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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 3334 A MODERNIZAÇÃO DO LITORAL CEARENSE: TERRITÓRIO, ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO GERARDO FACUNDO DE SOUZA NETO 1 Resumo: Entender as transformações sobre o litoral cearense desde o final da década de 1980 no Ceará é condição primordial desse texto. As mudanças provocadas pelo processo de modernização do território, atrelado a concepção de gestão, na qual, o Estado é conduzido como empresa, condiciona mudanças estruturais no território cearense. Um aumento significativo na inclusão de sistemas de objetos provoca uma intensificação de consumo do litoral. A especulação imobiliária, aceleração da urbanização e a expulsão das comunidades tradicionais são processos encontrados na modernização do litoral cearense que tem como um dos impulsos econômicos as políticas públicas de turismo. Palavras-chave: Modernização do litoral; Território; Políticas Públicas. Abstract: Understand the transformations on the Ceará coast since the late 1980s is a precondition of this text. The changes brought about by the territory modernization process, linked to design management, in which the state is conducted as now, conditions structural changes in Ceará territory. A significant increase in inclusion of object systems causes an intensification of the coast consumption. The increase in property speculation, the acceleration of urbanization and the expulsion of traditional communities are processes found in the modernization of Ceará that has one as one of public policy of tourism economic impulses. Key-words: Coast of modernization; Territory; Public Policy. 1 Introdução Esse trabalho propõe-se a analisar as alterações no litoral cearense, a partir de 1980 e as alterações provocadas pelas políticas públicas que são induzidas nesse espaço seletivo. O litoral no Ceará tem uma extensão de aproximadamente 573 quilômetros, se qualifica pelas diversas paisagens e formas de interação sobre esse espaço geográfico. Têm função centralizadora no cunho geopolítico e estratégico para o desenvolvimento econômico do estado. Administrativamente o planejamento do turismo organiza-se o litoral em duas grandes áreas, o litoral Oeste, também denominada, Rota do Sol Poente, que se especializa de Fortaleza até a divisa com o Piauí, inserido os municípios de Caucaia, São Gonçalo do Amarante, Paracuru, Paraipaba, Itarema, Trairi, Itapipoca, 1 Discente do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-mail de contato: [email protected]

A MODERNIZAÇÃO DO LITORAL CEARENSE: TERRITÓRIO, ESTADO E ... · Nas relações de poder a tensão entre os que dominam e os que são dominados estão sempre num processo de transformação

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

3334

A MODERNIZAÇÃO DO LITORAL CEARENSE: TERRITÓRIO, ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO

GERARDO FACUNDO DE SOUZA NETO1

Resumo: Entender as transformações sobre o litoral cearense desde o final da década de 1980 no Ceará é condição primordial desse texto. As mudanças provocadas pelo processo de modernização do território, atrelado a concepção de gestão, na qual, o Estado é conduzido como empresa, condiciona mudanças estruturais no território cearense. Um aumento significativo na inclusão de sistemas de objetos provoca uma intensificação de consumo do litoral. A especulação imobiliária, aceleração da urbanização e a expulsão das comunidades tradicionais são processos encontrados na modernização do litoral cearense que tem como um dos impulsos econômicos as políticas públicas de turismo.

Palavras-chave: Modernização do litoral; Território; Políticas Públicas.

Abstract: Understand the transformations on the Ceará coast since the late 1980s is a precondition

of this text. The changes brought about by the territory modernization process, linked to design management, in which the state is conducted as now, conditions structural changes in Ceará territory. A significant increase in inclusion of object systems causes an intensification of the coast consumption. The increase in property speculation, the acceleration of urbanization and the expulsion of traditional communities are processes found in the modernization of Ceará that has one as one of public policy of tourism economic impulses.

Key-words: Coast of modernization; Territory; Public Policy.

1 – Introdução

Esse trabalho propõe-se a analisar as alterações no litoral cearense, a partir

de 1980 e as alterações provocadas pelas políticas públicas que são induzidas

nesse espaço seletivo. O litoral no Ceará tem uma extensão de aproximadamente

573 quilômetros, se qualifica pelas diversas paisagens e formas de interação sobre

esse espaço geográfico. Têm função centralizadora no cunho geopolítico e

estratégico para o desenvolvimento econômico do estado.

Administrativamente o planejamento do turismo organiza-se o litoral em duas

grandes áreas, o litoral Oeste, também denominada, Rota do Sol Poente, que se

especializa de Fortaleza até a divisa com o Piauí, inserido os municípios de Caucaia,

São Gonçalo do Amarante, Paracuru, Paraipaba, Itarema, Trairi, Itapipoca,

1 Discente do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-mail

de contato: [email protected]

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Amontada, Itarema, Acaraú, Cruz, Jijoca de Jericoacoara, Camocim e Barroquinha.

