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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES A PEDRA DO INGÁ: A Reprodução do Mito, A Reprodução da Fé. MARIA TEREZA SANTANA DA COSTA RODRIGUES ALMEIDA JOÃO PESSOA 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

A PEDRA DO INGÁ: A Reprodução do Mito, A Reprodução da Fé.

MARIA TEREZA SANTANA DA COSTA RODRIGUES ALMEIDA

JOÃO PESSOA 2009

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MARIA TEREZA SANTANA DA COSTA RODRIGUES ALMEIDA

A PEDRA DO INGÁ:A Reprodução do Mito, a Reprodução da Fé.

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões, da Universidade Federal da Paraíba, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências das Religiões.

ORIENTADORA :

Prof.ª Dr.ª MARIA OTILIA TELLES STORNI

JOÃO PESSOA 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA

A447p Almeida, Maria Tereza Santana da Costa Rodrigues. A pedra do Ingá: a reprodução do mito, a reprodução da

fé/Maria Tereza Santana da Costa Rodrigues Almeida. – João Pessoa, 2009.

117f. :il. Orientadora: Maria Otilia Telles Storni. Dissertação (Mestrado) – UFPb - CCHLA

1.Mito . 2. Itacoatiara - Pedra. 3. Fé.

UFPb/BC CDU: 2-264(043)

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MARIA TEREZA SANTANA DA COSTA RODRIGUES ALMEIDA

A PEDRA DO INGÁ: A Reprodução do Mito, a Reprodução da Fé.

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA EM ...../...../................ AVALIAÇÃO: .....................

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________ PROF.ª Dr.ª MARIA OTILIA TELLES STORNI

ORIENTADORA

_______________________________ PROF.ª Dr.ª MARISTELA DE OLIVEIRA ANDRADE

EXAMINADORA

_______________________________ PROF. DR. LUIZ CARVALHO DE ASSUNÇÃO

EXAMINADOR CONVIDADO DA UFRN

JOÃO PESSOA 2009

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AGRADECIMENTOS

A lista nominal seria longa, caso optasse por nomear cada autor(a) de atos aos quais devo

inúmeros “muito obrigado”, e ingrata caso esquecesse o nome de alguma pessoa que deveria

constar nela; resolvi reduzi-la com agradecimentos especiais à minha orientadora e amiga Mª

Otília Telles Storni que acolheu com sensibilidade e estimulou com energia a proposta deste

trabalho.

Agradecimentos especiais também, por todo apoio recebido, a minha família como um

todo; aos professores e colegas do curso, na travessia para a realização de uma proposta que

se tornou realidade; aos colegas de trabalho, com seus exemplos de experiências vividas; aos

críticos que estimularam a superação dos obstáculos surgidos; à Coordenação do PPGCR,

pela impecável e prestimosa assistência aos alunos do programa; aos amigos, que com

sensatez e paciência me escutaram; a todos os meus alunos, que nestes 30 anos de atividades

profissionais, compartilharam do orgulho e do prazer de uma escolha feliz; e aos profissionais

da saúde dos quais recebo assistência em momentos críticos que vivencio.

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RESUMO

A Pedra do Ingá ou Itacoatiara é um granito de grandes dimensões e tem, nas suas superfícies

uma série de registros rupestres que são milenares. Esse monumento se localiza no município

do Ingá/PB e foi transformado em patrimônio histórico nos anos cinqüenta do século XX.

Desde os tempos coloniais foram escritos muitos trabalhos e livros sobre a Itacoatiara, e

muitos dos seus autores tentaram desvendar o significado dos sinais nela insculpidos. Ao

conjunto dessas obras demos o título de “Literatura de Maravilhas”. Nessa pesquisa fizemos

então uma releitura dos mitos, crenças, fé e religiosidade expressas em algumas dessas obras,

especialmente a intitulada Nas pegadas de São Tomé. O objetivo geral da nossa pesquisa foi

então o de analisar a relação entre a Itacoatiara (Pedra do Ingá) e os mitos expressos na

literatura escrita sobre ela na Paraíba. Nossa fundamentação teórica foi baseada

principalmente em Lèvi-Strauss (1996). Buscamos inspiração também em Mircea Eliade

(1992), Durkheim (1989), Guinzburg (2006), Leroi-Gourham (1965), Durand (1982, 1984,

1985 e 1995), Martin (1997), Weckmann (1993), entre outros. Na leitura da obra de Zilma

Ferreira Pinto (1993) descobrimos que o mito da Itacoatiara se refere à passagem de São

Tomé nas Américas e na Paraíba em especial, o que indica a influência religiosa do Judaísmo,

Islamismo e Cristianismo nessa narrativa mítica. É um monumento pétreo ou um marco que

se evocado reproduzirá a movimentação à sua volta. Retratará a dinâmica histórica sem se

deixar confundir, mantendo uma lisura que a língua estaria impossibilitada de fazê-lo

enquanto produto histórico. Os discursos construídos em relação direta ou indireta com

Itacoatiara podem não nos levar a conclusão de que a mesma é absoluta, nem mesmo

enquanto mito, mas que algum dia, mediante o dinamismo histórico e cultural, poderá vir a

ser única, por exemplo, apenas como sítio arqueológico; ou possivelmente continuará

múltipla, porque uma série de circunstâncias histórico-culturais poderá continuar lhe

favorecer a pluralidade de acordo com as linguagens a ela circundantes e os eventos aos quais

se encontram relacionados pelo tempo e o espaço. Os mitos que nela encontraram abrigo se

apresentam como prováveis fiadores de sua pluralidade.

Palavras-chave: Itacoatiara, mito, fé, sagrado-profano.

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ABSTRACT

The Stone of Ingá or Itacoatiara is granite of great dimensions and it has, in your surfaces a

series of rupestres registrations that it is millenarian. That monument is located in the

municipal district of Ingá/PB and it was transformed in historical patrimony in the fifty years

of the XX century. Since the colonial times they were written a lot of works and books about

Itacoatiara, and many of its authors tried to unmask the meaning of the registered signs in its

surface. To the group of those works we gave the title of “Wonder Literature”. In this research

we make a re-reading of myths, believes, faith and religiosity expressed in any books,

specially the entitled Nas pegadas de São Tomé. The general objective of our research was it

then of analyzing the relationship among Itacoatiara (Stone of Ingá) and the myths expressed

in the literature writhed on it in Paraíba. Our theoretical fundamentation was based mainly in

Lèvi-Strauss (1996). We also looked for inspiration in Mircea Eliade (1992), Durkheim

(1989), Guinzburg (2006), Leroi-Gourham (1965), Durand (1982, 1984, 1985 and 1995),

Martin (1997), Weckmann (1993), among others. In the reading of the work of Zilma Ferreira

Pinto (1993) we discovered that the myth of Itacoatiara links with São Tomé in his passage in

America and in Paraíba especially, what indicates the religious influence of the Judaism,

Islamism and Christianity in that mythical narrative.

Key-words: Itacoatiara, myth, faith, sacred-profane

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.........................................................................................................................................10

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO METODOLÓGICA .....................................................................................................13 1.1 COLETA DE DADOS, JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS DA PESQUISA.........................14 1.2 AS FASES DA PESQUISA...................................................................................................................18

CAPÍTULO 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................................................25 2.1 IMAGINAÇÃO, IMAGINÁRIO, IMAGEM, E SÍMBOLO.......................................................26 2.2 O MITO E ALGUMAS ABORDAGENS.........................................................................................33 2.3 SAGRADO E PROFANO NO CONTEXTO DA ITACOATIARA.........................................37

CAPÍTULO 3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ITACOATIARA ...............................................................................50 3.1 ASPECTOS FÍSICOS..............................................................................................................................51 3.2 POLIFONIAS DE NOMEAÇÃO E PLURALIDADE DESCRITIVA....................................58 3.3 A ITAQUATIARA, ITACOATIARA, PEDRA DE INGÁ: REPRESENTAÇÕES ARQUEOLÓGICAS, LITERÁRIAS E NO MUNDO VIRTUAL...................................................62

CAPÍTULO 4 A ITACOATIARA NA LITERATURA: MITOS E MARAVILHAS ......................................72 4.1 A LITERATURA SOBRE A ITACOATIARA...............................................................................73 4.2 A CRENÇA E FÉ NO MITO ITACOATIARA...............................................................................85

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................................................98

REFERÊNCIAS............................................................................................................................................112 ILUSTRAÇÃO 1.................................................................................................................................................................................................10 ILUSTRAÇÃO 2.................................................................................................................................................................................................13 ILUSTRAÇÃO 3.................................................................................................................................................................................................22 ILUSTRAÇÃO 4.................................................................................................................................................................................................25 ILUSTRAÇÃO 5.................................................................................................................................................................................................27 ILUSTRAÇÃO 6.................................................................................................................................................................................................34 ILUSTRAÇÃO 7.................................................................................................................................................................................................50 ILUSTRAÇÃO 8.................................................................................................................................................................................................54 ILUSTRAÇÃO 9.................................................................................................................................................................................................55 ILUSTRAÇÃO 10...............................................................................................................................................................................................56 ILUSTRAÇÃO 11...............................................................................................................................................................................................57 ILUSTRAÇÃO 12...............................................................................................................................................................................................60 ILUSTRAÇÃO 13...............................................................................................................................................................................................61 ILUSTRAÇÃO 14...............................................................................................................................................................................................68 ILUSTRAÇÃO 15...............................................................................................................................................................................................69 ILUSTRAÇÃO 16...............................................................................................................................................................................................70 ILUSTRAÇÃO 17...............................................................................................................................................................................................72 ILUSTRAÇÃO 18...............................................................................................................................................................................................79 ILUSTRAÇÃO 19...............................................................................................................................................................................................81 ILUSTRAÇÃO 20...............................................................................................................................................................................................82 ILUSTRAÇÃO 21...............................................................................................................................................................................................88 ILUSTRAÇÃO 22...............................................................................................................................................................................................89 ILUSTRAÇÃO 23...............................................................................................................................................................................................91 ILUSTRAÇÃO 24...............................................................................................................................................................................................92 ILUSTRAÇÃO 25...............................................................................................................................................................................................93 ILUSTRAÇÃO 26...............................................................................................................................................................................................98 ILUSTRAÇÃO 27.............................................................................................................................................................................................102 ILUSTRAÇÃO 28.............................................................................................................................................................................................102 ILUSTRAÇÃO 29.............................................................................................................................................................................................103 ILUSTRAÇÃO 30.............................................................................................................................................................................................103 ILUSTRAÇÃO 31.............................................................................................................................................................................................104 ILUSTRAÇÃO 32.............................................................................................................................................................................................106

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ILUSTRAÇÃO 33.............................................................................................................................................................................................111

DEDICATÓRIA

À Tereza (Neta) e a sua mãe D. Neném, a primeira sempre foi sonhadora, a outra sempre acreditou na sua filha.

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APRESENTAÇÃO

ILUSTRAÇÃO 1

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APRESENTAÇÃO

A proposta do trabalho é analisar a Pedra do Ingá, através da inspiração que ela oferece

à criação de um dos mitos religiosos exalados pela imaginação dos paraibanos. O objetivo

desta dissertação é analisar a expressão da imaginação religiosa dos paraibanos, sobre a Pedra

do Ingá, captada e condensada na leitura da obra de Zilma Ferreira Pinto (1993), a qual

apresenta uma leitura dos sinais insculpidos nela. Pinto, pertence à categoria dos escritores, do

que chamamos, aqui, de “Literatura de Maravilhas”, cujos livros mencionam a referida pedra

e seus sinais, e escritos desde a descoberta do Brasil. Lévi-Strauss,

Não há (ainda) como localizar todos esses livros, que não foram catalogados ao longo

da história, por estarem dispersos em bibliotecas brasileiras e portuguesas. No entanto,

constituem rica fonte de dados sobre o que seus autores pensavam e como interpretam os

referidos sinais. A obra de Zilma F. Pinto (1993) nos ofereceu uma interpretação que reproduz

outras leituras de autores, que, por sua vez, consideram os sinais como provas da passagem de

São Tomé pela Paraíba, o que tornaria os paraibanos um povo abençoado e escolhido por

Deus. A isto se nomeia de Mito de São Tomé, já que, como qualquer outra interpretação, não

há como provar, materialmente, a passagem do apóstolo por essas localidades. O fato de este

mito ter sido também citado em outras versões e com outros dados (WECKMANN, 1993 e

VASCONCELOS, 1977) justifica a sua importância e escolha desta interpretação como o

centro da nossa análise; ele serve como uma das evidências da estrutura do imaginário dos

paraibanos.

Vinicius Romanini nos convida a um exercício de imaginação, possibilitando de

vislumbrar o passado brasileiro: "tente imaginar o exato lugar onde você está agora, não

importa onde você viva no Brasil, mas recuando 13 mil anos no passado”. Sobre o exercício

da abstração e sua aplicação em ciência, o professor Romanini lembra “que isso é exatamente

o que fazem os estudiosos da Pré-História brasileira fazem todos os dias" (2004, p. 45-47).

