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Cad. Bras. Ens. Fís., v. 28, n. 3: p. 507-545, dez. 2011. 507 DOI: 10.5007/2175-7941.2011v28n3p507 A MODELAGEM CIENTÍFICA VISTA COMO UM CAMPO CONCEITUAL +* Rafael Vasques Brandão 1 Ives Solano Araujo 2 Eliane Angela Veit Instituto de Física UFRGS Porto Alegre RS Resumo Este trabalho defende a tese de que o processo de modelagem ci- entífica em Física pode ser visto como um campo conceitual sub- jacente ao domínio de campos conceituais específicos dessa ciên- cia e possui implicações relevantes para o seu ensino e pesquisa. Para tanto, apoia-se na visão epistemológica de Mario Bunge so- bre modelagem científica e na Teoria dos Campos Conceituais de Gérard Vergnaud, levando em conta as ideias de Weil-Barais e Vergnaud sobre concepções em Física. Palavras-chave: Modelagem científica. Campo conceitual. Ensino de Física. + The scientific modelling seen as a conceptual field * Recebido: novembro de 2010. Aceito: setembro de 2011. 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física 2 Bolsista da CAPES - Proc. N 0 : BEX 2271/09-5.

A Modelagem Científica Vista Como Um Campo Conceitual

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  • Cad. Bras. Ens. Fs., v. 28, n. 3: p. 507-545, dez. 2011. 507

    DOI: 10.5007/2175-7941.2011v28n3p507

    A MODELAGEM CIENTFICA VISTA COMO UM CAMPO CONCEITUAL + *

    Rafael Vasques Brando

    1

    Ives Solano Araujo2 Eliane Angela Veit Instituto de Fsica UFRGS Porto Alegre RS

    Resumo

    Este trabalho defende a tese de que o processo de modelagem ci-entfica em Fsica pode ser visto como um campo conceitual sub-jacente ao domnio de campos conceituais especficos dessa cin-cia e possui implicaes relevantes para o seu ensino e pesquisa. Para tanto, apoia-se na viso epistemolgica de Mario Bunge so-bre modelagem cientfica e na Teoria dos Campos Conceituais de Grard Vergnaud, levando em conta as ideias de Weil-Barais e Vergnaud sobre concepes em Fsica.

    Palavras-chave: Modelagem cientfica. Campo conceitual. Ensino de Fsica.

    + The scientific modelling seen as a conceptual field * Recebido: novembro de 2010. Aceito: setembro de 2011. 1 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Ensino de Fsica

    2 Bolsista da CAPES - Proc. N0: BEX 2271/09-5.

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    Abstract

    This paper supports the idea that the scientific modeling process in physics could be viewed as a conceptual field underlying the domain of specific conceptual fields of that science and it has important implications to their teaching and research. For this, it relies on the Mario Bunges epistemological viewpoint concerning scientific modeling and the Grard Vergnauds Conceptual Fields Theory, taking into account the ideas of Weil-Barais and Vergnaud about conceptions in Physics. Keywords: Scientific Modelling. Conceptual Field. Physics Teaching.

    I. Introduo

    Modelagem cientfica pode ser entendida como o abrangente processo de construo, validao, uso e reviso de modelos cientficos. Esses, por sua vez, podem ser entendidos como representaes simplificadas e idealizadas de sistemas, processos e fenmenos da natureza, aceitos por uma comunidade de cientistas. Tal processo desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das modernas Cincias Naturais (BUNGE, 1974; WALISER, 1977; PATY, 1995; MORGAN; MORRISON, 1999; GIERE; BICKLE; MAULDIN, 2006; DEVELAKI, 2007). Entretanto os cientistas no possuem receitas infalveis para construir modelos que contenham fundamento na realidade e que concordem com os fatos, dentro de um contexto de validade, com desejvel grau de preciso.

    De forma anloga, no existem mtodos de ensino que garantam o suces-so da aprendizagem do processo de modelagem cientfica, que tambm pode assu-mir um lugar de destaque na Educao em Cincias, visto que, como sugerem Justi e Gilbert (2002a)3: (a) aprender Cincia significa, em grande parte, conhecer os modelos concebidos pelos cientistas, alm das teorias, das leis, dos princpios e dos conceitos de que fazem uso em suas construes; (b) aprender sobre Cincia , em certa medida, refletir sobre o que versam os modelos cientficos, sua natureza,

    3 Justi e Gilbert (2002a) argumentam que os modelos e a modelagem no Ensino de Cincias

    contemplam o que na viso de Hodson (1992) poderiam ser os propsitos da Educao Cientfica: (a) uma aprendizagem da Cincia; (b) uma aprendizagem sobre Cincia; e (c) uma aprendizagem para fazer Cincia.

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    suas funes, suas limitaes e seu contexto histrico de desenvolvimento; e (c) aprender a fazer Cincia tambm ser capaz de criar, testar e expressar seus prprios modelos.

    A implementao de estratgias capazes de promover um Ensino de Cin-cias centrado no processo de modelagem cientfica com fins didticos exige, entre-tanto, a participao dos estudantes e professores de Cincias em espaos que propiciem a reflexo sobre os propsitos acima mencionados, imbricados com o contedo disciplinar a ser aprendido (BRANDO, 2008). Como argumentam Cupani e Pietrocola (2002),

    S parece capaz de realizar esta tarefa o educador que puder aliar bons co-nhecimentos sobre o contedo que ele pretende ensinar com slidas forma-es nos domnios didtico-pedaggico e epistemolgico. Dessa forma, tor-na-se necessrio entender os processos de produo da cincia, assim como as caractersticas e o estatuto do conhecimento por ela produzido (p. 117).

    Diversos estudos de natureza qualitativa (GROSSLIGHT et al., 1991; IS-LAS; PESA, 2001, 2002; JUSTI; GILBERT, 2002a, 2002b, 2003; BRANDO; ARAUJO; VEIT, 2010) e quantitativa (SMIT; FINEGOLD, 1995; VAN DRIEL; VERLOOP, 1999, 2002; TREAGUST; CHITTLEBOROUGH; MAMIALA, 2002; CHITTLEBOROUGH et al., 2005; BRANDO et al., 2011) tm investigado as concepes de estudantes e professores de Cincias sobre modelos e modelagem cientfica. Os resultados sugerem que a maioria dos estudantes e professores de Cincias analisados no costuma refletir sobre a natureza, a construo, a valida-o, o uso e a reviso de modelos cientficos. Por consequncia, no atribuem a devida importncia ao processo de modelagem cientfica que est na base de pro-duo do conhecimento das Cincias da Natureza.

    Frente a essa problemtica, estratgias de ensino pautadas em diferentes perspectivas tericas sobre modelos e modelagem cientfica tm sido propostas para favorecerem a aquisio de concepes e competncias por parte de estudan-tes e professores de Cincias (HESTENES, 1987, 1992; WELLS; HESTENES; SWACKHAMER, 1995; FEURZEIG; ROBERTS, 1999; HALLOUN, 1996, 2004; ADRIZ-BRAVO; MORALES, 2002; SCHWARZ; WHITE, 2005; LOPES; COSTA, 2007; SENSEVY et al., 2008; BRANDO; ARAUJO; VEIT, 2008c).

    Tendo em vista os possveis reflexos que uma compreenso adequada do processo de modelagem cientfica pode aportar s concepes e competncias de estudantes e professores de Cincias, este trabalho defende a tese de que o proces-so de modelagem cientfica pode ser visto como um campo conceitual subjacente

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    ao domnio de campos conceituais especficos em Fsica, possuindo implicao didtica para o Ensino de Fsica e para a pesquisa nessa rea.

    Para tanto, do ponto de vista epistemolgico, a tese se apoia na concepo de Mario Bunge (1974) sobre o processo de modelagem cientfica. Do ponto de vista da didtica das Cincias Naturais, ela se vale da Teoria dos Campos Concei-tuais de Grard Vergnaud (1993), levando em conta as ideias de Weil-Barais e Vergnaud (1990) sobre concepes em Fsica.

    II. Modelagem cientfica na concepo de Mario Bunge

    A obra do fsico e filsofo da Cincia Mario Bunge vasta (MAT-THEWS, 2003, 2009). O presente trabalho enfocar apenas a concepo bungeana de modelo cientfico (BUNGE, 1974) devido sua relevncia para um Ensino de Cincias centrado na estratgia da modelagem (PIETROCOLA, 1999). Alm dis-so, parte da epistemologia de Bunge, e algumas de suas implicaes didticas para o Ensino de Cincias, j se constituiu em objeto de anlise de outros autores (CU-PANI; PIETROCOLA, 2002; WESTPHAL; PINHEIRO, 2004). O presente artigo se diferencia desses pelo interesse nos aspectos conceituais largamente implcitos nas concepes de estudantes e professores de Cincias acerca do processo de modelagem cientfica, luz da Teoria dos Campos Conceituais e das ideias de Weil-Barais e Vergnaud (1990). Para tanto, adota a postura epistemolgica de Bunge sobre modelagem cientfica para a construo de uma estrutura conceitual de referncia4 (OTERO, 2006) associada noo de modelo cientfico em Fsica. Por sua vez, essa estrutura conceitual pode servir de referncia para o diagnstico das concepes de estudantes e professores de Cincias relativas aos conceitos e suas relaes, que compem, juntamente com as situaes e os esquemas de pen-samento a elas associados, o que se entende por campo conceitual da modelagem cientfica em Fsica.