Tendo recebido investimentos para uma fluidez mais intensa no território, como a

construção e duplicação das rodovias estaduais e o Aeroporto Internacional de Bela

Cruz, atendendo a demanda provocada pela praia de Jericoacoara, reconhecida

internacionalmente.

No litoral Leste, a Rota do Sol Nascente, ocupa a área entre Fortaleza e a

divisa com o Rio Grande do Norte, insere os municípios de Eusébio, Aquiraz,

Cascavel, Beberibe, Fortim, Aracati e Icapuí. Tendo seu desenvolvimento a priori

marcado pela expansão de segundas residências, próximo ao município de

Fortaleza (SOUZA NETO, 2011). Contém uma maior infraestrutura turística, quando

comparado com o Litoral Oeste, além do Aeroporto de Canoa Quebrada está

construído.

As políticas públicas são instrumentos dos quais os estados utilizam para

transformar e redimensionar espacialmente os territórios. A década de 1980 trouxe

ao Ceará uma nova dinâmica. Baseada em uma política pública com interesses em

dinamizar o setor de serviços, dá-se prioridade ao marketing, a propaganda e o

turismo.

É nesse contexto que o território apresenta uma dinamização, principalmente

com a abertura de vias, aeroportos e porto, ou seja, a inclusão de sistemas de

objetos é condição da modernização do litoral cearense. Nas concepções de

Lefebvre (2001) destaca a modernidade como um modelo de práticas que buscam

uma sociabilização entre os seres humanos e que isso ocorre a partir da prática

espacial.

Sendo que o principal escopo da modernidade são as metrópoles fruto de um

processo de industrialização desenfreado, atrelados a um modo de vida intenso. O

modelo de como as cidades são organizadas, demonstram uma orientação para a

fluidez das mercadorias e não das pessoas, o planejamento das cidades é orientado

de acordo com a necessidade de produção e reprodução do capital.

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Essa condição da modernidade se espalha pelos territórios, com o processo

de diferenciação territorial do trabalho (SANTOS, 2002), que está pautado no

movimento da modernização dos sistemas de produção e das relações de trabalho.

Nos países de industrialização tardia como o Brasil, o processo de modernização é

feito de forma fracionada, escolhendo apenas alguns espaços que contém fatores

básicos para as mudanças de ordem estrutural. A concepção de modernização está

inteiramente ligada com o progresso da técnica e a mudanças nas formas de

utilização dos espaços.

Essa modernização retardatária que ocorre no Brasil e consequentemente no

Ceará induz novos espaços para o capital, o mundo dito moderno não se restringe

as áreas de espetacularização como os shoppings, mas englobam o tempo livre do

trabalhador, fazendo com que o mesmo consuma os espaços e restrinja ao extremo

o ócio. Ou seja, no tempo livre o trabalhador continua a contribuir com o sistema

capitalista, a partir do lazer e do turismo, que no Ceará se concentra no litoral.

Essa necessidade de consumo, que abrangem a diversos tipos de

mercadoria, como a paisagem, fornece condição para a espetacularização dos

lugares assim o lazer e o turismo promovem uma especulação dos lugares,

principalmente a imobiliária com a inclusão de infraestrutura e apoio institucional do

Estado.

O tempo e o espaço que eram destinados ao ócio, na visão moderna são

reconhecidos como lazer, ou na sua forma mais elitizada, turismo. Assim, a uma

orientação para o consumo dos espaços, e produção espacial para o tempo,

aumentando as relações sociais na forma de mercadoria. É nesse contexto que o

turismo adentra aos estados do Nordeste brasileiro como sendo uma forma de

consumo dos espaços, para isso são criados espaços direcionados quase que

exclusivamente para o turismo.

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2 – Políticas Públicas, Estado e Território

As políticas públicas não são condições que surgem de maneira espontânea

na sociedade, são condições articuladas, planejas e executadas pelo Estado, na

concepção marxista, essas políticas tem a única função de saciar as necessidades

da burguesia, promovendo o processo de reprodução e expansão capitalista, a partir

da exploração do trabalhador que direto ou indiretamente vende sua força de

trabalho para as empresas que controlam os processos de dinamização do litoral.

Assim, compreender as políticas no litoral e os sujeitos que condicionam

essas ações é também estudar o Estado e suas ações. Na Geografia, desde sua

instituição como ciência, o estudo sobre o Estado tem tido grande destaque, sendo

seus precursores Frederich Ratzel em Geografia Política, de 1897, e Camille Vallaux

em Geografia Social com O Solo e o Estado, de 1911. As concepções produzidas

por esses autores servem de base para outros estudos na ciência geográfica que

acontecerão a posteriori.