Em Antropologia, François Laplantine e Luana Trindade (1996), usam "a pesquisa, a

experimentação, a análise científica, [porque] procedem incontestavelmente da imaginação:

fazem existir algo que não existia antes, ou criam relações entre duas realidades até então

percebidas como distintas" (p. 75). Carlo Ginzburg (2006) pede que "reconheçam nesse

episódio um fragmento despercebido, todavia extraordinário, da realidade, em parte

obliterado, e que coloca uma série de indagações para nossa própria cultura e para nós" (p.

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10). Leroi-Gouhan (1965) diz que a relação entre Ciência e imaginação é fundamental: isso

constitui o "porque a espécie (humana) continua demasiada ligada aos seus para não procurar

espontaneamente o equilíbrio que a levou a tornar-se humana" (p. 228).

Ressaltamos: o estudo do exercício da imaginação é científico, porque está focalizado

em forma de discurso, o que pode revelar o conteúdo cultural do grupo social que o criou. Por

isso mesmo, permite ao pesquisador desvendar as riquezas, influências históricas e arquivos

de memória, individuais e coletivos de estão impregnados.

Esta dissertação está organizada em quatro capítulos: no primeiro, apresentamos a

fundamentação teórica desta dissertação; no segundo, focalizamos a contextualização física da

Pedra do Ingá. O terceiro capítulo dá visibilidade à metodologia desta pesquisa, com ênfase

no método e na técnica estruturalista; no quarto capítulo, apresentamos a leitura do mito da

Itacoatiara calcada na obra de Zilma Ferreira Pinto (1993), uma das autoras da Literatura de

Maravilhas que oferecem interpretações sobre os sinais insculpidos da Pedra do Ingá.

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO METODOLÓGICA

ILUSTRAÇÃO 2

São Tomé na refeição final de Jesus com os Apóstolos, denominada Santa Ceia. Fonte - <http://www.sedentario.org>

São Tomé, o Apóstolo das Índias A incredulidade de São Tomé S. Tome toca em Jesus ferido por lança Fonte: <http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Sumé> Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/São_Tomé> Fonte: <http://www.sedentario.org>

S. Thomé confere chagas de Christo Ceticismo de S. Tomé testemunhado Basílica de S. Tomé em Chennai, (Índia) Fonte: <http://www.imagick.org.br> Fonte: <http://4.bp.blogspot.com> Fonte: <http:// www.catolicismo.com.br> As estampas registram aspectos da atitude descrente de São Tomé e sua relação com o Cristianismo no mundo

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO METODOLÓGICA

1.1 COLETA DOS DADOS, JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS DA

PESQUISA

Gabriela Martin (1997) assinalou a necessidade de desenvolver pesquisas enfocando a

Itaquatiara do Ingá. Refletindo sobre o que representaria esta sugestão, recorremos à memória,

nos nossos arquivos mnemônicos e descobrimos que já possuíamos referências da Itaquatiara.

Elas foram adquiridas, em sua maior parte, através do contato grupal com parentes e amigos

dos nossos familiares. Estas informações vieram de histórias, ouvidas inicialmente, em casa

de nossos avós, nas ocasiões em que falavam de suas experiências de vida, entre elas as

viagens e os “causos” acontecidos durante os percursos de idas e vindas, entre sertão e o

litoral paraibano.

Os primeiros exercícios de resgate identificavam a Itaquatiara como “Pedra Lavrada de

Ingá do Bacamarte”; nossos dois primeiros informantes foram o avô paterno, Inácio Felipe da

Costa, ex-tropeiro1 e o avô materno, Joaquim Antonio Pereira, ex-construtor de estrada de

ferro. Eles se referiram aos fatos ocorridos no início do século passado entre os anos 1910 e

1940.

Joaquim A. Pereira, tratado na intimidade por “Seu Bila”, fora recrutado, em 1932,

como mão-de-obra para construção da via férrea administrada pela Rede Ferroviária do

Nordeste, cujo percurso atravessa municípios do Estado da Paraíba, entre estes o de Ingá,

antes de adentrar para o Estado do Pernambuco. Ele conheceu a “Pedra” nos seus contatos

com companheiros de trabalho familiarizados com ela.

“Seu Inácio”, nosso outro avô, era um pequeno agricultor que, sazonalmente, assumia o

posto de tropeiro, em pelo menos três ocasiões; para suprir as necessidades familiares de

produtos industrializados, quando vendia sua produção de algodão, ou, quando vendia seus

serviços de transportador para terceiros.

1 Tropeiro é termo utilizado para designar o indivíduo que conduz uma tropa, ou uma caravana. A tropa é um grupo de animais especialmente eqüídeos, com carga; in, Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ed. 1988.

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Os tropeiros utilizavam uma rota de tráfego já existente para chegar até a cidade de

Campina Grande, onde se reuniam pessoas advindas de diferentes localidades, inclusive de

Ingá, e indiretamente, trouxeram a Itacoatiara até “Seu Inácio”.

“Seu Bila” e “Seu Inácio” falavam, então, de uma “Pedra Lavrada de Ingá do

Bacamarte2, que não era a Pedra Lavrada de Picuí”. Aos nossos oito anos de idade não

entendíamos o que eles queriam dizer, porém, percebíamos que se referiam a um fenômeno ao

mesmo tempo fantástico e misterioso. Essa impressão de espanto e curiosidade sobre a Pedra

do Ingá nos acompanhou ao longo da vida, transformando-se em uma das maiores motivações

que nos atraiu a esta pesquisa.

A contribuição deste trabalho é oferecer uma sistematização acadêmica para debates

que surgiram sobre a imaginação religiosa dos paraibanos captada pela escritora – Zilma

Ferreira Pontes (1993) - em sua tentativa de fazer uma leitura dos sinais insculpidos na Pedra

do Ingá. A tarefa se tornou importante, porque a Itacoatiara do Ingá, nosso objeto de estudo, é

um evento histórico, arqueológico e simbólico, além de ser um dos mais importantes

monumentos que compõem a identidade paraibana, especialmente de caráter religioso. Há

mais obras literárias escritas sobre esse fenômeno do que os de natureza acadêmica, mesmo

assim inscritos na categoria da Arqueologia.

Ao classificarem a Pedra de Ingá na categoria de um objeto de pesquisas, reconhecem-

lhe as potencialidades de colaborar na produção de um conhecimento habilitado a elucidar

interrogações historicamente construídas acerca dos registros rupestres que lá estão. Estes são

aceitos como testemunhos de vivências não mais acessíveis, aos homens modernos e,

particularmente, têm instigado a imaginação humana, de pesquisadores ou leigos, por quatro

séculos, desde a localização, pelos europeus, dos primeiros registros rupestres no Nordeste,

conforme registram fontes históricas, onde o capitão Feliciano Coelho de Carvalho em 1591

foi: “nombrado capitán de la expedición por tierra y su escolta portuguesa, consistente em 50

hombres de a caballo y 500 arcabuceros, fueron acompañados por 900 indios armados

únicamente de arcos y flechas, y por numerosos esclavos de Guinea, que cargaban La pólvora

y otros repuestos, más las provisiones de boca” (WECKMANN: 1993, p. 131) Feliciano

Coelho de Carvalho é tido como responsável pela localização da Itacoatiara, desde 29 de

dezembro de 1598, ou pelas primeiras notícias dos registros rupestres no Brasil.

Sobre as Itaquatiaras, que na língua tupi significa pedra pintada, a arqueóloga Gabriela

Martin (1997, p. 300) afirma estarem associadas aos cultos de louvor às águas, cultos de

2 O Riacho Ingá do Bacamarte é um dos componentes da malha hidrográfica que banha terras, onde está localizada a Itaquatiara. É um dos afluentes do Rio Paraíba, um dos maiores rios do Estado.

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louvor ao cosmos e às manifestações de elementos da natureza. Algumas figuras insculpidas

nelas, apesar das hipóteses elaboradas, como as construídas sobre a do Ingá, têm seus

significados desconhecidos pelos arqueólogos. O isolamento e a quase “personificação” deste

monumento natural leva a pesquisadora referida a admitir como favorecedores de razão para

as “interpretações que a Pedra Lavrada de Ingá tem sofrido”. Esta sua condição especial

alimenta versões que “vão desde as explicações e as ‘traduções’ mais desvairadas – nas quais

não faltam gregos, fenícios e outros visitantes transatlânticos ou transpacíficos – até

explicações lógicas, porém impossíveis de serem cientificamente demonstradas” (MARTIN,

1997, p. 303).

Podemos dizer com relação à Itacoatiara, que há uma bipolaridade - uma bipolaridade

expressada como um objeto espiritualmente cultuado e como objeto de estudo da ciência. A

condição de cultuável motiva pessoas a continuarem recontando histórias, indiferentes aos

diagnósticos da ciência, até mesmo quando estes contradizem algumas versões do senso

comum, ordenadas sobre a Pedra. Elementos ficcionais têm sido incorporados a elementos

reais, racionais e positivistas, reafirmando-lhe mística, mistérios e compondo mitos. Na coleta

preliminar de dados, percebe-se a pluralidade dos nomes: Pedra Lavrada de Ingá do

Bacamarte, Pedra do Ingá, Itacoatiara e Itaquatiara, utilizadas sem aparente discriminação.

Essa pluralidade nos pareceu evidência de algo real não estudado.

Este real surgiu com a descoberta de textos escritos, retendo elementos reais,

informações fornecidas pela Arqueologia e História; e ficcionais apresentados nos livros que

denominamos “Literatura de Maravilhas”. Optamos por utilizar Itacoatiara, por entender o

termo como forma de manter a mais autêntica e arcaica forma de designação, formada pela

junção de itacoatiá-iará, usada pelos índios, para denominar os lugares que continham pedras

pintadas ou pedras de letreiros como os desenhos rupestres, segundo Câmara Cascudo (1998,

p. 93); a segunda forma, mais hodierna, – Itaquatiara – é construção da Arqueologia visando o

objeto de estudo Pedra do Ingá.

A expressão “Literatura de Maravilhas” não é taxonômica, é um recurso léxico ou uma

fórmula tipológica para objetivar a questão de trabalhar com os livros que citam, entre outras

coisas, as maravilhas da Pedra do Ingá. Estas obras foram selecionadas dentro de um acervo

disperso, ainda não catalogado, nem analisado como um todo, porque, consideramos quase

impossível rastrear a soma das publicações escritas sobre a Itacoatiara no Brasil e no mundo.

Descobrimos que os livros da literatura não científica até utilizam elementos da ciência, mas

não apresentam uma sistematização e metodologia própria, como requer a ciência.

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O termo científico está utilizado mais como ênfase discursiva do que como referência às

pesquisas em si. Os livros da “Literatura de Maravilhas”, além disto, possuíam algumas

características partilhadas entre si; verifica-se que similaridades os identificam e os destacam

do acervo geral, e mais: servem para diferenciar os elementos fornecidos pela ciência e pelo

senso comum, sem aguçar as contradições entre ciência e ficção. São tais dados que

pretendemos analisar na Itacoatiara do Ingá.

A metodologia escolhida para esta pesquisa nos remete a um percurso histórico

equivalente aos três séculos que decorreram entre o tempo de escrita das crônicas e relatos de

viagens. Temos então dois tempos: um é transcorrido em quatro séculos - tempo diacrônico –

e, o tempo de escrita dos textos contemporâneos – tempo sincrônico. Pelos elementos dos

primeiros relatos pertencentes ao período entre o século XV, através dos registros deixados

pelos descobridores do Novo Mundo; e o século XIX com as iniciativas dos amadores e

aventureiros, para realizar estudos científicos ou descobertas de tesouros que são utilizados

pelos autores dos textos da “Literatura de Maravilhas”. Percebemos a existência deste tempo

bidimensional, que contém as propriedades apontadas por Lèvi-Strauss para identificação de

mitos que são “aparentemente arbitrários se reproduzem com os mesmos caracteres e segundo

os mesmos detalhes nas diversas regiões do mundo” (1977, p. 239).

Sabemos que no processo etnográfico clássico, o etnógrafo transcreve o relato

verbalizado pelos narradores, acerca da dinâmica dos seus cotidianos: as crenças, os medos,

as alegrias, as sensações, os rituais, mitos, etc. Observamos durante esta etapa da pesquisa que

o método de transcrição, não foi aplicado com relação à exposição feita por escritores da

“Literatura de Maravilhas”, dos colonizadores aos contemporâneos. Para a transcrição dos

seus relatos alguns dos narradores não dispunham de alguém que anotasse as informações das

suas concepções de mundo, e as relações mantidas com a natureza, das imagens mentais ou

das projeções imagéticas exteriorizadas, das representações simbólicas, sua realidade e o seu

real. Estas foram registradas de punho próprio, sem intermediários; a subjetividade de cada

um deles sugere estar expostos nos textos das crônicas, narrativas, cartas, diários, relatórios de

viagens e expedições, etc.; continuando a prática de registro pessoal com os descolamentos

para visita, conhecimento, exploração, etc. expostos no Capítulo 4.