    Segundo Bunge (1960), o empreendimento cientfico tem possibilitado uma reconstruo conceitual do mundo em que vivemos cada vez mais ampla,

    4 Segundo Otero (2006), uma estrutura conceitual de referncia um conjunto de concei-

    tos, relaes entre eles, princpios, afirmaes de conhecimento e explicaes relativos a certo campo conceitual, conforme aparece formulado, explicado e consensuado nas discus-ses e nos textos especializados prprios de uma certa comunidade cientfica de referncia (p. 47). Um campo conceitual, como se ver na prxima seo, mais do que simplesmente uma estrutura conceitual de referncia, pois tambm considera os esquemas de pensamento e as representaes que costumam ser empregadas por aqueles que tentam solucionar situa-es que do sentido aos conceitos necessrios ao seu domnio.

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    profunda e detalhada. Mas com que objetivo os cientistas teorizam acerca da natu-reza? Em ltima instncia, ensina-nos Bunge, com o objetivo de apreender a reali-dade pelo pensamento (BUNGE, 1974).

    No processo de teorizao, que implica sempre uma tentativa de trazer a realidade para um plano conceitual, possvel seguir por um ou outro caminho terico. Podem ser construdas teorias do tipo representacionais, em que se opta por uma descrio detalhada e profunda de alguns aspectos da realidade, mediante a introduo de variveis hipotticas, de modo a explicitar os mecanismos internos (no-observveis) do sistema, processo ou fenmeno de interesse. Outro tipo so as chamadas teorias fenomenolgicas (ou de caixa-negra), em que se busca uma abordagem mais direta, isto , mais prxima aos dados empricos disponveis e que faz uso de variveis externas (observveis) do tipo entrada-e-sada, de modo a descrever o comportamento externo do sistema. Como exemplos de teorias do tipo caixa-negra em Fsica podem ser citadas a Cinemtica e a ptica Geomtrica. J a Dinmica e a ptica Fsica so exemplos de teorias cientficas do tipo representa-cionais. Enquanto a Cinemtica realiza uma descrio puramente matemtica dos movimentos, em termos das variveis de entrada (tempo) e sada (posio, veloci-dade e acelerao), a Dinmica se preocupa com as causas (foras) dos movimen-tos. Enquanto a ptica Geomtrica realiza uma descrio com base em argumentos puramente geomtricos sobre a formao de imagens conjugadas por sistemas de espelhos e lentes, a ptica Fsica faz suposies acerca da natureza da luz. Mas como argumenta Bunge, no se deve preferir um tipo de teoria em detrimento de outro. Ambas devem ser entendidas como complementares.

    Embora as teorias cientficas se constituam no sistema nervoso da Cin-cia (BUNGE, 1989), a pedra fundamental para o entendimento da atividade cient-fica moderna, na viso de Bunge, o conceito de modelo (BUNGE, 1974). De acordo com Bunge, os dois principais sentidos que devem ser considerados para o termo modelo, nas Cincias Fatuais da natureza e do homem, so: o modelo en-quanto representao esquemtica de um objeto concreto e o modelo enquanto teoria relativa a esta idealizao (Ibid., p. 30). O primeiro sentido define o que Bunge denomina de objeto-modelo de um objeto (ou evento) concreto. O segundo sentido resume o que o autor entende por modelo terico. Esse conceito, cujo refe-rente direto o objeto-modelo que lhe deu origem, concebido como um sistema hipottico-dedutivo especfico e deve ser representado por um conjunto de hipte-ses e expressas de preferncia em linguagem matemtica. Mais adiante, ser discu-tido como Bunge descreve a elaborao de modelos tericos, tambm conhecidos como teorias especficas.

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    O modo como Bunge concebe o processo de modelagem revela a impor-tncia que atribui noo de modelo na produo do conhecimento cientfico. Embora desempenhem papel fundamental no contexto cientfico, as teorias mais gerais e abstratas, por si ss, no se aplicam diretamente s coisas do mundo real. Um exemplo de teoria geral e abstrata o Eletromagnetismo Clssico, pois faz uso de conceitos tais como o de distribuio superficial de carga e de corrente. No extremo oposto, os dados empricos, apesar de muito prximos da realidade, no so passveis de ser inseridos em sistemas lgicos para gerar conhecimento (PIE-TROCOLA, 1999). A funo dos modelos justamente a de mediar a relao entre teoria e realidade (BUNGE, 1974; MORGAN; MORRISON, 1999; KOPONEN, 2007).

    A reconstruo conceitual da realidade comea pela representao esque-mtica dos objetos (ou fatos) que se quer apreender. Mais precisamente, inicia-se com as idealizaes que resultam em classes de equivalncia, ou seja, objetos que so reunidos por apresentarem alguns aspectos semelhantes, apesar de se mostra-rem claramente distintos (BUNGE, 1974). Isso to somente uma classificao que resume os traos relevantes de objetos diferentes que, num certo sentido, so considerados idnticos. Como exemplo, pode-se citar a classificao das partculas elementares em lptons (que no interagem via fora forte) e hdrons (que intera-gem via fora forte). Os lptons so partculas elementares de spin 1/2. Os hdrons so divididos em brions, partculas com spin fracionrio (1/2, 3/2, 5/2,...), e m-sons, partculas com spin inteiro (1, 2, 3,...). Na medida em que esses objetos pude-rem ser tratados por uma teoria, isto , que lhes forem atribudas propriedades e relaes em grande parte no-observveis (carga, massa, spin, estranheza, cor, sabor, etc.) que fazem parte da estrutura sinttica da teoria, surge um construto, mais ou menos elaborado, que Bunge denomina de objeto-modelo (ou modelo conceitual)5. Esse modelo conceitual pode, em princpio, ser to complicado quan-to se queira; jamais completo.

    Veja-se outro exemplo: o problema do caminhante aleatrio unidimensio-nal. Esse problema consiste em saber qual a probabilidade P de um indivduo estar na posio x (em relao origem) de uma reta aps ter dado um total de N passos (todos de mesmo comprimento), para a direita com probabilidade p, ou para a esquerda, com probabilidade q = 1 p. Existe uma srie de idealizaes assumidas at se chegar ao enunciado desse problema. E caso se esteja interessado nas ver-

    5 Daqui para frente, os termos objeto-modelo e modelo conceitual sero empre-gados como sinnimos.

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    ses bi e tridimensional do problema, ambas s podem ser descritas vetorialmente, o que as torna demasiado complicadas. Entretanto, por meio dessas representaes mais realistas possvel estudar o fenmeno da difuso de uma molcula gasosa que sofre colises intermoleculares. Ainda assim, esse modelo conceitual no uma representao especular da realidade, entre outras coisas, porque no conside-ra a possibilidade da molcula dar passos de comprimento variado nas diferentes direes. Esse exemplo ilustra um papel fundamental desempenhado pelos mode-los conceituais: propiciar representaes simblicas que, embora devam ser cons-tantemente aperfeioadas, auxiliam na descrio de sistemas, processos e fenme-nos reais, ou supostos como tais. Ao trabalhar com modelos unidimensionais, sabe-se de antemo que mais cedo ou mais tarde eles fracassaro. Por outro lado, mode-los unidimensionais fornecem solues matemticas mais simples e, por conse-quncia, melhor interpretveis (BUNGE, 1974).

    Porm a construo de objetos-modelo no suficiente para que se obte-nha o que Bunge denomina de modelo terico (ou teoria especfica)6. preciso que o modelo conceitual seja acolhido por uma teoria geral, ou melhor, por um corpo de ideias no seio do qual se possa estabelecer relaes dedutivas (Ibid., p. 23). Veja-se o exemplo da Teoria Cintica dos Gases. Essa teoria especfica resulta do modelo de gs ideal7 que, luz da Mecnica Estatstica Clssica8, possibilita a deduo de uma srie de resultados, tais como: a equao de estado e as distribui-es de velocidades das molculas de um gs ideal. Alm disso, a Teoria Cintica dos Gases pode estimar valores para os calores especficos de alguns gases reais, o que a torna passvel de contrastao emprica.

