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A numeração das páginas não corresponde à paginação original · na sociedade a tal ponto que ubi societas ibi ius, também é certo que não se ... sua filosofia, percebese

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  • AEDITORAFORENSEseresponsabilizapelosvciosdoprodutonoqueconcernesuaedio(impressoeapresentaoafimdepossibilitaraoconsumidorbemmanuselo e llo). Nem a editora nem o autor assumem qualquerresponsabilidadeporeventuaisdanosouperdasapessoaoubens,decorrentesdousodapresenteobra.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitosautorais, proibida a reproduo total ou parcial de qualquer forma ou porqualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processosxerogrficos,fotocpiaegravao,sempermissoporescritodoautoredoeditor.

    ImpressonoBrasilPrintedinBrazil

    DireitosexclusivosparaoBrasilnalnguaportuguesaCopyright2017byCaioMriodaSilvaPereira

    EDITORAFORENSELTDA.UmaeditoraintegrantedoGEN|GrupoEditorialNacionalTravessadoOuvidor,11Trreoe6andar20040040RiodeJaneiroRJTel.:(0XX21)35430770Fax:(0XX21)[email protected]|www.grupogen.com.br

    Otitularcujaobraseja fraudulentamentereproduzida,divulgadaoudequalquerformautilizadapoderrequereraapreensodosexemplaresreproduzidosouasuspensodadivulgao,semprejuzodaindenizaocabvel(art.102daLein.9.610,de19.02.1998).Quemvender,expuservenda,ocultar,adquirir,distribuir, tiveremdepsitoouutilizarobraoufonogramareproduzidoscomfraude,comafinalidadedevender,obterganho,vantagem,proveito,lucrodiretoouindireto,parasiouparaoutrem,ser solidariamente responsvel com o contrafator, nos termos dos artigosprecedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor emcasodereproduonoexterior(art.104daLein.9.610/98).

    Capa:DaniloOliveira

    1edio196229edio2017

    ProduoDigital:Equiretech

    Fechamentodestaedio:06.12.2016

    CIPBrasil.Catalogaonafonte.SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ.

    P49i

  • Pereira,CaioMriodaSilva,InstituiesdedireitocivilV. II /Atual.GuilhermeCalmonNogueiradaGama.29.ed.

    rev.eatual.RiodeJaneiro:Forense,2017.

    ndiceeBibliografia.ISBN9788530974541

    Contedo.V.1.Introduoaodireitocivil:teoriageraldodireitocivil.V.2.Teoriageraldasobrigaes.V.3.Contratos.V.4.Direitos reais.V.5.Direitode famlia.V.6.Direitosdassucesses.I.Direitocivil.II.DireitoCivil.Brasil1.Ttulo.

    CDU247347(81)

    342.1

  • 126.127.128.129.130.131.

    132.133.134.135.136.136

    137.138.139.140.141.142.143.

    NDICESISTEMTICO

    PrefcioNotadoatualizador

    CaptuloXXVNooGeraldeObrigao

    ConceitodeobrigaoEvoluohistricadaobrigaoElementosessenciaisdaobrigaoObrigaocivileobrigaonaturalFontesdaobrigaoObrigaopropriamentedita.Obrigaoreal.Obrigaopropterrem

    CaptuloXXVIClassificaodasObrigaesquantoaoObjeto:PositivaseNegativas

    ClassificaodasobrigaesemgeralObrigaesdedarederestituircoisacertaObrigaodedarcoisaincertaObrigaodefazerObrigaodenofazerA.Brevesconsideraessobreaspectosprocessuais

    CaptuloXXVIIClassificaodasObrigaesquantoaoSujeito:IndivisibilidadeeSolidariedade

    ConceitodeindivisibilidadeEfeitosdaindivisibilidade:pluralidadededevedoresedecredoresPerdadaindivisibilidade.DistinodasolidariedadeConceitodesolidariedadeSolidariedadeativaSolidariedadepassivaExtinodasolidariedade

  • 144.145.146.147.148.

    149.150.

    151.

    152.153.154.155.156.157.

    158.159.160.161.

    162.163.164.165.166.167.

    CaptuloXXVIIIClassificaodasObrigaesquantoaosElementosnoFundamentais

    Obrigaoalternativa.Direitodeescolha.ImpossibilidadedaprestaoObrigaocondicionaleatermoObrigaoprincipaleacessriaPrestaodejurosPrestaopecuniria

    CaptuloXXIXClusulaPenal

    NaturezaecaracteresdaclusulapenalPenaconvencionalmoratriaecompensatria.ClusuladearrependimentoEfeitosdaclusulapenal

    CaptuloXXXPagamento

    Execuovoluntria.PagamentoCondiessubjetivasdopagamentoCondiesobjetivasdopagamentoLugardopagamentoTempodopagamentoProvadopagamento

    CaptuloXXXIPagamentosEspeciais

    PagamentoporconsignaoPagamentocomsubrogaoImputaodopagamentoDaoempagamento

    CaptuloXXXIIExtinodasObrigaessemPagamento

    NovaoCompensaoTransaoConfusoCompromissoRemisso

  • 168.169.170.

    171.172.173.

    174.175.176.176176177.178.178178

    179.180.181.182.183.183

    183183183183183

    CaptuloXXXIIIEnriquecimentosemCausaePagamentoIndevido

    EnriquecimentosemcausaRepetiodopagamentoRetenodopagamentoindevido

    CaptuloXXXIVMora

    Conceitodemora.DodevedoredocredorPurgaoecessaodamoraConstituioemmora

    CaptuloXXXVInadimplementodasObrigaes

    Inadimplementodaobrigao,absolutoerelativoDoloeculpaIndenizao:danopatrimonialedanomoralA.PerdasedanosB.JuroslegaisInimputabilidade:casofortuitoeforamaior.EliminaodoriscoExoneraoconvencional:clusuladenoindenizarA.ArrasB.Prefernciaseprivilgioscreditrios

    CaptuloXXXVITransfernciadasObrigaes

    Cessodecrdito:conceitoenaturezaValidadedacesso:entreasparteseemrelaoaterceirosResponsabilidadedocedenteEfeitosdacesso:quantoaodevedoreaocessionrioAssunodedbitoA.Cessodecontrato

    CaptuloXXXVIAPrefernciasePrivilgiosCreditrios

    B.ResponsabilidadePatrimonialC.ParconditiocreditorumD.Insolvabilidade,insolvnciaeinsolvnciacivilE.PrefernciaseprivilgiosF.Crditoscomprivilgioespecial

  • 183183

    G.CrditoscomprivilgiogeralH.Quadrogeraldecredores

    Apndice

  • NOTADOATUALIZADOR

    No ano de 2017, este volume II das Instituies de Direito Civil, doProfessorCaioMriodaSilvaPereira,completaseu55aniversrio(a1ediodatade1962).MaisdemeiosculorepresentaumperodomuitosignificativoemrelaoTeoriaGeraldasObrigaes,destacandosea respeitodaatualizaooinciodevignciadoNovoCdigodeProcessoCivilLein.13.105/15noanode2016.ApesardasvriasmudanaspelasquaisoDireitoCivil vempassandonesse espao de tempo, o certo que a obra deCaioMrio prossegue bastanteatual e fundamental, sendo formadora de vrias geraes de profissionais eacadmicosnoDireitobrasileiro.

    Oidealdeaperfeioamentoemelhoriadosinstitutoseinstituiesjurdicasmarca indelvel da obra Instituies de Direito Civil, sendo digno decomemoraooquinquagsimoquintoaniversriodaediodovolumeIIdevidosuaatualidadeerelevncianocenriojurdicobrasileiro.

  • PREFCIO

    s vsperas de completar 90 anos, tenho a alegria de entregar a umaequipe de destacados juristas os manuscritos que desenvolvi desde a

    versooriginaldoProjetodoCdigoCivil de1975, aprovadopelaCmaradosDeputadosem1984epeloSenadoFederalem1998.

    Aexemplodosmaismodernoscompndiosdedireito,comoapoiodaquelesqueescolhipelacompetnciaededicaoaoDireitoCivil,sintomerealizadoaover prosseguir no tempo asminhas ideias,mantidas as diretrizes que impus sInstituies.

    Retomo, nesse momento, algumas reflexes, pretendendo que sejamincorporadasobra,comotestemunhodeumaconcepoabrangenteeconscientedasmudanas irreversveis: a histria, tambm no campo doDireito, jamais serepete.

    Considerandoqueinexisteatividadequenosejajuridicamentequalificada,perpetuase a palavra de Del Vecchio, grande jusfilsofo pormim tantas vezesinvocado,aoassinalarquetodoDireito,emverdade,umcomplexosistemadevalores e, mais especificamente, ao assegurar que o sistema jurdico vigenterepresenta uma conciliao entre os valores da ordem e os valores daliberdade.1

    Em meus recentes estudos sobre alguns aspectos da evoluo do DireitoCivil,2 alertei os estudiosos do perigo em se desprezar os motivos de ordemglobal que legitimam o direito positivo, e da importncia de se ter ateno snecessidadessociaisaque,jhmuito,fezrefernciaJeanDabin.3

    Eufugiriadarealidadesocialsepermanecessenoplanopuramenteidealdosconceitosabstratos,ouseabandonasseosoloconcretodoqueevoltassepelasreasexclusivasdodeverser.Labutandonestareapormaisdesessentaanos,lutandonodiaadiadascompetiesedosconflitoshumanos, reafirmominhasconvices no sentido de que o Direito deve ser encarado no concretismoinstrumental que realiza, ou tenta realizar, o objetivo contido na expressomultimilenardeUlpiano,isto,comooveculoaptoapermitirquesedacadaumaquiloque lhedevecabersuumcuique tribuere.Eseverdadequevicejanasociedadeatalpontoqueubisocietasibiius,tambmcertoquenosepode

  • abstralodasociedadeondefloresce:ubiius,ibisocietas.Visualizando o Direito como norma de conduta, como regra de

    comportamento, e esquivandome dos excessos do positivismo jurdico, sempreconclamei o estudioso a buscar concililo com as exigncias da realidade,equilibrandoacomonecessriograudemoralidadeeanimandoacomoanseionaturaldejustiaestedominatoaoserhumano.

    No se pode, em verdade, ignorar o direito positivo, o direito legislado, anormadotadadepodercogente.Elenecessrio.Reprimeosabusos,corrigeasfalhas,puneastransgresses,traaoslimitesliberdadedecadaum,impedindoa penetrao indevida na rbita das liberdades alheias. No aceitvel, porm,queoDireitoseesgotenamanifestaodopoderestatal.Paradesempenharasuafunobsicadeadequarohomemvidasocial,comoeuodefini,4hdeserpermanentemente revitalizadoporummnimode idealismo, contribuindoparaoequilbriodeforaseaharmoniadascompeties.

    Assistese, por outro lado, evoluo do direito legislado, na expressomorfolgicadesuaelaborao,comotendenteaperdercadavezmaisoexageradotecnicismo de uma linguagem esotrica, posta exclusivamente ao alcance dosiniciados.Semsedesvestirdeumalinguagemverncula,hdeexpressarsedetalmodo que seja compreendido sem o auxlio do misticismo hermenutico dosespecialistas.

    TomadocomopontodepartidaoCdigoCivilde1916,suapreceituaoeasua filosofia, percebese que o Direito Civil seguiu por dcadas rumo bemdefinido.Acompanhandoodesenvolvimentodecadainstituto,vseque,emboraestanques, os segmentos constituram uma unidade orgnica, obediente no seuconjuntoaumasequnciaevolutivauniforme.

    No entanto, as ltimas dcadas, marcadas pela redemocratizao do Pas epelaentradaemvigordanovaConstituio,deflagrarammudanasprofundasemnossosistemajurdico,atingindoespecialmenteoDireitoPrivado.

    Diantedetantastransformaes,passeiareveraefetivafunodosCdigos,nomais lhes reconhecendoamisso tradicionaldeasseguraramanutenodospoderes adquiridos, tampouco seu valor histrico de DireitoComum. Se elesumavezrepresentaramaconsagraodaprevisibilidade,5hojeexercem,diantedanovarealidadelegislativa,umpapelresidual.

    Como ressalvei no primeiro volume de minhas Instituies, buscandosubsdiosemLcioBittencourt,6aleicontmnaverdadeoqueointrpretenelaenxerga,oudelaextrai,afinaemessnciacomoconceitovalorativodadisposioeconduzodireitonorumoevolutivoquepermiteconservar,vivificareatualizar

  • preceitosditadoshanos,hdcadas,hsculos,equehojesubsistemsomenteemfunodoentendimentomodernodosseustermos.

    O legislador exprimese por palavras, e no sentido real destas que ointrprete investiga a verdade e busca o sentido vivo do preceito. Cabe a elepreencherlacunas,omisseseconstruirpermanentementeoDireito,nodeixandoqueasleisenvelheam,apesardotempodecorrido.

