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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL THIAGO DA SILVA GODOY A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA Corumbá MS 2016

A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA · 2017-06-01 · 3 THIAGO DA SILVA GODOY A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA Dissertação final apresentado ao Programa de Mestrado

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAMPUS DO PANTANAL

THIAGO DA SILVA GODOY

A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA

Corumbá – MS

2016

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THIAGO DA SILVA GODOY

A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como exigência para obtenção do título de Mestre.

Orientador:

Antônio Firmino de Oliveira Neto

Linha de Pesquisa:

Ocupação e Identidade fronteiriça.

Corumbá - MS

2016

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THIAGO DA SILVA GODOY

A MULTICULTURALIDADE NA ESCOLA DE FRONTEIRA

Dissertação final apresentado ao

Programa de Mestrado em Estudos

Fronteiriços da UFMS, como parte

das exigências para a obtenção do

título de Mestre.

Corumbá, 21 de maio de 2016.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________

Orientador Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto

(Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)

__________________________________ 1° Avaliador

Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/PPGEF)

__________________________________ 2° Avaliadora

Profª. Drª. Mara Aline Ribeiro (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

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Ao meu maior sonho e projeto de felicidade, João Vitor, que me dá coragem de viver

qualquer aventura, já que somos “melores” amigos por toda nossa vida!

Ao meu outro amor que me revelou ao amor paternal e apoio nas diversas

ausências, minha esposa Patrícia.

E aos meus pais, Geraldo e Brígida que me ensinaram o que é amar.

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Agradecimento

A Dom Bosco, grande educador, que está sempre presente em meus sonhos e nos

caminhos da Educação.

À minha sempre mãe, Nossa Senhora Auxiliadora, que sempre velou minhas insônias

pensantes e filosóficas nas noites pantaneiras.

Aos jovens, adolescentes e crianças que me fazem suar, respirar, planejar e lutar por

novas conquistas, em especial os estudantes da Escola Municipal Tilma Fernandes que

deram tantas alegrias e frutos nesses escritos.

Ao professor Antônio Firmino de Oliveira Neto que provocou e instigou tantas vezes para

o melhor resultado nesse estudo.

Aos amigos que se somam aos meus sonhos educacionais e me dão grande desejo de

projetar ainda mais: Livio Wogel, Antônio Spirandeli, Damião de Jesus, “Mestre” Teixeira,

Adalberto Alves, Domingos Sávio, Odair Duarte que sabem o valor da vida, da amizade e

da educação; Fernando, Karla, Aleks, Thais, Rosana, Ana Patrícia, Luciana e a nossa equipe

do Missão Pedagógica no Parlamento (2014); À professora Giane Aparecida Moura da

Silva e professora Celeida Maria Costa de Souza e Silva que ajudaram desde as primeiras

letras desses resultados; à minha “bibliotecária” predileta Leia Duarte; à minha turma do

Eden; À amiga Jane Ely com os apoios internacionais.

À “teacher” Henriete Zanini que nunca me faltou com ajuda nos apuros ortográficos e

despertou, desde cedo, a sede pelo saber de forma criativa.

Aos amigos de profissão do hoje e do ontem, em especial educadores do IFMS (EAD) em

Corumbá: Jeruza Santiago, Rafael Françoso, Alessandra Mendes, Claudia Fernandes,

Sandro Santos e Davi Campos;

Às educadoras e educadores da Secretaria Municipal de Educação de Corumbá que

sempre abriram as portas para as garimpagens de dados e informações.

Aos colegas e professores do Mestrado que estimularam para as vitórias.

Aos familiares que sempre torceram pelas minhas conquistas, em especial: Vó “Eba”, Vó

Ana e Vô Zé (todos in memoriam) que intercedem por meus passos; os meus irmãos Alex

e Liliane, a cunhada Diana, os sobrinhos Luana, Alan, Pedro, Ana, minha sogra Neusa e o

filhão Pedro.

E não o meu último, mas o único agradecimento, a Deus que sempre se fez ação na minha

vida e me apresentou todos esses meios de ajuda aqui nomeados, dentre outros tantos

anônimos e escritos nas entrelinhas.

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Não sou escravo de ninguém. Ninguém, senhor do meu domínio Sei o que devo defender e, por valor eu tenho e temo o que agora se desfaz

Viajamos sete léguas por entre abismos e florestas

Por Deus nunca me vi tão só. É a própria fé o que destrói Estes são dias desleais

Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão

Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão

Reconheço meu pesar quando tudo é traição

O que venho encontrar é a virtude em outras mãos Minha terra é a terra que é minha

E sempre será Minha terra tem a lua, tem estrelas

E sempre terá

Quase acreditei na sua promessa e o que vejo é fome e destruição Perdi a minha sela e a minha espada. Perdi o meu castelo e minha princesa

Quase acreditei, quase acreditei

E, por honra, se existir verdade. Existem os tolos e existe o ladrão E há quem se alimente do que é roubo,

Mas vou guardar o meu tesouro caso você esteja mentindo

Olha o sopro do dragão É a verdade o que assombra. O descaso que condena

A estupidez, o que destrói Eu vejo tudo que se foi e o que não existe mais

Tenho os sentidos já dormentes. O corpo quer, a alma entende

Esta é a terra-de-ninguém. Sei que devo resistir Eu quero a espada em minhas mãos

(...) Não me entrego sem lutar. Tenho, ainda, coração

Não aprendi a me render. Que caia o inimigo então - Tudo passa, tudo passará

E nossa estória não estará pelo avesso, assim, sem final feliz

Teremos coisas bonitas pra contar E até lá, vamos viver. Temos muito ainda por fazer

Não olhe pra trás. Apenas começamos O mundo começa agora. Apenas começamos

(Renato Russo – “Metal contra as Nuvens”)

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RESUMO

O objetivo dessa pesquisa é apresentar uma proposta de multiculturalidade para Escola de Fronteira. O principal objeto estudado é a Escola Municipal de Educação Integral Tilma Fernandes Veiga, situada em Corumbá, cidade localizada no extremo oeste brasileiro, na fronteira com a Bolívia. O Multiculturalismo é apresentado como meio de superação frente às limitações ainda presente na educação. As particularidades da Escola de Fronteira em Corumbá, a partir de sua identidade com a presença de culturas fortes, brasileira e boliviana, apresentou reflexões sobre os pontos ainda não alcançados no interior da escola que propõem caminhos de desenvolvimento da pessoa enquanto cidadão. Na prática analisada na pesquisa destacou-se o componente curricular “Formação Cidadã” pertencente à Base Diversificada do Currículo Escolar adotado na Rede Municipal de Ensino em Corumbá. A “Formação Cidadã” é apresentada como uma ferramenta de progresso da reflexão em sala de aula acerca da realidade monocultural ainda presente no campo educacional e os desenvolvimentos de preconceitos contra as mulheres, negros, imigrantes, em especial os estudantes bolivianos e outros grupos sociais. Palavras Chaves: Educação. Fronteira. Multiculturalismo

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RESUMEN

El objetivo de esa pesquisa es presentar una propuesta de multiculturalidad para

la Escuela de Frontera. El principal objeto estudiado es la Escuela Municipal de

Educación Integral Tilma Fernandes Veiga, ubicada en Corumbá, ciudad

localizada en el extremo oeste brasileño, en la frontera con Bolivia. El

Multiculturalismo es presentado como medio de superación frente a las

limitaciones aún presentes en la educación.

Las particularidades de la Escuela de Frontera en Corumbá, a partir de su

identidad con la presencia de fuertes culturas, brasileña y boliviana, presentó

reflexiones sobre los puntos aún no alcanzados en el interior de la escuela que

proponen caminos de desarrollo del individuo como ciudadano. En la práctica

analizada en la pesquisa se destacó el componente curricular "Formación

Ciudadana" perteneciente a la Base Diversificada del Currículo Escolar adoptado

en la Red Municipal de Enseñanza en Corumbá. La “Formación Ciudadana” es

presentada como una herramienta de progreso de la reflexión en el aula acerca

de la realidad monocultural todavía presente en el campo educacional y los

desarrollos de los prejuicios contra las mujeres, negros, inmigrantes, en especial

los estudiantes bolivianos y otros grupos sociales.

Palabras Claves: Educación. Frontera. Multiculturalismo.

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LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

AEE – Sala de Atendimento Educacional Especializado

CEMEI – Centro Municipal de Educação Infantil de Corumbá MS

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EF – Ensino Fundamental (Escola Básica)

FECIPAN – Feira de Ciências e Tecnologia do Pantanal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei nº. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LEF – Laboratório de Estudos Fronteiriços

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MEF – Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços

NEPFRON – Núcleo de Estudos sobre Tráfico de Pessoas e Povos de Fronteira

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

PDE – Programa de Desenvolvimento da Educação

PEIF – Projeto Escola de Fronteira

PME – Plano Municipal de Educação

PNE – Plano Nacional de Educação

REME – Rede Municipal de Ensino de Corumbá MS

SEMED – Secretaria Municipal de Educaçao de Corumbá

UFMS CPAN – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus Pantanal

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LISTA DE FIGURAS E IMAGENS

Figura 01 – Estrangeiros na REME .............................................................. 18

Figura 02 – Dados da Entrevista com Educadores ....................................... 27

Figura 03 – Dados da Entrevista com Educadores ....................................... 31

Figura 04 – Dados da Entrevista com Educadores ....................................... 33

Figura 05 – Escolas da REME ....................................................................... 38

Figura 06 – Transporte de Estudantes bolivianos ........................................ 38

Figura 07 – Região de Corumbá .................................................................... 43

Figura 08 – PEIF em Corumbá ...................................................................... 63

Figura 09 – Escolas Integrais no Brasil .......................................................... 67

Figura 10 – Fotografia Almoço Pantaneiro ................................................... 78

Figura 11 – Fotografia Almoço Pantaneiro ................................................... 78

Figura 12 – Projeto Tilma para o Bem .......................................................... 79

Figura 13 – Projeto Tilma para o Bem .......................................................... 79

Figura 14 – Brinquedos com PET................................................................... 80

Figura 15 – Apresentação de projeto na FECIPAN ...................................... 82

Figura 16 – Apresentação de projeto na FECIPAN ...................................... 82

Figura 17 – Aula na Feira Livre ..................................................................... 83

Figura 18 – Aula no MUPHAN ...................................................................... 83

Figura 19 – Piquenique Cultural ................................................................... 84

Figura 20 – Piquenique Cultural ................................................................... 84

Figura 21 – Visita à FM Pantanal.................................................................. 84

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Sumário

Introdução ........................................................................................................ 12

1. Cultura e Fronteira ....................................................................................... 18

1.1. Multiculturalismo e o Currículo da Escola de Fronteira ............................. 23

2. Procedimentos Metodológicos ..................................................................... 49

3. Resultados a partir da Pesquisa ................................................................... 52

3.1. Características e Identidade de uma Escola de Fronteira ......................... 52

3.1.1 A Escola de Fronteira EMEI Tilma Fernandes Veiga .............................. 55

3.2. O Projeto Escolas Interculturais de Fronteira em Corumbá ...................... 62

4. O Componente Curricular Formação Cidadã como ferramenta de rompimento

com a monoculturalidade ................................................................................. 72

4.1 Aplicabilidade: o Componente Curricular Formação Cidadã nas Escolas

Municipais de Corumbá .................................................................................... 74

4.2 Relato de Experiência ................................................................................ 76

4.3 Análise do Plano Anual do Componente Curricular Formação Cidadã ...... 86

Considerações Finais ....................................................................................... 92

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 97

ANEXO 1 – Entrevista com Educadores da Base Diversificada .................... 101

ANEXO 2 – Gráficos das Respostas da Pesquisa ......................................... 103

ANEXO 3 – Dados do QEdu da EMEI Tilma Fernandes Veiga ...................... 109

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Introdução

O desenvolvimento de uma reflexão sobre região de fronteira se torna, em

grande parte, um exercício de diálogo com os diversos aspectos da vida social

e com a cultura, em especial. A presente dissertação, além de prestar-se a ser

tal exercício, ainda se revigora por ser uma reflexão ligada aos aspectos da

Educação Formal, desenvolvida na fronteira do Brasil com a Bolívia, a partir da

vivência cultural e as relações sociais nesse território. Nessa dinâmica se

apresenta a necessidade de argumentação e algumas tomadas de posição.

Este trabalho foi desenvolvido na linha de pesquisa da Ocupação e

Identidade Fronteiriça, do Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da

UFMS/CPAN.

Ao deparar com as diversas realidades sociais da Região de Fronteira,

houve a necessidade de desenvolvimento de reflexão sobre a Educação Formal,

em particular no diálogo e nas relações culturais desse processo educativo. E

com os levantamentos das questões de pesquisa, também foram encontrados

alguns indicativos de solução, por isso a escolha do componente curricular

Formação Cidadã como ferramenta participante para os resultados planejados

nos objetivos da pesquisa.

Em todos os processos humanos se encontra cultura, e, isso, nada mais

são que as interferências pessoais, ou de grupos, realizadas nos arrolamentos

sociais onde estão inseridos os padrões indicativos de vivências e contatos de

relações da sociedade. A cultura é quase um tecido vivo, pois nunca deixa de se

renovar, de se desenvolver e de se modificar. O ser humano é o resultado das

relações sociais e isso está ligado ao seu processo cultural; é a sua originalidade

natural. Esse processo faz alterações físicas e metafísicas nos mais variados

espaços, bastando, para isso, haver a presença dos seres humanos. A própria

organização social é fruto da cultura.

Baseado nesse referencial, o objetivo geral deste estudo é a análise do

diálogo multicultural no interior da escola de fronteira. E os objetivos específicos

são: propor a discussão para a identidade de Escola de Fronteira e formas de

superação da monoculturalidade na mesma.

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O caminho terá a apresentação do roteiro da pesquisa, que evoca a

necessidade de constituição de um processo de diálogo multicultural na região

de fronteira do Brasil com a Bolívia, em especial nas estruturas sociais de

Corumbá e Puerto Quijaro, cidades de nações diferentes, mas que congregam

história, vivências e culturas próprias e inter-relacionais. Tais relações se

reproduzem em todas as dimensões sociais, o que inclui a Educação, já que é

um espaço de interação humana, afinal há, nas ações da escola, processos,

explícitos e implícitos, de constituição de identidade, de cultura e de

conhecimento, entre outros, que incidem na formulação da pessoa e de sua

vivência social.

A fronteira é um território rico de dinamicidades, devido sua genuinidade

– percebida pelos seus ocupantes e definidores (RASFFETIN, 1993,159) –, por

haver nela grande riqueza cultural, mas especialmente por estar no limite de um

território, e se for permitida uma metáfora, ela pode compor funções semelhantes

às da epiderme, que absorve os primeiros contatos externos e auxilia na

retenção e controle da entrada para as demais camadas da pele. No caso da

fronteira do Estado, as relações culturais travadas em seu território são ações

exteriores (à nação-estado, por exemplo) com alvo no interior, se for levada em

conta a ideia de que cada nação apresenta sua identidade cultural, que, apesar

de ser variante, como o caso do Brasil, se torna um processo quase unívoco. O

mesmo acontece no caminho inverso, quando o olhar altera. O espaço

geográfico da Bolívia também é um universo amplamente provocado a receber

interferências com os contatos culturais por meio das fronteiras. De modo

particular, cabe uma informação para completar a compreensão: a atual

Constituição da Bolívia destaca a identidade cultural ampla e plural, já que se

declara como “Estado Plurinacional da Bolívia”. A fronteira vista nesta pesquisa

é mais ampla que o limite do Estado, ela é o campo da relação humana e das

suas inteirações.

O espaço geográfico da Bolívia também é um universo amplamente

provocado a receber interferências com os contatos culturais por meio das

fronteiras. De modo particular, cabe uma informação para completar a

compreensão: a atual Constituição da Bolívia destaca a identidade cultural ampla

e plural, já que se declara como “Estado Plurinacional da Bolívia”. A fronteira

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vista, nesta pesquisa, é mais ampla que o limite do Estado; ela é o campo da

relação humana e das suas inteirações.

Continuando a ideia metafórica das camadas da pele, as nações dariam,

nesse caso, a ideia de contato de dois corpos, cada um com sua identidade e

características, mas que realizam trocas, como num aperto de mão ou um

abraço. Nesses dois exemplos, pode-se descrever uma gama de trocas que se

dariam no nível da derme: de temperatura, de fluídos, de sentidos, etc. A

comparação é para fazer pensar, mesmo que poeticamente, em como observar

a realidade com mais atenção e com mais visão. Na fronteira, pode-se dizer que

as relações entre as nações que estão em contato têm maior quantidade de

interferências, se forem levadas em conta as demais relações existentes nessa

realidade.

A fronteira é uma parte do território soberano e nacional, que tem sua

importância na mesma escala que as demais classificações e derivações

conceituais, mas que, aqui, torna-se o recorte necessário para a qualidade desta

pesquisa.

Este estudo tem como problemática as relações culturais desenvolvidas

no interior da Escola de Fronteira e as ações necessárias para o enriquecimento

e encontro de mais qualidade para os processos relacionais humanos vividos no

campo escolar.

A escola tem função clara, e uma delas é fazer com que o conhecimento

desenvolvido por meio dos estudos qualifique a vivência social e seus

desdobramentos. Com isso, a proposta é, também, pensar como se dá esse

encontro e o diálogo da cultura social no interior da Escola Básica na região de

fronteira.

O Mato Grosso do Sul é uma jovem unidade federativa, oriunda do

desmembramento do Estado de Mato Grosso, no final da década de 1970. Tem

sua marca histórica pautada pela violência entre o encontro de povos autóctones

indígenas com a expansão agropastoril (NOVAIS, 2004), o que interfere na

formação da endocultura e permite a propagação de preconceitos, já que há

divergência de concepções, e uma delas está ligada ao modo de produção e

subsistência dessas culturas.

O conjunto de informações propõe a reflexão a partir da temática

apresentada e se organiza em 4 seções.

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O primeiro capítulo tem como proposta apresentar dois dos conceitos

básicos para a pesquisa: cultura e fronteira. Ambos servirão como referência

para o desenvolvimento do corpo da pesquisa, ressaltando a compreensão de

multiculturalidade e sua inserção no currículo da escola de fronteira.

A segunda seção tem como proposta apresentar os caminhos

metodológicos e teóricos que deram suporte à pesquisa, bem como evidenciar

os parâmetros que auxiliaram na constituição deste escrito, a partir das

pesquisas desenvolvidas ao longo de todo o processo, em seus diversos

estágios.

O terceiro capítulo trará a reflexão sobre a pesquisa desenvolvida na

Escola de Fronteira e quais os processos, as características e os resultados que

dão identidade à estrutura educacional da região de fronteira. A escola de

fronteira Tilma Fernandes Veiga, de Corumbá, foi o local específico escolhido

para a pesquisa, pois se situa num espaço considerado limítrofe, na fronteira

Brasil-Bolívia, o que propiciou a observação e o desenvolvimento do estudo.

A análise foi realizada a partir da realidade brasileira, por opção

metodológica, mas que é, na verdade, uma análise possível para que todo o

conjunto relacionado, no caso, a fronteira, possa receber contribuições que se

somem a todos os esforços já desenvolvidos, e os que virão posteriormente,

para maior contribuição à vida educacional e social na fronteira. A discussão se

ampliará com a apresentação do Projeto Escolas Interculturais de Fronteira,

criado pelo MEC, e sob a coordenação da UFMS, tendo por foco a formação de

professores atuantes na fronteira Brasil-Bolívia. É esse o capítulo que

particulariza o estudo, ao apresentar a identidade da Escola de Fronteira em

Corumbá, partindo da contextualização dessa escola no desenvolvimento da

Educação Integral na Rede Municipal de Ensino, nos últimos cinco anos desta

década, e chegando aos aspectos encontrados por meio de uma pesquisa de

campo com educadores ligados aos componentes curriculares da Base

Diversificada do currículo escolar.

No 4º. Capítulo, o último, é apresentada a reflexão sobre uma ferramenta

de qualificação do processo proposto de diálogo cultural no interior da Escola de

Fronteira, por meio de um componente curricular presente em todas as unidades

educacionais da REME: a Formação Cidadã. E nessa seção é apresentado um

relato da experiência do autor desta dissertação sobre a perspectiva de

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desenvolvimento do diálogo multicultural no interior da escola para fomento de

intervenções na sociedade. O escopo é o de trazer à tona características

observadas como experiência de atuação como educador em escola de

fronteira, por isso o uso da primeira pessoa do singular especificamente nessa

divisão. Ainda há uma seção com anexos, contendo o modelo da entrevista

aplicado com os educadores e os gráficos completos dos resultados das

respostas dadas à pesquisa.

A contribuição esperada por esta pesquisa é suscitar reflexões promotora

de ações com vistas a formular ideários pedagógicos qualificadores do processo

formativo a ser desenvolvido no currículo escolar, como também favorecer a

formulação de algumas diretrizes para a ação dos docentes e da Escola na

região de fronteira.

A investigação propõe processos esperançosos de que o debate possa

trazer mais qualidade aos resultados, não para alimentar vaidades pessoais,

mas que nutram anseios sociais de superação de limites imperantes em grande

parte da sociedade desenvolvida na fronteira, seja aqui ou mas allá. Esta

pesquisa não será capaz de alterar os problemas vividos na fronteira, até porque

não faz parte do objetivo da mesma, mas será um somatório e uma contribuição

para que o processo de qualificação da vida e da sociedade continue seu

processo de desenvolvimento dos melhores objetivos.

Diante de uma pesquisa não se pode alimentar qualquer anseio paladino,

ainda mais quando se percebe que o campo tocado por ela está na realidade

mais criativa do ser humano: a cultura, que se renova, renomeia e muda

constantemente, para oferecer mais processos de superação e renovação.

Este escrito, assim como todos os que se fundamentam no meio social,

é, na verdade, um passo inicial ansiando que todo o seu esforço tenda a provocar

fórmulas e reformulações capazes de criar processos contínuos de busca de

qualidade. Há, neste texto, alguns passos nesse caminho de superação dos

desencontros na educação e das culturas, mas há também possibilidades de

novos projetos, ainda mais iluminadores da realidade, capazes de oferecerem

mais apoio às superações necessárias e aos que já estão em processo de

construção.

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1. Cultura e Fronteira

Um conceito que requer balizamento, nesse escrito, é a cultura, pois, por

meio desse exercício de compreensão, serão dados os passos de análise

propostos nesta dissertação. A compreensão da cultura não é tarefa fácil, pois o

marco exige acurada atenção devido às suas particularidades.

Cultura é processo coletivo que produz, no interior de um grupo social,

interferências e condições para as mais diversas relações, inerentes ao convívio

em sociedade, sendo, portanto, fruto de padrões e ações da vida dos sujeitos

que dela fazem parte. É a partir da cultura que os seres humanos se diferenciam

entre si. Ela interfere na vida das pessoas, modifica a paisagem, a materialidade

e a imaterialidade de um ou mais grupos sociais. E ainda capacita as relações

humanas devido ao desenvolvimento das relações, em especial na produção e

na realização de atos de comunicação.

A cultura pode influenciar a constituição biológica da pessoa,

especialmente quando gera ferramentas de interação entre as pessoas e o meio

que habitam, mas a cultura não é sinônimo das características biológicas e

naturais, e por isso não se pode reduzi-la aos aspetos físicos que a expressam

(GEERTZ, 2013).

Há relação entre educação e cultura (MOREIRA; CANDAU, 2007), já que

ambas criam interferências e alterações entre si. E por ser a região de fronteira

um espaço comum para relações humanas, e, por conseguinte, o espaço de

relações culturais, todas as instituições sociais poderão estar ligadas a esta

identidade cultural.

