te quero bem e quanto desejo consolar-te deste desgosto que te dei: mas eu não podia fazer de outro modo. A vida é assim, muito dura, e os filhos às vezes devem dar grandes dores a suas mães se quiserem conservar a sua honra e dignidade de homens. Te abraço ternamente.Nino.

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Espaço Aberto

O prefeito da Little Italy“Se ele gostou do bairro italiano de Nova York, espere até ele conhecer o de São Paulo”. Foi com essa frase que o prefeito Alfredo Senzali recebeu a notícia de que a capital paulista, por ele governada, seria destino da próxima viagem do primeiro-ministro da Itália, Luigi Sforza.Naquele mesmo dia, o prefeito reuniu seus secretários e mandou-os preparar um grande espetáculo de italianidade para agradar ao visitante. Às vésperas da eleição municipal, calculava o prefeito, mostrar-se descontraído e entrosado a um dos mais importantes chefes de governo seria a oportunidade de se desfazer do apelido de “Alfredo Sem Sal”, martelado pelos oponentes como se fosse um mantra. “Quero um grande palco na Rua 13 de Maio, no coração da Bela Vista, e uns vinte instrumentistas, para tocarem as músicas mais animadas das festas do Bixiga. Peçam aos melhores pizzaiolos da cidade que cozinhem suas receitas mais saborosas, vamos fisgar os visitantes pela barriga. Convidem também os alunos mais brilhantes do Dante Alighieri para recitar belos poemas em italiano. Ah, e convençam o craque do Palestra Itália que estiver no gosto da garotada a vir fazer umas embaixadinhas. O primeiro-ministro vai se sentir mais italiano do que na Itália”, alegrou-se o prefeito.O mês passou rapidamente, em ritmo de campanha, e a dois dias da disputa nas urnas, Luigi Sforza desembarcou em São Paulo. Foi recebido por uma grande comitiva e levado diretamente para a festa. Debaixo do sol calabrês de 1º de novembro, um mundaréu de repórteres, moradores e puxa-sacos aguardava as autoridades. Prefeito e primeiro-ministro sentaram-se lado a lado e Senzali, com o sorriso mais sincero que um treinamento de mídia pode desenvolver, fez sinal para o início da celebração.Logo subiu ao palco um homem negro de dois metros de altura, segurando um bumbo. Em seguida veio outro, com surdo e baqueta na mão, outro com tamborim e assim foi, até formarem uma bateria de escola de samba. Um deles gritou ao microfone: “Canta, Bela

Vista!” e a batucada começou. O povo pôs-se a sambar freneticamente e o prefeito, atônito, chamou discretamente um dos secretários. - Mas o que é isso? Onde está a tarantela?- O senhor mandou trazer instrumentistas que tocassem a música mais alegre do Bixiga, prefeito, chamei a bateria da Vai-Vai...Com um olhar fulminante, o prefeito voltou ao seu lugar e, alguns sambas depois, mandou que entrassem os pizzaiolos. “Chamo ao palco os tricampeões do concurso Pizza Show. Ninguém faz pizzas como eles. São os irmãos Raimundo e Severino!”, bradou o apresentador.O povo aplaudiu dois homens baixinhos, com chapéu de mestre-cuca. Eles habilidosamente começaram a rodar grandes discos de farinha, que logo virariam pizzas de massa fina e recheio abundante.Indignado, o prefeito chegou perto de outro secretário e sussurrou:- Raimundo e Severino? Eu falei em festa italiana ou em São João de Caruaru?- Prefeito, quem o senhor acha que faz pizza em São Paulo, os italianos? Só tem nordestino atrás do forno a lenha. E cá entre nós, eles são ótimos. Prova um pedaço, o senhor vai concordar.Irritado, o prefeito mandou que entrassem os alunos do Dante Alighieri. Uma chinesinha bem jovem, de sorriso tímido e aparelho nos dentes, regulou a altura do microfone e começou a recitar com precisão um longo trecho da Divina Comédia. Foi seguida por uma loirinha mais velha e um garoto magro e desengonçado, mas absolutamente convincente na declamação do poema. Ao final, palmas e um elogio do apresentador. “Parabéns aos estudantes Carolina Shin Ten, Deborah Weinberg e Felipe Abdalla!” O prefeito, que havia se animado um pouco durante a apresentação, enfureceu-se

Por Peri de Castro Ilustração: Milton Costa

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novamente. Cochichou a uma assessora:- Não tem mais família italiana no Dante?- Tem, prefeito, mas os alunos são de várias origens, né? O senhor viu a oriental falando italiano, que gracinha?A assessora logo engoliu o sorriso, diante da reprovação do chefe. Para encerrar a cerimônia, era hora de chamar a estrela do Palmeiras. Empolgado, o apresentador exagerava nos adjetivos.“Convido agora o craque do Palestra Itália, o jogador que encanta a multidão, um gênio da bola... o paraguaio Artero!”A plateia vai ao delírio. Vaias, aplausos e gritos de torcida se misturam. O artilheiro do campeonato entra fazendo gracinha, emenda uma firula com um toque de cabeça e vai agradecendo ao público com gritos de “gracias!”.O prefeito já não via mais nada. Com a pressão baixa, só enxergava as manchetes de jornais ironizando uma festa para italianos em que a maior atração era um craque paraguaio. Paraguaio!Quando o primeiro-ministro quebrou o protocolo e caminhou rumo ao palco para dizer algo, Senzali achou melhor se esconder. Foi sentar-se atrás de um secretário alto e corpulento, para dificultar que os fotógrafos vissem sua reação. Com um

tradutor ao lado, o primeiro-ministro dirigiu-se à plateia cada vez mais numerosa e animada.- Logo que cheguei à cidade de vocês, o prefeito Senzali me disse que eu veria uma festa italiana. Que eu me sentiria mais italiano do que na Itália. Que a “Little Italy” de vocês ia me deixar boquiaberto. Pois eu estou, mesmo, boquiaberto! As imagens da chinesa recitando poemas de Dante ou do paraguaio jogando pelo time italiano resumem exatamente a Itália que eu gostaria de ver. Generosa, aberta às oportunidades da globalização, capaz de manter a paixão pela música, pelas artes, pelo futebol e pela pizza, mas sem se fechar às inovações. Vocês sabem que um dos grandes desafios da Itália hoje é aceitar os imigrantes que chegam ao país e integrá-los sem xenofobia. Acho que hoje aprendemos muito com vocês, ítalo-paulistanos de todas as partes. Parabéns ao prefeito Senzali por esta festa magnífica!O prefeito não acreditou no que ouviu. Meio tonto, tentava se refazer do nervoso que havia passado e, ao mesmo tempo, capitalizar ao máximo com os jornalistas o sucesso do evento. Nas entrevistas, disse que havia planejado o evento nos mínimos detalhes. Tirou fotos com a chinesinha no colo e com o craque Artero pendurado em seu ombro. Fez discursos falando em São Paulo como exemplo para o mundo. Reelegeu-se três dias depois, por uma margem bem apertada, graças aos votos da zona leste.