Em Ratzel, baseado nos estudos de COSTA (2008), compreende-se o Estado

como território político e que o desenvolvimento do Estado estaria condicionado à

questão de aspectos físicos como formas de relevo, circulação marítima e fluvial,

tipos de solo, entre outros. Isso se torna evidente a partir da definição de Estado

apresentada por Ratzel. Segundo leitura de COSTA (2008; p. 34),

Para Ratzel, os Estados são organismos que devem ser concebidos em íntima conexão com o espaço. Daí a necessária adoção do que sugere como um “senso geográfico” ou o fundamento geográfico do poder político, o qual não deve faltar aos “homens de Estado pragmáticos”.

Os aspectos físicos estão associados à ideia de organismo vivo, e as formas

elementares estão atreladas e apresentam complexidades iguais às de uma vida. O

solo seria um componente essencial no desenvolvimento do território.

É fundamental, portanto, resgatar esse detalhe do pensamento do autor [Ratzel], isto é, de que a idéia do Estado como organismo está baseada antes de tudo nesse caráter de agente articulador entre o povo e o solo. Dessa articulação, diz ele, participam o povo com o seu “espírito”, cultura e, sobretudo, com o seu “sentimento territorial” obtido na sua ligação

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permanente com o solo, região ou país; e o solo, um invariante, um elemento de permanência face ao Estado que é transitório. (COSTA, 2008; p. 36)

Assim, pode-se entender que o solo para Ratzel tem conotação de território,

ou seja, está repleto de representações que dá à população que o habita a condição

de pertencimento. A perda de território seria o falecimento de uma comunidade, pois

perderia a vida. Nas teorias de Ratzel, o Estado é necessariamente expansionista

tendo necessidade do aumento de suas fronteiras. Sabe-se que na

contemporaneidade os processos de expansão de fronteiras territoriais cessaram na

quase totalidade se comparado aos processos do século XIX e XX. Na

contemporaneidade, assiste-se à expansão do capital não respeitando as fronteiras

nacionais. Segundo Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006, p.150) o território se

configura como

Espaço dominado (mediador de relações de poder político-econômico) e/ou simbolicamente apropriado (mediador de representações e identificações sociais). Todo território só existe a partir da articulação ou “irrigação” realizada através das redes.

Como lembra CASTRO (2009; p. 75). (...) “nessa dinâmica do sistema

capitalista mundial há uma contradição recorrente entre uma “interminável”

acumulação de capital e uma organização relativamente estável do espaço político”.

E o turismo é uma das atividades modernas que propicia nitidamente a permanência

desses processos: o da perda de território por população para expansão do capital e

o “falecimento” (se considerado órgão vivo, nas teorias orgânicas) de comunidades

pela impossibilidade de se adequar às regras do modo de produzir.

Assim o território torna-se conceito elementar da discussão entende-se que

é possível indicar algumas características distintivas do espaço político, como: é

delimitado pelas regras e estratégias do poder político; é um espaço dos interesses

e dos conflitos, da norma, do controle e da coerção legitimados pelos atores sociais.

Em outras palavras, um espaço político demarca um território onde os

interesses se organizam, as ações possuem efeitos necessariamente abrangentes

em relação à sociedade e ao seu espaço e onde existe a possibilidade de recurso à

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coerção, pela lei ou pela força legítima. (CASTRO, 1995) Ou seja, uma das

maneiras de compreensão desse processo é entender a diferenciação territorial

provocada pelos meios de hospedagem, com alocação da rede hoteleira no lugar.

A composição da diferenciação territorial, atrelada às mudanças provocadas

pela promoção de políticas de turismo no território cearense, tem registrado a

história de descidas e subidas no crescimento do lugar. As políticas públicas têm

sido estratégias do Estado Moderno na transformação dos territórios. Porém, o

território pode ser analisado de forma diferenciada como

(...) um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolvem, se inscreve num campo de poder (...) (RAFFESTIN, 1993, p.144).

Nas relações de poder a tensão entre os que dominam e os que são

dominados estão sempre num processo de transformação. Uma combinação de

energia e informação (RAFFESTIN, 1993, p.55), onde energia pode se transformar

em informação, isto é em saber, e a informação pode permitir que se liberasse

energia, portanto poder está relacionado com trabalho, capacidade de transformar a

natureza e as relações sociais. Desta maneira Raffestin (1993) chega à conclusão

que poder se enraíza no trabalho (RAFFESTIN, 1993, p.56).