Em um levantamento das fontes que abrigam referências associadas, direta ou

indiretamente, à Itacoatiara, constatamos preliminarmente obra dos escritores do século XVII,

como Ambrósio Fernandes Brandão (Brandônio) (1618); do século XVIII, como Martinho

Nantes (1706); do século XIX, como Simão de Vasconcelos (1848), J. C. Branner (1885),

Elias Herckman (1886), Ladislau Neto (1885); do século XX como Bernardo Azevedo da S.

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Ramos (1939), José Anthero Pereira Júnior (1943–1944–1946), Ludwig Scwennhagen (1928),

João Lira Tavares (1909), José Tavares de Lira (1910), Padre Francisco Lima (1953),

Francisco Soares Retumba (1909), J. Elias Barbosa Borges (1981), Francisco O. da S. Bezerra

(1969), Alfredo Coutinho de Medeiros Falcão (1969), Gabriela Martin (1997), José Otavio de

Arruda Mello (1988); do século XXI com Francisco Faria (1987); Gilvan de Brito (1988),

Zilma F. Pinto (1993) e Pablo Villarrubia Mauso (1997), Felix Diniz (2001), Wanderley Brito

(2007) e Carlos Alberto Azevedo (2008).

Os jornais e revistas impressos ou editados através da Internet, como O Norte, Correio

da Paraíba, A União, Jornal da Paraíba, O Nordeste e a Folha de São Paulo, publicam

textos e matérias enfocando a Itacoatiara, quando há circunstâncias favoráveis como a

descoberta de novos sítios arqueológicos no Estado, ou, referem-se a pontos turísticos,

referências de eventos ufológicos, misteriosos, místicos, etc. Na Internet, alguns sites formam

uma lista apresentada na bibliografia final.

Os textos literários são campos onde “é possível testar os instrumentos da análise

estrutural”, argumenta Roberto da Matta (1973, p. 93-120), quando realizou uma experiência

de análise com o conto8 O Diabo no Campanário, escrito por Edgar Allan Poe. Da Matta

(1973) explica que sua tarefa etnológica é a de desvendar o que está por trás da realidade

imaginada por Allan Poe, no conto. Ao produzir o recorte dentro da generalidade de

abordagens e adotar a expressão “Literatura de Maravilhas” para identificá-lo, acreditamos

ter encontrado também uma forma de delimitar a abordagem da Itacoatiara, através da análise

descritiva documental de obras literárias, como esta pesquisa propõe.

Os objetivos deste trabalho foram:

Objetivo geral:

Analisar a relação entre a Itacoatiara - Pedra do Ingá - com os mitos expressos na

literatura escrita sobre ela na Paraíba.

Os objetivos específicos são:

� Elaborar uma descrição da Itaquatiara do Ingá, enquanto um dos quatro sítios

arqueológicos brasileiros cadastrados;

� Apresentar a estrutura narrativa dos mitos das quatro obras focalizadas nesta pesquisa

dessa literatura;

� Analisar os elementos de religiosidade expressos nessas obras, sintetizados em itens da

obra de Zilma F. Pinto (1993).

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Os procedimentos metodológicos da pesquisa podem ser resumidos em três momentos:

a) análise descritiva documental b) pesquisa quantitativa das fontes e qualitativa dos

elementos mitológicos mais recorrentes na literatura a ser pesquisada, e c) análise dos mitos

calcada em elementos mais freqüentes.

1.2 AS FASES DA PESQUISA

A ação inicial adotada na pesquisa foi coletar os dados sobre Itacoatiara; todas e

quaisquer menções a ela produzidas e armazenadas, constatando a cada etapa os

desdobramentos dali advindos e as orientações necessárias a serem seguidas. Traçamos um

roteiro de visitas, iniciado pelas livrarias, pontos de vendas de material com registros inéditos

ou usados - estes conhecidos como "sebos ou sebos culturais", localizando livros, revistas,

vídeos, jornais. Dialogando informalmente com os livreiros, (responsáveis por estes locais de

venda de material) solicitávamos informação sobre outras fontes de depósitos com acervos de

conteúdos similares sobre a Itacoatiara.

O processo de coleta continuou perpetrando consultas pelo computador à Internet e

enquanto se examinava seus arquivos localizamos Itacoatiara em diversos sites, blogs,

comunidades. São espaços e páginas que conhecemos e pudemos ponderar sobre os conteúdos

que nelas estão depositados; recorrendo também às matérias que estão nos jornais impressos

de publicação local e ao mesmo tempo transpostos para o "mundo virtual digital".

Descobrimos também neste universo que há conteúdos acessíveis apenas nesse espaço, em

sites que mostram textos que estão intercalados com ilustrações ou reproduções fotográficas

de ângulos particulares ou do todo da Itacoatiara.

Há ainda os espaços virtuais digitais ocupados por trechos de livros de uma literatura

vasta e genérica, tão flexível e abrangente em temas e estilos, quanto à extensão da

imaginação humana. Este material é produzido para apresentar, informar ou comentar, tanto a

respeito da Itacoatiara, como de outros temas entrelaçados (turismo, esoterismo, ufologia,

astrologia, ecologia, etc.), estendendo a ligação destes com a Itacoatiara, quando está usada

para ilustração e se faz alusão a ela. A prolífica produção sobre o tema evidencia o

“maravilhamento” que a Itacoatiara aguilhoa aos freqüentadores deste universo virtual. Os

sites que fornecem teor para argüição e ilustração deste texto estão na bibliografia anexa ao

final do trabalho.

Dando continuidade ao roteiro preparado para coleta de dados, visitamos o município de

Ingá-PB para tomar notas, fotografar e filmar o sítio arqueológico. Posteriormente visitamos

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na cidade de João Pessoa-PB, algumas instituições como o Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional - IPHAN, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a Biblioteca

Pública do Estado da Paraíba, no Espaço Cultural José Lins do Rego e a Biblioteca Central e

Biblioteca Setorial Vanildo Brito, localizadas na Universidade Federal da Paraíba. Ali

conhecemos obras, anotamos e conferimos a validade de referências bibliográficas citadas, no

material que estava manuseando.

No momento subseqüente ao levantamento das fontes de referência a Itacoatiara, o

próximo estágio foi reservado à seleção e catalogação para leitura das imagens e dos textos,

distribuídos em artigos, livros, textos “virtuais” escritos por jornalistas, leigos, curiosos,

cientistas amadores e pesquisadores, nas áreas da Arqueologia, História, Geologia,

Antropologia, Religião, Astronomia. Estas informações constam nas referências bibliográficas

desta pesquisa.

Decorridas estas etapas obtivemos o delinear de um universo com informações

documentais, textos escritos e imagens, que abrigam produções literárias e áudios-visuais,

com enfoques histórico, arqueológico, geológico, literário, jornalístico, fantasioso, místico e

amadorismo científico, etc. Diante deste universo, com aspectos diversificados, que ondulava

do genérico ao especializado, há dificuldades advindas da impressão subjetiva, que não havia

um ponto a ser acrescentado no acervo das informações levantadas a respeito da Itacoatiara.

Entretanto, quando organizada a seleção do material pelo conteúdo dos textos (histórias

com relato verbal ou escrito), não por tipologia (textos, vídeos, imagens), ou item (ciência,

literatura, poesia, documentário, arquivo pessoal, pintura, gravura), percebe-se que existe a

possibilidade de traçar um contorno deste objeto físico. A reprodução atemporal de algo,

daquilo que representaria a substância concreta componente de um mito, se não um único e

exclusivo, contudo um objeto, uma coisa que representa, abriga e compõe outros mitos.

Trata-se de conteúdos textuais que sinalizam para possibilidades de entender como um

objeto físico-geográfico pode vir a tornar-se mitológico; de como as histórias relatadas sobre

este objeto, que além de sítio arqueológico e monumento contribuem a fixação do evento

histórico como Mito da Itacoatiara; ou, como um mito se propaga em gradações

diferenciadas, tendo como canal um evento arqueo-histórico. Os relatos escritos podem ser

agrupados em históricos e não históricos, entendendo-se o relato histórico como a versão

documentada pela Arqueologia, Antropologia e a História; e o relato não-histórico como a

versão apresentada no universo literário imaginário dos escritos, de onde se pode recortar uma

amostra de livros de literatura genérica, que deve ser entendida como parte da produção

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literária impressa sobre a Itacoatiara. Deste material reelaboramos um recorte, onde os textos

se organizam em duas categorias: a literatura genérica e a literatura dita como científica.

A literatura genérica é produzida por escritores que escreveram sobre a Itacoatiara com

base no imaginário do contexto sócio-cultural donde eles estão inseridos. A literatura

científica tangencia áreas da História, Arqueologia e Antropologia, entre outras, cujos

conhecimentos permitem a localização e aplicação de métodos e teorias, além de interpretar,

através destes domínios, os significados atribuídos a Itacoatiara, descobrindo nas conexões

destas ciências, se haveria um ponto de unidade entre elas. Este tratamento se orienta pelo

presente, ao incluir aspectos do meio ambiente atual, que é transposto para o passado, numa

operação de visualização da ocupação humana, em tarefas cotidianas, executadas em períodos

remotos. A “reconstituição” é então trazida do passado para o presente e usada para orientar

as interpretações que por instituições, são legitimadas como científicas.

Durante o decurso da pesquisa, notamos que, no conteúdo dos textos trabalhados,

apareciam algumas referências a fontes de informações primeiras, pela presença dos autores,

seus trabalhos e datas para localização, documentação e decodificação dos registros rupestres

brasileiros, nordestinos e paraibanos. É um teor utilizado como parte das argumentações em

defesa de suas teses. Algumas referências presentes são citadas indiretamente, quando estão

utilizadas por algum autor trabalhado, e a matriz referencial dos livros, artigos, reportagens

que se encontram inacessíveis em edições esgotadas, fora dos arquivos públicos, ou

disponíveis em acervos privados não localizados.

Na fase da leitura dos livros, começamos também a procurar pela base do assentamento

teórico da pesquisa, para apoiar as exigências do um tratamento metodológico, prescrito em

conseqüência do modelo proposto a partir de paradigmas interdisciplinares para “ler”

descrições do passado humano, expressas neste monumento da Itacoatiara. Esta problemática

já foi trabalhada por antropólogos, historiadores e arqueólogos como Lévi-Strauss (1996),

Clifford Geertz (1989), Marshall Sahlins (1994), Jacques Le Goff e Fernand Braudel (in

BURKE, 1990), Nathan Wachtel (1996), Marc Augé (1979), Pierre Nora (1997), Carlo

Ginzburg (2006), Mircea Eliade (1992), Gabriela Martim (1997), Roberto Airon (1999),

Pedro Paulo Funari, Francisco Silva Noelli (2002), entre outros que compuseram a nossa

fundamentação teórica.

No princípio os livros técnicos lidos foram: Pré-história do Nordeste do Brasil

(GABRIELA MARTIN, 1997), Uma História do Ingá (ROSSANA DE SOUSA

SORRENTINO, 1993), História da Paraíba (JOSÉ OTÁVIO DE A. MELLO, 2002), Pré-

História do Brasil (FRANCISCO S. NOELLI E PEDRO P. FUNARI, 2002); duas

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dissertações de Pós-Graduação na UFPE, Os Registros rupestres do Ceará: As contribuições

de viajantes, eruditos, historiadores e etnólogos (ROBERTO AIRON, 1999), O Martírio

Encenado: Memória, narrativa e teatralização do passado no litoral sul do Rio Grande do

Norte (LUIZ A. DE OLIVEIRA, 2003).

A expressão “Literatura de Maravilhas” foi criada por esta autora, ILUSTRAÇÃO 3

para englobar as obras que enfatizam o maravilhamento dos autores com

relação à Itacoatiara e suas insculturas. Abrange tanto os textos antigos e

atuais de cronistas viajantes, curiosos, jornalistas, romancistas,

cordelistas, (ILUSTRAÇÃO 3) historiadores, antropólogos, arqueólogos,

quanto os que são considerados como científicos, - concepção citada

linhas atrás. É importante esclarecer: não consideramos esta mistura

como equivalente em termos científico-acadêmicos, porém, eles têm em

comum o elemento de encantamento, desencadeado ou externado pela Itacoatiara, o que os

torna “semelhantes” em termos de discurso, sobre este fenômeno físico e cultural.

