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Eliezer Alves de Assis A parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 à luz das ressonâncias de Isaías 5,1-7 Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção de Mestre em Teologia. Orientador: Isidoro Mazzarolo Rio de Janeiro Dezembro de 2006

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Eliezer Alves de Assis

A parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 à luz das ressonâncias de Isaías 5,1-7

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção de Mestre em Teologia.

Orientador: Isidoro Mazzarolo

Rio de Janeiro Dezembro de 2006

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Eliezer Alves de Assis

A parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus

21,33-46 à luz das ressonâncias de Isaías 5,1-7

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Isidoro Mazzarolo Orientador

Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof.ª Maria de Lourdes Corrêa Lima Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Carlos Frederico Schlaepfer Instituto Paulo VI

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa

do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro Dezembro de 2006

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Eliezer Alves de Assis

Graduou-se em Teologia no Centro de Estudos Teológicos do Rio de Janeiro (CETERJ), em 1996. De 1997 – 1999, adquiriu o grau acadêmico de “Mestrado em Ciências da Religião”, conferido pela Escola Preparatória de Obreiros Evangélicos (EPOE-RJ), com a dissertação: O Contexto Sócio-religioso da Literatura Apocalíptica. Uma literatura de resistência religiosa. Em 2001-2002 dedicou-se ao estudo do Grego Bíblico na Associação Cristã de Mobilização Sócio-cultural – Niterói. A partir de 1998 tem exercido o magistério no Centro de Estudos Teológicos do Rio de Janeiro – CETERJ - Niterói; Seminário Teológico Congregacional do Estado do Rio de Janeiro – SETECERJ; Seminário Teológico Serrano – SETESE – Teresópolis; e atualmente na Escola Preparatória de Obreiros Evangélicos – SINTEP – Rio, e no Instituto Bíblico do Centro Evangelístico Internacional – IBCEI – Niterói.

Ficha Catalográfica

Assis, Eliezer Alves de

A parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 à luz das ressonâncias de Isaías 5,1-7 / Eliezer Alves de Assis; orientador: Isidoro Mazzarolo. – 2007.

160 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Teologia)–Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Inclui bibliografia 1. Teologia – Teses. 2. Eclesiologia. 3. Ideal

moral. 4. Culpa. 5. Reino de Deus. I. Mazzarolo, Isidoro. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

CDD: 200

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Para meus pais, Secundino e Elma por terem me introduzido no amor à Sagrada Escritura.

Para minha amada esposa Carminha e o bem mais precioso que tenho, meus filhos Eline e Lucas

pelo apoio e confiança.

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5

Agradecimentos Ao meu orientador Professor Isidoro Mazzarolo, que me incentivou nesta

pesquisa, e com rara competência e disponibilidade me ajudou na realização deste

trabalho.

Ao CNPq, CAPES e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este

trabalho não poderia ter sido realizado.

Aos meus colegas da PUC-Rio.

Aos professores que participaram da Comissão examinadora.

A todos professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e pela

ajuda.

A todos os amigos, familiares que de uma forma ou de outra me estimularam ou

me ajudaram.

Ao Criador Absoluto, pela oportunidade da expectativa sem fim de minha própria

existência.

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Resumo

Assis, Eliezer Alves; Mazzarolo, Isidoro. A parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 à luz das ressonâncias de Isaías 5,1-7. Rio de janeiro, 2006. 160p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 à luz das

ressonâncias de Isaías 5,1-7 apresenta pontos de conexão com o texto hebraico e

com a versão da Septuaginta. Esta dissertação comprova a intertextualidade e a

partir desta constatação são verificadas as conexões com Isaías que já estavam

presentes na forma original da parábola dos vinhateiros, que foram

estilisticamente modificadas nas fases subseqüentes da tradição, influenciando

redacionalmente a parábola dos vinhateiros na versão de Mateus. O estudo

focaliza o modo no qual a parábola foi adaptada e aplicada por Mateus, sendo

recoberta com um esquema histórico-salvífico e com uma interpretação

cristológica e eclesiológica; como na apresentação do ideal moral formulado em

Mateus 21,43, trata-se de um desenvolvimento da ênfase que é colocada no

comportamento moral correto jP'v.mi e da hq'd'c., conforme Isaías 5,7. A

essência jurídica, tal qual como apresentada em Isaías 5,1-7, é empreendida

completamente pelo redator mateano, de tal modo que a acusação, originalmente

apontada para laer'f.yI tyBeä, foi direcionada aos oponentes de Jesus, que não

atendiam ao ideal moral estabelecido em 21,43 “poiou/nti tou.j karpou.j”. Como

conseqüência, a culpabilidade de Israel é verificada com a perda da basilei,a,

sendo transferida para um e;qnoj. A conclusão do trabalho mostra que na versão de

Mateus foi preservada a natureza jurídica paradigmática do cântico da vinha de

Isaías a partir das ressonâncias presentes na parábola dos vinhateiros homicidas.

Palavras-chave

Eclesiologia; ideal moral; culpa; Reino de Deus.

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Résumé

Assis, Eliezer Alves; Mazzarolo, Isidoro (Orientateur). La parabole des vignerons homicides de Matthieu 21,33-46 à la lumière des résonances de Esaïe 5,1-7. Rio de Janeiro, 2006. 160p. Dissertation de Diplôme d'études approfondies - Département de Théologie, Pontificale Université Catholique de Rio de Janeiro.

La parabole des vignerons homicides de Matthieu 21,33-46 à la lumière

des résonances de Esaïe 5,1-7 présente des points de connexion avec le texte

hébreu comme aussi avec la version du Septuaginta. Cette dissertation vérifie

résonances et à partir de cette constatation sont vérifiées les connexions avec

Esaïe qui déjà étaient présentes dans la forme originale de la parabole des

vignerons, qui ont été stylistique modifiées dans les phases ultérieures de la

tradition, influençant rédactionnel la parabole des vignerons dans la version de

Matthieu. L'étude focalise le mode dans lequel la parabole a été personnalisée et

appliquée par Matthieu, étant recouvert avec un projet historique de la salut et

avec une interprétation ecclésiologie; comme dans la présentation de l'idéal moral

formulé dans Matthieu 21,43, s'agit d'un développement de l'accent qui est placé

dans le comportement moral correcte jP'v.mi et de la hq'd'c, comme Esaïe 5,7.

L'essence juridique, tel ce que je mange présentée dans Esaïe 5,1-7, est entrepris

complètement par le rédacteur de Matthieu, de tel mode que l'accusation,

originalement indiquée pour laer'f.yI tyBeä, a été dirigée aux adversaires de Jésus,

qui ne faisait pas attention à l'idéal moral établi dans 21,43 “poiou/nti tou.j

karpou.j”. Comme conséquence, la culpabilité d'Isarel est vérifiée avec la perte de

la basilei,a, étant transférés pour un e;qnoj. La conclusion du travail échantillon

qui dans la version de Matthieu a été préservé la nature juridique du cantique de la

vigne de Esaïe à partir des résonances présentes dans la parabole des vignerons

homicides.

Mots Clefs

Ecclésiologie; idéal moral; faute; Royaume de Dieu.

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Sumário

Siglas e Abreviações

10

1. Introdução

13

1.1. Tema e objeto de estudo 13

1.2. Método 14

2. “Status quaestionis”

16

2.1. A crítica literária da parábola dos vinhateiros homicidas 16

2.2. O gênero literário de Isaías 5,1-7 24

2.3. Os pontos de conexão de Isaías 5,1-7 nos vinhateiros homicidas 26

2.4. Hipótese de Pesquisa 31

3. O Texto de Mateus 21,33-46, sua Delimitação, Estrutura e Sinopse

33

3.1. Texto de Mateus 21,33-46 33

3.2. Observações sobre as variantes em Mateus 21,33-46 34

3.2.1. Tradução de Mateus 21,33-46 36

3.3. Delimitação e estrutura de Mateus 21,33-46 37

3.3.1. Delimitação 37

3.3.2. Estrutura de Mateus 21,33- 46 dentro do seu contexto imediato 38

3.3.3. Estrutura de Mateus 21,33-46 41

3.4. Os vinhateiros homicidas na sinopse dos Evangelhos 45

3.4.1.Análise sinótica dos vinhateiros 47

3.5. Fonte de Mateus 21,33-46 52

4. Aspectos literários em Isaías 5,1-7

54

4.1. Estrutura do texto hebraico de Isaías 5,1-7 56

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9

4.2. Elementos constitutivos da narrativa de Isaías 5,2 59

4.3. Elementos constitutivos da narrativa de Isaías 5,7 63

5. Análise Exegética

66

5. 1. Análise histórico-transmissiva do texto de Mateus 21,33-46 66

5. 1.1. A autenticidade da parábola dos vinhateiros 66

5.2. Análise da redação de Mateus 21,33-46 71

6. Mateus 21,33-46 à luz da vinha de Isaías 5,1-7

80

6.1. Os aspectos da intertextualidade entre Isaías 5,1-7 e Mateus 21,33-46 82

6.1.1. A disposição dos verbos em Mateus 21,33 à luz de Isaías 5,2 84

6.2. O ideal moral formulado em Mateus 21,43 à luz da parábola jurídica de

Isaías 5,1-7

93

6.3. Estrutura jurídica da parábola em Isaías 5,1-7 e Mateus 21,33-46 96

6.4. Adaptação e aplicação da parábola dos vinhateiros no contexto mateano 108

6.4.1. A exposição da parábola em Mateus 21,33-46 113

6.4.2. O julgamento em Mateus 21,40-41 119

6.4.3. A acusação e interpretação em Mateus 21,42-46 120

6.5. A análise da culpabilidade de Israel e a perda da basilei,a na

perspectiva de Mateus

126

6.6. O aspecto jurídico aponta para novas perspectivas 133

6.7. A perspectiva do novo e;qnoj em Mateus 21,43 139

7. Conclusão

146

8. Referências Bibliográficas 151

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10

Siglas e Abreviações Periódicos e Coleções

AnBib Analecta Bíblica

Beo Bibbia e Oriente

BETL Bibliotheca Ephemeridum Teologicarum Lovaniensium

Bib Bíblica

BTB Biblical Theology Bulletin

BZ Biblische Zeitschrift

CBQ Catholic Biblical Quaterly

DBS A Dictionnaire de la Bible,

ÉtB Études Bibliques

EtBib Estudios bíblicos

ETL Ephemerides theologicae lovanienses

ETR Etudes théologiques et religieuses

ExpTim Expository Times

FRLANT Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments

HTR Harvard Theological Review

JBL Journal of Biblical Literature

JEOL Jaarbericht . . . ex oriente lux

JSOTSup Journal for the Study of the Old Testament Supplement

JES Journal of Ecumenical Studies

JJS Journal of Jewish Studies

JSNT Journal for the Study of the New Testament

JSP Journal for the Study of the Pseudepigrapha

JTS Journal of Theological Studies

MTZ Münchener theologische Zeitschrift

NovT Novum Testamentum

NTS New Testament Studies

Semeia Semeia

Stoup Journal for the Study of the Old Testament, Supplement Series

SJT Scottish Journal of Theology

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11

Tossup Vets Testamentum, Supplements

UF Ugarit-Forschungen

VT Vetus Testamentum

VTSup Vetus Testamentum Supplements

WUNT Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament

ZAW Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft

ZNW Zeitschrift für die Neutestamentliche Wissenschaft

ZST Zestschrift für Systematische Theologie

ZTK Zeitschrift für Theologie und Kirche

Siglas de Manuscritos A Sinaítico (séc. IV)

A Alexandrino (séc. V)

B Vaticano (séc. IV)

C Códice palimpsesto de S. Efrén (séc. V)

D Códice de Beza cantabringense (séc. V)

D Códice sangallense (séc. IX)

Ff Códices latinos

L Códice Régio (séc. VIII)

W Códice Freeriano (séc. V)

Y Códice Atos Laurence (sécs. VIII-IX)

Θ Códice Coridentiano (séc. IX)

Sy Versão siríaca f Família dos minúsculos

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12

Por isso vos digo, que será tirado de vós o Reino de Deus

e será dado a um povo que produza seus frutos.

Mateus 21,43

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13

1 Introdução 1.1 Tema do Estudo

Na parábola dos vinhateiros homicidas em Mateus 21,33-46 encontramos

importantes conexões com o cântico da vinha em Isaías 5,1-7. As características

literárias, em ambos textos, sugerem que o cântico da vinha de Isaías serviu

originalmente como ponto de partida, provocando ressonâncias na parábola dos

vinhateiros.

O presente trabalho tem a finalidade de contribuir no sentido de

proporcionar subsídios para averiguar essa possível intertextualidade. Além de

analisar elementos que evidenciam como a parábola1 foi adaptada por Mateus em

uma fase posterior da tradição.

Como texto base para o presente estudo, tomaremos a perícope de Mateus

21,33-46 à luz do contexto das parábolas de juízo2. Mateus interpõe, com seu

material próprio, a parábola dos dois filhos (21,28-32), para que depois da

parábola dos vinhateiros homicidas, siga imediatamente a parábola do banquete

nupcial (22,1-14), tomada da fonte das sentenças. Todas as três narrativas têm em

comum apontar para a substituição de Israel3 na história da salvação4.

1 HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, 1976, p.11. “As parábolas constituem um dos lugares privilegiados da exegese do Novo Testamento, encontram-se nelas o eco da palavra anunciada por Jesus a seus contemporâneos e o testemunho devolvido ao seu Senhor pela comunidade cristã”. 2 As três parábolas (parábola dos dois filhos: 21,28-32; vinhateiros homicidas: 21,33-46 e a parábola do banquete nupcial: 22,14) aparecem em seguimento da primeira controvérsia sobre a autoridade de Jesus (Mt 21,23). O contexto em que as parábolas se encontram, sugere que os rejeitados por Mateus são os líderes que se opuseram a Jesus. 3 Cf., SALDARINI, A. J., A Comunidade judaico-cristã de Mateus, 2000, p. 119. Para Saldarini, as polêmicas mateanas voltam-se contra líderes rivais: “Embora seja, às vezes, descrito como antijudaico, na verdade Mateus reserva seu veneno para líderes judaicos hostis e, ocasionalmente, para quem segue esses líderes em uma firme rejeição de Jesus. Não só os líderes, mas também as instituições que eles controlam e as interpretações da lei e do costume judaicos que eles propõem para a sociedade judaica, são submetidos a ataque constante e sistemático”. 4 Cf., OGAWA, A., Paraboles de l'Israël véritable? Reconsidération critique de Mt. XXI 28 - XXII 14, em NT 21, 1979, p. 121. De acordo com Ogawa, as três parábolas registradas em 21,28 – 22,14, freqüentemente, são tratadas como história da salvação em Mateus. “Não se duvida que não

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14

A preferência por essa perícope foi determinada, basicamente, porque nela

vemos a leitura e a aplicação de um texto isaiano. A tradição mateana,

provavelmente deu um sentido histórico-salvífico e uma interpretação cristológica

e eclesiológica à parábola dos vinhateiros.

O texto isaiano que provoca essa ressonância na parábola dos vinhateiros

homicidas é o cântico da vinha de Isaías 5,1-7. Analisaremos de forma parcial, o

rastro que esse texto no hebraico e também na versão da Septuaginta provocaram

na fonte do redator de Mateus que é Marcos.

1.2 Método

Quanto ao método, utilizaremos, por base, o método histórico-crítico. O

desenvolvimento da dissertação está articulado em seis pontos, precedidos pela

introdução e sucedidos pela conclusão. Os pontos estão interligados um ao outro

pela constante retomada de seus principais resultados.

A pesquisa é introduzida pelo status quaestionis. Nele estão indicados os

resultados das principais pesquisas feitas sobre a temática para estabelecer o

objeto característico de nossa pesquisa. Iniciaremos a pesquisa, tratando da crítica

literária da parábola dos vinhateiros homicidas. Pesquisaremos também o gênero

literário de Isaías 5,1-7. Em seguida analisaremos os pontos de conexão de Isaías

5,1-7 nos vinhateiros homicidas. A partir desta apreciação, indicamos a hipótese

de trabalho, que guiará as sucessivas reflexões.

No terceiro capítulo tomaremos o texto de Mateus 21,33-44. Iniciaremos

com a tradução e a crítica textual, logo em seguida, a divisão, unidade, estrutura

do texto de Mateus 21,33-46 dentro do contexto maior. Feito isso, iremos fazer a

análise sinótica dos vinhateiros e concluiremos tratando da fonte de Mateus 21,33-

46.

No quarto capítulo, examinaremos os aspectos literários em Isaías 5,1-7.

Iniciaremos com a estrutura do texto de Isaías 5,1-7 e trataremos dos elementos

exprimam uma substituição de Israel pela Igreja. Esta interpretação é pensamento do evangelista. Portanto, o redator desta grande seção tem realmente em perspectiva que as três parábolas mostram de que a Igreja é o verdadeiro e;qnoj de Deus que tomou o lugar de Israel”.

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15

constitutivos da narrativa de Isaías 5,2 e 5,7 no Texto massorético e na versão da

Septuaginta.

No quinto capítulo apresentaremos os resultados da análise exegética.

Tomaremos como ponto de partida a análise histórico-transmissiva do texto de

Mateus 21,33-46, com isso verificaremos a autenticidade da parábola dos

vinhateiros e a análise da redação de Mateus 21,33-46.

O momento sucessivo será de suma importância para a dissertação. É no

sexto capítulo que estarão, de certa forma, os principais resultados dos passos

anteriores, para onde confluem as reflexões precedentes. Tendo presente a divisão

do texto, o gênero literário e a relação entre Mateus 21,33-46 e Isaías 5,1-7 (tanto

no texto hebraico, como na Septuaginta), faremos uma análise detalhada dos

termos mais expressivos de ambas perícopes. Com esta metodologia, buscaremos

apresentar os dados mais decisivos para a temática da dissertação. Nos aspectos da

intertextualidade entre Isaías 5,1-7 e Mateus 21,33-46, enfocaremos o ideal moral

contido na análise jurídico paradigmática dos respectivos textos. Chegaremos

assim à reflexão conclusiva da dissertação. Este último ponto terá presente os

estudos anteriores e as informações obtidas a partir da análise exegética,

verificaremos, então, a hipótese do trabalho: se for possível demonstrar que em

Mateus foi preservada a natureza jurídica paradigmática da parábola, conforme

encontramos em Isaías 5,1-7 a partir das ressonâncias presentes na parábola dos

vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 e sua aplicabilidade no contexto

mateano.

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16

2 “Status quaestionis”

Como ponto de partida apresento as diferentes pesquisas e resultados mais

relevantes aos quais chegaram os diversos exegetas principalmente no último

século de pesquisa.

Três aspectos são fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa desta

obra: 1 - Os aspectos literários da parábola dos vinhateiros homicidas (Marcos

12,1-12; Mateus 21,33-46); 2 - A discussão do gênero literário de Isaías 5,1-7; 3 -

Os pontos de conexão de Isaías 5,1-7 na parábola dos vinhateiros homicidas.

2.1 A crítica literária da parábola dos vinhateiros homicidas

De acordo com a tradição da crítica literária, a parábola dos vinhateiros

homicidas foi apresentada como uma obra genuína da comunidade5. A história,

com seus pormenores tão significativos, apresenta-se não como uma narrativa

original, mas uma construção artificial, efetivamente trabalhada nos seus

contornos, porém com dados originais que podem ser percebidos,

conseqüentemente, tornando-se uma alegoria6 cristológica7.

5 Cf., BARBAGLIO, G., Os Evangelhos (I), 1990, p. 323. De acordo com Barbaglio, “na comunidade cristã primitiva, havia a tendência de prolongar o alcance das palavras do Senhor, precisando, acrescentando e ilustrando-as com textos bíblicos. É a lei própria de toda tradição viva. Exigia-o a situação da Igreja que olhava Jesus de Nazaré através da luz refletida pela ressurreição e vivia novas experiências de fé”. 6 Cf., LUZ, U., El Evangelio ségun san Mateo, Mt 18-25, 2003, p. 293. Luz observa: “na antiguidade cristã não se ignorou por completo as características específicas da parábola (cf., Tertuliano, CSEL 20,235ss), na maior parte das vezes era identificada praticamente a parábola com alegoria. Os comentaristas têm interpretado os vinhateiros homicidas, em sentido alegórico, a luz da história da salvação desde Irineu (Haer. 4,36,2). Este tipo de interpretação alegórica é defendido, segundo Orígenes (17,6 = GCS Orig X, 591s), por Apolinar de Laodicéia, fr 110 = 37; Teodoro de Heraclea, fr 112 = 88; Jerônimo, 196; Beda, 94; Teofilacto, 380; Dionísio bar Salibi III,12; Eutimio Zigabeno, 561-563. Posteriormente, na reforma Zwinglio, 362; Calvino II, 198; Maldonado, 339; Lapide, 407, interpretarão os vinhateiros neste mesmo sentido alegórico”. 7 TRILLING, W., El Verdadero Israel, 1974, p. 76.

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17

O estudo moderno das parábolas8 parte da superação do conceito entre

parábola e alegoria pela obra de Adolf Jülicher9, que criticou efetivamente as

interpretações alegorizantes nos textos evangélicos e que devem ser analisadas

numa perspectiva mais secundária. As parábolas para Jülicher não remetem a

verdades universais, se não a situações concretas do ministério de Jesus.

A grande importância de Adolf Jülicher em sua obra Die Gleichnisreden

Jesu, foi concentrar de maneira crítica, que a interpretação alegórica10 é exagerada

e, que as parábolas de maneira alguma admitem esse procedimento. Ele exclui de

modo enfático, qualquer possibilidade de interpretar as parábolas como alegorias.

Para Jülicher e seus seguidores, trata-se de uma alegoria criada pela Igreja

primitiva com o olhar posto na morte de Jesus, portanto, “Jülicher tem consciência

da distância que existe entre Jesus e os evangelhos e, é fundamental compreender

que os evangelhos entenderam as parábolas como um discurso obscuro e de difícil

compreensão, que precisava ser interpretado”11.

8 C.f, THEISSEN, G. e MERZ, A., O Jesus Histórico, 2002, p. 344. “Com A. Jülicher começa a moderna pesquisa sobre as parábolas como rejeição da interpretação alegórica predominante até então, que via as parábolas, ponto por ponto, como decifração de mistérios teológicos. [...] Em Jesus, elas originalmente tinham como alvo um ponto de comparação (‘one-point-approach’), pelo qual se exprimia uma verdade universal”. 9 JÜLICHER, A., Die Gleichnisreden Jesu, 1910. 10 Cf., CARLSTON, C. E., Parable and Allegory Reconsidered, em CBQ 43 (1981), p. 235. Na análise que Carlston faz da obra de Hans-Josef Klauck, Allegorie und Allegorese in synoptischen Gleichnistexten (NTAbh ns 13; Munster: Aschendorf, 1978), pp. viii + 410, DM 110; e Hans Weder, Die Gleichnisse Jesu als Metaphern (FRLANT 120; Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1978), pp. 312, N.P. Carlston sintetiza a crítica que os autores fazem a A. Jülicher, que parece, segundo eles, cometer cinco erros essenciais: “(1) Jülicher entende alegoria como contendo correspondência de ‘point-by-point’ que ele imagina ser fundamentalmente diferente da correspondência ‘holistic’ na parábola; isto não responde adequadamente pelo modo que a mente trabalha usando fala metafórica, e não explica a proeminência de formas misturadas nas parábolas cristãs e judaicas. (2) Ele acredita que na alegoria o que importa são conceitos de fora do texto sem respeito para a história ou sua forma literária; mas a mesma raridade de linguagem parabólica ‘outside’ o qual nos permite reconhecer como contemplação da parábola e a inevitabilidade de intrusão, de forma que alegoria não pode ser distinguida da parábola nesta base. (O segredo em linguagem metafórica é achar raridades completamente aceitáveis!) (3) A alegoria é indiferente às estéticas do texto; mas isto só é parcialmente verdade. E, em todo caso, podemos confrontar legitimamente com a pergunta de Kierkegaard, ‘whether the aesthetic is the sole or most important category for conceiving of the Christlichen’ (Klauck, A llegorie, 358). (4) Ele mostra que a alegoria que está obscura deve ser decifrada. Isto é parcialmente verdade de alguns textos antigos (especialmente nos apocalípticos), mas não responde pelo uso ou proliferação de condições simbólicas extensamente entendidas que fizeram (e faz) a linguagem metafórica compreensível ao ouvinte. (5) Ele assume que as parábolas têm um telos ético simples. Mas, parábola e alegoria podem servir para iluminar uma ‘verdade’ conhecida; elas podem ser didáticas ou polêmicas; elas podem desafiar o mundo do ouvinte ou podem confirmá-lo; elas podem pedir os tipos mais variados de respostas; etc. Assim, não podem ser distinguidas parábolas da alegoria, e nem podem ser interpretadas em termos de um simples telos”. 11 Cf., GNILKA, J., Jesus de Nazaré, p. 86. De acordo com Gnilka, Jülicher apresenta uma regra prática para reconstrução da parábola: “Jülicher deixa-se dirigir por uma compreensão da parábola

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Com Charles Harold Dodd12 e Joachim Jeremias13, é analisado com total

perceptibilidade, justamente utilizando o conceito de parábola desenvolvido por

Jülicher, que as circunstâncias visíveis do ministério de Jesus, as que remetem

suas parábolas, são situações puramente criadas e instituídas por sua predicação

escatológica. Tais situações são acompanhadas por sinais e gestos em que se

materializam com total evidência teológica.

Partindo da linha interpretativa de Jülicher, Dodd e Jeremias se têm

desenvolvido toda a explicação moderna das parábolas14, principalmente com

Linnemann, Dupont, Eichholz, Lambrecht, etc. Nos últimos decênios, as críticas

mais tradicionais abrangem efetivamente novos questionamentos. Na linha de

Jülicher-Dodd-Jeremias se tem visto radicalmente questionada, inicialmente na

Europa e em seguida, sobretudo nos Estados Unidos, novos caminhos para

elucidar e interpretar, de maneira mais convincente, a constituição da linguagem

parabólica.

Essa nova fase transparece de forma revolucionária e complexa, cuja

característica mais evidente é a alteração total da exegese a partir das novas

contribuições da lingüística, da retórica e da crítica literária. Nela segue algumas

indicações que se remontam a E. Lohmeyer15 e Ernst Fusch16. Mostra um

razoável empenho por reconduzir a fé cristã ao Jesus pré-pascoal, como possível

opção ao kerygma da ressurreição. Em nome do conteúdo escatológico-

que havia sido marcada por Aristóteles. Com isto a parábola de Jesus é classificada como um discurso argumentativo, ou como um elemento de prova. É claro que ela é considerada como uma forma de discurso que em si é clara, que pode ser entendida imediatamente. Com auxílio da parábola o fio do discurso é como que duplicado. Ao lado da coisa em si surge a imagem. A imagem, com que os ouvintes de bom grado concordam, é usada por Jesus com o fim de os estimular a concordarem também com a coisa, em relação à qual eles talvez tenham objeções. A parábola é uma prova que vai daquilo que é aceito para o semelhante que ainda não foi aceito. Sob a forma de imagem a verdade tem mais força de penetração do que sob forma abstrata. A parábola terá sido apreendida plenamente como prova quando houvermos encontrado o ponto de comparação que existe entre a imagem e a coisa. É neste orientar-se para o único ponto de comparação que consiste a clareza do discurso parabólico em relação à complexidade da alegoria”. 12 DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, 1961. 13 JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, 1978. 14 GNILKA, J., Jesus de Nazaré, p. 88. 15 LOHMEYER, E., Das Gleichnis von den bösen Weingärtnern (Mark. 12,1-12), em ZST 18, 1941, pp. 247-248. 16 FUCHS, E., Was wird in der Exegese des Neuen Testaments interpretiert? In Zur Frage nach dem historischen Jesus. Gesammelte Aufsätze, Tübingen, 1960, em THEISSEN, G. e MERZ, A., O Jesus Histórico, p. 346. “O autor Jesus está presente nas parábolas com sua autoridade (na forma de uma cristologia implícita). Ele faz suas palavras corresponderem à sua conduta. Os destinatários são de tal forma ‘modificados’ pelo evento lingüístico das parábolas que se abrem para a mensagem de Deus. Assim, as parábolas produzem nos próprios ouvintes as condições de seu entendimento (E. Fuchs)”.

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cristológico da mensagem, Fuchs e tantos outros renomados exegetas, que

decisivamente mantêm-se fiéis a este planejamento, criticam a concepção

lingüística de Jülicher sobre a parábola como forma dialógica argumentativa

universal. Esses autores na realidade buscam uma compreensão alternativa, onde

interpretam as parábolas a partir do evento-palavra, ou seja, evento lingüístico

dinâmico, em que a forma lingüística desenvolva com o conteúdo salvífico um só

corpo literário e a parábola passe a existir como linguagem característica do

próprio Jesus.

Nas últimas décadas, em outro grupo de exegetas, principalmente como J.

D. Crossan17, O. Via18, entre outros, a crítica à linha clássica Jülicher-Dodd-

Jeremias desemboca em conclusões de definição e significado inteiramente

diferentes. As parábolas são analisadas como obras literárias completas, que

possuem um objeto estético autônomo. Assim, criticam precisamente as teses

sobre o conteúdo escatológico-cristológico das parábolas, que as vincularia

demasiado as situações históricas, fazendo delas incapazes de falar ao homem de

hoje. Na parábola dos vinhateiros homicidas, essas linhas interpretativas são

aludidas, conforme Crossan19 e B. B. Scott20, que discutiram a respeito da

interpretação tardia da parábola, que se encontra nos evangelhos canônicos e até

mesmo, de acordo com Crossan, ao contrário do significado alegórico “planejado”

pela tradição21 canônica22.

17 CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, em JBL, Vol. 90, nº 4, 1971, pp. 451-465. 18 VIA, D. O., The Parables, pp. 73-93. 19 CROSSAN, J. D., op. cit., pp. 451-465. 20 Cf., THEISSEN, G. e MERZ, A., O Jesus Histórico, p. 347. “O efeito original de uma parábola deve ser redescoberto por meio de uma descontextualização radical, ou seja, pela desconsideração do contexto dos evangelhos e da história interpretativa, assim como pela análise literária das estruturas e relações na obra de arte lingüística. Só então encontramos, de acordo com B. B. Scott, a estrutura reguladora (‘originating structure’) da parábola que está na base das atualizações (‘performances’) individuais. As possibilidades de reação oferecidas aos receptores nessas estruturas básicas podem então ser reconstruídas pela consideração do contexto cultural, de modo que haja no fim uma espécie de re-contextualização”. Bernard Brandon Scott também observa a tendência rabínica na composição da parábola. 21 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 11. De acordo com Hubaut, a crítica moderna: “às vezes pronunciou uma dúvida radical sobre a fidelidade desta tradição, suspeitada de ser mais criadora que preocupada em transmitir a mensagem de Jesus com todo teor primitivo”. 22 Cf. HESTER, J. D., Socio-Rhetorical Criticism and the Parable of the Tenants, em JSNT 45, 1992, p. 33.

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Para o exegeta alemão W. Trilling23, os evangelhos sinóticos,

especialmente Marcos e Mateus, possuem diferenças acentuadas quanto à

parábola dos vinhateiros. Trilling observa que o desenvolvimento cristológico da

redação dos vinhateiros em Marcos é alterado nitidamente pelo redator de Mateus.

A tradição mateana valoriza o papel da comunidade, enquanto Igreja na sua

relação com o judaísmo. Por isso é desenvolvida uma ampliação profundamente

eclesiológica, que para Trilling corresponde bem melhor à instrução da parábola e,

que suscita perfeitamente a idéia do e;qnoj de Deus, conforme o canto da vinha de

Isaías 5,1-7. Desta forma, na percepção de Trilling, “Mateus não alegoriza a

parábola no sentido de novas interpretações”, assim como entenderam Jeremias24

e Lohmeyer25. Trilling pensa que a principal implicação, que pode ser percebido

nos vinhateiros, não são necessariamente os traços alegóricos isolados, mas na

importância da declaração essencial mateana da culpabilidade de Israel.

Numa perspectiva mais moderadora, U. Luz admite que se trata de uma

parábola de Jesus que continha certos traços alegóricos com a possibilidade de

que a parábola seja um produto da comunidade26.

U. Schnelle analisa que os elementos alegóricos dos vinhateiros,

claramente predominantes em Mateus, derivam de Marcos e “os adota nos

aspectos essenciais, mas abrevia um pouco o curso da ação, conferindo-lhe ao

mesmo tempo maior vivacidade e arredondando a linguagem”27. Por sua vez, R. J.

Dillon pondera os vinhateiros avaliando principalmente o interesse em uma

possível reconstrução da história do uso desta parábola na instrução e reflexão da

Igreja mateana28.

O debate suscitado por Jülicher se desenvolveu também em torno das

circunstâncias sócio-históricas que pressupõe a parábola29. E. Linnemann30 na sua

pesquisa, interpreta efetivamente a parábola dos vinhateiros homicidas, como um

23 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, pp. 90-91. 24 JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, pp. 72-83. 25 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 91. 26 Cf., LUZ, U., El Evangelio ségun san Mateo, Mt 18-25, p. 291. 27 SCHNELLE, U., Introdução à Exegese do Novo Testamento, 2004, p.141. Para U. Schnelle esses elementos alegóricos “pertencem ao acervo original da tradição, embora tenha havido tentativas de reconstruir, com base no texto de Marcos, uma forma original da narrativa sem traços alegóricos e, assim, uma parábola de Jesus”. 28 DILLON, R.J., Towards a Tradition-History of the Parables of the True Israel (Matthew 21,33-22,14), em Bib 47, 1966, p. 5. 29 LUZ, U., op. cit., pp. 291-292. 30 LINNEMANN, E., Jesus of the Parables, p. 22.

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ataque na intenção assassina das autoridades e inevitavelmente condena os

ouvintes por algum motivo específico.

Neste sentido afirmam de maneira categórica J. Newell e R.R. Newell31

que os vinhateiros homicidas não é uma parábola cristológica, mas uma parábola

que ataca os métodos do movimento Zelota do primeiro século. Em 1992 James

D. Hester publicou um artigo sobre a parábola dos vinhateiros homicidas, onde

argumenta sobre a importância do contexto histórico-social do primeiro século na

Palestina. No artigo Hester corretamente cita Isaías 5 como uma chave

interpretativa para entender a parábola dos vinhateiros32.

Desde Martin Hengel, algumas pesquisas têm evidenciado que a

condição árdua dos viticultores nos latifúndios poderia ser demonstrada de

forma concreta conforme se percebe na parábola dos vinhateiros. Recorrendo

a paralelos do mundo contemporâneo, essas pesquisas se esforçaram para

comprovar que a parábola reconstruída constitui um acontecimento plausível

que poderia ter acontecido de fato na Palestina.

No artigo de K.R. Snodgrass33 é demonstrado que a parábola dos

vinhateiros homicidas, na versão sinótica, está carregada de forte teor alegórico,

simplesmente para enfatizar a importância de Jesus no processo histórico-

salvífico. Ele a compara com o Evangelho de Tomé que é uma testemunha

independente34 e que contém uma redação mais simplificada, desta forma os

sinóticos, particularmente Mateus e Marcos alegorizaram a parábola

original35. É interessante observar que C. H. Dodd e J. Jeremias tinham

chegado a esta conclusão antes do Evangelho de Tomé ter sido descoberto36.

31 NEWELL, J. E., NEWELL, R. R., The Parable of the Wicked Tenants, p. 226.32 Cf., HESTER, J. D., Socio-Rhetorical Criticism and the Parable of the Tenants, p. 27. Hester supõe que uma determinada unidade retórica traz respostas de interpretação diferentes que dependem da audiência que interage, seja histórico e sociológico, como também fatores literários. 33 Cf., SNODGRASS, K.R., The Parable of the Wicked Husbandmen. Is the Gospel of Thomas Version the Original?, em NTS 21, 1975. p. 142. 34 Cf., HESTER, J. D., op. cit., p. 32. “A versão da parábola dos vinhateiros homicidas no Evangelho de Tomé não tem qualquer insinuação a Isaías 5,1-7”. 35 JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, pp. 68-91; MONTCFIORE, H., A Comparison of the Parables of the Gospel According to Thomas and of the Synoptic, em NTS, p. 236; CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, p. 451; e NEWELL, J. E. e NEWELL R.R., The Parable of the Wicked Tenants, p. 226. 36 DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, pp. 126-30; e JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, p. 74.

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Martin Hengel37 sugere que o Evangelho de Tomé tem uma tendência para

“des-alegorizar”.38.

Recentemente, Craig A. Evans em seu artigo “Jesus parable of the

tenants in light of lease agreements in antiquity” 39, caracterizou a parábola dos

vinhateiros homicidas como parte de uma confrontação entre Jesus e as

autoridades do Templo, uma grave acusação à liderança do Templo. J.

Drury40, entretanto analisa a parábola por uma outra perspectiva, argumentando

que, os autores do evangelho usaram as parábolas para atender simplesmente as

necessidades narrativas.

A confrontação da comunidade mateana com o judaísmo indica de maneira

efetiva, que a versão de Mateus dos vinhateiros homicidas representa um uso mais

antigo da tradição na Igreja. Para Léon-Dufour os vinhateiros contem alusões

claras a eventos do contexto do próprio Jesus e também da comunidade mateana,

que representa perfeitamente essa geração pós-pascal.

A narrativa possui uma linguagem relativamente próxima da comunidade

primitiva, que inevitavelmente deixou transparecer nos lábios de Jesus uma

alegoria tão intensa, afirma Léon-Dufour41. A parábola permanece, como estava

no nível mais antigo da tradição sinótica, uma aplicação da alegoria da vinha de

Yahweh em Isaías 5,1-742. Para M. Hubaut “é duvidoso que o sentido literal de

Isaías 5,1-7 determine obrigatoriamente a interpretação cristã da parábola”.43

De maneira conclusiva, podemos entender que a versão sinótica dos

vinhateiros apresenta a parábola como sendo originária de Jesus. Contudo, a

leitura cuidadosa comprova que não pode ter sido pronunciada por Jesus na sua

totalidade. É possível que tenha sido uma criação da comunidade mateana, que

diante de certas dificuldades desenvolve certas adaptações estilísticas na parábola

37 Cf. SNODGRASS, K.R., The Parable of the Wicked Husbandmen. Is the Gospel of Thomas Version the Original? p. 143. 38 Ibid., Wolfgang Schrage demonstrou através das versões cópticas que o Evangelho de Tomé é dependente da tradição canônica. 39 EVANS, C. A., ‘Jesus’ Parable of the Tenants in Light of Lease Agreements in Antiquity, em JSP 14, 1996, pp. 65-66.40 DRURY, J., Parables in the Gospels, 1985. 41 Cf., LEON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, 1962, p. 309. 42 Cf., DILLON, R.J., Towards a Tradition-History of the Parables of the True Israel (Matthew 21,33-22,14), p.18. 43 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 16. “Por outro lado, admita-se certa independência das perícopes em relação ao quadro redacional no qual são situadas, pensa-se que um cristão dos anos 80 deve ser sensível, sobretudo a polêmica contra o judaísmo como um todo, e provavelmente faz uma diferenciação entre o povo e seus chefes”.

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23

original. Portanto, a parábola dos vinhateiros homicidas, é possivelmente uma

versão alterada, modificada propositalmente pela comunidade cristã; isso se dá

principalmente na versão de Mateus, que intensamente ratificou suas

características eclesiológicas diante da confrontação da Igreja com o judaísmo.

Assim sendo, podemos concluir que de fato estamos diante de uma

parábola originalmente proveniente do próprio Jesus, mas que foi efetivamente

modificada pelo redator mateano, com o propósito de dá importância à declaração

fundamental da responsabilidade de Israel, que para ele é determinante para sua

proposta de apresentar a culpabilidade da liderança de Israel, que se dá pela sua

incapacidade de produzir devidamente seus frutos.

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2.2 O gênero literário de Isaías 5,1-7

Faz-se necessário verificar o gênero literário de Isaías 5,1-7 para podermos

definir com mais precisão a possível utilização do mesmo pelo redator da parábola

dos vinhateiros em Mt 21,33-46 e, somente a partir desses dados, veremos então

os pontos de conexão entre Isaías 5,1-7 e Mateus 21,33-46.

Para uma discussão do gênero literário de Isaías 5,1-7, os exegetas não são

uníssonos em suas conclusões. Durante um século de pesquisa, produziram-se

várias teorias sobre o gênero de Isaías 5,1-7 44. As diferentes propostas discutidas

foram na sua maioria sobre a definição de um gênero que melhor caracterizasse

esse estilo literário.

J.T. Willis lista diferentes tipos de soluções45 para o gênero literário de

Isaías 5,1-7, com fortes argumentos contra as várias interpretações, tais como: (1)

uma polêmica satírica contra cultos de fertilidade palestinos; (2) um cântico do

profeta; (3) um cântico do profeta que expressa condolência pelo seu amigo, que é

Deus; (4) um cântico do amor de uma noiva; (5) um cântico do amigo do noivo;

(6) um processo ou acusação; (7) uma fábula, e (8) uma alegoria. A proposta de

Willis é classificar o tipo literário desta perícope como uma parábola, e descrever

seus conteúdos como uma canção parabólica de um vinhateiro desapontado.

Assim ele define o gênero literário após uma discussão das propostas listadas.

Porém, houve diversas críticas à solução apresentada por Willis. Como a de G.A.

Yee, que em seu artigo discuti a posição de Willis.

Para Yee, o texto de Isa 5,1-7 possui duas formas literárias: uma canção e

uma parábola jurídica; ambos têm semelhanças “formais e funcionais”. Ele sugere

que o cântico da vinha seja estudado levando em conta os aspectos formais de

uma canção do AT, principalmente Deuteronômio 32 que contém um processo46.

“Dentro da estrutura global de um cântico o elemento parabólico opera com a

finalidade de provocar nos próprios ouvintes um julgamento”. Desta forma Yee

44 Cf., WILLIS, J.T., The Genre of Isaiah 5, 1-7, em JBL 96, 1977, p. 337. Willis mostra em seu artigo as várias posições que foram propostas sobre este assunto, ele avalia os argumentos em defesa de cada posição, defende uma visão que pareça mais natural de acordo com o assunto, e faz algumas observações gerais com respeito a problemas metodológicos determinando o gênero literário desta perícope. 45 Cf., WILLIS, J.T., op. cit., 1977, pp. 337-362. 46 YEE, G.A., A Form-Critical Study of Isaiah 5,1-7 as a Song and a Juridical Parable, em CBQ 43, 1981, p. 31.

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25

percebe no cântico da vinha de Isaías 5,1-7 um aspecto funcional com objetivo de

condenar sua audiência47, ou seja, tratar-se-ia de uma parábola jurídica.

U. Simon48 define perfeitamente esse gênero proposto por Yee e mostra

que “a característica principal de uma parábola jurídica é assim seu chamariz

intencional que provoca o ouvinte para se autocondenar”. Para fundamentar sua

hipótese, Simon lista cinco exemplos no Antigo Testamento de parábolas

jurídicas: 2 Sm 12,1-1449;14,1-2050;1 Rs 20,35-4351; Jr 3,1-552 e finalmente Is

5,1-7.

Assim também A. Graffy53, G.T. Sheppard54, C.A. Evans55 e W. J. C.

Weren56 e tantos outros exegetas propõem que o estilo literário de Isaías 5,1-7

pertença ao gênero de uma autêntica parábola jurídica.

Portanto, a solução apresentada para o gênero literário de Isaías 5,1-7

como parábola jurídica parece melhor corresponder ao aspecto literário dessa

perícope. Percebemos que no verso 3 o cântico é transformado em uma queixa e

contém uma solicitação ao público “moradores de Jerusalém e homens de Judá”

para atuarem como verdadeiros juízes entre o dono da vinha e a sua vinha. A

dinâmica do texto mostra que os judeus são induzidos a acreditar, através da

parábola apresentada, que a vinha é Israel, contudo, se percebe que Judá é de fato

o legítimo transgressor. O propósito desta manobra legal é levar os ouvintes a sua

própria condenação, onde é demonstrado que o acusado não produziu os frutos

esperados (v.7), frustrando assim as expectativas do dono da vinha; apesar de todo

investimento (v.2), porém a condenação é inevitável (v.5-6).

