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Revista Eletrônica Fundação Educacional São José
8ª Edição ISSN:2178-3098
A NARRATIVA FANTÁSTICA NOS CONTOS “BÁRBARA” E “O EX-MÁGICO DA
TABERNA MINHOTA”, DE MURILO RUBIÃO
Wagner Alvarenga Filho Nícea Helena Nogueira
Resumo
O uso da narrativa dentro da perspectiva do gênero fantástico nos contos “Bárbara”
e “O ex-mágico da taberna Minhota”, do escritor mineiro Murilo Rubião é o objeto de
estudo deste artigo. Na obra de Murilo Rubião, o fantástico denuncia a angústia do
homem e ainda dramatiza a questão do desejo e a sua interdição.
Palavras-chave: Murilo Rubião. Fantástico. Conto.
Abstract
The use of narrative from the perspective of fantastic as a genre in the short-stories
“Bárbara” and “O ex-mágico da taberna Minhota”, by mineiro writer Murilo Rubião is
the subject of this article. In the work of Murilo Rubião, fantastic denounces man’s
anxiety and yet it dramatizes the issue of desire and its interdiction.
Palavras-chave: Murilo Rubião. Fantastic. Short-story.
Esta pesquisa pretende demonstrar o uso da narrativa dentro da perspectiva
do gênero fantástico nos contos “O ex-mágico da taberna Minhota” e “Bárbara”, do
escritor mineiro Murilo Rubião, publicados pela primeira vez, respectivamente, em
1947 e 1974.
Todorov (1974), um dos maiores estudioso do gênero fantástico, oferece um
modelo para o fantástico e define o gênero, baseado na hesitação que esse tipo de
narrativa provoca no leitor, diferenciando assim do gênero maravilhoso, cujo o
universo de ficção é aceito pelo leitor sem dúvidas. Apresenta, ainda, a divisão: o
estranho, o fantástico puro, o fantástico maravilhoso e o maravilhoso puro. Informa
que uma leitura alegórica ou poética destrói o efeito fantástico.
Segundo Todorov, o fantástico ocorre nessa incerteza: ao escolher uma ou
outra resposta, deixa-se o fantástico, para se entrar num gênero vizinho, o estranho
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8ª Edição ISSN:2178-3098
ou o maravilhoso. O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só
conhece as leis naturais, perante um acontecimento aparentemente sobrenatural.
O conceito de fantástico se define, pois, com relação aos de real e de
imaginário e este último merece mais do que uma simples menção. A possibilidade
de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico. A hesitação do leitor é a primeira
condição do fantástico. Mas será necessário que o leitor se identifique com uma
personagem particular. Quando o leitor sai do mundo das personagens e volta à sua
prática própria (a de um leitor), um novo perigo ameaça o fantástico. Perigo que se
situa na interpretação de texto.
Todorov explica que o que nas narrativas que contém elementos
sobrenaturais sem que o leito jamais se interrogue sobre sua natureza. O fantástico
implica não apenas a existência e acontecimento estranho, que provoca hesitação
no leitor e no herói, mas também numa maneira de ler, que se pode por ora definir
negativamente: não deve ser nem poética , nem alegórica.
1 “Bárbara”
No conto “Bárbara”, o narrador relata a ambição dessa mulher que, ao fazer
pedidos absurdos ao marido (um narrador homodiegético), assume proporções
físicas colossais e heterotópicas.
Em relação aos espaços heterotópicos, Foucault (2001, p. 416) nos alerta que
“as heterotopias assumem, evidentemente, formas que são muitos variadas e,
talvez, não se encontrasse um única forma de heterotopia que fosse absolutamente
universal.” A heterotopia analisada nos contos de Murilo Rubião está relacionada
aos diferentes espaços que os objetos e os personagens ocupam de forma real, no
entanto, assumem formas inquietas e múltiplas, como as mutações e as
transformações que os personagens sofrem, que se enquadram como heterotópicas,
pelo fato de elas serem imprevisíveis em um mundo real.
Murilo Rubião, em sua obra, lança mão de uma escrita direta que transporta o
leitor, com facilidade, para um mundo onírico, construído por imagens e espaços que
se apresentam entre o real e o fantástico. A hesitação no conto “Bárbara” surge
como consequência da natureza dos próprios acontecimentos e dos espaços
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ficcionais que os objetos ocupam, no caso: um oceano, um baobá, um navio e uma
minúscula estrela (ORIONE, 2012).