    Em suma, o processo de modelagem cientfica reside no fato de que teori-as gerais, que em princpio no se pronunciam diretamente sobre a realidade, ao acolherem modelos conceituais, produzem representaes de parte da realidade, ou seja, modelos tericos que fornecem solues a situaes-problema particulares. Segundo Bunge, no processo de modelagem:

    6 Daqui para frente, os termos modelo terico e teoria especfica sero empregados como sinnimos. 7 O modelo (conceitual) de gs ideal est sendo entendido como um conjunto de hipteses sobre a composio da matria no estado gasoso. 8 A Mecnica Estatstica Clssica est sendo entendida como uma teoria geral que no se

    pronuncia sobre a natureza dos elementos que constituem o sistema envolvido.

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    [...] deve-se distinguir as seguintes construes: o objeto-modelo m repre-sentando os traos-chave (ou supostos-chave) de um objeto concreto r (ou suposto concreto); o modelo terico Ts especificando o comportamento e/ou o(s) mecanismo(s) interno(s) de r por meio de seu modelo m; e a teoria ge-ral Tg acolhendo Ts (e muitas outras) e que deriva seu valor de verdade bem como sua utilidade de diversos modelos tericos que podemos construir com o seu auxlio mas jamais sem suposies e dados que a extravasam e reco-lhidos pelo objeto-modelo m (Ibid., p. 25).

    Entretanto, preciso dizer que diversas reas do conhecimento humano no possuem (ou nem sempre possuram) teorias gerais. Para Bunge, a ausncia de teorias gerais e abstratas em certas reas do conhecimento indica a falta e/ou a dificuldade de uma desejvel maturidade terica. Nesses casos, a construo de modelos tericos (ou teorias especficas) inicia-se pelo extremo oposto, ou seja, a partir de algumas hipteses muito prximas dos dados empricos oriundos da ob-servao e da experimentao. Esse um dos motivos pelo qual se optou pelas ideias de Bunge sobre modelos cientficos, haja vista que a Fsica um corpo de conhecimento bem estabelecido, no seio do qual h vrias teorias gerais igualmen-te bem estabelecidas e que podem ser teis quando se pensa em modelagem cient-fica com fins didticos. O Quadro 1, inspirado em Bunge, ilustra o processo de modelagem de algumas situaes de interesse em Fsica (Ibid., p. 35).

    Quadro 1 Situaes e construtos envolvidos no processo de modelagem em Fsi-ca, na concepo de Bunge (BRANDO; ARAUJO; VEIT, 2008a).

    Situao a ser modelada Objeto-modelo Teoria geral Modelo terico

    Escoamento da gua no interior de uma tubulao

    Fluido contnuo sem viscosidade Mecnica dos Flui-

    dos

    Modelo de fluido ideal

    Fluido contnuo com viscosidade

    Modelo de fluido viscoso

    Certa quantidade de gs contida num recipiente fechado

    Sistema de partcu-las, termicamente isolado, que intera-gem via colises perfeitamente elsti-cas

    Mecnica Estatstica e Mecnica Clssica

    Modelo de gs ideal clssico

    Mecnica Estatstica e Mecnica Quntica

    Modelo de gs ideal quntico

    Comportamento da matria em nvel microscpico

    Sistema planetrio Mecnica Clssica e Eletromagnetismo Modelo atmico de Rutherford

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    Situao a ser modelada Objeto-modelo Teoria geral Modelo terico

    Movimento dos planetas do Sistema Solar

    Mecnica Clssica Modelo gravitacio-nal de Newton

    Como se pode intuir pelo Quadro 1, em Fsica, existem tantos modelos

    conceituais quantas forem as idealizaes e os objetivos a serem almejados. Com isso, so muitos os modelos tericos para representar a realidade. A construo de modelos tericos uma atividade de criao que depende, entre outras coisas, do tipo de conhecimento disponvel sobre o sistema fsico, sem falar das idiossincrasi-as (habilidades e preferncias intelectuais) do cientista. Os modelos tericos dife-rem basicamente quanto ao tipo de hiptese que formulam acerca do sistema que pretendem representar. Enquanto alguns modelos se limitam a previses sobre o comportamento global do sistema, outros formulam hipteses a respeito dos meca-nismos mais internos (diretamente inacessveis) do sistema. Enquanto aqueles pouco se distanciam dos dados empricos, esses podem prever fenmenos desco-nhecidos. Enquanto os primeiros permanecem isolados da massa de conhecimento, os segundos estabelecem conexes com outras teorias e reas do conhecimento. Nesse ltimo caso, possvel extrapolar o modelo para situaes alm das quais foi inicialmente construdo (MAOR, 1972).

    Veja-se o exemplo de Bunge (1974) sobre a Teoria de Bloch para o estado slido. Inicialmente, com base num conjunto de hipteses sobre a constituio de um corpo cristalino, Bloch formulou um modelo conceitual do cristal. luz da Mecnica Quntica, esse modelo conceitual forneceu explicaes para algumas propriedades da maioria dos cristais, a saber: as condutividades eltrica e trmica e a susceptibilidade magntica. Alm disso, embora no tivesse previsto, o modelo terico resultante pde explicar a diferena entre materiais isolantes, semiconduto-res e condutores em termos das bandas de energia no interior do cristal. Em suma, hipteses formuladas por alguns modelos so mais ousadas, pois supem a exis-tncia de um mecanismo interno ao sistema. Entretanto, para que sejam corrobora-das, preciso que forneam explicaes de comportamentos j conhecidos, este-jam de acordo com grande parte do conhecimento j estabelecido e prevejam no-vos acontecimentos.

    Ainda sobre a construo de modelos conceituais, Bunge nos ensina que, no processo de idealizao, pode-se: (a) elaborar um nico objeto-modelo com a finalidade de representar toda uma classe de objetos concretos; ou (b) esquematizar um nico objeto concreto atravs de diversos modelos conceituais. Ou seja, mode-

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    los conceituais podem representar tanto um conjunto de objetos quanto apenas um objeto real, ou suposto como tal. Diferentes representaes conduzem a diferentes modelos: cada um levando em conta alguns aspectos negligenciados pelos demais. A Fig. 1 ilustra de forma esquemtica as duas possibilidades.

    Fig. 1 esquerda, n objetos concretos (r) distintos sendo representados

    por apenas um modelo conceitual (m); direita, um objeto concreto (r) sendo representado por n modelos conceituais (m) distintos.

    Para exemplificar a situao direita na Fig. 1, tomar-se- como exemplo

    o movimento de translao da Terra ao redor do Sol. Para representar o sistema Terra-Sol, poder-se-ia conceb-lo atravs de um modelo conceitual de partcula em movimento circular. Embora se saiba que a Terra no descreve uma trajetria cir-cular, mas aproximadamente elptica ao redor do Sol, essa poderia ser uma primei-ra representao caso o interesse fosse avaliar a sua velocidade de escape, ou seja, a velocidade mnima que a Terra deveria possuir para escapar do campo gravita-cional criado pelo Sol. Porm, se o objetivo fosse estudar os fenmenos das esta-es do ano e dos eclipses (solares e lunares), parece claro que esse modelo no seria mais til. Um modelo capaz de representar a Terra como um corpo (esfera) rgido pareceria mais interessante. Agora, suponha que se deseje estudar as condi-es do clima na Terra. De novo, parece clara a insuficincia desses modelos para dar conta, ainda que de forma simplificada, do problema que se pretende resolver. preciso complic-los, isto , atribuir Terra propriedades at ento negligencia-das pelos modelos anteriores.

    Porm, permita que se reflita um pouco mais sobre o modelo que poderia ser construdo para estudar as estaes do ano e os eclipses. Na medida em que fosse atribudo ao globo terrestre um formato tridimensional e no mais de partcu-la, estar-se-ia fazendo uma idealizao que implicaria algum tipo de aproximao matemtica, a fim de facilitar os clculos. A diferena entre idealizaes e aproxi-

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    maes bastante sutil em se tratando de modelagem cientfica (PORTIDES, 2007). Vejam-se dois exemplos na tentativa de esclarecer esse ponto:

    Primeiramente, considere o movimento de queda de um corpo prximo superfcie da Terra, e a seguinte suposio inicial: o ar deve ser considerado um fluido em repouso. Nesse caso, a suposio pode ser encarada como uma idealiza-o do modelo que pretende representar conceitualmente o sistema fsico em ques-to. E por qu? Exatamente por ter sido imaginada no incio da formulao do problema. As idealizaes constituem o passo inicial na construo de um modelo conceitual de um sistema (ou classe de sistemas). J as aproximaes so simplifi-caes na tentativa de facilitar os clculos de um sistema previamente idealizado, seja pela incapacidade das tcnicas matemticas, seja pelos objetivos almejados. Com isso, no se quer dizer que as idealizaes no venham a facilitar os clculos, seno que elas so pensadas inicialmente. Em ltima anlise, tanto as idealizaes quanto as aproximaes so simplificaes de algum referente real. Contudo, as idealizaes esto mais relacionadas com a constituio do sistema a ser modelado. Enquanto que as aproximaes, se necessrias, viriam depois e estariam mais rela-cionadas simplificao dos clculos para a obteno de resultados tericos me-lhor interpretveis.