47 YEE, G.A., A Form-Critical Study of Isaiah 5,1-7 as a Song and a Juridical Parable, p. 40. Essa é a conclusão que chega Yee. 48 SIMON, U., The Poor Man's Ewe -Lamb: An Example of a Juridical Parable, em Bib 48, 1967, p. 220. 49 A parábola de Natã que tem como objetivo repreender Davi, que faz sua própria acusação. 50 Joab negocia a volta de Absalão. Como fizera Natã (12,1s), Joab, simulando um caso de justiça, levou o rei a pronunciar-se. 51 Um profeta condena a atitude do rei Acab. 52 Poema sobre conversão. 53 GRAFFY, A., The Literary Genre of Isaiah 5,1-7, em Biblica 60, 1979, p. 400. 54 SHEPPARD, G.T., More on Isaiah 5,1-7 as a Juridical Parable, em CBQ 44, 1982, p. 45. 55 EVANS, C.A., On the Vineyard Parables of Isaiah 5 and Mark, 12, em BZ 28, 1984, p. 82. 56 WEREN W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), em Biblica 79, 1998, p. 3.

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26

2.3 Os pontos de conexão de Isaías 5, 1-7 nos vinhateiros homicidas

Percebemos vários pontos distintos na conexão de Isaías 5,1-7 que farão

ressonância com a parábola dos vinhateiros homicidas (Marcos 12,1-12 // Mateus

21,33-46). Esses pontos de conexão nos ajudarão a entender toda nuance literária

do redator dos vinhateiros homicidas em Mateus 21,33-46. Avaliaremos tanto no

texto hebraico como também na versão da Septuaginta.

J. S. Kloppenborg em seu artigo57, analisa de maneira criteriosa se a

parábola dos vinhateiros homicidas foi formulada com o texto hebraico de Isaías

5,1-7 e se de fato deriva do Jesus histórico, ou se usou a Septuaginta e se trata de

uma criação cristã tardia colocada nos lábios de Jesus. Ele argumenta que a

parábola dos vinhateiros, na versão sinótica de Marcos e Mateus, concorda com a

Septuaginta, mas nunca com o texto Massorético. Kloppenborg conclui afirmando

que o Jesus histórico falou principalmente em aramaico ou hebraico e se a

parábola dos vinhateiros homicidas for autêntica, parece duvidoso que a parábola

original faça uma insinuação explícita a Isaías 5, sendo assim, as alusões que

aparecem no texto de Marcos são da versão grega58.

A combinação dos vocábulos da Septuaginta que aparece em Marcos 12,1

e a falta dos mesmos no Texto hebraico fazem a conclusão de Kloppenborg

altamente interessante, isto é, que Marcos depende tão somente da Septuaginta.

No entanto, Wim J.C. Weren59 em seu artigo defende que a parábola não só foi

influenciada pela Septuaginta, mas também pelo Texto hebraico. As conexões

com Isaías 5,1-7, não são somente o resultado de um desenvolvimento posterior.

Este seria o caso se fosse só a Septuaginta que teria deixado rastros na parábola

dos vinhateiros60. Marcos compartilha com o Texto hebraico nas referências a

57 KLOPPENBORG, J. S., Egyptian Viticultural Practices and the Citation of Isa 5:1-7 in Mark 12:1-9, em NovT 44, no. 1, 2002, pp. 35-36.58 EVANS, C. A., How Septuagintal Is Isa. 5:1-7 In Mark 12:1-9?, em NovT 45, 2003, p. 106. Averiguando o caráter semítico dos elementos tirados de Isaías 5,1-7, Evans verifica que necessariamente não provam a sua originalidade na parábola dos vinhateiros, nem necessariamente provam que a parábola deriva do próprio Jesus. Afinal de contas, afirma Evans, os primeiros cristãos judeus falavam o aramaico que da mesma maneira embelezaram a parábola com elementos semíticos como os judeus de fala grega um pouco depois ou os cristãos não judeus que poderiam ter embelezado a parábola com palavras e frases da Septuaginta. 59 WEREN W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 26. 60 WEREN W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants, p. 26.

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Isaías e que já faziam parte da tradição e provavelmente já formou parte da

parábola quando foi falado pelo próprio Jesus. Assim também pensa Snodgrass61,

que defende uma posição mais intermediária. Ele sugere que há alguns pontos em

concordância com o Texto hebraico que estão ausentes na Septuaginta.

O primeiro ponto de conexão de Isaías 5,1-7 está precisamente no v. 2,

que influenciará a parábola dos vinhateiros homicidas (Marcos 12,1 // Mateus

21,33).

C. A. Evans62 analisa os elementos de Isaías 5,1-7 que influenciam os

vinhateiros. Há exegetas63 que percebem essa influência como sendo puramente

da versão da Septuaginta e, que nesses elementos não há qualquer relação com o

Texto hebraico. Evans, contudo verifica, de fato, uma influência da Septuaginta;

porém para ele há uma forte relação também com o Texto massorético, ou seja,

elementos que não provém da Septuaginta. Além disso, Evans vê pontos

importantes de coerência com tradições de textos interpretativos judaicos, como o

Targum de Jônatas e pontos que foram preservados em 4Q500. Sabemos que o Texto

hebraico forma o ponto de partida de um processo longo de interpretação. Dentro

desse processo a versão da Septuaginta representa um momento relativamente

independente. Nela acondicionam-se elementos do Texto hebraico que é copiado,

mas vários outros são alterados. Assim, em Mateus, poderemos perceber essa

possível alteração que o redator fez.

Evans mostra em seu artigo uma análise desses vocábulos gregos em

Marcos 12,1 // Mateus 21,33 e percebe que os verbos evfu,teusen64 “plantou”,

w;ruxen65 “cavou”, e wv|kodo,mhsen66 “construiu” concordam respectivamente com o

61 SNODGRASS, The Parable of the Wicked Tenants, Is the Gospel of Thomas Version the Original? p. 47. 62 EVANS, C. A., How Septuagintal Is Isa. 5:1-7 In Mark 12:1-9?, p. 107. 63 Entre esses exegetas, Evans critica a análise que J. S. Kloppenborg faz sobre essa temática. Para Kloppenborg a influência de Isaías 5,2 é puramente da versão da Septuaginta. Cf., op. cit., pp. 107-108. 64Cf., Low-Nida, “futeu,w” in Greek-English lexicon of the New Testament, Bible Work 6.0: “futeu,w: plantar, usado principalmente em relação: as videiras, arbustos e árvores”. 65 Cf., Friberg, “w;ruxa” in Analytical greek lexicon, Bible Work 6.0: ovru,ssw 1aor. w;ruxa; fazer um buraco na escavação do chão, ou na rocha. Low-Nida, “ovru,ssw” in Greek-English lexicon of the New Testament, Bible Work 6.0: ovru,ssw; ska,ptwa fazer um buraco no chão e remover a terra com instrumentos precisos e bem afiados (por exemplo, um picareta ou pá) – “cavar, escavar”; “ovru,ssw: evfu,teusen avmpelw/na ... kai. w;ruxen evn auvtw|/ lhno,n” “plantou uma vinha [...] e, cavou nela um lagar” Mt 21,33. ska,ptw: “e;skayen kai. evba,qunen kai. e;qhken qeme,lion evpi. th.n pe,tran”: “e cavou, e abriu bem fundo, e pôs os alicerces sobre a rocha”, Lc 6, 48.

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hebraico na terceira pessoa do singular do verbos [j;n" “plantar”, qz:[' “cavar” e

hn"B' “construir”. Para J. S. Kloppenborg esses verbos tirados de Isaías 5,2 são

totalmente irrelevantes ao enredo dos vinhateiros, tratam-se de meros detalhes.

“Que o dono plantou (evfu,teusen) uma vinha construiu (wv|kodo,mhsen) uma torre,

não tem nenhum valor real no enredo ou no resultado na história dos vinhateiros”,

conclui Kloppenborg67. Em parte, diríamos que Kloppenborg tem razão, mas se

observarmos a redação dos vinhateiros, no que tange a sua aplicação na forma

jurídica paradigmática, o redator desejou ambientar a parábola levando em

consideração o enredo original do cântico da vinha. Ele cria um ambiente

favorável a sua audiência, que entenderia perfeitamente o propósito da parábola.

Aliás, ele usa Marcos como a única fonte da sua perícope e desenvolve outros

elementos que lhes serão importantes. As modificações que Mateus fez no texto

de Marcos se podem entender facilmente como características estilísticas e

adaptação à Septuaginta. O uso de Isaías 5,1-7 é em parte determinado pelos

elementos que já estavam disponíveis na fonte (versão de Marcos). Portanto,

percebemos a importância que os verbos [j;n" “plantar”, qz:[' “cavar” e hn"B'

“construir” terão em ressonância com os verbos evfu,teusen “plantou”, w;ruxen

“cercou”, e wv|kodo,mhsen “construiu” na redação de Mateus.

Além dos verbos correlacionados, a questão principal que aparece na

introdução dos vinhateiros é a suposta adição de fragmo.n perie,qhken “(uma)

cerca colocou em volta”, de acordo com Isaías 5,2 na versão da Septuaginta que

aparece fragmo.n perie,qhka68. Mateus e Marcos, ausentes em Lucas e o

evangelho de Tomé, inserem depois da plantação da vinha: fragmo.n

perie,qhken - “(uma) cerca colocou em volta”, que está faltando no Texto

66Cf., Thayer “oivkodome,w” in Thayer’s greek lexicon, Bible Work 6.0: oivkodomw/: 1 aorist wv|kodo,mhsa (ovikodo,mhsa Tr WH in Acts 7:47; see Tdf. at the passage; Proleg., p. 120; WH's Appendix, p. 161; Lob. ad Phryn., p. 153; Winer's Grammar, sec. 12, 4; Buttmann, 34 (30)); from Herodotus down; the Septuagint for hn"B'; to build a house. erect a building; a. properly, a. to build (up from the foundation): absolutely, Luke 11:48 G T WH Tr text 14:30; 17:28; oi oivkodomou/ntej, a substantive, the builders (cf. Winer's Grammar, sec. 45,7; Buttmann, sec. 144,11), Matt. 21:42; Mark 12:10; Luke 20:17. Low-Nida, “oivkodome,w” in Greek-English lexicon of the New Testament, Bible Work 6.0: oivkodome,w: fazer ou erguer qualquer construção, “construir”. 67 KLOPPENBORG, J. S., Egyptian Viticultural Practices and the Citation of Isa 5:1-7 in Mark 12:1-9, p. 60.

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massorético. “Estes detalhes são imateriais ao resto da história”, afirma J. A.

T. Robinson69.

A insinuação precisa de Isaías 5,2 na parábola dos vinhateiros: evfu,teusen avmpelw/na kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken kai. w;ruxen evn auvtw/| lhno.n kai.

wv|kodo,mhsen pu,rgon, era considerado pela maioria dos exegetas como parte certa

da versão da Septuaginta e portanto indubitavelmente secundário na formulação

dos vinhateiros homicidas.

A parábola começa por uma citação, implícita, mas nítida do “canto da

vinha” de Isaías (v. 2). De acordo com J. D. Crossan70 a estrutura literária da

vinha na parábola dos vinhateiros está evidentemente baseada em Isaías 5,1-7. O

mesmo pensa G. V. Jones71, que considera as insinuações de Isaías e o tema de

castigo como original na parábola dos vinhateiros. Para M. Hubaut “[...] a citação

de Isaías 5,1-7 é útil para evocar os temas que surgem nos vinhateiros, mas é

duvidoso que o sentido literal de Isaías, 1-7 determine obrigatoriamente a

interpretação cristã da parábola”72.

O segundo ponto de conexão é que em Mateus foi preservada a natureza

jurídica da parábola conforme encontramos em Isaías 5,1-7.

W. J. C. Weren73 percebe isso a partir da pergunta de Jesus para seus

ouvintes no verso 40b ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noijÈ e a resposta kakou.j

kakw/j avpole,sei auvtou.j (41) em um tom profético, de acordo com W. Trilling74.

Os ouvintes interpretam a parábola como uma história que reflete o próprio

conflito deles com Jesus75.

Esse conflito pode ser percebido com toda clareza na repreensão em Mateus

21,43, onde é verificado o uso do verbo poie,w: kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j

karpou.j auvth/jÅ “e será dado a um povo que dê (produza) os seus frutos”. É o

68 Portanto, Mateus apresenta “evfu,teusen avmpelw/na kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken kai. w;ruxen evn auvtw/| lhno.n kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon” como acomodações (fragmo.n perie,qhken) com a versão da Septuaginta (fragmo.n perie,qhka). 69 ROBINSON, J.A.T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic Relationships, em NTS 21, 1974-75, p. 445. 70 CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, p. 452. 71 JONES, G. V. The Art and Truth of the Parables, p. 91. 72 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 16. 73 WEREN W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 13. 74 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 78.

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resultado da ressonância com a reclamação do dono da vinha em Isaías 5,2.476,

que aparece com freqüência o verbo hf'[' (produzir), duas vezes na parte final do

verso 2: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w: “e esperava que desse (produzisse)

uvas boas, porém deu (produziu) uvas bravas”.

O redator valoriza ainda mais o verbo hf'[', que aparece, mais duas vezes,

no final do v. 4: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; ytiyWE±qi [:WDôm; “Por que, esperando eu

que desse (produzisse) uvas boas, veio a dar (produzir) uvas bravas?”

Portanto, a solução apresentada mostra que o redator mateano compartilha

com o Texto hebraico nas referências a Isaías e que talvez já faziam parte da

tradição e provavelmente já se desenvolveu parte da parábola quando foi

discorrida pelo próprio Jesus. Assim concluirmos que há pontos em acedência

com o Texto hebraico que estão ausentes na Septuaginta. Mas, há referências

claras à versão da Septuaginta, como na combinação dos vocábulos gregos que

aparecem em Marcos 12,1 // Mateus 21,33 e a falta dos mesmos no Texto

hebraico de Isaías 5,2, que não podem ser desconsiderados. Portanto, entendemos

que nos vinhateiros há fortes conexões com Isaías no Texto hebraico como

também na versão da Septuaginta. Tanto na introdução de Isaías 5,2 repercutindo

com Mateus 21,33, no uso dos vocábulos; como também na natureza jurídica de

Isaías 5,1-7 refletida em Mateus 21,33-46.

75 WEREN W. J. C. op. cit., p. 13. 76 Em Isaías, a imagem da vinha recorre a Israel (Isaías 5,7), ou mais precisamente, para a população de Judá e os habitantes de Jerusalém (Isaías 5,3). Em Mateus, esta imagem é mais difícil de decodificar. Se nós justapomos Mt 21,41 (kai. to.n avmpelw/na evkdw,setai a;lloij gewrgoi/j) e 21,43 (h basilei,a tou/ qeou/ kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j), a conclusão emerge que a vinha representa o reino de Deus, mas o resto de 21,43 doqh,setai e;qnei fala de um e;qnoj que produza frutos. Faz uma conexão íntima assim entre e;qnoj e a vinha da parábola.

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2.4 Hipótese de Pesquisa

A partir dos resultados dos estudos dos exegetas, verificamos que a

questão que nos dispomos a estudar não é tão simples assim, pois as

interpretações nem sempre assinalam para um mesmo fim. Ao indicar a hipótese

de nossa investigação, parece oportuno posicionar-nos diante da contribuição dos

diversos exegetas e, indicando o caminho que pretendemos esclarecer no

transcorrer de nossa dissertação.

A partir dessas considerações, e da variedade de resultados elencados no

status quaestionis, que tematizam a questão da intertextualidade de Isaías 5,1-7 na

parábola dos vinhateiros homicidas em Mateus 21,33-46 (// Marcos 12,1-12),

podemos apresentar com clareza a hipótese de nosso trabalho, dividindo-a em 3

partes:

a) Há de fato pontos de contato entre Isaías e em Mateus 21,33-46? Se há,

como esses pontos foram trabalhados pelo redator do evangelho de Mateus?

Conseqüentemente investigaremos se essas possíveis ressonâncias seriam

resultados de sua compilação somente ou tratar-se-iam de mudanças introduzidas

pelo redator?

b) A repreensão em Mateus 21,43 que o rendimento esperado não se

concretizou, tem ligações com a reclamação do dono da vinha em Isaías 5,2.4? A

essência jurídica de Isaías 5,1-7 com a denúncia apontada para laer'f.yI tyBeä, é

possível que agora seja direcionada aos oponentes de Jesus, em Mateus 21,33-46?

Esta oposição em Mateus é encabeçada pelos chefes dos sacerdotes e os fariseus,

que não atendiam ao ideal moral formulados em 21,43 “poiou/nti tou.j karpou.j”, e

conseqüentemente a culpabilidade de Israel e a perda da basilei,a em conexão

com a perspectiva do e;qnoj de Mateus 21, 43 refletiria, possivelmente, o v.7 de

Isaías 5?

c) A intuição fundamental da nossa hipótese consiste em procurar

demonstrar que em Mateus foi preservada a natureza jurídica paradigmática da

parábola, conforme encontramos em Isaías 5,1-7 a partir das ressonâncias

presentes na parábola dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46.

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A hipótese retrata, por conseguinte, o título desta dissertação: A parábola

dos vinhateiros homicidas de Mateus 21,33-46 à luz das ressonâncias de Isaías

5,1-7.

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33

3 O Texto de Mateus 21,33-46, sua delimitação, estrutura e sinopse 3.1 Texto de Mateus 21,33-4677

33 :Allhn parabolh.n avkou,sateÅ a;nqrwpoj h=n oivkodespo,thj o[stij

evfu,teusen avmpelw/na kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken kai. w;ruxen evn auvtw/|

lhno.n kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon kai. evxe,deto auvto.n gewrgoi/j kai.

avpedh,mhsenÅ 34 o[te de. h;ggisen o` kairo.j tw/n karpw/n( avpe,steilen tou.j dou,louj auvtou/

pro.j tou.j gewrgou.j labei/n tou.j karpou.j auvtou/Å 35 kai. labo,ntej oi` gewrgoi. tou.j dou,louj auvtou/ o]n me.n e;deiran( o]n de.

avpe,kteinan( o]n de. evliqobo,lhsanÅ 36 pa,lin avpe,steilen a;llouj dou,louj plei,onaj tw/n prw,twn( kai. evpoi,hsan

auvtoi/j w`sau,twjÅ 37 u[steron de. avpe,steilen pro.j auvtou.j to.n ui`o.n auvtou/ le,gwn\

evntraph,sontai to.n ui`o,n mouÅ 38 oi` de. gewrgoi. ivdo,ntej to.n ui`o.n ei=pon evn e`autoi/j\ ou-to,j evstin o`

klhrono,moj\ deu/te avpoktei,nwmen auvto.n kai. scw/men th.n klhronomi,an

auvtou/( 39 kai. labo,ntej auvto.n evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj kai. avpe,kteinanÅ 40 o[tan ou=n e;lqh| o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj( ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j

evkei,noijÈ 41 le,gousin auvtw/|\ kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j kai. to.n avmpelw/na

evkdw,setai a;lloij gewrgoi/j( oi[tinej avpodw,sousin auvtw/| tou.j karpou.j evn

toi/j kairoi/j auvtw/nÅ 42 Le,gei auvtoi/j o` VIhsou/j\ ouvde,pote avne,gnwte evn tai/j grafai/j\ li,qon o]n

avpedoki,masan oi` oivkodomou/ntej( ou-toj evgenh,qh eivj kefalh.n gwni,aj\ para.

kuri,ou evge,neto au[th kai. e;stin qaumasth. evn ovfqalmoi/j h`mw/nÈ

77 NESTLÉ-ALAND, novum Testamentum Graece, 27ª edição, 1998.

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34

43 dia. tou/to le,gw u`mi/n o[ti avrqh,setai avfV u`mw/n h` basilei,a tou/ qeou/ kai.

doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/jÅ 44 Îkai. o` pesw.n evpi. to.n li,qon tou/ton sunqlasqh,setai\ evfV o]n dV a'n pe,sh|

likmh,sei auvto,nÅÐ 45 Kai. avkou,santej oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi ta.j parabola.j auvtou/

e;gnwsan o[ti peri. auvtw/n le,gei\ 46 kai. zhtou/ntej auvto.n krath/sai evfobh,qhsan tou.j o;clouj( evpei. eivj

profh,thn auvto.n ei=conÅ

3.2 Observações sobre as variantes em Mateus 21,33-46

A transmissão do texto de Mateus 21,33-46 não oferece problemas

significativos quanto ao seu aparato crítico. As principais variantes apresentadas

são as seguintes:

No v. 36, o advérbio palin é construído com diversas partículas,

resultando em várias leituras alternativas: kai palin (e de novo) é testemunhado

pelo códice Sinaítico - a* e pela versão siríaca Peshita - syp; palin oun (de novo

portanto) é testemunhado pelo códice Bezae - D e palin de (de novo porém) é

testemunhado pelo manuscrito minúsculo 579 d. Essas variantes promovem

apenas uma mudança estilística, sem provocar efetivamente qualquer alteração de

conteúdo. Não obstante, é preferível manter o advérbio palin sem a presença de

partículas.

No v. 38, o verbo scw/men (1ª pessoa do plural do subjuntivo aoristo ativo

do verbo e;cw) sofre alteração no final da frase: “e tenhamos a sua herança”. Esta

alteração é a seguinte: katascwmen, do verbo katecw (reter, conter, deter, etc): “e

retenhamos a sua herança”. Esta variante apenas enfatiza a ação dos vinhateiros.

Mostra que a intenção deles é somente a herança. A conservação do verbo scw/men

atende melhor ao sentido do texto.

O v.39: kai. labo,ntej auvto.n evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj kai. avpe,kteinanÅ

“o lançaram fora da vinha, e o mataram”. A variante assinalada trata da inversão

de palavras. A ordem das palavras encontra-se invertida para auvto.n avpe,kteinan

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35

kai. evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj, “o mataram e lançaram fora da vinha” (de

acordo com o aparato crítico da The Greek New Testament, 4ª edição) nos

seguintes manuscritos: nos minúsculos 1, 7, 6, 2-5, no maiúsculo (D) e a Vetus

latina; com maiúsculo L; é possível conferir outras leituras alternativas nos

seguintes manuscritos: nos minúsculos: 7, 1, 6, 2-5 e no maiúsculo Θ; e o

testemunho do pai da Igreja Irineu na versão armênia. A tentativa é de harmonizar

com o texto paralelo do Evangelho de Marcos 12,8 (kai. labo,ntej avpe,kteinan

auvto.n kai. evxe,balon auvto.n e;xw tou/ avmpelw/noj).

O texto ocidental (D, Θ, vetus latina, Irineu) foi assimilado à seqüência de

Marcos, onde o filho é morto e então lançado fora da vinha (Marcos 12,8). Mateus

(21,39) e Lucas (20,15), refletindo o fato que Jesus fora crucificado fora da cidade

(João 19,17.20; Hb 13,12s) alteram a ordem e, deste modo, a expulsão passa a

existir antes da matança78. Os sinóticos concordam na motivação do assassinato

do filho. A única alteração expressiva nos pormenores da morte está, portanto, na

intensificação da alegoria. A leitura proposta pelo GNT, sendo precedida pela

sigla {A} no aparato crítico, atesta que a leitura é original. Sendo assim, é

preferível manter o verso 39, pois atende perfeitamente a intenção do redator

mateano, já que Marcos mostra que os vinhateiros ao assassinarem o filho lançam

o corpo insepulto fora da vinha, mas Mateus e Lucas, independentemente de

Marcos, apresentam a alegoria, possivelmente mais de acordo com a realidade,

onde o filho foi lançado para fora da vinha e então foi morto, assim como Jesus

foi crucificado fora da cidade de Jerusalém79.

v.44: Îkai. o` pesw.n evpi. to.n li,qon tou/ton sunqlasqh,setai\ evfV o]n dV a'n

pe,sh| likmh,sei auvto,nÅÐ

O versículo 44 é omitido em diversas testemunhas. Muitos exegetas

modernos analisam, efetivamente, o versículo como uma antiga interpolação,

levando-se em consideração o paralelo de Lucas 20,18. Porém, um lugar que

corresponda mais adequadamente sua inclusão seria após o verso 42, ainda que o

nexo com o verso 43 seja bastante fraco e a idéia do verso 42 tampouco é

equivalente. Possivelmente sua supressão possa ser elucidada, considerando que,

78 METZGER, B.M., A textual commentary on the Greek New Testament, New York, United Bible societies, 1975. 79 DRURY, J., The Sower, lhe Vineyard, and the Place of Allegory in the Interpretation of Mark's Parables, em JTS, 24, 1973, p. 372.

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36

o olho do copista passou de auvth/j (v.43) para auvto,n. “Apesar de considerar o

versículo um acréscimo ao texto, devido à sua antiguidade e importância na

tradição textual, a comissão (GNT) resolveu retê-lo no texto, dentro de colchetes

duplos”. Sendo assim, os editores apresentaram, precedido pela sigla {C}, o que

mostra que sua originalidade está sujeita a um apreciável grau de dúvida.

3.2.1 Tradução de Mateus 21,33-46

33 Escutai outra parábola. Havia um homem, dono de casa que plantou uma vinha, e uma cerca colocou em volta, e cavou nela um lagar e construiu uma torre e arrendou-a a lavradores, e se ausentou em viajem. 34 Quando, porém, se aproximou o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores para receber seus frutos. 35 E tomando os servos, os lavradores espancaram a um, mataram a outro, a outro apedrejaram. 36 De novo enviou outros servos em maior número que os primeiros, e fizeram-lhes o mesmo. 37 Depois, porém, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito a meu filho. 38 Porém, os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro: vinde, matemo-lo e tenhamos a sua herança. 39 E tendo tomado o lançaram fora da vinha, e o mataram. 40 Quando, portanto, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? 41 Dizem-lhe: Sendo maus, de modo mau os destruirá, e a vinha arrendará a outros lavradores, tais que pagarão a ele os frutos no tempo devido. 42 Jesus lhes diz: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que rejeitaram os edificadores esta se tornou por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto e é maravilhoso aos nossos olhos? 43 Por isso vos digo que será tirado de vós o Reino de Deus e será dado a um povo que produza seus frutos. 44 [E o que caiu sobre essa pedra ficará espedaçado; sobre quem ela cair, o esmagará]. 45 E tendo ouvido os sacerdotes principais e os fariseus as suas parábolas conheceram que fala a respeito deles. 46 E buscando-o agarrar, temeram as multidões, visto que por profeta o tinham.

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37

3.3 Delimitação e estrutura de Mateus 21,33-46

A delimitação da parábola dos vinhateiros em Mateus 21,33-46, no início e

no final da narrativa é relativamente simples, já que a estrutura do texto e sua

segmentação são indiscutivelmente precisas. Porém, mostra-se uma condição sine

qua non na interpretação, já que o próprio texto de Mateus 21,33-46,

possivelmente deixa vislumbrar algumas fases no seu processo redacional,

comparando com a sua fonte principal.

3.3.1 Delimitação

A análise da construção de texto mostra que Mateus 21,33-46 pode ser

visto como unidade literária. O texto está bem construído e sua unidade literária

pode ser nitidamente assinalada. É uma perícope bem delimitada.

A construção narrativa da perícope precedente dos dois filhos (Mateus

21,28-32) tem o seu momento conclusivo no verso 32. Encontramos nessa

conclusão (Mateus 21,33) uma breve aplicação, conectando-se diretamente com a

disputa anterior de Jesus com os sumos sacerdotes e anciãos (Mateus 21,23-27),

quando a sua autoridade é questionada80.

O verso 33 introduz a unidade com um breve anúncio :Allhn parabolh.n

avkou,sateÅ O uso do verbo avkou,w na forma imperativa do aoristo ativo supõe a

presença de pessoas (2ª pessoa do plural) já conhecidas pelo leitor ou ouvinte.

Portanto, a narrativa da parábola dos vinhateiros homicidas destaca-se da

precedente parábola dos dois filhos (Mateus 21,28-32) pelo início de uma nova

narrativa (a;lloj). A perícope aparece em forma de parábola (:Allhn parabolh.n).

A unidade termina com o v. 46. O versículo 1 do capítulo 22 Kai.

avpokriqei.j o` VIhsou/j pa,lin ei=pen evn parabolai/j auvtoi/j le,gwn\ introduz uma

nova unidade (22,1-14), mostrando um novo enfoque, explicitado pelo uso do

80 Cf., GOURGUES, M., As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus, p. 132. Gourgues delimita a perícope 21,28-32, observando a introdução do verso 28, por uma pergunta de Jesus (“que vos parece?”) e sua conclusão no verso 33.

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38

advérbio pa,lin. O verso 1, portanto introdutório, conecta a parábola com o

versículo anterior, 46.

3.3.2 Estrutura de Mateus 21,33- 46 dentro do seu contexto imediato

A parábola dos vinhateiros homicidas faz parte de uma seção homogênea

arranjada por mais duas parábolas: a parábola do dois filhos e o banquete nupcial.

Essa seção retrata o ministério de Jesus em Jerusalém, marcado pelo redator

mateano por um intenso conflito com as autoridades judaicas81. A parábola dos

vinhateiros homicidas, dentro desse contexto de conflito, contesta de modo

subentendido a pergunta sobre a autoridade de Jesus (Mateus 21,23). Portanto, no

seu contexto, Mateus harmoniza a parábola dos vinhateiros da seguinte maneira: a

conclusão da parábola dos dois filhos (Mateus 21,28-32) está unido à pergunta de

Jesus sobre o batismo de João (21,25) e a parábola do banquete nupcial (22,1-14).

A redação de Mateus mostra, através dessa nova série de três parábolas dois

importantes temas: a culpabilidade judaica e a vocação dos gentios.

De acordo com R. J. Dillon, Mateus 21,33 – 22,14 é um complexo único

que provavelmente trata-se de uma reconstrução da história do uso destas

parábolas na “instrução e reflexão da Igreja mateana e que era originalmente

usado em textos separados, mas chegaram a ser associados para o uso da

comunidade para a assimilação do livro de Mateus” 82. Dillon verifica que uma

leitura dos cc. 21 - 23 de Mateus revela que estamos no “centro do caso mateano

contra o Judaísmo”. Os alcances polêmicos seu clímax nas “aflições” contra os

fariseus no c. 23, onde a lamentação contra Jerusalém (23,37-39), o qual Mateus

recebeu substancialmente da tradição Q, não só o serve como um clímax para as

“aflições”, mas para o desenvolvimento da polêmica de 21,23 em diante. Parece

que as três parábolas dos cc. 21 - 22 serviram ao redator como ilustrações para o

seu objetivo.

81 ROBINSON, J. A. T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic Relationships, p. 444. 82 DILLON, R.J., Towards a Tradition-History of the Parables of the True Israel (Matthew 21,33-22,14), pp. 5-6.

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39

Podemos ressaltar que dentro desse contexto há uma forte inter-relação.

Analisando as três parábolas, observamos que na primeira e na segunda o narrador

estabelece uma pergunta a seus oponentes (21,31a: ti,j evk tw/n du,o evpoi,hsen to.

qe,lhma tou/ patro,jÈ 21, 40: ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noijÈ). Seus opositores

articulam-se de maneira condenatória (21,31b.41), concebe aqui a forma jurídica

paradigmática. As introduções de 21,33a (:Allhn parabolh.n) e em seguida 22,1

(pa,lin) mostram-se inteiramente interdependentes.

Toda essa seção refere-se aos principais dirigentes judeus e é caracterizado

pela promulgação da sua inevitável condenação. A parábola dos dois filhos

determina seu principal foco no “não” a João Batista (21,28-32). A parábola dos

vinhateiros trata da fatalidade dos profetas em Israel e também do destino final do

Filho, Jesus (21,33-41). Por sua vez o banquete nupcial retrata o presente, que

pode ser observado pelo envio dos missionários cristãos a Israel, e estende o

cenário da missão pagã (22,2-14). Desta forma, ambas as parábolas alargam o seu

objeto intencional a toda história da salvação. De maneira mais específica,

podemos fazer a seguinte relação: a parábola dos dois filhos indica

categoricamente a indiferença dos destinatários no caminho da basilei,an tou/ qeou/

(21,31). Enquanto nos vinhateiros, numa leitura mais atenta, dá a entender que os

destinatários perdem a prerrogativa do reino “avrqh,setai avfV u`mw/n h` basilei,a tou/

qeou/” (21,43) e serão destruídos “kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j” (21,41). A

parábola do banquete nupcial mostra de maneira surpreendente a inevitável

destruição da cidade de Jerusalém (22,7). Conseqüentemente temos nessa seção,

começando com a primeira parábola, uma tímida insinuação aos dirigentes de

Israel “oi` telw/nai kai. ai` po,rnai proa,gousin u`ma/j eivj th.n basilei,an tou/ qeou/”

(21,31s). Já a parábola dos vinhateiros declara nitidamente o futuro de um e;qnoj

“doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/jÅ” (21,43); enquanto a terceira

parábola descreve em aoristo o extraordinário lamento aos pagãos (22,8-10).

Há também uma forte relação no uso dos vocábulos83:

a) Nas três parábolas encontramos: (a;nqrwpoj [21,28.33; 22,2]).

b) Somente na parábola dos dois filhos e nos vinhateiros: (avmpelw,n

[21,28.33], wsau,twj [21,30.36], u[steron [21,29.32.37], le,gei auvtoi/j o`

83 DAVIES, W.D. e ALLISON, D. C. Matthew 19-28, p. 188. É apresentada uma extensa relação de vocábulos que são comuns a essas três parábolas.

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40

VIhsou/j como introdução ao término da locução [21,31.42], basilei,a tou/

qeou/ [21,31.43]).

c) Na parábola dos dois filhos e no banquete nupcial: (ouv qe,lw [21,29;

22,3] metame,lomai - avmele,w [21,29.32; 22,5]).

d) Na parábola dos vinhateiros e no banquete nupcial (avpe,steilen tou.j

dou,louj auvtou/ [21,34; 22,3], pa,lin avpe,steilen a;llouj dou,louj [21,36;

22,4], avpoktei,nw [21,35.39; 22,6], ui`o,j [21,37s; 22,2], avpo,llumi [21,41;

22,7], parabolh, [21,45; 22,1]).

Portanto, as três parábolas, que tratam da culpabilidade dos antagonistas

de Jesus (21,28-32), a repreensão a eles destinado (21,33-43) e o cumprimento

dessa penalidade (22,1-4), constitui a primeira parte do grande ajuste de contas de

Jesus com os adversários no Templo84, que acontece no segundo dia de sua

estadia em Jerusalém, enfatizado pelo debate sobre a sua autoridade (21,23-27).

Esta série de controvérsia entre Jesus e seus adversários, se introduz com a breve

passagem da maldição da figueira na primeira hora da manhã, quando Jesus e seus

discípulos sobem novamente para o Templo (21,18-22). A ação, provavelmente

prefigura a queda de Jerusalém e a inevitável destruição do Templo em 70 d.C.

A. J. Saldarini resume os capítulos 21-22, juntamente com o 23, da

seguinte maneira:

“Em suma [...] são o clímax do ataque de Mateus aos líderes da comunidade judaica. Ele os ataca porque são os líderes estabelecidos da comunidade que se opôs a ele, a seu grupo e à interpretação que eles davam do judaísmo. Os ataques também servem para suas tentativas de deslegitimar os líderes e, assim, afastar o povo de Israel dos ‘guias cegos’ e levá-los a Jesus e ao grupo mateano. Para atingir seus objetivos, Mateus apresenta Jesus como líder popular messiânico ao qual as autoridades do Templo se opõem. Jesus os derrota em uma série de cinco controvérsias, demonstrando dessa forma sua autoridade didática. A primeira controvérsia diz respeito à autoridade de Jesus e de João Batista. A origem divina de sua autoridade como Filho de Deus e a censurável rejeição dessa autoridade são comunicadas mais extensamente por intermédio das três parábolas dos capítulos 21-22. Os chefes dos sacerdotes e os fariseus entendem que essas parábolas referem-se a eles (21,45-46)”85.

84 Cf., OVERMAN, J. A., Igreja e comunidade em crise, o Evangelho segundo Mateus, 1999, p. 319. De acordo com Overman, “do ponto de vista de Mateus, o Templo, a corrupção e a subseqüente destruição dele são um problema e um incidente que aconteceram a todos os judeus e judaísmos, no passado recente e no contexto de Mateus”.

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41

É possível perceber o posicionamento teológico e histórico de Mateus ao

tratar da culpabilidade de Israel, no contexto dessas parábolas. U. Schnelle

descreve essa intencionalidade do redator mateano:

“As três perícopes tornam visível a posição teológica e histórica de Mateus a desobediência de Israel, que no passado se explicitou pela perseguição e morte dos profetas, atingiu o ápice no assassinato do filho. Em decorrência, Deus castigou o povo, outrora eleito, e deu o bem de salvação da basilei,a tou/ qeou/ a outro e;qnoj, que produzirá frutos de acordo com a vontade de Deus. Essa substituição na história da salvação de Israel pela Igreja já se concretizou há muito para Mateus. Ele a descreve na retrospectiva sob o ângulo de uma Igreja judeu-cristã que há muito tempo se abriu para a missão aos gentios (Mt 28,16-20)”86.

3.3.3 Estrutura de Mateus 21,33-46

A estrutura apresenta um breve anúncio na sua introdução :Allhn

parabolh.n avkou,sate (33a), vinculando-a desse modo a perícope anterior. A

parábola começa efetivamente no 33b e prossegue até a citação

veterotestamentária no v.44. As frases temporais introdutórias o[te de. h;ggisen o

kairo.j tw/n karpw/n (34a) e o[tan ou=n e;lqh| o ku,rioj tou/ avmpelw/noj (40a) estão

devidamente articuladas em duais partes:

O arco narrativo que começou no verso 34 se fecha no verso 39; e em

seguida o diálogo final (v. 40-44). Depois da exposição (v. 33b), o relato

descreve, de maneira enfática, como o oivkodespo,thj envia os seus servos para

receber a sua parte dos frutos (o` kairo.j tw/n karpw/n) e como são tratados

indevidamente pelos vinhateiros (v. 34s). De maneira abreviada, encontramos o

relato paralelo da segunda missão dos servos (v. 36). Por sua vez, narra-se em

minudência a missão do filho (v. 37-39): podemos observar que neste episódio

aparece destacado, não apenas por um indício temporal (u[steron), mas, também

introduzida por le,gwn e por ei=pon evn e`autoi/j.

85 Cf., SALDARINI, A. J., A Comunidade judaico-cristã de Mateus, pp. 114-115. 86 SCHNELLE, U., Introdução à Exegese do Novo Testamento, p. 143.

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42

Deste modo, Mateus apresenta nesse arco narrativo uma série de três ações e

três respostas (w. 34-9) 87:

A1 “oivkodespo,thj” envia os servos “avpe,steilen tou.j dou,louj” (34)

B1 “oi` gewrgoi.” feriram um, mataram outro, e apedrejaram outro (35)

A2 “oivkodespo,thj” envia mais servos “avpe,steilen a;llouj dou,louj” (36a)

B2 “oi` gewrgoi” fizeram-lhes o mesmo (36b)

A3 “oivkodespo,thj” envia o filho “avpe,steilen pro.j auvtou.j to.n ui`o.n” (37)

B3 “oi` gewrgoi.” o matam “avpe,kteinan” (38-9)

Com o verso 40 começa a segunda parte: corta-se a narração; Jesus faz a

pergunta decisiva ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noijÈ Está formulada de tal

modo que os ouvintes se sentem identificados com o proprietário que retorna (v.

40). Como na parábola anterior (v. 31ab), o narrador confirma e interpreta

estilisticamente este juízo, e o faz com uma frase bíblica preparatória ouvde,pote

avne,gnwte evn tai/j grafai/j\ (42) e da fórmula bem definida: dia. tou/to le,gw u`mi/n

(43s88). Traz uma observação narrativa interposta (v. 45s), o narrador passa para

a parábola seguinte. E. E. Ellis propôs que Mateus 21,33-44 corresponde “ao tipo

mais antigo de discursar na sinagoga: o orador que reproduz uma parte da

87 Cf., DAVIES, W.D. e ALLISON, D. C. Matthew 19-28, pp. 174-175. 88 Cf., A. OGAWA, Paraboles de l'Israël véritable? Reconsidération critique de Mt. XXI 28 - XXII 14, em NT 21, 1979, p. 138. Quanto ao v. 43 a estrutura é observada por A. Ogawa: “Mt a introduit le v. 43 par dia. tou/to le,gw u`mi/n. Il est évident que c'est pour lui la conclusion de la parabole. Mt prend probablement ensemble les deux versets 43 et 44 comme conclusion. Le 41 parle autant du châtiment que du transfert de la vigne. Non seulement il reproduit le texte marcien Mc xii 9, mais il le souligne: kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j. Il pense vraisemblablement à la catastrophe de Jerusalem. Malgré cela, si le v. 43 ne reprend que le deuxiéme thème du v. 41 (le transfert de la vigne), Mt devait avoir l'intention de développer le premer thème au v. 44. Les v. 43 et v. 44 se rapportent ainsi au v. 41 au moyen de motifs croisés : A-B, B -A. Dans cette structure, le v. 42 est mis entre parentèses, et Mt ne rapporte le v. 43 qu'au v. 41. Il ne 1'a laissé que parce qu'il a prisle v. 42 comme partie intégrante de la parabole. Ainsi, la conclusion de Mt (les vv. 43-44) n'ajoute rien de nouveau: passant de l'image figuree au monde réel, Mt a simplement explicité ce que la parabole indiquait. Cette structure met en doute l'opinion très courante selon la quelle Mt dessine ici 1'histoire du salut selon le schéma ‘des Juifs à 1'Eglise’. Certes, l' e;qnoj du v. 43 n'indique nulle autre que 1'Eglise, mais Mt précise davantage: 1' e;qnoj, produira ses fruits”.

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43

escritura bíblica ilustra com uma parábola, e enfatiza as palavras com uma

passagem bíblica” 89:

33a - inicia-se o texto (Isaías 5,1-2)

33b - 41 - exposição por meio de uma parábola, unida ao texto inicial

pela palavra-chave avmpelw/noj (vv. 39.40.41) e liqobole,w

(v.35; cf. Isa 5, 2, lq;s').

42 - 44 - textos finais (Sl 118,22; Dn 2,34-5;44-5), uniu o texto inicial

pela palavra-chave oivkodomein (v. 42, cf. Dn 2,44, ~wq) e

li,qoj (w. 42,44; cf. v. 35)

Essa estrutura proposta por Ellis não retrata devidamente o que o redator

de Mateus desenvolve dentro dessa seção. Porém, é interessante a proposta, mas

falta uma melhor indicação desse possível discurso que ocorre na sinagoga.

W. J. C. Weren90 analisa a estrutura dos vinhateiros considerando o

contexto imediato, onde o redator possivelmente estruturou a parábola de forma

idêntica com a perícope anterior, ou seja, a parábola dos dois filhos (21,28-32),

que também menciona uma vinha e tem de igual modo características da parábola

jurídica. Os textos são estruturados da mesma maneira:

Dois filhos Vinhateiros 1. Parábola 21,28-30

21,33-39

2. A pergunta de Jesus para os seus ouvintes: (v. 31) ti,j evk tw/n du,o evpoi,hsen to. qe,lhma tou/ patro,jÈ (v. 40) ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noijÈ

21,31 21,40

3. A resposta deles, introduzida por le,gousin 21,31

21,41

4. A conclusão de Jesus introduzida por Le,gei auvtoi/j o` VIhsou/j

21,31-32

21,42-44

89 Cf., DAVIES, W.D. e ALLISON, D. C. Matthew 19-28, pp. 174-175. 90 Cf., WEREN W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 12.

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A parábola dos vinhateiros faz parte de uma seção homogênea,

conseqüentemente a estrutura das três parábolas está devidamente inter-

relacionadas. Portanto, estamos diante de um texto bem arranjado na sua estrutura.

A nossa proposta é verificar a ressonância do texto de Isaías 5,1-7 que

possivelmente provocou nos vinhateiros, assim verificaremos, mais adiante, como

a estrutura do texto isaiano, considerando-o como um texto jurídico, pode ser

verificado na estrutura mateana dos vinhateiros.