    Fiel a estas premissas hermenuticas, sempre considerei a atuao de duasforas numa reforma do Cdigo Civil: a imposio das novas contribuiestrazidaspeloprogressoincessantedasideiaseorespeitostradiesdopassadojurdico.ReformaroDireitonosignificaamontoartodoumconjuntonormativocomocriaodepreceitosaptosareformularaordemjurdicaconstituda.

    Em meus ensinamentos sobre a interpretao sistemtica, conclamei oinvestigadoraextrairdeumcomplexolegislativoasideiasgeraisinspiradorasdalegislaoemconjunto,oudeumaprovnciajurdicainteira,esualuzpesquisaro contedo daquela disposio. Deve o intrprete investigar qual a tendnciadominante nas vrias leis existentes sobre matrias correlatas e adotla comopremissaimplcitadaquelaqueoobjetodasperquiries.7

    Estou convencido de que, no atual sistema jurdico, existe espaosignificativo para uma interpretao teleolgica, que encontra na Lei deIntroduosnormasdoDireitoBrasileiro8suaregrabsica,previstanoart.5:Na aplicao da lei, o juiz atender aos fins sociais a que ela se dirige e sexignciasdobemcomum.

    Na hermenutica do novo Cdigo Civil, destacamse hoje os princpiosconstitucionais e os direitos fundamentais, os quais se impem s relaesinterprivadas, aos interesses particulares, de modo a fazer prevalecer umaverdadeiraconstitucionalizaodoDireitoPrivado.

    ComaentradaemvigordaCartaMagnade1988, conclameio intrprete aumtrabalhodehermenuticainformadoporumavisodiferentedaquepresideainterpretaodasleisordinrias.9

    Ao mesmo tempo, alerteio acerca do que exprimi como o princpio dacontinuidadedaordemjurdica,mantendoasupremaciadaConstituiosobrealegislatura:Aplicaseincontinenti,pormvoltadaparaofuturo.Disciplinatodaavida institucionalexnunc, a partir de agora, de quando comeou a vigorar.10

    Noobstante o seu carter imperativo e a instantaneidade de sua vigncia, nopoderiaeladestruirtodaasistemticalegislativadopassado.11

    Diantedo princpiodahierarquiadas leis, no sedirque aConstituiorevoga as leis vigentes uma vez que, na conformidade do princpio da

  • continuidade da ordem jurdica, a normade direito objetivo perde a eficcia emrazodeumaforacontrriasuavigncia.Asleisanterioresapenasdeixaramde existir no plano do ordenamento jurdico estatal por haverem perdido seufundamentodevalidade.12Diante de umanova ordem constitucional, a ratioque sustentavaas leisvigentescessa.Cessandoa razoconstitucionalda lei emvigor,perdeeficciaaprprialei.

    Naquelamesmaoportunidade,advertinosentidodequeanovaConstituionotemoefeitodesubstituir,comumsgesto,todaaordemjurdicaexistente.Opassadovivenopresenteenofuturo,sejanoefeitodassituaesjurdicasjconsolidadas, seja em razo de se elaborar preceituao nova que, pela suanatureza ou pela necessidade de complementao, reclama instrumentalizaolegislativa.13

    Cabe, portanto, ao intrprete evidenciar a subordinaodanormadedireitopositivoaumconjuntodedisposiescommaiorgraudegeneralizao,isto,aprincpiosevaloresdosquaisnopodeounodevemaisserdissociada.

    Destaco,aestepropsito,otrabalhodeMariaCelinaBodindeMoraes,queassume uma concepo moderna do Direito Civil.14 Analisando a evoluo doDireitoCivilapsaCartaMagnade1988,aautoraafirma:AfastousedocampodoDireitoCiviladefesadaposiodo indivduofrenteaoEstado,hojematriaconstitucional.

    Ao traar o novo perfil do Direito Privado e a tendncia voltada publicizao a conviver, simultaneamente, com uma certa privatizao doDireito Pblico a ilustre civilista defende a superao da clssica dicotomiaDireito PblicoDireito Privado e conclama a que se construa uma unidadehierarquicamente sistematizada do ordenamento jurdico.Esta unidade parte dopressupostodequeosvalorespropugnadospelaConstituioestopresentesemtodososrecantosdotecidonormativo,resultando,emconsequncia,inaceitvelargidacontraposio.15

    Aautora ressalta a supremacia axiolgicadaConstituio quepassou a seconstituir como centro de integrao do sistema jurdico de direito privado,16

    abrindose, ento, o caminho para a formulao de um Direito CivilConstitucional,hojedefinitivamentereconhecido,naDoutrinaenosTribunais.

    Reportome,especialmente,aosestudosdePietroPerlingieri,aoafirmarqueo Cdigo Civil perdeu a centralidade de outrora e que o papel unificador dosistema, tanto em seus aspectos mais tradicionalmente civilsticos quantonaqueles de relevncia publicista desempenhado de maneira cada vez maisincisivapeloTextoConstitucional.17

  • Diante da primazia da Constituio Federal, os direitos fundamentaispassaram a ser dotados da mesma fora cogente nas relaes pblicas e nasrelaes privadas, e no se confundem com outros direitos assegurados ouprotegidos.

    Emminhaobrasempresalienteiopapelexercidopelosprincpiosgeraisdedireito,aquese refereexpressamenteoart.4daLeide Introduosnormasdo Direito Brasileiro como fonte subsidiria de direito. Embora de difcilutilizao,osprincpiosimpemaosintrpretesomanuseiodeinstrumentosmaisabstratosecomplexose requeremumtratocomideiasdemaior teorculturaldoqueospreceitossingelosdeaplicaoquotidiana.18

    Devo reconhecer que, na atualidade, os princpios constitucionais sesobrepemposioanteriormenteocupadapelosprincpiosgeraisdedireito.NaDoutrina brasileira, cabe destacar, acerca dessa evoluo, os estudos de PauloBonavides sobre os princpios gerais de direito e os princpiosconstitucionais.19

    Depois de longa anlise doutrinria e evolutiva, o ilustre constitucionalistareafirma a normatividade dos princpios.20 Reportase a Vezio Crisafulli21 aoasseverarqueumprincpio,sejaeleexpressonumaformulaolegislativaou,aocontrrio,implcitooulatentenumordenamento,constituinorma,aplicvelcomoregradedeterminadoscomportamentospblicosouprivados.

    Bonavidesidentificaduasfasesnaconstitucionalizaodosprincpios:afaseprogramtica e a no programtica, de concepo objetiva.22 Nesta ltima, anormatividade constitucional dos princpios ocupa um espao onde releva deimediatoasuadimensoobjetivaeconcretizadora,apositividadedesuaaplicaodiretaeimediata.

    Concluioconceituadoautorquedesdeaconstitucionalizaodosprincpios,fundamento de toda a revoluo principial, os princpios constitucionais outracoisa no representam seno os princpios gerais de direito, ao darem estes opasso decisivo de sua peregrinao normativa, que, inaugurada nos Cdigos,acabanasConstituies.23

    No mbito do debate que envolve a constitucionalizao do Direito Civil,mencioneseaindao1doart.5doTextoConstitucional,quedeclaraqueasnormas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais tm aplicaoimediata. Considero, no entanto, que no obstante preceito to enfaticamenteestabelecido, ainda assim, algumas daquelas normas exigem a elaborao deinstrumentosadequadossuafielefetivao.24

    Rememorandomeusensinamentossobredireitosubjetivoeacentralidade

  • dafacultasagendi, ressalvadas,claro,as tantascontrovrsiasedivergnciasqueenvolvemotema,destaconaconceituaodoinstitutoopoderdeao,posto disposio de seu titular e que no depender do exerccio por parte desteltimo. Por essa razo, o indivduo capaz e conhecedor do seu direito poderconservarseinerte,semrealizaropoderdavontadee,aindaassim,serportadordetalpoder.

    Ainda a respeito do direito subjetivo, sempre ressaltei a presena do fatorteleolgico, ou seja, o direito subjetivo como faculdade de querer, pormdirigidaadeterminadofim.Opoderdeaoabstrato incompleto,desfigurado.Corporificase no instante em que o elemento volitivo encontra uma finalidadeprticadeatuao.Estafinalidadeointeressedeagir.25

    MaisumavezrefiromeaosestudosdeMariaCelinaBodindeMoraes,que,apoiandoseemMicheleGiorgianni,esclarece:aforadodireitosubjetivonoado titular do direito e sim a fora do ordenamento jurdico que o sujeito podeusar em defesa de seus interesses, concluindo que esta fora existe somentequandoointeressejuridicamentereconhecidoeprotegido().

    No mbito dos direitos subjetivos, destacase o princpio constitucional datutela da dignidade humana, como princpio ticojurdico capaz de atribuirunidade valorativa e sistemtica ao Direito Civil, ao contemplar espaos deliberdade no respeito solidariedade social. nesse contexto queMariaCelinaBodindeMoraesinsereatarefadointrprete,chamadoaprocederponderao,emcadacaso,entreliberdadeesolidariedade.Estaponderaoessencial,jque,do contrrio, os valores da liberdade e da solidariedade se excluiriamreciprocamente, todavia, quando ponderados, seus contedos se tornamcomplementares:regulamentasealiberdadeemproldasolidariedadesocial,isto,darelaodecadaum,comointeressegeral,oque,reduzindoadesigualdade,possibilitaolivredesenvolvimentodapersonalidadedecadaumdosmembrosdacomunidade.26

    Nessasminhasreflexes,nopoderiameomitirquantospropostasdeJoodeMatosAntunesVarela,asquaisajudaramaconsolidarminhasconvices, jamplamenteconhecidas,nosentidodadescodificaodoDireito.

    Numaanlisehistrica,oinsignecivilistaportugusdemonstraqueoCdigoCivil se manteve na condio de diploma bsico de toda a ordem jurdica,atribuindo ao Direito Civil a definio dos direitos fundamentais do indivduo.Desdeosprimrdiosdascodificaesnuncaseconseguiu,noentanto,estancaraatividadedas assembleias legislativas noque concerne legislao especial, aqual se formava por preceitos que constituam meros corolrios da disciplina

  • bsica dos atos jurdicos e procuravam, deliberadamente, respeitar os princpiosfundamentaisdefinidosnoCdigoCivil.

    O mencionado autor apresenta efetivos indicadores para o movimento dedescodificao: o Cdigo Civil deixou de constituirse o centro geomtrico daordemjurdica,jquetalpapelfoitransferidoparaaConstituiooaumentoemquantidadeequalidadedalegislaoespecialanovalegislaoespecialpassouacaracterizarse por uma significativa alterao no quadro dos seus destinatrios:As leis deixaramemgrande parte de constituir verdadeiras normas gerais paraconstiturem estatutos privilegiados de certas classes profissionais ou dedeterminadosgrupospolticos.27

    Referese, ainda, aos microssistemas como satlites autnomos queprocuram regies prprias na rbita incontrolada da ordem jurdica () ereivindicamreasprivativas e exclusivasde jurisdioeque tendema regerseporprincpiosdiferentesdosqueinspiramarestantelegislao.28

    Conclui Varela que a Constituio no pode hoje limitarse a definir osdireitos polticos e as liberdades fundamentais do cidado, e a traar aorganizaodoEstadocapazdegarantiralivreiniciativadosindivduos.Acimada funo de rbitro nos conflitos de interesses individuais ou de acidentalinterventor supletivo no desenvolvimento econmico do pas, o Estado socialmodernochamou,justificadamente,asiduasfunesprimordiais:adepromotorativodobemcomumedegarantedajustiasocial.29

    ComoAntunesVarela,consideroanecessidadedeserempreservadasasleisespeciaisvigentes,salvoatotalincompatibilidadecomnormasexpressasdonovoCdigo Civil, quando estaremos enfrentando a sua revogao ou abrogao.Alertese, no entanto, para a cessao da vigncia da lei por fora dodesaparecimento das circunstncias que ditaram a sua elaborao. Invocase, apropsito,aparmiacessanterationelegis,cessatetipsalex.

    Entre as causas especiais de cessao da eficcia das leis, no se podedeslembrar a resultante da declarao judicial de sua inconstitucionalidade. Pordeciso definitiva do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Senado Federalsuspender a sua execuo, no todo ou em parte (CF, art. 52,X). Portanto, nocompete ao Poder Judicirio revogar a lei, mas recusar a sua aplicao quandoapuraaafrontaaprincpiosfixadosnoTextoMaior.

    Destaquese,ainda,aLeiComplementarn95,de26de fevereirode1998,quedispesobreaelaborao,aredao,aalteraoeaconsolidaodasleis,declarando no art. 9 que a clusula de revogao dever enumerar,expressamente,asleisoudisposieslegaisrevogadas.