    Veja-se, agora, o exemplo do pndulo simples. Um pndulo simples um modelo conceitual que consiste de uma massa pontual m oscilando em torno de uma posio de equilbrio, suspensa por um fio inextensvel de comprimento l e massa desprezvel. Sob o ponto de vista da Mecnica Clssica, este esquema con-ceitual d origem a um modelo terico baseado numa equao diferencial de se-gunda ordem que descreve o movimento oscilatrio do sistema. Alm disso, dadas as condies iniciais e os parmetros do pndulo, possvel calcular seu perodo, ou seja, o tempo transcorrido para que o sistema descreva uma oscilao completa. Em geral, o perodo do pndulo simples depende da amplitude do movimento. Entretanto, se o pndulo oscila com pequenas amplitudes, possvel aproximar sen na equao diferencial que descreve seu movimento. Nesse caso, o pero-do do pndulo independer da amplitude do movimento, fato que foi descoberto por Galileu e batizado de isocronismo das pequenas oscilaes (MATTHEWS, 2004; NOLA, 2004).

    Como j foi dito, o processo de modelagem no est restrito construo de modelos conceituais. preciso formular teorias especficas a fim de submet-las corroborao emprica e avaliar seu domnio de validade (KOPONEN, 2007). Com isso, torna-se evidente a incapacidade tanto dos modelos conceituais quanto das teorias gerais de propiciarem, mesmo que se refiram a fatos supostamente reais, solues para casos particulares. Assim, o conhecimento sobre a realidade

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    pode ser incrementado de dois modos: (a) preciso multiplicar cada vez mais o nmero de modelos tericos, cada qual focalizando diferentes aspectos da realida-de; e (b) aperfeioar os modelos tericos j existentes, de modo a obter descries cada vez melhores (fidedignas) do mundo em que vivemos. A Fig. 2 ilustra de forma esquemtica o que, segundo Bunge, de algum modo, costuma se fazer em Cincia terica fatual.

    Fig. 2 esquerda, um modelo conceitual (m) acolhido por quatro teori-

    as gerais distintas (Tg1, Tg2, Tg3, Tg4) resulta em quatro teorias especficas ou modelos tericos (Ts1, Ts2, Ts3, Ts4) distintos; direita, quatro modelos conceitu-ais (m1, m2, m3, m4) acolhidos pela mesma teoria geral (Tg) resultam em trs teo-rias especficas (Ts1, Ts2, Ts3). O nmero de teorias gerais ( esquerda) e de mode-los conceituais ( direita) meramente ilustrativo. Alm disso, nem todo modelo conceitual d origem a um modelo terico.

    Para ilustrar a situao direita da Fig. 2, suponha que o interesse seja o

    de estudar o comportamento de um fluido real escoando no interior de um tubo cilndrico. Se o objetivo for estabelecer relaes entre grandezas fsicas macrosc-picas, pode-se optar por uma descrio em que o fluido possa ser representado por um meio contnuo. Nesse caso, qualquer elemento de fluido, no importando seu volume, dever conter um nmero muito grande de molculas. Em outros termos, o elemento de volume do fluido deve ser muito menor que as dimenses do siste-ma fsico, porm muito maior que as tpicas distncias intermoleculares. Alm disso, a representao poder ou no levar em considerao efeitos da viscosidade (atrito interno) e de conduo trmica do fluido, isto , poder-se- optar por cons-truir um modelo de fluido ideal ou um modelo de fluido viscoso. Para obter um modelo terico capaz de descrever a situao real, que atenda aos objetivos, estes modelos devem ser acolhidos pela Mecnica dos Fluidos. Nesses casos, como se sabe, ser possvel obter as equaes bsicas que governam o escoamento do flui-do, ou seja, os respectivos modelos tericos.

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    No obstante, Bunge aprofunda seu entendimento sobre o processo de modelagem cientfica, ao afirmar que os modelos tericos, alm de representarem, tm a funo de simular a realidade mediante inferncia de mecanismos hipotti-cos internos (hipteses no-observveis), que possibilitam no s explicar uma srie de dados, como tambm o que o cientista denomina de interpretao dos mesmos dados (BUNGE, 1974, p. 84). O adjetivo hipottico para o mecanismo a ser inferido tem um significado bastante preciso para Bunge. Ele indica a neces-sidade de abastecer os sentidos perceptivos com conhecimento terico a fim de aprofundar a viso sobre a realidade. Em suma,

    Para apreender o real comea-se por afastar-se da informao. Depois, se lhe adicionam elementos imaginrios (ou antes hipotticos) mas com uma inteno realista. Constitui-se assim um objeto-modelo mais ou menos es-quemtico e que, para frutificar dever ser enxertado sobre uma teoria sus-cetvel de ser confrontada com os fatos (Ibid., p. 16).

    Por fim, na medida em que todo modelo terico , em certo grau, uma in-veno, sua falseabilidade deve estar constantemente sendo avaliada. A confiabili-dade dos modelos deve ser guiada criticamente por testes empricos, racionais e de consistncia terica. Para tanto, os cientistas estariam habilitados a abandonar provisoriamente a realidade com toda sua riqueza e complexidade e dedicar-se atividade tpica da pesquisa cientfica contempornea: a construo de modelos tericos e sua comprovao (Ibid., p. 30). Essa comprovao no apenas emp-rica, pois tambm envolve questes de natureza epistemolgica, metodolgica e filosfica; e tampouco definitiva, pois todo o conhecimento construdo no processo de modelagem cientfica , por definio, provisrio, sempre passvel de reviso.

    III. Teoria dos Campos Conceituais de Grard Vergnaud9

    Nesta seo, far-se- uma breve exposio da Teoria dos Campos Concei-tuais (TCC) de Grard Vergnaud (1990, 1993), levando em conta as ideias de We-il-Barais e Vergnaud (1990) sobre concepes em Fsica, para dar sentido tese defendida e a suas implicaes para o Ensino de Fsica e para a pesquisa nessa rea.

    9 O psiclogo francs Grard Vergnaud doutorou-se em 1968, sob orientao de Jean Piaget, defendendo a tese intitulada A resposta instrumental como soluo de problema. Atualmen-te, diretor emrito de estudos do Centro Nacional de Pesquisas Cientficas (CNRS, em francs), em Paris.

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    A TCC se ocupa do estudo de atividades cognitivas complexas, especial-mente as que dependem ou esto envolvidas na aquisio de conhecimentos mate-mticos, cientficos e tcnicos (VERGNAUD, 1990, 1993). Por ser uma construo terica de natureza psicolgica, cognitivista e pragmtica, a TCC atribui ao conhe-cimento a funo primeira de apoiar a ao do sujeito nas situaes10 com as quais ele se confronta. Nesse sentido, um dos problemas da psicologia cognitiva o de reconstruir os conhecimentos implcitos na ao (VERGNAUD, 1996, p. 14).

    Como nem sempre somos capazes de fazer o que sabemos explicitar, ou explicitar o que sabemos fazer, um dos problemas do ensino desenvolver, ao mesmo tempo, a forma operatria do conhecimento, isto , o saber-fazer, e a forma preditiva do conhecimento, isto , saber explicitar os objetos e as suas proprieda-des (Ibid., p. 13). Explicitar os objetos do mundo, suas propriedades, relaes e transformaes o que Vergnaud (2007) entende por conceitualizao do real, quer a identificao resulte de uma percepo direta ou quase direta, quer de uma construo.

    Os processos de conceitualizao do real so tidos como atividades cogni-tivas que resultam na aquisio de conhecimentos a curto e a longo prazos. A curto prazo, esses processos cognitivos organizam as percepes, as representaes e a conduta do sujeito em atividade. A longo prazo, so responsveis pelas concepes e competncias desenvolvidas pelo indivduo em interao adaptativa com as situ-aes que vivencia no curso de sua experincia (FRANCHI, 1999).

    Segundo Weil-Barais e Vergnaud (1990), o termo concepo inclui, em certo sentido, os significados e os significantes, cientificamente aceitos ou no, associados aos conceitos de um domnio de conhecimento, de modo consciente ou inconsciente, pelo sujeito que deseja aprend-los. J as competncias esto relacio-nadas s aes do sujeito para lidar com as situaes (FRANCHI, 1999).

    A TCC parte do pressuposto de que o conhecimento est organizado em campos conceituais que podem ser entendidos como unidades de estudo frutferas para dar sentido s dificuldades observadas nos processos de conceitualizao do real nas mais diversas atividades humanas (VERGNAUD, 1983, p. 393). Mais precisamente, campo conceitual , para Vergnaud, um conjunto informal e hete-rogneo de problemas, situaes, conceitos, relaes, estruturas, contedos e ope-

    10

    Segundo Escudero, Moreira e Caballero (2003), o conceito de situao na TCC suficien-temente abrangente para incluir problemas, tarefas, perguntas, tanto as tradicionalmente escolares, como as que esto fora desse mbito na condio de que permitam levar os estu-dantes a interrogarem-se sobre determinadas relaes complexas e especialmente sobre a coerncia do sistema em estudo (p. 203).