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45

3.4. Os vinhateiros homicidas na sinopse dos Evangelhos91

Mateus 21,33-46 Marcos 12,1-12 Lucas 20,9-19 33 Escutai outra parábola. Havia um homem, dono de casa que plantou uma vinha, e uma cerca colocou em volta, e cavou nela um lagar e construiu uma torre e arrendou-a a lavradores, e se ausentou em viajem. 34 Quando, porém, se aproximou o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores para receber seus frutos. 35 E tomando os servos, os lavradores espancaram a um, mataram a outro, a outro apedrejaram. 36 De novo enviou

cf. v.35 outros servos em maior número que os primeiros, e fizeram-lhes o mesmo. 37 Depois, porém, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito a meu filho. 38 Porém, os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro: vinde, matemo-lo e tenhamos a sua herança. 39 E tendo tomado o lançaram fora da vinha,

1e começou a falar-lhes em parábolas: Um homem plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta e cavou um lagar e construiu uma torre e arrendou-a a lavradores e se ausentou em viajem. 2E enviou, no momento {disto}, um servo aos lavradores para que tomasse dos lavradores {parte} dos frutos da vinha.

3E tomando-o, os lavradores {o} espancaram e {o} mandaram embora vazio 4E novamente enviou a eles outro servo, e a este bateram na cabeça e insultaram. 5E enviou um outro, e a este mataram. E muitos outros, dos quais uns espancaram e a outros mataram. 6Tinha ainda um único: o filho amado. Por último, enviou-o a eles, dizendo (que): A meu filho respeitarão. 7Aqueles lavradores disseram entre si (que): Este é o herdeiro. Avante, matemo-lo, e a herança será nossa. 8E tendo{-o} tomado, mataram-no e expulsaram-no fora da vinha.

9Começou a dizer ao povo esta parábola: um homem plantou uma vinha e arrendou-a a lavradores e se ausentou em viajem, por tempo considerável. 10E enviou, no momento {disto}, um servo aos lavradores, para que lhe dessem {parte} dos frutos da vinha. 11E continuou a enviar outro servo, e também a este tendo-{o} espancado, Mandaram embora de mãos vazias. 12E continuou enviando um terceiro; eles também a este, tendo-o ferido,o lançaram fora.

Cf. v. 13b

13O Senhor da vinha disse: Que farei? Mandarei o meu filho amado; com certeza a este respeitarão. 14Vendo-o, os lavradores conversaram uns aos outros, dizendo: Este é o herdeiro. Matemo-lo, para que a herança se torne nossa. 15E tendo-o expulsado fora da vinha, mataram{no}.

91 Cf., KONINGS, J., Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”, pp. 212-214. Segue aqui a sinopse de Konings, porém usei aqui a minha própria tradução.

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e o mataram. 40 Quando, portanto, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? 41 Dizem-lhe: Sendo maus, de modo mau os destruirá, e a vinha arrendará a outros lavradores, tais que pagarão a ele os frutos no tempo devido. 42 Jesus lhes diz: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que rejeitaram os edificadores esta se tornou por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto e é maravilhoso aos nossos olhos? 43 Por isso vos digo que será tirado de vós o Reino de Deus e será dado a um povo que produza seus frutos. 44 [E o que caiu sobre essa pedra ficará espedaçado; sobre quem ela cair, o esmagará]. 45 E tendo ouvido os sacerdotes principais e os fariseus as suas parábolas conheceram que fala a respeito deles. 46 E buscando-o agarrar, temeram as multidões, visto que por profeta o tinham.

Cf. v. 45

9Que [portanto] fará o senhor da vinha? Ele virá e destruirá os lavradores, e dará a vinha a outros. 10Nem lestes esta Escritura: A pedra que os construtores desprezaram, esta se tornou a pedra angular. 11Isto foi feito pelo Senhor, e é admirável aos nossos olhos?

Cf. v. 12b 12E procuravam prendê-lo, e temiam a multidão. Pois entenderam que havia contado a parábola com referência a eles. E deixando-o, foram-se.

Que, portanto, lhes fará o senhor da vinha? 16Voltará, destruirá estes agricultores e dará a vinha a outros. Tendo ouvido, disseram: não aconteça! 17Ele, fitando-os, disse: Que é, pois, isto que está escrito: A pedra que os construtores desprezaram, esta se tornou a pedra angular? 18Todo o que cair sobre essa pedra ficará despedaçado; sobre quem ela cair, o esmagará. 19E os escribas e os sumos sacerdotes procuraram pôr as mãos nele, naquela hora, e temiam o povo. Pois entenderam que ele havia contado aquela parábola com referência a eles.

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3.4.1 Análise sinótica dos vinhateiros

Os contextos dos Evangelhos sinóticos individualizam incontestavelmente

o ministério de Jesus em Jerusalém por uma forte e contundente articulação, com

as principais autoridades judaicas, que é delineado por suas intensas controvérsias

(Mateus 21,23-27; 22,15-22 par.). A parábola dos vinhateiros homicidas, que

intercala duas outras parábolas exclusivas de Mateus, é proferida simplesmente

com o objetivo de dá uma resposta concreta e determinante a pergunta sobre a

autoridade de Jesus (Mateus 21,24). A conexão direta com o cântico da vinha de

Isaías 5,1-7, pode-se verificada principalmente em Mateus (21,33) e Marcos

(12,1)92. Lucas faz menção da vinha, porém sem maiores detalhes93.

O estilo alegórico articulado nos vinhateiros, na perspectiva de Mateus,

Marcos e Lucas, não se tem nada comparado entre as parábolas de Jesus94.

Podemos perceber com total certeza que a vinha é nitidamente Israel. Essa é a

tradição veterotestamentária: Israel é sempre comparado à vinha do Senhor. Por

sua vez, os vinhateiros são determinantemente os principais líderes judeus. Já o

dono da vinha é Deus, os mensageiros são os profetas, o filho é Cristo, o castigo

dos vinhateiros representa o aniquilamento de Israel, já que perde imediatamente

sua mais pretensiosa prerrogativa: a basilei,a tou/ qeou/. Em contra partida, a

comunidade mateana assume essa responsabilidade “kai. doqh,setai e;qnei

poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j” (Mateus 21,43). A parábola original,

provavelmente retratava uma parábola de severa crítica aos proeminentes líderes e

instituições de Israel95.

Mateus articula estilisticamente o texto dando uma dinâmica mais

agressiva na sua narrativa (34a; 40a; 42a), isso diferentemente de Marcos96. Para

92 ROBINSON, J. A. T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic Relationships, p. 445. “A parábola é sem igual em Marcos não estando em uma coleção de parábolas (Marcos 4) ou um discurso (Marcos 13), entretanto é introduzido redacionalmente com a fórmula, também achada em 3,23 e 4,2: auvtou.j evn parabolai/j”. 93 Cf., HESTER, D., Socio-rhetorical criticism and the parable of the tenants, p. 8 “Lucas é distintamente menos alegórico na apresentação da parábola. É uma história muito simples [...] Não há nenhum tema de Isaías, e nenhuma elaboração no destino dos criados”. 94 Cf., DRURY, J., The Sower, lhe Vineyard, and the Place of Allegory in the Interpretation of Mark's Parables, em JTS, 24, 1973, p. 372. 95 JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, pp. 76-77. Jeremias pensa nas autoridades do Templo, os sacerdotes do sinédrio, a quem recorre à ameaça terrível da parábola. 96 Mateus omitiu só uma referência a Marcos: em 21,37: u[steron de. avpe,steilen pro.j auvtou.j to.n ui`o.n auvtou/ le,gwn\ ele usa ui`o,j, sem avgaphto,j, comparando com Marcos 12,6a: e;ti e[na ei=cen

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atender a essa característica literária, que é específica de cada redator, surgi em

destaque os temas, que ele explora de maneira sublime: O envio em seqüência dos

servos (34-39) é introduzido redacionalmente sob o sinal do “tempo dos frutos”

(34a: o[te de. h;ggisen o` kairo.j tw/n karpw/n). O aparecimento do proprietário da

vinha na narrativa é inserida com uma nova indicação temporal (40a: o[tan ou=n

e;lqh| o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj); e por fim, o redator mateano aciona uma fórmula

de transição, le,gei auvtoi/j o` VIhsou/j, com a finalidade de introduzir, finalmente, a

aplicação da parábola aos interlocutores de Jesus (42-44). Desta forma, Mateus

amplifica os traços alegóricos97, preservando assim, sua interpretação eclesial.

A parábola é efetivamente introduzida por uma referência clara a Isaías 5,

2. A construção da vinha (Mateus 21,33 // Marcos 12,1 // Lucas 20,9) ressoa, de

forma explícita o interesse teológico dos sinóticos, que enfatiza prontamente a

importância redacional, com sua especificidade teológica. Essa referência a Isaías

se prolonga, de forma implícita à pergunta retórica de Isaías 5,4; somente em

Marcos 12,9 e Lucas 20,15, já que em Mateus 21,40 a pergunta tem resposta

imediata. Portanto, a estrutura da vinha está evidentemente baseada no cântico da

vinha de Isaías 5,1-7. Não há dúvida que Mateus 21,33 segue Marcos 12,1, e isso

é verificado observando a menção dos vocábulos: evfu,teusen, fragmo.n, w;ruxen e

wv|kodo,mhsen. Temos aqui a decorrência primorosa da intertextualidade, já que

esses verbos procedem inteiramente de Isaías 5,2. Na versão de Lucas (20,9)

percebemos que esta conexão com Isaías é drasticamente diminuída. O redator

lucano esquematiza somente a citação: evfu,teusen avmpelw/na, nada mais além

disso. Contudo, na continuação do verso os três98 são concordantes e incisivos na

proposta redacional: kai. evxe,deto auvto.n gewrgoi/j kai. avpedh,mhsen, “e arrendou-a a

lavradores, e se ausentou em viajem”. Podemos ainda verificar, que na aplicação

cristã, a alegoria da vinha de Isaías 5,1-2 o proprietário é indiscutivelmente Deus.

O mesmo acontece nos sinóticos, quando os redatores de Marcos e Lucas

apresentam o proprietário basicamente como a;nqrwpoj. Mateus já articula de

forma diferente. A sua preferência redacional é por a;nqrwpoj oivkodespo,thj, que

ui`o.n avgaphto,n\ Não obstante, Mateus reproduziu várias citações literalmente de Marcos. Estas incluem o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj (Mateus 21,40; Marcos 12,9), klhrono,moj (Mateus 21,38; Marcos 12,7) e parabolh.n (Mateus 21,33; cf. Marcos 12,1: parabolai/j). 97 Cf., HESTER, D., Socio-rhetorical criticism and the parable of the tenants, p. 7. Para Hester, Mateus intensifica a direção alegórica usada por Marcos. 98 Cf., CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, p. 452.

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lhe é similar em todo o seu evangelho. Porém, aqui o a;nqrwpoj oivkodespo,thj

também representa Deus.

Não há dúvidas que a vinha representa Israel. Muitos exegetas99 examinam

Isaías 5,1-7 relacionando precisamente a imagem inequívoca da vinha a Israel. Os

mesmo comparam os vinhateiros da parábola sinótica aos principais chefes das

diversas instituições judaicas.

Na realidade, trata-se dos interlocutores de Jesus, que se objetam

indevidamente na dinâmica dessa parábola: (Mateus 21,45 “avkou,santej oi`

avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi” // Marcos 11,27b “oi` avrcierei/j kai. oi` grammatei/j

kai. oi` presbu,teroi” // Lucas 20,19 “oi` grammatei/j kai. oi` avrcierei/j”)

A redação lucana não prioriza com detalhes a incumbência dos servo-

mensageiros (Mateus 21,34-36 // Marcos 12,2-5 // Lucas 20,10-12). É

definitivamente descrita de forma mais simples: os servos são destacados

ininterruptamente (dou/lon, e[teron, tri,ton). O redator mostra, de forma contínua, a

receptividade que esses servos sofrem100: são espancados e insultados, feridos e

expulsos. Não há na versão de Lucas, até o momento, nenhuma morte. A mesma

sorte não terá o Filho. Observamos, portanto, que em Lucas 20,10-12 a expedição

dos servo-mensageiros manifesta, de maneira constitutiva, uma história bem

simples na sua narrativa: um dou/loj é enviado perfazendo um total de três; o

primeiro é dei,rantej101 “espancado”, o segundo é espancado e avtima,santej

“insultado, ultrajado”, o terceiro foi traumati,santej102 “ferido”. Possivelmente, a

versão lucana não apresenta qualquer sentido alegórico mais intenso. Pelo menos

comparando com Mateus e Marcos. A ênfase, que o redator lucano estabelece,

pode ser percebida quando ratifica o envio recorrente de um único dou/loj

consecutivamente. Mas, também se percebe o total insucesso da missão.

Caracterizaria aí, possivelmente, a forma mais original da parábola?

99 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 16. Hubaut faz uma citação a esses exegetas: “Mentionnons G. wohlenberg, das Evangelium cies Markus (Komm. zum N.T., 2), y éd., Leipzig, 1920, p. 310; Th. zahn, das Evangelium des Matthãus (Komm. zum N.T., 1), 4 éd., Leipzig, 1922, p. 629; J. Jeremias, die Gleichnisse Jesu, 8C éd., Zürich, 1970, pp. 68. 167; B.H. branscomb, The Gospel of Mark (The Moffatt N.T.r Commentary), London, 1937, p. 209; É. trocmé, la formation de évangile selon Marc (Études d'histoire et de phihsophie religieuses, 57), Paris, 1963, p. 163”. 100 Cf., LÉON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, pp. 318-319. 101 Verbo de,rw, esfolar, tirar a pele, maltratar, castigar. 102 Os três verbos estão no particípio aoristo ativo, no nominativo masculino plural.

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Já em Marcos, essa dinâmica sofre uma tensão um tanto exagerado.

Aparecem três servo-mensageiros sucessivos (dou/lon, a;llon, a;llon) que são

espancados, respectivamente, feridos na cabeça (evkefali,wsan) e insultados e o

último morto. Somente Marcos usa o vocábulo evkefali,wsan103, que está ausente

em Mateus e em Lucas. Depois desse temerário insucesso, o redator acrescenta

uma comissão ainda maior de servos “pollou.j a;llouj” (Marcos 12,5b).

Entretanto, analisando o verso 5b “kai. pollou.j a;llouj” verificamos que a

narrativa de Marcos preferiu não usar o procedimento triplo de um servo de cada

vez, contudo, descreve uma missão coletiva de muitos outros servos: kai. pollou.j

a;llouj( ou]j me.n de,rontej( ou]j de. avpokte,nnontej, que em parte são violentados e

em parte são mortos104.

Em Mateus 21,34-36 há uma mudança na narrativa, que se distancia

efetivamente de Marcos. Basta observar que o redator mateano não sugere

nenhum envio individual de servo (34b: avpe,steilen tou.j dou,louj auvtou/ pro.j

tou.j gewrgou.j), mas respectivamente sinaliza dois grupos de servo-mensageiros

(36a: pa,lin avpe,steilen a;llouj dou,louj plei,onaj tw/n prw,twn).

Além dessa forte diferença no relato, Mateus acrescenta evliqobo,lhsan

“apedrejaram”. A proposta destes servo-mensageiros, na perspectiva mateana,

mostra um uso totalmente diferente do redator, comparando com a da tradição de

Marcos e Lucas105. Em Marcos, possivelmente o redator não tem interesse em

alegorizar os profetas veterotestamentários, mas, provavelmente faz alusão ao

Batista, inserindo entre os rejeitados. O redator lucano faz uma adaptação da

missão dos servos, com interesse exclusivo em conservar a narrativa mais

presumível a sua ênfase. Isso ele indica enfaticamente com o envio do filho.

Mateus, no entanto tem a finalidade de desenvolver uma aplicação alegórica

precisa em seus pormenores. A narrativa mostra, provavelmente que o primeiro

grupo se refere aos profetas anteriores e o segundo grupo os profetas posteriores,

103 Cf., CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, p. 452. De acordo com Crossan “evkefali,wsan” parece ser uma inserção redacional deliberada, provavelmente pelo próprio Marcos aludindo ao destino de João Batista (Marcos 6, 27). 104 Cf., LÉON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 319. Léon-Dufour levanta a seguinte questão: “Qual sentido tem então estes envios? Espontaneamente os ouvintes evocam contínuos as tentativas de Deus para manter ou trazer o seu povo a aliança pelo ministério de seus servos, os profetas (2 R 17,13-14). Cada evangelista insiste em sua maneira, Mateus fala de evliqobo,lhsan, Marcos com alusão a numerosos enviados, Lucas utilizando um termo teológico, pe,myai, enviar”.

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conseqüentemente o relato do apedrejamento mostra de maneira trágica o

iminente destino dos profetas (servo-mensageiros).

Nos três relatos (Mateus 21,37 // Marcos 12,6 // Lucas 20,13), a história da

missão do filho se aproxima do seu ponto crucial. O envio derradeiro do filho é

bastante representativo na história salvífica. O relato sinótico mostra o sentido

alegórico primoroso sobre a missão de Jesus106, é de fato uma representação

perfeita de Jesus107; além da idéia de Jesus como o herdeiro de Deus108. O redator

de Marcos, seguido por Lucas, assinala ainda mais a natureza da ação do

proprietário, apresenta o filho como: ui`o.n avgaphto,n. Mateus não faz qualquer

menção. De todas as versões, Marcos definitivamente parece ser o mais

alegórico na dinâmica da missão do filho, e Mateus menos enfático.

Podemos observar na missão do filho três pontos: (a) evntraph,sontai; (b)

klhrono,moj; (c) klhronomi,an. Estes vocábulos aparecem nas três versões. O

tratamento que o filho recebeu difere nos relatos: Em Marcos, eles o agarraram e

o mataram e o lançaram para fora da vinha109. Em Mateus, como em Lucas,

eles o agarraram e o jogaram fora da vinha e conseqüentemente o mataram.

Portanto, Lucas e Mateus invertem a ordem dos fatos. Possivelmente um

reflexo dos acontecimentos da paixão. Jesus foi levado para fora da cidade

antes de ser morto.

Os três evangelistas têm acrescentado à aplicação da parábola um

testemunho tomado do Antigo Testamento: “A pedra que rejeitaram os

edificadores esta se tornou por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto e é

maravilhoso aos nossos olhos?” (Mateus 21,42 e par.). Lucas adiciona outra

sentença sobre a pedra (Lucas 20,18). De acordo com C. H. Dood, “esta

progressiva elaboração indica que a Igreja atribuía à parábola uma importância

singular e desejava eliminar toda a dúvida acerca de sua interpretação”. Não seria

estranho, afirma Dood, “que os detalhes do relato, já em sua primeira forma

canônica, houvera sido objeto de alguma manipulação a fim de indicar mais

105 ROBINSON, J. A. T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic Relationships, p. 446. 106 LÉON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 320. 107 CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, p. 452. 108ROBINSON, J. A. T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic Relationships, p. 448. 109 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 50. Para Hubaut a ordem em Marcos é mais natural.

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duramente” 110. A citação do Salmo 118 era uma necessidade inconfundível da

situação alegórica do relato. Era evidentemente uma prova textual da

comunidade cristã111.

Os interlocutores de Jesus reconhecem efetivamente que a parábola é

falada contra eles. Fatalmente são eles os vinhateiros homicidas. Assim como

rejeitaram os profetas veterotestamentários, agora rejeitam incontestavelmente

Jesus. Desta forma, os sinóticos desenvolvem nos vinhateiros, em que a alegoria

de Marcos é intensificada por Mateus, mas foi moderada por Lucas112.

3.5 Fonte de Mateus 21,33-46

As transformações que o redator mateano fez no texto de Marcos partiram

evidentemente do seu interesse eclesiológico, provocando assim as modificações

de caráter puramente estilísticas. Podemos observar as constantes adaptações na

narrativa, sistematizando-as para atender ao seu intento. São inevitáveis as

adaptações à versão da Septuaginta113. Neste caso o uso de Isaías 5,1-7 é em parte

determinado pelos elementos que já estavam disponíveis na fonte (versão de

Marcos). Encontramos inserções redacionais devidamente estabelecidas no verso

43, material próprio de Mateus114e na citação do verso 44. Redacionalmente o

verso 43, faz parte de um recurso próprio do redator, para sublinhar a importância

110 Cf., DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, p. 130. 111 ROBINSON, J. A. T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic Relationships, p. 450. 112 CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, p. 454. Crossan observa um trabalho criativo dos sinóticos quanto à parábola dos vinhateiros: “até mesmo com um olho na história salvífica e o outro em Isaías 5,1-7 há discrepâncias problemáticas na narrativa, e o ponto que adere acima de tudo é o tema de herança”. (não concordo que o tema da herança seja essencial nos vinhateiros, mas sim a questão da culpabilidade dos líderes de Israel, para tanto a conexão com a parábola jurídica de Isaías 5,1-7). 113 KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p. 133. “Nas citações comuns a Mateus, Marcos e Lucas, todos os estudos recentes estão de acordo num ponto: Mateus traduziu ao grego a partir das suas respectivas fontes, as citações que tem em comum com Marcos ou Lucas, aproximando-se, em certos pormenores, da tradução da LXX”. 114 HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 102. Para Hubaut, a hipótese de uma versão específica pré-mateana da parábola, da qual o evangelista disporia ao lado do texto de Marcos, parece ser bastante coerente. As evidências são raras na exegese histórico-crítica, afirma Hubaut: “A reconstituição das versões hipotéticas continua a ser sempre perigosa. Em decorrência, certas diferenças de Mt oposto de Mc que parecem difíceis de explicar pela atividade redacional do evangelista (v. 33.34.35-36.40-41, e, sobretudo o v. 43), no entanto parecem mais coerentes se aceita a influência conjugada Daniel 7 e do targum de Isaías 5, 1-7”.

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temática dos vinhateiros. No entanto, podemos verificar um possível paralelismo

existente entre o final dos vinhateiros (v. 40-43) e a parábola precedente (v. 31-

32). Haveria aqui retoques que possivelmente se esclareceria por esse paralelismo,

que indicaria um único redator, amparado sobre uma suposta tradição; restaria

saber se por escrito ou não. A partir destas observações, o verso 43 é analisado,

por alguns exegetas, como pertencente a uma tradição que antecederia ao redator

mateano115.

O verso 44 parece não ser uma seqüência lógica do 43. Em razão disto se

discuti a sua originalidade. A sua autenticidade freqüentemente é questionada116.

Ele é testificado textualmente em Isaías 8,14 e Daniel 2,44. Para A. Ogawa é

possível analisar o versículo 44 como sendo parte de uma fase pré-redacional.117.

O redator mateano articulou uma interpolação usando o verso 42 e o verso

44. No centro desses dois pólos inseriu o verso 43, pela importância teológica. Já

que o verso 43 possui a idéia essencial da aplicação dos vinhateiros. Assim,

sistematicamente, ele amplifica os traços alegóricos já existentes em Marcos.

Contudo, na parte conclusiva da parábola (45-46), o texto de Marcos é

inteiramente retomado. Conclusivamente podemos admitir que Mateus usa

inteiramente a sua fonte, o texto de Marcos, pelo menos nos aspectos que ele

considera fundamentais. A dinâmica do relato é nitidamente precisa.

115 Entre esses exegetas, destacamos: J. Jeremias, R. J. Dilton, W. Trilling, G. Strecker e X. Leon-Dufour. 116 Contra a autenticidade: W. Trilling, G. Bornkamm, X. Léon-Dufour. Para Hubaut, o verso 44 foi adicionado a uma fase posterior a redação de Marcos, podendo ser assim pré-mateano. 117 Cf., OGAWA, A., Paraboles de l'Israël véritable? Reconsidération critique de Mt. XXI 28 - XXII 14, pp. 130-131.

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4 Aspectos literários em Isaías 5,1-7

É importantíssima para essa obra uma análise da relação do texto hebraico

de Isaías 5,1-7 com o texto da Septuaginta. Avaliaremos os elementos de Isaías

que fazem ressonância em Mateus 21,33-46: Isaías 5,2 e 5,7. Para tanto

partiremos (Isaías 5,1-7) de uma análise comparativa entre ambos textos. No texto

massorético e no texto da Septuaginta.

O cântico da vinha de Isaías tem a forma de uma parábola jurídica118. U.

Simon, em seu artigo sobre exemplo de parábola jurídica, cita o caso da parábola

da ovelha de Natã (2 Samuel 12,1-12), afirma que “a força da parábola jurídica

descansa em seu realismo, um realismo que provoca os ouvintes a um

autojulgamento e conseqüentemente se condenam”. Para Simon, a parábola

jurídica forma uma história sobre uma violentação da lei: “relacionado a alguém

que tinha empreendido um insulto idêntico com a finalidade de induzir ao ouvinte,

que não desconfia, a fazer uma auto-análise”119. O ofensor inevitavelmente cairá

na armadilha arranjada para ele, se verdadeiramente acreditar que o episódio de

fato ocorreu. Ele mesmo vai propor a sentença. E, ao fazê-lo estará

definitivamente se autocondenando. Isso ocorre sem ele perceber. Até o momento

de uma reflexão mais apurada, ele perceberá que é o execrável protagonista da

história, que acreditou ser verdadeira. Desta forma, ele entenderá a sua

participação diante das possíveis acusações.

Para J. D. W. Watts, o cântico da vinha representa de fato um tribunal de

justiça. Porém, esse conselho jurídico trataria exclusivamente com assuntos

pertinentes ao de família120. O importante é verificar a finalidade do cântico

segundo essas teorias: estaríamos possivelmente diante de um processo legal.

118 Cf., YEE, G.A., A Form-Critical Study of Isaiah 5,1-7 as a Song and a Juridical Parable, p. 40. Yee percebe em Isaías 5,1-7 duas formas literárias: um cântico e uma parábola jurídica: “Ambos os tipos têm semelhanças formais e funcionais. Dentro da estrutura global de um cântico o elemento parabólico quer provocar nos próprios ouvintes um autojulgamento”. 119 C.f., SIMON, U., The Poor Man’s Ewe Lamb: An Example of a Juridical Parable, pp. 220-21. 120 WATTS, J. D. W. Isaiah 1-33, p. 54.

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O cântico de Isaías, como propôs G. A. Yee é endereçado a uma audiência

puramente jerusalemitana. A história seria uma alusão aparente à destruição do

reino do Norte por Tiglath-pileser em 734-32 a.C. Estaria, então, subentendido a

história de uma vinha totalmente incapaz de produzir as uvas esperadas,

frustrando a expectativa do proprietário da vinha. Conseqüentemente, diante de

uma vinha inteiramente improdutiva, só restaria a sua destruição.

Contrariamente, Vermeylen analisa como “uma teologia de história

retrospectiva que se levanta na sombra do movimento deuteronomista”121. A

difícil situação do exílio estaria aqui em evidência. O redator isaiano busca dá

resposta concreta ao questionamento dos compatriotas jerusalemitanos sobre o

motivo da perda da liberdade diante dos babilônicos e, por conseguinte a

inevitável falência da dinastia davídica. O profeta ressalta a culpabilidade e a

irresponsabilidade dos jerusalemitanos. Com isso ele resguardaria Yahweh, não o

acusando de absoluta impotência diante dos terríveis fatos. A responsabilidade

pela deportação dos habitantes de Judá e dos moradores de Jerusalém é

inteiramente deles mesmos, pela sua total e fatídica improdutividade, em outras

palavras, a completa desobediência ao direito e a justiça preconizadas.

Esta análise produz os seguintes resultados. Em Isaías 5,1-7, a metáfora da

vinha é aplicada para a casa de Israel. A conexão entre verso 7 e o verso 3 deixa

bem claro que a casa de Israel se refere aos habitantes de Jerusalém e as pessoas

de Judá, isto é, para o reino sulista que tem que executar a tarefa que foi

significativa originalmente para todo Israel122. O que o profeta Isaías propõe é a

preocupação de Deus para com a casa de Israel, ele espera justiça social; porém,

Israel reage exercendo injustiça social.

121 Cf., KAISER, O., Isaiah 1-12, p. 94. 122Cf., WILLIAMS, G.R., Frustrated Expectations in Isaiah V 1-7: A Literary Interpretation, 1985, p. 464.

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56

4.1 Estrutura do texto hebraico de Isaías 5,1-7 123

Quanto à delimitação da perícope, Watts observa que o cântico da vinha é

“uma unidade bem delimitada com começo claramente marcado e um fim bem

determinado”124. Para Y. Gitay o “complexo de Isaías 5,1-30 é uma unidade

textual, introduzida pelos versos 1-7”125.

A estrutura do cântico da vinha de Isaías apresenta-se em três partes, vv. 1-

2, vv. 3-6, e v. 7. Essa estrutura é desenhada pela inversão dos verbos: ora na

primeira pessoa do singular, ora na terceira pessoa do singular. Essas três estrofes

estão em forma poética: A: vv. 1-2; B: vv. 3-6; C: v. 7126. O verso 1a introduz o

cântico: Am+r>k;l. ydIÞAD tr:îyvi ydIydIyli( aN" hr"yviÛa'. Observe o verbo na 1ª pessoa do

singular do imperfeito Qal de ryvi. Desta forma, é introduzido na voz do profeta:

“cantarei”, que de maneira melodiosa propõe o cântico em nome do seu amigo.

Portanto, o verso 1a (na 1ª pessoa) se posiciona como abertura para a primeira

estrofe: vv. 1b-2. O que caracteriza a primeira estrofe, é o fato que a terceira

pessoa do verbo hyh é usada para indicar o proprietário da vinha: ydIÞydIyli( hy"ïh'

~r<K,². Há também uma alteração significativa de ritmo. O trabalho do proprietário

é demonstrado na preparação e no elevado investimento para se plantar a vinha,

com toda estrutura necessária para torná-la altamente produtiva. A dinâmica do

relato é outra, em relação a parte introdutória. A sonoridade se expressa de

maneira agressiva para narrar toda o preparativo da vinha.

123 Cf. ZENGER, E. (org.), Introdução ao Antigo Testamento, p. 384. Quanto à estrutura Zenger correlaciona os trechos do capítulo 1 e 5,1-7 na formação da moldura externa em torno do complexo textual 2,1 – 4,6. Zenger faz a seguinte análise: “Para a organização dos caps. 1-12 podem ser reconhecidos princípios bastante semelhantes na sua estrutura. Para 1,2 – 5,7 vale o seguinte: 1,1-31 e 5,1-7 constituem a presilha exterior em torno de 2,1 – 4,6. A favor dessa compreensão depõem os seguintes indícios: a – há correlação entre 1,2-3 e 5,1-7 pelo uso enfático do nome Israel, em 1,3 e 5,7. b – Ao amor dos pais pelos filhos, abordado em 1,2, corresponde o amor do noivo pela noiva, em 5,1-4. c – Em 1,21 e 1,27 fala-se, como em 5,7, de direito e justiça. d – A metáfora da prostituta (1,21) encontra seu correlato na vinha que produz uvas azedas (cap. 5). e – Assim como os terebintos estarão secos e o jardim privado de água (1,29-30), assim a vinha será entregue à desolação e lhe será negada a chuva (5,5-6). f – O raro imperativo no plural do verbo ‘julgar’ liga os dois trechos 1 e 5,1-7 (1,17 e 5,5ss). g – ‘Vinha’ é usado tanto em 1,8 quanto em 5,1 como metáfora. h – O discurso de Deus na 1ª pessoa leva igualmente ao início, ao meio e ao final desse bloco do livro (1,2.11-16.24b-26; 3,4.12.15; 5,3-6)”. 124 WATTS, J. D. W. Isaiah 1-33, p. 51. 125 GITAY, Y., Isaiah and his Audience. The Structure and Meaning of Isaiah 1–12, p. 89. 126 WEREN, W. J. C., The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 2.

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Já na segunda estrofe127, os versos 3-6 retomam à primeira pessoa. Essa

mudança é percebida quando aparece na narrativa: ymi(r>K; !ybeîW ynIßyBe (3b). O

cântico é modificado. A partir de agora há uma lamentação, com uma interpelação

do proprietário com um duplo vocativo: hd"_Why> vyaiäw> ~Øil;Þv'Wry> bveîAy (3a). Ele

critica a incapacidade de produtividade da sua vinha.

Toda a sua expectativa: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; ytiyWE±qi [:WDôm; (4b) não

se concretizou. Imediatamente o seu público entra em cena, como num processo

jurídico. Ele faz a denúncia e o público é convocado a perpetrar o julgamento.

Contudo, o oportuno proprietário assume ele mesmo a implacável função de juiz: mi_r>k;l. hf,Þ[o ynIïa]-rv,a] tae² ~k,êt.a, aN"å-h['ydI(Aa ‘hT'[;w> (5a).

As ações construtivas do verso 2 formam com os versos 5-6 um intenso

contraste. O absoluto descontentamento do proprietário é percebido pela

suspensão do trabalho da vinha, e muito mais ainda ele anuncia o inevitável

abandono e a conseqüente destruição.

O verso 7 é conclusivo, tornando-se a chave interpretativa do cântico. A

relação entre 7a e 7b indica um paralelismo:

laeêr"f.yI tyBeä ‘tAab’c. hw"Ühy> ~r<k,ø yKiä a Porque a vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel,

Wy[‘_Wv[]v; [j;Þn> hd"êWhy> vyaiäw> b e os homens de Judá são a planta das suas delícias.

Novamente a terceira pessoa é retomada e com algumas aliterações: jP'v.mi

/ xP'f.mi128 e hq'd'c. / hq'['c. (7c), cria-se novamente um paralelismo que causa nos

ouvintes uma inevitável e surpreendente reflexão.

Os que foram convocados para julgarem “hd"_Why> vyaiäw> ~Øil;Þv'Wry> bveîAy”

(v.3) são agora acusados de atos desprezíveis. O verso 7c, composto com

cláusulas nominais, mostra com total clareza a condição inconcebível dos

ouvintes, que inevitavelmente se autocondenam. O próprio redator isaiano oferece

a interpretação dos elementos fundamentais da parábola: a vinha é Israel e Judá.

Ele identifica o seu amigo, o proprietário da vinha, com Deus.

127 A segunda estrofe é marcada pela presença de verbos na primeira pessoa singular e pelo uso do sufixo também na primeira pessoa. 128 É um hapaxlegomenon na bíblia hebraica pode significar “matança”.

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Portanto, podemos concluir, sugerindo uma possível estrutura para Isaías

5,1-7, da seguinte maneira: temos em Isaías 5,1-7 várias etapas no relato: o texto

se apresenta intercalado com a introdução (v. 1) e a interpretação que encerra o

relato (v. 7). Nos versos 1b-2, estamos diante de uma narrativa que apresenta o

empenho de árduas tarefas e preciosos investimentos do proprietário da vinha,

com suas conseqüentes expectativas. Na parte central do relato, os destinatários

são apresentados: Israel e Judá (vv. 3-6). Essa estrutura apresentada se destaca a

partir das alterações da fala: ora da primeira pessoa (v. 1b), ora da terceira pessoa

(vv. 1b-2), retorna para primeira pessoa (vv. 3-6), e finalmente conclui com a

terceira pessoa (v. 7).

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4.2 Elementos constitutivos da narrativa de Isaías 5,2 Texto Massorético

WhleªQ.s;y>w:) WhqEåZ>[;y>w:). a Ele cavou-a, removeu a pedra

qrEêfo ‘Wh[e’J'YIw: b e plantou uma vinha

AkêAtB. ‘lD"g>mi !b,YIÜw: c e construiu uma torre no meio dela

AB= bceäx' bq,y<ß-~g:w> d e também cavou um lagar

~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w: e e esperava que desse uvas boas,

`~yvi(auB. f[;Y:ïw: f porém deu uvas bravas.

O verso 2 trata da preparação e estruturação do solo para receber a vinha e

da expectativa quanto a qualidade de suas uvas. Há, evidentemente um inequívoco

significado agrícola nos vocábulos. Para tanto, o texto hebraico emprega no v. 2a,

os verbos qz:[' “cavar” e lq;s' 129 “remover as pedras”130. Os dois verbos

descrevem com clareza a preparação do solo. Isso em razão de uma provável

exigência para modificar o terreno, que apresentava sem a menor condição para a

cultura das videiras, com qualidade aceitável para a plantação. A vinha era uma

propriedade de elevado valor. Por isso, um alto investimento era necessário,

acompanhado de um cuidado extremo na construção da vinha. Nenhuma despesa

é economizada. Trata-se de um empreendimento agrícola altamente capitalizado.

Estamos diante da melhor preparação possível: uvas especiais “qrEfo”; construção

de uma torre “lD'g>mi” no meio dela, de onde, com certa probabilidade, ficaria o

sentinela para proteger dos plausíveis ladrões. Um lagar “bq,y<”131 para

129 PATTERSON, R. D., “lqs”, in R. L. HARRIS – G. L. ARCHER, Jr, – B. K. WALTKE, (ed.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p. 1059: “O uso de lq;s' para designar a remoção de pedras é encontrado apenas duas vezes, ambas em Isaías. Em Isaías 5,2 emprega-se o verbo na expressiva parábola acerca do preparo cuidadoso de Deus com a sua vinha, Israel. Em Isa 62,10, é utilizado descrevendo os árduos preparativos para o remanescente reunido do Senhor voltar a Sião”. 130 Ibid., pp. 144: “KB 725: Piel: (1) ‘mit Steinen (be) worfen’ 2 Sam 16:13; 16:6; (2) (a) ‘von Steinen säubern’ Isa 5:2; (b) ‘Steine wegräumen’”. 131 O termo yeqeb tem uma variedade de conotações: barril – vinho (um cocho ou buraco escavado) (Bible Work 6.0)

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processamento. Portanto, após a preparação do solo, segue ([jn)132 a plantação da

soreq133 (2b): qrEfo ‘Wh[e’J'YIw:, provavelmente uma uva de variedade vermelha,

especial.

Parece que a região escolhida para a plantação da vinha era ideal: “!m,v'(-!B,

!r<q<ïB.” (1b). Possivelmente em um declive, ou seja, na encosta de um monte

“!r<q<ib”134; portanto, era admissível que incluísse um adequado escoamento de

água. O relato mostra que a região era fértil “!m,v,”, contudo, necessitava de todo

um aparato agrícola para colocá-lo em condições de cultivo. Decisivamente, os

versos 1b – 2d ressaltam o esforço que o proprietário empenhou-se, para criar uma

vinha onde não havia condições ideais para o plantio.

Podemos verificar, que no verso 2c-d, o relato menciona estruturas

construídas com o propósito de ser usada ainda por muito tempo, como a torre

“lD'g>mi” e o lagar “bq,y<”, valorizando ainda mais o empreendimento:

AkêAtB. ‘lD“g>mi !b,YIÜw: c e construiu uma torre no meio dela

AB= bceäx’ bq,y<ß-~g:w> d e também cavou um lagar

O proprietário poderia ter diminuído o custo do seu empreendimento. Um

exemplo claro dessa possibilidade é o uso de uma pequena cabana provisória,

como encontramos em Isaías 1,8: “~r<k'_b. hK'äsuK.”; também nos deparamos com

132 WILSON, M. R., “[jn” in R. L. HARRIS – G. L. ARCHER, Jr, – B. K. WALTKE, (ed.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p. 959: “A raiz [jn é empregada cerca de 70 vezes. A maioria das referências ocorre nos profetas, Isaías e Jeremias por aproximadamente 30 referências. A raiz [jn também é achada na literatura Ugarítica. Não é de surpreender que a Bíblia, ao falar do Israel antigo, onde era grande a prática de cultivo da terra, mencione aproximadamente cem variedades diferentes de plantas a maioria delas economicamente vital àquela sociedade agrária. Pelo ato de plantar ser algo tão familiar, os autores do AT empregam figuradamente a raiz [jn cerca de 30 vezes. O plantar videiras e vinhas é mencionado um maior número de vezes (Gn 9,20; Dt 20,6; 28,30.39; Sl 107,37; Pv 31,16; Ec 2,4; Is 37,30; 65,21; Jr 31,5; Ez 28,26; Am 5,11; 9,14; Mq 1,6; Sf 1,13). Muitas dessas passagens também dão ênfase ao resultado do plantio: comer, apreciar o fruto ou beber o vinho [...] O verbo [jn e seu derivados são muitas vezes usados metaforicamente com referência a Yahweh”. 133 qrefo tipo especial de videira. 134 O vocábulo !r,q, serve para designar coisas protuberantes, como chifre. Também serve para designar monte, como aqui em Isaías 5, 1.

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essa modesta construção em Isaías 4,6, “hK'su”. Pelo contrário, o proprietário não

economizou recursos, construindo uma torre (lD'g>mi).

Podemos chegar a seguinte conclusão: Os materiais usados na construção

dão a entender que o proprietário se preocupou em edificar uma vinha com um

longo tempo de operosidade e com boa capacidade de produção, para tanto

investiu em instalações duráveis. Estamos diante de uma forte expectativa: ~ybiÞn"[]

tAfï[]l; wq:±y>w: (2e).

O relato possui uma dinâmica impressionante. O redator, aqui no texto

hebraico, cria toda a perspectiva com os elementos mencionados, no entanto, o

produto da vide é ~yviauB. em lugar das uvas especiais.

Versão da Septuaginta kai. fragmo.n perie,qhka a E eu cerquei rodeando

kai. evcara,kwsa kai. evfu,teusa a;mpelon

swrhc

b e cavei uma vala e plantei uma vinha de uvas especiais (soreq)

kai. wv|kodo,mhsa pu,rgon evn me,sw| auvtou/ c e construí uma torre no meio dela

kai. prolh,nion w;ruxa evn auvtw/| d e (barril) cavei um lagar nela

kai. e;meina tou/ poih/sai stafulh,n e e esperei para produzir uvas

evpoi,hsen de. avka,nqaj f porém, produziu espinhos.

Há no verso 5,2a: kai. fragmo.n perie,qhka, uma importante diferença entre

o texto hebraico e a versão da Septuaginta. Podemos observar, que enquanto o

texto hebraico trata da preparação do solo para receber a vinha, empregando no

verso 2a, os verbos qz:[' e lq;s', a versão da Septuaginta enfatiza somente a

estrutura. Percebemos, então, que provavelmente o local já estivesse previamente

preparado para o plantio. Desta forma, o verso 2a na Septuaginta, segui inserindo

a cerca (fragmo,j). Partindo dessa argumentação, segundo a perspectiva do redator

da Septuaginta, já havia condições ideais para o plantio. Por isso ele abre mão dos

verbos qz:[' e lq;s'. O que o viticultor necessitaria nessas condições, seria a

imediata proteção para a área do plantio. Daí o uso de fragmo.n perie,qhka.

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Portanto, o texto hebraico não menciona de imediato uma cerca. O fará

somente no verso 5, onde hK'Wfm. (cerca viva) aparece em um paralelismo poético

com rdeG". Na Septuaginta encontramos no verso 5: fragmo,j fazendo um

paralelismo com toi/coj. hK'Wfm. é provavelmente uma cerca viva constituída de

pequenos arbustos espinhosos, identificando assim o seu valor semântico com o

fragmo,j da Septuaginta. O rdeG" é mais provável que seja uma cerca de madeira

ou uma muralha (parede) de pedra. Ambos termos são usados para o mesmo

objetivo: proteção contra intrusos indesejáveis. Na versão da Septuaginta, o

contexto de Isaías 5,5 indica que fragmo,j135 é menos expressivo que o toi/coj de

pedra. Podemos verificar que fragmo,j é excepcionalmente derrubado, ou seja, é

removido para passagem de pequeno gado, servindo de pasto: avfelw/ to.n

fragmo.n auvtou/. Já o toi/coj é destruído, ou seja, derrubado: kaqelw/ to.n toi/con

auvtou/. Sendo assim, corresponderia melhor ao hK'Wfm. do texto hebraico.

Outra importante diferença entre o texto hebraico e a versão da Septuaginta

aparece no plantio da vinha. O texto hebraico menciona uma variedade especial de

uva: qrefo. Já a Septuaginta dá preferência a frase a;mpelon swrhc como objeto de

futeu,w “plantar”. Não obstante a Septuaginta preserve swrhc por uma

transliteração simples. A Septuaginta introduz avka,nqaj (espinhos)136 enquanto o

texto hebraico prefira usar ~yvi(auB. “uvas bravas”.