A cultura está diretamente ligada ao arcabouço simbólico na mentalidade

das pessoas, e, no caso da escola, o uso desses símbolos se torna atuação

quase automática no processo de desenvolvimento do conhecimento. Com isso,

compreender a cultura se faz necessário no contexto deste estudo. Há intenso

fluxo de pessoas na cidade de Corumbá, pelos mais variados motivos: comércio,

turismo, exploração, curiosidade, busca de novas realizações, entre tantos

outros ensejos. No entanto, um grupo em especial chamou a atenção para o

presente estudo: estudantes provindos da Bolívia que atravessam a fronteira

para estudarem em escolas brasileiras nos seus diversos níveis. São fronteiriços,

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são imigrantes, que deixam seu país, ou são nascidos no Brasil e têm pais

bolivianos. E embora o grupo seja bastante numeroso, não são únicos, são mais

de 4 etnias, segundo dados da Semed. E em 2015, o número oficial de

estudantes estrangeiros matriculados na REME foi de 37, conforme se observa

no gráfico seguinte.

Figura 1. Fonte Semed (corumba.gestorsea.com.br) acesso em fevereiro de 2016.

Apesar de serem dados oficiais, as observações e visitas às unidades

escolares têm outra percepção, já que o número de bolivianos é bem maior que

o apresentado. No entanto, o critério de classificação para ser estrangeiro é a

apresentação da certidão de nascimento, fato que restringe o somatório, já que

muitos estudantes realmente nasceram em solo brasileiro.

Há, nesses grupos de estudantes, os residentes no Brasil e os na Bolívia,

tanto de maneira oficial (que realmente fixam residência) quanto de maneira

oficiosa (quando usam apenas comprovantes de residência cedidos por

terceiros, para cumprirem a exigência legal das matrículas em escolas

brasileiras, por exemplo). Essas pessoas encontram no território fronteiriço o

local para o desenvolvimento de relações culturais.

O território é o espaço humanizado. A partir do momento em que os

espaços sofrem atuação de relações humanas, eles se tornam território e, nele,

há tramas ou estratégias (pessoas, firmas, instituições, infraestrutura e o meio

ecológico – onde ocorre a base física de atuação). Essas territorialidades que

0 5 10 15 20 25 30 35

Bolivianos

Japoneses

Paraguaios

Espanhol

Estudantes estrangeiros em 2015

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estão ligadas às relações sociais, no caso da escola, são representadas pelas

territorialidades dos professores e dos estudantes. Segundo Raffestin,

Falar em território é fazer uma referência explícita à noção de limite que, mesmo não sendo traçado como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com a porção do espaço. A ação desse grupo gera, de imediato, a delimitação. (RAFFESTIN, 1993, p. 153).

Com isso, não há como analisar ou conhecer a realidade de um território

específico sem conhecer o seu entorno e tudo aquilo que compõe sua realidade,

tanto material quanto imaterial. A atuação das sociedades no espaço fronteiriço

transforma-o num território que, como tal, adquire vivacidade de acordo com as

ações humanas. O que faz da escola um campo de atuação e análise, já que no

seu interior a ação humana é inerente. Por isso se pode classificá-la com

características próprias e influenciada pela identidade própria do território.

Compreender a realidade da região fronteiriça é deparar com aspectos

complexos, como o próprio conceito de fronteira, que pode ser entendida

simplesmente como a divisa geográfica entre os países, ou até mesmo como

linguagem metafórica para designar situações sociais, como a pobreza,

fronteiras epistemológicas, e outros aspectos antagônicos, como o bem e o mal.

No entanto, sempre há uma ideia de limite (atual ou virtual) e pelo menos dois

polos; a fronteira sempre terá dois lados.

Há quem se refira à fronteira como um aspecto concreto, mesmo quando

não há, como o caso de uma fronteira geográfica entre dois países que tenham

um rio entre si. O seu leito sempre será variante, de acordo com a ação das

correntezas fluviais, e mesmo com isso ele será tomado como a fronteira oficial

daquele local. Tal situação faz com que se pense na provisoriedade desse

conceito tomado como físico.

Durante uma das entrevistas semiestruturadas, ao dar sua resposta à

questão sobre o que significa fronteira, uma educadora deixa junto uma reflexão:

Eu tenho dúvida sobre o que é fronteira. Há um marco que diz que ali acaba o Brasil e que começa a Bolívia, mas tudo o que tem aqui também está lá e vice-versa. Acho que fronteira parece ser marco de fim e início, mas vejo muito mais de continuidade.

Mas a intenção é, também, apresentar a compreensão de fronteira que

será desenvolvido neste trabalho, e, no caso, ela partirá do conceito de fronteira

entre dois territórios nacionais, a fronteira político-territorial que divide duas

nações, dois Estados Nacionais. Por muitas vezes o conceito teve seu

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desenvolvimento na geografia, que manteve a manutenção do arcabouço das

relações, e hoje novas áreas do conhecimento apresentam sua contribuição.

Ferrari (2014) reflete sobre esta dinâmica:

Embora em anos recentes a noção de fronteira tenha sido associada ao limite político-territorial, os termos – fronteira e limite – não guardam o mesmo sentido, pois, como qualquer outro conceito, o de fronteira também sofreu modificações e incorporou novos elementos ao longo do tempo, pelo próprio avançar das sociedades, pelo desenvolvimento de novas técnicas de produção e pelas próprias mudanças políticas, econômicas e culturais.[...] Fronteira não é mais objeto de estudo sob seu único aspecto político, é também objeto de estudo dentro de uma perspectiva da geografia humana social e cultural, particularmente nas integrações econômicas regionais, onde as fronteiras têm sido o centro de interesse de pesquisas renovadas. (FERRARI, 2014, p. 2).

A origem do termo remonta aspectos linguísticos do latim para qualificar

a parte do território situado adiante, e tem as variações frontière, do francês,

frontier, do inglês, e frontera, em espanhol. Machado (1996) faz uma reflexão

sobre o desenvolvimento histórico do termo e a influência das práticas

cotidianas, como se designasse uma expressão de origem popular:

A origem histórica da palavra mostra que seu uso não estava associado a nenhum conceito legal e que não era um conceito essencialmente político ou intelectual. Nasceu como um fenômeno da vida social espontânea, indicando a margem do mundo habitado. Na medida em que os padrões de civilização foram se desenvolvendo acima do nível de subsistência, as fronteiras entre ecúmenos tornaram-se lugares de comunicação e, por conseguinte, adquiriram um caráter político. (MACHADO, 1996, p. 41).

A compreensão atual está intimamente ligada ao conceito de Estado

moderno, o que imprime a variedade de interpretações acerca do tema. Essa

compreensão envolve o desenvolvimento da noção de propriedade - com o fim

do nomadismo -, as relações comerciais e de produção, e uma gama de outros

fatores, a maioria ligados ao território físico, ou seja, traduz-se muito mais em

marcações da soberania do Estado.

A fronteira, então, apresenta a ideia de limite, e lhe são impressos

mecanismos para a permissão ou não das transposições. São usados critérios

com amplitude de origens para que os fluxos desses limites, como, por exemplo,

a necessidade do uso de documentos e o pagamento de taxas para entrada ou

saída de um país por determinados indivíduos. Tais indivíduos têm tratamentos

diferenciados para a passagem, como se são, ou não, cidadãos daquele território

que está fazendo o controle de entrada ou saída, se é uma passagem temporária

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de longa ou curta duração de permanência, dentre outros critérios. A fronteira ou

o limite podem ter alcances diversos, como o exemplo das jurisdições a que a lei

é submetida em casos acontecidos em determinados territórios.

A fronteira se relaciona com a soberania de uma nação; aliás, a soberania

depende diretamente da fronteira para ter valor ou não.

O comércio, na Bolívia, oferece grande quantitativo de produtos

importados de consumo com valores, muitas vezes, menores aos encontrados

no Brasil, por isso as transações econômicas internacionais são intensas.

Inclusive, é bastante comum para brasileiros o turismo de compras em Puerto

Suarez, Puerto Quijarro e Santa Cruz de la Sierra, todas cidades bolivianas.

Esse tipo de comércio também é realizado na cidade de Corumbá por

muitos comerciantes bolivianos, como também por brasileiros, que ofertam

roupas, produtos alimentícios, tecnologias e artesanato trazidos do país vizinho.

E muitos desses comerciantes bolivianos têm residência em Corumbá ou passa

a maior parte do dia no Brasil, o que permite o uso dos equipamentos e serviços

municipais como a estrutura de Saúde e Educação Públicas. Como apresenta

Campos:

Existe em Corumbá pelo menos três modalidades de atuação de bolivianos no comércio: como ambulantes nas ruas e nas calçadas da cidade, como feirantes nas feiras livres itinerantes ao longo de toda semana, e como comerciantes na Feira Brasbol. Seja em qual for a atividade, os moradores da cidade fazem uso cotidiano [dos serviços públicos] e a partir disso estabelecem algumas relações. (CAMPOS, 2011, p. 144).

Tais contextos da região fronteiriça criam situações sui generis nas

instituições oficiais, com é o caso das escolas, já que há a existência de salas

de aulas com estudantes com dupla cidadania, bilíngues, de culturas com matriz

diversa – indígena, boliviana, paraguaia, brasileira, apenas para citar algumas –

e todas as suas idiossincrasias, como apresenta Costa:

Para entendermos as configurações sociais que se constroem nas regiões de fronteira, é preciso considerar, do ponto de vista empírico, que, apesar do papel estratégico das fronteiras para os estados nacionais, não é possível menosprezar a construção local do espaço social fronteiriço a partir de seus moradores. Os moradores da fronteira sentem-se no direito de ultrapassar as barreiras nacionais, e o fazem cotidianamente, ou seja, indivíduos dos dois lados da linha divisória entre os Estados nacionais fomentam laços sociais que vão além das meras relações comerciais e da manutenção dos negócios transfronteiriços. (COSTA, 2010, p. 67).

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Esse fluxo de pessoas na fronteira não é um problema em si, inclusive

seria algo comum na realidade da globalização atual, mas há lacunas pontuais

que limitam o processo escolar em sua naturalidade e estabilidade, como as

exigências documentais que deixam estudantes sem possibilidade de conclusão

dos estudos, ou ainda a falta de preparo na ação educativa dos educadores que

atuam em sala de aula para a realidade fronteiriça, propiciando relações com

preconceitos e situações dolosas advindas do senso comum e de situações de

segregação. Um fato concreto acontece com os projetos educacionais,

desenvolvidos nas escolas de fronteira, no Brasil, que intencionam, apenas, que

os estudantes bolivianos aprendam a cidadania brasileira, expressa, por

exemplo, no civismo de entoar o Hino Nacional1. O que impera, em casos assim,

é a ideia unívoca de que a escola brasileira é apenas para os brasileiros.

Por meio da cultural a pessoa expressa sua identidade e mantém suas

relações com os demais em todas as esferas sociais componentes dessa

estrutura: igrejas, órgãos públicos, escolas, comércio, dentre outros.

Essa vivência social, quando observada na escola, tem sido discutida em

pesquisas de todos os níveis. A escola enriquece as reflexões científicas no

campo social. Um exemplo é o aprofundamento de temas relacionados com a

multiculturalidade vivenciada nos estratos sociais dos quais faz parte a escola.

1.1. Multiculturalismo e o Currículo da Escola de Fronteira

A escola é uma das células que compõem a sociedade, o que a faz viva

tão quanto a sua estrutura totalizante, por isso a escola traz dinâmicas criativas

de renovação e inovação. Há quem pense a escola como fomentadora da

sociedade, no entanto se percebe o contrário: é a sociedade que gera sua

escola, sem que isso signifique ferimento das autonomias existentes tanto na

sociedade quanto na escola (CORTELLA, 2008).

A escola é composta de vários segmentos, e um deles, que é por muitas

vezes tido como principal, é o currículo, e nele focamos todas as ações

envolventes na escola (SACRISTÁN, 1998).

1 Fato relatado por um professor da Rede Municipal de Ensino durante sua partilha na reunião formativa da

Semed com professores do componente curricular Formação Cidadã, na abertura do ano letivo de 2015.

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De modo especial, destaca-se o fato de a escola ser uma parte da

sociedade e, na maioria das vezes, ela ser reduzida a uma estrutura que imprime

uma identidade monocultural2. Podemos dar um exemplo: em muitas escolas,

em nome da organização disciplinar, implementam-se regras que ditam

costumes, como é o caso do impedimento ao uso de bonés e brincos ou a

proibição de alguns tipos de cortes (ou não) de cabelos por parte dos estudantes.

Sob a alegação de uma “ordem” se cria um conjunto de regras inférteis ao

processo educativo, já que em nada incidirá no processo de ensino-

aprendizagem. E muitas vezes tais regras são frutos de ideologias que não

condizem com a realidade atual ou estão deslocadas temporalmente, como era

no período de ditadura militar, que enxertou na sociedade costumes para se

tornarem sinônimos de disciplina e ordenamento. Numa estrutura de

monoculturalidade haverá preeminência pautada pela força sobre minorias.

No entanto, para que o assunto não se torne indagações cartesianas ou

devaneios com raciocínio de base marxista, faz-se necessária uma

compreensão sobre o termo, o que poderia ser o “apresentar as armas do duelo”.

Por isso o início é sobre o que é multiculturalismo. E num conjunto simples de

palavras, Tomaz Tadeu da Silva revela mais informações para a compreensão:

Multiculturalismo: movimento que, fundamentalmente, argumenta em favor de um currículo que seja culturalmente inclusivo, incorporando as tradições culturais dos diferentes grupos culturais e sociais. Pode ser visto como o resultado de uma reivindicação de grupos subordinados — como as mulheres, as pessoas negras e as homossexuais, por exemplo — para que os conhecimentos integrantes de suas tradições culturais sejam incluídos nos currículos escolares e universitários. Mais criticamente, entretanto, também pode ser visto como uma estratégia dos grupos dominantes, em países metropolitanos da antiga ordem colonial, para conter e controlar as demandas dos grupos de imigrantes das antigas colônias. (SILVA, 2000, p. 81).

E ainda, Candau (2009b) oferece uma percepção das variações no

multiculturalismo ao apresentá-lo dividido em três situações. A autora percebe o

multiculturalismo assimilacionista, que é o processo vivido na sociedade de

múltiplas culturas, que repassa essa realidade em suas estruturações, como é o

caso da escola que também permite formação para a cultura. Há o

multiculturalismo diferencialista, que é o fato de cada cultura se manter com

2 Termo usado por Grignon (2005) para designar a ação educativa que contribui para o reforço das características uniformes e uniformizantes da cultura dominante levando ao enfraquecimento correlativo dos princípios de diversificação das culturas populares e minoritárias.

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identidade diversa uma das outras, são quase que não-coisa da coisa, numa

linguagem poética. E, por último, há o multiculturalismo aberto e interativo, que

descontrói os afastamentos para propiciar a interculturalidade.

A discussão do significado de multiculturalismo é ampla e numerosa. Há

autores como Forquin (2000), Canen e Oliveira (2002), e o próprio Silva (2000)

que acrescentam parâmetros e análises diversas, mas que assumem o mesmo

caráter questionador. Na diversidade de formas de multiculturalidades

existentes, Hall apresenta pelo menos seis exemplos, sendo estes:

O multiculturalismo conservador segue Hume (Goldberg, 1994) ao insistir na assimilação da diferença às tradições e costumes da maioria. O multiculturalismo liberal busca integrar os diferentes grupos culturais o mais rápido possível ao mainstream, ou sociedade majoritária, baseado em uma cidadania individual universal, tolerando certas práticas culturais particularistas apenas no domínio privado. O multiculturalismo pluralista, por sua vez, avalia diferenças grupais em termos culturais e concede direitos de grupo distintos a diferentes comunidades dentro de uma ordem política majoritária ou mais comunal. O multiculturalismo comercial pressupõe que, se a diversidade dos indivíduos de distintas comunidades for publicamente reconhecida, então os problemas de diferença cultural serão resolvidos (e dissolvidos) no consumo privado, sem qualquer necessidade de redistribuição do poder e dos recursos. O multiculturalismo corporativo (público ou privado) busca “administrar” as diferenças culturais da minoria, visando os interesses do centro. O multiculturalismo crítico ou “revolucionário” enfoca o poder, o privilégio, a hierarquia das opressões e os movimentos de resistência (McLaren, 1997). Procura ser “insurgente, polivocal, heteroglosso e antifundacional” (Goldberg, 1994). E assim por diante. (HALL 2006, p. 51.).

Num mundo cercado de pluralidade cultural vivida nas religiões, nas

etnias e na sociedade não se pode negar a qualidade que a ideia do

multiculturalismo fornece à estrutura de educação formal (MOREIRA, 2001),

tendo como principal ganho a resposta e crítica a falsas hegemonias culturais

negativamente etnocêntricas, como o arianismo, por exemplo.

Na escola, também, pode-se analisar as regras muito comuns que

desenvolvem o conjunto do monoculturismo: a marcação do tempo e a duração

das aulas realizados pela própria escola. A separação e a fração do tempo

destinado ao estudo dos diversos componentes curriculares. O conhecimento

passa a ser cronometrado3, e só encontra validade se for empregado de maneira

3 Trazendo o conhecimento da Mitologia Grega da figura de Chronos, o filho de Zeus. Essa mitologia fornece para a tradição ocidental a ideia do tempo linear e cadenciado. Cf. Wogel, L. dos S. Filosofia e Ócio: possibilidades originárias de formação para o Ensino Médio. Tese. Doutorado em Educação: Currículo. PUC/SP, 2014, p.58.

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sequencial. É somente naquele espaço de tempo que se pode aprender o que

se projetou para tal, e que está no “plano de aula”.

Tal estrutura inviabiliza qualquer vivência de pluralidade no ambiente

escolar, como, por exemplo, a antagonia conceitual do tempo sequenciado, o

kairós4, que permitiria menos rigidez pragmática e mais apreço ao prazer, por

exemplo. É o tempo que se convive, que se conhece, que se analisa, por meio

dos contatos humanos, como em situações de lazer, no pátio ou na quadra de

esportes, nos contatos em sala de aula, entre outros. Nessa vivência não são as

sequências de “tempos” de aula limitadas pelos “sinos” que darão qualidade ao

processo educacional, e o resultado será um aprendizado de qualidade que

inserirá o estudante na experiência social de maneira mais valorada. A força

monocultural está em não permitir que a dinâmica cultural contida na expressão

de vida do estudante adolescente, jovem ou infantil, seja um processo de

conhecimento e aprendizado.

A apresentação desses meios de controle é para evidenciar como a

estrutura educacional não se beneficia da realidade plural, mas se mantém sob

a índole da “experiência acumulada” como ditadora para a educação formal.

E, agora, um parêntese, em 1ª. pessoa do singular, a título de exemplo do

que se está discutindo. Sou professor da Escola Municipal de Educação Integral

Tilma Fernandes Veiga, e, durante os três anos em que atuo lá, tenho sempre

ouvido determinada reivindicação por parte dos estudantes: um momento oficial

de intervalo, já que não há um horário específico delegado aos estudantes para

seu deleite e autonomia. Os estudantes já fizeram o pedido do momento de

recreio, de maneira explícita, ao corpo gestor da escola, por meio de reuniões

entre a coordenação pedagógica e os representantes de sala e em momentos

de diálogo na própria sala de aula, mas seu pedido foi negado sob a alegação

de que haveria muita dificuldade em controlar a disciplina dos estudantes livres

no pátio. E como alternativa se apresentou o fato de que todos os estudantes

gozam de três momentos para refeição5, já que passam 8 horas, diariamente, na

escola. Essas pausas poderiam ser interpretadas como “o recreio” solicitado, no

4 “É um deus jovem e atleta, alado nos ombros e nos joelhos, que somente tem uma mecha comprida na fronte e o restante da cabeça calva. Um deus nu, difícil de ser agarrado. Por ser acelerado, ele não se preocupa com o passar do tempo, mas somente com o presente, com um momento oportuno e uma decisão acertada. Entre os romanos, era conhecido como Tempus, que pode ser traduzido por momento, o tempo em que as coisas ocorrem, o que simbolizava a oportunidade”. (Idem). 5 Café da manhã, almoço e o lanche da tarde, servidos no refeitório da escola.

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entanto a escola permanece com a rigidez das oito aulas se mantendo na fração

de uma hora cada, e não há intervalo destinado ao domínio da auto-organização

dos estudantes. E cabe destacar que a escola teria autonomia para essa

mudança.

Outra situação presente na escola são regras sexistas que não fazem

parte do cotidiano social. É praticamente inexistente, no Brasil, a separação de

filas por gênero sexual. Muitas vezes com a intenção de garantir o bom

comportamento dos estudantes, há professores que separam meninos e

meninas, e isso acontece em todos os momentos de organização e passagem

entre os ambientes (filas na acolhida matutina, na saída da sala para as aulas

de educação física, nos momentos de refeição, entre outros). O que se percebe

é, na verdade, uma ideia latente de certo preconceito de comportamento sob

base da sexualidade, e a classificação dos meninos como indisciplinados ou não

apenas pela situação de seu gênero sexual, o que não encontra nenhuma base

de prova para a compreensão pedagógica atual.

Ainda na experiência de participante da pesquisa desta dissertação,

presenciei uma cena que permite melhor compreensão desta análise: a

professora de uma série inicial do Ensino Fundamental apresentando uma

conduta de valor a um estudante do sexo masculino ao observar que ele estava

com as unhas pintadas de esmalte colorido. Afirmou ela que tal comportamento

não era condizente a um “homem com H maiúsculo”, referindo-se ao apelo

machista para qualidade humana. Em seguida, ela buscou a opinião de um

professor, para dar autoridade ao seu argumento: “Professor, você não

concorda? ”. A resposta dele foi negativa, explicando que foi um tema trabalhado

em sala de aula nos dias anteriores, ao apresentar a vivência da cultura e da

convivência humana sem estereótipos machistas. E no mesmo ato do diálogo

com a professora, o estudante, em questão, ainda completa que o uso é um sinal

de seu pertencimento a um grupo de amigos que marca a unha com esmalte. O

que foi ignorado mais uma vez pela professora. O fato reflete, apesar de

particular, a percepção formativa em muitas escolas, que reproduzem o senso

comum da percepção social, assim como a designação de cores para os

aspectos sexuais: azul para meninos, cor-de-rosa para meninas.

Posteriormente, os dois professores travaram um diálogo sobre o assunto, e ao

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que parece a professora refletiu sobre o assunto e passou a compreender a

interface do problema.

O monoculturalismo tem essa situação de apresentar argumentos

falaciosos de maneira absoluta, sem levar em conta a particularidade vivida

pelos demais atores da educação e da cultura social, nesse caso os estudantes.

Ele não permite o diálogo com o universo à sua volta. Ele cria forças que

emudecem culturas já marginalizadas, fortifica estruturas dominantes e

sectárias. O monoculturalismo tem suas bases forjadas em grupos culturais mais

numerosos ou detentores de mais poder.

Quando essa realidade é evidenciada, há algumas constatações que

servem de conteúdo para a reflexão. É o caso da pergunta constante no

questionário respondido por professores da REME, sobre se eles concordam ou

não com a afirmação de que “a escola é monocultural”. Como se pode observar

no gráfico abaixo, a maioria absoluta (97%) responde que não concorda.

Figura 2. Gráfico gerado pelo autor para apresentar os dados da pesquisa com docentes da Base Diversificada, componente curricular da REME de Corumbá-MS.