Sobre a expressão “Literatura de Maravilhas”, podemos entendê-la como um recurso

léxico ou uma fórmula tipológica que nos ocorreu construir, quando refletia sobre a questão

de trabalhar com livros da literatura não científica, que possuíam algumas características

partilhadas entre si; estas similaridades constituíam um domínio, capaz de identificá-los ou

destacá-los da literatura como um todo e ainda convir para diferenciar, sem acentuar a

dialética entre duas instâncias – a Ciência e o senso comum - que fornecem elementos para a

identificação do mito. O mito, que é originado pelo imaginário, pode ser transposto para o

universo cientifico, a partir do momento em que tiver seus componentes simbólicos

analisados e decodificados pelas metodologias teóricas oriundos do universo acadêmico.

A forma para identificá-los foi encontrada em um mecanismo usado por de Luiz A. de

Oliveira3 (2003), no estudo da memória histórica de uma comunidade do litoral sul do Rio

Grande do Norte, onde justifica estar usando duas expressões, “santos de casa” e “santos de

fora” como instrumento de trabalho, ligado à questão de estabelecer uma alteridade histórica,

para solucionar a sua problemática da construção simbólica de uma autoctonia santificada e

suas representações em uma realidade histórica. Nesta diferença entre o interno – “de casa” -

e o externo – “de fora” – o autor delimita espaços ou dimensões, sem acentuar a dialética, da

mesma maneira que aspiramos estar diferenciando dois tipos de literatura sem intenção de

3 O recurso do autor foi adotado em um estudo sobre a dramatização de um martírio no século XVII, cometido por holandeses e nativos dos grupos indígenas Potiguar e Tapuia, vitimando 69 pessoas na capela do Engenho Cunhaú, localizado no território da Capitania do Rio Grande (território do atual estado do Rio Grande do Norte).

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apontar alguma oposição entre ambas; algo difícil de ser feito porque os textos da literatura

científica são usados pelos escritores da “Literatura de Maravilhas” sem objetivos de a eles

se oporem, ao contrário a literatura científica está presente como colaboradora.

Assim, entendo a respeito de “Literatura de Maravilhas” o mesmo que Luiz Oliveira

(2003), acerca das duas expressões que utilizou no seu estudo; que devem ser compreendidas

como uma fórmula tipológica sem pretensão de criar categoria analítica, teoricamente

informada. Pelo contrário, é um recurso quase literário (OLIVEIRA, 2003, p. 13).

Para sua criação, o recurso inicial foi investigar, através da Etimologia, o significado

das palavras literatura e maravilha, a partir da suas origens no latim. O lexicólogo Aurélio B.

de Holanda (1988), afirma que literatura indica o manuseio das letras isoladas como arte,

estética, ou conjuntamente agregando trabalhos de publicização escrita, literários, de

conhecimento científico; é um saber; é também a produção de obras literárias; vida e carreira

nas letras. Maravilha significa um ato ou um fato extraordinário, algo surpreendente, muito

admirável e assombroso; uma coisa ou uma pessoa merecedora de admiração.

Complementando a investigação, soma-se o lexicólogo, Antenor Nascentes (1988), que

define literatura como manifestações de língua escrita feitas para um público geral de

leitores. O vocábulo maravilha – mirabilis – relaciona-se ao admirável, merecedor de

admiração, maravilhador, prodigioso, espantoso, extraordinário; ou ainda mirabilia, que em

latim traduzia as coisas admiráveis; um sentido distendido na língua nacional ao ato, pessoa

ou coisa extraordinária que causam grande admiração. Ao longo do texto estará destacada em

itálico, remetendo à condição contextual de instrumento de trabalho, na produção da pesquisa.

Podemos entender pela expressão, “Literatura de Maravilhas”, que a) se faz referência,

especificamente, a um tipo de produção literária contemporânea destinada ao público geral; b)

produção literária onde se aborda os aspectos maravilhosos, espantosos, extraordinários,

chamativos, de temáticas variadas. Esta literatura, especialmente, é um canal condutor do

mito Itacoatiara do Ingá. Ao criar a expressão, tentamos ainda atingir outros objetivos, como:

apresentar as diversas visões ou imagens da Itacoatiara, que são diferentes daquelas

fornecidas pela Ciência, especialmente pela História e Arqueologia.

São visões ou imagens maravilhosas, espantosas, extraordinárias, capturadas nesta

literatura, que, não contraditórias às construções científicas, se destacam destas, ao

acentuarem insistentes elementos que a Ciência refuta ou não confirma, adquirindo

particularidade, mesmo quando se utiliza elementos fornecidos pela Ciência e criando

possibilidades de ser considerada como uma literatura pseudo científica, herdeira das

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publicações históricas e arqueológicas pré-científicas – crônicas e relatos de viagem anteriores

ao século XIX.

O antropólogo Roberto da Matta, no artigo O Carnaval como Rito de Passagem (1973),

fornece material de argumentação estruturalista para fertilizar ainda mais o germe

embrionário da nossa intuição de criar o denominativo “Literatura de Maravilhas” e usá-lo

como referência aos livros da análise. Em Da Matta, o foco é o Carnaval como unificador do

espírito democrático, tolerante, solidário, que aflora durante a vigência da festa. O corpo e as

músicas, as fantasias são canais de demonstração da maleabilidade do jeito brasileiro de ser,

“onde se estão vivendo uma época limiar” (1973, p. 130).

No artigo, Da Matta (1973), que é nossa referência de análise estruturalista, diz que se

tudo de maravilhoso que havia no Brasil foi ressaltado durante um tempo, pelas narrativas dos

cronistas estrangeiros ou dos brasileiros “nativos” (aqui equivale a colonizadores que

adotaram uma brasilidade por subjetividade ou questões político-ideológicas), o povo

brasileiro, com o passar do tempo, assumiu a tarefa de produzir narrativas e descrições do

ambiente natural, da vida cotidiana e das experiências pessoais frente às maravilhas,

deslumbramento, enleamento em um enredo ora confuso, duvidoso e acanhado, ora

encantado, deleitado e extasiado com os fatos e a terra natal.

No decurso da pesquisa notamos que, nos textos trabalhados, apareciam algumas

referências a estas fontes de informações primeiras, pela presença dos autores, seus trabalhos

e datas para localização, documentação e decodificação dos registros rupestres brasileiros,

nordestinos e paraibanos como parte das argumentações em defesa de suas teses. Uma

possibilidade que vemos, a partir do consenso entre estes escritores, é que a ação dos

inscultores se reveste de simbolismo mágico–religioso–mítico; que o sentido do ato insculpir

sinas é reproduzir, de modo estilizado, o cosmos e a natureza circundante, apontando figuras

de pessoas, plantas, animais, corpos celestes e sistema de contagem do tempo, entre outros. A

fundamentação teórica deste universo é o tema do próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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ILUSTRAÇÃO 4 Sítio Arqueológico do Ingá - PB Fonte:<http://www.flickr.com/photos/camilafotos/3208992413/in/photostream/> Galeria de Camila Rodrigues – 19/01/2009

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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Neste capítulo pretendemos fundamentar a categoria mito que será essencial para a

análise dos conteúdos da literatura sobre a Itacoatiara selecionada para esta pesquisa.

Relacionadas à compreensão do mito, há que se pontuar o sentido de algumas noções básicas

como imagem, ícone, idéia, real, realidade, símbolo, imaginação, sagrado, profano, religião,

crença, fé, além de recorrermos a alguns autores, para poder operacionalizar essas definições.

A necessidade de pontuação dos sentidos destas palavras é apontada por Gilbert Durand

(1995, p. 07); ele afirma que “sempre reinou uma extrema confusão na utilização dos termos

relativos ao imaginário. Talvez seja necessário pressupor que, tal estado de coisas provém da

extrema desvalorização que sofreu a imaginação, a ‘phantasia’, no pensamento do Ocidente e

da Antiguidade Clássica. Durand se refere diretamente, e, em seqüência, à ‘imagem’, ‘signo’,

‘alegoria’, ‘símbolo’, ‘emblema’, ‘parábola’, ‘mito’, ‘figura’, ‘ícone’, ‘ídolo’, assegurando

que “são utilizados indiferentemente pela maioria dos autores” (1995, p. 07).

Para este fim, empregamos a compreensão que deles têm G. Durand (1988, 1998); L.

Trindade e F. Laplantine (1996); M. Eliade (1996); Lèvi-Strauss (1996); Edmund Leach

(1995); E. B. Taylor (1865); J. G. Frazer (1890); e, Émile Durkheim (1989).

2.1 IMAGINAÇÃO, IMAGINÁRIO, IMAGEM, E SÍMBOLO

Nas leituras de trabalho, em “Pré-História do Nordeste do Brasil” escrito por Gabriela

Martin (1997), professora pesquisadora, arqueóloga, vinculada à Universidade Federal de

Pernambuco-UFPE, localizamos uma observação sobre a necessidade de ampliar pesquisas,

enfocando a Itaquatiara do Ingá. Sobre as itaquatiaras, a pesquisadora pernambucana afirma

estarem associadas ao culto das águas, ou cultos cosmogônicos de louvor ao cosmos e às

manifestações de elementos da natureza. Algumas figuras insculpidas nelas têm seus

significados desconhecidos dos arqueólogos, conforme já afirmamos antes.

Segundo esta fonte, as tentativas de decodificação dos registros rupestres são operações

que produziram um acervo literário de versões mitológicas, que temos compreendido como

um depósito de elementos simbólicos - signos - que podem nos dizer muito, através dos seus

significados e significantes intrínsecos, sobre as estruturas dos mitos brasileiros e da

Itacoatiara em particular. São iniciativas dos pesquisadores e dos curiosos amadores que

utilizam metodologia de trabalho, mostrando algumas semelhanças entre si. Os textos dos

pesquisadores contêm descrições da Itacoatiara e os curiosos amadores também

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providenciaram suas próprias visões detalhadas sobre ela. Os cientistas e curiosos, nestas

intervenções, procuraram elaborar uma “imagem real” do que acreditavam ver, criando teses

explicativas que encerrassem as controvérsias sobre a Itacoatiara.

Reconhecendo a existência de um universo mítico-fantástico que se desenvolveu em

paralelo à estruturação da pesquisa cientifica no Nordeste, Martin (1997, p. 33) associa as

condições sócio-ambientais à manutenção de um universo simbólico, preenchido pelos mitos

nordestinos, que, nos “sertões castigados pelas secas onde nasceu um realismo fantástico,

especial e particular”, revela uma situação que perdura hodiernamente, com a característica

particular de que elementos produzidos pela pesquisa científica forneceram subsídios à

sobrevivência de mitos existentes no Nordeste.

As representações deste universo simbólico-mitológico, expresso através dos registros

rupestres, contêm estrutura, imaginação, simbolismo e acepções que destacam o aspecto

artístico de figuras solitárias, humanas ou animais, reproduções de cenas isoladas ou coletivas,

como as de caçadas, relações sexuais e ritualísticas. Não podemos recusar a idéia de que, o

sentido dos registros rupestres vai além das manifestações pré-históricas de Arte, até porque a

Itacoatiara estimula ainda a imaginação de um ou de vários povos por onde eles podem ter

traduzido a realidade das relações de natureza material e imaterial, estabelecidas entre os

homens e entre eles e a Natureza.

ILUSTRAÇÃO 5 Inédito registro noturno da rocha

“Muitos destes desenhos talvez tenham sido feitos à noite, e o Ingá pode ter sido um lugar de cultos” Gabriela Martin Fonte: <http://www.históriadomundo.com.br>

A filosofia e a ciência reconhecem que, a imaginação é uma propriedade do espírito, á

representar imagens; propriedade que embasa as fantasias elaboradas pelos humanos; também

uma faculdade de lembrar; trazer à lembrança a imaginação, bem como objetos que estão

armazenados na memória: imaginação reprodutora. Storni categoriza a imaginação,

afirmando: “é por isso que se diz que a imaginação é um vôo da mente devido à passagem e

agregação de símbolos, ligados aos temas que impulsionaram as significações iniciais”. A

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mesma autora complementa: “a imaginação é sempre evocada e vivenciada corporalmente,

assim como o símbolo é captado, primeiramente, através dos sentidos orgânicos das pessoas e

depois enviado como estímulo para o cérebro” (2008, pp. 03-04).

Durand (1998) afirma que todos os símbolos têm uma metade visível, concreta, palpável

e outra, a significante, indizível, devido à distância cada vez maior e indireta com a sua

metade visível. O símbolo tem uma re-(a)presentação de significado que sempre faz aparecer

- epifanizar - um sentido secreto, que depende da interpretação de quem o acessa; nesse poder

de epifania está a imaginação. Em outras palavras: as pessoas de uma determinada cultura

podem criar novos significados e interpretações para seus símbolos, especialmente os que lhes

são importantes. A imaginação também tem o poder, natural ou adquirido, de formar imagens

de objetos que não foram percebidos, inicialmente, como um todo, bem como a

potencialidade de realizar novas combinações de imagens já conhecidas; é uma aptidão inata

de criar, mediante a reorganização de idéias que podem ser familiares ou inéditas ao sujeito. O

devaneio, o sonho, a invenção, assim como as crenças fantásticas e as superstições somente

podem acontecer pela existência da imaginação.