  • Outrossim, devemos ser cautelosos ao interpretar o art. 2, 2, daLei deIntroduo s normas do Direito Brasileiro, segundo o qual a lei nova, queestabelea disposies gerais ou especiais a par das j existentes, no revoganemmodificaaleianterior.DamesmaformaadvertiuMarcoAurlioS.Viannaao considerar que a generalidade de princpios numa lei geral no criaincompatibilidadecomregradecarterespecial.Adisposioespecialdisciplinao caso especial, sem afrontar a norma genrica da lei geral que, em harmonia,vigorarosimultaneamente.30

    A adequao do Cdigo Civil ao nosso status de desenvolvimentorepresentaumefetivodesafioaosjuristasnesserenovadocontextolegislativo.Aminha gerao foi sacrificada no altar estadonovista. Quando atingiu a idadeadultaechegouomomentodeaparelharseparacompetirnosprliospolticos,asliberdades pblicas foram suprimidas e o restabelecimento custou inevitvelgarroteamento entre os antigos que forcejavam por ficar e os mais novos quechegaramdepois e ambicionavamvencer.Ageraoatual,queconviveucomasdiversas verses do novoCdigo, busca assimilar as lies realistas domundocontemporneo.

    Nova diretriz dever ser considerada para o jurista deste milnio que seinicia. San Tiago Dantas pregava, de forma visionria, a universalidade docomando jurdico, conduzindo interdisciplinaridade entre os vrios ramosjurdicos. Considero, no entanto, que oDireito deve buscar tambm nas outrascincias,sobretudonaquelassociaisehumanas,oapoioeaparceriaparaafirmarseus princpios, reorganizandometodologicamente seus estudos e pesquisas.Asrelaeshumanasnopodemser tratadaspelo sistema jurdico como se fossemapenas determinadas pelo mundo dos fatos e da objetividade. A filosofia, apsicologia, a sociologia, a medicina e outras cincias indicam novos rumos aoDireito.

    Convivendo com um sistema normativo que sempre se contentou com apacificao dos conflitos, cabe aos juristas, intrpretes e operadores doDireito,assumilo com a funo promocional apregoada porNorbertoBobbio desde adcadadesetenta.OCdigodeDefesadoConsumidor,oEstatutodaCrianaedoAdolescenteeaLeideDiretrizeseBasesdaEducaorepresentamestruturalegislativaqueseprojetarcomomodelodosdiplomaslegislativos,nosquaishdeprevalecer,acimadetudo,orespeitoaosdireitosfundamentais.

    Devemos,portanto,assumirarealidadecontempornea:osCdigosexercemhojeumpapelmenor,residual,nomundojurdicoenocontextosociopoltico.Osmicrossistemas,quedecorremdasleisespeciais,constituempolosautnomos,

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    dotados de princpios prprios, unificados somente pelos valores e princpiosconstitucionais, impondose, assim, o reconhecimento da inovadora tcnicainterpretativa.

    No que tange aoVolume II das Instituies, contei com o apoio do juristaGuilherme Calmon Nogueira da Gama, doutor em Direito Civil, magistrado,desembargador do Tribunal Regional Federal da 2 Regio, abrangendo osEstados do Rio de Janeiro e do Esprito Santo. O atualizador tambm professorassociado de Direito Civil na Universidade do Estado do Rio deJaneiro (UERJ)enaUniversidadeEstciodeS, tendosidoCoordenadorGeraldoMestradoeDoutoradodaUERJ.Agradeooempenhoeodesvelo,quetantoengrandeceram a obra. Graas ao seu trabalho, este volume foi acrescido noapenasdemeusprprioscomentrios,comotambmderefernciasaoutrastesesdoutrinrias,nacionaiseestrangeiras,cujaseleorevelaapesquisarealizadaemproldacuidadosaatualizao.

    DiantedoCdigoCivilde2002,esperoqueminhaobra,jagoraatualizada,possaprosseguirno tempoorientandoosoperadoresdoDireito,os juristaseosacadmicosdonovomilnio,cabendolhes,sobaperspectivadaglobalizaodasinstituies, o desafio de conciliar critrios de interpretao que resultem naprevalnciadobomsenso,dacriatividadee,porvezes,demuitaimaginao.

    CaioMriodaSilvaPereira

    Giorgio Del Vecchio, Evoluzione ed Involuzione del Diritto, Roma, 1945, pg. 11,referese a un tentativo di conciliazione tra il valore dellordine e il valore dellalibert, muito embora para assegurar um desses valores seja necessrio sacrificarcorrespondentementeooutro.CaioMriodaSilvaPereira,DireitoCivil:AspectosdesuaEvoluo,RiodeJaneiro,Forense,2001.JeanDabin,PhilosophiedeLordreJuridiquePositif,Paris,Sirey,1929,pg.22.CaioMriodaSilvaPereira, InstituiesdeDireitoCivil,Riode Janeiro,Forense,2003,vol.I,n1.NatalinoIrti,Letdelladecodificazione,inRevistadeDireitoCivil,n10,pg.16,out./dez.1979.C. A. Lcio Bittencourt, A Interpretao como Parte Integrante do ProcessoLegislativo,inRevistaForense,vol.94,pg.9.CaioMriodaSilvaPereira,InstituiesdeDireitoCivil,vol.I,n38.OlegisladoralterouadenominaodaLeideIntroduoaoCdigoCivilparaLeide

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    IntroduosnormasdoDireitoBrasileiro(Lein12.376,de30dedezembrode2010).Caio Mrio da Silva Pereira, Direito Constitucional Intertemporal, in RevistaForense,vol.304,pg.29.Idem,ob.cit.,pg.31.Idem,ob.cit.,pg.32.Wilson de Souza Campos Batalha apud Caio Mrio da Silva Pereira, DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.33.CaioMriodaSilvaPereira,DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.34.MariaCelinaBodindeMoraes,ACaminhodeumDireitoCivilConstitucional,inRevistadeDireitoCivil,n65,pg.22,jul./set.1993.Idem,ob.cit.,pg.24.Idem,ob.cit.,pg.31.PietroPerlingieri,PerfisdoDireitoCivil:IntroduoaoDireitoCivilConstitucional.Trad.deM.C.DeCicco.RiodeJaneiro,Renovar,1997,pg.6.VideInstituiesdeDireitoCivil,cit.,vol.1,n13.PauloBonavides,Cursodedireitoconstitucional,7ed.,SoPaulo,Malheiros,1997.PauloBonavides,CursodeDireitoConstitucional,cit.,pg.246.VezioCrisafulli.LaCostituzioneesueDisposizionidiPrincipi,Milano,1952,pg.16.Idem,ob.cit.,pg.246.Idem,ob.cit.,pgs.261262.CaioMriodaSilvaPereira,DireitoConstitucionalIntertemporal,cit.,pg.33.CaioMriodaSilvaPereira,InstituiesdeDireitoCivil,vol.I,n5.MariaCelinaBodindeMoraes,ConstituioeDireitoCivil:Tendncias,inRevistadosTribunais,vol.779,pgs.55e59,set.2000.JoodeMatosAntunesVarela,OMovimentodeDescodificaodoDireitoCivil,inEstudos Jurdicos em Homenagem ao Prof. Caio Mrio da Silva Pereira, Rio deJaneiro,Forense,1984,pgs.507509.Idem,ob.cit.,pg.510.Idem,ob.cit.,pg.527.MarcoAurlioS.Vianna,DireitoCivil.ParteGeral,BeloHorizonte,DelRey,1993,pg.53.

  • CAPTULOXXVNOOGERALDEOBRIGAO

    Sumrio126. Conceito de obrigao. 127. Evoluo histrica da obrigao. 128.Elementosessenciaisdaobrigao.129.Obrigaocivileobrigaonatural.130.Fontes da obrigao. 131. Obrigao propriamente dita. Obrigao real.Obrigaopropterrem.

    BibliografiaClvisBevilqua,Direito dasObrigaes, 1 e segs.LudovicoBarassi,LaTeoria Generale delle Obbligazioni cap. I Ruggiero e Maroi, Istituzioni diDiritto Privato, II, 125 e segs. M. I. Carvalho de Mendona,Doutrina ePrticadasObrigaes,aumentadaeatualizadaporJosdeAguiarDias,nos1a44OrosimboNonato,Curso deObrigaes, I, pgs. 53 e segs. EmilioBetti,TeoriaGenerale delleObbligazioni, vol. II Silvio Perozzi, LaDistinzione fraDebito ed Obbligazione, in Scritti Giuridici, pg. 555 Giovanni Pacchioni,Obbligazioni e Contratti Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, II, cap. ILudovico Barassi, Istituzioni di Diritto Civile, ed. 1948, pgs. 379 e segs.MazeaudetMazeaud,LeonsdeDroitCivil,II,nos2esegs.Enneccerus,KippeWolff,TratadodeDerechoCivil,tomoII,vol.IDePage,TraitlmentairedeDroit Civil, II, nos 437 e segs. Saleilles, tude sur la Thorie Gnrale delObligation,pgs.1esegs.Planiol,RiperteBoulanger,TraitlmentairedeDroitCivil, IIAndreasVonTuhr,Tratadode lasObligaciones, I, cap. IKarlLarenz, Derecho de Obligaciones, I, pgs. 13 a 65 Hedemann, Tratado deDerecho Civil, Derecho de Obligaciones, vol. III, pgs. 9 e segs. Gianturco,Teoria delle Obbligazioni J. Pellet, Thorie Dualiste de lObligation

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  • Larombire, Thorie des Obligations Hector Lafaille, Obligaciones Scuto,Teoria delle Obbligazioni Lomonaco, Delle Obbligazioni e dei Contratti enGenere Savigny, Obbligazioni Perez Vives, Teora General de lasObligaciones Antunes Varela, Direito das Obrigaes Gustavo Tepedino,Obrigaes, pgs. 1 e segs. Clvis Verssimo do Couto e Silva,A obrigaocomo processo Orlando Gomes, Transformaes gerais do direito dasobrigaesArnoldoWald,ObrigaeseContratosFernandoNoronha,DireitodasObrigaes,2ed.rev.eatual.,SoPaulo:Saraiva,2007,vol.1,pg.298.

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  • 126.

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    CONCEITODEOBRIGAO

    ebemquenumerosssimasasdefiniesdeobrigao,abemdizercadaescritorapresentandoasua,nodifcilformularlheoconceito.

    Oordenamentosocialrefertodedeveres:docidadoparacomasuaPtria,na rbita poltica do indivduopara comogrupo, na ordem social de umparacom os outros, dentro do organismo familiar de uma pessoa para com outrapessoa, na vida civil. No importa onde esteja, o homem achase rodeado deexperincias,dasquais lheresultamsituaesque traduzemimposies,deveresou obrigaes. Algumas no chegam mesmo a penetrar os limites do jurdico,permanecendo,comodeveresmorais,espirituaisoudecortesiaoutrasadentramna rbita do direito e assumem ora o sentido positivo de compromisso denaturezapatrimonial,oranegativaderespeitoaosbensjurdicosalheios,atinentesa sua integridade fsica, moral ou econmica. Falando de tais deveres, nodestoaramosdaboa linguagempor apelidlosdeobrigaes.1Masnonestaacepoque aquipretendemos fixarumconceito.Apalavraobrigao temparans, agora, um sentido tcnico e restrito, que se cultiva desde as origens daespecializao jurdica,guardadonos tratadoseconservadonas legislaes.NoaludeoCdigoadeveresoutros,aindaquejuridicamenteexigveis.Tememvistauma ocupao prpria e especfica, devendo o hermeneuta reportarse, mais doque em outros setores, aoDireitoRomano.Quando, pois, cogitamos de definiraqui obrigao, este o propsito que nos anima. E ao desenvolvermos a suadogmticanonospodemosesquecerdaquelaobservaodeSaleilles,apropsitodesta parte do projeto de Cdigo Civil alemo, e que sempre calha bem emqualquer obra sobre o assunto: de todo o Direito Civil so as obrigaes quemaiorcunhoguardamdeelaboraocientfica,emaiorexpresso idealda lgicajurdica apresentam no direito moderno, prestando maior fidelidade ao Direitoromano, pois foi o direito obrigacional, em decorrncia de seu carterespeculativo,aobraprimadalegislaoromana.2

    O recurso etimologia bom subsdio: obrigao, do latim ob + ligatio,contmumaideiadevinculao,de liame3decerceamentoda liberdadedeao,embenefciodepessoadeterminadaoudeterminvel.Semcogitar,porenquanto,de sua fonte ou de sua causa genitrix, tradicionalmente vislumbramos naobrigaoumanormadesubmisso,quetantopodeserautodeterminada,quando

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  • o prprio agente que escolhe dada conduta, como pode provir de umaheterodeterminao,quandooagenteasofreemconsequnciaoucomoefeitodeuma norma que a dita. Num ou noutro caso, uma pessoa denominada sujeitopassivooudevedorestadstritaaumaprestaopositivaounegativaemfavordeoutra pessoa que se diz sujeito ativo ou credor, a qual adquire a faculdade deexigiroseucumprimento.