Quando indagados do “por quê? ”, as respostas variam pouco na ideia de

não haver possibilidade de a escola ser monocultura, já que são muitas pessoas,

e, por conseguinte, muitas culturas em relação, no ambiente escolar. Parece não

haver análise do termo sob a ótica da instituição voltada para os estudantes, mas

as respostas indicam uma generalização conceitual, e isso pode evidenciar,

também, o desconhecimento dessa reflexão. E, em sendo assim, pode suscitar

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Concordo Discordo Não Respondeu

“A Escola é monocultural”. Você concorda ou discorda?

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a dúvida se há ou não, por parte dos professores, um pensamento reflexivo

quanto à estrutura educacional voltada para a região de fronteira.

Ao que parece há, a resposta indica, também, a compreensão de que é

dicotômico conceito mono e multicultural, sobre o fato de haver um conjunto de

culturas, ou seja, a escola não é monocultura porque há muitas culturas no

mesmo ambiente. No entanto, multiculturalismo não é tratado como

multiplicidades de cultura, mas sim como uma cultura múltipla. Isso muda muito

o aspecto enfocado nesta pesquisa. E a título de ilustração, o multiculturalismo

não é o fato de haver num mesmo ambiente japoneses, coreanos, bolivianos e

brasileiros, mas no fato de que, havendo várias culturas (étnicas ou não), elas

se confrontam e interagem. E no caso da escola, que a cultura da educação seja

aberta para as culturas em sua identidade, ou seja, que a escola não tenha

cultura fechada e sem interação com a realidade daqueles que participam de seu

interior.

E ao observar, no gráfico há 3% dos que responderam ao questionário

que diferem dos demais da pesquisa completa evidenciando, assim, que a

concordância é porque “cada escola tem a sua comunidade e cada comunidade

apresenta a sua cultura”, prevalecendo uma análise da constituição de origem

de identidade, mas não um referencial da atuação educacional institucional.

A intenção de homogeneização estruturada pelo monoculturismo escolar

é sustentada pelos projetos pedagógicos de qualidade máxima, de obtenção de

sucesso financeiro e profissional do estudante. Ou seja, já que a finalidade da

educação é garantir o bom resultado ao estudante, nada mais necessário que

ela siga o padrão estabelecido na lógica capitalista neoliberal.

A escola desenvolvida nos anos 1970 e 1980, no Brasil, estabeleceu uma

identidade cartesiana do conhecimento, e, com isso, a diversidade se tornava

um assunto pautado em meio aos estudos reais. Um exemplo disso é como era

comum a celebração de datas do calendário cívico, como o dia 19 de abril: a

figura do indígena aparecia estereotipado em maquiagens, canções e

expressões artísticas, mas a reflexão sobre seu papel na construção da

sociedade brasileira, seus conhecimentos históricos e sua importância se

tornava obscurecida e presente apenas em poucas vozes mais críticas.

Atualmente, não é raro educadores reflexivos que apresentam a celebração

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dessa data com aspectos qualificadores e críticos, distanciados das anedotas

pejorativas.

Atualmente, se percebe intensa relação entre a educação e as realidades

conflitantes da sociedade, gerando grande quantidade de reflexões para o

campo acadêmico. Foram as lutas e as conquistas dos movimentos sociais que

produziram essa reflexão, como a presença dos movimentos negros que

ampliaram a compreensão do preconceito que imperou na cultura de muitos

povos. Fato semelhante aconteceu por meio das organizações indígenas,

homossexuais, quilombolas, feministas, e dos povos do campo. Essas ações

deram voz à grande gama de culturas. Essas culturas conquistaram espaços no

interior da escola.

Como pode ser observado no comentário de Vera Maria Candau, há

influência na escola de uma visão redutora das capacidades da educação em

aprimorar a pessoa na força da cultura, que pretende amoldar alguns

comportamentos com intuito qualificador da vida social, sem uma visão crítica:

No âmbito da educação também se explicitam cada vez com maior força e desafiam visões e práticas profundamente arraigadas no cotidiano escolar. A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um “problema” a resolver. (CANDAU, 2011, p. 241).

A cultura cria a identidade da pessoa, além de legitimá-la, valorizá-la e lhe

atribuir significados. No entanto, o que se torna prejudicial aos estudantes nesse

processo do monoculturalismo não está em fatos superficiais de regras de uso

ou não de acessórios, de aceitação ou não da moda, mas um dos principais

desafios culturais para a Educação é barrar a ditadura neoliberal que nivela o

processo educativo na base da produção capital (APPLE, 2006, p. 15). Isso

significa uma possível redução da capacidade de autonomia, emancipação e

desenvolvimento crítico do conhecimento dos estudantes, em particular em sua

socialização e incremento do senso crítico, já que as regras são apresentadas

como meios seguros para o sucesso projetado por essa escola, ainda mais que

o monoculturalismo é oriundo de grupos sectários de ortodoxias ligados ao

poder.

Esse processo apenas classifica a educação no conjunto de produção

capital, e, por isso, sempre a analisa e indaga sob a forma de obtenção ou não

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de lucro. Os rumos da educação são direcionados pelas finalidades de produção

de capital.

Ao se destacar o tema do multiculturalismo, não se pode destituir o conflito

que o engendra às discussões de grupos sociais e culturais, uma vez que o tema

não pode ser desconectado das relações de poder das diferenças de classe. A

título de compreensão, leia-se a análise de Moreira (2001), em sua leitura de

Tomaz Tadeu, sobre o conceito de multiculturalismo:

Para Tomaz Tadeu da Silva (1999), o multiculturalismo crítico caracteriza-se por não conceber as diferenças culturais separadamente de relações de poder. Enquanto em uma perspectiva liberal apela-se para o respeito à diferença, por se considerar que sob a aparente diferença há uma mesma humanidade, no multiculturalismo crítico a própria definição do que é humano é vista como resultado de relações de poder. Ainda segundo o autor, a perspectiva crítica do multiculturalismo pode ser dividida em uma concepção pós-estruturalista (que concebe a diferença como essencialmente um processo linguístico e discursivo) e uma concepção mais materialista (para o qual os processos institucionais, econômicos, estruturais, estariam na base da produção dos processos de discriminação e desigualdade baseados na diferença cultural). (MOREIRA, 2001, p. 69).

No entanto, o uso da análise de Moreira (2001) não é mero acaso,

especialmente quando se observa o questionário aplicado e respondido por

professores sobre essa pesquisa (em anexo). Um fato se liga a esse assunto de

maneira explícita. Foi indagado aos professores se eles são fronteiriços. Poderia

até ser uma resposta exigente, se for levada em conta toda a reflexão ao redor

do conceito identitário, mas em relação aos educadores parece que não

deveriam perder-se desse assunto. Dos questionários respondidos, cerca de

54% deram a resposta “não” a esta pergunta, 38% responderam “sim”, e ainda

houve uma resposta dizendo que “de certa forma, por passar boa parte do tempo

em região fronteiriça”, ressalvando que 7,6% não deu resposta à pergunta, como

se observa no gráfico.

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32

Figura 3. Respostas dos professores entrevistados.

O ponto central é que, ao negar-se como fronteiriço, há um processo,

quase automático – e duplo – de classificação do “outro”, além da negação do

pertencimento a essa situação, já que todo residente da Faixa de Fronteira é

fronteiriço, não apenas os nascidos na Bolívia. Para esses entrevistados, o

fronteiriço é aquele que vem do outro lado da fronteira – no caso, a Bolívia –, e

não aquele que é dessa fronteira, ou seja, todos os que habitam a região de

fronteira do lado em que se encontram. Esse professor, ao não se considerar

como fronteiriço, lança apenas seu olhar para outro que habita o lado “de lá” da

fronteira, o que traz inferências em suas relações e construções conceituais

como as situações desenvolvidas em sala de aula.

Designar-se como fronteiriço é ainda um tema exigente para a maioria das

pessoas, especialmente pela necessidade de avaliação de outros conceitos,

como o de “fronteira”. Mas se for levado em conta que o professor, em sala de

aula, desenvolve espaços para reflexão crítica com os estudantes, também ele

deveria ampliar a crítica sobre esse tema. No entanto, o que se observa é que

tal reflexão é negada em outros processos, como no caso do senso comum, e

pode vir a pertencer ao arcabouço desses educadores.

O fato chama a atenção se for evidenciado que o professor não é mero

reprodutor de atividades pedagógicas; ele é cidadão, ele é desenvolvedor de

ideias que podem se fazer presentes no dia a dia de suas relações, em especial

Sim38%

Não54%

Não Respondeu

8%

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na sala de aula, o que agrava ainda mais a situação e identidade com a realidade

da fronteira.

Esse perfil de professor muitas vezes está inserido no mesmo processo

de manutenção do senso comum que não permite o desenvolvimento de ruptura

com a monoculturalidade na escola.

Para ser professor, há um processo a ser considerado na sua formação

que ocupa dois níveis: o inicial e a formação continuada. E, talvez, a formação

continuada sofra ainda com uma maior necessidade de aprimoramento,

especialmente se for levada em conta a realidade da consciência de

pertencimento da fronteira.

Basta observar que, dos professores entrevistados, 36% declararam ter

realizado algum curso específico para lecionar nos componentes curriculares da

Base Diversificada6 do currículo escolar. Nessa entrevista, uma professora

evidenciou sua formação para as aulas, já que é bailarina, tem atuação na área

circense e expressão artística e corporal, além de ser professora de Educação

Física, e o componente curricular da Base Diversificada, em questão, foi criado

a partir de um projeto orientado por essa professora. Ou seja, ao que parece há

sintonia entre a formação da educadora para a atuação na base diversificada, o

que é fato raro, de acordo com as entrevistas

A maioria absoluta (como se observa no gráfico seguinte), dos

entrevistados, utiliza-se de conhecimentos transversais para sua formação

acadêmica, o que não é incorreto, já que a Base Diversificada não se vincula a

uma formação específica. E, ainda, há formações proporcionadas pela

Secretaria Municipal de Educação, com periodicidade semestral, mas

geralmente são sugestões de temas e pequenos roteiros para as aulas, sem o

aprofundamento ou planejamento a longo prazo para a criação de plano

formativo.7

6 Com a legislação federal a partir da LDB, a educação trata os componentes curriculares com a designação “Base Comum” e “Base Diversificada”. Esta última é voltada para a formação da cidadania dos estudantes, o que permite às escolas mais autonomia em sua implantação, de acordo com as realidades inseridas. 7 Dados dos últimos três anos, a partir de 2012, período em que acompanho a formação em serviço, proporcionada pela Semed de Corumbá-MS

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Figura 4. Respostas dos professores entrevistados.

Embora a maioria tenha mais de dois anos em atuação nos componentes

curriculares da Base Diversificada (67,75%), tendo pelo menos quatro Encontros

Formativos em Serviço8, não se pode afirmar que estes foram capaz de suprir a

demanda, de acordo com as opiniões expressas na pesquisa.

A diversidade do sistema educacional e acadêmico atual sofre com o

balizamento para os resultados avaliativos, já que são avaliados sob a ótica

engessada dos centros educacionais e sob parâmetros que não acolhem a

realidade dos coletivos, na expectativa de serem classificados, ou não, como

bem-sucedidos. (ARROYO apud PEREIRA, 2008).

A composição das disciplinas da Base Diversificada está ligada às

particularidades e realidades de cada escola. No entanto, ao se ter essa

possibilidade de criação de novos componentes curriculares, subtende-se que

há também gabaritos mínimos para essa atuação profissional do professor.

Os temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Fundamental – PCNs (BRASIL, 1997), do governo

federal, assim como os conteúdos principais, são processos de ensino e

aprendizado, ou seja, são processos de conhecimentos e partem da ideia de que

8 A Secretaria Municipal de Educação organiza, ao menos duas vezes ao ano, um encontro com o propósito de capacitação dos educadores por área de atuação. Geralmente os temas das capacitações são ligados ao componente curricular que o educador ministra.

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

Sim Não Não Respondeu

Você realizou algum curso de formação específico para lecionar na Base Diversificada?

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há um encontro para se obter um resultado (o conhecimento) desencadeado por

um ensinamento, que é o principal atributo da profissão do professor.

Nos PCNs, os Temas Transversais são organizados em: Ética,

Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente e Saúde, que devem ser

tratados em meio aos conteúdos da base comum. A finalidade é complementar

o alcance dos anseios sociais analisados nos tempos atuais que ainda não foram

totalmente trabalhados nos outros componentes curriculares da base comum.

(BRASIL, 1997).

Nessa construção conceitual, de optar por novos componentes

curriculares para tratar dos temas transversais, pode-se perceber o viés político

que a educação desenvolve em si. É o que lhe imprime um valor, já que sua

ação se torna caminho de desenvolvimento da cidadania. No entanto, essa

realidade não pode ser compreendida sem a percepção da estrutura social e,

por conseguinte, da cultura. Até porque um dos grandes eixos da

transversalidade da educação passa por esses temas, como indicam os PCNs:

O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural. (BRASIL, 1997, p. 27).

Tendo presente isso, faz-se necessário que a escola assuma sua atuação

de diálogo, desenvolvimento e enriquecimento cultural. As ações devem ser

verdadeiramente fomentadoras de cidadania, de vivência social, de aprendizado

de regras, mas sobretudo de sólidas relações sociais amparadas em equidade,

justiça, respeito, autonomia e liberdade, de maneira a confluir o conhecimento

para um progresso emancipatório.

O pensamento da professora Vera Candau permite a compreensão do

importante papel que a educação pode proporcionar a essa situação:

A escola tem um papel importante na perspectiva de reconhecer, valorizar e empoderar sujeitos socioculturais subalternizados e negados. E esta tarefa passa por processos de diálogo entre diferentes conhecimentos e saberes, a utilização de pluralidade de linguagens, estratégias pedagógicas e recursos didáticos, a promoção de dispositivos de diferenciação pedagógica e o combate a toda forma de preconceito e discriminação no contexto escolar. (CANDAU, 2011, p. 253).

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A Educação não é a redentora social, mas seu papel permite e encaminha

à superação de graves problemas. No entanto, seu melhor processo de

qualificação social será alcançado quando o estímulo à reflexão sobre a

realidade for despertado em seu interior, quando as vozes oprimidas na

sociedade puderem se expressar com conteúdo e para audição nos espaços em

que as ações se cumprem.

Esse exercício de diálogo com a realidade desenvolve a multiculturalidade

e permite que a educação se torne um processo de conhecimento, já que suas

bases estão voltadas para a realidade. Será a construção da educação capaz de

promover, na diversidade, a compreensão e a cooperação solidária internacional

e a paz no mundo. Uma educação combatedora de toda forma de discriminação.

No ano de 2012, um novo momento foi inaugurado na escola e na

educação em Corumbá quando a Prefeitura Municipal, por meio da sua

Secretaria de Educação, iniciou o Projeto da Escola Experimental de Educação

Integral. Foram selecionadas, inicialmente, três escolas de Educação Básica da

Rede Municipal de Ensino (REME) para o primeiro estágio da implantação, com

jornada ampliada: as aulas, nessas escolas, passaram a ser das 8 às 16 horas9,

incluindo o tempo de almoço e dos lanches para estudantes, professores e

colaboradores.

Pertenciam a esse primeiro grupo as escolas “Luiz Feitosa Rodrigues”,

“Rachid Bardauil” e a escola foco deste estudo, “Tilma Fernandes Veiga”. Todas

essas instituições apresentavam, à época, segundo dados da própria Secretaria

Municipal de Educação10, estudantes com defasagem de idade e série,

localidade com vulnerabilidade social, e grande índice de evasão escolar11.

O projeto intenciona seguir o Plano Nacional de Educação e criar 50% de

escolas integrais12. A partir de fevereiro de 2015, três outras escolas municipais

de Corumbá passaram a atender em Tempo Integral: “Monte Azul”, “Eutrópia

9 No ano de 2014, o horário da escola mudou, e as atividades de aula passaram a ser das 7 às 15 horas para os estudantes, com a inserção de uma hora de intervalo para os educadores, que finalizam suas atividades às 16h. 10 Cf. Apresentação da Escola Integral. Prefeitura Municipal de Corumbá – Semed. 11 Idem. 12 A meta 6 do PNE: “Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica.” Disponível em: <http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014.

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Gomes Pedroso”, e “Porto Esperança”, todas escolas rurais, e essa última

destinada às populações ribeirinhas.

A Educação Integral deve vincular-se às diversas dimensões do ser

humano, já que a pessoa também necessita desenvolver sua afetividade e sua

sociabilidade, além da intelectualidade, que é a mais comumente desenvolvida

em ambientes escolares.

Assim como a ampla maioria da população, segundo uma pesquisa do

Data Folha13, há professores14 seguindo o senso comum e conceituando a

escola integral somente a partir da expansão do tempo, o que também está

presente na proposta do Governo Federal para a criação do “Mais Educação”,

que atende ao artigo 34 da LDB (Lei de Diretrizes Básica da Educação, Lei nº.

9394, de 1996)15, para a ampliação da jornada de aula. Em abril de 2007, no

âmbito das ações do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE), por

meio da Portaria Interministerial nº. 17, de 24 de abril de 200716, que teve como

signatários os Ministérios da Educação, Cultura, Esporte, Desenvolvimento

Social e Combate à Fome, instituiu-se o Programa “Mais Educação”, com o

objetivo de oferecer atividade socioeducativa no turno escolar inverso. No

entanto, a Escola Integral deve ir além da expansão apenas do tempo de aula.

Para a escola, há a exigência de uma formação que ultrapasse o

conhecimento cognoscível e também permita conhecimentos tão importantes

quanto, nas demais dimensões, como a afetiva, a social, a psicológica, dentre

outras. É o que preconiza a Educação Integral.

O ser humano não é um resultado passivo ou casuísta, é um contato e

conjuntos de ações, e a escola integral visa à conexão com a sociedade. Com

isso, quando a pessoa é lançada no processo educativo, ela desperta suas

questões, projeta seus anseios, desenvolve suas capacidades, e esses

“mecanismos” são os responsáveis pelo produto, ou seja, é por esse meio que

o ser humano se torna consciente do papel que a sociedade almeja para ele. E,

13Cf.<http://noticias.terra.com.br/educacao/nove-em-cada-dez-brasileiros-acham-que-escola-integral-e-necessaria,f7b2c7846d531410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. Acesso em: 5 set. 2013. 14 Em 2013 fora realizado um programa de atividades como repasse por parte de 4 educadores da escola Tilma Fernandes Veiga sobre o Curso de Docência em Educação Integral (EAD-UFMS), e no início dos encontros 87% dos educadores desta escola conceituaram Educação Integral como “Escola com mais tempo de aula”. Os dados foram apresentados no artigo publicado na Revista GeoPantanal n. 15 (Jul.-Dez. 2015): “A Escola Integral em Região de Fronteira Brasil (MS)-Bolívia” 15 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em dezembro de 2015 16 Cf. <http://educacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/port_17_12012010.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014.

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na vida social, todas as dimensões humanas devem se desenvolver de maneira

integral, assim como propõe o documento que apresenta o Programa Mais

Educação do MEC:

O ideal da Educação Integral traduz a compreensão do direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária e como condição para o próprio desenvolvimento de uma sociedade republicana e democrática. Por meio da Educação Integral se reconhece as múltiplas dimensões do ser humano e a peculiaridade do desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens. (BRASIL, 2008, p. 7-8).

Segundo o Programa Mais Educação do MEC (BRASIL, 2008, p.12), as

principais funções da educação na constituição do ser humano são: o

desenvolvimento do senso crítico, as ferramentas do uso da razão, o

aprendizado para criação de questões e capacidade de resposta para as

proferidas por outrem, o desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre sua

realidade, a disposição de buscar soluções para seus problemas e daqueles que

estão ao seu redor, além da competência de se tornar convivente com outros

(socialização).

No entanto, há outras funções desenvolvidas por meio do processo

educacional, como os saberes artísticos e a vivência do deleite. O professor pode

se fazer guia da vivência desse prazer em aprender, despertando o prazer de

estudar no estudante, por meio do método, dos assuntos e de outras ferramentas

pedagógicas que estão ao seu alcance, tais como o cinema, o projeto-atividade,

a leitura deleite, salas-ambientes, aulas de campo, as mídias e, sem dúvida, uma

seleção dos anseios dos estudantes.

A realidade das escolas da Rede Municipal de Educação (REME) é ampla

e com particularidades expressivas, como a Escola das Águas, que atende à

população ribeirinha e das regiões alagadas, distantes do centro urbano.

A ampliação das Escolas Integrais é uma ação que busca melhor

atendimento das realidades socioculturais dessa cercania, e talvez uma das

justificativas das escolas das Águas e da Zona Rural também ofereça tal opção.

A observação do gráfico abaixo, com dados do Censo Escolar 2014, demonstra

alguns números das escolas em Corumbá:

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Figura 5. Dados da Semed em dezembro de 2015.

Cabe ressaltar que todas as escolas integrais de Corumbá também são

inscritas no programa Mais Educação.

Outro ponto especial é a desconstrução do senso comum da cultura local

em sala de aula, que dá margem ao preconceito acerca da cultura advinda de

outras realidades, como a indígena, a boliviana e a paraguaia, para destacar

algumas das que fazem parte da realidade da região de Corumbá. Essa

compreensão precisa dar lugar à compreensão realista e justa da cultura

fronteiriça que não desqualifica as pessoas por causa de sua origem ou etnia.

A literatura e os estudos educacionais demonstram muitas experiências

com resultados elevados do uso e abertura para a cultura no ambiente

educacional. São provas disso a Escola Indígena, a Escola do Campo, algumas

experiências de implantação da Escola de Educação Integral, em particular na

cidade de Nova Iguaçu-RJ.17

A cultura no ambiente escolar pode se tornar um processo de

enrijecimento, especialmente se partirmos da realidade do caráter monocultural

e homogeneizador da escola, que não se abre ao convívio e à construção do

diálogo com a cultura ao seu redor, em especial a cultura dos seus estudantes.

(MOREIRA & CANDAU, 2007).

17 Cf.< https://www.youtube.com/watch?v=xl94JuyS6Os>. Acesso em: 1º. fev. 2016.

23

1213

6

17

6

0

5

10

15

20

25

Escolas daREME

Corumbá

Centros de Ed.Infantil

Escolas com"Mais

Educação"

Escolas deEducaçãoIntegral

EscolasUrbanas

Escolas Rurais

ESCOLAS E CEMEIS DA REME

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A cultura juvenil, por muitas vezes, é observada em situações mais

explícitas, como a presença de estudantes que se expressam em “tribos”18,

rappers, funkeiros, pagodeiros, ou outras assimilações culturais ou artísticas.

As culturas pátrias e étnicas, no entanto, também são evidenciadas no

ambiente escolar, por meio de sotaques, hábitos, indumentárias e até objetos

escolares. Um exemplo, na escola Tilma Fernandes Veiga, é a predominância

de cadernos quadriculados, amplamente usados por estudantes oriundos de

Puerto Suarez e região. Comumente usados para as aulas de matemática, esses

cadernos são usados pelos estudantes bolivianos também para os outros

componentes curriculares, o que causa estranheza aos estudantes brasileiros,

levando-os, inclusive, a fazer constantes chacotas sobre os colegas do país

vizinho.

As evidências culturais, muitas vezes, não são valorizadas e não

ultrapassam os horizontes folclóricos de datas comemorativas ou eventos

artísticos, como foi observado numa escola da REME, quando um estudante

convidado para representar a multiculturalidade presente na escola, num sarau

cultural, realizou essa empreitada por meio da leitura de uma poesia em

castelhano, como se isso bastasse, e que, no dia a dia, sua identidade não

precisasse ser manifesta. Nenhum contato cultural fica sem interferir na

realidade em que se apoia19.