135 Podemos verificar em vários textos o significado de fragmo,j que pode ser usado para qualquer cerca ao redor de vinhedos, ou paredes de cidade: Nm 22,24; 1 Ks 10,22; 11,27; 2 Esdras 9,9; Sl 61,4; 79,13; 88,41; Pr 24,31; Is 58,12. 136 A palavra só aparece duas vezes no Texto Massorético (Is 5,2.4), enquanto (fedendo) é achado três vezes: Isaías 34,3 (LXX: cheiro), Joel 2,20 (LXX: fedor) e Amós 4,10.

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4.3 Elementos constitutivos da narrativa de Isaías 5,7 Texto Massorético

laeêr"f.yI tyBeä ‘tAab’c. hw"Ühy> ~r<k,ø yKiä a Porque a vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel,

wy[‘_Wv[]v; [j;Þn> hd"êWhy> vyaiäw> b e os homens de Judá são a planta das suas delícias;

xP’êf.mi hNEåhiw> ‘jP’v.mil. wq:Üy>w: c e esperou para que exercesse juízo, e eis aqui opressão;

S `hq")[‘c. hNEïhiw> hq"ßd"c.li d para justiça, e eis aqui clamor.

Versão da Septuaginta

o` ga.r avmpelw.n kuri,ou sabawq oi=koj

tou/ Israhl evsti,n

a Porque a vinha do Senhor dos

Exércitos é a casa de Israel

kai. a;nqrwpoj tou/ Iouda neo,futon

hvgaphme,non

b E os homens de Judá são a planta

amada

e;meina tou/ poih/sai kri,sin evpoi,hsen de.

avnomi,an

c Esperei para produzir juízo, porém

produziu transgressão

kai. ouv dikaiosu,nhn avlla. kraugh,n d E não justiça, mas clamor.

A expressão laer'f.yI tyBeä137 sinaliza, na maioria das vezes, o reino do

Norte. H. Wildberger afirma que laer'f.yI tyBeä faz parte de um paralelo com hd"_Why

vyai. Para Wildberger ambos conceitos são idênticos com ~Øil;Þv’Wry> bveîAy e hd"_Why>

vyai no v. 3138.

Para G. R. Williams num primeiro momento estava claro, para os ouvintes,

que a vinha era de fato a “casa de Israel”:

“A expectativa é direcionada pela frase 'casa de Israel.' Que 'a casa de Israel' representava o reino do Norte não havia dúvidas para os moradores de Judá. Talvez eles estavam familiarizados com o uso da imagem da vinha em Oséias e

137 Cf. G.R. WILLIAMS, Frustrated Expectations in Isaiah V 1-7: A Literary Interpretation, p. 462. Williams cita alguns versículos como uso da “laer'f.yI tyBeä” para se referir a Judá: Isaías 8,14; 14,2; Miquéias 3,9; Jeremias 2,26. 138 Cf., YEE, G.A., A Form-Critical Study of Isaiah 5,1-7 as a Song and a Juridical Parable, p. 37. Yee cita: “Jesaja 1-12 (BKAT X/ I; Neukirchen-Vluyn: Neukirchener, Fohrer, Das Buch Jesaja, Band I (Stuttgart: Zwingli, 1966) 78”.

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em Salmo 80 para descrever Israel. Também, possivelmente souberam que Oséias tinha comparado o reino do Norte a uma mulher adúltera. De qualquer modo, eles seguramente teriam concordado, que o reino rival era de fato como uma esposa infiel a Yahweh e tinha merecido o castigo que viram no horizonte na forma de agressão assíria”139.

Portanto, é possível que os ouvintes identificassem a vinha imediatamente

com Israel, o Reino do norte140. Mas se atentarmos para a aplicação da parábola

no verso 7 (laer'f.yI tyBeä, e hd"_Why> vyai) identificaríamos, desta forma, que a

interpretação da metáfora da vinha indica igualmente o Reino do Sul e assim a

advertência também valeria para Judá. A análise interpretativa mostra nitidamente

que assim como Israel era moralmente e politicamente decadente, Judá não

diferenciava em nada, portanto a mesma ameaça vale para Judá, que sofrerá o

mesmo destino de Israel se não se arrepender. Entretanto, Williams observa que

“a surpresa mais desagradável de tudo está pronta para ser revelado”141.

Com a frase hd"_Why> vyai (v. 7) cria uma expectativa para os ouvintes:

“Israel seria castigado, mas Judá seria abençoado (Oséias 1,7)”142. Porém, não é

extamente isso que acontece. Aliás essa é a intenção do relato. Levar os ouvintes a

fazerem um juízo precipitado, para logo em seguida perceberem a sua própria

condenação. Não há dúvidas que estamos diante de uma parábola jurídica.

G. A. Yee define muito bem essa situação de autocondenação:

“A articulação do texto é tal que os Judeus são levados a acreditar que a vinha é Israel e que eles julgam e condenam e também testemunham a predição de Yhwh. Além disso, a interpretação revela que a vinha realmente é Israel. Porém, os ouvintes são levados à reflexão e descobrem que Judá, cuja situação era análoga ao Norte, é na realidade o principal transgressor no relato”143.

Portanto, é no verso final que a interpretação da parábola é percebida e

totalmente aplicada, conforme a intenção do profeta. Percebemos ainda que na

139 Cf. WILLIAMS, G.R., Frustrated Expectations in Isaiah V 1-7: A Literary Interpretation, p. 462. 140 Desde Isaías em Jerusalém, no século VIII a vinha era uma metáfora predominantemente associada com Israel (Os 9,10; 10,1; 14,8; Salmo 80). 141 Cf. WILLIAMS, G.R., op. cit., p. 462. 142 Ibid., p. 462. “Oséias 1,7a: ~h,_yhel{)a/ hw"åhyB; ~yTiÞ[.v;Ah)w> ~xeêr:a] ‘hd"Why> tyBeÛ-ta,w> ‘e a casa de Judá terei piedade e os salvarei por Adonai, seu Deus [...]’” veja também essa relação em Oséias 12,1. 143 Cf., YEE, G.A., A Form-Critical Study of Isaiah 5,1-7 as a Song and a Juridical Parable, pp. 38-39.

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parte c e d os vocábulos são organizados de tal maneira que cria uma aliteração:

Deus buscou que exercesse juízo (jP'v.mi) mas achou só opressão(xP'f.mi)144 e para

a justiça (hq'd'c.) só achou clamor (hq'['c.)145. A dinâmica do texto também se

mostra no uso do verbo hw"q'.

O redator usa esse verbo no verso 2c: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w “e

esperava que desse uvas boas, porém deu uvas bravas”. A expectativa continua no

verso 4b: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; “esperando eu que desse uvas boas, veio a

dar uvas bravas? ”.

Por último, na etapa conclusiva, encontramos na segunda parte do

paralelismo a expectativa final (v. 7b): hq")['c. hNEïhiw> hq"ßd"c.li xP'êf.mi hNEåhiw> ‘jP'v.mil.

wq:Üy>w: “e esperou que exercesse juízo, e eis aqui opressão; justiça, e eis aqui

clamor” 146.

144 Cf., J.D.W. Watts, Isaiah 1-33, p. 57: “xP'f.mi is another hapax and, thus, not easy to interpret. LXX translates avnomi,a, ‘lawlessness’. Vg iniquitas ‘iniquity’. But these general meanings are of little help. Marti, Gray, Procksch, and Wildberger suggest a root ספח (which here is rendered which can be related to the Arabic safaha ‘shed blood’. (cf. Koran 6, 145) KB suggests (שפחanother parallel with resultant meaning of ‘turn aside, break the law’. BDB has ‘bloodshed’”. 145 O jogo de palavras: hq'['c (clamor) e hq'd'c (justiça) aparece só aqui em Isaías, mas podemos encontrar em outros contextos no texto hebraico que tratam das reclamações contra a injustiça (Gn 27,34; Ex 3,7,9; 11,6). 146 Estamos diante de uma crítica radical. É bem peculiar ao redator isaiano a queixa da opressão do pobre pelos ricos e de práticas avarentas da elite (Isaías 3,12.13-15; 5,8-24; 10,1-4).

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66

5 Análise Exegética de Mateus 21,33-46

5. 1 Análise histórico-transmissiva do texto de Mateus 21,33-46

Esta parte da nossa pesquisa é dedicada à análise da redação da parábola

dos vinhateiros homicidas. Através da análise histórico-transmissiva

procuraremos confrontar a tradição preservada no texto de Mateus 21,33-46 com

tradições semelhantes, proporemos harmonizar as características apresentadas por

cada uma delas nas diferentes e importantes fases do processo de transmissão.

Desta maneira, implicaria, que o caráter e conteúdo de uma “tradição possam ter

recebido, em seu processo de transmissão oral, uma série de modificações,

condicionadas por situações históricas e eclesiais distintas, ou por interesses

especiais dos seus intérpretes individuais ou grupais” 147.

Essa análise consistirá em estabelecer os critérios e objetivos, dos quais

dispomos para detectar os retoques ou glosas que provêm da comunidade cristã.

Depois de analisarmos a tradição mais primitiva do texto de Marcos,

compararemos com a versão mateana, considerado como testemunho de uma

tradição independente de Marcos.

5. 1.1 A autenticidade da parábola dos vinhateiros

Há algumas tentativas que preferem simplesmente conservar o relato dos

vinhateiros, na perspectiva de Mateus, exatamente como se apresenta na sua

forma atual148. Deste modo, não se admite questionamentos quanto à

147 Cf., WEGNER, U., Exegese do Novo Testamento, Manual de metodologia, p. 230. 148 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p.105. Hubaut cita os seguintes exegetas que tentam mostrar a autenticidade da parábola dos vinhateiros homicidas: “J.M. VOSTÉ, Parabolae, I, p. 343; S.M. Gozzo, Disquisitio critico-exegetica in parabolam Novi Testamenti de perfidis vinitoribus (Studia Antoniana, 2), Rome, 1949. Quant aux ‘reconstitutions’ de B.M.F. VAN IERSEL, ‘Der Sohn’ in den synoptischen Jesusworten Christusbezeichnung der Gemeinde oder

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autenticidade da parábola em seu formato final149. Por outro lado, vemos

registrado na parábola dos vinhateiros homicidas o insucesso da missão de Jesus

junto as principais autoridades judaicas e suas respectivas instituições, de modo

alegorizada principalmente na versão mateana da parábola. Percebemos, então,

nesse sentido alegórico, que a parábola conjetura, as prováveis conclusões

ponderadas pela Igreja, como comprovações de diversas situações vivenciadas

pela comunidade mateana no período pós-pascal. Portanto, podemos definir com

certa precisão, que a parábola dos vinhateiros homicidas é, em decorrência, uma

alegoria. Conseqüentemente, trata-se de uma construção literária da comunidade

mateana. Na realidade estamos diante de um vaticiniun ex eventu, basta

analisarmos Mateus 21,37-39: Em 21,37a encontramos a frase avpe,steilen pro.j

auvtou.j to.n ui`o.n auvtou/. Não restam dúvidas que o envio do “ui`o,j” ressalta a

presença marcante de Jesus na sua missão a Israel. No correlato, em Marcos 12,6a

encontramos a expressão: “ui`o.n avgaphto,n”, que é ainda mais determinante para

nossa argumentação: “filho amado”. Um outro motivo contundente contra a

autenticidade aparece no verso 38: ou-to,j evstin o` klhrono,moj, podemos destacar

que as autoridades judaicas não imaginariam, em hipótese alguma, Jesus como

klhrono,moj “herdeiro”.

O verso 38 relata como se deu à morte do último enviado, o filho: kai.

labo,ntej auvto.n evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj kai. avpe,kteinan, a menção da morte

de Jesus é mostrada com detalhes: foi crucificado fora da cidade de Jerusalém150,

cidade esta que efetivamente simbolizava a vinha de Deus.

No verso 42 percebemos a inclusão da passagem do Sl 118: Ouvde,pote avne,gnwte evn tai/j grafai/j\ li,qon o]n avpedoki,masan oi`

oivkodomou/ntej( ou-toj evgenh,qh eivj kefalh.n gwni,aj\ para. kuri,ou evge,neto au[th

kai. e;stin qaumasth. evn ovfqalmoi/j h`mw/n.

Selbstbezeichnung Jesu? (SupplNT, 3), 2 éd., Leiden, 1964, pp. 124-145; X. LÉON-DUFOUR, La parabole des vignerons homicides, p. 327; M. BASTIN, La passion du fils de l'homme dans les dits de Jésus. Contribution à l’étude du Jésus de 1'histoire (Dissertation doctorale polycopiée), 2 vol., Strasbourg, 1973, pp. 11-102, elles ressemblent un peu trop à la version marcienne! S'il suffisait de retrancher la citation d’Is., du Ps., et le v. 5b, le problème de l'authenticité ne se poserait pas”. 149 Conforme apresentamos no status quaestionis, os exegetas modernos endossam a crítica levantada anteriormente por A. Jülicher sobre a parábola dos vinhateiros JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, pp. 72-83; DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, pp. 126-30; LOISY, A., Les évangiles synoptlques, II, pp. 318-320; BONNARD, P., Matthieu, pp. 314-315. 150 Os seguintes textos comprovam isso: João 19,20 e Hebreus 13,12.

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Essa citação é literalmente extraída da versão da Septuaginta do Sl 118,22-

23. Por conseguinte, trata-se de uma perfeita e evidente avaliação que a

comunidade cristã faz a posteriori. Essa citação é uma interpretação e aplicação:

idealiza a prova fundamental da expectativa cristã, e sinaliza a efetiva e plena

vitória derradeira de Cristo. Sem sombra de dúvida que, a imagem que apresenta a

narrativa dos vinhateiros, na referência veterotestamentária, trata-se de um

elemento redacional genuinamente secundário.

Além dessas informações propositivas contra a autenticidade da parábola,

também podemos deduzir que, possivelmente a parábola foi escrita por um cristão

que exprimia uma compreensão da história marcada pela fé cristã e pela

constatação da incredulidade e da culpabilidade das principais autoridades

religiosas judaicas.

O evangelho de Mateus, assim como o de Marcos e Lucas apresentam a

parábola dos vinhateiros homicidas como sendo originária de Jesus. Mas, a partir

de uma análise cuidadosa, principalmente na versão de Mateus 21,33-46,

observamos elementos vivenciados pela comunidade mateana. O que é

determinante aqui é a suposta “influência da fé da comunidade na formação e

transformação da tradição”151 para atender a teologia do evangelista.

M. Hubaut fala sobre essa transmissão:

“Sabemos que o movimento normal da tradição é o de uma transmissão, constituído ao mesmo tempo por um ato fiel, porém interpretativo, mas não a de uma criação ex nihilo ou de uma deterioração sistemática, pensamos que metodologicamente seja possível, porém não fácil procurar por uma versão “primitiva” da parábola152. A tradição153 da parábola dos vinhateiros homicidas em sua forma final

nos foi transmitida pelo redator mateano, incluindo ou alargando o material pré-

existente, de acordo com suas dimensões de interpretação específica que procura

151 Cf., KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p. 51 152 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 107. 153 Cf., KÜMMEL, W. G., op. cit., p. 52: “o primeiro impulso para a formação e transmissão da tradição evangélica teria partido da pregação cristã primitiva [...] o material da tradição mais antigo teria sido modificado de várias maneiras por motivos dogmáticos e apologéticos, parenéticos e disciplinares, dentro da comunidade [...]”.

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efetivamente enfatizar154. Certamente, que o uso da parábola, conforme a

narrativa do evangelho de Marcos, ressalta certas possibilidades alegóricas, como

a referência à versão da Septuaginta155 de Isaías 5,2156 (Mateus 21,33 // Marcos

12,1)157. O redator mateano modifica (Mateus 21,34-36) nitidamente o relato do

envio dos servos, conforme Marcos 12,2-5. Entre outras mudanças, resta então a

possibilidade, não obstante, em alto grau de probabilidade, que o redator tenha

feito uso de material diversificado. Como por exemplo, notamos a inserção de

uma claúsula redacional entre o verso 42 e o verso 44. Como resultado, não resta

dúvida, é uma tentativa primorosa para por nos lábios de Jesus uma autêntica

alegoria, que tem como objetivo, proporcionar a profecia que trata da crucificação

e morte de Jesus, ocasionada pelas mãos cruentas das principais autoridades

judaicas. O verdadeiro objetivo de Mateus é dar uma resposta de desagravo divino

para esta ação totalmente inconseqüente. Assim, Deus rejeita inteiramente Israel e

repassa a basilei,a ao novo e;qnoj, de acordo com Mateus 21,43. Esta alegoria é

plenificada então a partir da citação (v.44) veterotestamentária, conforme

analisamos anteriormente. Mateus introduziu o Sl 118 evidentemente como

documento textual de prova da ressurreição. Por conseguinte, serviu

propositalmente para transformar o acabamento conclusivo da história de uma

vingança para um verdadeiro e tão desejável triunfo158.

Para Léon-Dufour, esta parábola descreve temas desenvolvidos e

devidamente enfatizados pela comunidade primitiva: o tema da herança159, por

exemplo, trata-se de um vocábulo que é totalmente desconhecido dos Evangelhos,

só temos menção aqui nos vinhateiros, contudo é bastante freqüente no restante da

154 Cf., SCHNELLE, U. Introdução à exegese do Novo Testamento, p. 132. Para Schnelle “deve-se examinar os textos com vistas à maneira como foram trabalhados e compostos pelo redator final [...] a fim de chegar à interpretação de todo texto. Cada evangelista narra sua história de Jesus à sua Igreja”. 155 Em vários pontos a parábola dá a impressão de não ter sido somente influenciado pela versão da Septuaginta, mas também pelo texto hebraico. Iremos comprovar essa hipótese ao término desta pesquisa. 156 Está claro que Mateus 21,33 // Marcos 12,1 alude a Isaías 5,2. O que verificaremos é se Mateus conhece Isaías pelo texto hebraico ou pela versão da Septuaginta. 157 A citação de Isaías 5,2 também é achada em Marcos 12,1, mas está ausente em Lucas 20,9 e no evangelho de Tomé. 158 Cf., CROSSAN, J. D., The Parable of the Wicked Husbandmen, pp. 455-456.159 Cf., JEREMIAS, J., As Parábolas de Jesus, p. 73. Baseando-se num estudo de E. Bammel, Jeremias mostra que as regras de sucessão e de prescrição em uso na época, explicariam a atitude estranha dos vinhateiros que imaginaram matar o herdeiro, para tomar posse da herança. Não alegórica, a reflexão sobre a herança mostraria que a menção da morte do filho pertence à parábola primitiva.

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literatura neotestamentária160. De igual modo, podemos verificar também a

presença efetiva do tema da vinda de Jesus no fim da história de Israel: perseguido

indevidamente como os profetas e do mesmo modo ignorado completamente pelas

principais autoridades e em alguns casos, pelo próprio povo161.

A partir dessas considerações, podemos concluir que a parábola dos

vinhateiros é uma parábola que tem sua origem em Jesus162, mas que em um dado

momento foi redimensionada com um esquema histórico-salvífico.

160 EICHLER, J., in “klhrono,moj”, COENEN, L e BROWN, C. (ed.), Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. pp. 959-960. “O conceito de herança tem dimensões soteriológicas e escatológicas. Vincula-se com os atos históricos salvíficos de Deus [...] a parábola dos meeiros da vinha mostra Jesus como Herdeiro, e introduz o conceito veterotestamentário do remanescente. Javé escolheu Israel para ser seu povo. É sua vinha, e sua herança. Deu a terra a Israel, mas este desobedeceu. Agora, sobrara apenas um remanescente. Este remanescente, referido repetidas vezes pelos profetas, é, em última análise, Jesus, o Filho”. 161 Cf., LEON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 309. Léon-Dufour observa que a parábola dos vinhateiros homicidas contem alusões claras a acontecimentos do tempo de Jesus e da geração pós-pascal, do 1º século, que utiliza um vocabulário tão próximo da comunidade primitiva, que pôs nos lábios de Jesus uma alegoria. As passagens do Novo Testamento citadas por Léon-Dufour, são: Gl 3,18.29; 4,7; Rm 4,13.14; 8,17; Gl 4,4; Jo 1,11. 162VIA, D. O., The Parables, p. 133. Via observa que a autenticidade desta parábola é muito questionável: “o conteúdo é artificial, e só pode ser lido como uma alegoria”.

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5.2 Análise da redação de Mateus 21,33-46

A transformação que o redator mateano provocou nitidamente no relato de

Marcos, inserindo e remanejando ao longo da parábola, torna a sua narrativa

muito singular. Isso ele faz, articulando em definitivo de um jeito bem peculiar ao

seu interesse. Temos, portanto, na versão mateana: resumos e reformulações, e

principalmente inserção de material próprio. Ele se afasta de Marcos163 quando

lhe é inteiramente conveniente. A parte principal, centralizada por Marcos

(Marcos 12,2-5) é abreviada radicalmente de maneira que manifestam somente as

descrições que são importantes e essenciais no relato: a missão dos servos e, por

conseguinte as ações indiscriminadas dos vinhateiros. Assim Mateus, no verso 33,

acrescenta, indicando que o proprietário da vinha é o a;nqrwpoj oivkodespo,thj, ou

seja, aquele que administra a casa, inclusive a família, criados, servos e escravos.

oivkodespo,thj faz parte das concepções mateanas em relação ao “senhor da casa” e

também quando está ligado ao “servo”164.

A expressão: kai. w;ruxen evn auvtw/| lhno.n “e construiu nela um lagar”

apresenta o vocábulo grego lhno,j. Na parte baixa do terreno, preparado para a

vinha, se construía uma gamela, aproveitando a depressão do terreno. Na parte

alta ficava o lagar. Assim facilitava a passagem do líquido, que escorria

atravessando as aberturas para a parte inferior, a gamela. Toda esse aparato

construído na parte superior e interligado com a parte inferior do terreno era

conhecido com o nome de lhno,j. Havia preferência para a construção do

receptáculo de pedras, justamente por facilitar o condicionamento e o esfriamento

do líquido. Assim, o conjunto inteiro da construção, com a gamela, a escavação e

o lugar de pisar normalmente era considerado como lhno,j.

Com um indicativo temporal: o[te de. h;ggisen o` kairo.j tw/n karpw/n (v.

34a) o redator mateano introduz a missão sucessiva dos servos (34-39), isso se dá

163 KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, pp. 130-131. 164 A palavra existe no Novo Testamento somente nos sinóticos: Marcos 1; Lucas 4; Mateus 7. Em Mateus com diferentes aplicações.

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sob o sinal do “tempo dos frutos”. É interessante observarmos no verso 34165 o

karpou.j auvtou/ em lugar de avpo. tw/n karpw/n tou/ avmpelw/noj166. É possível que

Mateus tenha efetivamente abdicado do lado emblemático de Marcos e infundido

inteiramente na sua redação uma perspectiva de história da salvação.

Exclusivamente no verso 41 que o redator vai complexificar de maneira

categórica o seu plano salvífico. Porém, levará a cabo, determinantemente na

inserção redacional, no verso 43. O “kairo.j tw/n karpw/n” retrata justamente o

período necessário desde o plantio até a colheita das uvas.

A parte final do verso 33 indica que o oivkodespo,thj se ausentou viajando:

“kai. avpedh,mhsen”, possivelmente para o estrangeiro. Quando chega o “kairo.j tw/n

karpw/n” ele envia os seus servos: avpe,steilen tou.j dou,louj auvtou/, para receber a

parte que lhe cabia, conforme o contrato estabelecido com os vinhateiros: evxe,deto

auvto.n gewrgoi/j. A ação inconseqüente dos gewrgoi/j se mantém inalterada desde

do primeiro momento do envio dos servos: avpe,steilen tou.j dou,louj auvtou/. A

circunscrição do relato, inconfundível do envio dos profetas, é compendiado

quando comparado a sua fonte (Marcos 12,2-5).

O objetivo do redator mateano é criar toda uma dramatização até chegar ao

seu auge narrativo, nessa etapa do relato: avpe,steilen pro.j auvtou.j to.n ui`o.n auvtou/

(21,37)167. “Como Lucas, também Mateus inverteu no verso 39 a seqüência de

expulsar e matar, adequando-a à história da paixão: Jesus morre fora da vinha de

Deus”168. Não há dúvidas que na narrativa mateana a morte do filho encontra-se

respectivamente na mesma série das delinqüências precedentes. Podemos verificar

a articulação que o redator explora devidamente no verso 38a, ao trocar o

pronome demonstrativo, evkei/noi, deixando apenas oi` de. gewrgoi.. No verso 38b a

preferência será a forma parenética colocada posteriormente ao verbo que se

encontra no subjuntivo do aoristo: avpoktei,nwmen, assim ele insere de maneira

especial, scw/men.

A frase temporal o[tan ou=n e;lqh| o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj (40a) está

devidamente articulada, criando uma nova e importante dinâmica no relato. A

165 No v. 34b o redator propositalmente constrói no aoristo com infinitivo (pro.j tou.j gewrgou.j labei/n tou.j karpou.j auvtou/). 166 Conforme Marcos 12,2 167 Mateus abre mão do “avgaphto,j” de Marcos no v. 37. 168 Cf., SCHNELLE, U. Introdução à exegese do Novo Testamento, p. 140.

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pergunta feita aos interlocutores de Jesus, tem em contra partida uma resposta

rápida e definitiva, quanto ao destino dos vinhateiros no relato mateano. O

questionamento apresentado trata da ação determinante do oivkodespo,thj com sua

vinha: ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noij. A resposta é enfatizada de maneira

enérgica: kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j (v. 41). Evidentemente uma precipitação

dos interlocutores, pois a história se refere a eles. Desta maneira, o redator

mateano faz com que as principais autoridades judaicas determinassem a sua

autocondenação. Deste modo, os antagonistas de Jesus articulam efetivamente sua

própria sentença. A narrativa ratifica a sentença. A dinâmica do relato mostra a

interpretação deste juízo, e o faz introdutoriamente com uma citação bíblica bem

persuasiva: ouvde,pote avne,gnwte evn tai/j grafai/j\ (v. 42). Já que o verso seguinte

mostrará essa ação punitiva de maneira conclusiva.

A partir de agora a narrativa se configura de forma mais ampla e se insere

implicitamente a idéia de novos vinhateiros. O verso 43169 faz uma conexão direta

com o verso 34, principalmente na questão dos frutos. A teologia dos frutos170 (v.

34a, 41b e 43b) é introduzida no relato, tornando-se um elemento agregador de

toda narrativa171. De fato, centraliza o pensamento mateano no relato. Mas,

também é perceptível em todo o seu Evangelho (3,8.10; 7,16-18; 12,33;

21,34.41.43).

O verso 43 é introduzido com uma fórmula genuinamente mateana: dia.

tou/to le,gw u`mi/n172. É interessante analisarmos a relação do dia. tou/to com a

169 O estilo do versículo 43 é próprio do redator mateano. Podemos observar nesse estilo uma marca efetiva do redator. Ele dá certa preferência a tipos de fragmentos, como informações compactadas que finalizam perfeitamente o seu pensamento. Tais fragmentos, que possivelmente sejam cláusulas redacionais, também servem como fórmulas aplicativas da sua teologia, que aclaram definitivamente o conteúdo do relato. Esse procedimento pode ser observado em diversos textos: Mateus 5,16; 12,45c; 16,12; 17,13. 170 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 77. “O pensamento do pagamento dos frutos, através da ressonância de Sl 1,3 passa de improviso a concepção simbólica do dar o fruto. Este é um pensamento nuclear em Mateus que depois, vestido de simbolismo, se desenvolve no versículo 43 com uma leve inconseqüência, fiel a base de Marcos, se alude a citação cristológica (v. 42)”. 171 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 69. “Trata-se da mesma mão que reforçou o tema da produção dos frutos”. Hubuat apresenta alguma reserva ao atribuir a Mateus os retoques ao v. 34a e 41 b. 172 Para dá seqüência ao verso precedente, dia. tou/to aparece 6 vezes no Evangelho. Na seqüência de Marcos apenas uma única vez. No correlato de Lucas encontramos três vezes. No entanto, com a fórmula completa que aparece aqui: dia. tou/to le,gw u`mi/n encontramos também nos seguintes versos: Mateus 6,25 // Lucas 12,22; Mateus 12,31 // Marcos 3,28. Diferentemente, em Mateus 23,13, dia. tou/to retorna para dá seqüência ao o[ti.

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dinâmica do relato173. Ao mesmo tempo em que é inserido na narrativa como uma

fórmula de introdução, ele dá uma seqüência ao verso precedente e compacta

efetivamente todo o arco narrativo que começou desde o verso 34 e teve o seu

fechamento no verso 39. Desta maneira, a fórmula, meramente estilística, introduz

o diálogo final da narrativa (v. 40-44), que tem no verso 43 o seu elemento

aplicativo174. Para D. Buzy175, o verso 43 está unido, mas sem qualquer grande

afinidade com o verso 41, e muito menos ainda com 42. De igual modo pensa J.

Pirot176 e R. S. Costoya177. A falta de uma conexão na seqüência lógica dos

versos 41.42.43, não deve efetivamente determinar que dia. tou/to não faz

qualquer referência ao verso 42, somente pela dificuldade de inclusão do possível

encadeamento.

Também podemos observar que o correlativo interrogativo indireto o[ti178

em relação às fórmulas de asseveração pertence ao estilo característico do redator

mateano. Em 5,22a temos o uso de o[ti da seguinte maneira: evgw. de. le,gw u`mi/n

o[ti. O mesmo pode ser observado em 5,28179: evgw. de. le,gw u`mi/n o[ti.

Conseqüentemente, o emprego de o[ti pode ser observado sempre após uma

asseveração insistente180, bem como em 8,11: le,gw de. u`mi/n o[ti polloi. avpo.

avnatolw/n kai. dusmw/n h[xousin . É presumível que se trate de uma redação

legitimamente do próprio punho do redator mateano. Pelas citações observadas, o

correlativo o[ti de fato pertence ao estilo mateano usado em fórmulas

características de asseveração181. Nesse caso, observamos que a colocação do

correlativo na cláusula redacional do verso 43, apresenta-se de forma distinta da

173 Cf., COSTOYA, R. S., La Parábola, p. 336: “dia. tou/to se refere a toda parábola. Não pode se referir ao v. 42, cujo alcance é diferente, nem apenas ao v. 41, porque o v. 43 é mais amplo, mas a toda a parábola, e em especial a dupla falta: a morte dos enviados e a esterilidade da vinha. A vinha confiada aos primeiros vinhateiros (v. 33) é confiado a outros vinhateiros (v. 41). O v. 43 retoma a imagem com claridade”. 174 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 83. “dia. tou/to se refere a toda parábola e não ao versículo 42 a causa da diferença da declaração, tampouco só ao versículo 41, posto que o conteúdo do v. 43 é muito mais amplo”. 175 BUZY, D., Lês paraboles, p. 418. 176 PIROT, J., Paraboles, p. 380. 177 COSTOYA, R. S., La parábola, p. 337. 178 Cf., MURACHCO, H. Língua Grega. Visão semântica, lógica, orgânica e funcional. Vol. I, 2001, pp. 161-162. 179 O emprego de o[ti pelo redator mateano está presente também em: 5,32; 12,36; 16,18; 19,9. 180 Depois de uma declaração fortemente de juízo: le,gw de. umi/n o[ti pa/n rh/ma avrgo.n o] lalh,sousin oi` a;nqrwpoi avpodw,sousin peri. auvtou/ lo,gon evn h`me,ra| kri,sewj (Mt 12,36); de igual modo podemos verificar também em: 16,18; 19,9. 181 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 80. Esta é a conclusão de Trilling.

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seqüência lógica esperada do versículo. Na realidade estamos diante de um

legítimo paralelismo antitético, ou seja, a segunda parte que faz o paralelo é

inteiramente antagônico à idéia anterior, isso se dá em termos efetivamente

contrários: 1ª:[...] o[ti avrqh,setai avfV u`mw/n h` basilei,a tou/ qeou/: 2ª: kai.

doqh,setai e;qnei [...]”.

O uso pelo redator dos verbos avrqh,setai // doqh,setai, mostra-nos uma

forte relação no axioma transmitido em Mateus 13,12 com a possível extensão

redacional em 21,43:

Mateus 13,12 o[stij ga.r e;cei( a Quem quer que, pois tem,

doqh,setai auvtw/| b será dado a ele

kai. perisseuqh,setai\ c e terá em abundância;

o[stij de. ouvk e;cei( d quem quer que, porém, não tem, kai. o] e;cei avrqh,setai avpV auvtou/Å e até aquilo que tem será tirado dele

Mateus 21,43 dia. tou/to le,gw u`mi/n a Por isso voz digo

o[ti avrqh,setai avfV u`mw/n b que será tirado de vós

h` basilei,a tou/ qeou/ c o reino de Deus

kai. doqh,setai e;qnei d e será dado a uma nação poiou/nti tou.j karpou.j auvth/jÅ e que produza os seus frutos.

Há uma relação comprovada em ambos os textos. Trata-se de um apotegma,

que foi duplamente transmitida. O redator em posse dessa sentença faz diferentes

aplicações, porém mantém o paralelismo: o]j ga.r e;cei( doqh,setai auvtw/|\ kai. o]j

ouvk e;cei( kai. o] e;cei avrqh,setai avpV auvtou/Å “Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e,

ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”182. Possivelmente, houve uma

influência direta em 21,43183.

182 Cf., Marcos 4,25; Mateus 13,12; Lucas 8,18 e Mateu 25,29. Nesses textos aparecem o futuro passivo de ai;rw e o par dialético doqh,setai “será dado” - avrqh,setai “será tirado”. 183 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, pp. 80-81. Trilling supõe uma influência do primeiro versículo sobre o segundo, já que ele esperaria o verbo composto evkdi,domain como no v. 41, e não o verbo simples di,dwmi.

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A expressão basilei,a tou/ qeou/ não é típica do redator mateano184. Ela

aparece igualmente em 21,31: kai. ai` po,rnai proa,gousin u`ma/j eivj th.n basilei,an

tou/ qeou/, e em 12,28b: a;ra e;fqasen evfV u`ma/j h` basilei,a tou/ qeou/. A idéia

subentendida na cláusula redacional (v. 43) é que o reino de Deus será tirado de

Israel e será entregue a um povo que produzirá devidamente os seus frutos. O

redator mateano deu preferência a essa cláusula redacional, possivelmente com

um único objetivo: o de mostrar para sua comunidade, que o reino de Deus foi

transferido a um novo e;qnoj, já que era prerrogativa de Israel, que devido a sua

inteira passividade, ou melhor, esterilidade em não produzir os frutos esperados.

Para J. Jeremias185a expressão basilei,a tou/ qeou/ seria um importante argumento

que mostraria o quanto antiga consistiria essa tradição. Quanto à originalidade do

verso 43, W. Trilling faz a seguinte afirmação:

“O emprego da basilei,a tou/ qeou/ no versículo 43 não tem, de acordo com o vocabulário de Mateus nada de admirável e não constitui nenhum argumento de peso sobre sua paternidade, porém por razões de composição, estilísticas e de conteúdo tem sido escrito com segurança por Mateus” 186.

O redator mateano insere outras formas na composição: basilei,a| + ( ... ):

basilei,a| tou/ patro,j mou (26,29), basilei,a| tou/ patro.j auvtw/n (13,43). Somente

na definição integral de reino: basilei,a (25,34). O vocábulo é também partilhado

com “filhos”: ui`oi. th/j basilei,aj (8,12; 13,38). Outra expressão mateana

agregada a basilei,a| é: euvagge,lion th/j basilei,aj (4,23; 9,35; 24,14). Podemos

também verificar o uso de lo,goj formando a seguinte expressão peculiar a

Mateus: to.n lo,gon th/j basilei,aj (13,19)187.

O sentido da basilei,a no contexto do verso 43 indica que será tirada das

autoridades judaicas (21,23), e não do o;cloj que aparece no verso final (21,46).

A expressão avfV u`mw/n, retrata efetivamente os vinhateiros em 41, que responde a

184 Essa expressão (basilei,a tou/ qeou/) aparece com freqüência em Marcos. 185 JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, pp. 72-73. 186 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 82. Para Trilling: “21,43 está asegurado en cuanto a su texto. Zahn quería entender basilei,a tou/ qeou [reino de Dios] como cocepto más amplio frente a basilei,a twn ouranwn [reino de los cielos]. El primero pensaría en el señorío de Dios que abarca el Antiguo y el Nuevo Testamento, el segundo sólo el fundado por Jesús (Mt 6,33, nota 36). Tanto esta concepción como la semejante a ella que defiende Allen (P. 67s y respecto de los pasajes citados) apenas tien hoy partidarios.” 187 Os textos de Mateus que fazem alusão a basilei,a de Cristo são: 13,41; 16,28; 20,21.

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pergunta do verso 40. Esses gewrgoi/j representam as principais autoridades

judaicas com suas respectivas instituições, que se opõem radicalmente ao novo

e;qnoj, pela sua improdutividade e total passividade. Em contra partida, nos

deparamos com o e;qnoj, os novos vinhateiros, que recebem a basilei,a. Como

Mateus emprega o “plural quase técnico”188 para designar os “pagãos”, e que

indubitavelmente contemporizar a basilei,a ao e;qnoj, é possível que estejamos

diante de um fato incontestavelmente religioso. O vocábulo e;qnoj, no singular, só

aparece em 24,7: evgerqh,setai ga.r e;qnoj evpi. e;qnoj. E. Lohmeyer e W. Trilling

sugestionam que e;qnoj possivelmente tem um significado respectivo e exclusivo a

um povo de Deus. Porém, percebem que esse e;qnoj é devidamente novo quando

comparado a Israel. Nesse caso, estaríamos diante de uma probabilidade

expressiva no que tange a “história da salvação”, em que a Igreja seria

efetivamente esse suposto e;qnoj. O redator estaria formulando uma significativa

transformação de perspectiva em que a comunidade mateana propõe

definitivamente se adequar da prerrogativa que anteriormente pertencia a Israel.

Todavia, esse e;qnoj não está devidamente constituído, sem que seja feito de

maneira especial uma insinuação aos pagãos ou a Igreja pagã- cristã189. Assim

sendo, alguns exegetas sustentam a opinião que o e;qnoj trata-se de fato dos

pagãos190. Portanto, podemos verificar que de fato Mateus nomeia e;qnh com um

sentido claro, comumente se tratando dos pagãos. Porém, é preciso considerar

que tal emprego está devidamente em conexão com a fórmula pa,nta ta. e;qnh

conforme Mateus 6,32 191, onde o redator tem a preocupação de apresentar um

ponto de vista principalmente universalista. Ele usa o adjetivo indefinido pa,nta

justamente no sentido de se estabelecer a universalidade do e;qnh, correlacionando

assim com uma definição muito mais ampla.

A cláusula redacional no verso 43 ainda apresenta outras particularidades

extremamente importantes para se alcançar devidamente o significado da

formulação articulada pelo redator. Podemos, então, perceber as características

existentes nos verbos, que aparecem no futuro, avrqh,setai e doqh,setai. Esses

188 A expressão é usada por LOHMEYER, E., Matthãus, p. 314, citado por Trilling, p. 85. 189 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 85. 190 Pensam que e;qnoj se refira inteiramente aos pagãos: JEREMIAS, J., As Parábolas de Jesus, p. 73-82; COSTOYA, R. S., La parábola, p. 338.

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verbos não demarcam um fim dos tempos previamente anunciado. Isso é

percebido porque se conservam diametralmente na coerência que pressupõe a

parábola.

É na resposta inesperada dos oponentes de Cristo, no verso 41: [...] kakou.j

kakw/j avpole,sei auvtou.j [...], que Mateus devidamente pronuncia, a véspera da

paixão de Cristo, uma presciência de um acontecimento que, logicamente no

entender do redator, já se cumpriu de forma concreta 192. O redator mateano, de

fato, admiti o conceito da ininterrupção da história salvífica. Basta verificarmos a

amplitude que a expressão h` basilei,a tou/ qeou/193 indica como uma realidade

usualmente veterotestamentária como também neotestamentária.

Para o redator, não haveria dúvidas: era previsível que a penalidade

determinante para os antigos vinhateiros, incidiria não necessariamente na

destruição de Jerusalém, mas precisamente na transferência, estilisticamente

articulada no relato, da basilei,a194. A “basilei,a tou/ qeou/” conforme o verso 43,

apresenta, de maneira satisfatória, uma conotação exclusivamente de reino de

Deus sobre Israel e sobre a Igreja, ou seja a presença real e absoluta de Deus, sob

o seu total domínio. Conseqüentemente esperaria uma práxis determinante pelo

e;qnoj na produção de frutos. “Por produzir frutos Mateus entende praticar a

vontade de Deus (21,31), o que denota um nítido interesse parenético”195. Os

vocábulos karpou.j e poie,w são atestados devidamente na tradição mateana: em

3,8-10; 7,16-19 e 12,33.

O verso 44 é uma citação veterotestamentária que está devidamente

integrada à transferência da basilei,a com a finalidade de efetiva punição as

principais autoridades judaicas. É precisamente no verso 45, que o redator mostra

os avkou,santej oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi onde terão o conhecimento

imediato que eles são os protagonistas da narrativa. Ficam acuados, em 46, pelo

simples fato do o;cloj considerar Jesus um verdadeiro profeta.

191 Os pagãos no sentido de e;qnh aparecem exclusivamente em 4,15; 6,32; 10,5.18; 12,18.21; 20,19.25. 192 Assim pensam: W. Trilling, X. Léon-Dufour, R. S. Costoya. 193 As expressões basilei,a tou/ qeou e e;qnoj que, nesta conjectura, são introduzidas normalmente pelo redator mateano, são na realidade poucos mateanas. 194 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 86. 195 Cf., SCHNELLE, U. Introdução à exegese do Novo Testamento, p. 140.

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O redator finalizar a parábola que é fortemente marcada pela polêmica e

ilustra perfeitamente a recusa dos Judeus em entregar os frutos pedidos, o verso

43 contrapõe por um lado o judaísmo estéril e de agora em diante totalmente

privado da basilei,a e, por outro lado, a Igreja, que recebe a basilei,a e responde

fielmente a esta nova vindicação.

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6 Mateus 21,33-46 à luz da vinha de Isaías 5,1-7

De acordo com o desenvolvimento desta pesquisa, já podemos analisar com

mais precisão que Mateus usa Isaías 5 em intertextualidade e associação

interpretativa na alegorização196 de Marcos 12. Nesse capítulo, estaremos

analisando as conseqüências dessa intertextualidade na redação de Mateus.

Recentemente, Craig A. Evans em seu artigo “‘Jesus’ parable of the tenants in

light of lease agreements in antiquity” 197, caracterizou a parábola dos

vinhateiros homicidas “como parte de uma confrontação entre Jesus e as

autoridades do Templo, uma grave acusação de Jesus à liderança do

Templo”198.

O debate entre Jesus e os líderes judeus acontece de fato no Templo199 e são

introduzidos pela pergunta sobre a autoridade: evn poi,a| evxousi,a| tau/ta poiei/jÈ kai.

ti,j soi e;dwken th.n evxousi,an tau,thnÈ (21,23b), que Jesus tinha apresentado

quando dissociou de maneira crítica a função do Templo como um centro de

culto. “A polêmica antijudaica, possivelmente se explicaria, porque se tratava de

comunidade judeu-cristã, para a qual era determinante a delimitação sobre o

judaísmo de cunho farisaico, que se impôs depois do ano 70”200. A escolha da

parábola do cântico da vinha de Isaías, para argumentação e desenvolvimento

semântico nos vinhateiros, parece esquematizar perfeitamente com o propósito do

redator mateano diante da grave articulação com as autoridades judaicas. Aliás,

Mateus assinala o ministério de Jesus em Jerusalém por uma intensa crise com as

principais autoridades judaicas. Assim essa forte tensão é manifestada

196 EVANS, C.A., On the Vineyard Parables of Isaiah 5 and Mark 12, p. 82. Recentemente, de acordo com Evans, vários estudos apareceram tentando clarificar a relação da parábola dos vinhateiros em Marcos com Isaías 5,1-7 que é o ponto de partida para os vinhateiros. 197 EVANS, C. A., ‘Jesus’ Parable of the Tenants in Light of Lease Agreements in Antiquity, p. 65.198 Cf., MONASTÉRIO, R. A. e CARMONA, A. R., Evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 226. “Há teólogos que consideram Mateus um judeu-cristão palestinense, que mantém controvérsia “intra muros” do judaísmo [...] há aqueles que o consideram um pagão-cristão, para quem o conflito com o judaísmo é meramente uma recordação do passado”. 199 Havia entre os judeus, a idéia que a vinha de Isaías 5 é uma referência categórica ao Templo. 200 Cf., MONASTÉRIO, R. A. e CARMONA, A. R., op. cit., p. 226.