    A noo fundamental de obrigao a reside,mais oumenos amesma nosdiversossistemasjurdicos,eemvariadaspocas.certoquefatoresdiferentestmatuadonasuaetiologia,semcontudoalterarlheaessncia.Sefocalizarmosoexcessivo rigor individualistadoDireito romano,onotriopendor espiritualistamedieval,oua influnciasocialistamarcantedodireitomoderno,eanalisarmos,s respectivas luzes, a estruturao dogmtica da obrigao, no encontramosdiversidadeessencial.Podemvariarosefeitosouaintensidadedovnculo,asuapessoalidade ou a sua projeo econmica.Mas as caractersticas fundamentaisno passaram pormetamorfose radical. por isso queCarvalho deMendona,civilista,prelecionouqueadefinioromana,suficientementemodificada,contmo conceito moderno do instituto,4 e aqui e alhures os especialistas sempreassinalam na sua conceituao hodierna a predominncia da noo dada pelocodificador do sculo VI, que sua na verdade no era, porm, resultado decompilaofragmentria.5

    certo que alguns se insurgem contra o lao ou o vnculo, ali referido,preferindo substituirlhe relao ou situao jurdica.6 Inevitvel retorno faz,entretanto, sentir na obrigao a ideia de vinculao, acentuada nas Institutas:Obligatio est iuris vinculum quo necessitate adstringimur, alicuius solvendaerei,secundumnostraecivitalis iura,7 que seriananossa lngua:obrigaoovnculo jurdico ao qual nos submetemos coercitivamente, sujeitandonos a umaprestao,segundoodireitodenossacidade.Ponhasedeladoaltimaclusula(secundum nostrae civitatis iura), que guarda um total ressaibo quiritrio, e aredaojustinianeiarevivenaatualidade.Perfeitanaverdadeno,comosetemacentuado, pois que nela predomina o lado passivo, alm de no oferecer umadiferena ntida da obrigao em sentido tcnico de qualquer outro deverjuridicamente exigvel.8 Podada, porm, a definio das demasias peculiaresquele sistema,9 a ideia contida na definio justinianeia no pode receber arepulsa do jurista de hoje. A predominncia do vinculum juris inevitvel.Cremosmesmoqueastentativasdesubstitulopelaideiaderelaonopassamdeanfibologia,jquenaprpriarelaoobrigacionalelerevive.Pormaisqueocivilista pretenda evitlo, jamais lograr afastar a insinuao de que em toda

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  • obrigao h um liame, um lao entre os sujeitos,10 vnculo que o Prof. SerpaLopesassinalanoserdesubordinao,pormdecoordenao,porquerespeitaaessnciada liberdadehumana,11 e que no entanto sempre encadeia as partes emfuno do solutio que se espera. Despreocupado de dar uma definio, ojurisconsultoPaulocuidouantesdesalientarasuaausnciaeassimseexprimiu:Obligationum substantia non neo consistit, ut aliquod corpus nostrum, autservitutemnostramfaciatsedutaliumnobisobstringataddandumaliquid,velfaciendumvelpraestandum:12consisteasubstnciadaobrigaonoemsujeitaraprpriapessoadodevedoroufazloservodocredormasemconstrangloaumaprestaoabrangentedeumdaroudeumfazer.

    Na contemporaneidade, contudo, fundamental observar que parte dadoutrina tem focado a obrigao sob um vis dinmico (e no esttico),representativadeumarelaojurdicaobrigacionalcompostaporumconjuntodedireitos,faculdades,poderes,nusedeveresdaspartes.13

    H,assim,aconsideraodaobrigaocomoumprocessoemqueocredortambm temdever de cooperar para fins do adimplemento baseadono princpioda boaf objetiva, sem que por bvio no seja obrigado ao cumprimento daprestaoprincipal.14

    Regressando ao direito de nosso tempo, e examinando as definies quefizeram carreira, nelas vemos com efeito vibrar a constncia de certas tnicas,alisnodissonantesdosconceitosclssicos.

    Savigny, por exemplo, minucioso e frio, ensina: A obrigao consiste nadominao sobre uma pessoa estranha, no sobre toda a pessoa (pois que istoimportaria em absoro da personalidade),mas sobre atos isolados, que seriamconsideradoscomorestriosuapersonalidade,ousujeionossavontade.15

    MaissucintoVittorioPolacco,quandodizdaobrigao:Relao jurdicapatrimonialemvirtudedaqualodevedorvinculadoaumaprestaode ndolepositivaounegativaparacomocredor.16

    Mais analtico Giorgi: Um vnculo jurdico entre duas ou mais pessoasdeterminadas,emvirtudedoqualumaoumaisdelas(devedoroudevedores)sosujeitas outra ou s outras (credor ou credores) a fazer ou no fazer qualquercoisa.17

    Muitoextenso,ClvisBevilquadefine:Relaotransitriadedireito,quenosconstrangeadar,fazerounofazeralgumacoisa,emregraeconomicamenteaprecivel, em proveito de algum que, por ato nosso ou de algum conoscojuridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir densestaaoouomisso.18

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  • 127.

    Deste,aproximadooProf.WashingtondeBarrosMonteiro:Obrigaoarelaojurdica,decartertransitrio,estabelecidaentredevedorecredor,ecujoobjeto consiste numa prestao pessoal econmica, positiva ou negativa, devidapelo primeiro ao segundo, garantindolhe o adimplemento atravs de seupatrimnio.19

    J o nosso Coelho da Rocha definiaa como o vnculo jurdico pelo qualalgum est adstrito a dar, fazer ou no fazer alguma coisa,20 que Lacerda deAlmeidaobservaserquaseipsislitterisadefiniodasInstitutas.21

    Mais longe levramos a pesquisa, e sempre, em termos analticos ousintticos,aobligationumsubstantiadePauloestarpresentenoconceitodehojeadefiniojustinianeiarevivenapalavradojuristadosculoXXI,aindaquandoseafastadafrmulaoudalinguagemdocodificadordosculoVI.

    Tambm ns, procurando ummeio sucinto, definimola, sem pretenso deoriginalidade, sem talvez elegncia do estilo e sem ficarmos a cavaleiro dascrticas: obrigao o vnculo jurdico em virtude do qual uma pessoa podeexigir de outra prestao economicamente aprecivel. E, diante da visocontempornea, talvnculodevesebasearnaobedinciaaosvaloreseprincpiosconstitucionais, inclusiveadignidadedapessoahumanaeasolidariedadesocial.Assinalamos,ainda,aindispensabilidadedeconfiguraraobrigaocadavezmaiscomo uma relao de cooperao, no podendo, atualmente, o Direito dasObrigaesserconsideradooestatutodocredor,esiminformadopelosvaloreseprincpiosconstitucionais.22Tratasedeadotaraperspectivadinmicaefuncionaldasobrigaes.

    Anossadefinionorepete,bvio,anoojustinianeia,nempodiafazlo,poisqueatendesemendassugeridaspelosdoutos.Nela,contudo,salientaseoclssicoiurisvinculum,dequenopodefugirnenhumescritorquedissertadasobrigaes, ainda quando se encaminha para a relao de direito.Nela esto osseus elementos subjetivos, o credor e o devedor, o sujeito ativo e o sujeitopassivo, a pessoa que pode exigir e a que deve cumprir a prestao. Nela estcaracterizadoo requisitoobjetivo, aprestao,queanossoverhde serdotadadepatrimonialidade.Enela ainda de vislumbrarse a dualidadede aspectos, odbitoearesponsabilidade,quenaconcepomodernalhesopeculiares.Todosestes requisitos, que lhe so elementares, ho de receber o devido exame no n128,infra.

    EVOLUOHISTRICADAOBRIGAO

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  • ComobemressaltaPietroPerlingieri,numavisocontemporneadarelaoobrigacional, h uma diversificao dos interesses que decorrem dela, inclusivede ndole no patrimonial, o que exige a reconstruo da noo de obrigao,doravante orientada pelos valores e princpios constitucionais, exemplificandocomanecessidadedeindividuaoeconcretizaodasclusulasgeraisdaboafobjetiva,delealdade,dediligncia,doestadodenecessidade,efuncionalizadaaoatendimento dos objetivos fundamentais do ordenamento e da RepblicaDemocrtica.23

    No curso de sua evoluo, a obrigao tem percorrido toda uma gama deestgios,dequesepodemdestacartrsmomentosfundamentais.

    Numaprimeiraconcepo,queabraaumlapsodetempo,enfeixamosaideiadeobrigaona faseprromanadepoisvemoconceito romano e, aps, a suanoomoderna.Estatrplicedivisonoquerdizerquetenhahavidotrstiposdeobrigao,nemquesetenhaconservadouniformeeinalteradaemcadaumdestestrs momentos, seno que predominam, em cada um, ideias e influncias quepermitemdistinguirodireitoobrigacionalpeculiaratalouqual.24

    Primitivamente no havia um direito obrigacional. Numa fase primeira dacivilizao, campeavam a hostilidade e a desconfiana de um a outro grupo,impedindo amistosas relaes recprocas, pois que frequentemente tomavamconhecimento uns dos outros em razo apenas dos movimentos blicos que osinimizavam.E, no interior de cada grupo, a falta de reconhecimento de direitosindividuais obstava constituio de relaes jurdicoobrigacionais entre seusmembros. O surgimento da ideia de obrigao deve ter ocorrido com cartercoletivo, quando todo um grupo empreendia negociaes e estabelecia umcomrcio, sebemque rudimentar, comoutrogrupo.Esta seria provavelmente agnese da ideia obrigacional, que atua na formao do vnculo, e na sano,comprometendo o grupo inteiro, ainda que os participantes da negociao nofossemmais que uma parte ou uma delegao da tribo ou do cl,mas tambmconvocando todos os elementos vlidos guerra, contra o grupo infrator daconveno.

    Especialmente este sentido punitivo que sancionava a f contratual importante assinalarse, porque mais tarde, quando se individualiza o nexoobrigacional,esepersonaliza,epoucoapoucosealargaaprticadaestipulaosem a marca da coletividade, sobrevive a punio do infrator, dirigida ao seuprprio corpo. Mas no existe um momento, feio de um divisor de guascronologicamente considerado, em que tenha ocorrido a individualizao daobrigao.Aorevs,asduasformasdeobrigarcoexistiramporlargotempo,es

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  • paulatinamente ganhou prestgio a obrigao individual, ao mesmo tempo queperdia terreno a obrigao coletiva. Tambm de um a outro povo os sistemasvariam, assinalandose que, enquanto uns nitidamente marchavam para a maisfranca individualizao, outros praticavam ambas as modalidades, e outros semantinham ainda no terreno coletivista. Mas foi sem dvida um largo passo,amploedecisivo,naevoluodacompreensoobrigacional,apercepodequeoindivduopessoalmenterespondiapelopactojuradooupelodanocausado,oquesobremodo de acentuarse, pois que na origem a fonte delitual antecedeu convencional,e,mesmodepoisqueestasurgiu,aquelaexerceufunomuitomaismarcante do que a outra, como elemento gerador. Na passagem, ento, daobrigao coletiva para a individual conservouse ainda o sentido criminal oumais tecnicamente delitual da responsabilidade e pdese fixar que o homem,subordinadoaumcompromisso,eraadstritoahonrlo,noporque jestivesseelaboradaaconvicodequeapalavraempenhadageravaumaobrigao,pormem razo de se movimentar o aparelhamento coator contra o que faltava aoprometido, de forma a sujeitlo observncia da obrigao, ou punilopessoalmente por causa do inadimplemento, j que o devedor era em pessoavinculadoaocredorpelaobrigao.

    Longe iramos nas pesquisas, que a natureza desta obra no permite, sefssemos rastrear entreospovosorientais,osdabaciamediterrneaeosnorteeuropeus, as incidncias vrias do princpio da responsabilidade individual pelainexecuodoobrigado.

    Desenvolveuse, tambm, ao lado das modalidades de obrigaes geradaspelas figuras delituais, a concepo de contrato, a comear da troca comofiguraomaissimplesecorrentia.

    Focalizando o Direito romano, j encontramos o conceito de obrigaobastante apurado mesmo nos primeiros tempos, e logo nitidamente formulado,desdequelhefoipossveldistinguirodireitodecrditodosdireitosreais,comoum iuris vinculum hbil a prender um devedor a um credor. Mas no daprimeirahora,senodoperodoclssico,oenunciadodequesesituaasubstnciada obrigao emaliquiddando, vel faciendo, vel praestando. No princpio, emrazodapessoalidadedovnculo,odevedorseachavacomprometidoerespondiacomoprpriocorpopelo seucumprimento, estabelecendoseopoderdocredorsobre ele (nexum), compatvel com a reduo do obrigado escravido (manusiniectio), se faltava o resgate da dvida. Estas ideias eram to naturalmenterecebidas que no repugnava impor sobre o devedor insolvente um macabroconcurso creditrio,25 levandoo alm do Tibre, onde se lhe tirava a vida e

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  • dividiase o seu corpo pelos credores, o que, alis, est na Tbula III: Tertiisnundinis partis secanto si plus minusve secuerunt se fraude esto.26 Talconcepo, logicamente, desconhecia completamente o valor fundamental doordenamentojurdicocontemporneorelacionadodignidadedapessoahumana.