Os motivos que fazem com que uma pessoa vá a outro país são os mais

variados e de múltiplos contextos. No entanto, quando jovens investem tempo e

dinheiro para sua formação instrucional, isso é indicativo da existência de um

desejo de superação de algo, que não foi provido em seu país, ainda mais num

contexto de comparação entre realidades sociais díspares, como poderia ocorrer

entre o Brasil e a Bolívia. Nesse contexto, surgiram ações como o Projeto Escola

de Fronteira (PEIF), do MEC, recentemente desenvolvido para as escolas desse

espaço fronteiriço.

18 Termo metaforizado usado pela Sociologia para designar grupos pequenos, geralmente juvenis e urbanos, que mantêm características próprias de congregação, como estilos de cortes de cabelos, roupas, comportamento ou maquiagem. São regras e práticas caracterizadas em contraste com o caráter homogêneo e massificado. A origem de tais grupos se liga, quase sempre, à contestação social ou ao modo alternativo de viver em sociedade. 19 Para exemplificar, pode-se imaginar o incômodo (mesmo que mínimo) que vestimentas étnicas causariam num ambiente plural como a escola.

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A realidade de imersão cultural de uma Escola de Fronteira parte, muitas

vezes, da realidade linguística (ensino do espanhol, em especial, como versa a

LDB em seu artigo 26), o que é uma realidade de grande importância, como

apresentam Nolasco e Guerra (2010):

Do ponto de vista discursivo, algumas atitudes se mostram como ferramentas fronteiriças de espaço, de identidade cultural e de perfil de comunidade. É evidente, portanto, que a língua é um fato importante de identificação de grupos sociais, uma maneira de (de)marcar diferenças entre um grupo e comunidades. (NOLASCO; GUERRA, apud SILVA; GUERRA, 2010, p.29).

No entanto, não é suficiente para marcar a realidade cultural da Escola.

Antes de mais nada, deve-se conhecer a cultura com perspectiva de relação e

interação na Escola de Fronteira, que não é território abstrato, mas que privilegia

as relações humanas. Tal exercício abriria espaço para o estudo e a discussão

de temas como as relações entre o Brasil e a Bolívia no contexto histórico,

aspectos culturais dessa afinidade, e outros pontos que permitiriam melhor

conhecimento e interação entre essas culturas.

A interação cultural vai além da criação de ênfases folclóricas em datas

ou momentos especiais, mas o próprio currículo da escola precisa influenciar a

ação em sala de aula. Há, também, aspectos legais construídos e selados em

acordos bilaterais e no bloco do Mercosul que trazem benefícios para a região e

seus munícipes, mas que ficam desconhecidos e pouco discutidos, como o

Tratado de Roboré20, por exemplo.

Uma ferramenta muito eficaz seria aproveitar-se do componente curricular

existente nas escolas da REME intitulada de Formação Cidadã21. Desde 2012,

as escolas municipais de Corumbá mantêm em sua grade curricular o estudo

organizado como “Formação Cidadã”, na intenção de desenvolver o aprendizado

de maneira mais completa no que tange à vivência social. Há algumas variações

na efetivação desse componente curricular, como escolas que a inseriram em

horários extras e complementares ao cotidiano; há escolas que alteraram os

20 Para mais conhecimento ver AMARAL, M.R. Formação da fronteira Brasil-Bolívia e o Tratado de Roboré.

Dissertação. 2014. Mestrado em Estudos Fronteiriços. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2014. 21 Há pequenas variações de nomenclatura em algumas escolas para esse componente curricular, como o caso de “Diversidade e Cidadania” ou “Diversidade, Gêneros e Direitos Humanos”. Para este texto optou-se por padronizar o nome de “Formação Cidadã”, por ser o que é mais utilizado nas escolas e, também, por ser o termo original. E, ainda, por ser um termo consagrado nas finalidades da educação tanto na Constituição Federal quanto na LDB.

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tempos de aula para a implantação; e outras que, ao se tornarem Escola Integral,

inseriram novos componentes curriculares.

O movimento de interação cultural está à porta e à margem da escola, se

for levada em conta a realidade da sociedade de Corumbá, especialmente se se

destacar a grande miscigenação cultural da região presente em diversos

aspectos da população local.

A cultura da fronteira está presente em todos os elementos da cidade:

nomes de ruas, tradições, hábitos citadinos, culinária, dentre outros, mas essa

realidade é pouco vivida na estrutura curricular e nos componentes curriculares

da escola. Justamente no espaço de maior atuação dessa sociedade, no âmbito

da educação formal, a cultura do local pode perder a característica de cerne e

ser tratada apenas com uma situação epidérmica, especialmente quando são

evidenciadas as miscigenações apenas nos momentos comemorativos.

Isso não faria com que as relações pedagógicas dessem primazia para os

conteúdos, mesmo que estes possam ser estereotipados e compostos de

xenofobia, em detrimento à realidade cultural circundante? Sacristán (1998) faz

uma análise expressiva sobre este assunto:

[...] a relação pedagógica professor-aluno está muito condicionada pelo currículo, que se converte em exigência para uns e outros. Não se pode entender como são as relações entre alunos e professor sem ver que papéis representam ambos os participantes da relação na comunicação do saber. A relação pessoal se contamina da comunicação cultural – nitidamente curricular – e vice-versa. O professor e os alunos estabelecem tal relação como uma consequência e não como primeiro objetivo, mesmo que depois de um discurso humanista e educativo dê importância a essa dimensão inclusive com mediadora dos processos e resultados da aprendizagem escolar. (SACRISTÁN, 1998, p. 31).

Essa perspectiva exige nova postura dos agentes na educação formal,

para que tragam – e atraiam – para o ambiente escolar novos saberes, novas

estratégias e novas formas avaliativas que poderão acontecer se não emergirem

de um novo currículo – que, aliás, já tem bons traçados na realidade da REME

em Corumbá –, que seja ativo no processo de emancipação humana e

qualificação social com olhar para a realidade da fronteira.

A realidade do imigrante e/ou do fronteiriço adquire particularidades, isso

em termos positivos e, também, em termos negativos, ou seja, participam de

uma realidade que lhes imprime situações muito próprias.

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No aspecto positivo, pode-se destacar o conhecimento de um novo idioma

e as relações comerciais facilitadas para a região. Por outro lado, destacam-se

os limites legais no que tange ao uso dos aparelhos e instituições públicas, como

o de saúde, por exemplo. Nessa realidade fronteiriça, para que o estudante

boliviano possa se matricular numa escola em Corumbá são necessários alguns

passos, como foi relatado pelo gestor da escola CAIC Padre Ernesto Sassida22:

Para os que têm registro brasileiro, é normal. Se o aluno tem apenas o registro boliviano, mas nunca estudou, ele precisa de permissão da Polícia Federal para estudar no Brasil, e só assim consegue fazer matrícula. Mas, se a criança com certidão boliviana já estudou na Bolívia, é necessário que apresente todos os documentos traduzidos por um tradutor juramentado para, junto com a autorização da Polícia

Federal, fazer a matrícula.23

O estudante estrangeiro tem, no âmbito formal, maneira lícita para estudar

no Brasil, mas tem a sua realidade cultural barrada no interior da escola. Alguém

poderia estranhar tal afirmação e vocalizar: “Mas o que há de errado nisso? Se

ele é boliviano e quer estudar no Brasil, que aprenda a nova cultura”. No entanto,

uma realidade como a sociedade da região de fronteira não pode formar seus

cidadãos deslocados do fato de haver a hibridação cultural, particularmente.

A professora Rose Zozias (ZOZIAS, 2016), ao acompanhar o Centro

Multiprofissional de Apoio ao Desenvolvimento Infanto-juvenil (CMAJID) da

SEMED e situações de inclusão de estudantes, apresentou, na entrevista

concedida no dia 16.02.2016, o fato uma mãe boliviana que procurou uma

unidade escolar no Brasil para matricular seu filho com visão reduzida, para que

essa criança recebesse acompanhamento biopsicossocial do apoio pedagógico,

o que reforça alguns dos motivos da presença de estudantes oriundos da Bolívia

nas escolas brasileira e nessa constante troca de serviços.

O documento de identidade especial para o fronteiriço foi criado pela Lei

nº. 6.815/80, em 19/8/1980, e é expedido pela Polícia Federal, por meio de uma

legislação específica de fronteira. A Constituição Federal brasileira (1988)

determina, em seu artigo 21, que:

22 A Escola CAIC Padre Ernest Sassida foi inaugurada em 1996, e se localiza em Corumbá a cerca de 4,5 km da fronteira entre Brasil e Bolívia, no km 1 da Rodovia Ramon Gomes. Foram realizadas algumas observações nos meses de agosto e setembro de 2014 para uma pesquisa apresentada no V Seminário de Estudos Fronteiriços promovido pelo programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da UFMS. 23 Para aprofundar e conhecer mais sobre o documento fronteiriço, ver a dissertação de SILVA, Fábio Machado. 2013. Documento especial fronteiriço: acordos internacionais e desacordos locais. Dissertação (Mestrado em Estudos Fronteiriços) – Programa de Pós-graduação em Estudos Fronteiriços, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal, Corumbá- MS, 2013.

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Art. 21. Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. § 1º. Ao estrangeiro, referido neste artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso. § 2º. Os documentos referidos no parágrafo anterior não conferem o direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios.

Esta Lei ainda pode ser articulada com o Decreto da Presidência da

República do Brasil nº. 6.737, de 12 de janeiro de 200924, que estabelece o

acordo entre os governos do Brasil e da Bolívia permitindo, também, aos

estudantes que eles se insiram em escolas da região, mesmo com as

dificuldades onerosas que as taxas dos documentos trazem aos interessados,

como se observa com a tradução dos documentos. Aliado a essa problemática

há ainda fatores sociais que imperam na vida desses estudantes, como a sua

organização social, e casos desafiantes para as duas partes nacionais, o Brasil

e a Bolívia, já que para irem para a escola as crianças também precisam fazer

uso de adaptações de transporte, como carrocerias de camionetes, oferecendo

risco à segurança desses estudantes, como podemos observar na foto seguinte:

Figura 6. Transporte de estudantes no retorno para a Bolívia. Fonte:

NEPFRON/LEF/UFMS. Fronteira do Brasil e Bolívia (26.06.2012).

24 Cf. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6737.htm>. Acesso em: 25 jul. 2015.

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Porém, um problema particular da escola ainda é o fato de que os

conteúdos e conhecimentos estão desarticulados das vivências dos estudantes,

o que incide particularmente na região de fronteira. De modo ainda

predominante, as realidades são excluídas do ambiente escolar. (SACRISTÁN,

1998, p. 71).

Nada mais se torna vazio, no campo escolar, quanto um aprendizado ou

conhecimentos flatus voci25, e isso é resultado do pseudoconhecimento

alimentado em escolas que não refletem, acuradamente, os seus conteúdos de

sala de aula e seguem apenas os programas de ensino dos livros didáticos,

muitas vezes elaborados sob a perspectiva de grandes centros com cultura

metropolita.

Sacristán (1998) apresenta uma ideia, nesse contexto, que alinha com a

identidade da escola de fronteira:

[...] A escola, numa sociedade de mudança rápida e frente a uma cultura sem abrangência, tem que centrar cada vez mais nas aprendizagens essenciais e básicas, com métodos atrativos para favorecer as bases de uma educação permanente, mas sem renunciar a ser instrumento cultural. Em muitos casos, os modelos de educação que fogem dos conteúdos para se justificar nos processos não deixam de ser propostas vazias. (SACRISTÁN, 1998, p.75).

O foco da instrução formal não pode se distanciar daquilo que a sociedade

vive ou, ainda, evidenciar outra esfera social desarticulada da vida dos

estudantes. Não que o estudo regional seja o único foco do conhecimento para

os estudantes, mas a sua exclusão não é em nada beneficiadora para a

Educação.

As finalidades da educação no Brasil estão expressas em diversas letras

legais: na Constituição Federal, na LDB, no Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), para citar alguns, mas isso não dá o pleno significado e a

garantia de sua implantação, ou seja, requer atuação social, de modo particular,

dos atores da educação, o que não elimina todos os setores da sociedade.

A educação deve permitir o direito inalienável do conhecimento a todos

os cidadãos para que deem significados àquilo que vivem no cotidiano, mas

também se relacionem com o meio e as demais pessoas.

25 Expressão latina que se pode traduzir como: sopro inútil, som sem significado ou compreensão para o entendimento.

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A Constituição Federal do Brasil26 versa, no artigo 205, exatamente que a

finalidade da educação deve capacitar a vivência da cidadania e para o mundo

do trabalho, que são aspectos sociais essenciais de todas as pessoas, e segue

por mais nove artigos, sempre tratando da educação como direito básico.

A Educação Básica no Brasil é um conceito, definido no art. 21, da LDB,

como um nível da educação nacional e que congrega, articuladamente, as três

etapas que estão sob esse conceito: a educação infantil, o ensino fundamental

e o ensino médio.

O art. 22 da LDB estabelece os fins da educação básica: “A educação

básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação

comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 1997).

A escola no Brasil é organizada em três esferas de competências e

gestão: Municipal, Estadual e Federal. A cada uma delas são designadas

competências, exclusividades ou prioridades. A Educação Básica é instituída

como prioridade dos estados e municípios, geralmente divididos entre Educação

Fundamental, de responsabilidade do município, e Ensino Médio, a cargo do

Estado.

E no Brasil há, ainda, a legislação específica para a educação, a Lei de

Diretrizes Básicas da Educação Nacional (Lei nº. 9.394, de 1996), que lhe indica

os objetivos para todas as esferas. Em especial, destaca-se a escola básica, que

recebe maior acuidade nesta pesquisa:

Os objetivos do ensino fundamental apontam a necessidade de que os alunos se tornem capazes de eleger critérios de ação pautados na justiça, detectando e rejeitando a injustiça quando ela se fizer presente, assim como criar formas não-violentas de atuação nas diferentes situações da vida. (BRASIL, 1997, p. 39).

A escola é ambiente de troca cultural e de convivência social. O cotidiano

da região de fronteira é amplamente vivenciado no ambiente escolar. Essa

realidade escolar está intimamente ligada com a realidade cultural. Assim como

a cultura está mergulhada na multiplicidade de suas origens, na escola se

encontra grande diversidade cultural, especialmente advinda da sociedade em

que está inserida, ou seja, a realidade cultural da escola é a mesma da sua

localização espacial e geográfica.

26 Cf. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> . Acesso em janeiro de 2016

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No entanto, essa realidade cultural é desafio nacional, já que em muitas

reflexões, especialmente as dirigidas pelo MEC, busca-se a superação do

chamado monoculturismo em ambiente escolar, que enrijece as relações e exige

adaptações à estrutura em detrimento à riqueza pessoal, fundadas na realidade

de sermos um país de inumeráveis expressões culturais.

A Escola de Fronteira precisa que suas ações sejam férteis, ou seja,

produzam resultado, e, ao contrário de qualquer corrente neoliberal, a produção

da educação não é imediata e muito menos financeira. Mas o ponto aqui não é

a discussão política da educação, mesmo que não se furte a esta realidade. Os

resultados dessa atuação precisam ser transformadores da sociedade, feito

alcançável por meio da mudança das pessoas, atrizes da sociedade.

A gama das ações primordiais da Escola de Fronteira está no que se

denomina currículo, que é um conjunto de ações educacionais que envolve

diversas atuações, e para que a identidade dessa escola tenha vida são

necessárias intervenções de diversos setores componentes da sociedade, como

o institucional-escolar, o legislativo, o executivo, o setor privado, os órgãos

representativos, entre outros (SACRISTÁN, 1998). Essa articulação refletirá na

formação do cidadão (pessoa consciente e ativa na sociedade), e nada mais

importante, para a escola, que esse processo formativo.

Educadores que provocam os estudantes a refletirem a realidade próxima

às situações locais e vivenciadas ao redor da escola é fato raro ainda

(SANTOMÉ, 2005, 170), o que infere a necessidade de maior atenção para a

educação e a formação docente. Há distanciamentos causados pelos materiais

didáticos organizados com foco em informações pertinentes e ligadas aos

grandes centros urbanos, por exemplo, mas há ausência da realidade daquela

comunidade nos assuntos analisados nos conteúdos escolares. Há mais

discussões sobre o processo de independência dos EUA que conhecimento

sobre a presença espanhola em terras pantaneiras no período colonial brasileiro,

para exemplificar com dados reais27.

27 Para dar mais detalhes, eu, enquanto pesquisador para esta dissertação, no início de 2015 participei da elaboração do plano anual das aulas de História para o Ensino Fundamental de uma escola pública. E notei que, a partir do programa sugerido pelo livro didático adotado, era apresentada a proposta de 8 aulas ligadas aos EUA (sua independência, seu papel econômico, importância política, etc.), e nenhuma aula programada para apresentar o assunto da presença de Espanhóis no início da civilização da região em que se situam Corumbá e as demais cidades pantaneiras. O fato foi questionado e surgiu, no programa, duas aulas para o assunto, o que gerou grandes atrativos para os estudantes e para muitos educadores que desconheciam tal fato, inclusive aqueles formados na área de História de uma Universidade da região.

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A perspectiva do multiculturalismo é que a educação formal e o

conhecimento obtido nos espaços das instituições de ensino sejam

sensibilizados pelas lutas e anseios das minorias culturais que vivem à margem

da sociedade, que têm participação na construção social e que recebem a

negativa opressiva de sua identidade. Tal situação não ocorrerá ou poderá

depender da “boa vontade” de educadores dessa perspectiva, ela será atual a

partir da implantação das políticas públicas (já existentes e necessárias de

existir), da abertura cultural das instituições educacionais (da educação

fundamental e as de ensino superior, especialmente nos cursos de

licenciaturas), desenvolvimento da identidade reflexiva nos educadores dos

diversos níveis da educação e da existência, nos currículos escolares da

sociedade, da política e da cultura daquela comunidade em todas as suas

riquezas e variedades. Isso porque o estudo reflexivo permite não apenas o

somatório de conhecimentos, mas interferências qualificadas para a superação

dos limites existentes e possíveis de superação a partir do conhecimento formal

e das relações, entre os sujeitos, mais igualitárias.

Essa perspectiva não será eficiente se apenas for um diagnóstico da

realidade, pois ela é processo de desenvolvimento da crítica à realidade, já que

não se pode deusificar a educação e transformá-la em paladina para a sociedade

e suas mazelas.

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2. Procedimentos Metodológicos

Este capítulo apresenta os procedimentos metodológicos utilizados nesta

pesquisa científica. A escolha desses procedimentos metodológicos ocorreu

devido ao objetivo da pesquisa - o diálogo multicultural da educação na faixa de

fronteira -, bem como ao objeto estudado, a escola de fronteira.

Nesta pesquisa utilizou-se abordagem qualitativa, pela finalidade

exploratória. Outros instrumentos metodológicos utilizados foram questionários,

entrevistas formais e não formais e observação não participante, além da

participação efetiva como educador na escola selecionada como objeto. Utilizou-

se como estratégia de investigação a reflexão sobre o componente curricular

“Formação Cidadã” como ferramenta de superação do monoculturalismo na

Escola de Fronteira, por meio de coleta de informações em entrevista,

documentação e observação direta. A análise da pesquisa deu-se por meio das

técnicas de análise de conteúdo.

Segundo Martins e Theóphilo (2007), a metodologia trata de como se

pode alcançar e captar a realidade em função da ciência. É também o

aperfeiçoamento dos procedimentos e critérios utilizados na pesquisa com a

finalidade de se chegar a um determinado objetivo.

Para Creswell (2010), a seleção do projeto de pesquisa, ou abordagem

da pesquisa, é baseada na natureza do problema ou na questão de pesquisa

que está sendo tratada, nas experiências pessoais dos pesquisadores e no

público ao qual o estudo se dirige.

Neste trabalho, o pressuposto filosófico e os significados são construídos

e extraem-se sentidos baseados em perspectivas históricas e sociais procurando

entender o contexto ou o cenário dos participantes, evidenciando o caráter

qualitativo da pesquisa.

O primeiro estágio constituiu-se na revisão bibliográfica que permitisse a

organização e depuração das questões referentes ao tema da Multiculturalidade

nas Escolas de Fronteira. E, com isso, a busca de ferramentas que fizessem que

da análise surgisse proposta de intervenção para a solução do problema

evidenciado. A partir de então passou-se a confrontar as informações e

conhecimentos desenvolvidos durante as aulas do Programa de Mestrado em

Estudos Fronteiriços (MEF). Com as orientações ad hoc, pôde-se desvelar as

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indagações que se tornaram pertinentes para o estudo em questão, ligando os

anseios de pesquisa com a realidade do autor da pesquisa e as problemáticas

necessárias de reflexão de acordo com a realidade da escola.

Foram selecionados, para a pesquisa, cerca de 31 educadores, usando-

se como critérios:

a. Serem professores nos componentes curriculares da Base

Diversificada;

b. Terem participado do encontro Formativo em Serviço, promovido pela

Semed no ano de 2015 para os educadores da Base Diversificada;

c. Pertencerem a uma escola da zona urbana, da zona rural ou da escola

das Águas28;

d. Serem professores contratados ou efetivos, atuantes em sala de aula,

em uma das escolas da REME.

Os questionários (nos Anexos) foram aplicados nos meses de julho e

agosto de 2015. Todos os entrevistados foram notificados de que era uma coleta

de dados para o Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da UFMS, no

campus Pantanal.

O questionário é constituído por 23 questões, sendo 6 objetivas de

múltipla escolha e, as demais, com respostas descritivas, mesmo que algumas

com a primeira parte da resposta necessitando da marcação de uma opção,

como “sim” ou “não”, mas com necessidade de complemento (“Por quê?”).

Todas as questões foram propostas com a intenção de que o problema

em questão pudesse ser constituído de forma mais ampla possível, e que as

respostas permitissem a análise realista para a qualidade das conclusões. Tais

escolhas passaram por testes anteriores, já que um primeiro questionário foi

elaborado, inicialmente, com 13 questões pedindo respostas descritivas sobre o

tema Escola de Fronteira, e aplicado a um número reduzido de 5 professores,

sendo 2 que atendiam a todos os quatro critérios elencados anteriormente, 2

estudantes do programa do MEF, e 1 professor da REME escolhido

aleatoriamente. O teste com esse grupo objetivava evidenciar possíveis lacunas

nas perguntas que poderiam inviabilizar as informações necessárias para os

28 Escolas das Águas são as escolas que atendem à população ribeirinha e se localizam no Alto Pantanal. Foi garantido ao menos um representante que atendesse a esse critério.

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objetivos da pesquisa. Após análise das respostas recolhidas, o questionário foi

ampliado para 23 questões, indicadas para a pesquisa.

A segunda versão do questionário havia sido utilizada para levantamento

de dados para o artigo intitulado “Territorialidade Cultural em Escola de

Fronteira”, apresentado durante o V Seminário de Estudos Fronteiriços. Tal

pesquisa aconteceu na Escola Municipal CAIC Padre Ernesto Sassida, nos

meses de setembro e outubro de 2014. Interessante ressaltar que, na

apresentação dos resultados da pesquisa na referida escola, houve algumas

arguições de outros pesquisadores, em especial com temas de pesquisas

semelhantes, como o caso de duas doutorandas que estudavam a realidade de

uma escola de fronteira situada no estado de Rondônia, com estudantes

bolivianos (de Guayaramerín) e brasileiros (de Guajará-Mirim), o que trouxe

benefícios à pesquisa ora apresentada.