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veementemente por uma série de controvérsias. Uma leitura atenta dos cc. 21 - 23

mostra que “estamos no núcleo do caso mateano contra o Judaísmo”201.

Os acontecimentos, nos vinhateiros são narrados em linguagem parabólica

(v. 33-41), e tem como ponto de partida, no verso 33 à referência a vinha de Isaías

5,2. Destaca-se vários outros elementos isaianos pertinentes à redação mateana,

tendo como influência direta da parábola da vinha de Isaías. Além desses pontos

da narrativa de Isaías 5,1-7 que influenciam o redator mateano, nos deparamos

com uma importante teologia da história da salvação. O texto de Mateus

prossegue no desenvolvimento da narrativa. No verso 42 faz uma referência

direta a Escritura, no Salmo 118 que, diferentemente da ressonância de Isaías 5,1-

7, corresponde efetivamente como um tipo tradicional de resposta no quadro das

controvérsias202.

A nossa intenção é mostrar que a parábola dos vinhateiros sofre influência

direta da parábola de Isaías 5,1-7, e que o resultado dessa ressonância evidencia a

teologia propositiva de Mateus. Possivelmente, o uso dessa articulação com Isaías

é em razão da necessidade de comprovação, que o redator cogita na sua narrativa,

principalmente na cláusula redacional do verso 43, onde ele tenta reformular um

ideal moral, fazendo conexão com o relato isaiano, especialmente em 5,7.

Supostamente estamos diante da conseqüência direta da relação intricada da

comunidade mateana com o judaísmo do momento pós-pascal. A aplicação da

parábola dos vinhateiros mostrará, com bastantes evidências essa difícil relação.

Ainda tentaremos mostrar, nesse capítulo, principalmente a inclusão feita pelo

redator de um e;qnoj que produzirá os frutos esperados, e como conseqüência, ao

contrário das principais autoridades judaicas, receberá a basilei,a tou/ qeou/ .

201 DILLON, R.J., Towards a Tradition-History of the Parables of the True Israel (Matthew 21,33-22,14), p. 6. 202 DUPONT, J., Les béatitudes, II: La bonne Nouvelle, pp. 258-259.

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6.1 Os aspectos da intertextualidade entre Isaías 5,1-7 e Mateus 21,33-46

De acordo com a noção de intertextualidade cada texto é uma possível

resposta explícita ou implícita a textos correlatos anteriores, que mantém uma

interdependência. Isso é totalmente possível pela característica que determinados

textos têm de se submeter a uma forte apropriação do seu ponto de origem

correspondente e também pela transformação ou adequação desses textos mais

antigos. Conseqüentemente, surgem os “chamados intertextos”, onde efetivamente

um texto é o resultado da compreensão de textos anteriores. Na pesquisa da nossa

obra, percebemos dois tipos de intertextualidade: a estrita e a ampla203. A estrita é

verificada em Mateus 21,33, por se tratar de uma citação parcial a Isaías 5,2. A

intertextualidade ampla pode ser percebida pelo uso sistemático que o redator

mateano faz na interpretação e aplicação da parábola isaiana. O que é verificado

no desenvolvimento da sua narrativa, fazendo conexão ao texto, ou em parte do

texto, que definitivamente lhe interessa.

J. S. Kloppenborg, analisa a necessidade de como responder pela conexão

da parábola dos vinhateiros com Isaías 5,1-7. Ele verifica a possibilidade de uma

apuração mais efetiva da contribuição de Isaías 5,1-7 para a redação da parábola

dos vinhateiros, e se de fato tal uso é complementar a organização da parábola; e

como ficaria a interpretação da parábola na deficiência de uma absoluta

insinuação explícita para Isaías. É difícil não perceber essa conexão direta, entre o

redator mateano e o texto isaiano. Essa evidência, não só se acha na

complementação organizacional que o redator mateano articula nos vinhateiros,

mas também, e porque não dizer, principalmente na lógica propositiva da

eclesiologia intencional mateana. No entanto, Kloppenborg mostra um problema

fundamental na interpretação dos vinhateiros: é a questão se Isaías 5,1-7 é de fato,

essencial ao tecido da parábola. Por exemplo, se a ressonância de Isaías 5,1-7 for

fundamental à constituição da parábola de Mateus, é coerente, então, que o dono

da vinha seja evidentemente Deus, e a vinha, sem qualquer dúvida: Israel. Para

Kloppenborg o fruto deveria ser terminantemente o resultado da expectativa

criada no plantio da vinha, isto é, o retorno inevitável desse enorme investimento

203 Cf., BRENNER, A. (org.). Gênesis, a partir de uma leitura de gênero. São Paulo, 2000, pp. 277-278. Arie Troost faz uma análise da teoria de intertextualidade.

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83

que o proprietário esperaria da sua vinha. Entenderíamos assim, como a

indesculpável virtude que Deus esperaria tão somente de Israel na prática do

direito e da justiça204.

Os pontos perceptíveis da intertextualidade que a narrativa isaiana

influenciam o redator mateano serão analisados no próximo subtópico. Mas,

podemos exemplificar como resultado dessa ressonância em Mateus, tendo como

ponto de partida o texto de Isaías, quando o profeta põe em contraste a infeliz

improdutividade e esterilidade da vinha, diretamente com o extraordinário amor

de Deus: é a total entrega do amor do proprietário para a sua vinha, sem medir o

valor e sacrifício que isso acarretaria: (Isaías 5,4a), ytiyfiÞ[' al{ïw> ymiêr>k;l. ‘dA[

tAfï[]L;-hm; “Que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha feito?”

Nos vinhateiros, na perspectiva mateana, o envio sucessivo dos servos tinha por

objetivo apresentar a persistência, na intenção do a;nqrwpoj oivkodespo,thj, que

culminaria, inevitavelmente na morte do único filho. Não resta dúvida, que

estamos diante da manifestação concreta do amor do oivkodespo,thj. A narrativa

do envio dos servos corrobora com essa temática isaiana. Podemos ainda

perceber, que a partir desse contexto isaiano, surge com total nitidez, a ênfase,

logicamente por contraste, da reação totalmente perfídia dos vinhateiros.

204 KLOPPENBORG, J. S., Egyptian Viticultural Practices and the Citation of Isa 5:1-7 in Mark 12:1-9, p. 34. Conclui que “este seria o caso se a parábola empregasse, somente, o texto hebraico de Isaías, derivaria, então, do Jesus histórico, ou se usasse a Septuaginta seria uma criação cristã colocada nos lábios de Jesus”.

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6.1.1 A disposição dos verbos em Mateus 21,33 à luz de Isaías 5,2

Há diferenças no uso dos verbos evfu,teusen “plantou”, w;ruxen “cavou”, e

wv|kodo,mhsen “construiu” em Mateus 21,33 quando comparados com Isaías 5,2 na

versão da Septuaginta e no texto hebraico.

Para R. D. Aus205, a redação que Mateus faz em 21,33 é exclusiva do texto

hebraico. O redator mateano recorre ao texto hebraico de Isaías 5,2 quando

escreve a introdução da narrativa dos vinhateiros. W. J. C. Weren206 sugere uma

concordância com alguns detalhes significativos no texto hebraico que estão

definitivamente ausente na versão da Septuaginta e K. R. Snodgrass percebe

pequenas, mas importante semelhanças com a versão da Septuaginta207. A

dificuldade com os argumentos de Snodgrass e Weren é que Mateus 21,33 jamais

concorda com o texto hebraico, quando simplesmente comparado com a versão da

Septuaginta, isso partindo de qualquer ponto. Mas, de acordo com Kloppenborg,

em função dessas calorosas argumentações, as ressonâncias de Isaías no relato

mateano existiram, possivelmente em aramaico, que ele chama de relato “pré-

marquiano” ou em uma versão originalmente hebraica da parábola que já se fazia

presente na tradição anterior a redação mateana dos vinhateiros208.

Esse complexo questionamento é inevitável, mas não responde como e que

de forma o redator usou possivelmente a tradição original do texto isaiano da

vinha. O nosso objetivo é trabalhar a forma atual, como encontramos no texto de

Mateus. Por isso, vamos analisar a presença, num primeiro momento, dos verbos

no verso 33 comparando com Isaías 5,22. Analisaremos o ponto de partida dessa

ressonância, tanto no texto hebraico como na versão da Septuaginta.

205 AUS, R.D., The Wicked Tenants and Gethsemane, p. 5. 206 WEREN, W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 13. 207 SNODGRASS, K.R., The Parable of the Wicked Husbandmen. Is the Gospel of Thomas Version the Original? p. 143: “that some LXX wording was used is no proof at all [of the secondary nature of the quotation] since this may reflect only an assimilation to the LXX in either the oral or written period”. 208 KLOPPENBORG, J. S., Egyptian Viticultural Practices and the Citation of Isa 5:1-7 in Mark 12:1-9, p. 34.

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Mateus 21,33 :Allhn parabolh.n avkou,sateÅ a;nqrwpoj h=n oivkodespo,thj o[stij evfu,teusen

avmpelw/na kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken kai. w;ruxen evn auvtw/| lhno.n kai.

wv|kodo,mhsen pu,rgon kai. evxe,deto auvto.n gewrgoi/j kai. avpedh,mhsenÅ

Aqui em Mateus aparecem os verbos:

a. futeu,w209 -“plantar”

b. ovru,ssw210 - “cavar”

c. oivkodome,w 211 - “construir”

Esses verbos concordam com os verbos da terceira pessoa do singular do

hebraico em Isaías 5,2:

Isaías 5,2 (texto hebraico)

AB= bceäx' bq,y<ß-~g:w> AkêAtB. ‘lD"g>mi !b,YIÜw: qrEêfo ‘Wh[e’J'YIw: WhleªQ.s;y>w:) WhqEåZ>[;y>w:)

`~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w:

a. qz:[' 212 - “cavar” b. [j;n" 213 - “plantar” c. hn"B' 214 - “construir”

209 Verbo na 3ª pessoa do singular do aoristo ativo: evfu,teusen “ele plantou”. 210 (aor. w;puxa) “cavar”, verbo na 3ª pessoa do singular do aoristo ativo: w;ruxen “ele cavou”. 211 Verbo na 3ª pessoa do singular do aoristo ativo: wv|kodo,mhsen “ele construiu”. 212 Verbo na 3ª pessoa do singular masculino; piel imperfeito; com o waw conjuntivo e com sufixo de 3ª pessoa: WhqEåZ>[;y>w:) 213 Verbo na 3ª pessoa do singular masculino; qal imperfeito; com o waw conjuntivo e com sufixo de 3ª pessoa: Wh[e’J'YIw: 214 Verbo na 3ª pessoa do singular masculino apocopatado; qal imperfeito; com o waw conjuntivo: !b,YIÜw:

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A partir desta análise comparativa entre Mateus 21,33 e o texto hebraico

de Isaías 5,2 podemos verificar que os verbos evfu,teusen “plantou”, w;ruxen

“cavou”, e wv|kodo,mhsen “construiu” concordam da mesma maneira com o

hebraico, também na terceira pessoa do singular, do verbos qz:[' “cavou”, [j;n"

“plantou” e hn"B' “construiu”215, porém a ordem que esses verbos estão arranjados,

nos seus respectivos textos, não é a mesma.

Isaías 5,2 (Septuaginta) kai. fragmo.n perie,qhka kai. evcara,kwsa kai. evfu,teusa a;mpelon swrhc kai.

wv|kodo,mhsa pu,rgon evn me,sw| auvtou/ kai. prolh,nion w;ruxa evn auvtw/| kai. e;meina tou/

poih/sai stafulh,n evpoi,hsen de. avka,nqaj

a. futeu,w 216 - “plantar”

b. oivkodome,w 217 - “construir”

c. ovru,ssw 218- “cavar”

Os verbos na versão da Septuaginta aparecem na 1ª pessoa do singular,

diferentemente de Mateus 21,33 e no texto hebraico: 3ª pessoa do singular. R. D.

Aus tenta mostrar que os verbos apresentados na introdução, conforme

encontramos na narrativa dos vinhateiros, não depende exclusivamente da

Septuaginta219, para isso ele dá ênfase ao uso dos verbos na terceira pessoa do

singular na introdução da parábola dos vinhateiros, como mais próximos à

realidade do texto hebraico do que da versão da Septuaginta. Esse argumento não

é muito convincente para indicar que Mateus dependa exclusivamente do texto

215 Cf., EVANS, C. A., How Septuagintal Is Isa. 5:1-7 In Mark 12:1-9?, p. 107. Evans faz uma analogia do texto grego dos vinhateiros com o texto hebraico de Isaías. Ele critica as idéias apresentadas por Kloppenborg Verbin: “Kloppenborg marcou alguns pontos importantes que ajudam completamente para um maior grau de precisão ao debate. Mas há outras características que precisam ser levados em conta, características que sugerem que o cântico da vinha de Isaías serviu como ponto de partida original para a parábola da vinha (Mc 12,1-9 // Mt 21,33-46), que foi contextualizado e talvez secundariamente tenha sofrido influência da Septuaginta. Permanecem algumas questões importantes que precisam de investigação adicional. O estudo de Kloppenborg Verbin oferece uma valiosa contribuição”. 216 Verbo na 1ª pessoa do singular do aoristo ativo: evfu,teusa “eu plantei”. 217 Verbo na 1ª pessoa do singular do aoristo ativo: wv|kodo,mhsa “eu construí”. 218 Verbo na 1ª pessoa do singular do aoristo ativo: w;ruxa “eu cavei”. 219 Cf., AUS, R.D., The Wicked Tenants and Gethsemane, p. 5.

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hebraico. Para isso, basta considerar à mudança freqüente nos verbos do texto

hebraico:

- O verso 1a está na primeira pessoa (eu)

- Os versos 1b-2 estão na terceira pessoa (ele)

- Os versos 3-6 revertem à primeira pessoa (eu)

- O verso 7 é novamente a terceira pessoa (ele).

Ainda como resultado da intertextualidade de Isaías 5 podemos observar que

Mateus menciona livremente as mesmas quatro atividades apresentadas em

Marcos, e também os adapta efetivamente na mesma ordem em que estão

arranjados. A influência de Isaías 5,2 encontrada em Mateus mostra que o redator

inevitavelmente copiou a ordem invertida, quando comparado com a versão da

Septuaginta conforme encontramos em Marcos 12,1. Há também uma relativa

influência do texto hebraico.

A ordem na qual as várias atividades são apresentadas em Marcos difere da

ordem na Septuaginta. Para tanto, usaremos o gráfico apresentado por Weren220,

porém, faremos algumas modificações: para uma melhor análise comparativa dos

textos envolvidos, acrescentaremos no quadro comparativo o texto hebraico de

Isaías 5,2 e o harmonizaremos exatamente de acordo com o seu correspondente,

conforme a versão da Septuaginta, comparando com o texto grego de Marcos 12,1

e Mateus 21,33 com sua devida tradução. Portanto, indicaremos, seguindo a idéia

de Weren, a ordem estabelecida dos verbos nos diversos textos afins, dando

ênfase à articulação do redator mateano, que usa a mesma ordem invertida de

Marcos, porém faz algumas mudanças de caráter puramente estilístico:

220 WEREN, W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 19.

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Isaías 5,2 (TM) Isaías 5,2

(LXX)

Marcos 12, 1

Mateus 21, 33

Mateus 21, 33

(tradução)

WhleªQ.s;y>w:) WhqEåZ>[;y>w:)

(1) kai. fragmo.n perie,qhka

(kai. evcara,kwsa)

qrEêfo ‘Wh[e’J'YIw

(3) kai. evfu,teusa a;mpelon swrhc

(3) avmpelw/na a;nqrwpoj evfu,teusen

(3) a;nqrwpoj... evfu,teusen avmpelw/na

(3) homem... plantou uma vinha

AkêAtB. ‘lD"g>mi !b,YIÜw:

(4) kai. wv|kodo,mhsa pu,rgon evn me,sw| auvtou/

AB= bceäx' bq,y<ß-~g:w

(5) kai. prolh,nion w;ruxa evn auvtw/|

(1) kai. perie,qhken fragmo.n

(1) kai. fragmo.n... perie,qhken

(1) e uma cerca colocou em volta

(5) kai. w;ruxen u`polh,nion

(5) kai. w;ruxen... lhno.n

(5) e cavou ... um lagar

(4) kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon

(4) kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon

(4) e construiu uma torre

~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w:

kai. e;meina tou/ poih/sai stafulh,n

`~yvi(auB. f[;Y:ïw: evpoi,hsen de. avka,nqaj

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Analisaremos essa ordem invertida usada por Mateus, da seguinte

maneira: (1) kai. fragmo.n221 perie,qhka da Septuaginta é redigido pelo redator

mateano invertendo a seqüência do verso. O redator insere posteriormente

a;nqrwpoj h=n oivkodespo,thj o[stij evfu,teusen avmpelw/na, e ele emprega a seguinte

expressão correlata: kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken. O mesmo procedimento ele

faz para: (4) kai. wv|kodo,mhsa pu,rgon evn me,sw| auvtou/ da versão grega, agora ele

insere, colocando em uma ordem inversa, na última parte refente a conexão com o

texto isaiano: kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon. E, finalmente, ele inseri fazendo conexão

com a vinha de Isaías, invertendo, também: (5) kai. prolh,nion w;ruxa evn auvtw/|, que

aparecerá intercalando kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken (kai. w;ruxen evn auvtw/|

lhno.n) kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon. Podemos, então, observar que o redator mateano

altera (mantendo a formulação de Marcos) propositalmente a ordem dos

vocábulos nas orações de maneira apropriada, com três nítidas ocorrências,

quando confrontadas com a versão da Septuaginta.

A pergunta, pertinente a essa questão é: qual a intenção de se fazer essa

desordem na formulação de uma citação veterotestamentária? Possivelmente,

quando o redator inverte uma formulação já estabelecida e conhecida, ele estaria

tentando impactar a preciosa atenção do ouvinte (ou o leitor), ocasionando uma

súbita impressão. Já que o ouvinte esperaria daquela passagem exatamente como

reza a tradição, porém ele escuta uma outra coisa, em meio as palavras

costumeiramente ouvidas. Isso, provavelmente causa-lhe uma perplexidade,

redobrando assim sua total atenção ao que está sendo exposto, correlacionando

imediatamente as novas informações com as conhecidas. Essa hesitação, que a

narrativa provoca no público ouvinte, faz com que o pensamento reflexivo desses

interlocutores, seja imediato, trazendo à memória o sentido evidente da mensagem

que o texto aludido pressupõe. Deste modo, o redator consegue trazer uma nova

idéia, trabalhando redacionalmente de forma intertextualizada, inserindo a

referência devidamente no seu relato, um conceito totalmente já preconizado pelos

seus interlocutores, porém com uma nova aplicação.

221Cf., Low-Nida, “fragmo,j” in Greek-English lexicon of the New Testament, Bible Work 6.0. fragmo,j (cerca) da vinha foi tirada da Septuaginta, já que no texto hebraico não há evidência de nenhuma cerca. Praticamente, os lavradores daquela região tinha algum tipo de cerca, parede, ou barreira empregada para cercar suas plantações.

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Para W. J. C. Weren o redator mateano reproduziu incontestavelmente

Isaías 5,2 fazendo uso, parcialmente do relato, direto da sua fonte em Marcos

12,1. “É uma mudança redacional que está inspirado pela formulação na versão da

Septuaginta [...], Mateus 21,33 volta para a formulação de Isaías 5, 2 de acordo

com a versão da Septuaginta” 222.

Podemos observar essa mudança redacional de Mateus comparando com

Marcos e com o texto de Isaías na versão da Septuaginta. Elaboraremos um

gráfico usando a proposta de Weren223:

Isaías 5, 2 (LXX) Marcos 12, 1 Mateus 21, 33 Mateus 21, 33

(tradução)

1.kai. fragmo.n

perie,qhka

2. kai. evcara,kwsa

3. kai. evfu,teusa

a;mpelon swrhc

1. avmpelw/na

a;nqrwpoj

evfu,teusen

1. evfu,teusen

avmpelw/na

1. plantou

uma vinha

3. kai. perie,qhken fragmo.n

3. kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken

3. e uma cerca colocou em volta

5. kai. w;ruxen

u`polh,nion

5. kai.

w;ruxen

evn auvtw/| lhno.n

5. e

cavou

nela um lagar

4. kai. wv|kodo,mhsa

pu,rgon evn me,sw|

auvtou/

4. kai. wv|kodo,mhsen

pu,rgon

4. kai. wv|kodo,mhsen

pu,rgon

4. e construiu uma torre

5. kai. prolh,nion w;ruxa evn auvtw/|

222 Cf., WEREN, W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Matthew 21,33-46), p. 20. 223 WEREN, W. J. C. op. cit., p. 19.

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Mateus não repetiu a abertura da parábola de Isaías literalmente na versão

da Septuaginta, conforme indicado na análise anterior. O redator mateano constrói

redacionalmente o seu prefácio fazendo conexão com Isaías, mas tomando

emprestado da versão da Septuaginta via Marcos. Entretanto, mesmo assim ele

modifica, em pequenos detalhes, o prefácio da parábola de Marcos.

Vejamos a reformulação que o redator mateano faz de Marcos: enquanto

Marcos insere avmpelw/na a;nqrwpoj evfu,teusen, o redator mateano modifica

ligeiramente por: evfu,teusen avmpelw/na. Ele troca o local do substantivo com o

verbo evfu,teusen. A mesma anástrofe é percebida logo em seguida: ele inverte

novamente a posição do substantivo com o verbo: fragmo.n ↔ perie,qhken. Na

parte seguinte ele faz uma substituição do substantivo: u`polh,nion por lhno,j.

Fundamentalmente, o redator mateano modificou o prefácio de Marcos

12,1, a parte que faz ressonância com Isaías 5,2, mediante pequenos retoques e

algumas poucas reformulações. Essas transformações são puramente de ordem

estilística; não muda em nada o sentido original do prefácio. Portanto, podemos

concluir essa análise da seguinte maneira: o redator mateano usou o texto a partir

da sua respectiva fonte, a citação que tem em comum com Marcos, foi

aproximada, em certos detalhes, da versão da Septuaginta. Do texto hebraico foi

preservado o uso da terceira pessoa do verbo no singular224.

Estimulado pela dinâmica com o texto de Isaías, o leitor ficará atento às

referências adicionais ao cântico da vinha de Isaías; e profundamente ciente das

implicações contidas naquele texto; ele entenderá perfeitamente a proposta

mateana ao colocar em ordem com novas e importantes características próprias

nessa parábola de Jesus.

Conseqüentemente, essa abordagem de intertextualidade é perfeitamente

verificada; do mesmo modo analisaremos seu rigor redacional e a acentuação que

ele dá principalmente a natureza jurídica paradigmática da parábola, conforme

encontramos em Isaías 5,1-7, essência jurídica esta que é empreendido

inteiramente, fazendo com que a acusação, originalmente apontada para laer'f.yI

224KLOPPENBORG, J. S., Egyptian Viticultural Practices and the Citation of Isa 5:1-7 in Mark 12:1-9, p. 137. Kloppenborg analisa o cântico de Isaías mostrando que ele se apresenta de diferentes formas, uma na Bíblia hebraica (texto hebraico), e outro na Septuaginta. Desde então há diferenças importantes entre os dois, é possível determinar se a referência de Marcos é o Texto hebraico ou a versão da Septuaginta.

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tyBeä, é agora redimensionada de modo claro aos oponentes de Jesus. As principais

autoridades, como os oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi, que definitivamente não

correspondiam ao ideal moral constituído em 21,43 “poiou/nti tou.j karpou.j”.

Além do destino nefasto já devidamente indicado em 21,41: kakou.j kakw/j

avpole,sei.

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6. 2 O ideal moral formulado em Mateus 21,43 à luz da parábola jurídica de Isaías 5,1-7

Conforme analisado ao longo desta pesquisa, Isaías 5,1-7 trata-se de uma

parábola jurídica paradigmática. Após esta conclusão podemos desenvolver a

intuição fundamental da nossa hipótese, que consiste em procurar demonstrar que

em Mateus foi preservada a natureza jurídica paradigmática da parábola,

conforme encontramos em Isaías 5,1-7 a partir das ressonâncias presentes na

parábola dos vinhateiros de Mateus 21,33-46.

A pergunta categórica de Jesus, no auge da narrativa, para seus ouvintes (v.

40b)225: ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noijÈ põe em questão toda a conduta dos

gewrgoi/j e o que isso implicaria para eles. Possivelmente estamos diante de um

procedimento que caracterizaria perfeitamente a natureza jurídica da parábola. O

que pode ser evidenciado a partir da declaração final que os ouvintes aplicam, sem

perceber a intencionalidade da pergunta, a parábola como uma real história que

conjetura o próprio conflito deles com Jesus. O verso conclusivo (46) mostrará o

quanto as principais autoridades judaicas se irritaram com a armadilha que de

modo tão ingênuo despenharam-se. Porém a reação a este confronto, não foi outra,

a não ser a total passividade, nesse momento inoportuno, quanto à pessoa de

Jesus. Já que tiveram medo “fobe,omai”, haja vista o reconhecimento do o;cloj

sobre a missão de Jesus: (v. 46b) evpei. eivj profh,thn auvto.n ei=con.

Deste modo, a função da parábola como uma autêntica parábola jurídica é

enfatizada definitivamente pelo redator mateano. Os interlocutores de Jesus (oi`

avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi) respondem a pergunta no verso 41 que é feita no

verso 40. Eles declaram: kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j, ou seja, os vinhateiros

são maus (kako,j) e que eles merecem ser destruídos, mortos (avpo,llumi). Assim

sendo, os próprios interlocutores estão pronunciando a sua própria sentença.

Parece que não estão atentos a isto, ou não teriam respondido a pergunta de Jesus

tão rapidamente. Assim, se caracteriza perfeitamente o gênero jurídico

225 A pergunta de Jesus em Marcos 12,9 (ti, Îou=nÐ poih,sei o` ku,rioj tou/ avmpelw/nojÈ) fortemente se assemelha à oração interrogativa de Isaías 5,4a (TM: ymiêr>k;l. ‘dA[ tAfï[]L;-hm;; Septuaginta: ti, poih,sw e;ti tw/| avmpelw/ni, mou).

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paradigmático. É obvio que a intenção é de levar o ouvinte, que não desconfia, a

fazer uma introspecção. oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi caem desavisadamente

na armadilha preparada, eles verdadeiramente acreditaram, que a história de fato

aconteceu, e não descobriram a semelhança, antecipadamente entre a ofensa dos

vinhateiros no enredo da história e o que eles cometeram. Portanto, a

característica principal de uma parábola jurídica, é a sua ilusão criada

intencionalmente para provocar no ouvinte sua inevitável condenação. Assim,

Mateus faz uma conexão direta com a parábola de Isaías 5226. Não somente na

introdução da parábola (v. 33 // Isaías 5,2), mas também no seu próprio

desenvolvimento, especialmente no que diz respeito a condenação dos seus

opositores. Para o redator mateano, trata-se de um possível ideal moral que foi

totalmente rejeitado e ignorado. A ocorrência articulada desse ideal moral

formulado em Mateus 21,43 (kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/jÅ

“e será dado a uma nação que dê os seus frutos”) contém um adequado

ajuizamento integralmente contraproducente da atitude irresponsável dos

principais sacerdotes e dos fariseus. Essa dinâmica articulada no texto, como

influência direta do texto isaiano, é perfeitamente percebida. A orientação moral

que o redator mateano pressupõe, trata-se devidamente de um desenvolvimento da

ênfase que é colocada no comportamento moral apropriado (retidão e justiça),

conforme a proposta de Isaías 5,7. Desta forma, a parábola dos vinhateiros

apresenta-se como um relato dramático que exige dos ouvintes uma circunspeção,

e ao mesmo tempo, propõe uma aplicação deste juízo, que é no relato

suficientemente claro, indicando assim uma dependência direta ou em último

caso, uma insinuação do cântico da vinha de Isaías 5.

A nossa intenção é demonstrar que a estrutura da parábola jurídica de

Isaías é compatível com a nossa proposta de analisar Mateus 21,33-46 como

sendo produto da influência desse texto isaiano. Para tanto, estruturaremos o texto

mateano dentro da característica de uma parábola jurídica veterotestamentária.

Para G. A. Yee, Isaías 5,1-7 segue como forma de parábola jurídica, mas com uma

significante modificação em relação a outras parábolas jurídicas do Antigo

226 Em Isaías 5,1-7, os ouvintes são convidados a fazer um julgamento, mas o redator não espera pela reação e dá imediatamente a resposta. A mesma articulação encontramos em Marcos 12,9: Jesus faz uma pergunta retórica, e em Mateus 21,40. É interessante observarmos o último verso de Isaías (7), não há o que questionar, o redator se refere aos seus próprios ouvintes.

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Testamento227, analisaremos essas diferenças apresentadas por Yee, e logo em

seguida correlacionaremos com os vinhateiros, aplicando a definição de parábola

jurídica ao texto de mateano.

227 YEE, G. A., A Form-Critical Study of Isaiah 5:1-7 as a Song and a Juridical Parable, p. 31.

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6.3 Estrutura jurídica da parábola em Isaías 5,1-7 e Mateus 21,33-46

J. T. Willis, apresenta em seu artigo “The Genre of Isaiah 5:1-7” fortes

argumentos contra várias interpretações do gênero literário de Isaías 5,1-7228 .

Para ele trata-se de uma parábola jurídica. No entanto, a análise de Willis do texto

de Isaías como uma parábola, é criticado por G. A. Yee. A principal crítica de

Yee é que J. T. Willis não aplica a definição, de maneira satisfatória, ao texto de

Isaías. Willis não mostra como a parábola funciona no texto:

“Ele (Willis) delineia as características de uma parábola (pp. 356-58), mas não aplica a definição suficientemente ao texto de Isaías. Embora mantendo que uma parábola contém um chamariz intencional para distrair o ouvinte [...] e levá-lo a um julgamento (pág. 357); ele não demonstra precisamente como Isaías 5,1-7 faz isto. Ele não mostra como a parábola funciona no texto. Além disso, ele admite que não analisou a relação da parábola à própria designação de Isaías da forma como uma ‘canção’ (pág. 359) [...] Willis, afirma que Isaías 5,1-7 é uma parábola que podem ser descritos conteúdos como uma canção parabólica de um vinhateiro desapontado. ” 229. Em contra partida, Yee apresenta dois gêneros literários semelhantes, mas

também indica que as formas literárias presentes no relato são diferentes na

composição de Isaías 5,1-7: trata-se de uma autêntica canção e uma parábola

jurídica. A proposta de Yee é que o cântico da vinha de Isaías seja estudado

levando em conta os aspectos formais de um cântico veterotestamentário.

Nesse caso ele indica e analisa estruturalmente Deuteronômio 32, que de

acordo com sua aplicação metodológica, contém um autêntico processo.

Conseqüentemente, “Isaías 5,1-7 contém características que são análogas a

Deuteronômio 32,1-29”.

Além disso, Yee propõe uma estrutura que caracterizaria esse estilo

literário, comparando com a lista de cinco exemplos de parábolas jurídicas

228 Cf., WILLIS, J. T., The Genre of Isaiah 5:1-7, pp. 337-62. Em todo o seu artigo, Willis apresenta a sua argumentação contra as interpretações dos exegetas de Isaías 5,1-7. Resumidamente apresento a lista desses gêneros possíveis para o texto isaiano: “(1) an uncle's song, (2) a satirical polemic against Palestinian fertility cults, (3) the prophet's song concerning his own vineyard, (4) the prophet's song expressing sympathy for his friend, God, (5) a drinking song, (6) a bride's love song, (7) a groom's love song, (8) a song of the friend of the bridegroom, (9) a lawsuit or accusation, (10) a fable, and (11) an allegory. He suggests, and I think correctly, that Isa 5:1-7 is a parable”. 229 YEE, G. A., A Form-Critical Study of Isaiah 5:1-7 as a Song and a Juridical Parable, pp. 31-32.

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apresentado por U. Simon230. Essa estrutura apresenta as seguintes características,

segundo Yee231:

Estrutura jurídica da parábola de Isaías 5,1-7:

a) Parábola (5,lb-2): Conforme a perspectiva de uma parábola, “Isaías

apresenta o ‘caso’ sobre o seu amigo e a improdutividade das uvas escolhidas que

ele plantou na sua vinha”.

b) Julgamento (5,3): em conseqüência a disposição da referida situação

anterior, o orador se coloca como o próprio dono da vinha. Ele pede para os

hd"_Why> vyaiäw> ~Øil;Þv'Wry> bveîAy tomarem a iniciativa de fazer o “jp;v'” de acordo com

o processo e de forma apropriada, ymi(r>K; !ybeîW ynIßyBe

c) Apresentação das ações benevolentes (5,4a): não há qualquer

interpretação imediata da parábola ou acusação232.

d) Acusação (5,4b): A denúncia é devidamente estabelecida com uma

“pergunta retórica”. A principal reclamação do proprietário da vinha é o fato que

não obstante foram plantadas ~ybiÞn"[] “uvas escolhidas”, foram produzidas ~yviauB.

“uvas azedas”.

e) Oração (5,5-6): “Na primeira pessoa, retoricamente é enfatizado pelo

pronome ynIa], o dono da vinha revela o que fará a vinha como resultado das uvas

azedas” 233.

230 Cf., SIMON, U., The Poor Man's Ewe -Lamb: An Example of a Juridical Parable, pp. 220-21. Simon lista cinco exemplos no Antigo Testamento de parábolas jurídicas: 2 Sm 12,1-14;14,1-20;1 Rs 20,35-43; Jr 3,1-5 e finalmente Is 5,1-7. 231 Cf., YEE, G. A., A Form-Critical Study of Isaiah 5:1-7 as a Song and a Juridical Parable, pp. 36-37. 232 Nas outras parábolas do veterotestamnetárias, de acordo com Yee, segue o julgamento. Porém, como na parábola de Natã e no cântico de Deuteronômio 32, o dono da vinha, na primeira pessoa fala da atividade positiva dele para a vinha, e faz isso com uma pergunta retórica. 233 O uso da primeira pessoa, para Deus, também é achado na parábola de Natã, e também em Deuteronômio 32.

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98

Nesse tipo de estrutura percebe-se na parte conclusiva a interpretação ou

aplicação da parábola, configurando-se assim uma estrutura bem elaborada que

tem uma introdução onde expõe o seu estilo, ou seja, a forma em que a narrativa

vai se elaborada.

Numa segunda etapa se percebe como o procedimento jurídico é

desenvolvido. Chama a atenção, o convite que é feito para o interlocutor julgar e

logo em seguida a acusação é perpetrada imediatamente; através de uma pergunta

retórica, em 5,4a ytiyfiÞ[' al{ïw> ymiêr>k;l. ‘dA[ tAfï[]L;-hm; “Que mais se podia fazer

à minha vinha, que eu lhe não tenha feito?”; retoma assim as tarefas executadas

pelo proprietário. De imediato ele expõe a sua sentença, apresentando a sua

inevitável ação punitiva.

Uma importante diferença percebida por Yee no cântico da vinha,

comparada com as outras parábolas jurídicas, é que as outras parábolas são

endereçadas diretamente ao rei para deliberação; ao fazer o juízo, sem perceber,

de imediato, o rei faz sua própria condenação. Enquanto que no cântico da vinha

de Isaías (5,3a), são pedidos para os hd"_Why> vyaiäw> ~Øil;Þv'Wry> bveîAy hT'²[;w> “habitantes

de Jerusalém e homens de Judá” fazerem o jp;v', julgamento234.

A dinâmica do texto é articulada de tal maneira que se percebe a

implicação que a denúncia mostra no verso 7b hq")['c. hNEïhiw> hq"ßd"c.li xP'êf.mi hNEåhiw>

‘jP'v.mil. wq:Üy>w: “e esperou que exercesse juízo, e eis aqui opressão; justiça, e eis

aqui clamor”; onde está implícito a própria convicção dos acusados. Para Yee, a

condenação trazida para laer'f.yI tyBeä e hd'Why>> vyaiäw> pelo julgamento “só estaria

completa se, na realidade, eles acreditassem que a vinha fosse responsável e que

não os comprometessem com tal julgamento” 235. O motivo para essa condenação

é devidamente elucidado na parte final. Aqui os interlocutores descobrem que as

uvas ~ybiÞn"[] representam justiça social; e as uvas ~yviauB, violência e opressão.

Portanto, o verso 7 apresenta a característica retórica brilhante do texto, onde se

desvela a interpretação da culpa. No desenrolar do enredo se percebe essa

234 YEE, G. A., A Form-Critical Study of Isaiah 5:1-7 as a Song and a Juridical Parable, p. 37. 235 YEE, G. A., op. cit., ibid.

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expectativa sendo articulada, no uso do verbo hw"q': Em 2c e 4b, e na definitiva

aplicação no 7b.

Estrutura jurídica da parábola em Mateus 21,33-46:

a) Parábola (33-39): Dentro da perspectiva de uma parábola, o redator de

Mateus apresenta os vinhateiros homicidas.

b) Julgamento (40-41): Após a exposição da parábola, é formulada uma

pergunta no verso 40: o[tan ou=n e;lqh| o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj( ti, poih,sei toi/j

gewrgoi/j evkei,noijÈ Cabe aos interlocutores de Jesus julgarem o caso apresentado;

e farão isso respondendo imediatamente (41b): kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j.

c) Acusação e interpretação (42-46): A principal reclamação é a

necessidade de (poie,w) produzir frutos, conseqüentemente a transferência para um

novo e;qnoj. Os interlocutores interpretam perfeitamente a parábola. Entendem que

a história relatada mostra o próprio conflito deles com Jesus.

Pela representação da vinha, por alguns traços descritivos (v. 33) e pela

pergunta (v. 40) dirigida ao público (v. 45) tomado como uma espécie de júri, em

que a interpretação é lógica (v. 43), é evidente que a perícope recorda Isaías 5,1-7,

aonde os ouvintes conheciam muito bem e identificariam a vinha com a casa de

Israel236. Judá e Jerusalém são comparados a uma vinha plantada e cuidada por

Deus; a vinha é a laer'f.yI tyBeä e a plantação são hd'Why>> vyaiäw> (Isaías 5,7).

Mas a vinha só produz237 uvas azedas em vez de bons frutos, isto é,

julgamento (jP'v.mi) verdadeiro e justiça (hq'd'c.). Conseqüentemente, o

proprietário arrancará a cerca e derrubará o muro, e deixará a natureza destruir a

vinha (Isaías 5,5-6). Podemos observar aqui um contraste entre Isaías e Mateus:

em Isaías, a plantação, o povo de Judá, é infrutífera; no entanto, em Mateus, a

236 G.R. WILLIAMS, Frustrated Expectations in Isaiah V 1-7: A Literary Interpretation, p. 464. 237 O verbo poie,w “produzir” é usado pelo redator mateano e faz conexão com o uso deste verbo em Isaías 5,2.4b (LXX: poie,w / texto hebraico: hf'['), assim a reclamação contida em Mateus

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vinha em si é frutífera (v. 34: o[te de. h;ggisen o` kairo.j tw/n karpw/n “E, chegando

o tempo dos frutos,”). Mateus 21,43 diz que os vinhateiros anteriores são

substituídos por um e;qnoj que produza frutos “e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j

auvth/j”. Isso dá a entender que a vinha foi totalmente improdutiva enquanto esteve

arrendada, no tempo dos primeiros vinhateiros. O que não seria possível, já que o

verso 21,34b é dito que a vinha produz karpo,j (v. 34b): labei/n tou.j karpou.j

auvtou/. Há, portanto, uma incompatibilidade na narrativa. Esta insinuação da

esterilidade da vinha está na contra mão do enredo da própria parábola, onde na

cláusula redacional do verso 43, os frutos são determinantes para o real

entendimento da parábola.

Há uma relação pertinente na precisa combinação de poiou/nti + karpou.j

em Mateus 21,43: doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j. Percebemos

devidamente aqui uma exposição exata do esperado comportamento moral, que

deveria ser o correto.

A razoável queixa que Mateus apresenta contra os vinhateiros é que não

pagaram o arrendamento em forma de produtos, conforme o combinado com o

proprietário, e sua ameaça é que a basilei,a tou/ qeou/ será dado a um e;qnoj que

poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j. Além de identificar o e;qnoj, precisamos também

identificar o karpo,j esperado por Deus. Para A. J. Sadarini, “o fruto é

generalizado como fé em Jesus e nas boas ações” (justiça)238.

Conseqüentemente, a expectativa de um ideal moral formulado e

preconizado por Mateus é, definitivamente um resultado autêntico da ressonância

evidenciada na articulação do enredo pelo escritor isaiano, onde ele estabelece

essa dinâmica na tensão do comportamento moral correto, entre jP'v.mi e hq'd'c.

conforme estabelecido em Isaías 5,7. Aqui se descobre, por associação, que as

uvas boas simbolizam hq'd'c. a justiça social, tão exigida pelos profetas do séc.

VIII a.C.; e as uvas azedas, opressão. Isaías 5,7 contém um jogo de duplas

palavras jP’v.mi / xP’f.mi e hq’d’c. / hq’[‘c. que possivelmente repercutem em

Mateus 21,41 com os duplos vocábulos: kakou.j / kakw/j.

21,43 que a produtividade esperada não se concretizou, tem uma correlação direta com a reclamação do dono da vinha em Isaías 5,2.4. 238 SADARINI, A. J., A comunidade judaico-cristã de Mateus, p. 111.

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Judá produziu o oposto do que Deus esperava (5,2):

~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w: e e esperava que desse (produzisse) uvas boas,

`~yvi(auB. f[;Y:ïw: f porém deu (produziu) uvas bravas.

O verbo hebraico hf'[' que aparece com uma certa freqüência em Isaías 5,

2.4b e correspondentemente na versão da Septuaginta: poie,w, é devidamente

trabalhado pelo redator mateano na cláusula redacional do verso 43. O uso do

verbo poie,w239 em Mateus mostra justamente o centro decisivo da aplicação da

parábola: a capacidade de “produzir”.

Vejamos como aparece na Septuaginta (5,2):

kai. e;meina tou/ poih/sai stafulh,n e e esperei para produzir uvas

evpoi,hsen de. avka,nqaj f porém, produziu espinhos.

Fazendo uma analogia direta com a repreensão encontrada em Mateus

21,43b: kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j, “e será dado a uma

nação que dê (produza) os seus frutos”, mostra terminantemente uma forte ligação

de intertextualidade ampla. Intertextualidade essa que pode ser percebida pelo uso

ordenado que o redator mateano faz na interpretação da parábola isaiana. O que é

verificado no uso do verbo poie,w, fazendo conexão ao texto precedente de Isaías

5,2. Vejamos como isso é percebido: o resultado esperado dos vinhateiros não se

consolidou. Muito pelo contrário, apontou para uma total incapacidade. Essa

esterilidade em decorrência da incapacidade de produzir devidamente os frutos

esperados, ressoa perfeitamente com a reclamação do dono da vinha em Isaías

5,2.4, que aparece com freqüência o verbo hf'[' (produzir), duas vezes na parte

239 THIELE, F., in “poie,w”, COENEN, L e BROWN, C. (ed.), Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. pp. 2542-2545. “O verbo poie,w é atestado desde Homero, e geralmente significa ‘fazer’, ‘formar’, passou por um desenvolvimento variado. É o termo básico para qualquer atividade. O principal equivalente hebraico é hf'['. A Septuaginta usará poie,w para traduzir hf'['”.