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Ensaio Fotográfico

Fotos: Arthur Fujii Texto: Marcella Chartier

No ano que vem, o Colégio Dante completará cem anos. Entre tantas formas de comemoração, o que não se pode esquecer é o resgate das memórias. Para isso é que se conta uma história, com começo, meio e fim: para fazer com que alunos, professores e colaboradores de hoje conheçam o valor do passado e dos que viveram, em outros tempos, no quarteirão ocupado pela escola desde 1911. Como nos livros, essa história tem capítulos, tecidos com personagens que construíram seus próprios enredos – ou que, em algumas ocasiões, foram levados pelas forças de um destino imprevisto. Para o Ensaio desta edição da Dante Cultural, o fotógrafo Arthur Fujii passou um dia no lugar

onde mais se guardam histórias em nossa escola: a Biblioteca Central. Dos 60.000 volumes do acervo, cerca de mil títulos são italianos, entre enciclopédias, livros infantis e literatura adulta. Alguns deles são obras raras, como La vita nuova, de Dante Alighieri, editado em 1921, do qual foram impressos apenas 1321 exemplares. O do colégio é o de número 964. Um dos títulos italianos mais antigos, Dante, da coleção Storia Letteraria D’Italia, chegou à escola apenas em 1963, como doação, mas data de 1912 – um ano depois de nossa fundação. Cada uma dessas páginas faz parte do nosso enredo. Mas a história do Colégio ainda tem inúmeros capítulos pela frente.

Contar uma história

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Conto

Ilustríssimo Senhor...

por José de Oliveira MessinaPresidente do Colégio Dante Alighieriex-aluno 1934/1946

Aquela manhã em que deixara sua cidade natal não lhe saía do pensamento. Terminara, na escola, o segundo ciclo e se vira compelido a afastar-se dos seus e de todos para continuar os estudos já no ní-vel universitário.

Na modesta estação ferrovi-ária, onde a parada do trem ocorria uma vez por mês, reuniam-se a família, como-vida, e as não menos tristes amizades mais íntimas, que tentavam, com palavras sem efeito, confortar as lágrimas que brotavam já de saudade do único filho, que então partia para a cidade grande.

O pai, de nome Generosu, e a mãe, de nome Amorosa, eram proprietários de um empório de secos e molha-dos, único estabelecimento do gênero no município de Corumbataí. À época, comerciava-se por meio de cadernetas, em que diaria-mente eram anotadas as compras. No papel, ao lado das espécies, o tanto de mil-réis. No fim do mês, Amorosa, encarregada do somatório, apre-sentava a Generosu os respectivos totais. Este, nos dez primeiros dias do mês seguinte, já deveria ter completado as cobranças. Tal etapa, contudo, não era totalmente concluída. Os inadimplentes eram muitos.

Nesse período, Amorosa, senhora baixota e re-

chonchuda, de rosto bondoso e sorridente, era pro-curada em sua casa térrea, simples, mas bem arru-madinha. Na frente, um pequeno jardim descobria um canteiro de rosas, e um terraçinho abrigava

uma pequena mesa de vime com duas cadeiras.

Era nessa dependência que ela se postava, após a sesta sagrada, à espera das coma-dres e dos compadres deve-dores que lhe vinham soli-citar prorrogação do prazo para o acerto de contas. Não havia muro nem portão. Da calçada, no trecho pavimen-tado com tijolos, entrava-se diretamente na propriedade.

Aqueles dias do mês eram de sofrimento para Generosu. Imigrante italiano saído da região calabresa, viera para o Brasil nos idos de 1920, após a 1ª Grande Guerra, e fora trabalhar na agricultura, conseguindo, com bastan-

te esforço, juntar economias e adquirir o que ele, com entusiasmo, chamava de la bella e sudata mia casetina. Seu linguajar misturava os dois idiomas latinos. Não vejo dificoltà em falare o brasiliano. Seu nome não refletia o seu ser. Não era generoso com ninguém, nem sequer com sua fanciulla Amorosa, a quem recomendava que não tivesse dó de nin-guém. Dizia ele: o debitore não comeu? Por que acato roupa nova? Por que fuma? Por que joga u tre sete? Por que jogou no bicha?... e os porquês deixavam

“À época, comerciava-se por meio de cadernetas, em que diariamente eram anotadas

as compras. No papel, ao lado das espécies, o tanto de mil

réis. No fim do mês, Amorosa, encarregada do somatório, apresentava a Generosu os

respectivos totais. Este, nos dez primeiros dias do mês seguinte,

já deveria ter completado as cobranças. Tal etapa, contudo,

não era totalmente concluída. Os inadimplentes eram muitos.”

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Amorosa desnorteada, sem saber o que fazer. Po-rém, com o jeitinho que as santas mulheres têm de amansar as feras, Amorosa ia contemporizando. Ela era siciliana de Palermo, devota de Santa Rosália. Já havia assimilado a índole das amigas brasileiras. De tudo tinha pena, mormente quando se tratasse de cuidar de crianças e idosos. Man-tinha o dialeto siciliano nas conversas com Generosu (era talvez a razão pela qual ele se expressava mesclando idiomas com dialetos). Em questão de dinheiro, ela era tolerante. As famílias ti-nham muitos filhos. Como poderia ela privar as crian-ças do leite e do pão?

Naturalmente, esses impas-ses geravam atritos entre o casal, que só tinha um mas-chio.

– Vedi, Amorosa, io solo quisi tere un figlio. Pichi ilos non fizerono a stissa cosa? Adesso vano a se queixari pu pároco...

Ela, cabeça baixa, que qui-sera ter tido também uma bambina, mantinha-se em silêncio.