Após a testagem do questionário, houve remodelações para melhor

adequação, até se chegar à versão final, que é fruto, assim, de várias

interferências para que a pesquisa pudesse ser constituída de maneira a

satisfazer os objetivos reais com qualidade, a fim de contribuir para o processo

de ensino, aprendizagem e pesquisa da ciência.

Antes mesmo do processo de pesquisa, foi necessária a formação dos

arcabouços para ela com os assuntos próprios do MEF, como o caso dos

conceitos basilares de fronteira e fronteira. Esse período trouxe mais clareza

quanto aos desafios de uma pesquisa e melhor delimitação dos projetos da

pesquisa que ora são apresentados.

Também foram aplicadas entrevistas não estruturadas com educadores,

em especial, líderes de equipes que desenvolvem ações formativas com

educadores das escolas de fronteira. Que foram gravadas e transcritas. Ao todo

foram realizadas 10 entrevistas, sendo 03 professores que atuam em sala de

aula, 01 coordenadora pedagógica, 02 líderes de equipes de órgãos

governamentais e que atuam na área da educação formal, 01 professora do

ensino superior coordenadora do PEIF e 03 educadores que lecionam Formação

Cidadã na rede Municipal de ensino.

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3. Resultados a partir da Pesquisa

3.1. Características e Identidade de uma Escola de Fronteira

Para desenvolver o objetivo desta pesquisa se faz necessária uma breve

contextualização do que se pretende com a discussão sobre a identidade da

Escola de Fronteira.

Este estudo realiza recorte em universo fronteiriço presente no extremo

oeste brasileiro, no estado de Mato Grosso do Sul, mais precisamente na cidade

de Corumbá, local de grande miscigenação cultural e étnica, intenso fluxo

comercial internacional, cuja primeira denominação foi de Arraial de Nossa

Senhora da Conceição de Albuquerque – tem o ano de 1778 como marco de

fundação, para conter o avanço dos espanhóis, pela fronteira brasileira, em

busca de ouro.

Corumbá dista 419 km de Campo Grande, capital do Estado. Separa-se

da Bolívia por fronteira seca e, do Paraguai, pelo rio homônimo, que margeia o

município.

Durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), Corumbá foi invadida,

ocupada e destruída por tropas de Solano Lopez, sendo que sua reconstrução

somente foi possível após o término do conflito, e tendo um impulso em seu

desenvolvimento com a chegada, à época, de inúmeros imigrantes europeus e

de outros países sul-americanos.

Devido à sua localização fronteiriça, até a década de 1950 os rios

Paraguai, Paraná e Prata eram os únicos meios de integração da região, fazendo

com que a cidade absorvesse grande parte dos costumes, hábitos e linguagem

dos países da Bacia do Prata.

Segundo o IBGE (2010)29, o município de Corumbá tem uma população

estimada de 103.703 habitantes, num território de 64.962,720 km², um dos

maiores do Brasil. Sua área urbana, hoje, se caracteriza por grande número de

imigrantes provindos de diversas nacionalidades, como libaneses, árabes,

bolivianos, argentinos, paraguaios, entre outros, o que a torna uma cidade

amplamente marcada pela miscigenação étnica e cultural.

29 Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/ >. Acesso em: 25 jul. 2015.

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Figura 7. Imagem de Corumbá e região. Retirado do sítio <https://projetorondonportomurtinho.wordpress.com/2011/07/19/estamos-chegando/>. Acesso em: julho de 2015

A Escola de Fronteira adquire identidade e características próprias que

podem ser evidenciadas quando comparadas e analisadas frente a outras

instituições educacionais de outras localidades. São diferenças não no cerne de

sua qualidade enquanto instituição educacional, mas têm a ver com a cultura

que a forma e se desenvolve ao seu redor, ou seja, estão ligadas à sua realidade.

A Escola de Fronteira é aqui entendida como toda instituição de ensino

formal que se localiza na região de fronteira, mas que, ao mesmo tempo, se

aprimora, conceitualmente, na Escola Básica, já que este segmento da

educação formal brasileira tem a prerrogativa de proporcionar ao estudante

conhecimento essencial para a vida.

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Ter a intenção de explicitar o que seria uma Escola de Fronteira, ou

melhor, qual a sua identidade não é ter o ímpeto cartesiano de conceituação,

mas seria um balizamento necessário para melhor qualidade da compreensão.

O passo pioneiro, neste texto, trata de caracterizar a identidade da Escola

de Fronteira, o que se traduz além da conceituação, mas na explicitação das

características marcantes e próprias dessa vivência social e humana na faixa de

fronteira. Tal exercício é exigente, já que

[...] um elemento complicador é que as identidades individuais são também sociais e históricas, uma vez que os sujeitos são constitucionalmente culturais, não existindo sem estarem imersos na cultura ou sem uma função simbólica. (NOLASCO; GUERRA, apud AMIN; GUERRA , 2010, p.171).

O estudo sobre a identidade se desenvolve em diversas ciências, como

na Psicologia, na Filosofia e na Sociologia, o que enriquece, sobremaneira, essa

compreensão. A fonte de tal pluralidade de estudo exige também precaução,

como alertam Nolasco e Guerra (2010):

Claude Lévi-Strauss (2003, p.16) classifica a identidade como uma categoria abstrata, mas imprescindível como norteadora de parâmetros. Deste modo, a identidade não possui referente empírico porque não tem uma referência verificável cientificamente. Por isso que fatores como cor da pele e sexo não são satisfatórios para construir a identidade. Para Lévi-Strauss o homem é formado por duas categorias distintas, mas ambas necessárias para se tornar o indivíduo completo: natureza e sociedade. [...] Portanto, na interação entre natureza e sociedade, encontramos a cultura que surge para realizar uma síntese na relação natureza e sociedade. (NOLASCO & GUERRA, 2010, p. 98-99).

Com isso, compreender que não se pode perceber a identidade apenas

pelos aspectos materiais, mas que há, segundo Lévi-Strauss, o que é imaterial,

desenvolvido a partir de relações plurais que as pessoas realizam e

desenvolvem ao seu redor, em especial, em sua natureza e na sociedade,

justificaria a necessidade de amplitude da análise, em especial no uso de

ferramentas epistemológicas como a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia.

Além do mais, identificar é também manter uma posição relacional com

outro, como apresenta Silva (2000):

Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre "nós" e "eles". Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. "Nós" e "eles" não são, neste caso, simples distinções gramaticais. Os pronomes "nós" e "eles" não são, aqui, simples categorias gramaticais, mas

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evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente marca das por relações de poder. (SILVA, 2000, p.82).

Em 2014, por meio da Portaria nº. 125 do Governo Federal, de 21 de

março de 201430, o Ministério da Integração classificou Corumbá-MS e Arroyo

Concepción/Puerto Quijarro (Bolívia) como cidades gêmeas, pelas sintonias

existentes entre elas. Segundo a Portaria essa sintonia acontece por:

Art. 1º - Serão considerados cidades-gêmeas os municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar uma conurbação ou semiconurbação com uma localidade do país vizinho, assim como manifestações "condensadas" dos problemas característicos da fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania.

Art. 2º - Não serão consideradas cidades-gêmeas aquelas que apresentem, individualmente, população inferior a 2.000 (dois mil) habitantes (D.O.U. de 24/03/2014 nº. 56, Seção 1, p. 45).

Tal classificação permite e disponibiliza mais incentivos políticos e

financeiros que visam ao desenvolvimento social do território, tais como:

intercâmbio formal de pessoas e bens de consumo, trânsito de pessoas

habitantes da região, formalização e legalização de relações comerciais entre as

cidades, dentre outros. Atualmente há, no Brasil, 28 cidades destacadas como

gêmeas31.

A relação próxima entre as cidades não depende da existência da

Portaria, já que, há décadas, a vida da região se incumbiu de criar importância e

identidade, e uma dessas relações desenvolve e marca a identidade do núcleo

desta pesquisa, ou seja, na educação formal desenvolvida na escola.

Com isso, entender o que é identidade é um dos requisitos necessários

para compreender as relações que a Escola de Fronteira abriga e que dão

motivos para esta pesquisa. Compreender os aspectos envolvidos é algo que

contribuirá para a discussão, com a cultura e seu espaço de atuação.

3.1.1 A Escola de Fronteira EMEI Tilma Fernandes Veiga

Nas Escolas de Fronteira o conhecimento da realidade da cultura local

deve ser imperativo para acolher idiossincrasias atraídas para o interior da

30 Publicado no Diário Oficial da União nº. 56, de 14 de março de 2014. 31 Disponível em: <http://educacaointegral.mec.gov.br/escolas-de-fronteira>. Acesso em: 28 de fev. 2016.

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escola, por isso a atualização antropológica, a necessidade de estudo em equipe

e em rede, com intercâmbio entre educadores e instituições que atuam na faixa

de fronteira. A realidade local precisa ser vivenciada em sala de aula, não apenas

como ilustrações de conhecimentos, mas especialmente como caminhos de

superação de afastamento entre as culturas.

A Escola Municipal Experimental de Educação Integral Professora Tilma

Fernandes Veiga (EMEI-TFV) e o Centro de Educação Infantil Parteira Valódia

Serra formam uma unidade integrada, criada em 7 de outubro de 1977 por meio

do Decreto nº. 162 da Prefeitura Municipal de Corumbá. Essa unidade integrada

oferece Educação Infantil e Ensino Fundamental de nove anos, e é mantida pela

Prefeitura Municipal de Corumbá e pela Sociedade Civil. Em 15 de dezembro de

2011 o Decreto nº. 1.001 integralizou o ensino ofertado na escola, permitindo

que hoje os 376 alunos32 contem com rotina de estudos de 8 horas diárias.

O bairro Cervejaria é a continuidade do Porto Geral de Corumbá, sentido

Bolívia, e é cercado pelos bairros Artur Marinho e Dom Bosco e delimitado pelo

Rio Paraguai. É formado por famílias de baixa renda e com construções,

predominantemente, na encosta de pequenos morros na margem do Rio

Paraguai. Contiguo à escola está o Ecoparque da Cacimba da Saúde, onde boa

parte da comunidade usufrui de uma piscina pública com água natural. O mesmo

local abriga a descoberta do fóssil do ser vivo mais antigo do mundo,

descobertos nos tempos atuais, o Corumbela33.

A escola fica a menos de 2 km da parte central da cidade, recebe água

encanada, possui rede de esgotamento sanitário e também utiliza fossa

sanitária; sua rede elétrica foi ampliada no ano de 2014 para receber os

condicionadores de ar do Projeto Bons Ventos, que a aclimatizou. De suas

dependências se observa o rio Paraguai, distante 300 metros, na abertura do

canal do Tamengo, e a escola é toda murada. O Centro de Educação Infantil

passou por reformas de dezembro de 2014 a setembro de 2015, com prioridades

32 Dados de 2014, retirado do site <http://www.qedu.org.br/escola/258635-emef-tilma-fernandes-veiga-e-creche-municipal-valodia-serra/censo-escolar?year=2014&dependence=0&localization=0&education_stage=0&item=>. Acesso em: set. 2015. 33 O Corumbella werneri trata-se de uma alga marinha encontrada sob a forma de fóssil na cidade de

Corumbá no início da década de 1980 por pesquisadores da Universidade de Brasília, e é apontado como sendo o fóssil de ser vivo mais antigo da Terra. Estimam que a data de sua existência seja de 550 milhões de anos.

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na requalificação estrutural do telhado, na pintura e nas dependências para

alimentação dos estudantes.

A Unidade Educativa é inscrita no programa “Mais Educação” do Governo

Federal, que tem como prioridade a expansão das habilidades dos estudantes

por meio de atividades educacionais complementares, na maioria das vezes por

meio da prática esportiva ou artística34. Além desse programa, a escola ainda

está inscrita no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no Programa

Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e no Programa Mais Cultura.

Juntas, a Escola e o Centro Municipal de Educação Infantil contam com

uma equipe de 28 Professores, 13 Agentes de Serviços Institucionais, 4

Monitores, 1 Secretário, 1 Auxiliar de Secretaria, 4 professoras-coordenadoras

pedagógicas e 1 professor na função de diretor-geral.

O nome da escola é uma homenagem à educadora Tilma Fernandes Veiga, que

foi professora do Curso de Admissão de Corumbá, exerceu a cadeira de História

e Geografia do Brasil, cargo que assumiu até ser designada subdiretora em

1969. Depois foi nomeada coordenadora do Centro Educacional “Júlia

Gonçalves Passarinho”. Seu falecimento ocorreu em 15 de novembro de 1973,

decorrente de complicações da saúde após um acidente automobilístico. Há

diversos parentes que registram a personalidade forte e exigente da professora

Tilma. Há sempre boas histórias contadas aos estudantes sobre a dedicação da

professora nas escolas em que atuou35.

Nos anos de 2014 e 2015, a escola atendeu à sua clientela oferecendo 14

salas de aula, uma biblioteca, um laboratório de tecnologia, um laboratório

equipado para experimentos de ciências, uma sala para os professores, um

espaço para atendimento da coordenação pedagógica, a secretaria e a sala da

direção-geral. Os estudantes podem usufruir, ainda, de uma quadra poliesportiva

coberta, amplo pátio, palco elevado, sala de Atendimento Educacional

Especializado (AEE), cozinha, refeitório e área de lazer com parquinho para a

Educação Infantil. Há, em suas dependências, dois banheiros masculinos, dois

femininos e dois infantis, para o uso dos estudantes, e dois banheiros para uso

dos professores e demais colaboradores.

34 Cerca de 60% das atividades do “Mais Educação” é na área esportiva, segundo a técnica responsável pelo programa em Mato Grosso do Sul, em repasse de informações no III Seminário de Educação Integral promovido pela UFMS em 11 de abril de 2015. 35 Dados obtidos na secretaria da Escola Tilma Fernandes Veiga

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No laboratório de tecnologia são disponibilizados 19 computadores

conectados à internet de banda larga para uso das aulas planejadas pelos

educadores. Para o uso das atividades educacionais há um projetor muitas

vezes usados para apresentação de filmes e animações, de acordo com o

planejamento de aula.

Ao que se percebe, a escola apresenta boas instalações para a atuação

educativa, em especial se for comparada com os espaços de outras unidades

educativas da REME, mesmo que se perceba a necessidade de acuidade nos

reparos gerais da pintura e iluminação nos ambientes internos, além da

necessidade de limpeza frequente do amplo pátio, que não é cimentado. Ainda

sobre a estrutura, a escola tem acessibilidade para pessoas com mobilidade

reduzida.

No que refere aos dados apresentados pelos órgãos oficiais do governo,

em particular o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa), a escola está

com nível elevado nos principais índices. O que mais se destaca é o número de

aprovação, que é de 95,9%36 para as séries iniciais e de 92%37 para as séries

finais. Tais índices são bem vistos principalmente porque houve evolução dos

números anteriores, em especial do ano de 2011, quando a escola ainda não era

de Educação Integral. Nesse ano, os índices de aprovação para a séries iniciais

eram de 69,5%, e para as séries finais, 69,7%.

Quando se propôs a modalidade da Educação Integral na Escola Tilma

Fernandes Veiga, o principal problema a ser solucionado era a qualificação do

ensino, o que significava, também, a diminuição das reprovações e da distorção

idade-série38. Em 2011, a distorção era de 40% em média; já em 2014 esse

índice caiu para 27%. Uma das principais consequências da distorção idade-

série é o baixo desempenho dos estudantes em atraso escolar quando

comparados aos estudantes regulares, o que pode ser evidenciado pelos

resultados inferiores aos esperados nas avaliações nacionais do Ensino

Fundamental. Há casos em que a situação sociocultural propicia essa distorção,

36 Disponível em: <http://www.qedu.org.br/escola/258635-emef-tilma-fernandes-veiga-e-creche-municipal-valodia-serra/taxas-rendimento>. Acesso em: set. 2015. Os dados completos estão apresentados nos anexos (Anexo 3). 37 Idem. 38 É a distorção ou defasagem em 2 ou mais anos entre a idade recomendada para a série e a idade do estudante, tomando como base a Lei Federal nº. 9.394, de 1996, ajustada pela Emenda Constitucional nº. 59, de 11 de novembro de 2009, que indica que o início da vida escolar obrigatória é aos 5 anos, no ingresso no primeiro ano do ensino fundamental.

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como o estudante que se evade da escola para inserir-se, precocemente, no

mundo do trabalho, e depois retorna, ou ainda, sucede reprovações.

No mesmo quadro de dados, a escola recebeu o alerta para a única turma

de 7º. Ano, que teve índice de reprovação acima de 15%39, o maior da escola,

em 2014. Houve um processo de intervenção pedagógica para que esses

estudantes não fossem levados a abandonar a escolar e passassem a ser

contingenciados no grupo de distorção idade-série. Foram realizadas conversas

com os responsáveis e com os estudantes, e destacadas algumas ações de

acompanhamento especial para com eles, como a necessidade de elevação da

média já no primeiro bimestre para aqueles que permaneceram na mesma

escola.

O principal índice para as escolas brasileiras tem sido o Ideb (Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica). É um índice recente, criado pelo MEC

em 2007 e, segundo o site do INEP, oferece cruzamento dos principais índices

da educação brasileira e de exigências internacionais:

[...] representa a iniciativa pioneira de reunir em um só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios (INEP).40

No caso da EMEI TFV, o Ideb teve grande alta. Em 2011, projetava-se um

Ideb de 3,1, mas a escola obteve 2,7. Já em 2013, ano de apresentação dos

números, a meta era 3,3, e foi mais elevado, chegando a 4,1. O resultado

evidenciou a escola, especialmente por ter sido um dos maiores níveis de toda

REME.

No entanto, um ponto fundamental de conhecimento e reflexão é a

identidade de Escola de Fronteira da EMEI Tilma Fernandes Veiga. Há casos de

estudantes bolivianos matriculados. A maioria são pendulares, pois residem no

país vizinho e, por motivo de trabalho dos pais, passam o dia na escola. Mas a

39 Conferir Anexo 3. 40 Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/o-que-e-o-ideb>. Acesso em: jan. 2016.

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situação é ampla, pois nos dados oficiais não se comprova a realidade

observada. Em 2014, apenas uma estudante com a documentação boliviana se

matriculou na escola, permanecendo apenas naquele ano. No ano seguinte, uma

família boliviana, com os filhos nascidos no Brasil, trouxe para a escola dois

estudantes da educação infantil. O mais caçula, do nível 2 da Educação Infantil,

falava muito pouco o português. O que se observa é que, mesmo residindo na

Bolívia, ou sendo filhos de pais bolivianos, as crianças são brasileiras sob o

aspecto oficial, mas mantêm suas expressões culturais típicas, como o idioma.

Nesse contexto, era interessante observar que o estudante em questão,

estava na fase da alfabetização, que era feita em português, mas sem interface

de diálogo cultural, como se espera numa escola multicultural.

Na EMEI-TFV optou-se não pelo estudo de espanhol como língua

estrangeira moderna, cuja escolha é facultada à comunidade escolar, mas as

aulas são de inglês. Talvez não apenas pela necessidade da atual clientela, mas

também como estratégia de controle e atrativo para novos estudantes, ou seja,

inibiria o aumento de estudantes “bolivianos”.

A rotina escolar na EMEI-TFV consistia em 8 aulas diárias, com duração

de 60 minutos cada. O início era às 7h da manhã, com o café-da-manhã servido

aos estudantes por volta das 8h, almoço a partir das 11h, e o lanche por volta

das 14h, com o encerramento das aulas às 15 horas. Desde o 2º. semestre de

2013, a rotina escolar passou a experimentar algumas ações para que as aulas

não fossem apenas marcadas pela expansão do tempo. O corpo docente propôs

o uso de certos horários de aula como oficinas temáticas. Foi elaborado um

anteprojeto, que foi apresentado à Gestão Escolar e, posteriormente, à

Secretaria Municipal de Educação. O projeto foi posto em prática no 2º.

semestre de 2014, com algumas mudanças. As oficinas eram diárias, aplicadas

em duas aulas (entre às 11 e às 13 horas). Consistiam na utilização de

metodologias que dinamizassem as aulas, como uso de mídias, jogos, outros

ambientes educativos, filmes, animações, entre outros meios. Os conteúdos

eram todos ligados ao currículo escolar, mas que sofriam alterações didáticas

pelos educadores para que proporcionassem maior interação aos estudantes.

Inicialmente as divisões das turmas originais foram alteradas para as

atividades durante as oficinas, criando classes multisseriadas e, depois, no ano

seguinte, organizou-se com junção de apenas duas turmas para que um

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educador desenvolvesse sua oficina. Com essa metodologia, a escola encontrou

alternativa para oferecer um intervalo aos educadores, criando dois períodos de

aulas. O intervalo era de 60 minutos diários, entre 11 e 13 horas, alternados

conforme escala gerada pela coordenação pedagógica. Nesse momento, o

professor poderia sair ou não da escola para seu intervalo, desde que seguisse

o prazo máximo estabelecido.

A dinâmica foi bem recebida pelos estudantes e docentes, se for levado

em conta a produtividades de material como artesanato, desenhos, enfeites,

exercícios de reflexão, entre outros. As aulas tiveram mais dinamismo

metodológico, o que trazia mais prazer ao ensino, com boa participação dos

estudantes que tinham a oportunidade de nova rotina em seus estudos. Os

temas das oficinas mudavam de acordo com o planejamento dos educadores e

traziam interação com os assuntos aprofundados nos demais momentos de

estudos, assim como nos livros didáticos utilizados na escola.

Os educadores escolhiam os temas trabalhados nas Oficinas, em especial

em sintonia com os acontecimentos de massa e datas comemorativas mais

tocantes à realidade dos estudantes (Copa do Mundo, Dia do Folclore Brasileiro,

Dia da Consciência Negra, Festa do Banho de São João, etc.). Geralmente o

tema era geral para todas as oficinas, mas era aplicada uma metodologia

diferente para cada grupo: filmes, animações, jogos, dinâmicas, produções de

cartazes e enfeites, entre outros.

Essas oficinas são espaços privilegiados para o aprimoramento

metodológico, mas também poderiam ser espaços para o aprofundamento e

desencadeamento da multiculturalidade e vivências culturais típicas da região de

fronteira. Um bom exemplo a se destacar foi quando a escola propôs a criação

de um projeto para celebração da data conhecida como “Halloween”. Foram

feitas pesquisas sobre a origem do evento, aprofundando-se em sua história, as

relações com a cultura anglo-saxônica, e aproveitou-se esse ‘link’ para o estudo

da língua inglesa. Realmente foi uma grande atividade educativa, com resultados

muito aprofundados em termos de conhecimento geral, mas situações muito

mais conhecidas e da realidade local nem sequer foram aproveitadas, inclusive

se poderia afirmar que foram abafadas, como a que se refere à tradição

corumbaense de celebrar o dia de São Cosme e Damião.

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No dia 27 de setembro uma leva de crianças e adultos percorrem vários

pontos da cidade recebendo balas, biscoitos e iguarias de caramelos, fazendo

com que ações como ir à escola sejam deixadas para outro momento, por

exemplo. A celebração envolve muitos segmentos da sociedade. Por ser uma

festa inicialmente religiosa, tem bom apreço pelas pessoas mais tradicionais em

Corumbá e Ladário. No entanto, há novas identidades inseridas. A primeira é o

dia da grande celebração: para a Igreja Católica a data litúrgica é o dia 26, mas

para as pessoas que distribuem os doces e guloseimas é no dia 27. Há quem

afirme que é o dia concelebrado pelas religiões de origem africanas. Essa ideia

se junta ao fato de ser uma festa religiosa católica, e gera conflito com

comunidades cristãs evangélicas que são resistentes aos aspectos angiológicos

canonizados pela Igreja Católica.