A abordagem do imaginário, como que fazendo uma arqueologia do saber retido, na

imaginação dos realistas fantásticos e dos supersticiosos nordestinos, como está proposta por

Michel Focault, responde, parcialmente, à sugestão feita por Martin (1997). Na visão e

postura foucaultiana, existe espaço para poesia, lirismo, e humanismo no ‘mundo científico’,

quando ele “revela suas dúvidas e assume as humanas impossibilidades de uma visão

conjuntural perfeita em tão pouco tempo de prática cientifica, se comparado ao tempo de

saber construído” (ALMEIDA, 2007, p. 89).

Estas argumentações estão expostas em texto preparado por Foucault para a aula

inaugural no College de France em 2001; fazem parte dos estudos dele, entre outros temas, a

relação entre o saber e o poder. Saber, cronologicamente, é o elemento primeiro, no foco de

suas atenções: ele entende como “conjunto de elementos, formado de maneira regular por

uma prática discursiva e indispensável à constituição de uma ciência, apesar de não se

destinarem necessariamente a lhe dar lugar” (FOUCAULT, 2001, p. 206-207).

Nesta relação entre saber e poder, para a qual, epistemologicamente, não há uma Teoria

Geral do Saber ou do Poder, nós constatamos que “sugerindo uma girândola, o saber produz

condições para a existência do poder que retribui, municiando com artefatos, a produção do

saber... indefinidamente, resultando na constituição histórica das ciências, [inserida], na

história produzida pelo homem” (ALMEIDA, 2007, p. 89). Poderia ser acrescentado que, se

tal dinâmica está a mover o conhecimento, ela também ocorreria entre a imaginação,

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realidade, real, imaginário, extraordinário, maravilhoso, fantástico e os estudos promovidos

pelos teóricos citados neste capítulo.

O imaginário, para Luana Trindade e François Laplantine (1996, p. 07), é uma via de

acesso ao real e "as coisas que possam vir a tornar-se realidade". Nesta afirmativa cabe

indagar: o real é o presente? E o "possa vir" é o futuro? O real, como algo dado

racionalmente, não pode ser alterado. Mas, o futuro, processado pelo imaginário emotivo,

pode ser construído? O presente real é associado às "imagens padronizadas", estas não

possibilitam construir um real emotivo, com os recursos simbólicos, produzidos na estrutura

do imaginário social. O futuro, que ainda não está estruturado, pode materializar as emoções,

fantasias, idealizações, manifestações simbólicas, que por sua vez, traduzem e re-organizam o

emocional quando em novo contexto imaginativo.

Ao nosso entender, uma coisa ou um fato é a realidade interna ao ser, com seu mundo

das idéias, embora seja assim na qualidade de uma ficção, dentro da mente. Ou seja: enquanto

ente fictício, imaginário, idealizado no sentido de tornar-se idéia, ser idéia; pode ou não ser

existente e real, também, no mundo externo. Isso não nega a realidade da sua existência,

enquanto ente imaginário, idealizado. Este pode ser um domínio por onde alcançamos a

competência de, mesmo como inexperientes, iniciar uma reflexão sobre a realidade, conforme

o site registrado em uma enciclopédia virtual, de onde extraímos essas idéias

(<http://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade>).

Refletindo sobre o significado de imaginário, que está no entendimento de Trindade e

Laplantine (1996), ele tem a dimensão da amplidão e não restrição ou limite da coincidência,

que é tida como redundante, na medida em que se repete. Redundância é o termo que permite

criticar a restrição conferida ao conceito de imaginário por Durand (1995, p. 13) quando

atribui, apenas ao símbolo, o “poder de repetição que preenche indefinidamente a sua

inadequação fundamental”. A repetição abrevia a amplidão e não restrição, mencionadas por

Trindade e Laplantine (1996: p. 07). Para Durand (1995, p. 13), a redundância, em metáfora,

“é comparável nisso a um espiral, ou melhor, a um solenóide4 que em cada volta define cada

vez mais o seu objetivo, o seu centro”. Esta é uma das maneiras de leitura praticada por

teóricos dos quais temos conhecimento, tais como Mircea Eliade (1992).

O imaginário estaria em paralelo e distinto da ideologia, símbolo e imagem e estas são

categorias por vezes estudadas sem a menção da matriz primeira – a referida metade concreta

do símbolo. No imaginário social não há a superação das narrativas orais arcaicas, o teatro de

4 De acordo com Durand (1995), solenóides são corpos que giram em torno do sol ou de um centro gravitacional. Neste caso nos referimos aos significados que giram em torno dos objetos aos quais são ligados.

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rua, os rituais sagrados e profanos que presentifica o passado das sociedades humanas. O

imaginário social também não foi superado pela racionalidade embutida nas sociedades

modernas, pois, nestas cada vez mais nos sugere estar a capacidade de imaginar através das

fantasias, idealizações individuais e manifestações simbólicas religiosas ou profanas. Outro

aspecto da não superação do imaginário social pela racionalidade aparece também no

processo da pesquisa científica, que possuindo natureza racional e positivista, conseguiu,

mesmo assim, analisar a mitologia, religiosidade, fé, crença, misticismo, etc.

Com identidades próprias, a co-ligação do imaginário com a literatura viabiliza o

exercício da imaginação. O imaginário pode ser distribuído em categorias literárias como:

extraordinário, maravilhoso e fantástico. Estes três tipos de exercício literário apontam o

processo de produção de conhecimento, interpretação, reflexão e desejos. As reflexões

literárias antecipam a realização de um projeto social, profético ou utópico. O maravilhoso e o

fantástico em liberdade ultrapassam os liames do real, e compõem uma liberdade explosiva

que pode ser o princípio de uma época de renovação duradoura ou efêmera. Mas, é tempo de

realização das realidades extraordinárias na estrutura social.

Estamos falando de como a literatura exercita a imaginação; ela traz o extraordinário

que está (no imaginário) isto é: fora da ordem lógica e racional dada pelo real. A ordem

(ordinária) cotidiana da realidade, transposta para o extra (ordinário), realiza a realidade

imaginária de uma estrutura social. Podemos até utilizar, para esclarecer a realização das

realidades, o “significado, concebível no melhor dos casos, mas não representável, (que)

estende-se por tudo universo concreto: mineral, vegetal, animal, astral, humano, ‘cósmico’,

‘onírico’ ou ‘poético’” (DURAND, 1995, p. 12).

As imagens "são construções baseadas nas informações obtidas pelas experiências

visuais anteriores” (TRINDADE e LAPLANTINE, 1996, p. 10). Da leitura das imagens,

decorre o processo de percepção da dinâmica funcional da cultura, isto é, a vida social; a

Natureza e as relações entre os indivíduos favorecem a expressão das abstrações referenciais,

ordenando-as no universo mental - sobrepondo, modificando, particularizando e re-

significando as imagens que visualiza. O importante é que, não obstante a ordem mental das

imagens, Trindade e Laplantine (1996) não as consideram como fixadas ao alcance do visual

como passivas em absoluto. Se decorrerem de colagens de experiências, transcorridas em

momentos diversos, os processos de sobreposição, modificação e alternância não possuem

permissão para ocupar a categoria da passividade, dentro da dinâmica das estruturas mentais

humanas.

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Deslocando as afirmativas de Trindade e Laplantine (1996) sobre as imagens, podemos

questionar se haveria passividade na Itacoatiara e seus sinais insculpidos, se a olharmos como

um objeto e imagem. A dinâmica imagética que a pedra adquire, decorre, como os autores

afiançam de “experiências visuais anteriores” (1996, pág. 10); do processo da imaginação

humana, em ação nas atividades da vida social; das ocasiões em que os atores expressam as

abstrações decorrentes do contato pessoal, na forma de visitas locais e de algum material

áudio visual e depoimentos de outros visitantes. Decorrem, também, de leituras e devaneios

feitos com os conteúdos dos escritos que, em algumas obras são semelhantes entre si; dentre

tantas outras possibilidades. As experiências vividas diversamente passam pelos processos de

ressignificação, sobreposição, modificação e alternância das estruturas mentais de quem as

vivenciou, ou seja: no nosso entender não são imagens passivas.

Percebemos tudo isso pelos resultados dos depoimentos registrados em livros, artigos de

jornais, blogs, sites, comunidades na Web, reproduções iconográficas, murais e telas

paisagísticas, onde a diversidade e quantidade numérica são significativas, tal como os ícones,

que como signos, compõem conceitos, e, como imagens mentais ou concretas, são

caracterizados por uma relação de união com o referente. Os ícones são signos então

consubstanciados. A natureza interna do seu objeto, no caso das imagens sagradas da tradição

bizantina, por exemplo, faz com que a imagem seja diferente e até oposta ao símbolo. Sendo

sinônimos - ícones/imagens - numa relação de união com o sentido sacralizado, são conceitos

diferentes e opostos ao símbolo. A imagem é uma construção mental individual da identidade

do ser; o símbolo, por sua vez, é um acordo coletivo de aceitação de determinadas

significações.

Outra diferença, que ressalta nas escolhas pessoais internas, é a aceitação, o

reconhecimento do sentido da imagem e de seu acolhimento. Na concepção de Laplantine e

Trindade (1996), pela metodologia estrutural da antropologia, a imagem se identifica ao

objeto diretamente, sendo subordinada ao símbolo; esta hierarquia de prevalecência da

imagem sobre o símbolo se explica, porque a imagem se liga à noção de estática estrutural

(acomodação sem movimento de ultrapassagem) que envia ao sentido restrito da essência,

como eficácia simbólica.

O imaginário individual e coletivo demonstrou que esta faculdade é fértil na análise de

cosmogonias expressas nos textos escritos sobre a Itacoatiara. Imaginário que não pode ser

confundido com a ausência da razão em um processo de leitura mitológica, que é limitada

pela razão conceitual.

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Isto pode significar que é necessário aceitar o rompimento do absoluto científico

racional e demonstrável e buscar argumentos explicativos para determinadas dinâmicas do

imaginário, que até admitem a "exclusão de raciocínios demonstráveis e prováveis, os quais

constituem o fundamento da imaginação cientifica", que Trindade e Laplantine (1996, p. 79)

argumentam como favorável ao reconhecimento da função da imaginação, também na ciência.

Em suma: a imaginação não é apenas monopólio dos poetas e loucos...

Essa é uma das possibilidades metodológicas de ingresso ao espaço do “domínio

interdito” do imaginário, proposto por Gilbert Durand (1985). A mitocrítica durandiana

precede a mitanálise que foi desenvolvida, para significar o emprego de um método de Crítica

Literária (ou artística), em sentido estrito ou em sentido ampliado, de crítica do discurso que

centra o processo de compreensão no relato de caráter ‘mítico’, inerente à significação de todo

e qualquer relato.

Aplicar a mitanálise durandiana em categorias específicas na literatura do

extraordinário, maravilhoso e fantástico (TRINDADE, LAPLANTINE 1997, p. 16),

catalogaria elementos que oferecem sustentação às imagens mitológicas, cultuadas via

Itacoatiara, mas limita a leitura do mito. O “domínio interdito” do mito, em Durand, é

exemplificado pelo “mito escatológico que coroa a obra Fedon é um mito simbólico dado que

descreve o domínio interdito a qualquer experiência humana, o além da morte” (DURAND,

1995, p. 10).

Com relação aos registros rupestres da Itacoatiara e seu simbolismo primordial, que

diria respeito apenas aos que os confeccionaram em um tempo determinado, portando

significações não mais acessíveis a nós, tem o seu “domínio interdito”, circunscrição dilatada

quando as significações são transformadas pela imaginação dos escritores, e utilizadas para

contarem algumas histórias ou vivências acessíveis à experiência humana cotidiana. A

interdição permanece, agora há alternativa de acesso a este domínio.

No conjunto de sinais ingaenses, que comporta uma quantidade de unidades variável à

percepção do observador, quando se apresentam distintos, no relato de cada escritor, no estilo

extraordinário, maravilhoso e fantástico, faz-nos interrogar o quanto este processo de

construção mitológica está condicionado à visão de reproduções estilizadas da natureza

circundante à Itacoatiara.

Estas reproduções podem ser relacionadas ao sítio ou à abóbada celeste noturna, apenas

para relacionar os mais freqüentes registros sensoriais nos textos lidos. Estímulos de

imaginação atingiram os escritores paraibanos e ensejaram uma produção literária que retém,

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no seu conteúdo, interpretações do passado histórico, onde a realização humana está mesclada

de elementos míticos.