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    raes de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente, entrelaados durante o processo de aquisio (VERGNAUD, 1982, p. 40).

    A justificativa de Vergnaud para a tese dos campos conceituais se apoia em trs argumentos: (a) um conceito no se forma dentro de um s tipo de situa-o; (b) uma situao no se analisa com um s conceito; e (c) a construo e a-propriao de todas as propriedades de um conceito ou de todos os aspectos de uma situao um processo de larga durao, com avanos e retrocessos entre situaes, concepes e competncias (VERGNAUD, 1983).

    Na Matemtica, Vergnaud se interessou pelos campos conceituais das es-truturas aditivas e multiplicativas (VERGNAUD, 1994, 1997). Segundo ele, o campo conceitual das estruturas aditivas , ao mesmo tempo, o conjunto das situa-es e dos esquemas de pensamento que envolvem as operaes de adio e sub-trao, e dos conceitos e teoremas que permitem abordar tais situaes como tare-fas matemticas. A mesma ideia se aplica ao campo conceitual das estruturas mul-tiplicativas.

    Em Fsica, Vergnaud se interessou pelos campos conceituais da Mecnica (WEIL-BARAIS; VERGNAUD, 1990) e da Eletricidade (VERGNAUD, 1993). O campo conceitual da Eletricidade, por exemplo, pode ser entendido como o conjun-to de situaes e esquemas de pensamento que organizam as aes do sujeito nesta rea. Por outro lado, esse mesmo campo conceitual tambm diz respeito anlise e dissociao dos conceitos de intensidade de corrente eltrica, diferena de poten-cial, resistncia eltrica, energia eltrica, etc.

    A dupla anlise de um mesmo campo conceitual em termos de situaes e de esquemas de pensamento, por um lado, e de conceitos como objetos de pensamento, por outro lado, do conta das duas formas do conhecimento, operatria e preditiva (VERGNAUD, 2007, p. 36).

    A TCC supe, ainda, que a aprendizagem de novos conhecimentos de-pende dos problemas e das situaes previamente dominados pelo sujeito, confe-rindo ao processo de construo do conhecimento um carter contextual (VERG-NAUD, 1996). Em funo disso, muitas das nossas concepes esto relacionadas s primeiras situaes que fomos capazes de dominar ou nossa experincia ten-tando modific-las (Ibid., p. 117). Nesse sentido, os novos conhecimentos podem ser entendidos como concepes e competncias necessrias para lidar com novas situaes ou com situaes previamente dominadas a partir de um novo olhar.

    Nessa perspectiva terica, as concepes que o sujeito dispe para lidar com situaes previamente dominadas podem ser compatveis com a construo de novos conceitos e, por isso, consideradas como precursores cognitivos, ou podem

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    ser incompatveis, a ponto de constiturem-se em obstculo epistemolgico intro-duo de certo conceito novo. Mas h, tambm, concepes que podem ser vistas como vieses cognitivos para a construo de novos conceitos, em vez de serem consideradas errneas (WEIL-BARAIS; VERGNAUD, 1990).

    Concepes que conduzem o sujeito a dar respostas sistemticas que dife-rem das esperadas a certas classes de situaes e problemas podem ser vistas como vieses cognitivos, que se manifestam por meio de certas regularidades e que po-dem ser observadas a partir das respostas elaboradas s situaes propostas.

    Weil-Barais e Vergnaud (1990) apontam que h concepes em Fsica que atuam como vieses cognitivos na compreenso de significados atribudos a conceitos fsicos como, por exemplo, o de calor e de fora. No dia a dia, esses conceitos so vistos, em geral, como propriedades dos corpos. J em Fsica, calor e fora so concebidos como entidades fsicas que representam interaes entre dois ou mais objetos de um ou mais sistemas fsicos. O vis cognitivo, nesse caso, est associado a um processo de pensamento que consiste na preservao do significa-do atribudo a um conceito fsico em diferentes contextos, e que se percebe como um invariante operatrio inadequado para lidar com certas classes de situaes e problemas (Ibid., p. 72). Segundo esses autores, alguns pesquisadores tratam essa questo como um problema de definio, ou relacionado ao vocabulrio ou ainda como sendo uma dificuldade de aquisio de sistemas grficos e matemticos formalizados, o que acaba por reduzir o processo de formao de conceitos a uma espcie de jogo de smbolos.

    O Quadro 2 mostra alguns exemplos de invariantes operatrios, detecta-dos em estudos recentes, que parecem estar atuando como precursores ou vieses cognitivos, ou ainda como obstculo epistemolgico compreenso de novos conceitos e ao tratamento de certas classes de situaes, em diferentes campos conceituais da Fsica.

    Quadro 2 Campo conceitual, conceitos envolvidos e diferentes tipos de invarian-tes operatrios para lidar com certas classes de situaes tradicionalmente tratadas no Ensino de Fsica, investigadas em estudos recentes.

    Campo concei-tual Conceito

    Invariante operatrio Precursor cog-

    nitivo Vis cognitivo Obstculo

    epistemolgico Fsica Atmica

    (GRECA; MOREIRA,

    2002)

    Sistema Atmico, Estado do Sistema,

    Estado do sis-tema antes de uma medida igual ao estado

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    Medida, Nvel de Energia

    do sistema aps uma medida.

    Cinemtica (ESCUDERO;

    MOREIRA; CABALLERO,

    2003)

    Sistema de Referncia,

    Velocidade e Acelerao

    O primeiro sistema de referncia o observador juntamente com o seu entorno e sua bagagem cultural.

    Se um mvel tem velocidade (ou rapidez) em um determinado instante porque ele j vinha movimentando-se em certo intervalo de tempo anterior. Se a acelerao de um mvel negativa, ele vai voltar.

    Termodinmica (GRINGS;

    CABALLERO; MOREIRA,

    2008)

    Calor e Temperatura

    Ocorre transfe-rncia de calor somente quando os corpos esto encostados.

    sempre neces-sria uma fonte de calor para aumentar a temperatura de um corpo.

    Mecnica (COVALEDA;

    MOREIRA; CABALLERO,

    2009)

    Sistema e equilbrio

    Sistema como um conjunto de elementos que interagem entre si.

    Sistema como uma parte do universo cujo comportamento e suas interaes se quer estudar.

  • Brando, R. V. et al. 524

    Equilbrio como um estado de um corpo ou de um sistema no qual a fora resultante que atua sobre o sistema igual a zero. Equilbrio como um estado em que se cumprem condies ou regras para que em um corpo, sistema, partcula ou matria no haja perturbao e seu estado permanea inal-terado.

    A TCC considera o processo de formao de conceitos em trs nveis. Pa-

    ra Vergnaud, os conceitos devem ser entendidos como um tripleto de conjuntos, C = (S, I, R), em que: S o conjunto de situaes que do sentido ao conceito C; I o conjunto de invariantes (objetos, propriedades e relaes) que permite aos sujeitos operacionalizarem o conceito, de modo a lidar com as situaes que com-pem o conjunto S; e R o conjunto de representaes simblicas necessrias para indicar e representar o conjunto I de invariantes e, por consequncia, as situaes que do sentido ao conceito. O primeiro conjunto, de situaes, o referente do conceito. O segundo, de invariantes operatrios, o significado do conceito. J o terceiro, de representaes simblicas, o significante do conceito (VERGNAUD, 1983). Em termos psicolgicos, o conjunto S a realidade e os conjuntos I e R a representao desta realidade.

    Entretanto, o sentido atribudo aos conceitos no est propriamente nas si-tuaes nem mesmo na representao simblica destes conceitos. O sentido est na interao do sujeito com as situaes e com os significantes. Em outras palavras, so os esquemas utilizados pelo sujeito frente s situaes ou aos significantes que do sentido a ambos para este sujeito. Alm disso, uma determinada situao ou representao simblica no capaz de evocar todos os esquemas disponveis no repertrio do sujeito para tratar com aquela situao ou representao em particu-lar. Mais precisamente, Vergnaud entende um esquema como uma organizao

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    invariante do comportamento para uma classe de situaes determinada (VERG-NAUD, 1996, p. 201). O conceito piagetiano de esquema torna-se, assim, funda-mental na teoria dos campos conceituais, uma vez que o desenvolvimento cogniti-vo consiste, basicamente, do repertrio de esquemas que o sujeito tem sua dispo-sio para enfrentar uma determinada quantidade de situaes, tratando-as como problemas passveis de serem resolvidos. Nesse sentido, a tarefa mais importante do professor a de fornecer oportunidades para as crianas desenvolverem seus esquemas potenciais na zona de desenvolvimento proximal (VERGNAUD, 1998, p. 181).