Esse é um ponto que poderia ter sido bem estudado numa escola

multicultural. O espaço formal de educação não é propício para a vivência

religiosa confessional, mas a reflexões culturais e antropológicas são

densamente carregadas de conteúdos educativos, que podem ser evidenciados

nas atividades escolares, assim como foi feito no “Projeto Halloween” da escola.

A ideia não é substituir um pelo outro, mas perceber que o foco não envolve a

realidade sociocultural em que a Unidade Escolar está mais inserida.

Esse é um exemplo que se pode destacar para a inserção educacional na

realidade cultural e social. E esse realce se torna mais explícito se for levado em

conta que a principal situação é que se trata de uma escola de Educação Integral

localizada em uma Faixa de Fronteira, ou seja, a identidade cultural é ainda mais

evidente por causa dos encontros culturais plurais em toda a região.

3.2. O Projeto Escolas Interculturais de Fronteira em Corumbá

Na cultura, há formas particulares para as relações humanas, ou seja, há

realidades que necessitam de adaptações, e assim também acontece com as

escolas de fronteira. Nelas, a realidade desperta a necessidade de ações em

âmbito nacional, continental ou em blocos de países. Um exemplo dessas ações

é o projeto Escola Intercultural de Fronteira (PEIF), um projeto federal, do

Ministério da Educação do Brasil (MEC).

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Originário da relação bilateral entre Brasil e Argentina, o PEIF propõe criar

intercâmbio e relações culturais que visam à expansão da fronteira, à troca de

experiências, ao aprendizado de novas línguas e à integração41. O documento

de criação do PEIF foi expedido pelo Ministério da Educação, por meio da

Portaria nº. 798, de 19 de junho de 201242, e tem como objetivo o

desenvolvimento educacional e social da região fronteiriça, o que vai ao encontro

das relações estabelecidas no Mercosul e com os países que fazem fronteira

com o Brasil. Atualmente o projeto foi expandido para outras regiões fronteiriças

do Brasil, como o caso da Bolívia e do Paraguai.

O PEIF utiliza o método de ensino por Projetos de Atividades43, que

consiste num avanço na metodologia regular de ensino. Originária no

construtivismo44, a principal intenção desse método é direcionar o estudante a

questionar um fato e criticá-lo ao ponto de propor e realizar ações que alcancem

soluções eficientes. A diferença é que as soluções se originam da ótica do

estudante e nas pessoas dos órgãos de gestão (FAGUNDES, 2006, p.19). Uma

realidade ainda em construção para e na cidade de Corumbá.

Há, em Corumbá, três escolas participantes45, até o ano de 2015, do PEIF,

e, na Bolívia, participaram dez escolas46. O Projeto consiste em encontros

periódicos com os professores dos dois países, para estudos e trocas de

experiências, após a composição do currículo formativo que atenda à realidade

de sua implantação. O PEIF47, em Corumbá, é coordenado pelo Curso de Letras

da UFMS. Em 2014 havia, inicialmente, 100 vagas destinadas para professores

41Cf.<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=836&id=12586&option=com_content&view=article>.

Acesso em: 25 jan. 2014. 42Cf. <http://educacaointegral.mec.gov.br/images/pdf/port_798_19062012.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014. 43 Idem. 44 Construtivismo “é uma posição [pedagógica] compartilhada por tendências de pesquisa psicológica e educativa com foco em como a inteligência é construída”. Cf. Revista Nova Escola - Agosto de 2015, p.22. Tem sua base teórica nos estudos de Jean Piaget, Vygotsky e Wallon. O programa do construtivismo valoriza o estudante e sua participação no processo de ensino-aprendizagem. 45 Sendo: Escola Municipal Rural Polo Eutrópia Gomes Pedroso, Escola Municipal Centro de Atendimento Integral à Criança - CAIC Padre Ernesto Sassida, e Escola Municipal José de Souza Damy. 46 Relatório Final de Curso de Formação Continuada - Programa Escolas Interculturais de Fronteira Brasil-Bolívia e Brasil-Paraguai, 2014, sob a coordenação da professora dra. Lucilene Machado Garcia Arf (UFMS-CPAN). 47 Há boas referências de informações sobre o PEIF em Corumbá em BUMLAI, D. U. M. Ações interculturais nas Escolas de Fronteiras: integração e preservação da identidade. 2015. Dissertação. (Mestrado em Estudos Fronteiriços). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2015.

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de Corumbá e outras 30 para professores da cidade de Bela Vista MS48, mas o

curso conseguiu um número de inscrição maior e concluiu com 111 educadores.

Na Bolívia, o número foi expressivo, mas com a particularidade de que

havia apenas um ônibus particular, alugado pelos professores, com 44 lugares

para fazer o transporte, o que impunha um revezamento na participação desses

professores (como pode ser observado no gráfico).

Figura 8. Dados do Relatório Final do Curso de Formação Continuada - Programa Escolas

Interculturais de Fronteira Brasil-Bolívia e Brasil-Paraguai, 2014.

As escolas da região fronteiriça, segundo o PEIF, são consideradas

gêmeas, já que, embora pertençam a territórios com soberania nacional

diferente, mantêm ligações peculiares devido à aproximação física e aos

intercâmbios culturais, sociais e políticos impulsionados pela realidade

fronteiriça.

O curso completo tem duração de um ano, com aulas duas vezes por

semana, num total de 160 horas. Além das aulas formativas, os professores

realizaram o Cruce49, que consiste de um estágio para que os professores

experimentem uma realidade diferente, pois os profissionais bolivianos cumprem

uma jornada de aulas em escolas brasileiras e vice-versa. O objetivo é que

docentes e discentes (que também participam da visita à escola-gêmea) possam

48 Em Corumbá, a organização do PEIF ficou ao encargo da UFMS, que também o estendeu para a região de Bela Vista MS, distante 478 km de Corumbá e que faz fronteira com o Paraguai, com a cidade homônima. Com isso houve formação para os educadores, naquela cidade. 49 Do espanhol se pode traduzir a palavra “cruce” para cruzamento ou entroncamento, segundo o Dicionário Michaelis. Acessado em www.michaelis.oul.com.br em jan de 2016

Escolas de Corumbá-MS

33%

Escolas em Bela Vista-MS

5%

Escolas na Bolivia56%

Escolas no Paraguai

6%

PEIF em Corumbá

Escolas de Corumbá

Escolas em Bela Vista

Escolas na Bolivia

Escolas no Paraguai

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atuar e expandir o conhecimento cultural, que é o objetivo da atividade do Cruce.

Em 2014, o PEIF realizou 4 Cruces entre as escolas Eutrópia Gomes Pedroso

(Brasil) e a Unidade Educativa La Frontera (Bolívia).

Em Corumbá, o Cruce foi realizado na escola Eutrópia Gomes Pedroso,

cuja localização é na zona rural de Corumbá, próxima fisicamente da linha

limítrofe entre Brasil e Bolívia. Todos os professores dessa escola participaram,

organizando aulas cujos temas fossem culturais, com isso qualquer componente

curricular poderia ser aplicado em aula na cidade boliviana. A escola que

recebeu, na Bolívia, a atividade foi a La Frontera, que fica a poucos metros da

fronteira entre os dois países. De acordo com o programa do PEIF, a

metodologia é simples para que essa realidade aconteça: o professor faz a

proposta de organização de uma aula em país vizinho. Não há necessidade de

saber ou falar, durante essa atividade, a língua local, mas há uma preocupação

em se fazer entender, o que se pode fazer com um discurso pausado e auxílio

de outros educadores para traduzirem alguma ou outra expressão, à medida da

necessidade. Professores brasileiros deram aula para estudantes bolivianos e

os professores bolivianos deram aulas para estudantes brasileiros. E como

expressou a professora Lucilene Machado Arf, em entrevista concedida ao autor

dessa dissertação em 25.05.2016:

O Cruce tem um objetivo estritamente cultural, que é de compartilhar culturas, para que os estudantes daqui [do Brasil] vejam e conheçam a cultura boliviana, pois moramos aqui e não conhecemos os mitos, a história, as festas da Bolívia. E se ninguém não nos os apresenta, também não os vamos conhecer nunca.(ARF, 2016).

O desenvolvimento desse conhecimento não é algo ainda natural na

realidade da região fronteiriça em que se insere Corumbá. Para a realização

dessa etapa do PEIF em Corumbá, foi escolhida a literatura como temática, e

para isso foi realizada uma pesquisa entre os autores locais cujas obras

apresentassem algo em relação à fronteira. No entanto, foi dificultoso apresentar

em mais de 50 anos de silenciamento os autores brasileiros, da região, que

explorassem os elementos da fronteira em suas obras. Algo semelhante ocorre

na região boliviana pesquisada. A coordenadora do PEIF revela que durante as

aulas notou situações bem diversas da vivência da fronteira, como no caso da

fronteira entre Brasil e Paraguai, em Bela Vista, onde a convivência, a

miscigenação e interação é muito mais frequente. Inclusive há a presença do

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“portunhol” (língua de contato) no cotidiano dessas cidades, fato pouco

observado em Corumbá e região. Na ausência dos elementos fronteiriços na

literatura local, o Cruce explorou a literatura pantaneira, rica na região, as

influências na economia, culinária, moda, as situações esportivas no futebol

brasileiro, que é conhecido na Bolívia (os times e os jogadores, em especial), as

expressões artísticas como artesanato, música e danças, entre outras.

Durante os Cruce foi observado uma grande interação entre educadores

e estudantes. Os professores brasileiros, por meio de relatórios, apresentaram

depoimentos sobre os fatos vividos na escola boliviana, como o respeito diante

do professor, o silêncio total durante a fala deste, o portar-se de pé à entrada da

aula, entre outros. Na escola brasileira, os professores bolivianos também

tiveram boa impressão, de acordo com as observações, já que despertavam a

atenção curiosa dos estudantes sobre as realidades culturais apresentadas.

Umas das ações do PEIF, além das aulas com os educadores das escolas

inscritas, é o acompanhamento semanal dos professores formadores, a maioria

da UFMS. Essa ação visa, ao observar a realidade das escolas, procurar trazer

os pontos mais importantes para o itinerário formativo do Programa.

O PEIF tem como base o tripé: a interculturalidade entre os países

participantes, a interação linguística e o próprio método de atuação que é a

pedagogia de projetos, que nada mais é que a ferramenta educacional escolhida

para a realidade das escolas.

Há uma vinculação entre as Escolas de Fronteira e as Escolas de

Educação Integral, de acordo com a proposta do MEC, a começar pela

apresentação do conceito para Escola de Fronteira aparecer no site do MEC

como subseção da Escola de Educação Integral.

Uma das regras para a escola brasileira se inscrever no PEIF é a

necessidade de, além de pertencer à Faixa de Fronteira, ser participante no

programa “Mais Educação”, do MEC. Este programa é, também, um dos meios

de constituição da escola em Tempo Integral e de Educação Integral, de acordo

com as diretrizes do governo federal.

A legislação que efetiva a criação da Escola Integral se realiza,

primeiramente, com a ampliação da jornada de aula, e isso pode acontecer por

meio da participação do “Mais Educação”.

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É necessária a compreensão sobre a distinção entre Educação Integral

versus Escola em Tempo Integral, tomando as conceituações de Moll (2010) e

Cavaliere (2002). Começando com Moll (2010), para quem a Escola em Tempo

Integral significa:

[...] Em sentido restrito refere-se à organização escolar na qual o tempo de permanência dos estudantes se amplia para além do turno escolar, também denominada, em alguns países, como jornada escolar completa. Em sentido amplo, abrange o debate da educação integral – consideradas as necessidades formativas nos campos cognitivo, estético, ético, lúdico, físico-motor, espiritual, entre outros – no qual a categoria “tempo escolar” reveste-se de relevante significado tanto em relação a sua ampliação, quanto em relação à necessidade de sua reinvenção no cotidiano escolar. (MOLL, 2010, p. 78).

E para Cavaliere (2002), Educação Integral é um conceito oriundo das

ideias da escola novista:

O movimento reformador, do início do século XX, refletia a necessidade de se reencontrar a vocação da escola na sociedade urbana de massas, industrializada e democrática. De modo geral, para a corrente pedagógica escolanovista, a reformulação da escola esteve associada à valorização da atividade ou experiência em sua prática cotidiana. [...] Uma série de experiências educacionais escolanovistas desenvolvidas em várias partes do mundo, durante todo o século XX, tinham (sic) algumas das características básicas que poderiam ser consideradas constituidoras de uma concepção de escola de educação integral. (CAVALIERE, 2002. p. 251).

Educação integral é a adoção de uma perspectiva que verifica mais que

ações da Educação formal de sala de aula. Ela faz interconexão com outras

fontes de conhecimento, como a vida cotidiana, a vida relacional, espaços fora

dos muros da escola. Assim, uma educação integral pode ser aquela que se

aprende brincando, conversando, pescando, vivendo a cultura indígena, a

construção artística ou outros momentos que não apenas o escolar formal, pois

seu objetivo está na integralidade da pessoa, e não apenas nos seus aspectos

cognitivos.

No Brasil há uma expansão do número de escolas integrais, como se pode

observar na figura do território brasileiro apresentado no site do MEC sobre a

Educação Integral (http://educacaointegral.mec.gov.br).

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Figura 9. Indicações da expansão das escolas de Educação Integral no Brasil50.

Uma das ações do PEIF é a formação em conjunto dos professores dos

dois países, colocando-os em intenso contato, o que permite a discussão e a

apresentação das realidades vivenciadas em suas escolas. Essa situação

permite ainda uma acurada reflexão para as gêneses das políticas públicas para

que qualifiquem ainda mais as relações e as atividades educacionais, a

compreensão e busca de soluções dos problemas limitadores na fronteira, pelo

menos no âmbito educacional. Se o objetivo da Escola Integral é a inserção

explícita do cotidiano social na prática educacional, e o PEIF vincula a realidade

fronteiriça ao conjunto de estudos da escola, esses dois programas, ao se

adicionarem, permitem com que o foco de abrangência da cultura seja ainda

mais ampliado e melhor explorado na escola.

Nesse contexto fronteiriço, a escola precisa se abrir para o diálogo criativo

com as diversas culturas que habitam seu espaço, reconhecendo diferenças,

ampliando o intercâmbio e descobrindo com isso novas soluções para os

desafios práticos. Isso se faz necessário para que a vida de cada pessoa seja,

50 Cf. <http://educacaointegral.mec.gov.br/videos-2>.Acesso em: 28 fev. 2016.

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no ambiente escolar, mais próxima da realidade, já que, como se observa no

texto do MEC sobre a diversidade,

[...] O que caracteriza o universo escolar é a relação entre as culturas, relação essa atravessada por tensões e conflitos. Isso se acentua quando as culturas crítica, acadêmica, social e institucional, profundamente articuladas, tornam-se hegemônicas e tendem a ser absolutizadas (sic) em detrimento da cultura experiencial, que, por sua vez, possui profundas raízes socioculturais. (BRASIL, 2005, p. 43).

Essa preocupação com a educação na fronteira não pode permanecer

apenas em aspectos de conteúdos e práticas, como aula de idiomas51. A

fronteira é algo vivo em todas as pessoas, então conhecer a história, a cultura,

os aspectos idiossincráticos dos povos que constroem a história do lugar é

necessidade urgente, especialmente se for levado em conta o niilismo52 em que

a região e sua cultura foram condenadas a viver, pela falta de atuação política

de valorização da cultura local, quando o assunto é a Educação e sua vivência

da identidade fronteiriça.

Todos os atores da educação – sejam os pais, os estudantes, os gestores,

os docentes – precisam desenvolver essa reflexão e darem espaço a ela nas

aulas e demais atividades educacionais. A partir do PEIF a formação dos

docentes pode ser sensibilizada para se criar o olhar e dirigi-lo para a situação

real da fronteira e suas idiossincrasias, para se combater o preconceito que

ainda impera sobre a cultura boliviana e a dos povos dessa região, para

reformulação de programas de estudos em sala de aula que problematizem e

aprofundem a identidade fronteiriça e suas riquezas culturais e, ainda, para que

o senso comum que lidera algum matiz de opressão não tenha força para limitar

a vida social desse encontro cultural da e na fronteira.

Outro aspecto da região de fronteira que se pode analisar, no interior da

escola, são os chamados esquemas, que se desenvolvem em algumas relações

no ambiente social e que também podem ser observados na estrutura

educacional. Tais esquemas são advindos de situações que podem ser ilegais,

51 Cf. BUMLAI, D.U.M. Ações interculturais nas Escolas de Fronteiras: integração e preservação da identidade. 2015. Dissertação. (Mestrado em Estudos Fronteiriços). Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal. Corumbá, 2015 52 Niilismo está na perspectiva da filosofia de Nietzsche. É um termo que designa um fenômeno do final do

século XIX em contraponto à decadência do cristianismo, e significa, então, uma perda de ideal pelo desaparecimento de uma referência desejável e mobilizadora como era a religião, que se revela por uma atitude meramente contemplativa do mundo e pelo desalento.

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por isso exigem segredo e discrição dos participantes. Segundo Costa (2014),

o esquema é conceituado como

Um procedimento de caráter regular, realizado de modo parcial ou totalmente ilegal por uma rede de pessoas, unidas por relações mútuas de confiança e segredo, na busca de apropriação de benefícios pessoais, lucro e/ou prestígio social. (COSTA, 2014, p 211).

Os esquemas, muitas vezes, camuflam mais que intervenções de caráter

legal, mas podem ser observados nas relações de estrutura na escola diante de

desafios que não podem ser evidenciados de modo explícito, como o preconceito

étnico ou o afastamento entre as pessoas que, mesmo originárias de culturas

diferentes, partilham o mesmo ambiente. O conceito originariamente

apresentado pelo autor se refere, particularmente, a situações ilegais tais como

a cópias de produtos sem autorização, mas que pode ser comparado à situação

que alguns grupos de estudantes bolivianos vivem nas escolas brasileiras. Eles

não expressam de maneira clara as formas de preconceitos ligados à

nacionalidade.

Os estudantes de origem boliviana, mesmo falando, em sua casa, uma

das línguas maternas da Bolívia53, mesmo tendo residência fixa na Bolívia, e

tendo outras expressões próprias de sua cultura, preferem não as expressar em

público ou na sala de aula. E, quando indagados se sofrem algum tipo de

preconceito, a resposta é negativa54, numa tentativa de disfarçar a realidade,

revelando um esquema para sobrevivência no ambiente diferente do próprio

país55.

Segundo Passavento (2006, p.123), precisa-se observar que a fronteira é

muito mais que dois lados que estão em polos diferentes. Fronteira é, para a

autora, um elemento qualificador da vida desses dois polos, dessas duas

realidades juntas.

53 A Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece 36 idiomas como oficiais, além do castelhano. Cf. Artigo 5: “Son idiomas oficiales del Estado el castellano y todos los idiomas de las naciones y pueblos indígenas originarios campesinos, que son aymara, araona, baure, bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guaraní, guarasu’we, guarayu, itonama, leco, machayuwa, machineri, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré, mosetén, movima, pacawara, quechua, maropa, sirionó, tacana, tapieté, toromona, puquina, uru-chipaya, weenhayek, yaminawa, yuki,yuracaré y zamuco”. 54 Esse fato foi observado durante uma pesquisa em uma escola de Corumbá com grande número de estudantes bolivianos. Cf. GODOY, T.S.; MACHADO, A.F; MARIANI, M. “Territorialidade Cultural em Escola de Fronteira”, apresentado durante o V Seminário de Estudos Fronteiriços, em maio de 2015 (em fase de elaboração). 55 Dados obtidos em pesquisa realizada em setembro de 2014 com estudantes da Escola CAIC Padre Ernesto Sassida, apresentado na V Semana de Estudos Fronteiriços - UFMS/CPAN.

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Nas interações surge a mestiçagem, que é, na verdade, a genuinidade

dos territórios, já que etnias e culturas se fundem em novos indivíduos (nas

características físicas e culturais). Das relações no território surge a

territorialidade, que, para Raffestin (1993),

[...] é definida como um fenômeno de comportamento associado à organização do espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que os definem. (RAFFESTIN, 1993, p.159).

A realidade da escola exige novas reflexões com ações como as do PEIF,

que não são suficientes para açambarcar a necessidade, mas seus resultados

interferem, positivamente, na atuação docente e nas demais ações

educacionais.

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4. O Componente Curricular Formação Cidadã como ferramenta de

rompimento com a monoculturalidade

Atualmente, as Escolas Integrais da REME mantêm em seu currículo a

chamada Base Diversificada, em todas as suas séries, com as seguintes

matrizes curriculares: Formação Cidadã (em toda a REME); Projeto e Pesquisa;

Projetando Futuro; Juventude em Ação; Identidade, Autonomia e Valores

Humanos (IAVH); Estudo Dirigido; Atividade Circense; Comunicação e Mídia;

Musicalização; Produção de Texto e Oralidade; Treinamento Esportivo; entre

outras56. A distribuição respeita a particularidade e a autonomia de cada escola,

e, por isso, cada uma pode criar suas próprias matrizes curriculares,

resguardando a carga mínima da Base Comum. Esses componentes

curriculares seguem o objetivo de aprofundar, especialmente, os temas

transversais apresentados nos PCNs.

Para a escola de Educação Integral, o estudo de temas transversais deixa

de ser apenas por meio de assuntos tangenciais, mas se concretiza em

construção de conhecimento no mesmo grau de importância do conhecimento

científico da Base Comum.

A Escola Integral para a realidade de Corumbá, como toda escola integral,

exige ir além da expansão do horário, já que deve haver aumento qualitativo de

oportunidades educacionais, por meio da inserção de novos componentes

curriculares, novos espaços de aprendizagem e aumento de carga horária de

disciplinas da Base Comum e Regular do Ensino Básico, que são as regulares

do currículo nacional, tais como Língua Portuguesa, Matemática, Geografia e

História. A opção das escolas de Educação Integral de Corumbá deu mais

passos no que se refere aos PCNs, ao que se refere aos temas transversais, já

que criou, sem desvincular a necessidade de interdicisplinaridade, as diretrizes

de transversalidades propostas pelos PCNs, por meio da criação de novos

componentes curriculares.

Ao apresentar a relevância dos componentes curriculares da Base

Diversificada, a professora Rose Zozias, da SEMED, em entrevista concedida

56 A nomenclatura aqui apresentada foi utilizada no ano de 2014; no ano seguinte, alguns componentes curriculares sofreram alterações na terminologia, conservando a essência original de sua implantação, em 2012, na REME.

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em 16.02.2016, destaca o valor como proposta de inclusão dos estudantes na

realidade circundante:

A gente acredita que quem tem que delinear os conteúdos e os assuntos a serem abordados [na Base Diversificada] é a Escola, a partir da sua realidade, seja étnica, seja social, financeira, para superação da situação de vulnerabilidade social ou cultural, por exemplo. Pois cada escola tem sua especificidade. E para nós [a Base Diversificada] é uma ferramenta positiva para o desenvolvimento da qualidade educacional, surtindo efeito de inclusão da criança sem distinção, e que ela tenha autonomia em todos os aspectos. (ZOZIAS, 2016)

Na proposta da Semed de Corumbá, a Base Diversificada é apresentada

como um meio de qualificação da Educação, quando ele tem as particularidades

culturais, sociais e representativas da comunidade escolar. Essa situação

oferece possibilidades de estudos que vão além das informações comuns nos

livros didáticos, especialmente se há sensibilidade na construção do currículo

escolar.