Todo esse cenário vinha à memória de Genarino, que, agora inquilino numa pensão no centro da capital de São Paulo, ingressara na Faculdade do Largo de São Francisco influenciado fortemente por seu pai, que temia gli avvocati. Generosu teria no filho um defensor.

Desde a infância, Genarino fora muito estudioso. Ir à escola, ver outros meninos e meninas – sobretudo para ele, filho único – era um divertimento. Sua assiduidade e comportamento mereciam das professoras contínuos elogios na ca-

derneta escolar. A mesma conduta ele manteve na capital. Apreciava a boemia universitária, mas não se deixava envolver por ela. Fez política, partici-

pou das peruadas e das “penduras”. Fez discur-sos no território livre. Enfrentou a ditadura.

Regularmente, durante os cinco anos do curso, mantinha correspon-dência com a mãe, que sabia modestamente ler, mas magistralmente contar. Quando che-gava carta na estação, Generosu vinha fes-tejando e anunciando: u fighiu escreveu, escre-veu... Amorosa ficava até mais leve, vinha ao encontro do vecchio e, no terracinho do lar, punha-se a ler pausa-damente as notícias. Repetia as novidades, enquanto Generosu, ao saborear as palavras, a interrompia dizendo: come... come... A emoção era muito forte...

Nesse momento, o armazém permanecia cerrado. Nem mesmo as emergências eram atendidas. Todos que passavam diante da casa percebiam que o casal estava em reunião privada, e não ousavam perturbá-lo.

Os cinco anos da acade-mia custaram a passar..., mas passaram. Um dia, enfim, chegou a carta anunciando o retorno do avvocato Genarino.

– Amorosa, Amorosa, guarda u nostru fighiu, come crisciu, tene até, até u bafino, ilo chega, ilo chega... fes-ta, Amo... Generosu percebera que, no interior do

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envelope, havia uma coisa mais grossa. Não teve paciência, e logo o abriu por completo. Lá dentro, uma foto do idolatrado fighiu, com a roupa de pre-te! Que coisa estranha, pensou ele. Gená tem que esplicare! Sarà che se enganamos?

A mulher, aflita, ao ler a escrita, ameaçou ter um chilique, mas logo se recompôs, dizendo, com voz meiga: u Genarino chega na Domenica, cu treno das onze horas!

Não é preciso dizer que a notícia correu, e o luga-rejo, com pouco mais de mil almas, alvoroçou-se. O prefeito, o padre e o médico, tão logo ficaram cientes do acontecimen-to, avocaram a si o dever de promover a recep-ção. O alcaide destacou a bandinha para estar presente na estação, que ficaria embandeirada. Era o primeiro filho ba-charel da cidade, que a ela retornava agora como advogado para defender, além dos interesses da família, seus direitos co-munitários. Imagine-se a satisfação dos pais de Genarino.

Chegou o esperado mo-mento. Pode-se dizer que a pequena locali-dade, após a missa com número de fiéis nunca visto, dirigiu-se em bloco para estação, que, lavada, merecera cuidados até nos vidros, cuja transparência passou a permitir que seu chefe divisasse a composição a mais de 200 metros, para além de onde fazia-se soar o toque do apito que confirmaria sua parada. Ao chefe, cumpria-lhe desviar o comboio para os trilhos, girando a chave da entrada que o colocaria no passeio da estação.

A bandinha, com cinco figuras uniformizadas, testava seus instrumentos de percussão e de so-pro, além de fazer o ajuste da sanfona. A tarantela deveria estar presente. A composição era o hino nacional para os descendentes italianos e, portan-to, também para o bacharel Genarino. Todos, no íntimo, desejavam ser os primeiros a gritar: lá vem o trem..., lá vem ele! Mas o alerta veio mesmo do

chefe, que, acostumado a viver mensalmente aquele momento, percebera, à longa distância, a fumaça que começava a tisnar de cinza o ar límpido e fres-co, iluminado pelos raios do Sol ainda não escal-dantes, naquela manhã de regozijo.

Atentos ao sinal, os músicos deram vida aos seus instrumentos, e as senhoras passaram a ajeitar os cabelos e a empertigar os fortes portes. Algumas, mais vaidosas, retocavam o rosto com pó de arroz e carmim (este para colorir as maçãs que haviam empalidecido), e outras, moçoilas (havia pouco ain-da meninotas), mostravam-se ansiosas para rever

o janota que as deixara ainda imberbe.

Aproximava-se a com-posição. O maquinista deu o apito, sinalizando para os carros de boi, charretes, e eventuais muares soltos, que não lhe cortassem a frente. Sem nenhum incidente, ele freou o trem. A libe-ração da pressão do va-por d’água formou uma nuvem branca envolven-do o alegre cenário.

Os pais foram os pri-meiros a abraçar o jovem Genarino. Os beijos da mãe estalavam na face do filho, umedecidos pe-las lágrimas da emoção.

Finalmente, os demais presentes tiveram a oportu-nidade de abraçar e cumprimentar calorosamente o recém-chegado, precedidos, naturalmente, pelo aperto de mão das autoridades maiores – o prefei-to, o médico – e pela benção especial do pároco, que não tiveram muito tempo para fazer perguntas ao novel advogado dada a multidão que acorrera à estação. Por último, aproximaram-se dele as espe-rançosas jovens, procurando conquistá-lo com sor-risos pré-estudados diante do espelho. Não perce-biam, no entanto, que ainda era cedo para qualquer comprometimento do mancebo.

De fato, pensava ele no exercício da profissão e na formação do patrimônio para poder constituir família. O que animara as casadouras foi terem verificado que, na mão direita, o dedo anular não

“O quarto dele estava todo mudado. Os móveis, todos novos: a cama maior,

dois armários (ambos com espelhos ovais), uma mesa de escritório com

cadeira giratória, e todos os utensílios necessários para o profissional

exercer seu trabalho. Lá estava também o bloco de papel sulfite –

com o nome Genarino Scogliomiglo, precedido do título Advogado –, ao lado dos devidos envelopes, em que igualmente se estampavam o nome e o endereço. Sobre a mesa, outra

surpresa: uma maleta escura.”

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exibia sinal de vínculo que o prendesse a algum coração da capital. Os pais de Genarino, durante sua ausência, tampouco escondiam a preocupação com a possibilidade de o jo-vem se precipitar e retornar até casado. Naquele tempo, contavam-se muitas histó-rias a respeito de jovens que haviam deixado seus rincões para estudar nas grandes ci-dades, e que, ao retornarem, apresentavam também outro diploma, a saber, o de famí-lia já em franco progresso.