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final do verso 2: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w: “e esperava que desse

(produzisse) uvas boas, porém deu (produziu) uvas bravas”.

O redator enfatiza ainda mais o verbo hf'[', que aparece, mais duas vezes,

no final do verso 4: ~yvi(auB. f[;Y:ïw: ~ybiÞn"[] tAfï[]l; ytiyWE±qi [:WDôm; “Por que,

esperando eu que desse (produzisse) uvas boas, veio a dar (produzir) uvas

bravas?”

O redator isaiano cria no texto uma dinâmica bem articulada, que os

interlocutores passam a acreditar, de imediato, que a vinha é definitivamente

laer'f.yI tyBeä. Sim, de fato a imagem da vinha é sempre relacionada a Israel (Isaías

5,7). Mas, aqui também está subentendido a população de Judá e os habitantes de

Jerusalém hd'Why>> vyaiäw> (Isaías 5,3).

Essa mesma análise pode ser verificada em Mateus, numa relação direta do

verso 41 com o verso 43. Na justaposição do verso 41 (kai. to.n avmpelw/na

evkdw,setai a;lloij gewrgoi/j) e o verso 43 (h` basilei,a tou/ qeou/ kai. doqh,setai

e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j), percebe-se conclusivamente que a vinha

representa a basilei,a tou/ qeou/, enquanto que a parte b do verso 43: doqh,setai

e;qnei “e será dado a um povo” aponta definitivamente para um e;qnoj que

“produza frutos”. Desta forma, estamos diante de uma provável aproximação

entre e;qnoj e o avmpelw,n do verso 41. Estabelece assim por justaposição uma

imagem nítida e conexa entre ambos, dando uma significação maior ao e;qnoj

dentro dessa propositiva mateana. Essa dinâmica, de igual modo, indica na mesma

categoria os oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi a formularem um juízo contra eles

mesmos, pois, se identificam com os gewrgoi/j.

Não há dúvida, em função dessa análise, que verdadeiramente o verso 41 é

uma preparação funcional para o verso 43, onde a representação do karpo,j está

devidamente associada e aplicada à atitude dos interlocutores de Jesus. A

justaposição do verso 41 com o verso 43 define perfeitamente essa argumentação

e mostra claramente a intenção do redator mateano.

A dinâmica então segue em direção a recusa dos vinhateiros em entregar o

produto da vinha, conforme estabelecido no arrendamento. Em contra partida, fica

claro a atitude do proprietário, que entregará, imediatamente a vinha aos a;lloij

gewrgoi/j que no devido kairo,j produzirão os frutos esperados. O verso 41

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acentua essa articulação, de forma introdutória a ação radical do proprietário que

ocorrerá no verso 43. O redator faz uma aplicação progressiva dos verbos240: no

prefácio da narrativa (v. 33) ele usa o verbo evxe,deto, que está no aoristo na 3ª

pessoa do singular do verbo evkdi,domai. Já no verso 41 ele usa o evkdw,setai que

está no futuro do indicativo médio, também do verbo evkdi,domai.

Observe a construção estilística da frase: kai. to.n avmpelw/na evkdw,setai

a;lloij gewrgoi/j. O verbo evkdi,domaido verso 33 e 41 é devidamente substituído,

em razão do desenvolvimento articulado na fase conclusiva da cláusula

redacional, por doqh,setai que está no futuro do indicativo passivo do verbo

di,dwmi: kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j (v. 43b)241. Agora não

se trata mais de um arrendamento, mas sim de uma escolha definitiva em

benefício de um e;qnoj que produza seu frutos. A basilei,a tou/ qeou/, outrora

representada devidamente pela vinha, prerrogativa de Israel, foi arrendada aos

gewrgoi/j que frustraram terrivelmente o proprietário da vinha; é definitivamente

transferida, ou seja, de acordo com o verbo di,dwmi, é oferecida gratuitamente a

um novo e;qnoj, com uma condição: poiou/nti tou.j karpou.j.

A essa altura da nossa análise é importante ressaltarmos que Mateus faz a

aplicação da parábola à liderança judaica e não ao povo. São os avrcierei/j kai. oi`

Farisai/oi do verso 45. No intertexto, em Isaías, verificamos que a censura

profética é dirigida à liderança. Objetivamente a narrativa de Isaías não rejeita

todo o Israel. O verso 7 mostra que determinadas pessoas sofrem opressão, pois o

texto cria uma expectativa para a prática jP'v.mi, o que não ocorre; além disso há

aqueles que clamam a Deus por falta da hq'd'c..

Por outro lado, presumivelmente os abastados e influentes, atuam

inversamente ao julgamento e à justiça e conseqüentemente derramam sangue dos

inocentes. Assim, está latente que os líderes da laer'f.yI tyBeä são culpados, aqui

devidamente denunciados pelas suas ações aterrorizantes. Ainda que se faça

referência ao povo, a ofensiva é apontada terminantemente aos representantes

oficiais do povo. A ressonância dessa situação é percebida em Mateus. O redator

240 Quanto à retomada por Mateus da forma evkdi,domai do v. 33 e sua introdução no v. 41, ela pode compreender-se como uma simples atenção à unidade do vocabulário 241 Cf., OGAWA, A., Paraboles de l'Israël véritable? Reconsidération critique de Mt. XXI 28 - XXII 14, p. 129.

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mateano denuncia as principais autoridades da comunidade judaica de

perverterem o povo. O contexto imediato da parábola dos vinhateiros (21,28-32 e

22,1-14) descreve perfeitamente esse contexto de afronta, aliás, desde 21,23 a

autoridade de Jesus é questionada, de um lado os interlocutores, ou seja, as

lideranças judaicas com suas respectivas instituições e do outro Jesus, que

representa perfeitamente a comunidade mateana.

Deste modo, a ampliação eclesiológica impelida, através de uma

contextura bem delineada pelo redator mateano nos vinhateiros, corresponde

perfeitamente à situação da sua comunidade, que é determinado pelo desenho da

parábola e que ressoa diligentemente na aplicação da idéia do povo de Deus do

cântico da vinha de Isaías 5,1-7.

Para W. Trilling:

“Deste modo Mateus não tem alegorizado a parábola no sentido de novas interpretações [...], no entanto, ele tem, efetivamente completado o seu conteúdo. O que importa para ele não são os traços alegóricos […] mas sim um esboço da história da salvação, por isso, Mateus se concentra em uma declaração essencial: a culpa de Israel”242. As principais autoridades judaicas243 (vinhateiros) definitivamente não

entenderam a importância de Jesus e de sua mensagem. Esta questão é enfatizada

pela adição mateana a esta narrativa: “Os chefes dos sacerdotes e os fariseus,

ouvindo as suas parábolas, perceberam que se referia a eles. Procuravam prendê-

lo, mas ficaram com medo das multidões” (21,45-46). Portanto, o redator

mateano deixa claro que esta parábola é tão somente a propósito da liderança de

Israel.

J. A. Overman percebe uma crítica política nesta parábola:

“Há um óbvio subtexto político nesta parábola polivalente. Na verdade, para Mateus e muitos de seus contemporâneos, a política e a teologia se misturam. Os que rejeitaram Jesus e João Batista também se relacionam com os que tentaram derrubar o sistema imperial na Palestina romana. Os maus arrendatários são os que pensam poder agir irresponsavelmente com o sistema imperial de senhores-clientes. Segundo o autor, essa atitude é contrária à vontade de Deus e trará, com

242 C.F, TRILLING, W., El Verdadero Israel, pp. 90-91. 243 EVANS, C. A., God’s Vineyard and Its Caretakers, Jesus and His Contemporaries: Comparative Studies, pp. 384–385. Evans mostra que a parábola se dirige contra a elite sacerdotal de Jerusalém.

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certeza, a destruição para Israel. Só uma liderança fraca e corrupta poderia cultivar tal presunção e provocar a destruição que ocorreu em Israel em resultado da primeira revolta contra Roma”244.

Definitivamente, podemos analisar a parábola dos vinhateiros como uma

clara e importante tentativa para ilustrar o aniquilamento de Israel e a

transferência da vinha ao e;qnoj 245. Essa tem sido uma explicação da parábola: A

basilei,a tou/ qeou/ será “tirado” da principais autoridades judaicas “avrqh,setai avfV

umw/n”. É interessante ressaltarmos o uso do verbo ai;rw, que aparece aqui na 3ª

pessoa do singular do futuro passivo indicativo: “avrqh,setai”, fazendo

possivelmente conexão com o verbo lq;s' “remover” em Isaías 5,2a: qrEêfo

‘Wh[e’J'YIw: WhleªQ.s;y>w:) WhqEåZ>[;y>w:) “E cercou-a, e limpando-a das pedras, plantou-a de

excelentes vides”.

Essa transferência da basilei,a tou/ qeou/ se dá fundamentalmente, porque os

gewrgoi/j são apresentados na dinâmica do texto como culpados por não pagarem

o que devem ao proprietário. Há aqui uma quebra de contrato. O que fora

anteriormente estabelecido por ambas às partes, não foi levado aos termos finais.

O contrato246 dos vinhateiros em Mateus é bem característico. H. G.

Kippengerg247, argumenta de maneira categórica, que a parábola dos vinhateiros

244 Cf. OVERMAN, J. A., Igreja e comunidade em crise, o Evangelho segundo Mateus, pp. 326-327. 245 Cf., KINGSBURY, J. D., The parable of the Wicked Husbandmen and the secret of Jesus’ divine sonship in Matthew: Some Literary-critical observations, pp. 653-654. Kingsbury declara que a narração de Jesus da parábola dos vinhateiros é um evento chave que ainda mostra influência crítica em ação na história de Mateus: “How is this the case? Following hard upon the parable of the wicked husbandmen is that of the great supper (22,1-14). Jesus addresses this parable, too, to the Jewish leaders (cf. 22,1 to 21,23.45), and in it he also refers metaphorically to himself as the Son of God (cf. 22,2). Nevertheless, because the great supper closes with a warning that envisages followers of Jesus in the time of Matthew himself (cf. Matt 22,11-14 and 24,15; 27,8; 28,15), no mention is made of how the Jewish leaders react to it. With regard to the plot of Matthew’s story, therefore, the parable of the wicked husbandmen can be seen to have afar greater impact upon the course of subsequent events than does the parable of the great supper”. 246 Cf., STAMBAUCH, J. E. e BALCH, D. L., O Novo Testamento em seu ambiente social, p. 82. Segundo Stambauch e Balch, quando Herrodes recuperou algumas terras por ato de Augusto: “muitas delas continuaram sendo terras do rei, e ele desapropriou as terras de seus opositores políticos. Havia uma tendência rumo aos grandes latifúndios possuídos pelos ricos, cujas terras eram cultivadas por agricultores que as arrendavam. Essa tendência suscitou hostilidades selvagens entre donos de terras e arrendatários, que se exemplifica em Mt 21,33-41”. 247 KIPPENBERG, H. G., Religião e formação de classes na antiga Judéia, p. 136. Para Kippenberg, os contratos que regulamentam o arrendamento seguem determinado esquema. Nos Evangelhos, havia diversas situações de produção, (p. 141): “Pequenos agricultores, arrendamento parcial de terra, economia caseira, arrendamento do Estado. Enquanto nos escritos dos rabinos as relações sociais das classes são discutidas e regulamentadas por leis, nas parábolas de Jesus

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“supõe-se o arredamento parcial”248. No arrendamento parcial o proprietário

arrenda o campo ou a vinha e manda a colheita ser vigiada por seu administrador.

A renda consiste na entrega de uma porcentagem estabelecida da colheita, que

naturalmente varia de ano para ano. Por isso o proprietário tem que estar presente

na colheita ou mandar alguém para fiscalizar, como é o caso na parábola249. Na

forma de contrato, a renda é estabelecida com antecedência para um pedaço da

terra. Ao lado disto ainda existe a economia doméstica.

O modelo de propriedade e de direito da terra implica diretamente no

ajustamento com as elites urbanas. São elas que indubitavelmente investem nas

grandes propriedades rurais, empregando, na maioria das vezes, escravos ou

arrendando as terras, por meio de contratos, com o propósito de cultivar as

propriedades na zona rural.

Esse padrão de propriedade de terra representa uma transformação no

manejo e no cultivo da terra, especialmente pelos pequenos proprietários250. No

relato de Mateus, de maneira suposta, eles têm que entregar, segundo o contrato

de arredamento, a colheita inteira ao oivkodespo,thj251. Este comprometimento

acordado previamente aparece de forma repetida em 21,41.

A vinha será transferida para outros gewrgoi/j, mas a obrigatoriedade de se

respeitar o contrato continua; o proprietário aguarda os devidos frutos na hora pré-

estabelecida, conforme o contrato do arrendamento.

encontrava-se, antes de tudo uma interpretação totalmente diferente. A intenção das parábolas foi investigada com precisão pelos teólogos. J. Jeremias vê seu sentido na expectativa de catástrofe escatológica iminente, que chega quando menos se espera, e por isso exige da pessoa imediata conversão [...] as parábolas de Jesus usam como símbolos que devem esclarecer esta situação, entre outros, também elementos da ordem social da Galiléia. Com a resistência dos arrendadores em pagar a parte do dono da vinha, e conseqüentemente não querendo novo arrendamento, a parábola dos vinhateiros esclarece a passagem da escolha para outros”. 248 Cf., CHAMPLIN, R. N., O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, p. 521. Para Champlin, o arrendamento poderia ter uma destas três naturezas: “1. Arrendamento a troco de dinheiro. Os lavradores poderiam ter arrendado o local. 2. Parte da colheita seria do proprietário e parte dos lavradores, segundo acordo prévio. 3. Uma quantidade definida da produção seria devolvida ao proprietário. Talvez o último arranjo esteja em foco. Ordinariamente os lavradores pagavam suas próprias despesas e devolviam ao proprietário de ¼ a ½ do total da produção. Após ter sido estabelecido o arranjo, no caso desta parábola, o proprietário retirou-se para um país distante, deixando um administrador”. 249 Possivelmente havia um administrador trabalhando para o proprietário, que mora longe, ou no estrangeiro. A sua principal tarefa é cuidar dos trabalhadores e dos escravos, e evidentemente tem que prestar contas ao proprietário Este tipo de economia se reflete em mais de uma parábola (Lc 12, 42s; 16, 1-8; Mc 13, 34s). 250 KLOPPENBORG, J. S., Ideology and Ideological Readings of the Parable of the Tenants, em Canadian Society of Biblical Studies, p. 15.

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A tarefa dos novos gewrgoi/j não difere a dos anteriores. Isto está claro na

cláusula relativa (41b): oi[tinej avpodw,sousin auvtw/| tou.j karpou.j evn toi/j kairoi/j

auvtw/na

251 De acordo com o relato de Marcos, a entrega da colheita se dá por uma parte dos frutos ou do rendimento da vinha.

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6.4 Adaptação e aplicação da parábola dos vinhateiros no contexto mateano

Em base das conexões descobertas, na análise da intertextualidade entre

Mateus e Isaías, apresentaremos nesse tópico os próprios acentos de Mateus e sua

interpretação e aplicação da parábola.

Havia uma importância fundamental na interpretação da parábola pela

comunidade mateana. A hermenêutica implicada, de acordo com a narrativa,

atrelava de modo harmonioso, o possível desvendamento do destino da

comunidade mateana à do destino de Jesus. Evidentemente, o redator mateano

adaptou estilisticamente e aplicou a parábola, conforme as necessidades que

pouco a pouco passaram a existir, dentro do seu ambiente. Não há dúvida, a

parábola encerrava categoricamente a sua leitura em função da nova circunstância

criada pelo acontecimento pascal. Retratava perfeitamente todo o conflito,

evidenciado pelos últimos acontecimentos, sinalizado pela crucificação de Jesus.

Baseando-se nestas considerações, Kümmel observa que Mateus, com o auxílio da

tradição por ele usada, “teria retocado Marcos a partir de um ponto de vista judeu-

cristão, com a finalidade de defender o cristianismo, tornando-o aceitável para os

leitores judeu-cristãos”252.

A parábola apresenta de imediato uma função que retrata uma polêmica de

caráter jurídico. No seu prefácio ela insere devidamente uma cláusula introdutória:

:Allhn parabolh.n avkou,sate “escutai outra parábola”, pressupõe, então, a

continuidade do redator mateano ao descrever mais esta parábola. Isto demonstra

a estreita relação com o contexto imediato, ou seja, a parábola faz parte de uma

seção homogênea. A parábola que vem em seguida começa em 22,1a: Kai.

avpokriqei.j o` VIhsou/j pa,lin ei=pen evn parabolai/j auvtoi/j le,gwn\ “Então Jesus,

tomando a palavra, tornou a falar-lhes em parábolas, dizendo” introduz aqui uma

nova unidade (22, 1-14). Deste modo, o contexto imediato dos vinhateiros é

composto por mais duas parábolas: a parábola do dois filhos (21,28-32)253, que

252 Cf., KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p.137. 253 Cf., GOURGUES, M., As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus, das origens à atualidade, pp. 135-136. Esta parábola trata da controvérsia sobre a autoridade de Jesus (v. 23-27) e a parábola dos dois filhos (v. 28-32), é um único texto conjunto. A parábola é precedida por uma pergunta: Ti, de. u`mi/n dokei/È “que vos parece?”. Segundo Gourgues: “A mesma pergunta serve ainda, alhures, para introduzir seja uma controvérsia, seja uma parábola. É assim que a encontramos

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antecede e o banquete nupcial (22,1-14)254, que segue. A estilização da polêmica

criada neste contexto, forma assim o fio condutor de todo o relato.

O “Leitmotive”255 assumido e reiteradamente empregado pelo redator, que

reprocessou este material heterogêneo em um todo consistente, para atender seu

propósito redacional. Desta forma, a parábola dos dois filhos segue as palavras de

Jesus imediatamente em 21,27; a fala direta continua sem interrupção. Depois que

Jesus aplicou esta parábola à própria conduta dos seus ouvintes, ele conta

imediatamente uma segunda parábola, novamente sem pausa ou interrupção

(21,33a): :Allhn parabolh.n avkou,sate256, estamos diante da mesma audiência.

R. J. Dillon257 constata que uma leitura dos capítulos 21 - 23 de Mateus

mostra que estamos no “centro do caso mateano contra o Judaísmo”258. Parece

especialmente em Mt 18,2, no início da parábola da ovelha perdida (Ti, u`mi/n dokei/È). Ali estando a pergunta ausente, no paralelo de Lucas, é conveniente reconhecer um procedimento do próprio Mateus. Esta pergunta inicial faz sempre esperar a que será levantada no final, no término da parábola: ‘qual dos dois realizou a vontade do Pai?’ (21,31a). Ela já anuncia a importância que o evangelista atribui a essa interrogação final que ele prepara desde o começo. ‘Um homem tinha dois filhos’: é pois para o dono da vinha que, primeiramente, se dirige a atenção. E, em seguida, é ainda a iniciativa do proprietário que comandará a dinâmica do relato, como em Mt 20,1-16, na parábola dos trabalhadores de salário igual. Entretanto, logo se notou uma diferença: aqui, o dono se contenta em fazer o apelo para ir trabalhar em sua vinha, e a atenção se volta para a reação dos chamados. Aliás, é o que indicará a pergunta do v. 31. Ela é dirigida de preferência à conduta dos filhos do que à do pai, ao contrário, por exemplo, da questão que será feita no final da parábola dos vinhateiros: ‘Quando vier o dono da vinha, que irá fazer com esses vinhateiros?’ (21,40). Sem dúvida, fazendo referência à vontade do pai, a pergunta do v. 31 sublinhará que é em função dele que se estabelece o contraste entre os dois filhos, mas acontece que é primeiramente a reação deles que é salientada”. 254 Cf., LUZ, U., El Evangelio ségun san Mateo, Mt 18-25, pp. 306-307. Parábola com abundantes traços alegóricos, como a precedente, e que possui o mesmo fio condutor. Segundo Luz: “o v. 1, introdutório, conecta a parábola com o verso anterior, 46. a parábola consta somente dos versos 2-13; o verso final, 14, se considera geralmente como um comentário do narrador, Jesus. A parábola consta, aparte do v. 2, duais seções: vv. 3-7 e 8-13. Ambas começam dizendo que o rei envia seus escravos a chamar os convidados para as bodas. A primeira chamada fracassa; a segunda tem êxito. Porém ambas acabam em desgraça, o primeiro caso afeta a todos os convidados e o segundo só a um. A desgraça aparece descrita nos dois casos de forma que o plano metafórico converte a história narrada em um mero construto. A segunda seção, vv. 8-13, consta de dois episódios diferentes e pouco relacionados entre si (8-10 e 11-13). A história poderia terminar depois do v. 10: somente o ponhrou,j te kai. avgaqou,j, que os leitores não podem decifrar ainda, permite esperar uma continuação. O rei é a única pessoa determinante em todo o relato. Só ele fala; não tem diálogo; salvo os versos 5s e 10, o relato consta só de ações e ordens do rei. O v. 11 começa com outros personagens secundários (algo que não é freqüente nas parábolas): o hóspede sem traje de festa e os dia,konoi. Não tem, pois, personagens secundários que se mantenham durante todo o relato. A unidade da parábola só se salva pelo protagonista, sempre o mesmo, e o discurso cronológico, não pelo fio condutor da ação. A parábola é, pois, formalmente muito sui generic e se parece em muitos pontos a 13,24-30, também muito artificial. A unidade de ação, que não existe no conteúdo, é simulada por uma série de palavras chaves repetidas”. 255 SILVA, C. M. D., Metodologia de Exegese Bíblica, pp. 264-265. 256 O redator de Mateus difere de Marcos 12,1: Kai. h;rxato auvtoi/j evn parabolai/j lalei/n\, “E começou a falar-lhes por parábolas”. 257 Cf., DILLON, R.J., Towards a Tradition-History of the Parables of the True Israel (Matthew 21,33-22,14), pp. 5-6. “Os alcances polêmicos seu clímax nas ‘aflições’ contra os fariseus no c. 23,

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que as três parábolas dos capítulos 21 - 22 serviram ao redator como ilustrações

para o seu objetivo259. Essa questão judaica demonstra-se na maneira como o

redator descrevia a culpabilidade dos interlocutores de Jesus260.

A investigação sobre o evangelho de Mateus, a partir dos anos 60, aplica o

método da História da Redação, com o objetivo de avaliar a teologia mateana a

partir de suas alterações redacionais sobre as fontes261. Basicamente, os exegetas

interpretam Mateus a partir de uma linha central, que perpassa toda a obra,

acreditando numa perspectiva cristológica. Há, também, os que defendem o

sentido eclesiológico. Para W. Trilling trata-se de uma eclesiologia. O lugar

central dessa temática, com sentido inteiramente eclesiológico, é para Trilling a

cláusula redacional do verso 43 dos vinhateiros, onde a argumentação

eclesiológica do redator mateano é verificado na propositiva de um novo e;qnoj,

para ele a Igreja é “o verdadeiro Israel”262. Diferentemente, G. Strecker, em sua

obra, praticamente contemporânea a de Trilling, analisa o sentido teológico de

Mateus e percebe que se trata de uma perspectiva tão somente cristológica263.

Para Conzelmann, Mateus vê o ministério de Jesus como algo passado, “como

uma época única, irreptível, santa e ideal no curso da história. O fim demora e a

onde a lamentação contra Jerusalém (23,37-39), o qual Mateus recebeu substancialmente da tradição Q, não só o serve como um clímax para as ‘aflições’, mas para o desenvolvimento da polêmica de 21,23 em diante”. 258 Cf., ZUMSTEIN, J., Mateus o teólogo, p. 27. Para Zumstein, as freqüentes alusões ao judaísmo não são traços “caducos”. Para Mateus, “o judaísmo não é apenas cenário histórico, mas também, e especialmente, realidade vivida”. 259 TRILLING, W., El Verdadero Israel, pp. 80-81. Trilling indicou como motivo teológico no evangelho, o julgamento de Israel, a culpa, castigo e a rejeição. 260 ZUMSTEIN, J., op. cit., p. 27. “Com efeito, o judaísmo contra o qual se ergue o Cristo mateano não corresponde ao judaísmo tal como existia na Palestina, no início do século I. O Jesus histórico defrontara um judaísmo ilusório e figurado, indo dos saduceus aos zelotas, dos fariseus aos essênios, sem esquecer os círculos batistas. O poder do Sinédrio dividia-se entre os diversos partidos e os escribas eram de todas as obediências. Jerusalém e o Templo proporcionavam elo de unidade ao conjunto. O Cristo mateano afronta-se com um judaísmo que constitui frente unida, hostil e irrevogavelmente empedernida. Esse grupo monolítico é dominado pelos fariseus, dentre os quais se recrutam doravante os escribas. Esta imagem do judaísmo que Mateus traça não é produto da imaginação; corresponde às características do judaísmo rabínico de obediência farisaica, único sobrevivente da crise de 70 e, daí por diante, interlocutor exclusivo da Igreja. Assim, através do conflito que não há muito opôs Jesus e as autoridades judaicas, Mateus deixa-nos perceber o litígio que existe entre sua Igreja e a Sinagoga farisaica”. 261 Cf., KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p. 130. “O verdadeiro objetivo teológico de Mateus, ao se apropriar de Marcos e modificá-lo, só se torna reconhecível, aliás, quando prestamos atenção à enorme ampliação de Marcos levada a efeito por Mateus”. 262 TRILLING, W., op.cit., pp. 80-87. 263 Cf., MONASTÉRIO, R. A; CARMONA A. R., Evangelhos Sinótico e Atos dos Apóstolos, p. 245.

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Igreja assume o encargo de levar adiante as implicações éticas do ensinamento de

Jesus”264.

De acordo com Léon-Dufour265, na perspectiva de Mateus, ocorreu uma

adaptação estilística da parábola dos vinhateiros, com o objetivo de acentuar,

obviamente colocando em evidência o que na perspectiva pré-sinótica estava tão

somente subentendido. Desta forma o redator mateano introduz na sua teologia, os

dados trazidos pela Igreja nascente e os insere.

O verdadeiro objetivo teológico de Mateus, ao se apropriar de Marcos e

modificá-lo para adaptar ao seu propósito, é obviamente enfatizar o fato que a

oposição de Jesus origina com os fariseus. Dentro desse “Leitmotive” o teor

polêmico da parábola é, então, confirmado pelo contexto literário266. O redator

mateano, a partir de sua fonte, mostra categoricamente o embate consecutivo de

Jesus com seus principais oponentes. São eles que se apropriam da área do

Templo (Marcos 11,27): “e, andando ele pelo Templo, os principais dos

sacerdotes, e os escribas, e os anciãos, se aproximaram dele”. São chamados de:

oi` avrcierei/j kai. oi` grammatei/j kai. oi` presbu,teroi. Em Mateus 21,23 são oi`

avrcierei/j kai. oi` presbu,teroi tou/ laou/, “os príncipes dos sacerdotes e os anciãos

do povo”. O redator mateano exclusivamente identifica dois destes três grupos: os

principais sacerdotes e os anciãos. A forma como ele nomeia esses grupos

contemporiza; não faz referência do mesmo jeito aos opositores de Jesus: Em

264 Cf., MONASTÉRIO, R. A. e CARMONA A. R., Evangelhos Sinótico e Atos dos Apóstolos, p. 245. De acordo com Monastério e Carmona: “Enquanto, Borkmann e Barth acham que o redator de Evangelho de Mateus é um judeu-cristão que escreve para uma comunidade preponderantemente com essas características, por outro lado Trilling, Strecker e Walker consideram-no pagão-cristão. R. Hummel alia-se aos primeiros e polemiza com os do segundo grupo: Mateus é um judeu-cristão que combate tanto um antinomismo entusiasta como o judaísmo farisaico contemporâneo. Frankemölle e Kingsbury são dois exemplos paradigmáticos das duas grandes linhas de interpretação da teologia do Evangelho de Mateus. Frankemölle dá uma interpretação eclesiológica do Evangelho. Considera que a estrutura se fundamenta nos cincos discursos e sublinha o caráter transparente da obra para tornar-se significativo no presente. Rechaça a interpretação ‘historicizante’ de Strecker e Walker. ‘Na ficção literária de Mateus quem fala é o Jesus histórico a seus discípulos, um pouco antes de sua morte, mas de fato quem fala é o teólogo Mateus a sua comunidade com a autoridade do Senhor exaltado.’ Kingsbury apresenta uma interpretação nitidamente cristológica de Mateus. Estrutura o Evangelho a partir das expressões de 1,1; 4,17; e 16,21, de modo a sublinhar seu aspecto narrativo. Seu último livro sobre o Evangelho de Mateus tem o interesse de incorporar decididamente ao estudo dos evangelhos as técnicas atuais do estudo da narratividade [...] Várias outras obras mereceriam ser citada. Distingue-se por sua capacidade de integração e síntese J. Zumstein, que estuda a condição do crente em Mateus. Coincide com um importante artigo de U. Luz sobre o sentido dos discípulos em Mateus: os discípulos, os adversários e os pecadores são conceitos transparentes para realidades do presente”. 265 Cf., LÉON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 328.

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21,45: oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi, “os príncipes dos sacerdotes e os

fariseus”; os anciões são substituídos pelos fariseus; mas, em 22,15: oi`

Farisai/oi, são mencionados.

Assim o redator mateano estendeu este confronto em uma coerência

prolongada (21,23 - 22,14). Os protagonistas dessas parábolas são especialmente

os principais sacerdotes e os fariseus, que na dinâmica da narrativa exercem uma

função como de implacáveis oponentes de Jesus. Na articulação dessa unidade

prolongada, eles não são meramente censurados pelo que dizem, muito pelo

contrário, dão espontaneamente as respostas esperadas às perguntas pertinentes de

Jesus: (21,31a): “Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O

primeiro”; em 21,41 o procedimento é o mesmo, respondem prontamente:

le,gousin auvtw/|\ kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j. Portanto, as respostas extraídas

dos opositores de Jesus são precisas. Contudo, em 23,3c o redator adverte a

respeito da ineficácia do discurso vazio, já que indubitavelmente não praticam o

que falam: “[...] porque dizem e não fazem”.

O redator mateano, para atender a sua finalidade diante desses fatos, faz a

aplicação da parábola da seguinte maneira: Jesus expõe uma nova narrativa a seus

opositores (33a): :Allhn parabolh.n avkou,sate. A história aborda o investimento

de um oivkodespo,thj e sua vinha. Esse preparo para o cultivo da vinha é feito à luz

de Isaías, segue ressoando o “cântico da vinha” (Isaías 5,2): Constrói uma cerca

que oferece imediatamente proteção contra animais selvagens e ladrões: fragmo.n

auvtw/| perie,qhken; um lagar cavado na rocha: kai. w;ruxen evn auvtw/| lhno.n e uma

torre para vigiar, possivelmente, pássaros e ladrões: kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon. A

audiência mateana, inevitavelmente percebeu que esse proprietário (a;nqrwpoj h=n

oivkodespo,thj) fez tudo o que era necessário e possível pela sua vinha. A

importante conexão com o texto parabólico de Isaías 5267 e, talvez o

conhecimento da tradição bíblica lhes permitiu identificar de imediato, que o

proprietário da vinha é Deus. Correspondentemente, a vinha, que na dinâmica do

266 As três parábolas seguem a discussão diretamente sobre a autoridade de Jesus em 21,23-27. 267 Cf., DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, pp. 126-127. Para Dood, “as palavras iniciais do relato são uma citação do cântico da vinha de Isaias (Is 5,1-2), com as que estariam familiarizados todos os ouvintes judeus. Todos estes ouvintes saberiam também por uma longa tradição, iniciada com aquele poema de Isaias, que Israel era a vinha do Senhor. Donde se segue o crime dos maus vinhateiros, que negaram a seu senhor o que lhes devia e responderam a seus avisos com um desafio que não se deteve, é o crime dos chefes de Israel”.

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texto de Isaías levam os seus ouvintes a acreditar que é Israel. Por esta associação,

observamos uma incoerência na analogia: na narrativa, são os vinhateiros que

terão o papel de representantes de Israel, e não a vinha, segundo Isaías 5. A

ressonância da vinha de Isaías alegoriza a parábola potencialmente, fazendo que

Israel seja, inevitavelmente a vinha. Deus o proprietário, e oi` avrcierei/j kai. oi`

Farisai/oi sejam os vinhateiros. A narrativa não se limitou a essas analogias, mas

insere a possibilidade interpretativa dos servos como os profetas, e possivelmente

retrata com conveniência a ressurreição. Portanto, a aplicação da parábola é

concluída, porém outras temáticas serão articuladas no desenvolvimento da

história, que de fato, atenderão as necessidades do redator mateano conforme a

aspiração da sua audiência. Veremos, então, como isso se processa na dinâmica do

texto.

6.4.1 A exposição da parábola de Mateus 21,33-39

Dentro da perspectiva de um gênero parabólico, o redator mateano

apresenta a parábola da vinha. A estrutura por ele elaborada proporciona um

breve anúncio :Allhn parabolh.n avkou,sate (33a)Å A parábola começa no 33b

segue até 39:

A introdução (33) situa a história, demonstrando claramente uma estreita

relação de Deus com os homens; o que é bem próprio de Mateus, já que ele

apresenta em sua teologia a tendência de proporcionar essa relação Deus /

homem268, através da analogia do senhor / servo: Mateus 10,25: o` dou/loj w`j o`

ku,rioj auvtou/; 13,27: oi` dou/loi tou/ oivkodespo,tou; e também em 20,1.11. O

redator expressamente mostra que este homem é um oivkodespo,thj “proprietário”;

essa adequação estabelece teologicamente também a relação entre o senhor da

vinha e os vinhateiros. Assim, a sua audiência perceberá a responsabilidade que

lhe é devida de tornar ao proprietário (Deus) os frutos da sua vinha; e isso se dá

268 Cf., LÉON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 338. Léon-Dufour mostra que esta relação Deus / homem supera simbolicamente a exigência de fidelidade à aliança.

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logo na abertura da parábola. Portanto, a relação oivkodespo,thj / gewrgoi/j indicará

as implicações decorrentes dessa adequação teológica.

O a;nqrwpoj h=n oivkodespo,thj arrendou a vinha aos gewrgoi/j “lavradores /

vinhateiros”. Através de um contrato estabeleceu com os gewrgoi/j, como parte do

pagamento para o arredamento, uma parte proporcional do produto da vinha. Feito

o acordo o oivkodespo,thj saiu de viajem “avpedh,mhsen”. Aguardaria o tempo

necessário, ou seja, kairo.j tw/n karpw/n, para que a vinha arrendada pudesse

produzir os tão esperados frutos. Em conexão novamente com a história jurídica

de Isaías 5, o redator mateano imprime, já no final do verso 33, por meio do verbo

na voz média evkdi,domai269, uma nova dinâmica ao seu relato, já que na antiga

tradição de Israel não se falava de arrendamento e arrendatários. Trata-se de uma

história na perspectiva da antiga vinha de Isaías, porém com novos elementos,

mostrando assim toda criatividade do redator. É possível também, de acordo com

algumas interpretações, que estejamos diante de um contexto social bem definido

na região da galiléia270.

No tempo da colheita dos frutos (34a), o[te de. h;ggisen o` kairo.j tw/n

karpw/n, o proprietário (oivkodespo,thj) ausente envia os seus servos “avpe,steilen

tou.j dou,louj auvtou/” para receber a parte tou.j karpou.j auvtou/, de acordo com o

contrato. Os vinhateiros tratam brutalmente os dou/loi271: ferindo um “o]n me.n

e;deiran”, matando outro “o]n de. avpe,kteinan” e apedrejando sem misericórdia o

outro “o]n de. evliqobo,lhsan”. O redator tem em mente, conforme a tradição bíblica,

na morte dos dou/loi, os profetas. E, isso se dá pelos maus tratos que recebem até à

morte, com isso se recorda o destino trágico dos profetas em Israel, anunciado

pelos textos deuteronomistas. Para W. Trilling, não resta dúvida, e é a opinião da

maioria dos exegetas, que os servos representam, pelo menos em Marcos, os

profetas do Antigo Testamento. Pois referi-los a pessoas ou grupos determinados

269 O verbo usado é evxe,deto (arrendou), no aoristo na 3ª pessoa do singular do indicativo, voz média. 270 Cf., NEWELL, J. E., NEWELL, R. R., The Parable of the Wicked Tenants, pp. 235-236. A Galiléia seria um lugar seguro para o movimento dos zelotes, que estaria implicado aqui na parábola na relação do proprietário da vinha, sendo um estrangeiro e os vinhateiros que tomam atitudes severas para tomarem posse da terra. 271 Cf., LÉON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 339. Segundo Léon-Dufour, Mateus elabora a constatação da infidelidade, apreendida em três momentos, que são colocados inicialmente sob o sinal do kairo.j tw/n karpw/n “tempo dos frutos”, karpou.j auvtou/ “seus frutos”: e os “frutos” de Deus.

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pode não ser a melhor saída. No caso de Mateus, já se enquadraria certo grupo,

por exemplo, os profetas “anteriores” ou “posteriores”272.

J. Jeremias também entende desta forma:

“Mateus (34-36) marcha conseqüentemente até o fim na via da alegorização. O crescendo, que encontramos em Marcos, eliminou-se totalmente. Logo de começo envia-se uma pluralidade de servos e já parte deles é maltratada, parte assassinada, parte apedrejada. A seguir temos ainda apenas um envio: novamente uma pluralidade, mais do que os primeiros, e sua sorte é a mesma. Anteriores e posteriores, e o apedrejamento alude, de modo especial, ao destino dos profetas”273. Não obstante da abordagem flagelante concedida aos primeiros servos, o

oivkodespo,thj manifesta uma resignação. Nesse ponto da narrativa, a audiência

esperaria uma ação que respondesse a altura os impetuosos vinhateiros.

Diferentemente, a atitude do oivkodespo,thj não é punitiva, mas prontamente envia

uma outra comitiva. Este segundo grupo é ainda mais numeroso (36a): pa,lin

avpe,steilen a;llouj dou,louj plei,onaj tw/n prw,twn, e como resultado: “e fizeram-

lhes o mesmo”. Duas tentativas sem qualquer resultado positivo, muito pelo

contrário, uma resposta altamente agressiva. Nesse momento da narrativa, a

intenção do redator mateano é induzir os ouvintes a uma reflexão da sua própria

história. De igual modo ao tratamento dado aos profetas veterotestamentários é

agora aplicado aos enviados do proprietário da vinha. O redator mateano

configura a parábola partindo de uma afirmação excepcional, que

fundamentalmente apresenta a culpabilidade de Israel. A dinâmica do relato

demonstra essa verdade. O redator não tem o seu enfoque na valorização do envio

dos grupos individualizados274, representados pelos servos. O seu interesse quanto

à missão dos grupos é relativamente sem importância. A sua finalidade é

simplesmente tornar evidente a imagem de que Israel tem maltratado e

assassinado aos enviados divinos e conseqüentemente tem provocado o juízo.

A dinâmica do relato se aproxima de seu ponto decisivo (37-39). Ao

mesmo tempo em que estende a narrativa a novos e importantes elementos,

272 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 82. 273 Cf., JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus, p. 75. 274 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 90. A questão dos grupos individualizados, segundo Trilling é totalmente secundário.

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proporciona detalhes interessantes. O vocábulo u[steron275 pode ser traduzido por

“mais tarde / por último / por fim”, ou seja, depois do envio dos servos, o

oivkodespo,thj envia o seu ui`o,j. É a sua última tentativa. Os ouvintes estão atentos

ao desfecho da narrativa, possivelmente em suas reflexões, que não são de tipo

jurídico276, mas sim no aspecto moral, esperam que os vinhateiros respeitem o

ui`o,j, essa é intenção do proprietário: “Terão respeito a meu filho” (37b). U.

Schnelle faz a seguinte observação:

“Completamente incompreensível que após ter feito essas experiências com os vinhateiros, o proprietário da vinha não envie um grupo de seus empregados para uma expedição punitiva, mas seu único filho, sozinho. A motivação desse comportamento é muito incomum: e[na ei=cen ui`o.n avgaphto,n (Mc 12,6). Precisamente por ser seu único filho, ele jamais deveria tê-lo enviado aos vinhateiros, e ainda sem qualquer proteção. Ilógico é também o comportamento dos vinhateiros. Calculam que após o assassinato do filho a vinha ficaria para eles. Contudo, o proprietário da vinha ainda está vivo! A ele continua pertencendo a vinha, e tem poderes para dispor sobre ela” 277.

Desta forma o proprietário, em sua indescritível resignação, dá aos

vinhateiros outra oportunidade. Com isso, o redator conduz seus ouvintes a um

profundo sentimento de inclemência diante dos vinhateiros, já que os nefários

ivdo,ntej to.n ui`o.n ei=pon evn e`autoi/j, maquinam contra a vida do herdeiro: ou-to,j

evstin o` klhrono,moj. Não há dúvida, o que os vinhateiros propõem é terrivelmente

275 THAYER (5505) “u[steroj”, in Bible Works 6.0 “u[steroj, uste,ra, u[steron, latter, later, coming after: evn uste,roij kairoi/j, 1 Tim. 4:1; o u[steroj equivalent to the second, Matt. 21:31 L Tr WH, but cf. Fritzsche's and Meyer's critical notes (especially WH's Appendix) at the passage Neuter u[steron, from Homer down, adverbially, afterward, after this, later, lastly, used alike of a shorter and of a longer period: Matt. 4:2; 21:29,32,37; 25:11; 26:60; Mark 16:14; Luke 4:2 Rec.; (Luke 20:32 L T Tr WH); John 13:36; Heb. 12:11; with a genitive after one, Matt. 22:27; Luke 20:32 (R G)”. 276 Provavelmente, a audiência do redator mateano, não leva em consideração que o filho do proprietário é seu representante legal. 277Cf., SCHNELLE, U., Introdução à exegese do Novo Testamento, p. 142. De acordo com U. Schnelle,o lado figurado mostra nitidamente falta de lógica enquanto o lado objetivo narra um fluxo consistente: “Após o repetido envio dos servos, cada um dos quais é maltratado até a morte, acontece o envio do filho. O filho é morto, após o que os arrendatários são castigados e a vinha é entregue a outros. Obviamente, o lado figurado foi construído a partir do lado objetivo, o que constitui o indício claro de uma alegoria. Finalmente, qualquer interpretação da perícope como parábola de Jesus fracassa na formulação ui`o,j avgaphto,j no v. 6 de Mc 12. trata-se de um predicado cristológico da primeira Igreja; porque o envio do filho não pode ser compreendido como atitude humana. No nível de Marcos, isso se confirma por meio dos paralelos de Mc 1,11 e 9,7. Ali uma voz celestial declara: o uio,j mou o avgaphto,j . o leitor sabe, portanto, a partir de Mc 1,11 e 9,7 quem é esse uio,j avgaphto,j: Jesus Cristo. Até mesmo no nível anterior a Marcos o ui`o,j avgaphto,j do v. 6 não designa o filho de qualquer proprietário de uma vinha, mas o filho de Deus em que a Igreja crê e o qual testemunha”.

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perverso: avpoktei,nwmen auvto.n. Essa decisão dos vinhateiros é totalmente

irracional. Possivelmente, essa será a conclusão da audiência mateana.

J. Jeremias faz uma observação sobre o envio do filho:

“Note-se de imediato que a narrativa propriamente dita termina abruptamente com o seu assassinato. Assim também no evangelho de Tomé [...] O próprio Jesus, pelo envio do filho, tem sem dúvida em mente o seu próprio envio, mas para a multidão dos seus ouvintes a interpretação messiânica do filho não estava simplesmente à mão, porque a expressão ‘filho de Deus’ não se encontra no judaísmo palestinense pré-cristão como predicado messiânico [...] a ponta cristológica da parábola deve ter permanecido oculta para os ouvintes”278.

A ultrajante freqüência dos argumentos dos arrendatários devia aparecer

com toda evidência. Por esse motivo, o redator mateano cria todo esse clímax com

o objetivo de levar seus ouvintes a uma reflexão. A melhor maneira para isso é

destacar, apresentado no drama o ui`o,j único do oivkodespo,thj. Entretanto,

aparentemente, a presença desta figura dramática corresponde perfeitamente à

lógica do relato. De modo diferente, pensa-se somente num sentido teológico. O

redator mateano, não apresenta na descrição do assassinato do filho nenhuma

recordação provável de como ocorreu a morte Jesus. Logo, a preocupação do

redator é de remediar esta situação. Podemos, assim perceber na narrativa, que os

vinhateiros lançam primeiro o uio,j para fora da vinha e, por conseguinte o matam,

o mesmo que ocorreu com Jesus “padeceu fora da porta” (Hebreus 13,12).