Os novos componentes curriculares atuais têm sua gênese com o

processo de implantação da Escola de Educação Integral, em Corumbá. Ainda

há flexibilidade na nomeação dos mesmos enquanto componentes curriculares,

mas é mantido o objetivo de se tornar uma forma de aprendizado mais ampla no

espaço da educação formal. É comum reduzir o currículo a uma de suas

dimensões, como é o caso dos conteúdos, mas não se pode ignorar a “trama

cultural, política, social e escolar” que o envolve para lhe dar corpo e realidade.

Mesmo que os conteúdos respondam a uma dimensão cognitiva e setorizada,

há uma complexidade que alinhava outras e essenciais dimensões que não são

neutras em relação à construção do saber, da compreensão do estudante e da

escola (SACRISTÁN, 1999, p. 17).

E, já que a identidade da Escola de Fronteira reflete sua realidade cultural,

não se podem excluir aspectos vividos no cotidiano e nos estudos escolares,

como apresenta Sacristán (1998):

Não existe ensino nem processo ensino-aprendizagem sem conteúdos de cultura, e estes adotam uma forma determinada em determinado currículo. E a atuação pedagógica tem sua preocupação mais no como ensinar que no o que ensinar. (SACRISTÁN, 1998, p. 30).

E fazemos tal opção por compartilhar a ideia de Sacristán (1998, p.34): “O

currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na cultura conteúdo

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do sistema educativo para um nível escolar ou para uma escola de forma

concreta”.

Tal “culturalidade” na educação é o que melhor poderia interpretar a

necessidade de uma Escola “na” e “da” Fronteira, que adquire e transmite seus

conhecimentos a partir daquilo que a sua sociedade faz ser real.

A escola é um espaço sociocultural de grande importância para a

construção da pessoa, para a vivência cidadã. E tal construção se faz no tempo

e no espaço da escola, além do currículo.

4.1 Aplicabilidade: o Componente Curricular Formação Cidadã nas Escolas

Municipais de Corumbá

O Componente Curricular Formação Cidadã é uma grande ferramenta

para permitir que as culturas presentes no território investigado possam “entrar”

na escola, especialmente quando ela tem como objetivo uma educação integral

do estudante.

Quando o componente curricular for referendado como meio de

articulação da multiculturalidade para a escola, serão projetados mais que

horizontes ou elencos de solução, que são um problema não para a Escola de

Fronteira, mas um anseio para toda a Educação no Brasil. A escola é o espaço

privilegiado, ainda que não seja o único, para a formação da pessoa em suas

principais dimensões, além de gerar intensa contribuição para o progresso das

demais, e por isso o olhar para a vida que a pessoa pode desenvolver enquanto

cidadã é a grande perspectiva de sucesso da educação. A escolarização é uma

capacitação para compreender a integração na vida social, o que gera um

vínculo propedêutico aos demais níveis educativos e de aprendizado. E como

apresenta Sacristán (1998, p. 56): “Uma educação básica preparatória para

compreender o mundo no qual temos que viver exige um currículo mais

complexo do que o tradicional, desenvolvido com outras metodologias”.

Na base comum da escolarização, os livros didáticos geralmente impõem

ao professor o conteúdo programático, mesmo que nas escolas seja

aperfeiçoada a autonomia dos professores. Sacristán (1998) fala sobre sua

avaliação da prática educacional:

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[...] As disciplinas e áreas do saber que formam os currículos escolares são, em muitos casos, seleções arbitrárias, sem coerência interna, que não transmitem nem cultivam a experiência básica genuína de cada área. Algo muito parecido se pode dizer da apresentação cultural que os livros-textos realizam em muitos casos. (SACRISTÁN, 1998, p. 67).

E isso é um problema para a educação escolar, pois, muitas vezes, os

estudantes desenvolvem seus conhecimentos desarticulados de sua realidade.

Um exemplo é a facilidade que as gerações mais jovens têm na utilização das

tecnologias frente a muitos professores que intensificam mecanismos de

controle e cerceamento do uso das novidades tecnológicas, ao avesso de sua

inserção nas atividades educacionais.

Sacristán (1998, p. 91) dá ares de relativização à atuação do professor no

que diz respeito à interferência no resultado do estudo, no entanto não exclui sua

essencial participação graças a sua gama de desempenhos não-didáticos, como

o político, o de controle, o administrativo, e até o de jurisdição.

Em sala de aula, o professor precisa, e pode produzir o diálogo com a

cultura exterior que é cada vez mais ampla, complexa e vivaz, mas isso não se

faz com diagnóstico da realidade, com vídeos ou documentários de visão

zoológica dos problemas sociais, ou seja, o assunto é visto como uma atração

pública, como um safári turístico na atualidade. Para obter esse resultado, não é

apenas o conteúdo que deve se dirigir nos trilhos da realidade, mas a forma de

construção das idiossincrasias culturais no interior da escola. Ao fato dos

estudos dos idiomas estrangeiros nas escolas básicas do Brasil como meios de

obtenção da multiculturalidade, não se pode afirmar ou mensurar a realidade e

a qualidade dos resultados, já que não é comum que esse estudo venha a

permitir conhecimento real do idioma estudado.

No entanto, numa realidade como a da região em que se encontra

Corumbá, especialmente com as dificuldades ainda existentes nas relações

entre bolivianos e brasileiros (BUMLAI, 2015; COSTA, 2010), o estudo do idioma

espanhol seria um dos articuladores. Cabe lembrar que, por ser facultada à

escola a escolha de qual língua estrangeira comporá sua matriz curricular,

geralmente o principal motivador da escolha, em Corumbá, é a presença

significativa ou não de estudantes bolivianos. Essa articulação não acontece

apenas com o estudo do idioma, mas com a articulação de uma cultura que sofre

com o mutismo cravejado de preconceito.

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Os componentes curriculares da Base Diversificada ainda não têm

estabelecidas suas metas no macrocosmo da realidade de Corumbá, ou seja,

cada escola pode articular seus projetos com autonomia, mesmo que aconteçam

formações periódicas e específicas para os educadores que lecionam esses

componentes. Outra informação pertinente é que todos os planos precisam se

articular com os PCNs (de acordo com a LDB). Com isso, um programa anual de

Formação Cidadã - para o Ensino Fundamental II - da Escola Municipal de

Educação Integral Tilma Fernandes Veiga será apresentado e analisado como

forma de explicitação e aplicabilidade desta pesquisa.

A perspectiva de reflexão sobre as realidades pertinentes e vivenciadas

pelas pessoas da escola deve estar presente na construção da identidade

multicultural da escola. Nessas reflexões, assuntos como preconceito,

subalternidades sexuais, conflitos raciais, violência, e os exemplos de vivências

e relações sociais trazidos pelos próprios estudantes precisam entrar nos

programas de aula. Para aprofundar na questão, e com o intuito de melhorar a

compreensão do assunto, será apresentada uma análise de um plano anual de

uma das séries do Ensino Fundamental.

4.2 Relato de Experiência

Como professor fui convidado a lecionar numa escola básica de Educação

Integral da cidade de Corumbá, no ano de 2013. Minha formação inicial não

apresentava vinculação direta com a Base Comum da escola. Sou formado em

Filosofia, que é habilitação para componente curricular frequente apenas no

Ensino Médio, e a escola em questão tem apenas as séries do Ensino

Fundamental. No entanto, como já apresentado, a escola de Educação Integral

apresenta a Base Diversificada, com componentes curriculares próprios

intimamente ligados à realidade da comunidade e da escola, segundo análise da

comunidade educativa.

Recebi a proposta da Coordenação Pedagógica, e o primeiro passo foi

organizar o Plano Anual do componente curricular Formação Cidadã. Recebi um

opúsculo elaborado pela Secretaria Municipal de Educação, com um conjunto de

aulas voltadas aos temas de cidadania mais comuns ao cotidiano da escola

(ecologia, sustentabilidade, prevenção às drogas, aspectos da cidadania e do

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protagonismo juvenil), além de sugestões de metodologias para as aulas, como

vídeos, ferramentas tecnológicas, jogos e sítios interativos. Ao todo eu lecionaria

7 componentes curriculares, sendo: “Estudo Dirigido”, “Formação Cidadã”,

“Projetando Futuro”, “Projeto e Pesquisa”, “Produção de Texto e Oralidade”,

Juventude em Ação” e “Identidade, Autonomia e Valores Humanos”, com turmas

da 4ª à 9ª séries do Ensino Fundamental. Eu estava iniciando minha experiência

na escola de Educação Integral, e tinha como ideia que isso significa única e

exclusivamente a expansão do tempo em ambiente escolar, a inclusão de

algumas matérias nesse aumento de tempo, já que as aulas nessa escola eram

das oito da manhã até às dezesseis horas.

Após um bimestre de aula, eu me encontrava numa ‘bagunça’

epistemológica sem igual. Os planos de aulas eram mais surreais que uma obra

de Salvador Dalí, especialmente porque os objetivos para as aulas eram

balizados pela minha formação em Filosofia, o que não tinha muita compreensão

para os estudantes e, muito menos, para a Coordenação Pedagógica, num

primeiro momento. Tal realidade alterou-se quando foi oportunizada uma

capacitação complementar para professores das Escolas Integrais: Docência na

Escola de Tempo Integral (DETI), pela EAD da UFMS.

Assim como Sacristán (1998) versa que a atuação do professor em sala

de aula também apresenta um currículo oculto, que é formado pelos substratos

e experiências do próprio educador, a educação exige melhor qualificação do

professor, em especial na revisão de suas concepções pessoais que alimentarão

ou interferirão nos conteúdos trabalhados nas atividades educacionais. Com

isso, a compreensão de uma educação mais ampla que os conhecimentos

cartesianos e que os conteúdos dos livros didáticos fez-se necessária para a

qualificação da minha atuação como professor.

A partir da compreensão da realidade da escola, da sua finalidade e,

ainda, da ampliação do estudo no Mestrado em Estudos Fronteiriços, a minha

dedicação educacional tomou outras perspectivas.

Tive contato com a metodologia do PEIF, particularmente com o

desenvolvimento de projetos em sala de aula. Com isso, as aulas tornaram-se

mais participativas, os processos pedagógicos tiveram melhores resultados, em

especial com a elaboração de um projeto premiado pela Semed, conhecido como

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“Tilma para o Bem”57. Tal projeto evidenciava a participação dos estudantes na

melhoria da realidade que os cercava. Tendo essa matriz, propus que na

disciplina "Formação Cidadã" pudesse ter base o protagonismo dos estudantes

e suas realidades. Penso que toda ação educativa precisa contar com a

participação efetiva dos pares, especialmente dos estudantes, com isso objetivei

que eles também opinassem em ações que demostravam como o mundo pode

ser melhor sem milagre, e que isso é possível com ações pontuadas no

cotidiano.

Convidei os estudantes participantes desse projeto – todos provindos de

realidade de risco social – que olhassem "seu mundo" e propusessem uma ideia

para melhorá-lo. Durante as aulas, os estudantes apresentaram suas ideias e

fizeram o Plano de Ação para as atividades, com o objetivo de possibilitar aos

próprios estudantes a reflexão e a criação de propostas de soluções para os

problemas que eles sentem como urgentes e estão ao seu redor.

O objetivo principal do projeto era: “Possibilitar aos estudantes refletir e

propor soluções para os problemas que eles sentem como urgentes e estão ao

seu redor”.

O projeto teve três etapas: a geração e seleção das ideias para melhorar

o mundo; a aplicação das ideias; e a avaliação das atividades. As principais

opiniões aplicadas e selecionadas pelos estudantes foram a coleta seletiva na

escola e no bairro, com divulgação do calendário de recolhimento e informações

de separação do lixo. No entanto, a principal ação escolhida pelos participantes

do projeto foi a pintura de jogos pedagógicos e figuras animadas no pátio da

CEMEI Valódia Serra (anexa à escola) com intuito de embelezamento e para

servir de ferramenta pedagógica para os educandos da mesma. Eles também

participaram de uma Oficina de Fotografia, que gerou uma exposição intercalada

com estudantes de Macapá (que tinham o mesmo tema para retratar: "A vida

que margeia o rio", e por isso fotografaram ao longo da margem do rio Paraguai,

e os estudantes de Macapá fizeram o mesmo por lá). Também participaram de

uma oficina de artesanato para confecção de materiais a partir da coleta de

57 Em 2014 o projeto “Tilma para o Bem” realizado com as turmas de 8º e 9º anos recebeu o 1º. lugar no Prêmio Professor por Excelência. No ano de 2015 o projeto teve outras ações que envolveram estudantes do 6º ao 9º anos, e ficou na 2ª. colocação do prêmio organizado pela Semed. Ainda em 2015, “Tilma Para o Bem” foi finalista regional no prêmio “Professor do Brasil”, realizado pelo MEC, na categoria de 6º a 9º anos – Anos Finais do Ensino Fundamental.

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latinhas, garrafas pets, caixotes usados e pneus descartados. E, por fim,

partilharam o conhecimento sobre a cultura da cidade por meio de uma

exposição de aspectos próprios da culinária corumbaense com um “Almoço

Pantaneiro”, feito com a participação dos estudantes, servido a todos da escola.

Nesta atividade, os estudantes participaram de um encontro com a

pesquisadora da gastronomia da região de Corumbá, Lidia Leite, e a partir de

então, escolheram um prato para que fosse servido na refeição da escola. A

escolha do cardápio foi por meio da pesquisa e da possibilidade de realização

com os estudantes.

Figura 10. Atividade pedagógica: Gastronomia e Cultura (Almoço Pantaneiro).

Figura 11. Atividade pedagógica: Gastronomia e Cultura (Almoço Pantaneiro).

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Outra ação desenvolvida pelos estudantes foi o reaproveitamento da água

dispersada pelos condicionadores de ar que foram implantados na escola. Os

estudantes viram que diariamente muita água se perdia. Após uma palestra

sobre o uso racional e o ciclo da água, o tema passou a ser discutido. Após os

estudantes terem feito uma pesquisa na internet, surgiu a ideia de coletar essa

água para uso na limpeza. Eles pesquisaram meios de coletar e armazenar a

água: aproveitamos as garrafas pet que recolhemos para venda (o dinheiro

é usado na formatura da turma); cada aparelho de ar-condicionado recebeu uma

garrafa para retenção do líquido, e, a cada tempo, uma dupla recolhe a água e

a deposita numa caixa d’água doada para essa finalidade. Medimos a

quantidade (que chegou a mais de 300 litros diários) e vimos o potencial de

economia.

Figura 12. Projeto “Tilma para o Bem” (Coleta de Garrafas Pet)

Figura 13. Projeto “Tilma para o Bem”: utilização de garrafas pet como coletoras de água dos condicionadores de ar.

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Figura 14. Reutilização das garrafas pet para confecção de brinquedos para os próprios estudantes.

Inicialmente enfrentamos resistência da equipe de limpeza, que alegava

grande esforço em usar a água devido à acomodação estar distante dos

ambientes e terem que tirá-la usando um balde, mas, aos poucos, com a ajuda

da gestão da escola, a água passou a ser usada na limpeza e hoje se soma a

um novo projeto da escola: de arborização dos pátios e arredores. Recebemos

apoio da Prefeitura Municipal e a água é canalizada e depositada em barris

preparados e dotados de torneiras para a facilitação do uso da água. Essa

ação se tornou piloto para implantação em outras escolas, e está em fase de

aprimoramento. Os estudantes apresentaram a ideia na Fecipan - Feira de

Ciência do Pantanal -, no ano de 2014, organizada pelo Instituto Federal de Mato

Grosso do Sul (IFMS), e receberam o incentivo com a premiação do 3º. lugar na

Feira. A participação na FECIPAN trouxe para a sala de aula, além do

reconhecimento do esforço dos estudantes, a busca por um aprimoramento dos

estudos e motivação para que outros educadores também participassem de

outras edições.58

Durante o desenvolvimento das atividades, nos planejamentos das aulas

receberam destaque as atividades de projetos que objetivavam inserir o

cotidiano e promovessem a autonomia dos estudantes. Assim, os estudantes

58 Em 2015, a escola participou com outros 3 projetos, obtendo o 2º. lugar da categoria Multidisciplinar com o projeto “Escola Vida Verde: Plante essa Ideia”.

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tiveram aulas em outros ambientes além da sala. Numa atividade organizada em

conjunto com as educadoras do 4º e do 5º ano, os estudantes pesquisaram, por

meio de um roteiro, aspectos observáveis numa das feiras livres de Corumbá.

Lá os estudantes tinham de fazer anotações sobre pesos, medidas e expressões

idiomáticas ou palavras desconhecidas do vocabulário cotidiano. As anotações

foram utilizadas nas aulas de Língua Portuguesa, Matemática e Formação

Cidadã.

Outra atividade foi a organização da aula de campo no Museu de História

do Pantanal, onde os estudantes puderam entrar em contato com informações

que remetem à pré-história do Pantanal (artes rupestres, fósseis e objetos

arqueológicos da região).

Tendo como intenção a socialização e o desenvolvimento de cidadania, a

aula que apresentava hábitos de saúde por meio da boa alimentação foi

apresentada num piquenique no Ecoparque da Cacimba da Saúde.

Partindo da curiosidade dos estudantes também foi oportunizado a eles

conhecerem o funcionamento de uma Rádio Comunitária, a FM Pantanal. Lá os

estudantes entrevistaram o radialista Arturo Ayala, e também apresentaram suas

impressões sobre assuntos educacionais e de cidadania por meio da

participação ao vivo na programação desse veículo de comunicação.

Durante as atividades, os estudantes contaram um pouco da vida, dos

medos e de suas realizações, o que fez com que meu processo avaliativo, para

a atividade, alterasse para algo mais amplo que os resultados mensurados nas

avaliações por meio das notas e conceitos oficiais. Também pude compreender

a realidade que viviam, as dificuldades que nem sempre eram percebidas nas

relações em sala de aula. Nas fotos seguintes, pode-se ver alguns estratos

dessas atividades educacionais:

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Figura 15. Estudantes da Escola Tilma durante a apresentação na FECIPAN.

Figura 16. Stand de apresentação na FECIPAN.

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Figura 17. Aula-pesquisa na Feira Livre. Os estudantes pesquisavam preços, medidas e expressões idiomáticas em castelhano e "portunhol".

Figura 18. Aula de campo no Museu de História do Pantanal (MUPHAN), cujo tema era o desenvolvimento histórico do Porto de Corumbá.

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Figura 19. Aula de Campo: atividade Piquenique Cultural.

Figura 20. Piquenique Cultural

Figura 21. Conhecendo a FM Pantanal, como atividade de aula do componente curricular Formação Cidadã.

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Nesses relatos se pôde observar que a cultura e a realidade foram

tratadas como elementos de conhecimento, tiveram aspectos de reflexão para o

desenvolvimento da cidadania, para o mundo do trabalho, e de estudos

posteriores.

No grupo em questão, há estudante que aprendeu a manufaturar

artesanato para contribuir com a renda familiar, e todos continuam os estudos

formais59. Há dois estudantes que passaram na seleção do IFMS, umas das

mais concorridas na região, e realizam o curso Técnico de Informática. O grupo

mantém contato pelas redes sociais e relata que realizam a coleta seletiva do

lixo em sua prática cotidiana e propagam a ideia de reaproveitamento da água

de condicionadores de ar, ambas atividades que aplicaram nos projetos na

escola. Podemos dizer que o ensino rompeu o monoculturalismo e se abriu à

multiculturalidade, já que passamos a projetar o estudo a partir da realidade

local, sem reduzir o alcance de aprendizagem.

4.3 Análise do Plano Anual do Componente Curricular Formação Cidadã

Como é de praxe nas escolas, é atribuição do professor elaborar o Plano

Anual dos componentes curriculares que serão desenvolvidos em sala de aula.

É uma atribuição delegada no Artigo 13 da LDB, no 2º. parágrafo: “Elaborar e

cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento

de ensino” (Brasil, 1996). A proposta deste escrito também recebe caráter de

aplicação do conhecimento. Como já foi apresentado no capítulo 2, a Escola

necessita da superação do monoculturalismo, uma tarefa que envolve todos os

seus atores, no entanto, observando a realidade da escola na fronteira, essa

atitude pode ter um dos desenvolvimentos a partir da sala de aula.

É o que propõe a análise do planejamento anual para as atividades do

componente curricular “Formação Cidadã” para o Ensino Fundamental (EF) na

EMEI Tilma Fernandes Veiga. Uma informação se faz necessária: em cada série,

usualmente, há um plano básico do componente curricular. No entanto, para a

59 Em 2013, na turma do 9º. ano foram matriculados 16 estudantes, sendo que, ao final do ano, 3 foram reprovados, 2 abandonaram a escola, restando, então, apenas 11 aprovações. Dos aprovados, no ano seguinte apenas 4 continuavam o estudo regular, segundo dados obtidos pelo autor. Já em 2014, a turma do 9º. ano era composta por 7 estudantes, e todos concluíram com aprovação. E no ano de 2015 todos continuam matriculados e frequentes em escola. Os dados podem ser confrontados no site <http://www.qedu.org.br/>.

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“Formação Cidadã”, a primeira diferença para a Base Comum é que os seus

conhecimentos, ou melhor, o objetivo de conhecimento, não se exterioriza em

sequência lógica somatória, ou seja, seu plano de assuntos não segue um

encadeamento cartesiano no que tange à sua sequência. A diferença para cada

ano escolar está na própria realidade em que se encontra a turma, podendo um

mesmo assunto ser trabalhado tanto com uma turma da série inicial quanto com

uma turma da série final do EF, sem que isso signifique falta de sintonia entre a

fase educacional e o conteúdo estudado. O plano propõe os mesmos assuntos,

com pequenas nuanças, mas a variação maior está em função do público de

destino, ou seja, haverá variação e adequação de metodologia, enfoques

diferenciados e variações que permitam a realização dos objetivos. O que será

evidenciado nas análises seguintes.

De acordo com os objetivos apresentados para os Temas Transversais

dos PCNs (BRASIL, 1997), quatro eixos-mestres foram elegidos, pelo professor,

para a “Formação Cidadã”60:

1.Compreender e desenvolver a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; 2. Ter o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania e desenvolvimento biopsicossocial; 3. Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais, especialmente a da região de fronteira, em condutas de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural que os sujeitos estejam inseridos; 4. Aplicar as tecnologias das Ciências Humanas e Sociais na escola e em outros contextos relevantes para sua vida para qualificação da vida.

Tais metas, embasadas nos PCNs, indicam o quanto a realidade precisa

ser vista e revista em ambiente escolar. Tais princípios foram apresentados para

balizar a atuação em sala de aula, o que dirige as opções e assuntos que serão

estudados e que permitirão a construção do conhecimento do estudante. Esse

objetivo se evidencia na finalidade-mestre proposta pela LDB para a Educação

Básica, em seu artigo 22.

60 Essas referências foram elaboradas pelo autor dessa dissertação ainda durante o período de pesquisa, e já se encontram em aplicação na realidade da Escola Tilma Fernandes Veiga.

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Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 2010b).

Como apresentado no capítulo 2, a compreensão da finalidade da

Educação está imbricada à vivência social. E se for acrescida à esta reflexão o

2º. parágrafo do artigo 27 da LDB, o alcance será ainda maior, já que “a difusão

de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos

cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” necessariamente

passaria pela vivência multicultural, o que significaria respeito à cultura sem

rebaixamento humano ou qualquer outro preconceito ou separação entre as

pessoas. Isso é “tolerância recíproca em que se assenta a vida sócia”, como

versa o parágrafo IV do mesmo artigo. Com isso, não coaduna com o objetivo

de exercício da cidadania a construção estrutural sem o diálogo e a relação

cultural, práticas representantes do monoculturalismo.