    Outro aspecto do direito obrigacional romano dos primeiros tempos oextremo formalismo, que imprimia s cerimnias sacramentais predominnciacompletasobreamanifestaodavontade,cuidandosemenosdeindagarqualerao querer do estipulante do que a expresso material da emisso volitiva maisvalia o rito prescrito para a estipulao e a apurao de sua observncia do quepropriamente o seu contedo. Sem poder dizerse que o romano em temponenhum se desvencilhou da sacramentalidade exterior dos atos, corrente emtodosos romanistas esclarecerquechegouadeclaraodevontadeaprojetarsecomoelementogeradordedireitosedeobrigaes,preponderandosobreaformaexterior.

    Com aLex Poetelia Papiria, de 428 a.C., foi abolida a execuo sobre apessoadodevedor,projetandosearesponsabilidadesobreosseusbens(pecuniaecreditaebonadebitoris,noncorpusobnoxiumesse),oqueconstituiuverdadeirarevoluonoconceitoobrigacional.27Poroutro lado,oformalismoprimitivofoicedendo terreno declarao de vontade, aomesmo passo que ganhou corpo aimpessoalidade da obrigao, ou, quando menos, desprestigiouse aquelaexcessiva personalizao do vnculo obrigacional.28 No sistema construdo peloCdigoCivilbrasileirode1916,nohouvereconhecimentoexpressoedemodosistemticodo institutodaassunodadvida,oque somenteveioa ser tratadono Cdigo Civil brasileiro de 2002 (arts. 299 a 303), o que demonstra certoresquciodoperododepessoalidadedasobrigaes.

    Custousculos,certo,estedeslocamento.Mas,quandosechegaaosculoVI de nossa era, j pode oCorpus Iuris Civilis consagrar uma definio queapresenta a obrigao como provinda da vontade, sujeitando o devedor a umaprestao,umdare,umfacereouumpraestare,enoumasujeiodocorpooudapessoadoobrigado,oquetemlevadoescritoresromanistas(ArangioRuiz)asubdividir a evoluo histrica daobligatio, e apontar uma fase que se inicia apartirdosfinsdaRepblica.

    ODireitomedieval,conservandoemboraaconcepoobrigacionaldapocaclssica, introduziulhe maior teor de espiritualidade, confundindo na ideiamesma de peccatum a falta de execuo da obrigao, que era equiparada mentira,econdenadatodaquebradafjurada.E,peloamorpalavraempenhada,instituram os telogos e canonistas o respeito aos compromissos (pacta sunt

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  • servanda), que lhe instilarammaior contedodemoralidade coma investigaodacausa.29

    ODireitomoderno retomaanoo romana.Pothier reproduzadefiniodaInstitutas,30 e o Cdigo Napoleo, art. 1.101, nela se inspirou para definir ocontrato.31 de assinalarse, entretanto, que se atribui vontade plena forageradora do vnculo, ao mesmo tempo que se aceita, sem qualquerconstrangimento,aimpessoalidadedaobrigao.Nestepasso,necessriofrisarqueumadistnciamuitogrande se abre entre a concepo romanae amoderna,precisamente no que diz respeito a esta impessoalidade do vnculo. Escritores,notadamenteosmaisrecentes,nummovimentoquepareceinspiradonarepulsanooquiritria,detantorepudiaremapersonalizaodaobrigao,acabaramporatingiro exagerode aceitla como relaoque se estabeleceentreocredoreopatrimnio do devedor32 e, mais extremadamente ainda, chegouse a definilacomo relao entre dois patrimnios.33 H, evidentemente, um excesso nestemododever,34poisquearelaojurdicaseestabeleceentrepessoas,enoentrepessoa e bens, emenos ainda entre acervos bonitrios. O que impressionou osdefensores dessa moderna concepo foi o fato de, ao contrrio do conceitoprimitivo, o vnculo repercutir sempre no patrimnio.Mas, se isto certo, nomenoscertoqueaobrigaosecriaentrepessoas,esomentenaexecuoatingeopatrimnio,comogarantiageraldecumprimento.Seuobjetoumaprestao,que tantopode traduzirsena entregadeumacoisaquantona realizaodeumaao humana especfica. s vezes, somente o devedor e ningum mais tem apossibilidadedeexecutaraprestao.Outrasvezes,odareeofacerepodemserefetivadospelodebitor,tobemcomoporoutrem,mas,nodescumprimento,opatrimnio que suporta os efeitos e responde. No obstante o moderno daconcepo,emesmocorrendoaqueleriscoqueRiperttomouconscientemente,deser acusado de retornar sempre s velhas ideias,35 preferimos pautarnos pelaconcepo subjetivista do vnculo obrigacional, encarandoo por isto mesmocomo uma relao entre pessoas, e no entre dois patrimnios, ainda queadmitamos, e ningum pode neglo, a sua repercusso patrimonial. umaatuaohumanaoseuobjeto,e,serefletenopatrimnioemtermosdeexecuo,nemporissosedevedesfigurlo,jque,salientaoBarassi,aatividadepessoalocupaocentroativodopatrimniomesmo.36

    Sob outros aspectos, o direito obrigacional moderno, especialmente emmeados do sculoXX e incio deste sculoXXI, j inova sobre as concepesdominantesanteriormenteencaminhandosenosentidodesofrearaautonomiadavontade, que no sculo XIX to longe fora, e, com o dirigismo, assegurar a

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  • predominnciadoprincpiodaordempblica.CresceaintervenodoEstadoemdetrimentodaliberdadedeaodoindivduo.

    O Direito Civil do sculo XXI constitucionalizado, com forte cargasolidarista e despatrimonializante, em claro reconhecimento damaior hierarquiaaxiolgica pessoa humana na sua dimenso do ser em detrimento dadimenso patrimonial do ter.O fenmeno da despatrimonializao, no mbitodas situaes jurdicas sob a gide do Direito Privado, denota uma opo que,paulatinamente,vemsedemonstrandoemfavordopersonalismosuperaodoindividualismoedopatrimonialismosuperaodapatrimonialidadecomofimde simesma,doprodutivismo,antes, edoconsumismo,depoiscomovaloresque foram fortificados, superando outros valores na escala hierrquica deproteo e promoo do ordenamento jurdico. De acordo com a concepo datutelaepromoodapessoahumanacomocentrodepreocupaodoordenamentojurdico, correta a orientao segundo a qual as situaes patrimoniais devemser funcionalizadas em favor das situaes existenciais, inclusive no campo doDireitodasObrigaes.

    Asnoesarespeitodoindivduocomosujeitodedireitoedoseupoderdavontade como indispensveis fundamentos do Direito Privado, com efeito,erigiramcomopilaresdoordenamentojurdicoclssicoprivatsticoapropriedadeeocontrato,encaradoscomoesferassobreasquaisoindivduoexerciasuaplenae quase absoluta autonomia. Tais concepes se mostraram inadequadas edesatualizadas no contexto da valorizao dos direitos fundamentais da pessoahumana na construo de ordenamento jurdico baseado emvalores e princpiosdemocrticos,igualitrios,solidaristasehumanistas.37

    A temtica relativa aos contratos, responsabilidade civil e s obrigaesdelesdecorrentes,inseresenocontextodaautonomiaprivadae,emparticular,numa de suas vertentes mais importantes: a liberdade negocial. No curso dahistriadacivilizaohumanahouverelaoprximaentreaautonomiaprivadaeasnoesdesujeitodedireito(enodepessoahumana)epropriedade(enodesituaes no proprietrias), ensejando a construo do conceito moderno denegcio jurdico,38 como efeito jurdico da vontade livre, de maneira a rompercomosvaloreseconmicosda fasedo feudalismoepermitirapassagemparaocapitalismo. Desse modo, foi possvel a construo da noo de autonomiaprivada, a saber,opoder reconhecidopelaordem jurdicaaohomem,prviaenecessariamente qualificado como sujeito jurdico, de juridicizar a suaactividade (designadamente,a suaactividadeeconmica), realizando livrementenegcios jurdicosedeterminandoosrespectivosefeitos.39Operodoureodo

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  • voluntarismo clssico permitiu atribuir vontade do indivduo o papel de fonteexclusivadacriaodoDireito,olvidandoqueasnormasjurdicaseassoluespor elas apresentadasdevemser essencialmentedeterminadaspelo fimprticoesocialdasinstituies.40

    Nacontemporaneidade,contudo,revelaseamudanadeperspectivaapartirdomomento em que se questionou a concepo da vida econmica comomeraresultanteautomticadasatividadesdossujeitosjurdicos(eeconmicos),jquea liberdade negocial, por si s, se mostrou insuficiente para a satisfao dasnecessidades das pessoas em geral e ensejadora de violao ao princpio daigualdade material. De acordo com as lies de Ana Prata, foi necessria areconstruo do conceito de autonomia privada associada ao reconhecimento dafuncionalizao do negcio jurdico com a reformulao da noo de liberdadejurdicaindissoluvelmentevinculadarealidadesocialeinformadapeloprincpiodeigualdadesubstancial.Cogitase,assim,docarterinstrumentaldaliberdadea considerada a econmica e, portanto, negocial no que tange realizao dadignidadedapessoahumananaperspectivadasolidariedadesocial.

    Vivenciase,naatualidade,ofenmenodarepersonalizaodoDireitoCivil especialmente no mbito das relaes intersubjetivas sob a tica dasolidariedadeconstitucional.Assim,aregradeouroaserobservadaaseguinte: pessoa humana sero reconhecidos direitos, poderes, faculdades, entre outrassituaesjurdicas,namedidaemquecontribuaparaobemestardacoletividadesob o prisma da utilidade social. O contrato e, logicamente, as obrigaes eoutrosefeitoscontratuais inclusiveaquelesatinentesresponsabilidadecivilpassam a ser funcionalizados e condicionados realizao de valores que seencontram na base do ordenamento jurdico, inclusive no fundamento dadignidadedapessoahumanaenoobjetivodaconstruodeumasociedademaislivre,justaesolidria.

    Se confrontarmos, pois, a noo moderna com as vrias fases da vida daobrigaonocursodesuaevoluohistrica,encontramosmodificaessalutaresnasideiasprimordiais,emboranotoprofundasnemtoextensasqueautorizemadmitirse uma tomada de posio extremamente diversa. E nisto ponderando,voltamosnossadefinio,edizemosqueaobrigaoumvnculojurdicoemvirtudedoqualumapessoapodeexigirdeoutraumaprestaoeconomicamenteaprecivel. Deve ser funcionalizada ao atendimento dos interesses tutelados emobedincia aos valores e princpios constitucionais. A esto os elementosessenciais.Aexistnciadeumvnculojurdicofundamental.Qualquerquesejaseu objeto e natureza, h sempre a presena de uma relao necessria ligando

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  • 128.

    umapessoaaoutrapessoa.Nosendototalasubordinao,sobpenadeaniquilarapersonalidadedodevedor,oobjetodaobrigaoumaprestao,caracterizadaemumfatohumano,quevaiconsistir,emderradeiraanlise,ementregadeumacoisa(aliquiddare),ouemfazerouprestaralgo (facerevelpraestare),comoojurisconsulto Paulus j assinalava na essncia de toda obrigao (obligationumsubstantia). Cabe ao credor cooperar para o adimplemento da prestao dodevedor,comasubmissoacertosdeveres,comoosdeindicaodaprestaoede impedir que sua conduta dificulte o cumprimento da obrigao do devedor.Encarece a economicidade do objeto. Posto controvertida, entendemos que apatrimonialidade da prestao lhe nsita, seja quando ostensivamente vemmanifestada,sejaquandoestimplcitanoseuobjeto.Dseumavinculaoentrepessoas, perseguindo uma prestao. A relao instituise entre uma pessoa eoutrapessoa,comrepercussonopatrimniododevedor,onde,alis, repousaaideia de garantia ou de responsabilidade. Da anlise a que procederemos, emseguida, dissecandolhe os elementos essenciais, melhor se infere a justeza doconceito.

    ELEMENTOSESSENCIAISDAOBRIGAO

    No modelo implantado pelo Cdigo Civil de 2002, oportuno observar aunificaodasobrigaesantesseparadasatravsdascategoriasdeobrigaescivis e comerciais alm de se renovar o sistema jurdico em razo dasexigncias econmicas e sociais, notadamente com inovaes, tais como: apropriedade empresarial com o controle sobre instrumentos de produo oinstrumento dos ttulos de crdito (valoresmobilirios) a estimular a circulaodosbensaproteoaparnciaouformaexternacomomaneiraderesguardaraboaf objetiva a padronizao dos contratos nsita economia e consumomassificadosauniformizao internacionaldas tcnicasnegociaisea repartiosocialdosriscosinerentesatividadeempresarial.41

    A obrigao decompese em trs elementos: sujeito, objeto e vnculojurdico.