O conto inicia-se com o narrador-personagem, o marido de Bárbara,
apresentando de uma só vez a informação de que Bárbara, a protagonista, “gostava
somente de pedir. Pedia e engordava” (RUBIÃO, 1979). Essa relação de pedir e
engordar permeia a história toda, sendo o fio condutor do fantástico. Além disso, o
pedir e o engordar remetem o leitor à insatisfação e à frustração permanente da
personagem-título.
Os pedidos de Bárbara ao marido estão ligados intimamente à carência das
relações humanas. Bárbara projeta todo o seu vazio nesses pedidos. Por isso eles
são tão absurdos na dimensão espacial, pois sua carência é não tem fim. Embora,
Todorov nos alerte de que uma das condições para se ter o fantástico resida no fato
do leitor ter que recusar tanto a interpretação alegórica quanto a poética, aqui nesse
conto, Murilo Rubião trabalha com uma prosa poética fantástica. Dessa forma, ele
provoca um balanceamento entre o poético e o fantástico, não descaracterizando o
fantástico de sua obra, ao contrário, apenas enriquecendo-o.
O primeiro estranhamento que podemos analisar se inicia como o modo do
narrador descrever Bárbara, dizendo que “o crescimento do seu corpo se avolumava
à medida que se ampliava sua ambição” (RUBIÂO, 1979, p. 33) e que seu corpo
definhava “enquanto lhe crescia assustadoramente o ventre” (RUBIÂO, 1979, p. 34).
O narrador, ao relatar a maneira como Bárbara vai adquirindo “formas mais amplas”,
(RUBIÂO, 1979, p. 33) consegue provocar estranhamento no leitor, pois a imagem
de Bárbara é insólita, é fantasiosa. No entanto, a hesitação finalmente toma seu
ápice quando a personagem Bárbara faz o seu primeiro pedido: ela queria um
oceano. Seu marido, sem nenhuma objeção, parte no mesmo dia rumo ao litoral
para lhe satisfazer a vontade. O que não acontece literalmente, pois o marido de
Bárbara com medo de ela engordar proporcionalmente ao pedido, traz-lhe somente
“uma pequena garrafa contendo água do oceano” (RUBIÂO, 1979, p. 35) e ela fica
satisfeita.
O espaço ficcional que esse pedido nos apresenta causa um estranhamento
duplo: primeiro, em consequência da personagem pedir o oceano, sendo algo
inacessível de se ter para si, e, segundo, pela imensidão horizontal enorme que
esse apresenta, uma imensidão não absorvida em sua totalidade.
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Depois do primeiro pedido de Bárbara ter sido atendido, o marido apreensivo
volta a relatar como o corpo da protagonista sofre mudanças cada vez mais
assustadoras. A descrição da metamorfose de Bárbara é feita de forma totalmente
fantástica. Os próprios adjetivos e substantivos atribuídos ao novo corpo colaboram
para o absurdo da situação, como “gordíssima”, ”colossal barriga”, “terrivelmente
gorda” e “excessiva obesidade”.
O corpo de Bárbara é um corpo heterotópico, multiforme em seu alargamento
e surpreende pela sua metamorfose. Seguindo o pensamento de Foucault (2001), o
espaço utópico é o que representa o desejo da sociedade aperfeiçoada, ou seja, o
da irrealidade. Assim sendo, o desejo da sociedade é que ela não mais formulasse
seus desejos e não engordasse, que ficasse com um corpo utópico. Assim, a
personagem Bárbara não se enquadrava no desejo linear e esperado pela
sociedade, como um corpo perfeito e sem mutações.
O segundo pedido de Bárbara é ter um “baobá”, que se encontra no terreno
ao lado de sua casa, no terreno alheio, proibido. O baobá “era demasiado frondoso,
medindo cerca de dez metros de altura” (RUBIÂO, 1979, p.36). O espaço que essa
árvore ocupa é de extensão vertical estrondosa. E o fato da personagem o querer
para si é estranho, mas já coerente, se levarmos em conta que o seu primeiro
pedido consistiu em ter um oceano. Dessa forma, o sobrenatural que Murilo Rubião
propõe nesse conto é aceito e isso caracteriza, conforme Todorov, o fantástico
maravilhoso.
O terceiro pedido de Bárbara é um navio, uma embarcação de grande porte.