    Para Vergnaud, os esquemas esto intrinsecamente ligados s situaes (ou classes de situaes). Assim, ele distingue entre:

    (a) classes de situaes em que o sujeito dispe, no seu repertrio, em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstncias, das compe-tncias necessrias ao tratamento relativamente imediato da situao; e (b) classes de situaes em que o sujeito no dispe de todas as competncias necessrias, o que o obriga a um tempo de reflexo e explorao, a hesita-es, a tentativas frustradas, levando-o, eventualmente, ao sucesso ou ao fracasso (VERGNAUD, 1993, p. 2).

    O conceito de esquema diz respeito s duas classes de situaes. Contudo, seu modo de funcionamento difere de uma classe para a outra. No primeiro caso, possvel observar um nico esquema de organizao do comportamento, ampla-mente automatizado, dando conta de determinada classe de situaes. J no segun-do caso, observa-se o uso de vrios esquemas na tentativa de alcanar a soluo esperada. Nesse processo, que pode resultar numa competio de esquemas, os mesmos sofrem contnuas acomodaes, descombinaes e recombinaes. Se-gundo Moreira (2004):

    Est a a ideia piagetiana de que os esquemas esto no centro do processo de adaptao das estruturas cognitivas, isto , na assimilao e na acomo-dao. Contudo, Vergnaud d ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caractersticas das situaes s quais se aplicam (p. 13-14).

    Embora o conceito de esquema possua definio precisa na teoria de Vergnaud necessrio aprofundar sua discusso, seno pela importncia terica que possui no vnculo entre o comportamento e a representao, pelo simples fato de que nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-ao do sujeito, isto , os elementos cognitivos que fazem com que a ao do sujeito seja

  • Brando, R. V. et al. 526

    operatria (VERGNAUD, 1993, p. 2). Esses conhecimentos contidos implicita-mente nos esquemas so designados pelos termos conceito-em-ao e teorema-em-ao. So tambm conhecidos pela expresso geral invariantes operatrios. Um teorema-em-ao uma proposio considerada como verdadeira sobre o real. Um conceito-em-ao uma categoria de pensamento considerada como pertinente (VERGNAUD, 1996, p. 202). Os invariantes operatrios contidos nos esquemas so responsveis pelo reconhecimento dos elementos relevantes situao. A partir dessa informao, possvel inferir a meta a ser atingida e as regras de ao neces-srias para tal fim. Entretanto, os conceitos-em-ao e os teoremas-em-ao no so tidos como verdadeiros conceitos e teoremas cientficos. Para que adquiram status de conhecimento cientfico, precisam ser explicitados, compartilhados e avaliados quanto sua pertinncia e veracidade, respectivamente. Esse no o caso dos invariantes operatrios que, na maioria das vezes, permanecem totalmente implcitos nos esquemas disponveis do sujeito.

    Cabe ao Ensino de Cincias facilitar a transformao desse conhecimento implcito em conhecimento explcito, e cientificamente aceito, o que no ocorre de maneira abrupta e que, de forma alguma, tarefa das mais simples. O professor e a interao social entre alunos desempenham papis fundamentais nesse processo de explicitao e compartilhamento do conhecimento (MOREIRA, 2004).

    IV. A modelagem cientfica vista como um campo conceitual em Fsica

    De modo geral, a Fsica faz uso de modelos cientficos para representar a realidade. Estes, por sua vez, fazem uso de representaes simblicas e de elemen-tos conceituais, tais como os conceitos de sistema, estado, interao, transferncia, conservao, etc. (WEIL-BARAIS; VERGNAUD, 1990). Portanto, a compreenso dos conhecimentos em Fsica depende da habilidade que o sujeito possui para manipular representaes simblicas e para identificar aspectos conceituais intrn-secos ao domnio conceitual deste conhecimento.

    Seguindo essa linha de raciocnio, o presente artigo parte da premissa de que o processo de modelagem cientfica permeia toda a Fsica e, por conseguinte, que os elementos conceituais necessrios para o seu domnio desempenham um papel fundamental nas explicaes cientficas (GILBERT; BOULTER; RUTHER-FORD, 1998a, 1998b). Consequentemente, as explicaes dos estudantes e profes-sores devem conter invariantes operatrios de carter geral, que podem estar asso-ciados aos conceitos de modelo e de modelagem cientfica em Fsica, e de carter especfico, que podem estar associados aos conceitos de idealizao, aproximao,

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    referente, varivel, parmetro, domnio de validade, grau de preciso, expanso e generalizao de modelos cientficos.

    Esses conceitos e suas relaes, concebidos como uma estrutura conceitu-al de referncia associada noo de modelo e ao processo de modelagem cientfi-ca, juntamente com os esquemas de pensamento que organizam as aes do sujeito em situaes de modelagem, compem o que se entende por campo conceitual da modelagem cientfica em Fsica, como mostra a Fig. 3 (BRANDO; ARAUJO; VEIT, 2010).

    Fig. 3 - Estrutura conceitual de referncia associada noo de modelo e

    ao processo de modelagem cientfica em Fsica. Para compreender o processo de modelagem cientfica em Fsica, fun-

    damental, portanto, que o sujeito domine um conjunto de situaes e problemas que requerem, por sua vez, o domnio de conceitos especficos, de naturezas distin-tas, porm inseparveis da noo de modelo e do processo de modelagem cientfica em Fsica.

    luz da Teoria dos Campos Conceituais, a modelagem cientfica em F-sica pode, ento, ser vista como um campo conceitual constitudo:

    pelo conjunto S de situaes que do sentido aos conceitos associados noo de modelo e ao processo de modelagem cientfica em Fsica; ou se-

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    ja, o conjunto de situaes que podem ser analisadas e solucionadas por meio da construo e/ou explorao de uma verso, mais ou menos did-tica, de um modelo cientfico, capaz de aproximar teoria e realidade, e de dar sentido s dificuldades observadas no processo de conceitualizao do real, no contexto da Fsica;

    pelo conjunto I de invariantes operatrios de carter geral, associados noo de modelo e ao processo de modelagem cientfica em Fsica, e de carter especfico, associados aos conceitos da ECR, que podem ser reco-nhecidos e usados pelo sujeito para analisar as situaes do primeiro con-junto, denominadas situaes de modelagem em Fsica; e

    pelo conjunto R de representaes simblicas que podem ser usadas para indicar esses invariantes e, consequentemente, representar as situaes e os procedimentos de modelagem para lidar com elas; este conjunto for-temente dependente do campo conceitual especfico da Fsica em que o sujeito esteja modelando. Nessa perspectiva, no importa se os modelos didtico-cientficos so a-

    vanados ou introdutrios, se as situaes do mundo real a que se referem so demasiadamente complexas ou no e se o sujeito que as modela um estudante, professor ou cientista. O que muda, de um caso para o outro, so apenas os objeti-vos a serem alcanados. Seja no contexto cientfico ou educacional, a modelagem cientfica deve ser vista como uma ferramenta terico-metodolgica capaz de apoi-ar a ao do sujeito nas situaes em que ele necessita, de alguma forma, aproxi-mar teoria e realidade. No contexto educacional, tal ferramenta pode ser denomi-nada de modelagem didtico-cientfica.

    O Quadro 3 apresenta quatro exemplos de invariantes operatrios de car-ter geral, associados noo de modelo e ao processo de modelagem cientfica em Fsica, e um de carter especfico para cada conceito que compe a estrutura con-ceitual de referncia da Fig. 3.

    Quadro 3 Exemplos de invariantes operatrios gerais e especficos.

    Conceito Invariante operatrio

    Modelo e modelagem cientfica

    Formular questes sobre uma situao fsica a serem respon-didas pela construo e/ou explorao de um modelo cientfi-co. Decidir que tipo de representao construir para responder s questes formuladas.

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    Representar a situao fsica de modo esquemtico e luz de algum campo conceitual especfico da Fsica. Analisar a razoabilidade dos resultados obtidos com a verso do modelo cientfico construdo e/ou explorado por meio da busca de suportes empricos e/ou racionais.

    Referente Delimitar objetos e eventos reais, ou supostos como tais, que compem o sistema fsico e sua vizinhana e que sero alvo de representao.

    Idealizao Dado um sistema fsico, decidir quais dos seus traos-chave apreender.

    Aproximao

    Dado um sistema fsico previamente idealizado, decidir quais simplificaes matemticas sero assumidas, tais como: des-prezar efeitos que so pequenos, considerar relaes lineares, desprezar rudos, etc.

    Varivel Identificar quais variveis so necessrias para representar o sistema fsico e quais delas podem assumir valores numricos contnuos e quais discretos.

    Parmetro Identificar quais os parmetros fixos no tempo e quais os variveis. Domnio de

    validade Identificar um fenmeno como sendo o caso limite de outro.