Portanto, a chegada de Genarino sem compromis-sos dessa natureza, com o rapaz empunhando apenas o canudo de bacharel da faculdade onde estudara Ruy Barbosa, tranquilizou seus pais. Antes de deixar a estação, o jovem advogado lançara algumas palavras de agradecimento aos presen-tes, tratando a todos com as expressões protocolares de Excelência, Ilustres, Minhas Senhoras, Meus Senhores.

– Como ele fala bonito, que educação, o menino ficou diferente!

Chegados ao lar, Generosu foi mostrar ao filho as novi-dades. O quarto dele estava todo mudado. Os móveis, todos novos: a cama maior, dois armários (ambos com espelhos ovais), uma mesa de escritório com cadeira gi-ratória, e todos os utensílios necessários para o profissio-nal exercer seu trabalho. Lá estava também o bloco de papel sulfite – com o nome Genarino Scogliomiglo, precedido do título Advogado –, ao lado dos devi-dos envelopes, em que igualmente se estampavam o nome e o endereço. Sobre a mesa, outra surpresa:

uma maleta escura.

Genarino, curioso, quis saber o que era. Generosu, percebendo o olhar in-terrogativo do filho, lhe disse: apri, apri, vedi a tua arma di lavoro! As-sustado com a palavra “arma”, pois sabia que o pai tinha sangue quen-te, abriu a fechadura e, ato contínuo, sorriu: lá estava realmente o prin-cipal instrumento para o advogado, a máquina de escrever. Ambos se abraçaram, tudo sob o olhar maternal de Amorosa. O grande dia terminou e, noite já fei-ta, todos se recolheram.

O dia amanheceu com o trinar dos canarinhos engaiolados no terraço da casa. No pequeno jardim, os lírios atraíam beija-flores. Café com leite, pão, manteiga e queijo com goiabada es-peravam por Genarino, que se levantaria mais tarde, bem depois de seus pais. Generosu fora cedo ao armazém, onde todos perguntavam por seu filho. As mães das preten-dentes naturalmente queriam saber se o filho tinha namorada. Para elas, as respostas eram azedas, com o propósito de tirar qualquer espe-rança das interessadas. Com seus botões, o pai pensava: ma su loqui questa gente, o avvoca-to tene che guadagnar i

soldi... Generosu estava preocupado porque o filho não aparecia... Onze horas, anunciavam os sinos da igreja.

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Mas, sem mais tardar, surgiu o advogado.

– Fighiu, fighiu, trasi, trasi, che giogia. Benção pedi-da pelo filho, abraço apertado.

– Sape, u papà giá ti arranjou mutas questiones.

Não entendendo bem aquela colocação, dr. Gena-rino pediu mais explicações ao agitado pai. Este, então, apresentou-lhe uma caixa de sapatos em que estava arquivada mais de uma centena de caderne-tas de devedores do armazém.

– Mio fighiu, ilos mangiam, bebeno, e non pagano. A mamma Amo dilos desistiu, ma io nó!

Assim, com um sorriso estampado no rosto en-rubescido, deixou nítida sua satisfação em ser o primeiro cliente do fighio bello du papà.

Dr. Genarino ponderou ao pai se não seria falta de ética a determinação de contrariar a mamma, que, segundo dava a entender, havia perdoado os deve-dores.

Generosu, visivelmente perturbado, pediu-lhe que explicasse quem era afinal essa tal de ética que ele não conhecia e que não morava na cidade.

Percebendo que não po-deria chegar a bom termo qualquer tentativa de esclarecer o papà, o advoga-do desconversou e, para contentamento do outro, preferiu aceitar a causa, indicando ao papà quais seriam as primeiras providências processuais.

Genarino havia aprendido que, nas questões de co-brança, inicia-se a ação sempre procurando a parte contrária por meio de uma correspondência cortês, e orientando-a a comparecer ao escritório a fim de tomar conhecimento do que se trata. O mérito seria exposto no momento do encontro, visto que, se a correspondência fosse extraviada e aberta por terceiro, o remetente poderia ser até processado, por divulgar fato que pudesse ferir a personalidade

do destinatário.

Com essa orientação segura, cujos pormenores não adiantava transmitir ao pai, o advogado aceitou a causa. Com a caixa de sapatos em baixo do braço, dirigiu-se para seu quarto-escritório e deu início ao trabalho profissional.

Por três dias não arredou o pé de casa. Era apenas interrompido pela mamma para o café da manhã, pastos e lanche da tarde, quando ela, preocupada, pedia ao filho que fosse tomar um pouco de ar na praça da Matriz. Sua intenção era que ele fosse ver as normalistas, cujas mães perguntavam o que ha-via acontecido com Genarino, que não se via...

Ele, porém, primando pela responsabilidade, ignorava tais apelos.

O pai, por seu turno, es-tava feliz. Quando lhe perguntavam pelo filho, respondia que ele estava escrevendo à máquina... todos teriam uma surpre-sa!

– Generosu, dizia Amoro-sa, o menino fica doente se não toma ar e sol.

– Non si preocupe, amore mio, ilo lavora pra nóis...

Afinal, ele havia investido com sacrifícios na educa-ção do fighiu. Chegara a hora da retribuição.

Veio, então, a manhã do quarto dia.

L’avvocato Genarino levanta-se, cuida da higiene matinal e, na companhia da mamma, prende u café cu biscota. Não aceitou as guloseimas que se pos-tavam ao lado da xícara, pois, com a barriga cheia, poderia ter um mal-estar durante a leitura que de-veria fazer da centena de cartas datilografadas, ou durante a conferência da documentação a ser feita sob os olhares atentos do confiante primeiro clien-te, que afinal o colocara para resolver um mundo de causas.

Lá vai ele confiante, passando pelas ruas em di-reção ao armazém de secos e molhados. Sisudo,

“Então, o advogado Genarino, endireitando a gravata, pegou do chão a pasta cartonada, retirou e abriu um envelope, e iniciou

a leitura do texto: Corumbataí, dia tal, ano tal. A seguir, titulou

o devedor, chamando-o de “Ilustríssimo Senhor”, e, após

a citação do endereço, iniciou a carta com “Vossa Senhoria fará o obséquio...” Nesse momento, foi interrompido raivosamente

pelo pai, que, perplexo, lhe pediu que repetisse o início da litra.”