    A.Oelementosubjetivo da obrigao oferece a peculiaridade de ser duplo:umsujeitoativooucredorumsujeitopassivooudevedor.Umsujeitoativooucredor(reuscredendi)quetemodireitodeexigiraprestaoumsujeitopassivooudevedor(reusdebendi)que temodeverdeprestar.Adeterminaosubjetivapode ocorrer desde o momento em que nasce, ou vir a se estabelecer

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  • ulteriormente.Masindispensvelqueocorraatafaseexecutria.NoDireito romano, comovisto no n 127, supra, vigorava apersonalidade

    ou pessoalidade da obrigao, significando que esta se constitua intuitupersonarum, e com este carter devia cumprirse. O devedor o era para com ocredorguardadaaidentidadefsicadeumedeoutro,portalartequenosedavaalteridade na execuo, e o devedor no se podia fazer substituir por outrem aprestar, nem o credor podia passar a algum o direito criado pelo vnculoobrigacional.Alimesmo,entretanto,jseadmitiram,emboraatravsdesoluesindiretas,comoainiurecessio,casosemqueaobrigaoseexecutavaemfavordepessoadiferentedoreusstipulandi,comoaindaoutrosemquerespondiapelosseusefeitospessoadiversadoreusdebendi.Casosraros,certo,enotoriamenteexcepcionais.

    O Direito moderno no cultiva tal preconceito. Muito ao revs, aceita emregraa transmissibilidadeplena, tantodaqualidadecreditria(cessodecrdito,pagamento com subrogao) quanto da debitria (assuno de dbito, subrogaopassiva).42Dentretantoamaiorimportnciaquestodadeterminaosubjetiva.Os sujeitosprecisamdedeterminarse,paraque fiquecertoaquemodevedor h de prestar ou de quem o credor tem de receber. Isto no quer,entretanto, dizer que seja necessria, desde a criao da relao obrigacional, aindividualizaoprecisadossujeitos.Pode,momentaneamente,serindeterminadoum deles,mas nesse caso demister suadeterminabilidade. Indeterminado noinstantedeseconstituiraobrigaodeterminvel,ulteriormente,penadesenoformarovnculo.43Umsujeitopassivocertopodeobrigarseparacomumsujeitoativo indeterminado,e,viceversa, umsujeitoativocertopoder terodireitodeexigiraprestaodeumdevedorquesetenhatornadoincerto.Mas,emqualquerhiptese,a indeterminaosubjetiva,emboraduradouranosentidodequeumasituao que no cessa prontamente, ser obviamente transitria na acepo dequenopermanecerportodoocicloexistencialdaobrigao,poiscertoquenomomento da solutio j devem estar determinados o credor e o devedor, e se aincertezaperdurarparaaoutraparte,providnciastomarseo,comoocasododevedorquenosabeaquemprestarequepodeconsignaremjuzoaresdebita,paraqueo juizdecidaquem temodireitode levantla.44Casomuito frequentede indeterminao do credor o das ofertas ao pblico, em que uma pessoa,medianteanncios,seobrigaaumaprestaoembenefciodequemseapresentarsob condies preestabelecidas: o devedor certo,mas o credor indeterminado,muitoemboraaobrigaoexistadesdelogoesejaexigveldesdeomomentoemque se individue o credor, to organicamente suscetvel de soluo, perfeita e

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  • exigvel, quanto outra qualquer que desde o incio se tenha constitudo ntegra.Igualmente frequente o caso do ttulo ao portador ou do ttulo ordem: noprimeiro,oreusdebendiobrigadoapagaraquemlheapresentaroinstrumentono segundo, a obrigao constituise em benefcio de um credor determinado,porm substituvel por quem quer que receba o instrumento transferido poroperaosimples.

    Aindeterminaododevedormenoscomum,masnodetodorara,eemgeral decorre de obrigao acessoriamente estabelecida, ou de direitos reais queacompanhamacoisaempoderdequemquerquevenhaestar:oadquirentedeumimvel hipotecado responde comelepela soluodadvidagarantida, apesar denoteroriginariamenteassumidoaobrigao,e,nestecaso,ocredorqueoeradeumcertodevedortornarseaptoareceberdequalquerumaquemvenhatocaracoisagravada.

    Determinadas ou determinveis, imprescindvel assentar que somentepessoas(naturaisoujurdicas)hodesersujeitodaobrigao,e,mais,ainda,quetodapessoa,qualquerpessoa,poderslo.Necessriocontudoacrescentar,eaoassunto j aludimos, peculiaridade da relao obrigacional a duplicidadesubjetivaumsujeitoativoeoutrosujeitopassivo,poisqueaconfusodeambasem uma s pessoa leva extino do prprio vnculo,45 o que veremos emminnciamaisadiante,n165,infra.

    exigido, em regra, que as pessoas tenham capacidade para se obrigar,devendo, apenas, ser diferenciada a obrigao decorrente de negcio jurdicodaquela decorrente de ato ilcito ou abusivo. Excepcionalmente, nos casos deobrigao relativa responsabilidade civil, admitese a formao de obrigaotendocomodevedorumincapaz(art.928,CdigoCivilde2002,eart.116,ECA Lei n 8.069/90). A pessoa com deficincia, inclusive de natureza mental ouintelectual,nosofrereduodacapacidadedefato(art.6,Lein13.146/2015EstatutodaPessoacomDeficincia)e,porisso,podesercredoraoudevedora.

    Cumpredistinguir, entretanto, estaexigncia,natural em todaobrigao,dapluralidadedesujeitosemum,emoutroouemambososextremos.Daanoodeduaspartes(oupolos),consideradascomocentrodeinteresses,quepodemsercompostas pormais de uma pessoa (fsica ou jurdica) em cada uma delas.Naobrigao podem aparecer vrios sujeitos ativos, quer originariamente quersubsequentemente, como resulta,exempligratia, da transmissohereditria,queconhece amultiplicao dos credores, todos com direito contra um s devedorou,ao revs,possvelqueumscredor tenhadireitodeexigiraobrigaodevrios sujeitos passivos ou, ainda, que vrios credores o sejam de vrios

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  • devedores. A pluralidade subjetiva comporta, portanto, vrias hipteses, quegeram outras tantas modalidades de obrigaes, as quais sero estudadasoportunamente, como as obrigaes solidrias, no solidrias, divisveis eindivisveis. Assim, possvel que um credor tenha contra vrios devedores afaculdadedereceberintegralmentedequalquerdeles(obrigaosolidria)ou,aocontrrio,cadadevedortenhaodireitodeliberarse,prestandoumaquotapartepossvelque,noobstanteafaculdadedeliberarseodevedorprorata, resteaocredor o poder de exigir a prestao integral e no fracionariamente, se aobrigaofor indivisvel,eassim,pordiante,emdesenvolvimentodeprincpiosquesopeculiaresacadatipoequeexaminaremosnosnos137e140,infra.

    B.Todaobrigaohdeterumobjeto,queaprestaododevedor.Node confundirse o objeto da obrigao com a coisa em que a prestao seespecializa, e seria errneo dizer que o objeto da obrigao decorrente de umttulocambial seriaodinheiroexpressonomesmo.Como jacimadissemos,oobjeto da obrigao uma prestao, e esta sempre constitui um fato humano,umaatividadedohomem,umaatuaodosujeitopassivo.46svezesestefatodohomem se concretiza ou sematerializa numa coisa.Mas, ainda assim, no deconfundirse o objeto da obrigao com a coisa sobre a qual incide. Quando aprestao um facere, esta ntido o ato do devedor: a ao humana como seuobjeto, consistente na realizaodeum trabalho, na confecodeuma coisa, naemissodeumadeclaraodevontadeetc.,tudoenvolvidonaexpressogenricaprestaodeumfatoe,comonofaceresecontmigualmenteononfacere,omesmosentidodeatividadehumanaestabrangidonaomissoounaabsteno,tal qual se apresentana ao.Quandoaobrigao dedar ou de entregar, seuobjeto no a coisa a ser entregue, porm a atividade que se imps ao sujeitopassivo, de efetuar a entrega daquele bem o credor tem o direito a umaprestao, e esta consiste exatamente na ao de entregar, correlata ao direitoreconhecidoaosujeitoativodeexigirquelhesejaefetuadaaentrega.47

    Oobjetodaobrigaopodevariardecategoria,dizendosequepositivo,eaobrigaosediz tambmpositivaquandosecumpreporumdareouum facereounegativoesefalaquehobrigaonegativa,quandoimplicaumaabsteno.Podecaracterizarseconformeaespecificaodaatividadesejaounoumaaopura e simples ou na projeo dela sobre a entrega de uma coisa, porm de talmodo que o devedor est subordinado a uma prestao sem escolha: o sujeitopassivo deve efetuar a entrega de uma dada coisa (obligatio dandi) ou h derealizar o ato para o credor (obligatio faciendi) pode, ao revs, oscilar aprestao de um a outro bem, ou de um a outro fato, e a obrigao ser

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  • alternativa.Deixandooexamede todosessesaspectosparaoCaptuloXXVI,aquinos

    limitamos a mencionar os caracteres que so comuns ao objeto, nele semprepresentes, e so a possibilidade, a liceidade, a determinabilidade e apatrimonialidade, conforme art. 104, II, doCdigoCivil, e que lhe constituemmesmo requisitos, que os escritores mais reputados (Ludovico Barassi,Orosimbo Nonato, Eduardo Espnola) consideram essenciais a ele, e portantoligadosprpriaintegraojurdicadaobligatio.

    O objeto da obrigao h de ser, em primeiro lugar, possvel, pois docontrriono suscetveldecumprimento, como j seenunciavanaparmiaadimpossibilia nemo tenetur. Distinguese da impossibilidadematerial a jurdica,sendo a primeira condizente com a faculdade de realizao do objeto em simesmo, e a segunda dizendo respeito sua consecuo na conformidade com aordemjurdica.A impossibilidadematerial oqueest sob focodeobservaoneste momento, pois que a impossibilidade jurdica confina e vai mesmoconfundirse coma iliceidade, j que entramnamesma linha de insubordinaoaos preceitos a obrigao cujo objeto no possvel diante da regra jurdica eaquelaquesedefinecomoumilcito.

    Cuidando to somente da impossibilidadematerial agora, observamos que,se ela o , a obrigao frustra, nada, j que se desenha notria aincompatibilidade entre a existncia e eficcia do vnculo pelo qual algum sejaconstrangido a uma prestao, e a inexequibilidade da mesma prestao. Osconceitosdeprestaoede impossvel soantinmicos,nosentidodequeondeesteocorreestipsofactonegadoooutro.Seosujeitopassivodeveoquenopossvel, emverdadenadadeve, pornohaver sobreque incidao cumprimentodaobrigao.oprpriovnculoquesedestri.nulaaobrigao.

    O requisito da possibilidade est presente em toda prestao, positiva ounegativa,conducenteaumdareouaumfacere,poisintuitivoque,emqualquercaso,se,sujeitoodevedoraumaaoouaumaomisso,anadaestarobrigado,seforaprestaoinsuscetvelemsimesma.

    Masesseefeitoodaimpossibilidadeconcomitante(ouatual)constituiodo vnculo, caso em que este se no forma. Se superveniente, os efeitosvariaro, como teremos ensejo de estudar no n 133, infra,mas no ocorrem anegaodovnculoeaineficciadaobrigao.que,enquantoaimpossibilidadesimultneaconstituiodaobrigaoobstaaquevalidamenteseforme,e,pois,leva suanulidade, a impossibilidade superveniente no embaraa a criao darelao obrigacional, porm, atmse ao seu cumprimento e torna a obrigao

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  • inexequvel,48 comas consequncias liberatrias se se impossibilitar a prestaoporforamaioroucasofortuito,oucarregandonaresponsabilidadedaquelequeparaistohouverconcorrido,nafaltadestaescusativa.