    Grau de preci-so

    Dada uma idealizao, avaliar qualitativa e quantitativamente o erro por ela introduzido no modelo.

    Expanso Incluir novos referentes, variveis, parmetros, relaes e conceitos fsicos, a fim de obter resultados mais precisos e/ou melhor interpretveis com o modelo.

    Generalizao Dado um modelo conceitual e/ou matemtico, verificar se ele pode ser til para representar outros sistemas fsicos distintos daquele para o qual foi concebido.

    Os invariantes operatrios apresentados no Quadro 3 so exemplos de co-

    nhecimentos acerca dos modelos e da modelagem cientfica em Fsica que devem ser postos em ao pelo sujeito, em situao de modelagem, com o intuito de reco-nhecer os elementos pertinentes situao a ser representada. Eles constituem a base conceitual, implcita ou explcita, que permite selecionar as informaes rele-vantes, inferir o objetivo a ser alcanado e os procedimentos mais adequados du-rante o processo de modelagem.

    Vejamos um exemplo de situao-problema em Fsica, com o intuito de exemplificar o uso de alguns dos invariantes operatrios acima mencionados, que estudantes e professores deveriam evocar em situao de modelagem, bem como a

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    forte dependncia das representaes com o campo conceitual especfico da Fsica em que a situao modelada.

    Suponha que estejamos interessados em analisar a estabilidade do Sistema Solar, em particular do sistema Sol-Terra-Lua. Portanto, o Sol, a Terra e a Lua constituem-se nos referentes do modelo construdo para analisar a estabilidade deste sistema de trs corpos. Sabemos que o Sol possui uma massa cerca de 300.000 vezes maior do que a da Terra e que a distncia Sol-Lua aproximada-mente 400 vezes maior do que a distncia Terra-Lua (SILVEIRA, 2000). A primei-ra idealizao feita sobre esse sistema aparece implicitamente na prpria formula-o do problema. Na medida em que o foco passa a ser a estabilidade do sistema Sol-Terra-Lua, estamos desconsiderando a atrao gravitacional entre cada um desses corpos e o restante do Universo. Com isso, ao considerarmos somente a atrao mtua entre Sol, Terra e Lua, estamos realizando um recorte da realidade, a fim de delimitarmos nosso objeto de estudo. Os cientistas fazem isso a todo ins-tante porque so incapazes de fornecer respostas para o todo. Alm disso, para que possamos avaliar a estabilidade desse sistema previamente idealizado, preciso adotar um referencial adequado. E o podemos fazer fixando o Sol na origem do sistema de coordenadas, visto que os trs corpos podem ser considerados como partculas pontuais e que MSol >> (MTerra + MLua). Essa aproximao implica o fato de que as aceleraes produzidas pela Terra e pela Lua sobre o Sol so desprez-veis, se comparadas s aceleraes produzidas por esse ltimo sobre as primeiras. Para os nossos objetivos, o Sol pode ser considerado um referencial inercial em relao ao qual Terra e Lua esto aceleradas. Outra aproximao importante a seguinte: como a dimenso do sistema Terra-Lua (distncia entre elas) muito menor do que sua distncia ao Sol, as foras gravitacionais que atuam sobre a Terra e a Lua, devidas presena do Sol, so praticamente as mesmas, tanto em intensidade quanto em orientao. Assim, o sistema Terra-Lua permanece inaltera-do, o que equivale a considerar o campo gravitacional criado pelo Sol como uni-forme. Resumindo, tanto a Terra quanto a Lua esto submetidas mesma acelera-o (em intensidade e orientao). Consequentemente, o movimento relativo do sistema Terra-Lua praticamente independe da influncia do Sol, dependendo ape-nas das foras internas deste sistema.

    Com base no que foi dito nesta seo, o campo conceitual da modelagem didtico-cientfica em Fsica tambm pode ser entendido como o conjunto de ativi-dades no Ensino de Fsica que visam criao e/ou explorao de verses didti-cas de modelos cientficos construdos pelos fsicos. Tais atividades podem ser sintetizadas em trs classes de situaes, que so capazes de dar sentido aos con-ceitos da ECR que se quer introduzir. So elas: (a) atividades de modelagem com-

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    putacional: envolvendo teoria e simulao; (b) atividades de modelagem em labo-ratrio de ensino: envolvendo teoria e experimento; e (c) atividades de modelagem computacional-experimental: envolvendo simulao e experimento acerca de sis-temas, processos e fenmenos fsicos.

    V. Implicao para o Ensino de Fsica e para a pesquisa nessa rea

    Esta seo apresenta a principal implicao didtica para o Ensino de F-sica e para a pesquisa nessa rea da tese defendida na seo anterior. A importncia de ambas reside nos seguintes fatos: (a) modelar em Fsica apresenta peculiarida-des e dificuldades especficas que precisam ser levadas em considerao (GRECA; SANTOS, 2005); e (b) a natureza de tal processo, em sua essncia, exige que o sujeito mobilize conhecimentos tericos (de natureza preditiva) e metodolgicos (de natureza operatria) que dispe para representar sistemas, processos e fenme-nos fsicos do seu interesse.

    V.1 Implicao didtica para o Ensino de Fsica

    A principal implicao didtica para o Ensino de Fsica da tese de que a modelagem cientfica deve ser vista como um campo conceitual subjacente ao domnio de campos especficos da Fsica reside na questo das situaes que cos-tumam ser trabalhadas em sala de aula. Segundo Vergnaud (1993), os processos cognitivos e as respostas do sujeito so funo das situaes com que ele se con-fronta (p. 12). Ou seja, os esquemas de pensamento que os estudantes costumam evocar no contexto da sala de aula dependem fortemente das situaes e do modo como os professores de Cincias costumam abord-las.

    Situaes que envolvem o enunciado de problemas altamente idealizados, cuja abordagem costuma ser excessivamente formal, exigem um conjunto de es-quemas de pensamento por parte dos estudantes que permanece restrito ao contexto escolar. Esse fato tem resultado em um distanciamento entre o Ensino de Fsica e a realidade experienciada pelos estudantes, chegando a gerar posturas disparatadas, como a apontada por Mazur (1997, p. 4), ao reproduzir as palavras de um estudan-te: Professor Mazur, como eu devo responder a essas questes? De acordo com o que voc nos ensinou, ou da forma como eu penso sobre essas coisas? Essa pas-sagem evidencia um obstculo a ser superado no Ensino de Fsica: a ruptura entre duas vises de mundo que costumam coabitar a mente dos estudantes. Uma sendo formada por concepes cientficas que parecem ter pouco a ver com a realidade e

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    a outra que, embora constituda de concepes alternativas, fornece explicaes para muitas situaes do dia a dia.

    O desafio que se impe a ns, educadores, est em reduzir o papel desem-penhado pelas concepes alternativas em favor das cientficas. Para tanto, preci-so redirecionar o objetivo do Ensino de Fsica para a reconstruo conceitual da realidade, estabelecendo conexes entre o cotidiano e os construtos da Fsica, que permitam aos estudantes adquirirem intimidade com a realidade material em outro nvel, definido como realidade fsica (PIETROCOLA, 1999).

    Nos ltimos anos, a modelagem emergiu como uma estratgia didtica da Fsica capaz de inserir contedos de natureza epistemolgica, imbricados com os contedos de campos especficos, para favorecer a aquisio de concepes e competncias associadas natureza e construo do conhecimento cientfico mais adequadas atividade cientfica contempornea, cuja essncia est na criao e na validao de modelos cientficos (BUNGE, 1974; ASTOLFI; DEVELAY, 1995; PATY, 1995). Nesse sentido, Cupani e Pietrocola (2002) apontam para o fato de que:

    Boa parte das crticas lanadas ao longo de dcadas pelos estudantes aos seus professores consiste em que eles no veem utilidade naquilo que lhes ensinado. Em se apresentando os contedos da cincia como forma de pro-duzir e validar modelos para explicar pores do mundo, parte destas crti-cas pode ser minimizada. As teorias vistas com essa possibilidade modeli-zadora permitem apontar caminhos para a construo de representaes no arbitrrias do mundo, de onde explicaes podem ser produzidas (p. 121).

    A maioria dos problemas que os estudantes esto acostumados a resolver em campos conceituais especficos da Fsica se limita manipulao de expresses matemticas relativas a um modelo terico que, em geral, no so associadas s entidades fsicas que, de fato, correspondem. Consequentemente, ao serem con-frontados com situaes de modelagem em Fsica, para as quais preciso evocar esquemas de pensamento que contm um ou mais dos invariantes operatrios apre-sentados como exemplo no Quadro 3, os estudantes costumam enfrentar dificulda-des no processo de conceitualizao do real.