O processo de produção do território é constituído pelo movimento histórico e por simultaneidades. Há um movimento constante que se materializa na vida cotidiana e no território, centrado na intersecção entre os tempos histórico e coexistente (multiescalar). No território há uma conjugação entre aspectos da economia, da política, da cultura e da natureza exterior ao homem (E-P-C-N). (SAQUET, 2008, p.56).

Em uma analise territorial não se deve ter uma fragmentação das relações, pois para

Saquet (2008), o território se realizar tanto na concepção econômica, política,

cultural e natural, estando interligadas entre si, assim buscando que nenhum

aspecto seja ignorado, objetivando um conhecimento da totalidade como lembra

(SANTOS, 1977). Essas múltiplas condições que apresenta o território é fruto dos

processos desenvolvidos pela sociedade e das instituições sociais que condicionam

a vida humana como a família, escola, igreja e o Estado.

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Assim, o Estado Moderno apresenta elementos que o diferencia dos Estados

anteriores (BOBBIO, 2000) sendo uma instituição organizada política, social e

juridicamente, ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é

uma Constituição escrita, e dirigida por um governo que possui soberania

reconhecida tanto interna como externamente. Tendo duas condições essenciais

para sua diferenciação com outros tipos de estado: (I) – O Estado é soberano, ou

seja, não existe qualquer outra autoridade no território que possa emanar o poder,

sendo esse estado reconhecido internamente e externamente. (II) – distinção clara

entre Estado e sociedade civil, demonstrando a necessidade de um governo

transitório, nas democracias para o controle do Estado.

Pautado nos interesses de desenvolvimento comercial da burguesia, o

comércio torna-se força motriz de desenvolvimento e elemento que mudará os

rumos com a dissolução da nobreza e ascensão da burguesia como classe

dominante. Processo esse que se completará com a acumulação primitiva do capital

e a Revolução Francesa (1789), marco da expansão burguesa.

Para (MANN, 1992) as relações que o Estado exerce se apresentam como

de forma despótica e infraestrutural, sendo que o poder infraestrutural se apresenta

como a capacidade do Estado de realmente penetrar na sociedade civil e

implementar logisticamente decisões políticas por todo seu domínio. Essa

penetração na sociedade ocorre pelos meios de regulação que são criados, são

dados pela autonomia concedida pela própria sociedade. Apresenta a autonomia e

inserção social como um dos temas centrais de sua discussão. Assim o Estado tenta

a partir de sua autonomia responder a questões das minorias como de uma elite que

busca transformações, para o que ocasionam ações elaboradas, que em muitas

vezes são constituídas como políticas públicas.

O pode infraestrutural do Estado demonstra sua capacidade de penetração

na sociedade, utilizando medidas controladoras, a partir da aplicação de políticas

públicas, respeitando e objetivando a totalidade e a universalidade de ações, tendo

sempre a necessidade de chegar às minorias e debater também, suas

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necessidades. No Brasil, esses elementos passam a ser corriqueiros a partir dos

anos 2000, com a discussão dos planos diretores municipais e com a inclusão do

orçamento participativo.

Assim, concorda-se com Muller (2000), ao dizer que a política pública se

apresenta como um programa de ação governamental em um setor da sociedade,

ou em um espaço geográfico. Assim, para compreensão de política pública tem-se

como base que ela é constituída por um conjunto de medidas concretas que formam

a política. Ou seja, a política pública ela sempre tem um caráter de dinamizar o

território, de constituir uma produção territorial latente, ou como políticas territoriais

que encrustam no território formas, que na maioria das vezes, destoam da realidade

do lugar, como podem também promover o desenvolvimento econômico e social

com políticas de capacitação de pessoas para uma determinada atividade

econômica existente no lugar.

Para Muller (2000) a política pública compreende as decisões ou formas de

alocações de recursos cuja natureza é mais ou menos autoritária: seja explícita ou

latente, a coerção é sempre presente. Ou seja, por mais que exista uma pressão

popular ou anseio social, o Estado utiliza a coerção como forma de política, os

interesses de um governo é que se coloca na maioria das vezes sobre o interesse

social. A coerção impõe de maneira branda a necessidade das empresas via

governo e muitas vezes desarticulam os movimentos sociais que lutam por

mudanças na esfera pública.

Uma terceira condição seria que a política se inscreve em um quadro geral de

ações que a coloca como política pública ou medidas isoladas. E a última condição

é que uma política define os fins ou os objetivos a atingir, em função de normas ou

de valores (MULLER, 2000); (CASTRO, 2005); (COSTA, 2008).