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cabeça baixa, arqueado com o peso de uma pasta de arquivos cartonada, traz também consigo a mala de mão, já um pouco surrada, que usara ao tempo de estudante universitário. Eis que chega para um novo e caloroso abraço de Generosu.

– Fighiu, fighiu, quantu lavoro che papà ti desi, ma non si scorda è per tuo bene...

Conduziu o filho até o fundo do empório, onde havia uma mesa com al-gumas garrafas de vinho e caixas de figos secos italianos – era a véspera do Natal –, o que dei-xava pouco espaço para depositar o material que Genarino portava, obrigando-o a colocá-lo no chão.

Acomodados cada qual em uma cadeira pouco confortável, Genarino informou ao atento Ge-nerosu que já havia redi-gido as reclamadas cartas e que caberia então ao papà dar-lhe o dinheiro, para serem despachadas ao Correio.

Generosu, porém, estava sem jeito de pedir ao fi-ghiu que lesse o texto da litra. De algum modo, poderia parecer que esta-va duvidando do avvocato fighiu mio. Enchendo-se, todavia, de coragem, e com voz mansa, pergun-tou ao avvocato se pode-ria ler para ele o teor da carta.

Com humilde expressão, como quem pedisse per-dão em dialeto ítalo mesclado ao falar brasileiro, atreveu-se a dizer:

– Fighiu, sarà que pote lere para mia u che ussia scris-se?

Genarino não pensou duas vezes e disse:

– Si, papà...

– Ooo! Fighiu mio, come sei buono. Liegi, liegi che ti sentirò...

Então, o advogado Ge-narino, endireitando a gravata, pegou do chão a pasta cartonada, retirou um envelope, abriu-o e iniciou a leitura do texto: Corumbataí, dia tal, ano tal. A seguir, titulou o devedor, chamando-o de “Ilustríssimo Senhor”, e, após a citação do ende-reço, iniciou a carta com “Vossa Senhoria fará o obséquio...” Nesse mo-mento, foi interrompido raivosamente pelo pai, que, perplexo, lhe pediu que repetisse o início da litra.

Não atinando com o porquê do pedido do pai, repetiu com solenida-de as mesmas palavras, imaginando que fosse elogiado... Afinal de con-tas, o tratamento era de primeira!

Em todo caso, houve um elogio, mas nos seguintes termos:

– Ferma, fighiu, ferma, fighiu..., ferma. Você fu para a Facoltà di Diritto e aprendeu tutto storto. Sug-nu perduto! Come pode di-zere, fighiu, que tudos issos farabutti, caloteros sono “Ilustrissimos Signori”?

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Gastronomia

Por Silvia Percussi Fotos: Tadeu Brunelli

Terra da carne e dos ensacadosNa região de Marche se conjugam as influências das tradições gastronômicas provenientes do Norte e do Sul da Itália. Os sabores das cozinhas da Emília-Romanha e da Umbria reverberam de maneira clara no receituário marchigiano. São dois os aspectos da cozinha local, correspondentes às características geográficas da região: o da cozinha de entroterra (do campo) e da cozinha marittima (do litoral).O aspecto campestre da cozinha marchigiana é dominado pelas trufas, ali presentes com qualidade muito apreciada. Quando se juntam com os funghi, eles protagonizam um prato chamado “vincigrassi”, uma espécie de lasanha espessa temperada com miúdos, coberta com molho branco e assada ao forno. Os pratos fortes são à base de carne, entre os quais se sobressai a “porchetta” (o leitão). A criação de suínos permite grande variedade de ensacados. Os presuntos defumados da cidade de Fabriano são salgados, em seguida lavados com vinagre, e depois temperados com pimenta do reino preta. Ainda em Fabriano, é produzido um salame especial, derivado exclusivamente da carne de suíno negro. Muito renomada é a copa marchigiana, obtida da carne da cabeça do suíno, e aromatizada com amêndoas e erva-doce selvagem.As azeitonas all’ascolana são provavelmente a iguaria mais representativa da cozinha marchigiana. Sua fama, em parte decorrente do generoso

tamanho, mantém-se viva desde a Roma antiga. Na receita típica da região, elas são primeiro descaroçadas e, em seguida, recheadas com carne moída, ovos, queijo parmesão e aromas diversos. Depois, são passadas no ovo batido e na farinha de rosca e, por fim, fritas em óleo quente. Em Marche é também criada uma raça bovina muito similar à raça chianina (presente na

Toscana), que origina pratos especiais. Os mais famosos são os tournedos alla Rossini, um prato símbolo de Pesaro. Em Urbino, é a braciola com vinho branco que se destaca. Já no litoral, podemos degustar uma enorme quantidade de produtos típicos. O prato-símbolo é o brodetto di mare (caldinho do mar), do qual cada cidade possui sua versão particular. Abundam os crustáceos, os frutos do mar e o peixe-azul,

temperados com ervas aromáticas e azeite virgem. O stoccafisso - espécie de bacalhau preparado em úmido com batatas ou in potacchio, como se diz por lá - é assado com tomates, anchovas, alho, alecrim, salsinha e pimenta calabresa.Os doces são à base de amêndoas e frutas secas. O mais popular é o frustingolo, feito com passas, figos secos, nozes, amêndoas e chocolate amargo. Depois vem o calzoni, com recheio de limão, queijo pecorino e açúcar, e as beccate, com amêndoas, pinoli e nozes.

“São dois os aspectos da cozinha local,

correspondentes às características geográficas

desta região: o da cozinha de “entroterra” (do campo) e da cozinha “marittima” (do litoral).”

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Receitas

Tournedos alla RossiniINGREDIENTES

4 fatias espessas de filé-mignon4 fatias de pão de forma no mesmo formato da carne50 g de patê de foie gras1 trufa negra pequenaManteiga½ copo de vinho Marsala ou MadeiraSal e pimenta a gosto

MODO DE PREPARO

Frite a carne em uma frigideira com manteiga, deixando os filés bem malpassados, mas com a superfície dourada. Tempere com sal e pimenta, e os reserve, aquecidos.Acrescente, na mesma frigideira, as fatias de pão. Retire e aqueça então, também na mesma frigideira, a trufa em lâminas.Corte o patê em fatias no mesmo formato da carne. Sobre as fatias de pão, coloque os filés. Por cima, o patê, e finalize com a trufa.Regue a frigideira com o vinho e deixe-o evaporar. Junte manteiga e sirva o molho sobre a carne.