    No ensino tradicional, costuma-se alertar o estudante de que a realidade demasiada complexa. Em seguida, justifica-se, por meio de argumentos didtico-pedaggicos, que o contedo ser introduzido atravs de situaes altamente idea-lizadas com o intuito de que, em um futuro prximo, muitas vezes jamais alcana-do, o estudante ser capaz de compreender as situaes mais realsticas. Com isso,

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    o estudante alertado de que o assunto complexo e de que ele s ser capaz de compreender as situaes mais simples naquele momento. Porm, no dito, e sequer mostrado, o quo restrito o domnio de validade do conhecimento que ele acaba de adquirir. Por isso, no raramente se escuta, por parte dos estudantes, o seguinte tipo de questionamento: Em que situaes eu posso aplicar essa equao, professor?

    A reflexo sobre o processo de modelagem cientfica subjacente ao trata-mento das situaes abordadas em sala de aula no costuma ocorrer. Portanto, o estudante no atribui a devida importncia funcionalidade dos conhecimentos envolvidos nesse processo e, por conseguinte, aplicabilidade dos contedos de conhecimento que ele constri relativos aos mais diversos campos conceituais da Fsica. Assim, o que se costuma observar entre os estudantes que eles so capa-zes de exemplificar, por meio de algumas poucas situaes onde determinado co-nhecimento se aplica, mas no sabem efetivamente aplic-lo. Nesse sentido, os estudantes tendem a se desenvolverem cognitivamente privilegiando a forma predi-tiva do conhecimento em detrimento da forma operatria.

    V.2 Implicao para a Pesquisa em Ensino de Fsica

    No contexto da Pesquisa em Ensino de Fsica, diversos estudos tm bus-cado interpretar seus resultados luz da TCC, em diferentes campos conceituais especficos, tais como: Conceito de Campo em Fsica Clssica (LLANCAQUEO; CABALLERO; MOREIRA, 2003), Gravitao (STIPCICH; MOREIRA; SAHE-LICES, 2005), Conceitos de Sistema e Equilbrio em Mecnica (COVALEDA; MOREIRA; CABALLERO, 2005), Ondulatria (BRAVO; PESA, 2005), Termo-dinmica (GRINGS; CABALLERO; MOREIRA, 2006, 2008), Relatividade Espe-cial (ARRIASSECQ; GRECA, 2006), Dinmica (LOPES; COSTA, 2007), Con-ceitos de Sistema e Equilbrio em Mecnica e Termodinmica (COVALEDA; MOREIRA; CABALLERO, 2009), Fsica de Partculas (KREY; MOREIRA, 2009) e Fsica Quntica (FANARO; OTERO; ARLEGO, 2009).

    Como pode-se constatar, esses estudos tm se ocupado de concepes as-sociadas a campos especficos da Fsica, e no de concepes de carter mais geral. H, por certo, linhas de pesquisa mais gerais no Ensino de Fsica, como a de reso-luo de problemas, mas que costumam fundamentar-se na TCC para investigarem concepes especficas de um campo de conhecimento, como Eletricidade (SOU-ZA; FVERO, 2002) e Cinemtica (ESCUDERO; MOREIRA; CABALLERO, 2003).

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    Por outro lado, desde o final do sculo passado, Weil-Barais e Vergnaud (1990) j chamavam a ateno para a presena de certos invariantes operatrios relacionados ao modo como os estudantes costumam interpretar experimentos em diferentes campos conceituais da Fsica. Ainda que esses modos de interpretao sejam fortemente dependentes das situaes e, portanto, dos contedos de conhe-cimento envolvidos, Weil-Barais e Vergnaud (1990) apontam alguns aspectos comuns s explicaes dos estudantes, que costumam: enfatizar as caractersticas perceptivas e relacionadas ao evento da situao: aes, movimentos e mudanas de aspectos (deformaes, modificaes na cor, etc.); descrever os vrios elemen-tos da situao em termos de suas propriedades e funes; conceber as interaes entre os elementos de uma situao de modo assimtrico; compreender o evento, no tempo e no espao, de modo sequencial. Tais modos de interpretao, que so fortemente relacionados ao evento da situao, ao invs de serem do tipo conceitu-al como desejvel em Fsica, conduzem, frequentemente, os estudantes a predi-es que apresentam falhas.

    Os autores argumentam, ainda, que diferentes enfoques tericos tm sido propostos para explicarem a questo da persistncia dessas concepes, mesmo em estudantes de nveis mais avanados. Em todos eles, a percepo visual desempe-nha um papel fundamental na construo do conhecimento por parte do sujeito. Apesar disso, Weil-Barais e Vergnaud (1990) apontam que poucas pesquisas havi-am sido realizadas sobre o papel funcional dessas concepes e sobre as dificulda-des e os modos pelos quais os estudantes constroem suas concepes em interao adaptativa com o contexto que os cerca.

    justamente sobre o papel funcional dos aspectos conceituais subjacentes s concepes de estudantes e professores acerca do processo de modelagem cien-tfica que reside a principal implicao para a Pesquisa em Ensino de Fsica da tese defendida na seo anterior. Como foi dito anteriormente, as explicaes de estu-dantes e professores devem conter invariantes operatrios associados noo de modelo e modelagem cientfica, que podem estar atuando como vieses ou precur-sores cognitivos para a aquisio de novos conhecimentos nos mais diversos cam-pos conceituais especficos da Fsica. Portanto, fundamental que eles sejam in-vestigados quanto sua natureza, s situaes que costumam ser empregados e ao modo como podem evoluir ou acabar se constituindo em obstculos epistemolgi-cos construo de novos conhecimentos.

    Mas, para identificar as concepes de um estudante, seja como um vis ou como um precursor cognitivo, ou ainda como um obstculo epistemolgico, no basta uma abordagem exclusivamente psicolgica. preciso fazer referncia aos conceitos, modelos, tipos de raciocnio e representaes simblicas da Fsica (WE-

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    IL-BARAIS; VERGNAUD, 1990). Isso significa adotar uma postura epistemol-gica acerca do conhecimento produzido nessa disciplina, a fim de compreender as dificuldades encontradas pelos estudantes e professores no processo de conceitua-lizao do real nessa rea do conhecimento. Este trabalho parte da premissa de que, no contexto da Fsica, os processos de conceitualizao do real, por meio dos quais o sujeito se desenvolve cognitivamente, envolvem elementos que, em sua essncia, fazem parte do processo de modelagem cientfica ou, em ltima instncia, de um processo de mediao entre teoria e realidade.

    VI. Concluso

    O presente artigo teve como objetivo apresentar e defender a tese de que o processo de modelagem cientfica pode ser visto como um campo conceitual sub-jacente ao domnio de campos conceituais especficos da Fsica. Alm disso, pre-tendeu mostrar que essa ideia possui implicao didtica relevante para o Ensino de Fsica e para a pesquisa nesta rea.

    No contexto do Ensino de Fsica, a principal implicao didtica diz res-peito questo das situaes que costumam ser trabalhadas em sala de aula, seja do Ensino Bsico ou Superior. Em termos prticos, preciso repensar o Ensino de Fsica no que diz respeito s atividades (e situaes) que so propostas aos estu-dantes, se quisermos que eles desenvolvam esquemas de pensamento que conte-nham elementos conceituais envolvidos no processo de modelagem cientfica e que permeiam toda a Fsica.

    Em razo disso, desejvel que os professores dediquem esforos no pla-nejamento de atividades que favoream a aquisio de concepes e competncias, por parte dos estudantes, associadas ao processo de modelagem cientfica no Ensi-no de Fsica. Tais atividades foram sintetizadas em trs classes de situaes, capa-zes de darem sentido aos conceitos que se quer introduzir e que sero discutidas detalhadamente em um prximo artigo, que enfoca o planejamento didtico centra-do no processo de modelagem visto como um campo conceitual. Essas atividades no tm como objetivo transformar os estudantes e professores em modeladores profissionais, mas sim o de favorecer a aquisio de concepes e competncias associadas modelagem cientfica em Fsica, por parte de ambos, levando em conta aspectos conceituais para o seu domnio que costumam permanecer larga-mente implcitos na aquisio de contedos de conhecimento em Fsica.

    No contexto da Pesquisa em Ensino de Fsica, essas atividades acabam delimitando o campo conceitual da modelagem didtico-cientfica como uma uni-dade de estudo frutfera para dar sentido s dificuldades enfrentadas por estudantes

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    e professores no processo de conceitualizao do real nos mais diversos domnios de conhecimento da Fsica. Nesse sentido, a principal implicao da tese para a Pesquisa em Ensino de Fsica reside na possibilidade de investigar a natureza e como podem evoluir os invariantes operatrios que estudantes e professores evo-cam em situao de modelagem, ou seja, nas situaes de interesse da Fsica em que se impe a necessidade de um processo de mediao e/ou contrastao entre teoria e realidade.

    Agradecimentos

    Os autores agradecem aos avaliadores do presente artigo pelos coment-rios e pelas sugestes que enriqueceram e deram maior clareza ao texto e Profa. Dra. Marta A. Pesa pela contribuio inestimvel ao seu desenvolvimento terico.

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