A “Formação Cidadã” será uma ferramenta para a articulação multicultural

na escola e rompimento do monoculturalismo quando agregar a presença da

cultura social no interior das salas de aulas, nos corredores, pátios, banheiros,

sala de professores e demais dependências de articulações de conhecimentos

das escolas (APPLE, 1986, p. 76 e ss; SACRISTÁN, 1998, p. 93-94). Isto é,

quando o conhecimento não precisar ser apenas avaliado para composição de

notas ou conceitos de progresso seriado, e se tornar substrato de reflexão da

pessoa enquanto provedora de suas escolhas na pólis que atua. Quando a

realidade extramuros for a contemplada no interior do palco escolar. Para isso,

toda ação escolar precisa ser tocada, a começar com o Projeto Político-

Pedagógico, mas também em sua atuação em sala de aula, o que envolve o

planejamento pedagógico e suas articulações. E, para isso, os educadores

precisam de formação, desde a inicial até a continuada, que revele a realidade

em que exercerão sua prática. Formação que não se acostume com a

necessidade e existência de formalidade para sua compreensão, mas que

desperte abertura para o diálogo, necessidade perene de atualização, como bem

inferem Lorieri & Rios (2004):

O diálogo [na escola] ganhará maior consistência na medida em que resultar e, ao mesmo tempo, criar espaço para um exercício de reflexão, de investigação. Investigar, reflexivamente, é uma rica forma de dialogar, no campo da educação. Na busca coletiva de ampliação

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do conhecimento, os educadores têm oportunidade de derrubar certos preconceitos, apontar contradições, superar problemas. Se acreditarmos que a busca de ampliação do conhecimento não se dá só na direção do que é externo, mas no olhar sobre si mesmo, os educadores têm também oportunidade de falar de si e de sua prática. (LORIERI & RIOS, 2004, p. 69).

A sala de aula é o encontro necessário para a construção de um saber

que se desenvolva, qualificadamente, na sociedade. É nela que as barreiras do

preconceito e dos afastamentos entre as culturas construtoras desta região

fronteiriça perderão força, já que serão debatidas e iluminadas para se

concretizarem em práticas cidadãs e da sociedade. Com isso, os estudantes

poderão solidificar e ter consciência da importância recíproca e comprometida

dos valores sociais que emanciparão, reflexivamente, ainda mais, a coletividade

e o território, para desembocar na cidadania, que nada mais é que a

responsabilidade partilhada entre todos os sujeitos desse território.

Esse exercício será um processo de compreensão da realidade que está

inserido em todos os segmentos sociais desta região, e, como apresenta Wogel

(2014), será a realização dos significados reais:

Compreender tem a ver com a capacidade de identificação e interpretação dos sentidos da realidade. Aliada ao entendimento - que se faz pelo reconhecimento das características distintivas - das estruturas que constituem um objeto ou objetos e as funções ou finalidades desses, a compreensão busca uma razão ou um sentido, o que indica uma interpretação para além da própria coisa que estabelece relação com outras coisas, objetos, pessoas e realidades. Além da possibilidade de identificar, ou seja, do ser capaz de dizer o que é e como é algo, a interpretação apresenta outras questões, o porquê e o para quê. Mas estas questões necessitam de respostas embasadas por meio da apresentação de intenções e descoberta de motivos, respostas que fazem relações causais e estabelecem nexos interpretativos, que idealizam sentidos, que valorizam e apresentam qualificações e ofereça significados. A compreensão tem a ver com a produção de significados, que está intimamente ligada às culturas e às vivências dos sujeitos, seus entendimentos e afeições, sua subjetividade em relação com os objetos que conhecem. (WOGEL, 2014, p. 30-31).

Ou seja, o papel da sala de aula, na Escola de Fronteira, por meio da

“Formação Cidadã” será uma tradução social da realidade ainda encistada das

relações culturais presentes na cidade de Corumbá e região. É o que revela o

primeiro eixo proposto para a Formação Cidadã: “compreender a cidadania

como participação social e política”, e para obtenção do fim da injustiça e a

propagação da solidariedade é que exige participação na vida do outro.

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Essa participação na vida do outro requer um processo de dupla via, que

exige conhecimento de si (segundo eixo), o que relaciona o amadurecimento

afetivo e biopsicossocial de forma a obter a vivência plena da cidadania.

E ao ser apresentado o processo de mutismo entre as culturas na

estrutura de ensino da escola, deve-se propor o diálogo crescente, criativo e

equilibrado para a constituição das soluções necessárias para o fim desse e de

outros problemas que segregam a multiculturalidade necessária para a harmonia

da fronteira. Quando o educador facilitar o acesso às reflexões que deem voz ao

protagonismo juvenil para a busca de soluções, a realidade em que vivem terá

seu aggiornamento61 em desenvolvimento.

Os eixos propostos para o Plano Anual da disciplina Formação Cidadã

não são quimeras ou elucubrações meramente estéticas. O objetivo principal

está em constituir estratégias e caminhos de superação das desarticulações

entre as culturas desse território. Os eixos indicam passos que devem interferir

nos assuntos propostos para os estudos, nos paradigmas educacionais, no

currículo escolar para fornecer a reflexão necessária para a instauração de uma

sociedade dialogante e de acordo com o que almejam os princípios propostos

pelo ensino ministrado no Brasil62.

Os eixos propostos não versam, de maneira explícita, sobre a identidade

particular da Escola de Fronteira, o que não é mero casuísmo. Tal realidade

observa que não é apenas para a Escola de Fronteira a necessidade de

superação do monoculturalismo, mas em todas as demais identificações de

escola. No entanto, a maior força de identificação da Escola de Fronteira é a

multiculturalidade de sua sociedade, a tentativa é de provocação direta e

explícita para ela.

A vivência da cidadania obriga a reflexão sobre as relações históricas

entre culturas autóctones e grupos posteriores, já que nesses encontros não é

incomum o desenvolvimento de pseudoparadigmas para as relações culturais,

mas também para as diferenças sexuais e de compreensões intelectuais

embasadas em experiências do cotidiano, como o caso observado nos mestres

61 Termo italiano que se tornou célebre na voz do Papa João XXIII para propagar a necessidade de renovação da Igreja Católica, o que culminou no último grande Concílio Ecumênico, o Vaticano II. Seu significado pode ser traduzido como “em renovação para o hoje”. 62 Como versam os parágrafos do Art. 3º. da LDB, em particular o XII, que recebe redação da Lei nº .12.796, de 4/4/2013, de consideração da diversidade étnico-racial, por exemplo.

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griôs63. A reflexão dessa vivência deve despertar a criticidade que desenvolva,

nas ações sociais, as aproximações necessárias para a superação das

desigualdades, como os preconceitos étnicos, mas também o consumismo, a

degradação ecológica, a depredação dos patrimônios públicos, as opressões

geradas pelo pensamento da masculinidade hegemônica do mundo do trabalho,

entre outros aspectos limitadores da vida em sociedade. Tudo isso para

despertar nos estudantes ações e estratégias de intervenção para a superação

das mazelas, já que não é a escola que, sozinha, será capaz de causar a

transformação social necessária, almejada.

63 O termo Griô é universalizante, porque ele é um abrasileiramento do termo ‘Griot’, que por sua vez define um arcabouço imenso do universo da tradição oral africana. É uma corruptela da palavra “Creole”, ou seja, Crioulo, a língua geral dos negros na diáspora africana. Foi registrado no Cartório do Registro de Pessoas Jurídicas da Comarca de Lençóis (BA), no Livro A-03, nº. 215, o Projeto de Lei de inciativa popular “Lei Griô Nacional” - uma política de transmissão oral do Brasil, em novembro de 2009.

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Considerações Finais

No processo de construção das sociedades humanas, as relações

permitiram evolução e conquistas de novos saberes, de alterações estruturais,

criação de esferas sociais, para que houvesse harmonia nas relações com os

meios e as pessoas. Este é um dos elementos da força da cultura, que em seu

viés imaterial perdura além do tempo, seja pela ótica cronológica seja pelo

kairós. Este é o ponto central dessa pesquisa: a cultura, ou melhor, as culturas,

mas sua visão na escola de fronteira.

A proposta e estrutura deste trabalho foi organizada de maneira clara e

simples com a situação da educação na escola e suas relações culturais. Como

apresentado, o espaço receptor da focagem desta pesquisa é um território

múltiplo de cultura, mas que ainda não se traduz em multiculturalidade, pois o

que é multicultural não significa coletivo de culturas, como se observou no

capítulo 2.

A região de fronteira é território rico em diversidade cultural, embora sem

se apresentar exclusiva frente às outras jurisdições. A região onde se encontra

os limites físicos do Brasil e da Bolívia vai além da demarcação do fim das

soberanias nacionais. Nessa terra é onde se desenvolve uma cultura rica em

outras expressões, numa fusão criativa e ampla de relações expressas na língua,

nas características físicas, na culinária, na arquitetura, nas indumentárias, na

estética, e em tantos outros aspectos da cultura.

E, nesse conjunto, a Escola recebe o imperativo convite de qualificação

no desenvolvimento efetivo de meios que garantam os caminhos de incremento

da vivência da cidadania pelos estudantes durante os anos de sua formação,

mesmo que esse processo não seja exclusividade da educação, como

apresentado por Cortella (2000).

A qualificação, em questão, é o processo reflexivo contrário ao

demonstrado na monoculturalidade retransmissora de ideologias culturais

dominantes, em detrimento de minorias demarcadas pela vulnerabilidade

econômica e social. Esse processo é essencial para a escola no cumprimento

de seu objetivo de superação das injustiças (BRASIL, 1997, p. 39), e a

generalidade do tema é proposital, pois se comete injustiça quando se criam

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limites opressivos medidos por visões unilaterais embasadas no preconceito,

como é o machismo, a homofobia, a xenofobia e o proselitismo.

Num território de múltiplas culturas (o que não é propriedade peculiar da

fronteira, se for levado em conta as dimensões continentais do Brasil), ao que

parece poderão surgir, de diversas ascendências, embates e competições na

cultura. Assim também se observa no decurso da história mundial. No entanto,

todas essas situações desvalorizarão o enriquecimento adquirido da diversidade

e da cultura se prevalecerem apenas as relações em sentidos horizontais e de

mão única. Isso é artifício da monoculturalidade.

O multiculturalismo é a resposta para essa situação, e essa realidade

necessariamente precisa ser encontrada no currículo escolar. O significado disso

não é apenas para o bojo predominante que engendra as estruturas curriculares,

porém toda a estrutura da escola, seja ou não de fronteira, necessita desenvolver

democracia, diálogo, reflexão, soluções pacificadoras nos conflitos, socialização,

equidade, justiça, e uma gama de outros aspectos que possam tolher o

progresso de fontes monoculturais para resultar em multiculturalidade. Então, a

proposição não é a simples inserção de mais dados para o estudo em sala de

aula. Há a necessidade de promoção de exercícios de diálogos sem degraus,

num mesmo plano, no interior da escola, em particular na Escola de Fronteira.

A ideia pode ser vista sob o aspecto metafórico e comparativo do conceito

de fronteira apresentado no capítulo 2: a Escola de Fronteira não é apenas a

instituição geograficamente alojada num território fronteiriço. Há possibilidades

para ampliar essa identidade. A Escola de Fronteira pode ser a estrutura que

tem algum limite, mas apenas material, pois ela tem seu significado

supraterritorial, ou seja, é a escola que não se preocupa apenas com o ensino

formal de seus estudantes, mas que participa ou fomenta a reflexão de sua

sociedade e auxilia na ampliação das conquistas de equidade desse grupo, mote

expresso na Educação Integral.

Um caminho indicativo desse percurso está no componente curricular

Formação Cidadã. Esse mecanismo de estudo pode ser visto como um processo

de superação de monoculturalidade a partir do ensejo de protagonismo social

para aqueles que participam de sua articulação no currículo escolar (estudantes,

educadores, equipe administrativa, comunidade circundante e familiares). Para

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isso, a participação em rede e a abertura institucional se torna imperativa. É

desse movimento que o silenciamento cultural dessa fronteira perderá força.

É por meio desse “exercício” que a harmonia e a organização estrutural

dependerão menos das regras coercitivas e irrefletidas e darão autonomia de

expressão às crianças, adolescentes e jovens da Escola Básica. No mesmo

processo haverá espaço para o desenvolvimento do diálogo, não no sentido

dual, mas na acepção filológica grega que se traduz em “passagem”, ou seja, no

exercício de construção de informação para seguir adiante e, nesse caso,

ampliar as “vozes” de reflexão que militam no desenvolvimento dessa Fronteira.

O processo não é atribuição unívoca do professor, que é um dos

articuladores basilares na escola, mas deve-se ter atuação de toda a sociedade

nas políticas públicas, dos setores promotores da formação inicial e continuada

dos educadores, nos órgãos de gestão educacionais, sociais e de serviços para

os cidadãos. Todas essas esferas têm contato e inferência na escola e podem

encontrar nela um polo postulador para essas mudanças.

Não é a ação em sala de aula a única força para a mudança necessária

da articulação cultural da Educação Formal, já que a escola é uma construção

social e, por isso, necessita da participação de todos os segmentos que

compõem esse tecido. A mudança requer a participação dos governos, das

instituições, dos aparelhos sociais, da sociedade organizada e de todos

complexos que agem e vitalizam a sociedade.

O desenvolvimento da multiculturalidade não é dirigida apenas para a

escola, mas para toda a sociedade, uma vez que, ao ser desenvolvida nos

ambientes de irradiação, como é a educação, torna-se um processo

emancipatório acessível e mais dinâmico.

Em sala de aula, como se observou na seção 4, há grande número de

possibilidades para o desenvolvimento desse conceito, que precisa ser

instaurado a partir dos assuntos e conteúdos apresentados nas ações

educacionais, mas que deve fazer parte da rotina da instituição. Isso significa,

por exemplo, que situações como o fim do analfabetismo estejam presentes na

vida dos colaboradores técnicos que fazem a limpeza dos ambientes escolares

e não sejam apenas voltadas para o arrefecimento de estatísticas futuras ou

programas governamentais. Ou seja, é possível desenvolver essa bandeira e ter

no seio educacional pessoas que são analfabetas ou com o ensino incompleto.

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A escola também precisa ser promotora de diálogo multiétnicos, sexuais,

plurirreligiosos em seus diversos níveis de organização.

Distante da apresentação de um receituário que desemboque na escola

multicultural, a proposta é articular as bases educacionais já presentes no PNE,

PME e outros arcabouços formais da educação.

Com isso, o componente curricular Formação Cidadã pode adquirir mais

predicados que os demais. Isso é real se a preocupação não for resultado

esperado apenas para as avaliações institucionais, a criação de rankiamento ou

situações superficiais para qualidade educacional. Há variadas formas para esse

caminho (ou descaminho), mas pode-se propor ou evidenciar alguns, a partir das

pesquisas e experiências acondicionadas nesta dissertação.

O primitivo passo está ligado à ideia de ampliação do conceito de

Currículo, que vai além dos conteúdos ministrados durantes as aulas, mas que

toca em todas as atuações em todos os setores educativos, em especial

naqueles ainda de reprodução do senso comum irrefletido e presente no

chamado currículo oculto dos educadores. Essa ação educativa é mais que

reproduzir conceitos. Ela necessita de interação entre os participantes de modo

a constituir diálogo e interferências propositivas para melhor qualidade, seja

social ou de convivência equitativa.

Um dos melhores meios para essa proposta está na abertura de espaços

de protagonismo dos estudantes, como apresentado nos projetos desenvolvidos

entre os anos de 2013 a 2015 na EMEI Tilma Fernandes Veiga (capítulo 4).

Tais ações necessitam de propostas intencionais de formação e

composição do perfil do profissional de educação para esse componente

curricular. A formação deve principiar de todos os meios antropológicos,

filosóficos, históricos, libertos do preconceito em relação aos povos presentes na

fronteira, e desenvolver relações comprometidas com a emancipação e a

multiculturalidade sem polarizações ou hegemonias de uma ou outra cultura.

Partindo do pressuposto de que o estudante precisa exercer a cidadania,

conforme o objetivo da Educação Básica expresso na LDB (Artigo 22), é fato que

ele precisa conhecer sua sociedade, as relações humanas e tudo mais que se

conceitua cidadania. A proposta da Pedagogia de Projetos pode permitir esse

conhecimento, por ser um meio que impele conhecimentos mais amplos que os

comumente apresentados nos programas escolares cartesianos. A escola não é

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um sistema fabril de produção de cidadãos, ela é uma das maneiras de

desenvolvimento humano e social de grande importância, devido à sua

elaboração e alcance.

Essa forma de estudo pode ser ainda mais profícua se for desagregado o

sistema avaliativo que apenas espera resultados e reprodução de saberes, como

as avaliações escritas embasadas em cópias dos escritos dos livros didáticos e

repasses do professor, ou seja, sem discussão crítica e pontuada na realidade

vivida na sociedade. A avaliação precisa aprimorar seu alcance e superar o

processo de atribuição numérica segundo as métricas cartesianas para a

promoção ou não dos estudantes. Especialmente porque a finalidade desse

componente curricular não permite respostas apenas aguardadas; ele pode e

deve fomentar a reflexão e a crítica para o desenvolvimento de novas perguntas

e processos de cogitação.

Não se pode acreditar que a educação tem planos paladinos para a

sociedade, mesmo com toda sua importância social, no entanto sua atuação

permite a descobertas de muitas soluções para os limites sociais e toda forma

de coibição da qualidade para o desenvolvimento humano. Tendo como base

essa ideia, o estudo apresentado não se postula como único e absoluto, mas faz

coro a grande número de outros que almejam a emancipação e equidade em

todos os territórios, em especial naqueles tradicionalmente colocados à margem

de qualquer fronteira.

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ANEXO 1 – Entrevista com Educadores da Base Diversificada

Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços – UFMS CPAN

Data:____________

1. Há quantos anos você leciona? ( ) Há 01 ano ( ) De 02 a 05 anos ( ) De 06 a 10 anos ( ) Há mais de 10 anos

2. Há quantos anos você leciona na mesma escola? ( ) Há 01 ano ( ) De 02 a 05 anos ( ) De 06 a 10 anos ( ) Há mais de 10 anos

3. Há quantos anos leciona disciplinas da Base Diversificada? ( ) É o 1º ano ( ) De 02 a 05 anos ( ) De 06 a 10 anos

4. Marque quais disciplinas você leciona: ( ) Formação Cidadã ou Cidadania e Diversidade ( ) Musicalização ( ) Comunicação e Mídias ( ) Linguagem e Intr. Literária ( ) Expressão Corporal ( ) Projeto e Pesquisa ( ) PTO ( ) Outras_________________________________

5. Para quais séries leciona, atualmente? ( )Pré I ( )Pré II ( )1ª ( )2ª ( )3ª ( )4ª ( )5ª ( )6ª ( )7ª ( )8ª ( )9ª

6. Em qual(is) unidade Educacional(is) você leciona? _____________________________________________________________

7. O que lhe parece a ser a Fronteira? ( ) Um lugar bom para viver ( ) Um lugar perigoso ( ) Um lugar para conhecer

8. Qual o maior conflito ou dificuldade para a atuação docente nas disciplinas da Base Diversificada? _____________________________________________________________

9. Em sua sala de aula há estrangeiros? ( ) Sim ( ) Não 10. Você acredita que a matéria Formação Cidadã contribui para a qualidade da Educação? ( ) Sim ( ) Não Por que? _____________________________ Você realizou algum curso de formação específico para lecionar na Base Diversificada? ( ) Sim ( ) Não Por que? _____________________________ 11. Você é fronteiriço? ( ) Sim ( ) Não

Indique 05 temas essenciais para serem tratados nas aulas das disciplinas da Base Diversificada? _____________________________________________________________

12. “Quando seguimos as regras somos recompensados; mas se não obedecemos seremos punidos”. Essa é uma ideia na sua atuação em sala de aula? Por que?

_____________________________________________________________ O que é multiculturalidade, em sua opinião? _____________________________________________________________ Lecionar as disciplinas da Base Diversificada é opção que você escolheria caso lhe fosse permitida a escolha? Por que? _____________________________________________________________

13. Qual o objetivo geral das disciplinas da Base Diversificada, na sua opinião? _____________________________________________________________

14. “A Escola é monocultural”. Você concorda ou discorda com a afirmação?

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102

( ) Concordo ( ) Discordo Por que? ________________________________

15. O que é Fronteira? ______________________________________________ 16. Em sua opinião, por que foram inseridas as atuais disciplinas da Base

Diversificada no currículo escolar? _________________________________ 17. Qual a principal função da Educação, em sua opinião? __________________ 18. Você alteraria algo nas disciplinas da Base Diversificada que você leciona? O

que?_________________________________________________________ 19. Como você realiza as avaliações e atribui as notas aos estudantes nas

disciplinas da Base diversificada? _____________________________________________________________

Obrigado por responder essas perguntas.

Caso queira receber um feedback sobre esse questionário, insira seu e-

mail:_________________________________________________________

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103

ANEXO 2 – Gráficos das Respostas da Pesquisa

4,00

14,00

3,00

9,00

1,00

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

Há 01 ano De 02 a 05 anos De 06 a 10 anos Há mais de 10anos

Não respondeu

Há quantos anos você leciona?

10,00

15,00

4,00

1,00 1,00

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

Há 01 ano De 02 a 05 anos De 06 a 10 anos Há mais de 10anos

Não respondeu

2. Há quantos anos você leciona na mesma escola?

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104

- 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00

É o 1º ano

De 02 a 05 anos

De 06 a 10 anos

Não respondeu

Há quantos anos você leciona disciplinas da Base Diversificada?

12,00

1

0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00

4. Marque as disciplinas que você leciona na Base Diversificada

Outras

PTO

Projeto e Pesquisa

Expressão Corporal

LILT

Comunicação e Mídias

Musicalização

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105

7,008,00

17,00 17,00 17,00

19,00

17,00

12,0011,00

10,009,00

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

18,00

20,00

Pré I Pré II 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª

5. PARA QUAIS SÉRIES LECIONA, ATUALMENTE?

Luiz Feitosa42%

Escola das Águas10%

Eutrópia10%

Tilma F. Veigas17%

Rachid7%

Cyriaco de Toledo

14%

6. Qual Unidade Educacional você Leciona?

Luiz Feitosa

Escola das Águas

Eutrópia

Tilma F. Veigas

Rachid

Cyriaco de Toledo

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0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

Um lugar Bompara Viver

Um lugarperigoso

Um lugar paraconhecer

Não Respondeu

7. O que lhe parece ser a Fronteira?

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

Sim Não Não Respondeu

9. Em sua sala de aula há estrangeiros?

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107

-

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

Sim Não Não respondeu

10. Você acredita que o Componente Curricular "Formação Cidadã" contribui para

a qualidade da Educação?

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

Sim Não Não Respondeu

11. Você realizou algum curso de formação específico para lecionar na Base Diversificada?

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108

0,00

5,00

10,00

15,00

Sim Não Não Respondeu "Talvez"

14.“Quando seguimos as regras somos recompensados; mas se não obedecemos seremos punidos”. Essa é uma ideia na sua

atuação em sala de aula?

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

Sim Não Não Respondeu

16.Lecionar as disciplinas da Base Diversificada é opção que você escolheria caso lhe fosse

permitido?

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ANEXO 3 – Dados do QEdu da EMEI Tilma Fernandes Veiga

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