    A impossibilidade de que aqui se cogita absoluta, isto , aquela que nocomporta variao de efeitos. Se o objeto possvel para outrem e impossvelparaoreusdebendi (impossibilidaderelativa), no se dir que a obrigao sejasemobjeto,nemqueesteseja insuscetveldeverificao,epor istomesmonosepoder sustentar a suanulidade, pois queovnculo tem sobreque incidir.Aesse aspecto, podese apontar os contratosdo comrcio eletrnico sob a espciedoscontratosdevendaonline,devendadeprodutosmateriaisquesomentesoentregues posteriormente no local apontado pelo consumidor, e o fornecedorsomentetercertaquantidadedeprodutosdeacordocomassolicitaesfeitas.49

    Aobrigao poderia, em tese, cumprirse, e s no se executa na hiptese pelarazodesenosolverapartedebitoris.Nestecaso,nohavernulidade,porqueosujeitoativopoderperseguiraprestaoexecutadapeloprpriodevedor,comoobtlaporviadiferente,oquenofereosprincpios,jqueemnossodireito,aocontrriodoromano,nadaimpedequeaprestaoserealizeporoutremquenoosujeito passivo, a no ser naqueles casos especiais de personalidade do vnculo(v. n 135, infra).Tambma impossibilidade superveniente pode ser relativa, eento no se dir que a obrigao inexequvel, quando o reuscredendi puderobtla por outros meios. A obrigao tambm ser vlida quando a prestao,original e absolutamente impossvel, vema se tornarpossvel ato implementodecondiooudoadventodotermofinalaqueonegcioestavasubordinado.

    Em segundo lugar, o objeto da obrigao h de ser lcito, qualidade erequisitoquetmassentonaprpriaessnciadosdireitos,comoainda,quandosetratardeobrigaovoluntria,naincidnciadoscaracteresdoatonegocial.50Aquisetememvista tantoaquealeiprobecomooquerepugnamoraleaosbonscostumes, como ainda o que se desconformiza do ordenamento jurdico, e, porisso,a iliceidadeea impossibilidade jurdicaalinhamsenaatraodosmesmosprincpios. O caso mais franco de iliceidade de objeto o da contraveno disposiolegalexpressa,comonocasodooficialdejustiaqueseobrigaanocitaro interessadonofeitoemqueeledemandado,anoserdepoisdealgunsdias.51Mas igualmente ilcitooqueenvolvecontrariedade indiretaanormadeordempblica,poisquenosepodejamaisobterporlinhatravessaaquiloquesescncaras no pode ser obtido. E nem pode a lei serminuciosa e casustica, apontodeminudenciaraenumeraodetudoqueproibidooudoquepermitido.Deverse apurar, conseguintemente, se o objeto da obrigao afronta

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  • diretamente a lei, ou contraria os princpios que compem a conduta socialpautada pelas normas da moral e dos bons costumes. Caber ento apreciar inconcretoasespcies,averseoobjeto,porumaououtrarazo,lcito.52

    Emterceiro lugar,oobjetodaobrigaohde serdeterminvel.Porviaderegra determinado pelo gnero, pela espcie, pela quantidade, pelos caracteresindividuais. Mas, quando no o for, ser de mister que possa determinarse,atravs da concentrao, ou por ato dos sujeitos ou pela escolha de um deles(obrigao alternativa), ou por terceiro (como se d com preo na compra evenda,cujafixaopodeserdeixadaaoarbtriodeumterceiro),ouaindaporfatoimpessoal (preo deixado oscilao da Bolsa ou do mercado). O que no possvel, sob pena de equipararse falta de objeto e, pois, ineficcia daobrigao, a indeterminao definitiva,53 que importa na prpria negao dovnculo,por ausnciadeobjetivao.Quandooobjeto indeterminvel,oupelaprprianatureza,ouporquecircunstnciasespeciaisobstamdeterminao,nohobrigaovlida.

    Finalmente,oobjetohde tercarterpatrimonial.Viaderegraenagrandemaioria dos casos, a prestao apresentase francamente revestida de cunhopecunirio, sejaporconteremsimesmaumdadovalor, sejaporestipularemaspartesumapenaconvencionalparaocasodedescumprimento.54E,comotalpenatraduzporantecipaoaestimativadasperdasedanos,anaturezaeconmicadoobjetoconfiguraseindiretamenteouporviadeconsequncia.Poder,entretanto,acontecerqueapatrimonialidadenoseostentenaobrigaomesma,porfaltadeuma estimao pecuniria que os interessados, direta ou indiretamente, lhetenhamatribudo.Enestahiptese ressurge a indagao se, ainda assim,deve aprestaotercarterpatrimonial.ODireitoromanovislumbrouasoluo,emboraos romanistasno sejamacordesnahermenuticadaspassagens, comoesta, doDigesto: Ea enim in obligatione consistere quae pecunia lui praestariquepossunt.55Acontrovrsiamedraentreosjuristasmodernos,sustentandosecomigualriquezadeargumentaoambasasposies,oquedificultaumadefinio,j que o recurso autoridade igualmente ineficaz, bastando lembrar que nacidadela da patrimonialidade essencial se inscreve Savigny, a quem aderemDernburg Kohler, Brinz, Endemann, Oser, Giorgi, Ruggiero, Salvat, Mazeaud,Bevilqua, Orosimbo Nonato, e mais tantos enquanto na trincheira opostapelejamWindscheid,Von Jhering,Demogue, Ferrara,AlfredoColmo, Barassi,Saleilles,EduardoEspnola,emuitosmais.

    Em prol da patrimonialidade da prestao, atemonos a duas ordens deargumentos. O primeiro que, ainda no caso de se no fixar um valor para o

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  • objeto, a lei o admite implcito, tanto que converte em equivalente pecunirioaquele a que o devedor culposamente falta, ainda que no tenham as partescogitadodoseucartereconmicooriginrio,eistotantonasobrigaesdedar56

    comonasdefazer,57demonstrandoqueapatrimonialidadedoobjeto nsitaemtoda obrigao. Costumase, como argumento em contrrio, invocar a questorelativareparaododanomoraleraciocinarqueseoDireitomodernoaadmite porque reconhece a desnecessidade do carter pecunirio do objeto. A ns,parecenosquenadatemavercomoproblemaainterfernciadaindenizaododano moral. Esta leva em conta a existncia de um ilcito que no fere opatrimnio da vtima,mas nem por isso lhe deve ser indiferente o direito, quedestarte impeaoagenteodeverde ressarcimentopecunirio, semsepreocuparcom a equivalncia entre o valor da prestao e a qualidade do bem jurdicoofendido. Antes da fixao da prestao no existia um fato econmico, damesma formaqueantesdacriaovoluntriadeuma relaoobrigacionalpodiano existir. Como o fato humano voluntrio gera a obrigao de prestaopatrimonial, tambm o fato humano delituoso cria o dever de prestarpecuniariamente, sem que se possa afirmar a presena de uma obrigao (emsentido tcnico) de objeto patrimonial, senoque preexistia o dever negativo derespeitaraintegridadejurdicaalheia.

    Por outro lado, e numa segunda ordem de ideias, a vida social conhecenumerososatoscujarealizaoindiferenteaodireito.Seaobrigaopudesseterpor objeto prestao no econmica, faltaria uma ntida distino entre ela eaqueles atos indiferentes, e precisamente a pecuniariedade que extrema aobrigaoemsentidotcnicodaquelesdeveresqueodireitoinstitui,numarbitadiferente,como,exempligratia,afidelidaderecprocadoscnjuges,impostapelalei,pormexorbitantedanoodeobrigao.58

    Dianteda controvrsia armada, entendeu, e anossoverbemandou,onovoCdigo Civil italiano (art. 1.174) de proclamar a economicidade da prestao,comosaplausosdecivilistascomoPacchioni,59patrimonialidadeque,entretanto,temmerecido a observao de no significar que prestao deva ter sempre umvalor de troca ou um significado econmico intrnseco. s vezes falta,originariamente, esta economicidade do objeto, e no entanto subsiste ajuridicidadedaobrigao,porqueoconceitodeinteresseseestendeatopontodeenvolver,dentrodelimitesrazoveis,ovalordeafeiopretiumaffectionise,a,recebeoobjetoumcarterpatrimonialinfrequente,masnemporistoinbilapermitiraconfiguraodaobligatio.60Arazoestemqueointeressedocredorpode ser apatrimonial, mas a prestao deve ser suscetvel de avaliao em

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  • dinheiro, tal como salientou o relator Giaquinto, na Comisso da AssembleiaLegislativa,quandodaelaboraodoCdigoitalianode1942.61

    Registrese que h verso diversa no sentido de que o direito, atualmente,prev formasdiversasde reparaodosdanosdaprestaopecuniria, comonocasodeexecuoespecficadaobrigaoounahiptesederetrataopblicadeafirmaoofensiva honra alheia e, assim, nesses casos, devese verificar se ointeresse do credor digno de tutela pelo ordenamento luz dos valores eprincpios constitucionais.62 Em sntese, temse que o segundo elemento,objetivo, reside na prestao que sempre um fato humano, que se cumpremediante a tradio de uma coisa ou a realizao de uma ao ou omisso dodevedor.Almdaeconomicidade, salientase a determinabilidadedoobjeto, quepodesersimultneaformaoouestabelecerseatomomentoemquesedarocumprimento. tambm carter do objeto a possibilidade. O objetoabsolutamente impossvel impede o nascimento da obrigao, enquanto aimpossibilidadesupervenienteconduzsuaresoluo.

    C. O terceiro elemento da obrigao o vnculo jurdico. o elementonobre,queasdefiniestradicionaisencarecem,equesemostrapresenteevivo,mesmoparaaquelesqueaconceituamcomorelaojurdica.novinculumiurisqueresideaessnciaabstratadaobrigao,opodercriadordeumliameporcujodesate o indivduo respondia outrora com a sua pessoa e hoje com seupatrimnio. eleque traduzopoderqueo sujeito ativo temde impor aooutrouma ao positiva ou negativa, e exprime uma sujeio que pode variarlargamente, dentropormdedois extremos,que soos seus limites externos: aseriedadedaprestaoea liberdade individual.Sese reduziraquelaamenosdeum grau razovel, perde a substncia, e no justifica a mobilizao doaparelhamento jurdico por uma insignificncia, como seria o fato de algumajustarcomoutremcumprimentlocomumacenodemo,aopassarsuaporta.Emborahajanistoumaaohumana,vaziadeummnimodecontedoaqueodireito seja sensvel faltalhe ento seriedade. Mas se o sujeito passivoconferisseaooutrooassenhoreamentototaldesuaatividade,abdicariadareservafundamentaldaliberdadehumanaeinvestiriaaoutrapartedetodoopodersobrea sua pessoa, como acontecia com a escravido, que tambm um regimejurdico,mas j superado.O iurisvinculum, refletindoa sujeiodavontadeoudaatividadedodevedoraocredor,somenteserpossvelporqueselimitaaumaatividade certa (Savigny) e importa emuma restrio, semdvida, da liberdadedoobrigado,masnuncanasuaperdatotal.Hdiminuiodaliberdade,porqueosujeito passivo da obrigao constrito a fazer ou deixar de fazer aquilo que ocredor tem o poder de exigir, mas no pode estenderse at a abolio dela,

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  • porque o devedor h de conservar o domnio da prpria vontade, para tudomais.63 Assim, o vnculo jurdico, analisado em suas ltimas consequncias,revelaumarestrioliberdadedodevedor,emrelaoaoobjeto.

    H,pois,naobrigao,ejoafirmamos,non128,supra,umarelaoentrepessoa e pessoa, com projeo no patrimnio do devedor. O vnculo jurdicoestabelece esta sujeio, atualmente harmonizada com a ideia de cooperao.Observandoo,tradicionalmenteseafirmavaqueeletraduziaumaideiaderelaoe de sujeio, que a definio clssica de Savigny bem evidencia (v. n 126,supra).A doutrinamais recente, contudo, acentua a necessidade de a obrigaoseranalisadasobumaspectodinmicoefuncional,emqueodeverdecooperar,entreoutros,reconhecidoemrelaoaocredor.

    Osescritoresmodernos,contudo,insurgemsecontraestaconcepounitriaeenunciamanoodualista,procedendoaumaanlisedovnculoobrigacional,que decompem em dois fatores: o dbito e a responsabilidade. Vogando nasguas de Brinz, cuja doutrina Savigny longamente expe e critica,64 o qual aprincpio no encontrou seno opositores, e que s mais tarde logrou acompreensodeIsay,Bekker,Perozzi,Carnelutti,irmosMazeaud,SerpaLopes,Orosimbo Nonato, Pellet (e muitos mais), a doutrina moderna enxerga naobrigaoumdbito(Schuld)eumagarantia(Haftung).Oprimeiroodeverdeprestar, que facilmente se identifica, mas que no deve ser confundido com oobjetivo da obrigao. Este debitum (Schuld) mora na sua essncia mesma, eexprimeodeverquetemosujeitopassivodarelaoobrigacionaldeprestar,isto, de realizar umacerta atividade embenefciodo credor, seja ela umdare,umfacereouumnonfacere.Fundamentalmentetraduzodeverjurdicoqueimpeaodevedor um pagamento, e que se extingue se esta prestao executadaespontaneamente.