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FrustingoloINGREDIENTES

250 g de figos secos50 g de amêndoas sem pele50 g de nozes50 g de avelãs sem pele30 g de pinoli50 g de chocolate para cobertura50 g de mel50 g de farinha de sêmola50 g de passas4 colheres de azeite3 colheres de farinha de rosca30 g de frutas cristalizadasRaspas de um limãoRaspas de uma laranja½ xícara de café1 colher de cacau em pó1 pitada de canela em pó, cravos-da-índia, gengibre1 copinho de rum7 a 8 cerejas ao marasquino

MODO DE PREPARO

Deixe as passas de molho em água. Pique grosseiramente os figos, as nozes, as avelãs, o chocolate e as amêndoas, reservando algumas para decoração.Coloque tudo em um recipiente e misture com as raspas, o mel, as frutas cristalizadas, as farinhas e o cacau. Comece a trabalhar a massa com o café, a canela, o gengibre, e os cravos em pó. Incorpore o rum e o azeite. Trabalhe bem a massa e, se julgar necessário, acrescente mais rum e mais azeite. O objetivo é preparar um composto sólido, mas macio. Coloque a massa em uma forma forrada com papel de forno e nivele tudo com uma espátula. Asse a 180°C durante 30 minutos. O doce deverá ficar bem corado (marrom). Retire do forno e deixe esfriar. Decore com pinoli, cerejas, nozes e amêndoas.

Olive all’ascolanaINGREDIENTES

Para o recheio:500 g de azeitonas-verdes grandes sem caroço em salmoura100 g de carne bovina100 g de carne suína100 g de carne de frango ou peru50 g de presunto cru100 g de parmesão ralado1 colher de sopa de extrato de tomate1 colher de sopa de salsinha picada1 talo de salsão1 cenoura½ cebola30 g de miolo de pão2 cravos-da-índiaNoz-moscada a gosto1 ovo inteiro e mais 1 gema½ copo de vinho branco seco

Para a casquinha:Farinha de trigoFarinha de rosca2 ovos inteirosAzeite virgem

MODO DE PREPARO

Triture os três tipos de carne e o presunto e os refogue, com a cebola, o salsão e a cenoura, em uma a três colheres de azeite. Junte os cravos-da-índia, o extrato de tomate, o sal, a pimenta, regue com o vinho e deixe evaporar.Retire do fogo e deixe esfriar. Em seguida, passe tudo no moedor de carne ou no processador, e acrescente o ovo, a gema, a noz-moscada, o parmesão, a salsinha e o miolo de pão, e faça uma massa homogênea. Regule o sal.Recheie as azeitonas com a mistura. Prepare três vasilhas: uma com farinha de trigo, uma com farinha de rosca e uma com os ovos batidos. Passe cada azeitona recheada primeiro na farinha, depois no ovo e em seguida na farinha de rosca. Quando estiverem todas prontas, deixe-as descansar por 30 minutos.Frite-as em azeite quente dourando-as por igual, escorra, leve a um prato com papel absorvente e sirva-as ainda bem quentes.

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Jovem Chef

Saborosa e saudávelPor Silvia Percussi Foto: Tadeu Brunelli

Pipoca: em tupi, quer dizer milho que faz barulho. Você deve estar indagando: mas uma receita de pipoca? Sim, alimentos de lanche são importantes e a pipoca encabeça a lista dos que fazem bem à saúde e de que quase todo mundo gosta. Com poucas calorias e muito pouca gordura (se estourada com ar quente),

ela também tem a vantagem de ser um dos alimentos para a hora do lanche com maior quantidade de fibras. Um saquinho tem cinco vezes mais fibras do que a mesma porção de alface. Por isso, não deixe para comer pipoca só no cinema! Veja abaixo uma receita de pipoca sem óleo.

PipocaINGREDIENTES

1 xícara de café de milho para pipoca1 saco de papel de pãoSal a gosto

MODO DE PREPARO

Coloque o milho no fundo do saco e ajeite para ficar uma camada fina. Enrole a abertura do saco dobrando algumas vezes, para garantir que está bem fechado, mas deixe espaço suficiente para o milho estourar.Leve ao microondas na potência alta, por cerca de 3 minutos, até estourar tudo. Despeje em uma vasilha e tempere com sal. Ou, se desejar fazer uma pipoca mais gastronômica, tempere com fondor, fica uma delícia! Obs: Se quiser fazer pipoca doce, use gelatinaem pó de qualquer sabor. E se achar que o doce da gelatina é pouco,misture ao pó um pouco de açúcar, coloque dentro do saco junto com o milho, e só depois leve ao microondas.

* Recomendamos a supervisão de um adulto

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Turismo

Entre o mar e os ApeninosMarche preserva heranças de diversas raízes em um território limitado por belas colinas, à esquerda, e pelo litoral do mar Adriático, à direitaPor Edoardo Coen Fotos: Agência Nacional Italiana de Turismo (Enit)

As colinas são marca registrada de Marche. Na foto, a cidade de Ancona, capital administrativa da região

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Desta vez, nossa viagem nos leva para Marche, na área central da península italiana.É uma região onde predomina a colina, e cujo litoral, banhado pelo mar Adriático, lhe determina o sistema viário, já que a autoestrada A-14 a percorre beirando-lhe as praias.É uma terra cheia de pequenas localidades, com burgos encravados nas alturas de seus montes, e onde a vida dos moradores ainda se rege pelas antigas tradições.Marche nasceu como unidade étnica na idade do ferro. Desde aquela época, era habitada pelos picenos e, em 268 a.C., passou a fazer parte do estado romano. A partir da queda deste, assumiu o nome de Marca d’Ancona.No século X, já estavam unificados vários territórios de fronteira (as “marcas”, do alemão mark), como o de Camerino, de Ancona e de Fermo, então localizados na composição jurídica do Sacro Império Romano. Em 1861, com a anexação da região ao Reino da Itália, tiveram a denominação novamente alterada, vindo a chamar-se oficialmente Marche — e a palavra logo passou, em italiano, a ser usada no plural, para lembrar as primitivas marcas definidoras dos limites geográficos.AnconaA primeira etapa da nossa visita é Ancona, a capital administrativa da região. Fundada pelos gregos de Siracusa em 387 a.C., levava o nome de Ankon, palavra grega que significa “cotovelo”. De fato, a cidade surgiu num promontório que se lança ao mar, assumindo assim uma forma que lembra justamente a de um cotovelo dobrado. Porto de mar importantíssimo