A espacialidade desse objeto se assemelha ao primeiro pedido, o “oceano”, porque
ambos possuem uma extensão horizontal e remetem à água. Mar/oceano e
navio/barco, de acordo com Foucault (2001), são espaços heterotópicos por
excelência. Para conceder o terceiro pedido, o marido faz muito esforço. Como
consequência, Bárbara continuava a engordar ainda mais na proporção dos seus
desejos.
O quarto pedido da protagonista foi “uma minúscula estrela”, astro com luz
própria e, mais uma vez, um desejo inacessível. Mas o narrador-marido,
surpreendentemente, fica feliz porque o pedido de Bárbara foi o de conseguir
“apenas” uma “minúscula estrela”, quase invisível a olho nu, já que ele supôs que
ela fosse pedir a lua. E ele nos relata: “Fui buscá-la” (RUBIÂO, 1979, p. 39). Não
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determinamos esse como o seu último desejo, ainda que a narrativa termine logo
depois do enunciado do marido. Nas narrativas de Rubião, quase nunca há
conclusões e esse conto segue este padrão. Em suas narrativas surge sempre uma
experiência extra para dar continuidade aos fatos. A espacialidade da estrela volta á
dimensão vertical como o baobá. Nesse sentido, as espacialidades, embora todas
imensamente estranhas pela dimensão que ocupam, seguiram um ciclo vertical-
horizontal, sugerindo o desejo da protagonista de tudo abarcar, para todos os lados,
de todas as formas, heterotopicamente.
2 “O ex-mágico da taberna Minhota”
Esse conto apresenta um ser errante, dotado de poderes sobrenaturais, com
suas vivências num mundo excessivamente organizado e dentro do padrão de
realidade do leitor. O fantástico como denuncia da angústia do homem permeia a
obra de Murilo Rubião e dramatiza a questão do desejo e a sua interdição.
Considerado um dos melhores contos de Murilo Rubião, na opinião de Wilson
Castelo Branco (2012), “O ex-mágico da taberna Minhota” resume em si a quase
totalidade das virtudes estilísticas e criadoras do autor. É a história de um homem,
dotado de faculdades excepcionais, mas incapaz de sentir e entender a vida.
Através do evento humorístico – um mágico às voltas com seus truques e
enfastiado deles –, é descortinado ao leitor o símbolo eterno e sempre novo da
insatisfação humana, ilimitada no pensamento e enclausurada na ação. Não é o
drama do ser inadaptado ou incapacitado para a existência, mas a tragédia superior
do personagem que dispõe de todos os instrumentos necessários à luta e não os
utiliza, sabendo antecipadamente que qualquer esforço é vão e inútil em face da
desmesurada complexidade do eterno.
Desenvolvendo o estilo livremente, sem grandes censuras do consciente, tal
como o requeira o plano da narração, o contista transfere à obra o máximo de humor
e naturalidade. Esse, entretanto, é um aspecto secundário. Deve-se ver aí, antes de
tudo, o desespero de um homem em face do imperativo de viver, muito maior que o
mistério da morte. Ele procura a explicação da sua existência, sua presença no
mundo, e quer atingir as primeiras causas do cansaço e do tédio que o avassalam.
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Em “O ex-mágico da taberna Minhota”, participamos das agruras de um
mágico por destino e um funcionário público por profissão. O caráter sombrio da
personalidade do narrador vai sendo relatado: com a confissão de sofrimento, tédio
e amargura. A atmosfera é ampliada para a humanidade inteira admitindo-se como
verdade “todo homem, pode enfrentar a dor já que foi a ela exposta desde a
meninice através de um processo lento e gradativo de dissabores”.
O texto nos coloca frente a frente com o insólito ao sabermos que o narrador
não teve infância: tal não aconteceu comigo, fui atirado à vida sem pais, infância ou
juventude. Ele ainda nos relata, sem espanto, ter se conhecido de cabelos já
grisalhos em frente ao espelho da taberna Minhota.
O mágico tira do bolso o dono do restaurante, único além de nós leitores, a
ficar perplexo, o narrador diz apenas estar cansado e entediado. A partir desse
primeiro passo em que o leitor é levado a aceitar como natural o aparecimento de
uma personagem que já nasce velha e capaz de fazer mágicas, fica estabelecido
que as regras da leitura sejam outras que não as do mundo real.