Não será imprudente considerar que existem várias Itacoatiara do Ingá. Se fizermos uma

analogia entre sua pluralidade, como imagem, símbolo, signo, mitema e a luz branca que

atravessa um prisma, diremos ser a Itacoatiara o feixe iluminado, uniforme ao primeiro olhar;

a seleção imagética do observador representará o prisma de vários feixes de luz por onde essa

será filtrada. As idéias e imagens construídas com a Itacoatiara podem ser comparadas às sete

cores componentes da cor branca original, que não percebemos plural, até que sejam filtradas

e permitas perceber a pluralidade colorida da luz original.

Consideramos, enfim: o mito Itacoatiara abriga esta pluralidade e desempenha função

de prisma, por onde as complexidades confusas e reduzidas serão delineadas ou esclarecidas.

A Itacoatiara se assenta como componente de um conjunto imaginário-simbólico e a

leitura desses elementos pode nos permitir a entrada no universo cultural desta imaginação

permitindo que se desvendem os mitos que estavam na cultura dos autores que propuseram

interpretar seus sinais insculpidos. Propicia também a interpretação do que está por trás desses

símbolos e mitos: essa é a nossa pretensão nesta pesquisa.

M. Eliade (1996) agrega imagem à categoria simbólica, p. ex., o simbolismo do centro,

representando a possibilidade de atingir o céu, dimensão mais pura para as pessoas religiosas

deste sistema cosmogônico. O centro, como a idéia, conceito, fantasia, imaginação, do Axis

Mundi, “que liga e sustenta o Céu e a Terra” (ELIADE, 1996, p. 24), é um eixo, em torno do

qual a comunicação entre níveis cósmicos se opera: o mundo divino, no alto, e o mundo dos

mortos, abaixo. Isto é: trata-se de uma imagem cosmológica do Universo, formada a partir de

uma visão humana profundamente religiosa, que tem seu mundo como a terra santificada, de

onde o acesso ao céu fica mais fácil, para chegar ao estágio mais puro da espiritualidade

(ELIADE, 1996, pp. 38 e 46).

Adiante no texto há uma abordagem, que esclarece aproximações e distanciamentos

entre os conceitos de cosmológico, cosmogônico, cosmogonia, e cosmovisão.

2.2 O MITO E ALGUMAS ABORDAGENS

Nos estudos das Ciências das Religiões, o mito, sob perspectivas plurais e diversas, está

incluído como constituinte de identidades sócio-culturais e se intercala com conceitos, fé,

crenças, rituais, transes, sistemas simbólicos com plausibilidades próprias, estruturas,

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representações, imaginário, subjetividades, linguagens, etno-histórias, cosmovisões,

funcionalidades, fenômenos transcendentais extras empíricos individuais e coletivos sociais.

Sobre os mitos podemos dizer que na área da Antropologia das Religiões está quase

consensual vê-los como um canal, que consente outros usos e interpretações, como por

exemplo, embasar as hipóteses construídas para os trabalhos de campo, estudos teóricos

pontuais e gerais da cultura, e, entre estes, o sagrado e o profano.

O mito, na atualidade, tem um papel destacável na Ciência e na cosmovisão individual e

coletiva, porque os humanos, ainda que em dimensão reduzida, reconhecem que se servem

dele para os seus próprios fins, p. ex., o de compreender o “mistério do sagrado”, presente nas

nossas visões de mundo.

A partir da premissa segundo a qual o sagrado e o profano são estruturantes da visão de

mundo do homem, veremos que a Itacoatiara do Ingá se insere interseccionando as duas

partes, por mitos com os quais as pessoas cotidianamente a identificam. Eis os exemplos que

demonstram essa inserção: “causos” e histórias da tradição popular nordestina, contadas por

vaqueiros, poetas repentistas, versejadores, cordelistas, moradores ingaenses, jornalistas,

leigos, curiosos, pseudos cientistas e na literatura popular.

Daí podermos afirmar que: mito é narrativa ou explicação de algo real/concreto, que

também é, ao mesmo tempo, simbólico/abstrato, com sentido profundo, para os homens de

uma dada cultura. Através dos mitos se procura explicar e entender aquilo que tem relevância

na vida privada ou coletiva, como os fenômenos da Natureza, as origens do ser humano e do

mundo e a dinâmica do psicoemocional e do orgânico, utilizando-se de seres sobrenaturais:

deuses, espíritos, semi-deuses e heróis. Possivelmente a explicação mítica é uma primeira

tentativa de explicar/entender a realidade. Vejamos:

ILUSTRAÇÃO 6 Exemplo de representações de um mito aéreo indígena do homem pássaro - Peabiru, Sumé, etc.

Fonte: <http://br.geocities.com/enigmasdahumanidade/peabiru.htm>

Quem voltar sua atenção na tentativa de apreender o conceito, definição, entendimento

ou aprimoramento do que exprime termo “mito”, verá que é bastante vultosa a quantidade

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destas elaborações. É preciso estar sempre atento à teia que liga outros conceitos a mito,

como: ritos, religião, fé, crença, orações, magia e outros. Não custa grande esforço, sublinhar,

que não se confunde o conceito de mito com a conotação conceitual atribuída às sagas, lendas,

fábulas, contos de fadas, invenção, ficção. Enfatizando, mito é palavra oral/escrita, usada para

se narrar a origem do mundo e de tudo o que nele existe.

Lévi-Strauss nos instrui que mito é linguagem. É "uma linguagem que tem lugar em um

nível muito elevado", utilizada para contar uma história substanciosa ao contador e aos

ouvintes a qual se pode refinar, a ponto de descolar do "fundamento lingüístico sobre o qual

começou rolando", quando expõe, durante uma análise, as unidades constitutivas do mito e as

relações recíprocas ou ‘feixe de relações’, que lhes revelam uma "função significante". Estas

"grandes unidades constitutivas, mitemas", podem ser um motivo, um tema, um objeto, um

cenário mítico, um emblema, uma situação dramática, etc., e nos credencia a falar de mito da

Itacoatiara, quando identificadas pontualmente e pelas formas como foram organizadas

(LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 242-243).

Lévi-Strauss (1996) nos orienta a ver o mito, não necessariamente, sob a perspectiva

concreta, mas como algo da esfera do etéreo-abstrato, como uma parte integrante da

língua/linguagem que ele compõe e é composto por ela, numa relação de simbiose

perceptível; é pela palavra que o mito se desvenda e emana do discurso composto de palavras.

É um discurso que deixa de ser etéreo-abstrato, e passa a concreto, revelador do momento em

que foi elaborado; contém elementos da ideologia comungada em determinado tempo

histórico, podendo ser revelado na, e pela língua/linguagem, e contém característica de

reversibilidade temporal, ou seja: a mutabilidade dos significados/representações dos

elementos que associamos ao mito.

Esta perspectiva de tempo histórico, na construção do futuro, o mito é um componente

alimentador do movimento temporal cíclico, quando proporciona ao homem elementos que o

auxiliam a transitar para diante e para trás, no tempo. O homem alimenta o mito, exercitando

sua imaginação, sem perder o contato com o momento vivido real e com aquilo que tem

existência comprovada. O mito devolve esta cortesia, confere a certeza de uma realidade

existente, seja ele perceptível, materialmente concreto, ou não.

A linguagem, que pode ser vinculada às questões consideradas polêmicas, encena

fornecer respostas às averiguações abertas sobre enigmas ou mistérios com localização

atemporal, estando no presente, no passado ou no futuro. A literatura parece ser,

concomitantemente, um celeiro alimentador e um veículo condutor de mitos. Uma análise da

imaginação requer que se adentre em outras propriedades contidas na cosmovisão que seus

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relatores venham a possuir, baseada no espírito, emoção, alma, self, id, religiosidade, crença e

fé.

As tentativas de decodificação das cosmovisões humanas, partindo dos mitemas lévi-

straussianos são constituintes dos discursos e desvelariam o subjacente cultural do ethos

humano. Mitema seria então, de acordo com esse autor, a menor unidade de significação de

um mito, que também pode ser um símbolo. No caso dos sinais da Pedra do Ingá, Zilma Pinto

(1993) tentou interpretá-los como um conjunto de mitemas, como veremos mais adiante. Os

sentidos dos mitos subjazem à memória, no inconsciente coletivo - durkheimiano, junguiano,

são sagrados ou profanos, e vêm à tona, ou, são revelados pelos rituais. Possivelmente os

humanos conseguiriam definir, ou melhor, teriam consciência da natureza dos mitos ou

finalidade da realização dos ritos, através de relatos ou descrições de suas etapas de

realização.

Lévi-Strauss (1996), nesta perspectiva, é o teórico citado praticamente por todos os

outros, quando o tema é mito. Não é apenas ligado a estudos na área da Antropologia clássica

ou da escola estruturalista, mas, também, em estudos das áreas biopsicossociais. Seu

discípulo, o antropólogo Edmund Leach (1995, p. 53), observa que o mito é uma categoria

mal definida. Segundo ele, para alguns a falácia sustenta o sentido da palavra mito, que

acompanharia a narrativa ou uma história do passado, diagnosticando o inverossímil do relato.

Na Teologia, o préstimo conceitual da palavra achega-se à Antropologia, compreendendo,

neste vértice, o mito como uma exposição do sagrado.

A ciência antropológica dilatou o hermetismo conceitual teológico-filosófico,

empregando o vocábulo no sentido de crença, que inclui a profana. O mito é verdade para os

que acreditam no enredo relatado, seja este sacro ou profano. A categoria mito, pelas

argumentações históricas da Antropologia, sedimentou-se afastando o sentido pejorativo que

existe, quando a categoria mito é ligada à falácia dos humanos. O mito está patente em um

evento real, para aqueles que o acreditam como real associado a algo concreto.

Gilbert Durand (1995, p. 14), pelo viés do simbólico, afirma que o mito é repetição, e

redundância de “certas relações, lógicas e lingüísticas”, ocorridas entre idéias (abstrações) e

imagens expressadas pela fala e pela palavra (realidade), constituindo um discurso, tornando

reais os pensamentos.

Em relação à Itacoatiara, a presença se torna tão visível como mito cultuado, quanto

como objeto de estudo da ciência. A condição mitológica motivaria as pessoas a continuarem

recontando histórias, indiferentes ao diagnóstico científico, que contradiz algumas versões

elaboradas sobre ela. Pelo contrário, elementos ficcionais estão sendo incorporados aos

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elementos reais, compondo os mitos criados sobre a Pedra do Ingá. A Itacoatiara é parte do

sistema simbólico elaborado pelos homens pré-históricos; onde ao homem moderno é vetado,

interditado testemunhar seu passado histórico, mas os autores dos registros rupestres o levam

até lá, porque usaram o granito para compor o monumento simbólico da Itacoatiara.

Como episódio isolado, encerrado em si, possivelmente a Itacoatiara, nada

representaria, não haveria sentido, nem significado. Mas, à proporção em que o passado é

interpretado, se transforma num acesso a um “domínio interdito”, na expressão de Gilbert

Durand (1993, p. 10). Os registros rupestres da Itacoatiara rompem o interdito, e são usados

sob diversos aspectos para falarem do passado, do presente e do futuro. Os registros rupestres

ingaenses, viabilizam uma amostra do discurso literário, expressão externa do imaginário

simbólico, que, como real, idéia e realidade, expõem concretude e poder, de serem tornados

referenciais da Pedra do Ingá, já transformada em um veículo condutor de mitos.

Símbolos e signos têm um caráter de equivalência em Gilbert Durand (1995, p. 08); o

autor submete o primeiro à primazia do segundo, reconhecendo em ambos uma dependência

recíproca, que é característica da bipolaridade do símbolo, enquanto portador de significado e

significante. Os símbolos grafados na Itacoatiara evocam, nos depoimentos dos observantes,

visões de algo maravilhoso, esplendoroso, feito por “seres inumanos”, entre outras

interpretações. Podemos entender os observadores conferindo semelhança aos escritos,

indiferentes ao tempo decorrido, pelo aspecto de serem experiências sensoriais vivenciadas,

partilhadas e perpetuadas pela linguagem que transcreve os eventos, esquivando-os do

esquecimento e alteração memorial, não obstante as modificações ocorridas na língua, ou nas

interpretações de leitores.

2.3 SAGRADO E PROFANO NO CONTEXTO DA ITACOATIARA

A partir da década de 1940, começou a construção de uma antropologia com os

contornos que essa ciência tem hoje, e na qual nos baseamos para analisar as obras escritas

sobre a Itacoatiara. A Antropologia, voltada para o simbolismo somou-se aos objetos de

estudo anteriores: nativos, selvagens, excluídos, estranhos, etc. Especificamente sobre a

constituição da Antropologia no Brasil, Julio C. Melatti (1983) escreveu um ensaio

excelente5, ao mesmo tempo objetivo e amplo.

5 Fascículo escrito originalmente para integrar a coleção Curso de Introdução à Antropologia, pelo Convênio Fundação Universidade de Brasília/Open University, que não chegou a ser divulgada fora dos muros da universidade. Saiu como nº. 38 da Série Antropologia do Departamento que veio a ser o de Antropologia da Universidade de Brasília, em 1983.