durante a Idade Média, foi uma república marinheira, como Veneza, Genova, Amalfi e Pisa. Um dos mais admiráveis símbolos da cidade, o Domo de S. Ciriaco, erigido no século XIII, constitui nítido exemplo da arte românica mesclada a elementos bizantinos e góticos. Foi construído sobre a área de um templo grego (dedicado a Afrodite) do século I a.C., edifício cujos restos podem ser visitados no subsolo da igreja. Outro monumento que merece a nossa admiração é a Igreja de S. Maria de Portonovo, em estilo românico. Desperta a atenção do visitante por sua planta singular e pelo fato de se encontrar

aos pés do monte Conero, quase à beira da praia.Mas Ancona não é rica apenas em igrejas. Do tempo da dominação romana, quando representava o porto principal, voltado para o comércio com o Oriente, temos o estupendo Arco de Trajano, de 156 d.C. A Idade Média se faz presente com vários edifícios, como o Palácio do Senado, do século XIII, com sua magnífica fachada românica, e o Palácio dos Anciões, de 1250, concebido no puro estilo gótico.Chegamos agora à Praça do Papa, bem no centro dos bairros mais antigos da cidade. Na verdade, o nome oficial é Praça do Plebiscito, mas ela é chamada de “do Papa” por conta de uma estátua de Clemente XII situada bem ao centro. Como em todas as praças medievais, nela aparecem os símbolos dos dois poderes então majoritariamente constituídos: o Palácio do Governo e a Igreja de S. Domingos.

Para uma agradável visita, o leque das localidades que Marche nos oferece é vasto: Ascoli Piceno, Macerata, Senigallia, Camerino, Pesaro, Urbino e outros, além de San Marino (a mais antiga

Entre as heranças romanas está o Arco de Trajano, de 156 d. C., localizado em Ancona,

que na época era a porta para o Oriente

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República independente no mundo, que, embora não pertença à Itália, está encravada em território italiano). Decidimos assim penetrar nos pequenos povoados, cuja antiga estrutura persiste, conservada por seus moradores – que, apesar do gosto pela tradição, não recusam a modernidade.IesiA poucos quilômetros de Ancona, surge Iesi. Nela, existem traços de um passado multissecular, muito embora associados a sinais do expansionismo moderno. Isso sem falar no núcleo fechado pelas muralhas medievais do século IV, cujos contornos ainda seguem as diretrizes do antigo traçado romano, já que Iesi, desde 257 a.C., fazia parte dos domínios de Roma. O bairro mais antigo pode ser reconhecido na área limitada pela Porta dos Artilheiros e pelo Arco do Magistrado. A cortina das muralhas que o caracteriza é intercalada por poderosos torreões, nos quais se apoiam residências de tal modo distribuídas que transformam essas fortificações em novos caminhos urbanos. Penetrando no interior do bairro, percorrendo ruelas estreitas, chegaremos à Praça de Frederico II, na qual aparecem o domo já referido, o complexo de S. Floriano e os palácios barrocos Ripanti e Belleani, conjunto ao qual se somam ainda a Fonte das Leoas e o Obelisco Central, que imprime uma característica monumental ao conjunto.Não podemos deixar de fazer uma visita ao Palácio Pianetti-Tesei, uma singular interpretação do barroco-rococó, onde podem ser admirados um jardim à italiana e a galeria dos estuques, além da Pinacoteca Municipal, sediada no local.GradaraPela estrada litorânea, rumamos em direção ao norte. Passando por Sinigallia e por Pesaro, chegamos em Gradara, edificada sobre as colinas do Vale do Tavallo. Gradara é realmente uma

janela aberta para a Idade Média. O trágico caso de amor de Francesca da Rimini e Paolo Malatesta, que Dante imortalizou na sua Divina Comédia, deu-se justamente no castelo do burgo. Percorrer o centro histórico, fechado pelo círculo das muralhas recobertas de hera, com suas ameias perfeitamente conservadas, desperta

no visitante um sentimento que o transporta ao passado.Esse antigo vilarejo — que chegou a ser ocupado pelos romanos, os quais lhe deram o nome de Grata Aurea (do latim, significando “clima ameno”) — foi, por volta do ano 1000, sede da paróquia de S. Sofia. Entre as famílias que lhe tiveram domínio, a dos Griffo celebrizou-se pela construção de um grande torreão, para o estabelecimento de um completo sistema defensivo. Em seguida, o burgo viveu sob a autoridade dos Malatesta (até o século XV), aos quais sucederam os Sforza e os Della Rovere. Posteriormente, passou a fazer parte do Estado da Igreja.As poucas ruas do interior da cidadezinha, inteiramente pavimentadas com pedras, são organizadas em volta de um espigão principal e ladeadas por casas antigas bem conservadas. Lojas e restaurantes, comuns nessas ruas, dão mostra da transformação turística da localidade.A principal atração, no entanto, é o edifício da Fortaleza (Rocca), onde se ingressa por uma ponte elevadiça. Ali, severos e despojados ambientes se mesclam, a exemplo de uma sala destinada ao guardas, uma masmorra, alguns salões suntuosos e um quarto não menos imponente — este último, aliás, ao que a tradição indica, foi o local onde ocorreram os encontros entre Paolo e Francesca. Aos viajantes que tiverem mais tempo, uma recomendação: as cidades de Urbino, Fano,

O Domo de S. Ciriaco é um dos monumentos mais belos da cidade. Sob a construção, que data do século XIII, estão ruínas de um templo grego dedicado a Afrodite,

as quais podem ser visitadas pelos turistas

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Pesaro e Ascoli Piceno guardam verdadeiros tesouros de arte. Em Urbino, especialmente, a grandiosidade do renascimento italiano se revela com a imponência do Palácio Ducal e com a Galeria Nacional, que guarda telas de Rafael, Ticiano e Piero della Francesca. É também lá que fica a casa onde nasceu o grande pintor Rafael. Por outro lado, Ascoli Piceno, erguida em puro estilo medieval e renascentista, conserva a Loja dos Mercantes, a Igreja de S. Francisco e a Praça do Povo, além da arte oferecida pela própria natureza: a visão da costa marítima de Fano, a panorâmica do monte Conero e o cenário do desfiladeiro de Furlo.