Se deixarmos de acreditar, o conto deixa de existir, pois não é um relato de
uma situação insólita vivia, sonhada ou inventada, mas uma espécie de
compartilhamento de uma situação que ainda está sendo vivenciada por uma
personagem cansada e entediada.
No decorrer na leitura, acompanhamos o narrador em seus dias de mágico
encantando a plateia sem querer. Apenas esse dado já é estranho. Outro dado que
nos permite passar do estranho ao insólito é que ele não tem controle sobre suas
mágicas. De suas mãos saltam coelhos, cobras, jacarés, que lhe rendem
popularidade e aplausos, mas também explicações na polícia. Levado ao desespero
o mágico concluiu que somente a morte colocaria fim a seu desconsolo. Por três
vezes, ele tenta o suicídio. Tira do bolso uma dúzia de leões para que os devorem,
mas os animais apenas o farejaram e vão embora. Os leões retornam e suplicam ao
mágico para que os faça desaparecer. O mágico irritado os mata e os devora
esperando morrer de indigestão, mas só tem dor de barriga. Nesse ponto, podemos
acusar uma metamorfose ou zoomorfizaçao, característica recorrente nos contos de
Mutilo Rubião (MAGRI, 2012).
A tentativa seguinte foi se atirar de um precipício, mas viu-se amparado por
um paraquedas. A última tentativa foi um tiro de uma pistola, mas a arma se
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transformou num lápis. O desconsolo do mágico é assim resumido numa fórmula
que flerta com a lógica. “Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de
libertar-me da existência”.
A narrativa, que tem um tom melodramático, dá lugar ao riso, à piada, ao tom
jocoso. É quando o pacto entre o leitor e narrador encontra-se ameaçado. O mundo
mágico de antes está abolido desde o emprego na secretaria do Estado, deixando
vir à tona o mundo real administrado e sem cor. No plano da ilusão, em vez de tédio
e da náusea aos homens, o ex-mágico os imagina encantados com as cores que
saem de sua boca. “Um arco-íris que cobrisse a terra de um extremo a outro”. E os
aplausos dos homens de cabelos brancos, das meigas criancinhas.
3 Conclusão
No caso do conto “Bárbara”, o estranhamento não se restringe às
espacialidades dos objetos, mas à espacialidade que a própria personagem Bárbara
acaba por ocupar com as metamorfoses que sofre. Dessa maneira, são os espaços
dos objetos desejados e o espaço do próprio corpo da personagem projetados na
narrativa que contribuem para definir a densidade dos efeitos de sentido gerados
pelo enredo, dentre eles, o grau de estranhamento do leitor, ou seja, o fantástico.
Em “O ex-mágico da taberna Minhota”, a aproximação com o mundo da
burocracia sugere que se leia o conto como uma crítica à sociedade, que faz com
que o emprego de funcionário público permita abolir a capacidade de criação. O viés
literário está na distância entre o relato de um funcionário público no absurdo de sua
existência como mágico.
Assim sendo percebemos que Murilo Rubião, com seus contos, insere o
insólito no dia-a-dia de pessoas comuns e inverte a lógica do real, instaurando um
mundo de seres encantados dentro do mundo espacial e temporal do leitor.
Referências
BRANCO, Wilson Castelo. Um contista em face do sobrenatural. Folha de Minas, Belo Horizonte, 1944. Disponível em: <http://www.mondoweb.com.br/murilorubiao/teste05/criticas.aspx?id=16>. Acesso em: 11 maio 2012.
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FOUCAULT, M. Outros espaços. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estética: literatura e pintura, música e cinema. Trad. Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. (Ditos e Escritos III) MAGRI, Ieda. Murilo Rubião: conciliação insólita de cotidiano e sobrenatural. Revista Fronteiraz, São Paulo, v. 3, n. 3, set. 2009. Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistafronteiraz/numeros_anteriores/n3/download/pdf/exmagico.pdf>. Acesso em: 11 maio 2012. ORIONE, Eduíno José. Revisitação do amor cortês no conto Bárbara de Murilo
Rubião. Revista Fronteiraz. São Paulo. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/revistafronteiraz/numeros_anteriores/n3/download/pdf/barbara.
pdf>. Acesso em: 11 maio 2012.
RUBIÃO, Murilo. O pirotécnico Zacarias. 16. ed. São Paulo: Ática, 1979. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva. 1974.