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Ao estudar os ritos, iniciando pelos Ndembu entre 1950 e 1954, Victor Turner6, um

autor clássico da história da Antropologia, afirma que os símbolos rituais são polissêmicos e

possuem significados múltiplos percebidos pelas ações processuais, conflitantes e dramáticas.

Lévi-Strauss dedica-se mais aos mitos, através do discurso revelador do pensamento, quando

expresso (dito), na seguinte dinâmica: a ação – o rito – o viver; o falar – mito – pensar;

materializa a antinomia humana ao incompatível, contraditório e oposto no cotidiano.

Edmund Leach (1995) recupera idéias de Malinovski e incorpora estudos de Lévi-

Strauss, apontando que não há contradição entre o viver (rito) e o pensar (mito). Fazendo uma

releitura do Estruturalismo, Leach reafirma a sincronia e a diacronia das ações e pensamentos

humanos, nivelando primitivos e modernos pelos aspectos básicos do pensamento e do

comportamento através de um repertório basilar que aflora e se mantém, em diferentes épocas

e contextos.

Com relação ao sagrado e o profano, essas categorias podem ser tidas como partes

estruturantes da esfera do universo cognoscível humano. Mircea Eliade (1996, p. 17) pensa de

maneira diferente, ao definir o sagrado “como algo que se opõe ao profano” , argumentando

que há uma oposição entre ambos, uma vez que o sagrado só se torna cognoscível, porque se

manifesta7 diferente do profano. No seu estudo sobre a temática, Eliade propõe a criação do

termo hierofania, cujo conteúdo está dirigido ao sentido de revelação em si, a quem contata

com uma realidade de ordem diferente, fascinante, assombrosa, numinosa, ainda que

manifestada na ordem profana, possibilitada pela existência de objetos reconhecíveis no

mundo cognoscível aos homens.

Os dois primeiros conceitos, sagrado e profano, serão tratados de forma mais breve e

reduzida, com atenção para atingir o objetivo da abordagem, voltada em maior escala para o

mítico, sem desconhecer e nem ignorar, como está destacado, que os três conceitos têm

imbricamentos, manifestados na composição de uma estrutura dos universais da mente

humana. Os mitos unem as esferas sagrada e profana; individual e coletivamente na

cosmovisão ou mundivivências sociais e culturais que transitam do micro para o macro -

indivíduo/coletivo -, ou em efeito reverso do macro para o micro - coletivo/indivíduo.

Esses conceitos serão instrumentais para analisar a literatura referente à interpretação

dos registros rupestres da Pedra do Ingá. O livro da paraibana Zilma Ferreira Pinto, “Nas

Pegadas de São Tomé” (1993), é um texto literário de 265 páginas, onde a escritora trabalha

com a hipótese de esses sinais insculpidos serem elementos de uma leitura cabalística do

6 Para maior compreensão ver Peirano (2003, p. 33) 7 Grifos do autor.

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universo; esta interpretação teria sido feita por judeus pré-cristãos e seria um marco da

peregrinação pelas Américas, a partir da Judéia, por São Tomé, discípulo de Jesus Cristo,

após a crucificação do Mestre Judeu. Este é um dos mitos circundantes à Itacoatiara; e o livro

desta autora resgata aspectos sagrados e profanos ínsitos (HOLANDA, 1988, p. 363) que

ainda estão individual e coletivamente inseridos nas crenças e na fé dos fiéis judaicos, cristãos

e islâmicos e dos herdeiros das tradições religiosas semíticas monoteístas do Judaísmo,

Cristianismo e Islamismo.

As tentativas de decodificação das cosmovisões humanas, partindo dos mitemas

constituintes dos discursos, desvelariam o subjacente cultural do ethos humano. Os sentidos

dos mitos estão no inconsciente coletivo durkheimiano e junguiano; são sagrados ou profanos

e revelados pelos rituais. Possivelmente, os humanos conseguiriam definir, ou teriam

consciência da natureza dos mitos ou finalidade da realização dos ritos, através de relatos ou

descrições de suas etapas de realização.

Neste ponto, permitimo-nos uma digressão, apontando algumas noções que permitirão

entender as similaridades e distinções conceituais, elaboradas no que tange a termos

empregados informalmente no discurso cotidiano das pessoas. O termo Cosmo é sinônimo de

Universo e prefixo das palavras Cosmogonia, Cosmologia, Cosmografia, Cosmovisão. A

Cosmogonia é uma ciência afim da Astronomia, com o objeto de estudo a origem e a

evolução do Universo.

Segundo Eliade (1992), a Cosmologia é outra ciência afim da Astronomia, que se

encarrega de estudar a estrutura do Universo, ou seja, a organização e ordenamento das partes

constituintes do seu arcabouço. Cosmografia é a Astronomia descritiva, registra o que está

exposto acima e narra minuciosamente o perceptível, no Universo. Percebe-se que os três

termos estão relacionados ao Cosmo/Universo, mas destacando objetividade, métodos, objeto

de estudo e respectivas ciências.

Ainda de acordo com o mesmo autor, Cosmovisão significa ou se classifica como visão

de mundo, concepção, entendimento pessoal, subjetividade do indivíduo ou do coletivo

construído por estas individualidades. Nesta “visão de mundo”, ele nos revela a idéia ou

imagem de um todo organizado composto pela Terra e os outros elementos formadores do

Universo ou do Cosmo, numa relação de equivalência: Mundo = Universo = Cosmo. Em

sentido figurado, ou subliminar, o mundo se refere à maioria dos homens, à humanidade, às

pessoas, ou ainda equivalem a qualquer extensão ou espaço na Terra e/ou os seres que

habitam estes espaços.

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O Mundo pode ser tido como um marco referencial, uma estrutura que abriga algo dual,

com natureza de dialética, construída na sincronia e na diacronia temporal, entre ser - estar,

deste – neste; ser ou não ser deste mundo, estar ou não estar neste mundo. O dual estrutural

que aponta Lévi-Strauss (1996) poderia ser utilizado para distribuir os elementos constitutivos

de uma “visão de mundo” na esfera da fé, crenças, mitos contidos na categoria imaterial,

(são); os ritos na categoria material, (estão). Para Melatti (1984, p, 20), que comunga da visão

de E. Leach (1995), os ritos e os mitos demonstram as suas vitalidades nos movimentos

messiânicos pontuados no tempo. Neste sentido, a Itacoatiara teria inspirado uma cosmovisão

mítica, captada e interpretada pelos sinais da Pedra do Ingá.

Os mitos rememoram, ou se reatualizam, conferem aos homens o sentido de uma ação

essencial e aspectos de um primordial/temporal. Os ritos são a práxis, ou seja, as ações dos

mitos, e pelos ritos se celebram: origem, vida, morte; formas de existir, de ser, purificação,

explicação de sofrimentos, esperança de existência e de outras esferas de existências. O rito,

como uma “liturgia”, transforma a palavra em verbo, através da divinização do que é dito. Isto

se aplica sobre os sinais da Itacoatiara.

Esta dinâmica revela a estrutura temporal dual. Nos momentos de crise social, os mitos

(imaterial) são conjugados aos os ritos (material), estão prontos para romper as molduras da

estrutura sócio-cultural em que os indivíduos, normalmente, se enquadram. O tempo dual

lévi-straussiano não acentua claramente a divisão ser – estar, deste – neste ser – estar, deste –

neste, porque o interesse central é a estrutura, ou seja: a construção (sincronia) e a

manutenção (diacronia) dos aspectos sagrados e profanos, buscando os significados e os

significantes das “visões de mundo”, pela linguagem.

Na linguagem, Lévi-Strauss (1996) acredita poder decodificar microcosmos e suas

colagens nos macrocosmos sociais e culturais humanos, sobretudo os artigos de seu trabalho

Mythologiques publicado em Paris pela Editora Plon entre 1964 e 1971, que marcou uma

reviravolta nos estudos da mitologia humana.

Uma referência de temporalidade sincrônica e diacrônica, bem como de ritos e mitos,

sagrado e profano, está narrada por Marc Augé, na época em que explorou, na Costa do

Marfim, entre 1965 a 1970, os cultos africanos dos vodus, aqueles cultos têm suas raízes

primordiais entre os povos Ewe-Fon, da Africa Ocidental. Augé (1996), declarou que na

década “de 1970 em Togo me ofreció un espectáculo completamente diferente” (p. 09).

As informações precedentes, davam conta de que estes cultos eram “una instituiçion

caduca" (AUGÉ, 1996, p. 09-10), entretanto, não fora isto o que se lhe apresentava anos

depois. Dentre povos distintos por suas linguagens, mais especificamente nas áreas rurais, os

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cultos locais vodus não registravam traços de sincretismo. Augé explica que: “verdad es que

el panteon estaba marcado por una indiscutible plasticidad, pero ésta no debía casi nada al

efecto del desgaste” (AUGÉ, 1996, p. 10).

O que permanecia eram as oposições estruturais entre o princípio feminino, não

obstante, eram insuficientes para dissimular “la conviccion y la serenidad de los sacerdotes

vodúes que he comprobado en Togo eran manifiestas e impresionantes. En cuanto a la forma

masiva y alusivamente humana de los dioses, era por sí misma provocativa: agresivamente

material, recubierta por una capa gruesa en la que entraban los componentes de aceites

vegetales, de huevos, de alcohol y de sangre” (AUGÉ, 1996, p. 10-11). Este quadro

presentificava as questões de significado, diante de atos dos crentes, em seus ritos religiosos.

Marc Augé se indagava “como és posible adorar a madera y la piedra?” ( 1996: p. 11).

O relato anterior já inquietara missionários e etnológos, em períodos passados, sobre o

sentido de adorar madeira e pedra. Também inquieta pesquisadores contemporâneos, quanto

aos comportamentos e peregrinações sacrificiais e redentoras, percorrendo caminhos

exaustivos em condições míninas de sobrevivência, portando objetos. Estes, que podem ser

ex-votos, são confeccionados de madeira e pedra, a título de pagamento de promessas, ou

dívidas com as divindades por concessão de graças e realização de curas corporais ou

objetivos alcançados. A adoração não se dá em strito senso, mas como uma consubstanciação

do divino nestes materiais da Natureza.

Aqui a alusão às pesquisas e o contato de Augé com os cultos vodus, remetem à

identidade humana individual a sua interação com a realidade dada, pela natureza e pelo

grupo, o que pode nos auxiliar na inclusão da Itacoatiara como amparo de revelação da fé, da

religiosidade, do sagrado e do profano, ainda que nos indaguemos, a exemplo de Augé (op.

cit.) “como é possível adorar ou reverenciar uma pedra”?

É possível então correlacionar os cultos vodus (e o papel social do praticante, com suas

ligações atávicas com os antepassados e seus deuses) com o valor simbólico das pegadas de

São Tomé (supostamente gravadas na Itacoatiara) e o papel social, religioso e mítico à elas

associado. Para o pesquisador que estuda a manifestação dos fenômenos de religiosidade

pessoal e coletiva, é imperativa a sua disponibilidade, para ser sensível aos intrincados

imbricamentos desenvolvidos entre as divindades e o universo simbólico a que pertencem, e

onde estão, concomitantemente, os homens e as divindades.

Augé (1988, p. 17) destaca, no trabalho do antropólogo, a abrangência do sentido e ação

destas práticas individuais, ou o oposto, da ação e sentido das mesmas, em termos sociais. As

Ciências das Religiões, com a multiplicidade de vertentes epistemológicas que lhes compõem,

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também podem fazer uso das observações dos etnólogos e etnógrafos em seus campos

constituintes, tornando intelegível a linguagem (linguística), o psico-emocional (neuro-

psicologia) e o cotidiano comum (sociologia). Neste vértice interdisciplinar estão os acervos

da Arqueologia, Antropologia, História, Sociologia, Lingüística, Psicologia, consideradas

como fontes de informação e solicitadas a auxiliar na definição do objeto e dos métodos deste

trabalho.

Na Arqueologia brasileira, onde Itaquatiara representa uma taxonomia, o texto

referencial Pré-história do Nordeste do Brasil (1997) sintetiza o conteúdo de uma área de

estudo auxiliar e apresenta algumas informações temáticas e conceituações necessárias. O

processo de catalogação destas representações foi auxiliado pelo trabalho do arqueólogo

Roberto Airon (1999), com contribuições e conceitos, entre eles, o de registro rupestre, que

utilizamos aqui para denominar os sinais insculpidos na Itaquatiara com a intenção de

singularizar as várias nomeações utilizadas ao longo dos textos trabalhados.