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3 – A Modernização do Litoral Cearense

Para uma efetivação da modernização do Ceará, a partir das políticas

públicas de turismo, o litoral foi dividido territorialmente em macrorregiões. O litoral

Oeste tem recebidos investimentos para fluidez mais intensa sobre o território,

desde a instituição do PRODETUR/NE I e II, com a construção de edificações,

duplicação das rodovias estaduais como a CE-085, construção Aeroporto

Internacional de Bela Cruz que tende a suprir a demanda provocada pela praia de

Jericoacoara, reconhecida internacionalmente e o deslocamento de grande parte

das atividades portuárias para o Porto do Pecém em São Gonçalo do Amarante, o

que condicionou a construção do píer de passageiros do Porto do Mucuripe em

Fortaleza.

O litoral Leste, Rota do Sol Nascente, a dinâmica econômica é marcada pela

expansão de segundas residências, próximo a Fortaleza, o que ocasionou a entrada

de Aquiraz na porção do território no PRODETUR/NE - II. O Litoral Oeste,

principalmente as praias inseridas na Região Metropolitana de Fortaleza, recebem

investimentos imobiliários de luxo, sendo área de investimento e de especulação

imobiliária como ocorre no Porto das Dunas nas proximidades do Beach Park e na

Prainha em Aquiraz, no município do Eusébio nas proximidades da CE-040. Outro

importante sistema de objeto é o Aeroporto de Canoa Quebrada no município de

Aracati que atende a demanda de turistas que visitam a praia com mesma

denominação do aeroporto.

No contexto de mudanças do sistema capitalista é que o turismo torna-se

atividade privilegiada no Ceará, recebendo apoio institucional, justificada pela

contribuição ao desenvolvimento regional e redução das desigualdades sociais. Os

governos subsidiam a ampliação do turismo com infraestrutura, incluem o turismo

nas políticas públicas de turismo, considerando a atividade chave para o

desenvolvimento econômico e social. E em especial, fonte de arrecadação e de

proventos aos cofres públicos.

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As políticas públicas de turismo promovem processos de diferenciações

territoriais no Ceará. São estratégias que o Estado utiliza para a transformação dos

territórios, quando se efetiva a modernização do espaço para a absorção de

negócio, sobre tudo os turísticos. Essa realidade torna o turismo viável, exigindo

mudança interna de autogestão do próprio Estado. Assim, estrutura-se o Ceará, com

modernização do território cearense, a partir da redução burocracia estatal,

privatizações e descentralização das ações do Estado. Mudanças que rendem ao

Ceará gestão administrativa mais eficiente considerada como modelo, sendo o

Estado comparado a uma empresa pública. Assim, o Ceará tornou-se mais

competitivo e passou a atrair maior número de indústrias, incentivar o agronegócio e

promover o turismo sendo essas atividades os pilares econômicos do Ceará.

A atuação pública, desde a década de 1980, demanda ações de vários

sujeitos a produção espacial, governo, empresas, mercado, especulação imobiliária

e sociedade. Daí a importância das políticas públicas de turismo que fazem parte do

processo de materialização territorial do litoral cearense. Com atuação da política

pública e a tecnificação dos espaços, os lugares são induzidos a novas funções,

existindo uma ampliação significativa do mercado imobiliário que muitas vezes

condiciona as ações promovidas pelo Estado.

4 – Conclusões

As políticas públicas de turismo marcam o reordenamento e a

(re)estruturação do litoral no Ceará, as obras implementadas abrem novos postos de

trabalho, ampliam-se os serviços urbanos e as atividades relacionadas diretas e

indiretamente as atividades litorâneas, com apoio de órgãos governamentais e

instituições privadas.

Alguns megaempreendimentos dominam a cadeia produtiva no litoral, não

promovendo abertura no mercado de trabalho para a comunidade, e isso tem sido

criticado por pessoas conscientes que buscam o desenvolvimento na escala

humana. Os espaços foram capturados pela lógica do mercado. A intensa

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comercialização de terra e serviços e a especulação imobiliária são hegemônicas.

Assim como nas áreas urbanas, o espaço recriado do litoral fragmentou-se e

globalizou-se e passa por hierarquização.

As redes de resorts, cadeias de hotéis, restaurantes, bares e outros serviços

essenciais a lazer e turismo aperfeiçoam serviços, atendendo às exigências da

demanda. A luta por apropriação e (re)apropriação do solo de forma licita ou ilícita,

ocasiona conflitos sociais e estimula lutas de nativos que resistem e promovem

políticas alternativas. Algumas comunidades que apresentam resistência às

atividades excludente mostram que são necessárias mudanças na formação e

execução de políticas públicas territoriais, para que possam promover bem-estar.

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