    Em contraposio, o sujeito ativo tem a faculdade de reclamar do reusdebendi a prestao daquela atividade ou de exigir o pagamento e mobilizar asforascogentesdoEstadonosentidodeassegurarocumprimentodaobrigao.Nestaexiste,portanto,umprincpioderesponsabilidadequeointegra(Haftung)epermite ao credor carrear uma sano sobre o devedor, sano que outroraameaava a sua pessoa e hoje tem sentido puramente patrimonial, j que no lcitoimporaalgumaprestaoespecficadeumfato(nemoadfactumprecisecogipotest).EmboraosdoiselementosSchuldeHaftungcoexistamnaobrigaonormalmente,osegundo(Haftung)habitualmenteaparecenoseuinadimplemento:deixandodecumprilao sujeitopassivo,podeocredorvalersedoprincpiodaresponsabilidade. Observando que vastas vezes a obrigao se executa

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  • espontaneamente,atiramalgunscontraateoriadualistaoargumentodeque,nessecaso, no haveria o segundo elemento. Da explicao de Betti vem, muitosensvel,arplica,poisensinaelequearesponsabilidadeumestadopotencial,continentededuplafuno:aprimeira,preventiva,criaumasituaodecoeroouprocedepsicologicamente,eatuasobreavontadedodevedor, induzindooaoimplementoasegunda,nocasodeaprimeirafalhar,agarantia,queasseguraefetivamenteasatisfaodocredor.

    Frequentemente, os dois fatores andam juntos, um ao lado do outro, umcorrelato do outro, pois que pelo fato de haver dbito que o credor tem afaculdade de provocar a execuo forada. Alis, no falta a observao(Pacchioni)dequepeloDireitomodernoomesmofatogeradordodbitoproduzcontemporaneamente a responsabilidade,65 ao que acrescentamos que normalmente, j que eventualmente pode a responsabilidade (obligatum esse)surgircomautonomia,comosedirianogarantiralgumumadvidapreexistente,deterceiro.Mas,senormalmenteandamdeparelhaeaquisesituaoargumentodos que se opem ao dualismo dogmtico da obrigao, dizendo que se estojuntosconstituemumaunidade,svezespodemestarseparados,comonocasodafiana,emqueaHaftungdofiador,enquantoodebitumdoafianado.Noseexplicaofenmenocomaideiadeobrigaesparalelas,porquehumpontode conjuno que o credor, o qual se no receber a prestao espontnea dodevedor principal, pode exercer a execuo compulsria contra o fiador. Outrocasodeseparaoodealgumque,semserobrigado,oferecebensemcauoouhipotecaadvidaalheia:odebereestdissociadodoobligatumesse,poisquenafalhadarealizaodaatividadeembenefciodocredor(Schuld)seconcretizaafaculdadedeperseguir aquelesbenspertencentesa terceiros (Haftung).Embora,repetimos, andem normalmente juntos, debere e obligatum esse, s vezes sedissociam, para repousarem em elementos subjetivos diferentes, e fora reconhecer que, se de princpio o entendimento desta ideia dualista exige umaateno mais apurada e um poder maior de abstrao, certo , tambm, que anoofundamentaldeobrigaomaisseaclaraapsestaanliseeapercepodoiuris vinculum mais ntida se desenha: a obrigao impe ao devedor umaprestao,econcedeaocredoropoderdeexigila.Seestepoderfossedespidodesano, a obrigao seria incompatvel com a exigibilidade que efetiva,precisamente em razo de o credor sentir a garantia sobre o patrimnio dodevedor, e tantoassimqueno tem faltadoquemexpliqueaobrigaonaturalcomoumdbitosemresponsabilidade(Pacchioni).Aquelesconceitosdedeberee obligatum esse no so apenas os aspectos negativo e positivo de ummesmofenmeno,emborasesalientemmelhoratravsdesuaanlise.Somaisqueisto,

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  • 129.

    pois que mostram o poder do credor sobre o patrimnio (Haftung), emconsequnciadenoterodevedorefetuadoaprestao(Schuld).66

    Ateoriadualista,apesardorigordesualgicaedaclarezadesuaexposio,no tem logrado xito, havendo escritores que lhe votam silencioso desprezo eoutros que a combatem (Ruggiero, Buzaid, Washington de Barros Monteiro).No falta mesmo quem (Mazeaud etMazeaud) pense em um terceiro elemento(coao),enemdeolvidarseaescoladosprocessualistas(Carnelutti,Brunetti,Liebman)que identificaaHaftung comoo elemento publicstico, no integrantedo direito subjetivo por traduzirse no direito prestao jurisdicional doEstado.67

    Mas, no obstante a condenao que lhe votam tantos e a incurso que noterrenocivilsticofazemosprocessualistaspararaptarumanooquededireitomaterial,ateoriadualistapermitedestacaroselementosfundamentaisdovnculoobrigacional,e,quandodefinimosaobrigaonon126,supra,noaperdemosdevista.

    Nohcomoadmitir a concepodo fato jurdicocomoelementoessencialda obrigao, porquanto ele aspecto exterior obrigao, tratandoo de fontedela.68

    Tambmnohcomoreconheceragarantiacomoelementodaobrigao,jqueelasecolocanombitodovnculojurdico,notendoautonomia.69

    OBRIGAOCIVILEOBRIGAONATURAL

    Procedemosanlisedaobrigao(n128,supra),nosseustrselementossujeito, objeto e vnculo jurdico. Normalmente, esto todos presentes. E aobrigao, assim integrada de seus fatores fundamentais, classificase de civil:um sujeito ativo, credor, e um sujeito passivo, devedor objeto, a prestao eestabelecendooliameentreossujeitos,aomesmotempoquecontmotegumentodegarantia,ovnculojurdico,quefacultaaoreuscredendimobilizaroaparelhodo Estado, para perseguir a prestao, com projeo no patrimnio de reusdebendi.

    Os juristas de todos os tempos tm sido atenazados pela indagao: quidiurissefaltarestepoderdegarantia?Queacontecersehouverduplosujeito,sehouverobjeto,masfaltararesponsabilidadedodevedor?

    Para responder questo, foi engendrada uma categoria especial de

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  • obrigao, que tradicionalmente se denomina obrigao natural (obligationaturalis), e mais modernamente na tcnica dos escritores alemes obrigaoimperfeita, e foi construda a sua teoria. A imaginao romana criou umadogmtica que pde penetrar o direito moderno sem perder as suas linhasestruturais, embora restrita na sua extenso, e no nmero das hipteses queabrange.

    Aobrigaosemgarantia,ouaobrigaosemsano,semaoparasefazerexigvel,existe.Eexistenocampododireito.Navidaemsociedade,oindivduoestvinculadoporobrigaesperfeitas,porcujocumprimentorespondecomseusbens,esoasobrigaescivis.A todomomentoasassume,poratovoluntrio,ou a elas se v jungido por imposio legal. Achase, igualmente, determinadopor numerosos deveres, que no chegam a tomar corpo de obrigaesjuridicamente considerveis, desde as que consistem em mera modelao deconduta,atasquese infiltramnoseupatrimnio,emboradesacompanhadasdeum teor de exigibilidade, como se d com aqueles deveres que a solidariedadehumanainstitui,eque,semperderemosensodeeconomicidade,permanecemnoterrenomoral,semopoderdeconversoemfigurajurdica.

    Aobrigaonaturalumtertiumgenus,entidadeintermediriaentreomerodever de conscincia e a obrigao juridicamente exigvel, e por isso mesmoplantamnaalguns(Planiol,RiperteBoulanger)ameiocaminhoentreamoraleodireito. mais do que um dever moral, e menos do que uma obrigao civil.Ostenta elementos externos subjetivos e objetivos desta, e tem s vezes umaaparncia do iuris vinculum. Pode revestir, at, a materialidade formal de umttuloouinstrumento.Masfaltalheocontedo,oelementointrnsecofaltalheopoder de exigibilidade, o que lhe esmaece o vnculo, desvirtuandoo de suaqualidadeessencial,queopoderdegarantia.70OCdigoCivilde2002preferiunominartalespciecomoobrigaojudicialmenteinexigvel,acolhendo,assim,aposioquejeradefendidanessasInstituies.

    NoDireitoromanojocupavaanaturalisobligatioestaposio intermdia.E ali encontrava razes explicativas muito mais lgicas do que no Direitomoderno, porque o romano focalizava em primeiro plano a actio, e por via deconsequnciao ius. Indagavadaao,paradefinirodireito.Quandoencaravam,ento, a obligatio naturalis, tinha a maior facilidade de compreendla, porquepartiadainexistnciadaactio,comoelementoqueadistinguiadaobrigaocivil.E to relevante era este fator, que de todo o intrincado conceitual da naturalisobligatio noDireito romano, Serpa Lopes frisa que o assunto ainda permanececonfuso,delepodendoextrairse,entretanto,quedesegurohapenasconceitula

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  • como uma obrigao no protegida pela actio.71 Seria, portanto, uma obligatiorevestidadetodasascaractersticasdaobrigaoperfeita,menosuma,aao.Ocredor seriacredorodevedor,devedorexistiriaoobjetomas faltavaaao,eporistoosujeitoativonotinhaopoderdetornarefetivaaprestao.Negavaselhe a faculdade de proceder diretamente, mas no se lhe recusava um meioindireto,poisque,naausnciadaactio,instituaseaexceptio,tcnicadedefesa,comqueo reuscredendi daquelaobrigaoparalisavaumaao contrria, a elemovidapeloreusdebendi,ouobtinhaoreconhecimentodaeficciadopagamentoefetuado espontaneamente por este. O devedor, reuspromittendi, no podia sercompelido ao pagamento. Mas se o realizava espontaneamente, o credor, reusstipulandi, tinha em seu benefcio a soluti retentio, que lhe assegurava aconservao da coisa recebida, como se se tratasse da prestao normal de umaobrigaocivil.Otraodedistinomaiscaractersticoentreacivilisobligatioeaobligationaturaliseraaactio,presentenaprimeiraeausentenasegunda,eistolhe retiravaaqualidadedevnculo jurdico,deslocandoaparaumplanoemquesomente uma inspirao da equidade a mantinha: solo vinculo aequitatissustinetur.

    Muito embora a teoria da obrigao natural no Direito Romano seja umaterra devastada pelas discusses sem fim, os romanistas procuram estabeleceruma sistematizao dos casos considerados nas fontes, procurando assimreconstituir uma classificao. Dizem, consequentemente, que a figura daobligatio naturalis abrangia aquelas que nasciam perfeitas, e que, em razo deuma causa superveniente, vinham a perder a actio, convertendose de civil emnatural, e neste caso, era uma obrigao civildegenerada.De outro lado, haviaoutras que nunca haviam surgido nomundodo direito comodotadas de ao, equejnasciamcomacaractersticaqueasenquadravanestaclasse.Eramasquenopodiamatingirocarterdeobrigaescivis,por faltarumelementohbil agerar,desdeoseunascimento,aao.

    Cumpre, desde j, notar que amesma ideia sobrevive no direitomoderno,repartindoseasobrigaesnaturaisemdoisgrupos:odasquesempreexistiramcomoobrigaesnaturaiseodasobrigaescivisdegeneradas,porteremperdidosuaforacogente.72

    Sua principal fonte geradora, emDireito Romano, era a capitis deminutio,sob diversos aspectos. Assim, diziase que o escravo, em razo de faltarlhe ostatuslibertatis,nopodiaobrigarsenemparacomoseudominusnemparacomum terceiromas, se o fazia, embora despida de ao, aobligatio originavase,naturalis tantum. Assim, tambm, o emprstimo feito ao filius familias,

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  • inexigvel por fora do senatus consulto macedoniano, gerava um pagamentoespontneovlido.Almdestacausa,outra indicada,sempacificidadeembora,argumentandosequeaobrigaocivilqueperdiaaactioseconvertiaemnatural,e por isso era vlido o pagamento realizado. Os pactos, distinguindose doscontratos,nogeravamaesexnudopactoactiononnascitureporissodizsequeaobrigaodelesoriundaeranaturalenocivil.

    Muito debatem os doutores em torno dos vrios aspectos da obligationaturalis no Direito romano, no permitindo a natureza desta obra que osacompanhemos.

    O Direito moderno retoma o assunto, e no menos controverso. Unssustentam (Bevilqua) a desnecessidade desta figura, cuja fluidez lhes parecemanifesta.E,cogitandodasolutiretentio,queeraseuprincipalefeito,estranhamqueumaobrigaosecaracterizepelaretenodopagamento,deduzindoqueelas se afirma na hora da execuo. Como o pagamento causa extintiva e nogeradoradeobrigaes,negamlheconsistncia, raciocinandoquenascemcomopagamento.H,contudo,umdesviodeperspectivanesteparecer.Seaobrigaoimperfeita nascesse com o pagamento, nunca se teria formado, e mais seassemelhava a um ato de liberdade. Ela h de preexistir, sob pena de secaracterizaromaior ilogismo.Odbitoest contrado (Schuld),apenasocredorno temo poder de efetivar a responsabilidade do devedor (Haftung),mas seosujeito pa