Percebemos que na versão de Marcos não há nenhum indicio neste sentido

(Marcos 12,8b): kai. labo,ntej avpe,kteinan auvto.n kai. evxe,balon auvto.n e;xw tou/

avmpelw/noj, mataram e logo em seguida, lançaram fora da vinha.

Deste modo, acreditamos que a parábola apresenta-se indubitavelmente

como um relato dramático, na intricada relação do oivkodespo,thj com o

vinhateiros. E nesse sentido, ela exige dos ouvintes imediatamente um juízo: a

favor do proprietário e, por conseguinte contra os maus vinhateiros. Portanto, a

aplicação do juízo é suficientemente clara sem necessidade de alegorizar os

detalhes, ou seja, fazer menção da morte vicária de Jesus nos seus pormenores.

Entretanto, observamos que o alto nível de perversidade presente na narrativa

constrange, de maneira inevitável, os ouvintes a uma forte ponderação de uma

278 Cf., JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus, p. 76.

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situação equivalente, para a conjuntura a que tem de aplicar-se. É evidente que

Jesus analisou categoricamente sua própria missão como o resultado culminante

dos benefícios de Deus em favor de Israel e que o crime de todo sangue

derramado desde Abel até Zacarias precipitar-se-ia inevitavelmente a propósito

daquela geração. Em conseqüência, o redator mateano não perdeu tempo ao

aludir, de maneira satisfatória aos seus propósitos, apresentando uma parábola aos

seus oponentes, com uma dramatização trágica, manifestando uma extraordinária

brutalidade contra o sucessor dos profetas. O contexto histórico aludido pelo

redator mateano situa a parábola no relato da paixão. É interessante observarmos

que este relato introduz esta parte do Evangelho de Mateus. Incontestavelmente a

seqüência lógica dos acontecimentos está assinalada com maior claridade e

provavelmente com maior fidelidade aos atos que em nenhuma outra parte. Desta

maneira, tão precisa, a situação da paixão de Jesus corresponderia perfeitamente,

mesmo que estivessem veladas essas alusões. Mas, assim mesmo podiam ser

espontaneamente apreendidas por muitos dos ouvintes. Jesus, terminantemente

havia provocado a elite sacerdotal de Jerusalém a reconhecer o caráter mais que

profético de sua missão.

Os leitores cristãos do evangelho de Mateus, que confessam a Jesus Cristo

como o filho de Deus, sabem perfeitamente que aqui está demonstrado quem são

os perversos inimigos que provocaram a morte de Jesus. o v. 39 registra o fato:

evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj kai. avpe,kteinan. Jesus morreu fora, no Gólgota,

diante de Jerusalém. O significado metafórico dos vinhateiros se mostra

definitivamente claro: são os dirigentes de Israel inimigos de Jesus, os sumos

sacerdotes, anciãos e fariseus. Deste modo, o redator mateano mostra (não em

sentido histórico) que foram os dirigentes judeus os que provocaram a morte de

Jesus, e não os romanos.

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6.4.2 O julgamento em Mateus 21,40-41

Segue de perto o intento do redator em estreitar com uma forte conexão

com a parábola do cântico da vinha de Isaías 5. O redator mateano, após a

exposição da parábola, formula uma pergunta determinante, que lembra o sentido

jurídico das parábolas veterotestamentárias279. A expectativa criada na narrativa é

agora propositalmente direcionada aos interlocutores de Jesus, ressoando

perfeitamente com a pergunta de Isaías 5,3-4. O caso apresentado na dramatização

anterior, entre o senhor da vinha e os vinhateiros, requer agora da audiência

mateana uma tomada de decisão e isso se dá através do julgamento do episódio

apresentado da seguinte maneira: Com uma nova indicação temporal, o verso 40a

insere: o[tan ou=n e;lqh| o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj. O redator mateano emprega um

recurso estilístico em forma jurídica280, com a pergunta: ti, poih,sei toi/j

gewrgoi/j evkei,noijÈ Desta forma os ouvintes prontamente interagem na

dramatização emitindo um juízo. A resposta é totalmente espontânea, apresentado

um sentimento de rejeição legalmente aos fatos em decorrência dos maus tratos

que o vinhateiros, sem dó e misericórdia, executaram. Não oferecem dúvidas em

sua terrível sentença diante dos acontecimentos (41a)281: le,gousin auvtw/|\ kakou.j

kakw/j avpole,sei auvtou.j, não somente a destruição dos gewrgoi/j, mas também a

inevitável perda da vinha (41b): kai. to.n avmpelw/na evkdw,setai a;lloij gewrgoi/j;

imediatamente a expectativa se move para esses outros gewrgoi/j, que produzirão

os devidos frutos (41c): oi[tinej avpodw,sousin auvtw/| tou.j karpou.j evn toi/j kairoi/j

auvtw/n, diferentemente dos gewrgoi/j anteriores, eles pagarão ao oivkodespo,thj os

frutos no tempo próprio “kairo.j tw/n karpw/n”. Portanto, sem perceberem, os

dirigentes perversos de Israel articulam em suas próprias palavras e sentimentos,

sua conveniente sentença. De que forma se dará a execução dessa sentença? O

279 2 Samuel 12,1-14; 14,1-20; 1 Reis 20,35-43; Jeremias 3,1-5 e Isaías 5,1-7. 280 Esse recurso também é usado na parábola anterior (21,31) 281 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 84: “Em el versículo 41 la imagen resbala ya a la esfera religiosa. Los nuevos gewrgoi/j [labradores] deben ser tales ‘que le (auvtw/| [a él] cf. com auvtou/ [de él] vers. 34) remitan (¿den?) el fruto a su tiempo”.

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texto não oferece uma resposta provável, mas no contexto imediato o redator

elabora essa resposta. Podemos percebê-la na parábola do banquete nupcial (22,1-

14); a resposta aparece de maneira totalmente clara (22,7b): avpw,lesen tou.j

fonei/j evkei,nouj kai. th.n po,lin auvtw/n evne,prhsen, “destruiu aqueles homicidas, e

incendiou a sua cidade”, Jerusalém será destruída. A priori, a comunidade

mateana tem justificativa para esse acontecimento histórico. Os avrcierei/j e oi`

Farisai/oi são responsáveis por essa ruína: rejeitaram e mataram o ui`o,j do

proprietário da vinha.

C. H. Dodd observou que o verso 41 trata retrospectivamente à destruição

de Jerusalém pelos romanos:

“Mateus (21,41) tem restaurado a forma mais usual na conclusão das parábolas fazendo que o auditório responda à pergunta: ‘Destruirá malvadamente os miseráveis e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe paguem o produto há seu tempo?’; e põe nos lábios de Jesus umas palavras que reforçam a aplicação: ‘Por isso vos digo que se os tirará o reino de Deus e será dado a uma nação que dê seus frutos’. Na frase ‘destruirá malvadamente aos miseráveis’ podemos ver provavelmente uma alusão aos horrores da captura de Jerusalém pelos romanos, e na sentença final se reflete seguramente a doutrina da repulsa de Israel e a eleição dos gentios, doutrina que aparece em outras partes do Novo Testamento. A Igreja põe cuidado em precisar a aplicação original”282.

6.4.3 A acusação e interpretação em Mateus 21,42-46

Nessa etapa conclusiva da narrativa, a dinâmica do relato indica o ponto

mais surpreendente de toda dramatização: a principal reclamação é a necessidade

de dar frutos, e conseqüentemente a inesperada transferência da basilei,a tou/ qeou/

para um novo e;qnoj. Assim, os ouvintes são impactados com esse “feed back”,

onde interpretam a parábola como uma história que reflete inteiramente o próprio

conflito deles com Jesus.

O redator mateano ratifica e aplica estilisticamente este juízo.

Imediatamente ele introduz uma citação veterotestamentária. A declaração

introdutória (42): ouvde,pote avne,gnwte evn tai/j grafai/j\, manifesta um estilo

próprio do redator, onde se recorre a Escritura como comprovação e

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fundamentação. A exegese rabínica dá legitimação a esse processo hermenêutico,

portanto o uso das grafai/j é corretamente aproveitado como interesse legal de

argumentação. Se tratando, enfim dos avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi na controvérsia

é perfeitamente viável tal procedimento.

Para U. Luz a Bíblia deu testemunho a favor de Jesus. Esse foi o horizonte

interpretativo usado pela tradição cristã:

“A citação de Sl 117,22s (LXX) coincide literalmente. Trata-se, em linguagem figurada, de uma pedra (42b): ‘A pedra que rejeitaram os edificadores’; passa a ser a ‘pedra angular’, presumivelmente uma pedra superior, bem visível em uma das esquinas de um edifício. Para os primeiros cristãos era óbvia sua aplicação a Cristo283. O redator a seguir desenvolve definitivamente o sentido teológico da sua

propositiva. No verso 41 ele estabeleceu uma nova dinâmica na narrativa

interagindo com a sua audiência por meio da indagação. A resposta é retomada

com o verso 43 e elucidada com o posicionamento tão radical tomado pelo

oivkodespo,thj. A relação desses versos foi dinamizada em forma quiástica, criando

um paralelismo, onde o verso 43 simplesmente cria uma ponte com o verso 41b, e

o verso 44 explica nitidamente o verso 41a284. Esse recurso estilístico favorece o

entendimento da sua audiência. A claúsula redacional 43 é introduzida com o

le,gw u`mi/n, trata-se de um dito imponente trabalhado pelo redator. Esse axioma

corresponde à resposta imediata de Jesus, que através do dia. tou/to é precisamente

atrelado com o verso anterior. A dinâmica cria uma forte correspondência com

categorias conhecidas pela sua audiência. Desta forma, os ouvintes entenderiam a

aplicação da seguinte maneira: assim como os avrcierei/j e oi` Farisai/oi

rejeitaram terminantemente a li,qoj, que nessa articulação interpretativa é aquele

que eles sentenciaram à morte: Jesus. Além disso, soma-se a incapacidade de se

282 Cf., DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, pp. 126-135. 283 Cf., LUZ, U., El Evangelio según San Mateo, Mt 18-25, p. 299. Para Luz se aplica, por uma parte no anúncio da paixão (Mc 8,31); “o cristianismo primitivo associou, por outra parte, ao texto de Sl 118,22 com outros textos ‘pedra’ Is 28,16 e 8,14, interpretados igualmente em sentido cristológico (cf. 1 Pd 2,4.6-8)”. 284 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 90: “por la rigidez redaccional y por la acentuación más fuerte Del asunto, Mateo há configurado de nuevo la parábola de Marcos. Con el versículo 43 le há añadido una interpretación que repite el versículo 41 ya sin imagen y así hace patente una comprensión propia. La ampliación cristológica de la redacción de Marcos se sustituye por una ‘eclesiológica’ que corresponde mejor al disenõ de la parábola y que vuelve a conducir a la Idea Del pueblo de Dios Del canto de la viña de Is 5,1-7”.

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produzir frutos. Resultado dessa seqüência desastrosa: lhes será tirada a basilei,a.

os interlocutores são indicados pelo avfV u`mw/n que está devidamente conectado, de

modo contíguo, na totalidade do relato, e se manifestam exatamente no verso 45:

oi` avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi 285.

Para os ouvintes a basilei,a representaria figuradamente a vinha. Essa

aplicação é facilitada pela magnífica continuidade que o redator estabelece no

contexto imediato, onde o verso 31 já possibilita, a priori, a perspectiva de uma

futura salvação. A audiência mateana já entende perfeitamente a aplicação do

vocábulo basilei,a 286, onde o sentido da expressão basilei,a tou/ qeou/ tem uma

forte aplicação, que marca definitivamente a promessa e se constitui

terminantemente na expectativa do reino. Na habilidade redacional do escritor, a

dinâmica do relato indica a culpabilidade de Israel, fazendo com que essa

promessa e expectativa na “basilei,a tou/ qeou/” seja tirada dos avrcierei/j e oi`

Farisai/oi.

Dentro desse ponto de vista de culpabilidade de Israel, W. Trilling mostra

que a basilei,a tou/ qeou/ é uma grandeza que recorre ao Antigo e ao Novo

Testamento.

“Deus premiou a Israel e, Israel em razão da sua culpa perdeu a basilei,a que foi entregue a um novo e;qnoj. Com a continuidade do reino se dá a continuidade do povo. Um condiciona o outro. A tarefa do povo de Deus é segundo esta passagem, produzir fruto (43b): kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j. E isto não se refere a algumas boas obras, senão a vida e a morte, como ocorrera com Israel. E, é justamente essa falha de Israel que Mateus vê a culpa decisiva. A morte dos mensageiros de Deus é o terrível resultado de uma ‘esterilidade’. A este sentido corresponde o que Mateus compreende como

285 Cf., LUZ, U., El Evangelio según San Mateo, Mt 18-25, pp. 299-300. De acordo com Luz a referência a Israel precisa ser melhor interpretada: “ya desde la tradición deuteronomística de asesinato de los profetas, es todo Israel el que rechazó y dio muerte a los profetas enviados a él. Los lectores recuerdan aún que los ‘hijos de la basilei,a’ eran allí Israel, no sólo sus dirigentes. Pero les sorprende, sobre todo, que el texto no contraponga a los dirigentes judíos otros dirigentes mejores, sino un e;qnoj . Eso es para ellos un toque de atención, una señal que contiene un plus de sentido que rebasa el contexto. No se trata, pues, solo de los dirigentes de Israel, sino de todo el pueblo? Hasta ahora, en la historia mateana de Jesús respondían positivamente a Jesús, no solo los recaudadores y las prostitutas (21,31s), los enfermos y los ‘pequeños’ de Israel (21,15), sino también la gente Del pueblo. Pero su final reseñará como logran los dirigentes judíos atrae a ‘todo el pueblo santo’ (27,25) a su lado. El pueblo entero queda implicado en la muerte de Jesús, de suerte que, desde el final del evangelio, la perdida del reino, que Jesús anuncia a los dirigentes malvados de Israel, tendrá consecuencias para todo el pueblo”. 286 A expressão é usada pelo redator mateano e aparece com a máxima claridade desde o vaticínio de 8, 11s.

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penalidade determinante na privação e na aniquilação dos assassinos, ou seja, a destruição de Jerusalém”287. A aplicação de e;qnoj traz enormes dificuldades para os exegetas. A

importância de e;qnoj no rigor redacional, do relato no verso 43, mostra essa

necessidade de identificar o grupo aqui implícito. Segundo U. Luz, “não se pode

equiparar esta palavra com os pagãos e nem com a Igreja”288. Luz continua

observando a direção mais coerente que esse vocábulo aponta:

“Aponta para uma determinada direção, e não se trata só dos ‘outros dirigentes’, esses não poderiam ser qualificados de e;qnoj. Tampouco se trata só de Israel; então, caberia esperar a palavra lao,j. Esta identificação se corresponde com a mateana ‘eclesiologia dos frutos’: não será a pertença de uma instituição, nem a uma profissão de fé, se não unicamente as obras de amor, desta maneira. [...] não é, pois a Igreja em lugar de Israel, mas o que a expressão insinua é uma chamada para que se produzam frutos289. Trilling observa “que Mateus está se referindo não somente aos discípulos,

ao cristão individual ou ao portador de um ofício, senão a toda Igreja”290.

Uma outra grande dificuldade é a interpretação do verso 44, já que ele não

se integra tão facilmente com a claúsula redacional do verso 43; e também não é

satisfatório na conexão com o verso 42, já que não estabelece uma representação

viável, de fato parece que o verso 42 não é equivalente291.

Portanto, apesar de algumas dificuldades na interpretação de alguns

vocábulos e na articulação de alguns versos na integração de toda narrativa, a

audiência mateana percebeu, provavelmente, que com a penalidade constituída e

bem articulada para os vinhateiros, a parábola apresentava perfeitamente um final

287 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 82. Aqui não leva em consideração as passagens que falam da basilei,a de Cristo (13,41; 16,28; 20,21). 288 Cf., LUZ, U., El Evangelio según San Mateo, Mt 18-25, p. 300. Luz pensa desta forma e cita outros exegetas mais recentes: “Schmid, Trilling, Frankmölle, Steck e Stanton que aplica incluso la ‘piedra’ Del v. 42 a la comunidad proscrita por los dirigentes judíos y acogida por Dios”. 289 Cf., LUZ, U., op. cit., p. 301. 290 TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 87. 291 LUZ, U., op. cit., p. 301: “No es posible ‘caer’ sobre la piedra angular superior de un edificio; y un edificio construido por Dios mismo deberá ser tan estable que la piedra angular superior no se caiga y aplaste a alguien. Pero la imagen no hay que cotejarla con la realidad física; al fondo está, quizá, un ramillete de asociaciones bíblicas unidas por la parte objetiva del símil. Para el v. 44 son importantes, por una parte, Is 8,14, el pasaje de la ‘piedra de tropiezo’ sobre la que muchos ‘caen y se destrozan’ (Is 8,15 LXX: cf. Bern 6,2), y por otra Dan 2,34.44s, el pasaje de la piedra maravillosa que pulverizará los reinos del mundo”.

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coerente dentro do que se esperaria, de acordo com a tradição. A dinâmica do

relato é inesperadamente articulada com novos elementos que são inseridos

através do simbolismo da pedra angular e da citação literal do Salmo 118,22-23.

Para Léon-Dufour, possivelmente esta citação não pertencia à tradição mais antiga

da Igreja, já que se assemelha mais ao texto grego 292.

C. H. Dodd analisa essa citação na perspectiva dos evangelhos sinóticos:

“Os três evangelistas têm acrescentado à aplicação da parábola um testemunho tomado do Antigo Testamento: “a pedra que recusaram os construtores se tem convertido na pedra angular” (Mc 12,10 e paralelos). Lucas agrega ademais outra sentença sobre a pedra que destroça aqueles que caem sobre ela e a aqueles sobre quem ela cai ( Lc 20,18). Esta progressiva elaboração indica que a Igreja atribuía à parábola uma importância singular e desejava eliminar toda a duvida acerca de sua interpretação. Segundo isto, não seria estranho que os detalhes do relato, já em sua primeira forma canônica, houvera sido objeto de alguma manipulação a fim de indicar mais duramente a lição.”293.

A citação de Salmo 118 era uma necessidade inequívoca da situação

emblemática. Ao ser introduzida no relato provocou uma certa descontinuidade,

indicando um atrelamento artificial com a parábola e assim uma possível alteração

de sentido. Introduzindo esta orientação, possivelmente com um sentido

cristológico294, a comunidade teria necessariamente induzido o significado da

292 Cf., LEON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 326. Para Léon-Dufour “Lucas, que ignora o versículo 23 do Salmo 118, acrescenta outra sentença numa locução proverbial dos textos que provêm de Isaías 28,16 e Daniel 2,45. Não é impossível que a aproximação destas passagens com o Sl 118 foi feita em algum momento preexistente. Como Mt 21,44 é criticamente sobre esta sentença é provável que não seja nem de Lucas e nem de Mateus, mas deve pertencer à fase pré-sinótica”. 293 Cf., DODD, C. H., The Parables of the Kingdom, pp. 134-135. 294 Cf., LEON-DUFOUR, S. J. X., op. cit., pp. 333-334. Para Leon-Dufour a citação de Sl 118 é totalmente uma leitura cristológica: “Três tôt, dans la communauté chrétienne, le sort de Jesus rejeté par Israel puis ressuscite, a été compris à la lumière des textes bibliques sur la pierre d'angle. Rappelons les textes bibliques dont elle s'inspire le plus souvent, outre le Ps 118. (Is 28,16; 8,14-15; Dn 2,44-45; Voir aussi Jr 51,26; Zc 4,7). Relisant ces textes, la communauté primitive y a 'vu entre autres une annonce prophétique du destin de son Seigneur: pierre d'achoppement pour les Juifs, rejetée par 1'Israël officiel, mais, au jour de Pâques, posée à la clef de 1'édifice entier de 1'Ëglise. En fonction des besoins de la prédication et de 1'apologétique naissante, elle en fit des centons scripturaires, verses au dossier de sés prédicateurs. Nous ne pouvons ici retracer l'histoire, fort complexe, de leur formation. Il suffit de remarquer que leur influence sur la réflexion chrétienne est incontestable. Dans le cas de notre parabole, le commentaire qu'introduit la citation du Ps 118 ne fait qu'expliciter une pensée authentique de Jesus. Celui-ci savait qu'il devait être ‘rejeté’ (Lc 17,25), mais pour devenir príncipe d'union. Sa certitude, 1'Église naissante l'a exprimée à travers 1'image traditionnelle de La pierre qui, rejetée, est placée par Dieu au sommet de 1'édifice. Ce symbolisme pouvait être exploité selon deux directions. En s'arrêtant au role de la pierre par rapport à 1'ensemble de la construction, on souligne la continuité du dessein de Dieu (cf. Is 28,16-17), la solidité de son Royaume subsistant à jamais (cf. Dn 2,44). Ou bien, on voit avec le

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parábola original, provavelmente com o interesse de provocar no relato uma

conclusão obviamente vitoriosa. Portanto, a parábola reflete um período pós-

pascal, trata-se de uma retrospectiva. Mas, se de fato a citação de Salmo 118 veio

da Igreja primitiva, como se explicaria então não ter sido construída nenhuma

insinuação para a vitória da ressurreição de Jesus no próprio relato, a não ser essa

sutil citação? Concluindo, percebemos o trabalho criativo do redator mateano,

com uma perspectiva na história salvífica e ressoando diretamente com a vinha de

Isaías 5,1-7. De fato, esta alteração, longe de trair o pensamento de Jesus, fez

somente ilustrar. Por conseguinte, a aplicação da parábola é verdadeiramente

refletida pela fé dos primeiros cristãos, num confronto direto com o judaísmo,

enfocando a importância da comunidade mateana em produzir frutos, em

detrimento das autoridades judaicas e suas instituições que sofrem de uma

esterilidade consciente.

Ps 118 (cf. Is 8,14-15) le sort de la pierre rejetée, puis portée au sommet; l'on retient ainsi 1'annonce du destin personnel du Christ; or il semble que la tradition naissante se soit intéressée au sort de son Seigneur plutôt qu'à celui du Royaume”.

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6.5 A análise da culpabilidade de Israel e a perda da basilei,a na perspectiva de Mateus

A total descrença dos avrcierei/j e oi` Farisai/oi indica perfeitamente o

juízo de Deus e a sua categórica e implacável reprovação, sobre a cidade e

principalmente sobre seus responsáveis. Basta analisarmos o encadeamento das

três parábolas que amplia consideravelmente o confronto de Jesus com seus

interlocutores295. O redator mateano indica precisamente as razões que levaram a

punição da liderança de Israel por Deus. Partindo da argumentação, que mostra a

culpabilidade de Israel, na verificação de 21,41c: “tais que pagarão a ele os frutos

no tempo devido”; e singularmente a adição da claúsula redacional do verso 43,

são aparentemente as referências de um interesse assinalado pelo redator para

destacar a sua comunidade como novo protagonista na história salvífica.

Na dinâmica do relato mateano, percebemos como este desenvolvimento

desemboca na alteração do sentido, quando comparado aos correlatos sinóticos. A

conexão direta com a vinha de Isaías 5, de modo inclusivo com o seu sentido

jurídico paradigmático, somada com a inserção da claúsula redacional do verso 43

e também com todo acondicionamento estilístico do redator, torna a argumentação

da responsabilidade perfeitamente plausível. Além disso, acrescentando o tema da

reabilitação da pedra rejeitada (Sl 118,22s), que sugere a vitória da ressurreição,

mostra que os vinhateiros na versão de Mateus tem como propositiva, apresentar

de maneira precisa à inversão da história da salvação, de tal modo, que a lição

desta odiosidade criminosa se constata com total nitidez na penalidade inevitável

que os avrcierei/j e oi` Farisai/oi sofreram com a perda da basilei,a tou/ qeou/ e o

aparecimento de um e;qnoj que poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j.

No entanto, nesta interpretação da história, o redator mateano

intencionalmente indica por meio de uma potente ruptura, a vocação do novo

295Cf., BARBAGLIO, G., FABRIS, R. e MAGGIONI, B., Os Evangelhos 1, p. 313. Para Barbaglio, “Os chefes incrédulos são comparados ao filho desobediente ao pai (21,28-32), aos vinhateiros homicidas (21,33-46), aos convidados de honra que, recusando participar do festim de núpcias, são definitivamente excluídos deles (22,1-14), neste contexto, ainda se apresenta o texto da maldição da figueira estéril, inserido entre a purificação do Templo e a primeira controvérsia (21,18-22), conserva o significado original simbólico de imagem do povo incrédulo e, por isto, condenado à destruição”.

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e;qnoj, que é devidamente ratificada em dois momentos na narrativa (41c

“avpodw,sousin auvtw/| tou.j karpou.j evn toi/j kairoi/j auvtw/n” e 43c “poiou/nti tou.j

karpou.j auvth/j”: entregar (avpodi,dwmi) ou produzir (poie,w) os “frutos”. Desta

forma, está perfeitamente indicada à polêmica contra o judaísmo que é

compatibilizado com uma atividade redacional essencialmente eclesiológica: “É

intenção de Mateus analisar a falta de Israel, e tirar daí um ensinamento a partir da

menção do julgamento” 296. Estaríamos de fato diante de uma culpabilidade de

Israel? Não resta dúvida que a claúsula redacional do verso 43, manifesta

devidamente o significado integral da parábola na perspectiva mateana. Mas,

possivelmente esta recensão não proporciona terminantemente uma alegoria da

história da salvação, como propôs J. Jeremias297. Por outro lado, não é

inteiramente prudente interpretá-la como acusação, que aponta significativamente

para a culpabilidade de Israel, conforme pensa W. Trilling298. Mas, não

necessariamente na sua totalidade um aprofundamento, com características

diferentes da parábola original, segundo Léon-Dufour299. Percebemos aqui uma

somatória de possibilidades que podem ser integradas perfeitamente. Tanto a

questão da história da salvação, como a culpabilidade de Israel, aponta de maneira

significativa para um sentido novo articulado pelo redator mateano diante das

grandes dificuldades que a sua comunidade atravessava com relação ao judaísmo.

Portanto, acreditamos que a história do oivkodespo,thj e dos vinhateiros, na

perspectiva do redator mateano, não apontava inicialmente para a morte trágica do

ui`o,j (alegorização da história da salvação) apesar da sua importância na dinâmica

do relato, mas para a transferência da basilei,a tou/ qeou/, em razão da

culpabilidade (esterilidade das autoridades com suas respectivas instituições) de

Israel; conseqüentemente a admissão inesperada de um novo e;qnoj

(provavelmente é um indicativo da comunidade mateana). Tanto a perspectiva

296 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 87. Para Trilling, a declaração de dar fruto em Mateus “não está se referindo somente aos discípulos, ao cristão individual ou ao portador de um ofício, porém se refere a toda Igreja. Trata-se, portanto de uma construção eclesiológica do redator, já que em Marcos se perceber um interesse cristológico”. 297 Cf., JEREMIAS, J., As parábolas de Jesus, p. 71. Para Jeremias “a interpretação de Mateus da história da salvação é desde o surgimento dos profetas no Antigo Testamento, passando-se pela destruição de Jerusalém, até ao juízo final. Este esboço da história da salvação tenciona fundamentar a passagem da missão aos pagãos: Israel não o quis”. 298 TRILLING, W., op. cit., pp. 88-89. 299 LEON-DUFOUR, S. J. X., Études D’Évangile, p. 343.

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eclesiológica, que definitivamente conglomerava a orientação cristológica300, que

é devidamente sublinhado pelo aparecimento do e;qnoj com sua nova missão e seu

destino previamente estabelecido pela produção de “frutos”: poiou/nti tou.j

karpou.j auvth/j.

A análise da claúsula redacional do verso 43, mostra este encadeamento de

situações, que possivelmente reenvidica um posicionamento da comunidade

mateana. Por outro lado, deve-se destacar que o verso 43, ao mesmo tempo em

que confirma essa argumentação, ele basicamente aponta para um prolongamento

da sentença, já que foi pronunciado pelas autoridades judaicas em 41: le,gousin

auvtw/|\ kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j. A articulação da narrativa constituída a

partir do verso 43 é tal, que leva a uma reflexão sobre os avkou,santej oi` avrcierei/j

e oi` Farisai/oi, ou seja, os chefes dos sacerdotes e os fariseus que representam

legalmente o Israel hostil da parábola (21,45a), de tal modo, promulga a

inevitabilidade do julgamento, que tem como sentença: em detrimento da

prerrogativa exclusiva de Israel, procede a transferência da basilei,a a um e;qnoj.

A dinâmica do relato proporciona uma conexão do verso 43 na perspectiva

do verso 41, ocasionando um horizonte interpretativo impressionante. Ao

observarmos as categorias basilei,a e e;qnoj301 devidamente interagidas na

articulação do verso, podemos destacar a precisão que tais vocábulos apontam

para a necessidade de se produzir frutos. O que pode ser verificado em toda

tradição mateana começando em Mateus 3,8: poih,sate ou=n karpo.n a;xion th/j

metanoi,aj; 3,10b: pa/n ou=n de,ndron mh. poiou/n karpo.n kalo.n evkko,ptetai kai. eivj

pu/r ba,lletai; 7,17b: de. sapro.n de,ndron karpou.j ponhrou.j poiei/; 7,18: ouv

300 Especialmente em evidência em Marcos e Lucas. 301 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 74. Hubaut analisa as propostas de Strecker sobre o e;qnoj: “Reconnaissons cependant que la position de Strecker est suggestive et cohérente avec 1'ecclésiologie du premier évangile. Si Ia clôture (Mi., xxi,33) evoque la Loi donnée au Sinaï, une interprétation ‘légaliste’ de la Basileia est en bonne position dans la parabole: ce que Dieu avait donné aux Juifs, il l'a maintenant donné à 1'Église. Mais, pour Strecker, ethnos vise moins la communauté ecclésiale que les individus, d'origine païenne, qui la composent. En cela, il est cohérent avec ce qu'il considere, ajuste titre, comme la conception matthéenne de 1'Église: non pas une communauté de ‘saints’, sur laquelle ne pèserait aucun jugement, mais un corpus mixtum composé de justes et de pécheurs, qui seront jugés à la fin des temps, d'après les fruits qu'ils auront produits. Or, la conception rabbinique du règne de Dieu par la Thora est, elle aussi, essentiellement individualiste: prendre sur sói, ou enlever, le joug du règne est le fait d'individus. K..G. Kuím avait déjà étudié les textes cites par Strecker, et en concluait que, dans le rabbinisme, le concept du règne de Dieu (par la Thora) n'est jamais mis en relation avec celui de ‘peuple’ d'Israël, parce que le premier est purement religieux et individuel, et que le second est politico-religieux et collectif. À ce

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du,natai de,ndron avgaqo.n karpou.j ponhrou.j poiei/n ouvde. de,ndron sapro.n karpou.j

kalou.j poiei/n; 7,19: pa/n de,ndron mh. poiou/n karpo.n kalo.n evkko,ptetai kai. eivj

pu/r ba,lletai302

W. Trilling observa que a perspectiva do redator mateano se concentra em

mostrar a falha de Israel, que conseqüentemente é questionado pela sua definitiva

culpabilidade. Para tanto, ele analisa a morte dos mensageiros de Deus e o terrível

resultado da esterilidade de Israel, pela incapacidade de produzir os frutos. Neste

sentido, corresponde inteiramente a perspectiva do redator, indicando assim essa

culpabilidade e, por conseguinte o castigo contundente na privação da basilei,a e

no aniquilamento dos assassinos, ou seja, a destruição de Jerusalém com todos os

terrores que acompanham: “Todas as outras interpretações ou toda introdução dos

traços ‘alegóricos’ reduziria a grandeza desta concepção” 303.

Na articulação da claúsula redacional do verso 43, a retirada da basilei,a de

Israel em decorrência da sua culpa, é extremamente expressivo, mais ainda é a

transferência para um e;qnoj, já que esse e;qnoj possivelmente representaria a

comunidade mateana. O sentido também se desloca presumivelmente em função

do interesse, que prende do mesmo modo, agora não sobre a destruição de Israel

(41b: kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j), mas a propósito de sua desqualificação

perante a basilei,a e a proposta do reino a outros gewrgoi/j (41c): avmpelw/na

evkdw,setai a;lloij gewrgoi/j, que responderão ao proprietário no devido tempo

com o produto da vinha: oi[tinej avpodw,sousin auvtw/| tou.j karpou.j evn toi/j kairoi/j

auvtw/n.

A claúsula redacional do verso 43, no seu substrato literário, é

perfeitamente característico da teologia mateana304. Podemos destacar a própria

interpretação da parábola, evocando singularmente o horizonte da basilei,a com

seu sentido mais amplo, representando assim o interesse mateano no confronto

direto com o judaísmo. Nesse pré-texto, há ainda a relação estabelecida entre a

temática da Lei, que para o redator se inscreve no sentido do karpo,j e o

point de vue, l’exégèse de Strecker est donc parfaitement cohérente. Mais rend-elle la portée exacte du v. 43 ?”. 302 Também pode ser verificado em Mt 12,33s e 13,26. 303 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 91. 304 Cf., TRILLING, W., op. cit., p. 91. O versículo 43 é de maior importância para o pensamento teológico do evangelista, afirma, Trilling, isso se dá “porque Mateus conhece a continuidade da economia da salvação. A basilei,a tou/ qeou/ é uma magnitude que recorre ao Antigo e Novo Testamento”.

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julgamento que se insere de maneira irrecusável no mundo teológico mateano.

Sua leitura indica, apesar disso um contingente de dificuldades. Para tanto, seria

necessário analisar sistematicamente a importância dos verbos que são articulados

pelo redator no futuro: avrqh,setai/doqh,setai, na definição da basilei,a tou/ qeou/ e

na identidade de e;qnoj.

W. Trilling faz a seguinte analise desses verbos:

“O paralelo paradoxal avrqh,setai / doqh,setai, de proveniência judaica, aparece duas vezes na tradição sinótica para evocar a retribuição escatológica (Mc 4,25 por. Mt 13,12; Lc 19,26 parágrafo Mt 25,29); [o[stij ga.r e;cei( doqh,setai auvtw/| kai. perisseuqh,setai\ o[stij de. ouvk e;cei( kai. o] e;cei avrqh,setai avpV auvtou/, ‘Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado’], [...] o verbo ai;rw utilizado pelos sinóticos aparece mais ou menos com a mesma freqüência, chama a atenção o eco da sentença duplamente transmitida, porém ligeiramente modificada nos detalhes”305.

D. Marguerat, faz a seguinte observação quanto ao uso desses verbos no

futuro passivo, dentro da perspectiva do redator mateano:

“É por isso que se viu neste passivo divino que Deus, quando do julgamento, privará Israel da salvação para atribuir aos que terá feito prova da fidelidade ética. W. Trilling e Strecker propuseram atribuir o verbo no futuro um valor histórico: na ficção literária do Evangelho, Jesus anuncia a iminência de uma sanção que, no tempo de Mateus, já foi executado. O contexto imediato defende indiscutivelmente por esta última importante hipótese: 22,7: o` de. basileu.j wvrgi,sqh kai. pe,myaj ta. strateu,mata auvtou/ avpw,lesen tou.j fonei/j evkei,nouj kai. th.n po,lin auvtw/n evne,prhsen, “E o rei, tendo notícia disto, encolerizou-se e, enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a sua cidade”; fazendo conexão com 21,41, o que foi percebido na crise de 70 com a manifestação da cólera divina contra estes homicidas. Uma aproximação com o veredicto de 21,31 é igualmente significativa; porque na salvação dos telw/nai (publicanos) e as po,rnai (prostitutas), que suplantam os chefes do povo na basilei,a, o redator mateano percebe a explicação tipológica e a prefiguração de um acontecimento na sua comunidade: A fé dos pagãos. A punição, por conseguinte abateu-se sobre o povo judaico. Nada indicado, contudo que o redator mateano contou o paralelo tradicional avrqh,setai/doqh,setai de sua conotação jurídica e escatológica; a introdução (redacional) dia. tou/to le,gw u`mi/n, de estilo profético, confirma-o pelo contrário”306.

305 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, pp. 80-81. ““Àquele que tem, se dará, mas àquele que não tem, lhe será tirado” (Mc 4,25 // Mt 13,12; Lc 8,18 e Mt 25,29; Lc 19,26) somente neste lógion, pois em cinco lugares, aparece o passivo futuro de ai;rerin e o par dialético avrqh,setai / doqh,setai . Pode-se supor uma influência deste logion em 21,34, sobre tudo porque seria de esperar mais que Mateus utiliza corretamente no v. 41, segundo o v. 33”. 306 Cf., MARGUERAT, D., Le Jugement dans L’Évangile de Matthieu, pp. 324-325.

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O redator mateano mostra perfeitamente que Israel tinha toda a

prerrogativa da basilei,a307. Isso evidência que a transferência da basilei,a

corresponde a um fato que diz respeito à passagem do redator e que por

conseguinte, ao curso da sua história. Este sinal jurídico de Deus, na perspectiva

do redator realizou-se, é designado, então, como uma grandeza apresentada na

história, o reino atual de Deus. O redator é, sobretudo compassivo à retirada da

salvação. O que está implicado para ele, é que o povo judaico, por sua falta, se

excluiu do futuro desta promessa. Portanto, por sua inteira culpabilidade.

Porém, de acordo com Kümmel:

“O ponto de vista de Mateus, os judeus não foram definitivamente rejeitados, só mesmo mediante uma argumentação inteiramente forçada seria possível retroceder, alinhavando todos os textos que denunciam uma tendência judeu-cristã expressa na tradição e que o evangelista não teria assimilado ao seu ponto de vista”308. Mas, ainda é indispensável conjeturar um detalhe importante nessa

argumentação. Quando analisamos a etapa conclusiva do verso 43, percebemos

que o novo e;qnoj recebe a seguinte incumbência: poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j, a

obrigação imprescindível de produzir frutos, mas este comprometimento não é a

conseqüência da graça divina da basilei,a, constitui-se, porque Mateus 28,20

exprimi, que a transferência da basilei,a ao novo e;qnoj efetivamente já

concretizado está em anunciar aos demais povos: “Ensinando-os a guardar todas

as coisas que eu vos tenho mandado”. Portanto, todas as instruções de Cristo, a

opção pelo novo e;qnoj é cumprida significativamente, por conseguinte na

transferência às nações, da mensagem de Jesus, no desdobramento universal da

determinação escatológica. Mais uma vez, estaria implícito aqui a missão histórica

de Israel, que exclusivamente pela sua culpabilidade perdeu toda essa grandiosa

prerrogativa. Numa comparação importante entre a Igreja (comunidade mateana)

e o judaísmo, é determinante analisar as possíveis decorrências dessa articulação:

por um lado o e;qnoj (comunidade mateana) que recebe a prerrogativa de Israel e,

307 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 83. “O emprego do termo basilei,a tou/ qeou/ no versículo 43 não tem nada de estranho, pois, segundo o vocabulário de Mateus não constitui nenhum argumento contra sua paternidade”. 308 Cf., KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p. 141.

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portanto o comparecimento último, em razão do frutos pedidos, é ainda por vir.

Assim, em 22,11-14 apresenta o destino final de Israel, em conseqüência,

sobretudo, na rejeição definitiva de Jesus309.

Desta maneira, o redator mateano, constitui mais um critério decisivo no

julgamento e na condenação inevitável de Israel.

309 Cf., HUBAUT, M., La parabole des vignerons homicides, p. 73. “Mateus espera a realização definitiva da basilei,a escatológica apenas na hora da manifestação da basilei,a cósmica, mas testemunha ao mesmo tempo o seu aparecimento pela vinda de Jesus como basilei,a tou/ qeou/. Esta distinção é puramente formal”, acrescenta Hubaut, e não permite enraizar a basilei,a, “assim compreendido, na história de Israel, se não é, ao limite, pelo ministério de Jesus dirigido ao povo judaico. Portanto, mostra como a basilei,a é dada por Jesus a Israel, porém, em seguida retirada, e dada a um novo e;qnoj”.

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6.6 O aspecto jurídico aponta para novas perspectivas

A narrativa da vinha de Isaías 5 dá a tonalidade e orienta a comunidade

mateana familiarizada com a Escritura, mostrando a relação entre Deus e o seu

povo: em Isaías 5,7a: laeêr"f.yI tyBeä ‘tAab'c. hw"Ühy> ~r<k,ø yKiä , “Porque a vinha do

Senhor dos Exércitos é a casa de Israel”. Esta tônica de Isaías revela que a

disposição da vinha em Mateus 21,33 não responde a uma aspiração, mas deve

inevitavelmente evocar a eleição de Israel. A analogia com o texto de Isaías

estende-se igualmente à pergunta e a condenação formulada na conclusão310: o

povo obstinado é rejeitado. A alegoria da história da salvação se coaduna com a

configuração do discurso profético do julgamento.

Portanto, se verifica que a perspectiva jurídica, tal qual como apresentada

em Isaías 5,1-7, e empreendida completamente pelo redator mateano, de tal modo

que a acusação, originalmente assinalada para laer'f.yI tyBeä foi, então, direcionada

decisivamente aos hostis oponentes de Jesus. O redator mateano atualiza e aplica

o texto isaiano, apontando diretamente para os chefes dos sacerdotes e os fariseus,

que tem uma absoluta odiosidade a Jesus. De igual modo a dinâmica do texto

isaiano, em que a casa de Israel e os habitantes de Judá praticam a injustiça, os

oponentes de Jesus: avkou,santej oi` avrcierei/j e oi` Farisai/oi também não

atendiam ao ideal moral formulados em 21,43 “poiou/nti tou.j karpou.j”. O fato

que o ideal moral formulado em Mateus 21,43 kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j

karpou.j auvth/j, contém uma avaliação negativa da atitude dos principais

sacerdotes e dos fariseus, isso em detrimento dos publicanos e das prostitutas

conforme em 21,31: o[ti oi` telw/nai kai. ai po,rnai proa,gousin u`ma/j eivj th.n

basilei,an tou/ qeou/. O verso 31 faz parte da parábola dos dois filhos que antecede

a dos vinhateiros. Assim sendo, observamos que através da parábola mateana dos

vinhateiros, o redator mostra o aspecto de uma comunidade que se dispõe

verdadeiramente a lutar contra a animosidade ininterrupta do judaísmo do seu

tempo.

O redator trabalhou a perspectiva jurídica de forma bastante consistente,

não somente aqui, mas também na perícope da parábola dos dois filhos que

310 (Mt 21,41-43 // Mc 12,9 e Is 5,4-6)

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antecede os vinhateiros (21,28-32), isso com a finalidade de atender a seu

Leitmotiv: percebemo-lo também tematizando a acusação contra os mesmos

ouvintes (21,28-32) e acenando para a infidelidade de Israel, com suas inevitáveis

conseqüências (22,1-14). M. Gourgues faz a seguinte aplicação:

“Podemos verificar que por meio do comportamento oposto dos dois filhos, a parábola explicaria então as atitudes contrastantes encontradas por Jesus durante seu ministério. Os justos, aqueles que tinham dito sim a Deus e cujo ideal moral consistia em fazer sua vontade, rejeitaram o apelo decisivo de Deus, quando ele ressoou através de Jesus e da sua pregação do Reino de Deus. Os pecadores, ao contrário, aqueles que tinham dito não a Deus, afastando-se de seu querer, souberam se mostrar acolhedores e se converter. Tanto que, de maneira inteiramente inesperada, os pecadores, e na primeira fila os publicanos e as prostitutas, se tornam os destinatários privilegiados do Reino de Deus. ‘Chegando antes’ dos justos ao Reino de Deus, os pecadores ocupam nele o lugar que poderia ter pertencido aos últimos”311.