Acima, a cidade de Ascoli Piceno, onde as colinas e as construções em estilo medieval e renascentista compõem a beleza de seu cenário. Abaixo, a Igreja de S. Francisco, um dos monumentos da mesma cidade

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Papo Aberto

Por Silvana Leporace - Coordenadora do Serviço de Orientação Educacional do Colégio Dante Alighieri

As famílias do século XXIA família sofreu muitas modificações nas últimas décadas. Hoje, encontramos configurações bem diferentes da tradicional. Não é nosso objetivo discutir se as famílias reconstituídas são melhores ou piores, se os conflitos existentes são maiores ou menores, mas sim reforçar a necessidade de os pais cumprirem seus papéis para que o desenvolvimento físico, emocional e social dos filhos aconteça de maneira satisfatória. Portanto, é necessário que os pais reservem espaço e tempo para eles, criem regras positivas de convívio, tolerância e muito diálogo.Para ampliar as colocações, conversamos com o dr. Sergio de Paula Ramos, psiquiatra e nosso ex-aluno, que fez observações sobre o reflexo das mudanças sociais na escola, e sobre a maneira pela qual os adultos podem ajudar as crianças e os adolescentes a perceber que as experiências precoces nem sempre são positivas.

Dante Cultural - Com as novas configurações familiares que surgiram, que análise podemos fazer do papel da família hoje?Dr. Sergio de Paula Ramos - Para que uma criança cresça e se desenvolva em direção a vir a ser um adulto feliz, há a necessidade de dois ingredientes básicos: o afeto e os limites. Por afeto entendo aqui a presença, o acolhimento, a ternura que geram o sentir-se querido - a chamada função materna. Por limites, uma visão clara do que pode e o que não pode ser feito alavanca não só todo o processo civilizatório, como também o desenvolvimento da própria personalidade - conhecida como função paterna. Pois bem, não importando qual a constelação de determinada família, o que se espera é que ela seja capaz de prover as duas coisas, tanto o que se chama de função materna, quanto a função paterna.

Dante Cultural - Na estrutura contemporânea, como estão determinados os papéis de pai e mãe diante dos filhos?O maior desafio é a questão dos limites?Dr. Sergio - Quando eu era criança e adolescente, minha mãe tinha como principal ocupação cuidar dos filhos, e meu pai era uma presença com autoridade sentida desde o início da noite. Sempre estudei no Dante, onde o professor era percebido com todo o respeito e, estabelecido este, o tratamento carinhoso era uma marca do Colégio. Então, tanto em casa quanto na escola, tive a sorte de ser cercado por adequadas funções materna e paterna. Já meus filhos foram criados tendo os pais trabalhando fora o dia inteiro, e à noite várias coisas concorriam com a atenção a eles: a TV, o computador, o próprio trabalho, etc... É a tal coisa, dizem alguns, para se consolarem: o que importa é a qualidade da

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vida em família e não a quantidade de horas juntos. É verdade. Mas que vida em família é esta em que, quando em casa, cada um está trancado em seu quarto e poucos fazem refeições com toda a família sentada à mesa? Tais lacunas muitas vezes geram culpa e esta é a motriz para a perda da autoridade. Aí deixamos de ser responsáveis pelos nossos filhos e delegamos o cuidado deles à família “todo o mundo”. Ah, pai, todo o mundo bebe, todo o mundo vai viajar para Bariloche, todo o mundo.... e eu, culpado pela minha ausência, permito que meu filho acabe se regendo pelo “todo o mundo”. Aí começa a complicação.

Dante Cultural - Com a mudança desses papéis, como isso reflete na escola?Dr. Sergio - Da pior forma possível. Em primeiro lugar, não nos esqueçamos de que os professores também são pais. Nas poucas vezes em que meus pais foram chamados ao Dante, eu ia com o rabinho no meio das pernas temendo o que a orientadora educacional iria combinar com eles sobre o que fazer comigo. Hoje, o que ouço em meu consultório são pais, completamente equivocados, combinarem com seus filhos o que farão com a professora! E quem sai perdendo? Toda uma geração. A escola brasileira é doutora no exercício da função materna. São acolhedoras e compreensivas. A meu ver, no entanto, estão falhando no exercício da função paterna. Não devemos nos esquecer de que, para um

jovem que não tenha a sorte de ter um pai adequado, o professor é sua segunda chance.

Dante Cultural - As crianças e os adolescentes hoje são mais onipotentes, têm experiências cada vez mais cedo e recebem muita informação. Isso corresponde a um amadurecimento mais precoce?Dr. Sergio - Definitivamente, não. Isso é uma resposta da sociedade de consumo, não dos jovens. Ao contrário, para nossa surpresa, as neurociências estão demonstrando que o cérebro humano completa seu amadurecimento

apenas entre os 22 e os 24 anos. E mais, que tal amadurecimento se dá, no cérebro, de trás para a frente. Ou seja, o lobo frontal é o último a amadurecer, e nele estão todos os núcleos superiores das decisões humanas. Consequentemente, não devemos esperar que pessoas com menos de 21 anos sejam razoáveis e que tomem decisões adequadas. Se é verdade, por um lado, que não são mais crianças, não é menos verdade, por outro, que necessitam, sim, ser cuidados.

Dante Cultural - Quais mensagens o senhor gostaria de deixar para os pais e mães do nosso Colégio?Dr. Sergio – Atualmente, estamos com muitos problemas ante a realidade que se apresenta aos nossos filhos. É chegado o momento de os cuidadores deles (pais e professores) voltarem a se articular para cuidar melhor deles.

“É a tal coisa, dizem alguns, para se consolarem: o que importa é a qualidade da

vida em família e não a quantidade de horas

juntos. É verdade. Mas que vida em família é esta em que, quando em casa,

cada um está trancado em seu quarto e poucos

fazem refeições com toda a família sentada à mesa?”

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Memória

Na década de 1950, começaram no Dante as chamadas Bienais. Eram exposições de trabalhos relacionados a várias disciplinas: arte, ciências, história etc., tudo feito pelos alunos. Atualmente, os trabalhos são separados conforme o conteúdo curricular e expostos em eventos específicos, como o Dante Digital, a Feira de Ciências e exposições do Departamento de Arte.

Arte, Ciência e Tecnologia

Gilmar Silva

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