Na conjunção dessas três perícopes (21,23-22,14) se destaca uma

configuração característica do redator, uma dimensão parenética. Com um estilo

próprio o redator mateano acusa Israel, baseado na história, que não respondeu

devidamente a exigência da justiça divina, razão da intertextualidade com Isaías

5,7; o que deveria assinalar, naturalmente a nomeação de povo de Deus312. O

núcleo da temática do redator mateano é, por conseguinte a prática da justiça. A.

Ogawa faz a seguinte observação: “as parábolas não exprimem uma simples

condenação (culpabilidade) de Israel, nem (por outro lado) orgulho triunfal da

Igreja, mas ratifica na consciência dos leitores, para uma prática de uma melhor

justiça”313.

Partindo de uma aplicabilidade eclesial, o redator simplesmente indicou

que Israel perdeu o Reino de Deus, basicamente por sua própria incredulidade, em

contra partida, os pagãos recebem essa prerrogativa por sua sincera obediência314.

311 Cf., GOURGUES M., As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus das origens à atualidade, p. 139. 312 OGAWA, A., Paraboles de l'Israël véritable? Reconsidération critique de Mt. XXI 28 - XXII 14, p. 149. Ogawa analisa essa situação mostrando que do mesmo modo o redator faz uma advertência ao orgulho da comunidade cristã de modo que esta não deixe de realizar a justiça exigida. 313 OGAWA, A., op. cit., p. 149. 314 Cf., KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p. 141. Para Kümmel, basta apenas atentarmos à parábola a partir dos versos 33ss: “onde os vinhateiros foram rejeitados por causa do assassínio do filho do proprietário da vinha, então, de acordo com 21,43, isso significa que o reino será entregue, não aos judeus incrédulos que continuam armando ciladas contra Jesus e, antes dele, contra o Batista (21,23.31s.45s), mas no lugar dos judeus incrédulos surge o povo de Deus

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Para U. Luz, esta interpretação não é a ideal, porque “o Jesus mateano somente

polemiza aqui com os dirigentes de Israel, não com o povo. Os publicanos e as

prostitutas, que ele contrapõe aos dirigentes, pertencem ao povo de Israel, o

mesmo que o discípulo à comunidade”315.

A perspectiva jurídica verificada nas duas perícopes (21,28-32 e 33-46) se

prolonga de maneira condenatória na parábola seguinte (22,1-14). A parábola do

banquete nupcial é articulada de tal maneira, dentro dessa seqüência lógica, que

depois que os convidados rejeitam sistematicamente os servos, aponto de afrontar

os servos do rei e levá-los à morte (22,6), a ordem agora era para: kai. o[souj eva.n

eu[rhte kale,sate eivj tou.j ga,mouj, ou seja, convidar para as bodas todo mundo que

encontrar pelo caminho, sem fazer a menor distinção e sem qualquer restrição da

situação moral desses convidados.

Assim o convite consiste para pa,ntaj ou]j eu-ron( ponhrou,j te kai. avgaqou,j,

não há dúvida, todas as pessoas independentemente de um ideal moral, e não

somente de pessoas que acolhem e pratiquem ao ideal moral promulgado em

21,43: kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j.

De fato, a parábola do banquete nupcial tematiza com total radicalidade o

seu juízo crítico e é determinante no grande ajuste de contas com Israel articulado

nas três parábolas (21,28-22,14). A dinâmica no conjunto dessas parábolas mostra

a relação que caracteriza respectivamente a parábola do banquete (22,1-14) com a

parábola dos dois filhos 21,33-44, principalmente por desenvolver

sistematicamente a perspectiva temporal na dimensão do elemento pós-pascal e

conduzi-la ao mesmo tempo até a dimensão do juízo final.

Outra importante característica que podemos observar nessa relação, entre

as perícopes, é que se destaca em 22,7 com maior visibilidade, o juízo sobre

escatológico, caracterizado pelos bons frutos produzidos, não tendo mais sentido qualquer distinção entre judeu e gentio”. 315 LUZ, U., El Evangelio según San Mateo, Mt 18-25, pp. 285-286. Luz trata do contexto de Mateus 21,23-22,14 como uma polêmica de Jesus com os dirigentes judeus: “Jesús vuelve aqui la mirada al comienzo de la escisión de Israel, cuando Juan Bautista anunció el reino de los cielos. Que su anuncio a Israel era válido y trajo frutos también en Israel, no es irrelevante pata Mateo y sus lectores, que representan a esa parte de Israel en el presente. Pero ellos saben también el reino de los cielos sufrió violencia desde el principio (11,12s), violencia a la que sucumbieron el Bautista y, después de él, Jesús y sus mensajeros. De eso hablan las das próximas parábolas. Ellos saben, por tanto, que la escisión de Israel continúa y que la inherencia del que ‘dijo sí’, cuya hipocresía se manifestó ya ante Juan Bautista, no ha cambiado posteriormente. La historia desgraciada de Israel, que empezó con la desobediencia de los dirigentes judíos a Juan Bautista, continúa en ese sentido”.

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Israel. Comparativamente, porém com menor rigor redacional, encontramos o

mesmo sentido jurídico na parábola dos vinhateiros (21,41.43), não obstante de

forma bem atenuada. A articulação que os vinhateiros possibilita, mostra-nos de

maneira localizada a perspectiva jurídica na dinamização da transferência da

basilei,a tou/ qeou/, de um lado os avrcierei/j e os Farisai/oi e de outro o novo

e;qnoj que assume essa nova missão. No banquete nupcial, o episódio do

convidado sem os trajes apropriados para a festa (22,11-13) aponta para uma

ampliação do sentido jurídico do episódio anterior. É justamente na expectativa

jurídica dos vinhateiros e o juízo estabelecido com todo rigor no banquete, que

percebemos o sentido central da tematização da parábola. É bem verdade que toda

essa dinâmica impactaria de maneira brusca os leitores. Diante desse intrincado

jogo de acusações, o redator mateano não torna a sua comunidade, agora

depositaria da basilei,a, inaccessível ao mesmo juízo que Israel, representado

pelos avrcierei/j e os Farisai/oi, que categoricamente havia rejeitado e perseguido

os mensageiros de Jesus. Respectivamente ele mostra a culpabilidade desses

homens com suas instituições, mas adverte a sua comunidade. J. A. Overman faz a

seguinte observação: “a tensão existente entre Jesus e a liderança em Jerusalém e

seus arredores continua a aumentar [...] Jesus ataca a autoridade e o caráter dos

líderes, e a alegação de que os judeus mateanos podem substituir esses líderes

torna-se explícita”316.

A parábola do banquete nupcial mostra a grandeza dessa comunidade, que é

capaz de acolher os excluídos, os marginalizados pela injustiça social, mas

também agrega esses indivíduos com o batismo e a admissão imediata sem

acepção na comunidade. Coexistem os bons e os maus, perfazendo um novo

caminho, construindo um novo conceito de basilei,a. No entanto, o principio é o

mesmo que o que regia Israel: o chamado não basta, de forma alguma trata-se de

uma garantia. Há algumas implicações, que a comunidade detentora dessa missão

terá que definitivamente assumir com total responsabilidade: kai. doqh,setai e;qnei

poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j (21,43b).

A forma jurídica retratada nos vinhateiros e na parábola dos dois filhos, com

as suas inevitáveis conseqüências, deve ser neste sentido, uma importante e severa

advertência para aqueles que assumem essa nova postura diante de Deus, ou seja,

316 Cf., OVERMAN, J. A., Igreja e comunidade em crise, p. 333.

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a comunidade detentora da prerrogativa perdida por Israel. Na perspectiva

mateana, a gravidade central na temática dessas perícopes, elaborada de forma tão

ríspida não termina aqui, mas percorre significativamente o capítulo 23 e também

os discursos do capítulo seguinte, onde desvendará uma situação análoga na

proclamação de anúncio e de juízo, não somente a Israel, mas simultaneamente

como necessária advertência à comunidade mateana.

O redator mateano evidencia na parábola dos vinhateiros o seu caráter

jurídico paradigmático conforme a conexão intertextual com o cântico da vinha de

Isaías 5317. É interessante, apesar disso ressaltar que a contestação do modelo

literário de Isaías 5 não interessa muito ao redator mateano, a não ser destacar de

modo parecido num primeiro momento a preparação da vinha (conforme o verso

inicial 21,33). O empenho maior do redator ao sofrer diretamente a influência do

texto isaiano, está devidamente concentrado nos delitos dos vinhateiros aos quais

a vinha foi confiada. Conseqüentemente, ele estabelece na parábola o mesmo

sentido que o gênero do texto isaiano pressupõe: uma forma jurídica.

Em Isaías os ouvintes são severamente criticados: laer'f.yI tyBeä; de igual

modo o redator investe nessa característica, evidenciando aqueles que sofreriam a

penalidade: os avrcierei/j e os Farisai/oi. Esta característica visa certamente criar

uma diferença entre o povo e seus dirigentes, que são acusados de total

esterilidade. Ao introduzir os gewrgo,i o redator desenvolveu, no seu contexto

mais amplo, articulando perfeitamente as duas tradições literárias constitutivas em

seu ambiente judaico: a tematização da vinha-Israel e o seu desfecho em forma

jurídica (21,33.41). A dinâmica dos relatos é tal, que ele demonstra

implicitamente o motivo deuteronomista do envio freqüente dos profetas e, por

conseguinte, a nefasta perseguição (21,34-36). O contemplar retrospectivo do

redator mateano sobre a envolvente história de Israel leva a comprovação da

absoluta descrença manifestada pela recusa dos enviados de Deus, os profetas.

Deste modo, o redator tem necessidade de aproximar o seu texto ao da versão da

317 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 87. “Na parábola do cântico da vinha de Isaías 5, 1-7 se compara o povo de Israel a uma vinha (5,7), na redação de Mateus dos vinhateiros não aparece este pensamento de forma tão clara, porém as séries de pensamentos se entrelaçam e constrói uma ponte desde o princípio do texto de Isaías , em que se trata do destino de Israel, posto que o acento se põe somente na afirmação da culpa de todo o povo e do castigo que se produz”.

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Septuaginta para tornar esta alusão mais clara318, além desta ênfase, verificamos

que a perspectiva jurídica de Isaías 5,1-7 é empreendida diametralmente pelo

redator, numa construção bem articulada, fazendo com que a laer'f.yI tyBeä

materializa-se conseqüentemente nos opositores de Jesus.

A interpretação da parábola dos vinhateiros mostra-nos uma habilidade do

redator na tematização do relato: a perspectiva jurídica tem o seu movimento na

narrativa quando o tema do julgamento é ampliado no seu sentido tanto no verso

41 como também no verso 43. Especificamente a sua intenção é de precisar a

propensão dos novos destinatários da eleição e, por conseguinte a conquista

inesperada da basilei,a. É conveniente para ele, pois parte diretamente de sua

intencionalidade: a preocupação na rearticulação do conjunto do texto a propósito

do motivo dos “frutos”, a chamada eclesiologia dos frutos que é tão acintosa na

perspectiva do seu Evangelho. Portanto, o redator introduz possivelmente uma

leitura ética da história da salvação. A redação final do texto assinala a temática

jurídica, articulando a transferência da basilei,a para um novo e;qnoj e,

respectivamente na preocupação de estabelecer, dando mais visibilidade a essa

temática, desenvolvendo para isso uma melhor claridade alegórica. Obviamente, o

interesse real do redator não está na sua tomada de posição em relação “ao

judaísmo, ao judeu-cristianismo ou ao étnico-cristianismo”, como afirma W. G.

Kümmel, mas, por um lado, está interessado na prova de que Jesus é “o Messias,

o Filho de Deus vivo” (16,16); e, por outro lado, “na ênfase repetidamente

colocada no fato de que esta salvação só pode ser obtida na evkklhsi,a de Cristo

(16,18s; 18,17s), e como membro deste e;qnoj que produz seus frutos para Reino

de Deus (21,43)” 319.

318 Cf., OGAWA, A., Paraboles de l'Israël véritable? Reconsidération critique de Mt. XXI 28 - XXII 14, p. 137. 319 Cf., KÜMMEL, W. G., Introdução ao Novo Testamento, p. 143.

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6.7 A perspectiva do novo e;qnoj em Mateus 21,43

A pontos importantíssimos na claúsula redacional do verso 43.

Percebemos essa claúsula como núcleo articulador de toda a parábola,

possivelmente de modo inclusivo sendo capaz de sintetizar com precisão os

“objetivos de Mateus e a natureza da sua comunidade” 320.

Um exemplo disso são as diversas análises que são feitas na tentativa de se

elucidar a identidade do e;qnoj. Esse problema não é em nada atenuado porque está

precisamente na tematização do termo selecionado para nomear aqueles que

recebem a basilei,a tou/ qeou/. Portanto, estamos diante de uma questão hipotética,

quanto a sua interpretação e aplicação321. Na linguagem da versão da

Septuaginta322, e partindo do vocabulário neotestamentário, o plural de e;qnoj é a

qualificação prática para se referir as nações pagãos em detrimento a Israel323. O

320 OVERMAN, J. A., Igreja e comunidade em crise, o Evangelho segundo Mateus, 1999, p. 329: “Por isso merece atenção especial. Os que querem ver Mateus como documento minucioso sobre o rompimento entre o cristianismo primitivo e o judaísmo primitivo, ou os que vêem o cristianismo primitivo como movimento gentio ou não-judaico quase desde o início, apoderam-se desta passagem e lhe dão determinada interpretação. J. Jeremias afirmou que a parábola dos vinhateiros, da qual 21,43 é a conclusão, explica a ruína de Israel e a transferência da vinha à Igreja gentia. Essa tem sido uma interpretação popular da parábola durante boa parte do século XX. J. D. Kingsbury dá o que parece ser uma interpretação semelhante ao escrever que neste versículo vemos que Deus dará à Igreja Israel, seu povo escatológico que vai fazer a vontade de Deus. G. Stanton apresenta interpretação semelhante a esta e afirma que esse versículo é a indicação mais clara no evangelho de que ‘a comunidade mateana considerava-se uma entidade separada, em oposição ao judaísmo’. É um defeito elementar, mas comum, encontrado entre os intérpretes que se baseiam nas categorias rígidas de meados do século XX. Apesar dos enormes avanços no estudo do judaísmo do segundo Templo, nos últimos vinte anos muitos intérpretes ainda supõem, e Stanton deixa essa suposição explícita, que há, no século I, algo como um jadaísmo. Isto é, que há um judaísmo monolítico com o qual é possível contrastar a Igreja. Mateus não poderia imaginar tal contexto, apesar da inclinação dos intérpretes contemporâneos para impor essa moderna dicotomia”. 321 Cf., COENEN, L. e BROUN, C., Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, p. 1731. “O termo ‘povo’ significa um grupo de seres humanos que têm estreita união entre si por causa de uma história em comum e uma pátria em comum. Em Grego, este conceito se expressa de modo mais compreensivo e freqüente mediante a palavra e;qnoj e lao,j, do outro lado, é um termo que tem sua origem na esfera militar, e retém uma conotação arcaica e política” 322 BIETENHARD, H., “e;qnoj” in COENEN, L. e BROUN, C., Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, 2000, p. 1734: “ethenos aparece na LXX cerca de 1000 vezes (normalmente no plural), e na esmagadora maioria dos casos, traduz o hebraico gôy e o plural gôyim, embora em cerca de 130 casos traduza ‘am. As várias outras palavras hebraicas que são traduzidas por ethenos não têm importância em comparação com aquelas. Quando muitos povos são mencionados, especialmente os que não são israelitas, o plural ‘ammîm também é traduzido por ethene, e não laoi (Ex 19:5-6). Há, portanto, um contraste entre ‘am ou laos, isto é, Israel como povo escolhido, e gôyim ou ethene, os ‘gentios’”. 323 A versão da Septuaginta e o Novo Testamento reservaram para “o povo de Deus” antigo ou novo, a palavra lao,j, de emprego raro e sem definição tão precisa, enquanto outros povos (pagãos) são chamados e;qnoj (plural). Cf., Ibid., p. 1731.

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singular e;qnoj, em contra partida, é um conceito que não acrescenta nada, deste

modo é teologicamente neutro. Trata-se na realidade de uma categoria sociológica

que expressa meramente uma coletividade de pessoas, não importando

necessariamente qual o povo que se faz referência 324.

A. J. Saldarini faz uma análise precisa sobre o termo e;qnoj:

“O sentido da palavra grega comum ethne (‘bando, povo, classe, nação etc’) na frase crucial que ameaça transferir o Reino para um ethnos que produza fruto (21,43). Na maioria das vezes, a frase é traduzida como: ‘uma nação que produza frutos’. Entende-se que a nação é a comunidade cristã, que substitui a nação judaica. Essa interpretação está longe de ser incontestável. A adequabilidade de ethnos como descrição da comunidade cristã e a pertinência da tradução ‘nação’ é bastante discutível. A palavra ‘nação’ costuma ser usada com o sentido moderno de povo homogêneo em área geograficamente definida. No uso moderno, ‘nação’ refere-se a uma nação-estado, que pode abranger muitos povos, línguas e culturas. O adjetivo ‘étnico’ e a expressão ‘grupo étnico’ derivam dessa palavra, mas, em geral, referem-se a um grupo de pessoas com língua, costumes ou cultura em comum, sendo, assim, um grupo mais restrito que uma nação moderna. Mateus usa ethne e seu derivados com uma variedade de sentidos que são consistentes com a ampla série de sentidos e usos predominantes em grego. Em Homero, ethnos tem vários sentidos: algumas pessoas que vivem juntas, uma companhia ou um grupo de homens (quase sempre militares) e um bando de camaradas. É também usada com o sentido de grande número de pessoas e de uma tribo ou um grupo étnico com seu nome apropriado. Depois de Homero, ethnos adquiriu os sentidos de ‘povo’ e ‘nação’, com referência a um grupo de pessoas com unidade cultural, lingüística, geográfica ou política. No período romano, a palavra latina província era traduzida para o grego como ethnos”325.

Em Mateus 24,7a: evgerqh,setai ga.r e;qnoj evpi. e;qnoj, encontramos o uso do

vocábulo e;qnoj no singular. Logo, o redator mateano não ignora esta

particularidade semântica, ora usa no singular, ora no plural. Diante desta

aplicação, o sentido deste vocábulo pode indicar perfeitamente a eleição dos

pagãos em detrimento dos justos; por outro lado, o vocábulo e;qnoj pode

simplesmente indicar um acento universalista. D. Harrington e A. J. Saldarini

enfatizaram que “o sentido fundamental de e;qnoj é simplesmente ‘um grupo de

pessoas’ e que não há necessidade de interpretar nessa palavra a formação de um

324 BIETENHARD, H., “e;qnoj” in COENEN, L. e BROUN, C., op. cit., p. 1732: “Ethnos, que se deriva de ethos, ‘costume’, ‘hábito’, significa um grupo que se mantém unido pelos costumes, um ‘clã’; depois, ‘multidão’, ‘companhia’, ‘povo’. A palavra veio a empregar-se no sentido derrogatório de ‘povo comum’. Ethenos se emprega especialmente no sentido de ‘estrangeiros’, em contraste com o grego, que é helênico (Aristóteles, Pol. 1324b, 10). Assim, ethenos fica tendo um meio-tom derrogatório, que se aproxima de bárbaros, ‘bárbaro’, ‘não-grego’. Mais tarde, ethenos foi empregado para descrever povos subjulgados”. 325 Cf., SALDARINI, A. J., A comunidade judaico-cristã de Mateus, p. 106.

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novo povo de Deus”326. U. Luz afirma que “não se pode equiparar e;qnoj com a

palavra ‘pagãos’, e nem com a Igreja”327.

Portanto, não há dificuldades em perceber que o redator mateano podia

muito bem expressar o vocábulo e;qnoj em estreita ligação com th/| evkklhsi,a|.

Mas, a bem da verdade ele não desejou, possivelmente fazer uma mera definição

de e;qnoj em sentido estritamente sociológico, já que o vocábulo está de tal modo

articulado dentro da claúsula que o seu sentido se aplica diretamente a capacidade

de se produzir frutos. Isso é possível de se presumir, pois a expectativa do reino de

Deus está diretamente ligada à produção desse karpo,j. Assim sendo, e;qnoj não se

explicaria tão facilmente como nação, já que a aplicação do seu sentido dentro da

claúsula daria um outro indício. Ainda assim, se o sentido aplicativo do vocábulo

é para a comunidade cristã, não resta dúvida que essa comunidade mateana,

evidentemente não consistiria em ser nomeada como uma nação. A frase final é

totalmente indicativa: Kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j, “e será

dado a um povo que produza seus frutos”; em detrimento, logicamente de um

e;qnoj que poiou/nti tou.j karpou.j; percebemos claramente que a referência a esse

“e;qnoj” não pode ser efetivamente toda a nação de Israel. Essa amplitude não

aparece na narrativa; aliás, não devemos esquecer que a narrativa é bastante

alusiva ao descrever na dinâmica do relato os avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi; sua

aplicação assim, mostra que o e;qnoj rejeitado se refere fundamentalmente aos

principais líderes e as instituições de Jerusalém. Poderíamos esperar que o redator

empregasse o vocábulo lao,j, já que o Reino de Deus é privilégio do povo eleito, o

que não ocorreu. O uso do vocábulo e;qnoj pode significar, conseqüentemente uma

ruptura deliberada com a literatura de Israel.

Na versão da Septuaginta, o uso comum de ethne é para caracterizar o

universo nomeadamente chamado pelos judeus: gentios. Desta forma, os povos ou

nações não judaicos são assim atribuídos. De igual modo, os helênicos faziam uso

deste vocábulo para se diferenciar dos demais. O sentido era justamente para se

326 Cf., OVERMAN, J. A., Igreja e comunidade em crise, o Evangelho segundo Mateus, p. 330. 327 Cf., LUZ, U., El Evangelio según San Mateo, Mt 18-25, pp. 300-301. U. Luz cita a seguinte nota referendando a sua posição: “Así, más recientes, Schmid, 306; Trilling, Israel, 61; Frankmöle, Jahwebund, 249; Steck, Israel, 299; Stanton, People (vol. III), 151s. Stanton aplica incluso la ‘piedra’ Del v. 42 a la comunidad proscrita por los dirigentes judíos y acogida por Dios”.

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destacar em relação às nações ou povos não gregos. Havia entre eles um certo

etnocêntrismo para o uso do plural ethne328.

Diante de todas essas possibilidades, resta-nos questionar, afinal o que levou

o redator mateano a dá preferência pelo uso do vocábulo e;qnoj que é sem dúvidas,

muito vago em seu sentido, enquanto que ele verdadeiramente tinha acesso a

outros termos que poderia nomear perfeitamente o “povo” privilegiado pela

novidade da basilei,a? Israel, representado aqui nos vinhateiros pelos avrcierei/j

kai. oi` Farisai/oi, declaradamente negligenciou o chamamento divino, razão

inequívoca da sua culpabilidade apresentada de forma tão categórica pelo redator

mateano, que prossegue esquematicamente, com uma advertência e uma forte

crítica polêmica, identificando a comunidade mateana como o verdadeiro povo de

Deus, pelo menos, enquanto mantém a capacidade de produzir devidamente os

frutos esperados. A característica fundamental desse novo e;qnoj está

diligentemente em seu senso espiritual, aliás essa é a idéia central da parábola

(21,34.41.43), em que a situação de se produzir frutos é vital na perspectiva da

comunidade mateana, fazendo assim que o conceito basilei,a tou/ qeou/ ocupe um

lugar consistente na vida prática da comunidade. No entanto, é claro que a

indicação em evidência da culpabilidade dos Judeus é uma advertência pela qual

Israel perdeu o seu privilégio. Neste sentido, a advertência a Israel volta-se do

mesmo modo a Igreja. Desta forma, o redator não tem como objetivo asseverar

definitivamente a substituição de Israel pela Igreja, mas sim destacar a razão da

culpa e da perda da basilei,a por Israel, de tal modo, que a comunidade mateana é

posta sob a mesma ameaça e sob a mesma iminência, que Israel.

Em base dessa perspectiva fica claro que esse e;qnoj é chamado para uma

missão que o seu antecessor se descuidou. Mas, isso não faz da comunidade

mateana “o verdadeiro Israel”329. O fator de continuidade na história da salvação,

328 Cf., SALDARINI, A. J., A comunidade judaico-cristã de Mateus, p. 107. “Depois de Homero, ethnos adquiriu os sentidos de ‘povo’ e ‘nação’, com referência a um grupo de pessoas com unidade cultural, lingüística, geográfica ou política”. 329 MARGUERAT, D., Le Jugement dans L’Évangile de Matthieu, p. 323: “Relancée par Trilling, l'expression a fait fortune dans la recherche mt. Nous nous séparons toutefois catégoriquenvent de cette interprétation qui, si elle releve l'absence de e;qnoj dans notre verset (Trilling, Israel 61), n'en tire pas les conclusions sur le plan ecclésiologique. Hurtmel (Auseinan-dersetzung 154s) et Walker (Heilsgeschichte 81) notent au contraire que Mt évite ce terme a dessein. Schweizer écrit avec raison: Die Gemeinde ist also nicht einfach das neue Israel, sondem ein neues Volk mit besonderer Pragung (Mt 270; cf aussi Gemeinde 34). La perspective du jugement interdit précisément cette confusion de la cannunauté chrétienne avec un conventicule d'élus (22,11-14)”.

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em razão dessa articulação do redator para sinalizar a transferência da basilei,a, é

fundamentalmente para ele, o agir soberano de Deus na história. Ao e;qnoj que

recebe essa prerrogativa, fica a lição e a certeza de levar a cabo essa importante

missão. De modo contrário, o que perde essa prerrogativa, fica o sentimento de

total incapacidade. E. Lohmeyer e W. Trilling sugerem que “e;qnoj pode indicar

apenas um povo de Deus, novo em analogia a Israel, ou seja a Igreja, sem que seja

feito notadamente referência ao pagãos ou a Igreja pagã-cristã”330.

Acreditamos que e;qnoj tem de fato um sentido muito mais amplo, já que o

redator mateano proporciona uma perspectiva, principalmente universalista. Isso é

verificado quando ele simplesmente nomeia e;qnh quase sempre dando uma

conotação direta aos pagãos, mas especialmente quando faz uso da expressão

pa,nta ta. e;qnh em 6,32 331. Deste modo, aqui se tira qualquer dúvida quanto a

potencialidade desse termo na sua aplicabilidade de seu sentido mais amplo.

Fazendo uma relação entre lao,j e e;qnoj percebemos que, ao contrário do lao,j,

indicativo de Israel, e;qnoj recebe de fato um significado universalista. O redator

desenvolve o seu relato, não só apresentando à culpabilidade da liderança de

Israel, mas também insere um sentido parenético, onde faz a aplicação dessa

dinâmica, indicando aos que almejam pertencer à sua comunidade, que não

depende necessariamente de qualquer restrição genealógica ou de nacionalidade,

mas a entrada nesse e;qnoj é proporcionada por conta de uma clara condição

específica: poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j. Assim, esse universalismo percebido no

vocábulo e;qnoj dá igualmente uma abertura tanto aos judeus como aos pagãos em

geral, o que está implicado aqui é tão somente uma fidelidade ao ideal moral e na

capacidade de se produzir frutos. A articulação que o redator propõe é que a

basilei,a seja retirada do judaísmo e transferida a Igreja, pode tratar-se, conforme

pensa Trilling: “apenas de uma realidade presente na história de Israel incluindo,

assim o novo e;qnoj”332.

330 Cf., TRILLING, W., El Verdadero Israel, p. 85. 331 Cf., CERFAUX, L., Le message des apôtres à toutes les nations, pp. 14-15. Os pagãos como e;qnh aparecem em 4,15; 6,32; 10,5.18; 12,18.21; 20,19.25. 332 TRILLING, W., op. cit., p. 86. Para Trilling o reino de Deus existe em Israel, de modo que o povo da Aliança pode perdê-la e herdaria a um novo povo. Trilling faz a seguinte observação citando Schmid: “Cf. Schmid, Mt 306. También Strecker dice que la pérdida de la Basiléia ‘está ligada en el tiempo con la vida de Jesús’ y por ello su traspaso ‘se ha cumplido ya en presencia del redactor’ (111). Pero ¿se puede determinar el proceso del traspaso en su contenido desde el mandato misional de 28,16ss: Según esto la transmisión de la Basileia la otro pueblo tiene lugar a

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O universalismo percebido no termo e;qnoj mostra a centralidade da

eclesiologia do Evangelho de Mateus, que é demonstrada na sua inalterável

perspectiva e na afirmação constante da pluralidade que se espera da Igreja. Essa

indicação eclesiológica é também apreendida na parábola do banquete nupcial,

onde sistematiza e expõe com toda perceptibilidade: 22,14: polloi. ga,r eivsin

klhtoi,( ovli,goi de. evklektoi,, aqui faz menção dos muitos que são chamados em

estreita ligação com os poucos que são escolhidos. Essa pluralidade apresenta-se

simplesmente numa configuração de ajuntamento universal, acolhendo todos os

que definitivamente responderam ao “convite” ponhrou,j te kai. avgaqou,j (22,10).

A história da salvação mostra que Israel não cumpriu devidamente com

sua missão. A promessa de salvação, que lhe fora atribuída, Israel simplesmente

abriu mão, apostatando como povo. Conseqüentemente, essa promessa é destinada

decisivamente a Igreja. Contudo, o redator deixa claro que a transferência dessa

promessa é feita sob total condição: a Igreja torne válida de maneira apropriada

sua capacidade de produzir frutos segundo a justiça da basilei,a.

O aproveitamento que Mateus fez do texto isaiano, mostra que a metáfora

da parábola é de fato uma crítica aos líderes de Israel e não a todo Israel.

Reconhece-se, em geral, que a descrição mateana da vinha foi influenciada pelo

cântico da vinha de Isaías 5,1-7. Em Isaías, Judá e Jerusalém são comparados a

uma vinha plantada e cuidada por Deus; a vinha é a casa de Israel e a plantação

são os homens de Judá (Isaías 5,7). Mas a vinha só produz uvas azedas em vez de

bons frutos, isto é, julgamento verdadeiro e justiça. Conseqüentemente, Deus

arrancará a cerca e derrubará o muro, e deixará a natureza destruir a vinha.

Algumas pessoas de Israel sofrem de falta de julgamento e justiça e clamam a

Deus. Outras, presumivelmente os ricos e poderosos, agem contrariamente ao

julgamento e à justiça e derramam sangue. Assim, está subentendido que os

líderes da casa de Israel são culpados333. O ataque é dirigido aos líderes, os

representantes oficiais do povo e a acusação é que fazem mal ao povo. De modo

semelhante, o redator mateano acusa os líderes da comunidade judaica de

través de que se anuncie a los gentiles ‘todo lo que os ordenado’ (28,20)? Es decir, que la elección del nuevo pueblo de Dios no acontece en un ‘don’ que se adelanta y que lleva tras sí la ‘exigencia’ de aprovecharlo, sino en el traspaso del anuncio de Jesús a los pueblos, en el quitar la restricción a la pretensión escatológica (170). ¿Puede entenderse el encargo misional universal de 28,16ss como el ‘dar fruto’ de 21,43? Cf. También la crítica (pp. 25ss) de este trabajo”.

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corromperem o povo, ameaça-os com julgamento e exorta o povo. Nessa

intertextualidade a parábola dos vinhateiros presume e amplia a idéia

correspondente, da seguinte maneira: embora tenha sido mal administrada, a vinha

(Israel) pode ser dada a outros arrendatários (líderes) que a farão produzir frutos

(21,41). Assim, o e;qnoj que produz frutos é um novo grupo de arrendatários que

entregarão ao proprietário, no tempo devido, a parte dos frutos que lhe cabe.

A idéia de povo de Deus é fundamental no judaísmo contemporâneo de

Mateus. O texto de Isaías, tanto o hebraico como a Septuaginta, faz ressonância,

aos vinhateiros na versão mateana, embora o fundamental na parábola não seja,

necessariamente sobre a vinha, mas sobre o comportamento dos vinhateiros; é

único o seu interesse em mostrar a recusa obstinada da chamada de Deus pelos

Judeus, fazendo essa conexão com a parábola jurídica paradigmática do cântico da

vinha de Isaías 5, Jesus interroga os seus interlocutores sobre a conseqüência da

revolta dos vinhateiros. Esta interrogação, pela qual os adversários pronunciam a

sentença, levá-os a total responsabilidade dos seus atos (verso 41), os antagonistas

admitem a sua culpabilidade e a basilei,a é transferida para um novo e;qnoj,

representante legítimo da comunidade mateana, enquanto Igreja de Jesus Cristo.

333 Esta interpretação apóia-se no emprego da vinha por Isaías em outras passagens, para fazer acusações legais contra os líderes de Israel (3,13-15)

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146

7 Conclusão

7.1 Síntese e resultados da pesquisa

Na parte analítica dos vinhateiros chegamos a uma comprovação, a partir

da crítica literária se explica à parábola como construção artificial da comunidade,

elaborada a partir de elementos originais, que posteriormente foi recoberta com

um esquema histórico-salvífico e com interpretação cristológica-eclesiológica. O

nosso primeiro e segundo capítulo identifica tanto os aspectos literários de Mateus

21,33-46, como sua estreita relação com Isaías 5,1-7. Observamos que todas as

pesquisas recentes, que avaliamos, estão de acordo num ponto: o redator mateano

usou o grego a partir da sua respectiva fonte, a citação que tem em comum com

Marcos, aproxima-se, em certos pormenores, da tradução da Septuaginta. A

parábola dos vinhateiros em Marcos 12,1-12 foi construída em base do cântico da

vinha em Isaías 5,1-7. Mateus usa quase todas referências de Marcos, mas

adiciona ligações a Isaías 5,1-7 que não derivou de Marcos. Há, portanto conexões

com o texto hebraico como também com a versão da Septuaginta. As conexões

com Isaías já estavam, possivelmente presentes na forma original e elas são

acrescidas nas fases subseqüentes da tradição, buscamos a comprovação deste fato

no terceiro e quarto capítulo da nossa pesquisa.

Nas últimas décadas nosso conhecimento científico do “cântico da vinha”

de Isaías 5,1-7 se desenvolveu a partir dos estudos dos aspectos literários do texto

hebraico. O resultado, de modo geral, tem demonstrado que o gênero literário de

Isaías 5,1-7 é um típico exemplo de uma parábola jurídica. Assim, em Isaías 5,1-

7, o poema inteiro leva a forma de um cântico, que tem a função de uma parábola.

Esta é na realidade uma parábola jurídica paradigmática em que o profeta

denuncia à sua audiência. Deus espera, da casa de Israel justiça social; porém,

Israel reage praticando injustiça. Podemos verificar que esta análise produziu os

seguintes resultados: Em Isaías 5,1-7, a metáfora da vinha é aplicada para laer"f.yI

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tyBeä. A conexão entre o verso 7 e o verso 3 mostrou que a casa de Israel se refere

aos habitantes de Jerusalém e hd'Why>> vyaiäw>, ou seja, o reino do Sul. O resultado, da

análise desta parábola jurídica é que o profeta provocou em seus ouvintes uma

avaliação negativa das suas próprias ações.

As conexões que Mateus 21,33-46 faz a Isaías 5,1-7 são intensas.

Verificamos no quinto capítulo da nossa pesquisa, que elas não só são achadas em

Mateus 21,33 onde Isaías 5,2 é citado explicitamente, mas também nas partes

seguintes da parábola. Estas conexões não só foram influenciadas pela

Septuaginta, mas também pelo texto hebraico. Foi possível verificar as

semelhanças entre Mateus 21,33-46 e Isaías 5,1-7. O texto do Novo Testamento

não é uma mera cópia de seu correlato do Antigo Testamento. Neste sentido a

citação invertida em Mateus 21,33 foi claramente um forte indicador. No resto da

parábola são transformados certos elementos de Isaías 5,1-7, e são introduzidos

fatos novos.

Em Mateus 21,42, o texto do Antigo Testamento (Sl 118,22-23) é citado

para expressar uma forte crítica a atitude dos avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi (21,45).

Ao término da contestação, descobrem os avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi que Jesus

narrou a parábola contra eles (45). Pela citação de Sl 118,22-23 entenderam que a

parábola de fato reflete a própria oposição deles a Jesus. Esta aproximação à

parábola jurídica de Isaías 5,1-7 é determinante para o propósito de redator

mateano. Mateus 21,43 menciona: kai. doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j

auvth/j. A combinação de poie,w + karpo,j é uma descrição de um ideal moral

apropriado. A escolha do termo poie,w mostra a ressonância de Isaías 5,2.4b (texto

hebraico: hf'[') na construção desse ideal moral na perspectiva isaiana (Isaías

5,7), pelo redator mateano. A orientação moral proposta por Mateus em 21,43 é,

de fato, um desenvolvimento da ênfase que é colocada no ideal moral correto

(retidão e justiça) em Isaías 5,7 (hq'd'c. / jP'v.mi).

Verificamos que em Mateus 21,43 os vinhateiros anteriores são

substituídos por um e;qnoj que terá que produzir devidamente os karpou.j da

basilei,a tou/ qeou/. A repreensão em Mateus 21,43b: o[ti avrqh,setai avfV u`mw/n h

basilei,a tou/ qeou/, mostra que o rendimento esperado não consolidou;

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observamos aqui o resultado da ressonância de Isaías 5,2e (v. 4): ~ybiÞn"[] tAfï[]l; wq:±y>w: “e esperava que desse uvas boas”, que é a reclamação do dono da vinha.

O texto hebraico de Isaías 5,1-7 forma o ponto de partida de um

procedimento de interpretação amplo e intenso. Dentro deste processo a versão da

Septuaginta representa um momento relativamente independente. Nele há

elementos do texto hebraico que é copiado, mas vários outros elementos que

fundamentalmente são mudados. A parábola dos vinhateiros é uma ligação nova

nesta sucessão. O uso de Isaías 5,1-7 é em parte determinado pelos elementos que

já estavam disponíveis na fonte (versão de Marcos), mas também o modo no qual

Mateus adaptou em uma fase posterior, revela características próprias da

comunidade destinatária. A essência jurídica de Isaías 5,1-7 é ressoada

inteiramente em Mateus; a acusação, originalmente apontada para casa de Israel, é

agora alterada estilisticamente para os oponentes de Jesus: avrcierei/j kai. oi`

Farisai/oi.

No quinto capítulo, a partir destas observações ficou claro que a parábola é,

sobretudo um ataque aos líderes judeus. A função literária da parábola reflete seu

sentido original. O sentido parenético e crítico que o texto mateano desenvolve

mostra que a parábola não só é dependente do texto hebraico de Isaías 5,1-7 e da

versão da Septuaginta, mas também é entrelaçada com uma exegese do texto de

Isaías para atender as necessidades redacionais de Mateus, principalmente quanto

à culpabilidade de Israel. A acentuação do motivo dos karpoíi ao longo de toda a

versão mateana (21,34.41.43), bem como a adição do versículo interpretativo

(21,43), manifestam um interesse para a culpabilidade de Israel e suas

conseqüências. A perda da basilei,a tou/ qeou/ do povo judaico para um e;qnoj que

produza frutos constitui, na história, um ato de julgamento divino. Perante a

história salvífica, a crise de Israel tem, por conseguinte gerado uma situação nova.

A elucidação deste fato tem mostrado que a interpretação eclesiástica e o texto

mateano não estão muito distanciados entre si. As alegorias deste foram

amplificadas, pois a orientação do texto não foi substancialmente alterada no seu

conteúdo. A imagem de e;qnoj é fundamental no judaísmo contemporâneo de

Mateus; a culpabilidade dos Judeus é uma ameaça pela qual Israel perdeu a sua

prerrogativa. Neste sentido, a advertência a Israel dirige-se do mesmo modo a

Igreja. Verificamos, então, que Mateus não afirma substituir Israel pela Igreja,

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149

mas enfatiza o porque da culpabilidade e da perda de Israel da basilei,a tou/ qeou/.

Igualmente, a Igreja é posta sob a mesma cobrança e sob a mesma iminência que

Israel.

7.2 Contribuições do trabalho e possível desenvolvimento ulterior do tema

A aplicação que Mateus fez de Isaías, mostrou que a metáfora da parábola

é de fato uma crítica condenatória, pelo processo esperado de uma parábola

jurídica, aos líderes de Israel e não a todo o Israel. Muitos estudos do judaísmo e

do cristianismo primitivos fizeram retroagir erroneamente aos dois primeiros

séculos formas clássicas de judaísmo e cristianismo. E surgiu daí um certo anti-

semitismo. Mas na verdade, os antagonistas de Jesus na narrativa dos vinhateiros

e no restante do evangelho não representam nem os judeus em geral, nem Israel

como entidade coletiva, mas sim os líderes da comunidade judaica, no tempo de

Jesus e no de Mateus. Não exclusivamente os líderes, mas também as instituições

que eles controlam e as interpretações da lei e dos costumes judaicos que propõem

são submetidos à ofensiva constante e sistemática. Por interferência de Jesus, o

redator de Mateus conduz sua polêmica contra líderes adversários e seus

programas concorrentes para entender e viver o judaísmo no fim do século I.

Vimos na narrativa dos vinhateiros que esses líderes apreenderam mal e rejeitaram

a vontade de Deus e, por isso, foram substituídos por um e;qnoj que prontamente

produziriam os frutos da basilei,a tou/ qeou/. É notável, contudo que a diferença do

seu modelo literário, de Isaías 5,1-7 o redator de Mateus se interessa pouco em

destacar a vinha (exceto 21,33); o interesse maior pelo contrário está concentrado

nos delitos dos vinhateiros aos quais a terra foi confiada e no caráter de um

processo jurídico paradigmático que a parábola da vinha de Isaías propõe.

Esta característica visa certamente diferenciar o povo de seus dirigentes, os

“frutos” da obediência são requeridos de todos, já que os profetas foram enviados

a todo povo. A introdução dos gewrgoi/j permitiu articular as duas tradições

literárias constitutivas: de uma parte o tema da vinha-Israel e o seu epílogo

judicial (21,33.41), por outra, o motivo deuteronomista do envio repetido dos

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profetas e a perseguição (21,34-36). O tema do julgamento é ressaltado no final

(21,41.43), a fim de precisar a vocação dos novos destinatários da eleição, o

e;qnoj. Chegamos a seguinte constatação: O verso 43 exprime a consciência que

tem a Igreja de ser o e;qnoj, de agora em diante encarregado pela basilei,a tou/

qeou/ e com a responsabilidade de poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j, anterior

expectativa frustrada do judaísmo, já verificada no pano de fundo de Isaías 5,1-7.

Mas esta afirmação é tornada possível, de um ponto de vista literário, apenas pela

perspectiva da insistência sobre a produção dos frutos (34-41).

Desta forma, com o verso 43, pudemos entender o sentido integral da

parábola, de acordo com Mateus. Esta recensão pode, de fato apresentar-se como

uma alegoria da história da salvação (J. Jeremias) ou simplesmente da acusação

que denuncia a culpabilidade de Israel (Trilling), mas, também um

aprofundamento, ou melhor, um julgamento em que a parábola projetava no

horizonte de Israel histórico, pode recair hoje sobre a Igreja.

Concluindo, percebemos na parábola dos vinhateiros, uma narrativa

fortemente marcada pela polêmica contra os líderes de Israel, o verso 43 opõe de

uma parte um judaísmo estéril e privado da basilei,a e, em outra parte, a Igreja,

que recebe a basilei,a. Assim, o verso 43 exprime um caráter eclesial em face de

um judaísmo inerte e totalmente passivo.

O nosso texto deixa algumas questões para ulteriores reflexões. Um

primeiro questionamento que aparece deste exame é a relação que o verso 43 da

parábola dos vinhateiros tem com toda proposta mateana no restante das suas

narrativas. A questão do e;qnoj para compreender o pensamento eclesiológico da

comunidade mateana e a importância do karpou.j para a redação do evangelho. O

que temos proposto, para uma subseqüente reflexão é uma possível justaposição

entre o contexto histórico do movimento de Jesus, e da comunidade de Mateus a

partir da uma análise mais profunda dos elementos literários do versículo 43 dos

vinhateiros, na conjuntura da culpabilidade das lideranças de Israel, as quais

agiram com total perversão à proposta de Deus, tanto no Antigo Testamento,

como também na atitude agressiva a Jesus, conforme nas narrativas dos

Evangelhos.

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