À Arqueologia, representada pelos trabalhos de Anne-Marie Pessis e Gabriela Martin

(1997), credita-se o entendimento de que os registros rupestres são formas de comunicação de

cenas ou idéias, não mais acessíveis aos humanos, mas que continuam comunicando símbolos

de modo transversal cujas interpretações são construídas como as encontradas na “Literatura

de Maravilhas”. Em conjunto, há evidência de um enredo que, por analogia, tornou-se versão

romanceada da Itacoatiara compatibilizada pelos quatros livros, em seqüência temporal de

publicação: Os Astrônomos pré-históricos - Francisco Faria (1987); Viagem ao desconhecido

– Gilvan de Brito (1988); Nas Pegadas de São Tomé – Zilma Ferreira Pinto (1993); e

Mistérios do Brasil – Pablo Villarrubia Mauso (1997).

Leroi-Gourham associa imagens e símbolos, e a estes outorga o encargo de conferir ao

homem a medida de ser homem dentre outros homens, na proporção que se encontra

"revestido dos símbolos representativos da sua razão de ser" (LEROI-GOURHAM, 1965, p.

121). O símbolo contém a função de contrastar, o homem dentro da realidade biológica na

qual estão orbitando confusamente a dimensão zoológica e espiritual, além do aparato

simbólico da vida social. Esta dinâmica simbólica já se manifesta no Paleolítico.

Leroi-Gourham ilustra sua argumentação, com indicação de vestígios arqueológicos de

habitação, sepultura, indumentária, adornos dos mortos; representações solares e lunares;

formas de armazenagem das colheitas; ainda contendo, ilustrações parietais das cavernas (arte

paleolítica). Intercalada à realidade bio-zoológica e suas extensões simbólico–espiritual,

Leroi-Gourham (1965, p. 136) assinala a questão: "existirá, pois na arte paleolítica uma

verdadeira cosmogonia? A ausência de qualquer representação dos astros, tal como nós

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entendemos, não é uma prova em contrário, mas nada existe que seja demonstre tal hipótese.

Em contrapartida, o que se torna claro é que, seja qual for a base do mito, este surge de forma

linear e repetida".

Tomamos isto como mecânica do tempo, e do espaço em movimento dinâmico,

executada, através dos símbolos, que, como expressão, em igualdade com a linguagem, diz

sobre o comportamento humano global. A linguagem oral ou escrita identifica, em particular e

dissociada, o humano global, e os símbolos, que, do mesmo modo, possuem esta propriedade

de particularizar e dissociar, mas em comum e convergente há os humanos que são criadores,

organizadores e usuários dos símbolos, da linguagem e dos territórios globais. Com estes

instrumentos constroem “itinerários cosmológicos”, ou dispõem o “universo, originalmente

caótico, em uma imagem simbolicamente ordenada, assimilável, controlável pelo homem"

(GOURHAM, 1965, p. 135).

A “história heróica” que abarca a Itacoatiara, estrutura versões que, na perspectiva de

desconstrução, germina uma anti-estrutura, capaz de re-ordenar os elementos componentes do

evento, porque assim já procede ao incorporar frações do conhecimento cientifico e das

versões paralelas às novas construções – leitura do mito Itacoatiara - sem descartar os

elementos “negados”.

Na Itacoatiara, quando a versão fenícia de autoria dos sinais foi negada, refletimos sobre

a negação e esquecimento de um evento; entretanto, este fato está relatado nos textos e

consorciado a outras versões da autoria estrangeira ou alienígena dos sinais. Elas estão sob o

rótulo de “versões desaconselhadas” à reprodução. Um fato abordado como exemplo de

exagero ou fantasia, marcando posturas, que não podem/poderia ser reprisado. Exemplo que

ilustra uma anti-estrutura – a negação de uma explicação dos sinais – perceptível e colocada

em paralelo à estrutura da versão contida em cada livro, onde o autor resume as versões

existentes, candidatas à negação e registra sua versão.

A estrutura mitológica da Itacoatiara fica submetida a recortes, que passarão por revisão

e preenchimento dos “espaços vazios” com outra versão. Podemos encontrar como afirma

Sahlins (1994, pp. 67-69), uma “realidade” histórica apresentada a cada obra folheada,

relatada na versão do narrador, acrescida de nova interpretação dos sinais da Pedra do Ingá,

que também está inserida nesta re-contagem ou re-estruturação.

A linguagem dos textos literários são campos onde “é possível testar os instrumentos da

análise estrutural”, argumenta Roberto da Matta, em Ensaios de Antropologia Estrutural

(1973, p. 95), quando selecionou, para o que designou de “estudo etnográfico”, o conto O

Diabo no Campanário, escrito por Edgar Allan Poe, no Séc. XIX. Reconhece o antropólogo

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sua atitude de ousadia ao transpor os umbrais de outros perímetros não antropológicos, numa

iniciativa passível de críticas dos especialistas ali existentes – os críticos literários neste caso

específico – mas, admoesta que proceder assim deve ser visto com positividade, pelo diálogo

travado entre os estudiosos de procedências diversas, todavia afins.

Os textos “garimpados” nos apontam possibilidades de entender como um evento

histórico pode vir a tornar-se mitológico, com as narrativas sobre o sítio arqueológico e

monumento histórico pesquisado. Os discursos contribuíram para a demarcação de mito

através da Itacoatiara.

Os relatos escritos podem ser agrupados em históricos e não históricos, entendendo-se

relato histórico como a versão documentada pela História, e pela Arqueologia, o relato não-

histórico como a versão apresentada no universo literário dos escritos, de onde recortamos a

amostra de livros da literatura dita não científica.

É uma vivacidade onde os historiadores têm buscado, insistentemente, na seara

antropológica, o cotidiano das pessoas, suas vidas privadas e memórias dos relatos orais. Em

sentido inverso, os antropólogos têm se ocupado de registros de memórias e representações do

passado: no pontual da Itacoatiara, encontramos em diálogo uma “antropologia histórica” e

uma “história antropológica”, como nos mostram Schwarcz e Gomes (2000), bem como Peter

Burke (1991).

Luis Weckmann (1993) e Carlo Ginzburg (2007) igualmente oferecem a possibilidade

de entrelaçar o mito, a fé, e a crença, através da “Literatura de Maravilhas”. Weckmann

(1993) registra fatos históricos conjugados com outros aspectos da ocupação territorial

portuguesa, na América. Ele cita os autores dos "registros documentais" desta fase de

transferência do modelo socioeconômico feudal. Em seus registros também constam aspectos

do cotidiano das populações ameríndias: as narrativas orais de ritos, fantasias, crenças e fé.

As narrativas se juntaram às ações dos religiosos europeus cristãos, através da

catequese, obtendo adaptação do imaginário dos nativos, aos conteúdos de suas pregações. Os

cronistas ou escritores de cartas (relatórios), escritas a dirigentes administrativos, políticos,

religiosos, historiando procedimentos corriqueiros de um processo de troca de informações,

produziram uma grande quantidade de dados; que reúne o real, o imaginário, o sagrado, o

profano e a simbologia. Conhecendo esta mecânica, podemos entender como foi urdido o

processo da construção da herança cultural, dos povos indígenas ameríndios, repassada aos

seus descendentes.

Weckmann (1993) detalha a transição extraterritorial do mundo medieval, já obsoleto na

Europa para o Novo Mundo, processo designado de construção da Civilização Atlântica. A

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obsolência (economia, secularização), aos olhos dos colonizadores, não fazia sentido em um

vasto território e demografia populacional, onde poderia se restabelecer o sentido do modelo

perdido na Europa. A prática da exploração territorial, comercial e a catequese dos povos

nativos proporcionaram a transposição de elementos de uma dada realidade à outra, na qual os

europeus ansiavam por sucesso na esfera da supremacia cultural.

Ao escrever a história da criação da Civilização Atlântica, Weckmann (1993) se refere

às dificuldades, na lida com documentos, onde era difícil separar realidade e imaginação,

pólos inseridos dentro dos relatos dos portugueses e espanhóis, que se lançavam a conquistar

quimeras, sobre amazonas, unicórnios, sereias, ouro, prata e esmeraldas; tesouros depositados

em montanhas, um paraíso terrestre, tendo por base mapas de uma cartografia visionária na

qual depositavam crédito. Todavia, estes relatos têm “status” de documentos históricos que

documentando a cosmovisão humana, correspondem a uma etapa da história de povos

europeus e, em menor escala, de povos ameríndios.

Ginzburg faz uma narrativa que “pretende ser uma história bem como um escrito

histórico” (2007, p. 10). No texto o personagem é Domenico Scandella (Menocchio), que teve

existência real no século XVI, sua biografia está arquivada no acervo das ações inquisitoriais

que incidiram no norte da Itália. A história de vida de Menocchio é componente de um

processo judicial e eclesiástico, depositado no Arquivo da Cúria Episcopal da Igreja Católica

Apostólica Romana, em Udine, Itália.

Para escrever esta história, Ginzburg (2007) “lê”, através dos olhos do inquirido, um

ambiente social e um panorama político e econômico, no qual se vislumbram as relações

interpessoais e intergrupais, trançadas com fios da imaginação, da crença e da fé, em um

espaço físico temporal de transição de um modelo econômico superado, para outro com

características bem diversas, dentro do mesmo mundo.

As relações e a transição de modelos invocam a troca e a idéia de uma circularidade que

Ginzburg (2007) projeta no curso da história européia pré-industrial, onde há a suposição de

que as práticas culturais, restritas às culturas de tradição oral, dominam um vasto segmento

social, camponês por excelência, que na Europa do século XVI tem a supremacia existencial

contradita por Menocchio. A ação que foi denominada por Ginzburg (2007) filtro, ou crivo,

era consciente e realizada pelo moleiro, quando da leitura seletiva posta em prática no texto

escrito que lhe estava disponível. Conjugando as leituras com as informações repassadas,

durante as conversas coloquiais com as pessoas, no seu cotidiano, Menocchio demonstra, na

prática, o modo como a visão popular de tradição oral se intercambiava com a visão erudita de

tradição escrita.

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Na construção da Civilização Atlântica, em Weckmann (1993), os colonizadores foram

pessoas de diversas origens sociais, desde especialistas em navegação, marujos, mulheres

prostituídas e até os clérigos. Personagens que tinham conhecimentos diversos, catalogados

na tradição escrita; a oral associada aos nativos. Na Europa em transição econômica, segundo

Ginzburg (2007), a energia que sustentou a mudança veio das relações de barganhas inter

classistas entre burgueses de tradição escrita e os populares de tradição oral. O efeito de troca

entre popular e erudito, neste caso específico, pode ser deslocado ou compreendido como a

vivacidade existente das estruturas culturais e até evocam duas visões: a estrutura mecanicista,

com autonomia absoluta por si só, e a dinâmica das trocas que circulam entre as diferentes

estruturas culturais, sem que a autonomia seja descaracterizada. Em ambas a circulação e

ciclicidade existem.

Há a linearidade do tempo histórico, redimensionado pela ciclicidade do tempo

antropológico, nos permite inferir a circularidade do Homem em divergentes categorias

sociais: erudito, burguês, popular, rural; ou temporais: passado, presente, futuro. É um

“tráfego” tridimensional conjugando passado, presente e futuro. É também um movimento

fluido e possível, por ser o “resultado da elaboração das percepções realizadas pelos homens

conhecedores e encontra expressão em um símbolo comunicável, o conceito de “tempo”, que

dentro de uma determinada sociedade permite transferir de um homem a outro, com a ajuda

de um modelo fonético perceptível, uma imagem experimentável, mas não perceptível com os

sentidos, da memória” (ELIAS, in MAZZOLENI, 1992, p. 201).

A História contribui com algumas informações sobre o processo da ocupação territorial

pré-colonial do Brasil, com Pré-História do Brasil, trata-se de texto preparado por dois

historiadores e arqueólogos, Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noelli (2002), que

possibilitam compreender melhor o contexto temporal, de onde são retiradas algumas

construções teórico-científicas usadas pelos autores da “Literatura de Maravilhas”.

A História auxilia também com fatos das diversas fases de ocupação territorial do Brasil

e do Nordeste. Os registros rupestres, no Estado da Paraíba, documentados desde o primeiro

século de colonização sul-americana, resultaram na Itaquatiara, hoje concebida como

patrimônio histórico nacional que pode ter a transformação registrada. Os documentos

cooperaram com a verdade histórica, para que possamos verificar qual a dimensão do fato

histórico e do mitológico, mesmo quando o primeiro – o fato histórico – ganhou as dimensões

do segundo – o fato mitológico. O movimento interdisciplinar tornou-se mais presente nestes

momentos, reavivando as ações adormecidas no tempo.

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Estão incluídos também os textos Uma História do Ingá (1993), edição coordenada por

Rossana de Sousa Sorrentino, que foi organizada com o objetivo de difundir a história local,

entre os moradores. O livro História da Paraíba, escrito por José Octávio de Arruda Mello

(2002), avaliado por Carlos G. Motta, no Prefácio do texto como “um pequeno clássico da

Historiografia paraibana” (2002, p. 07), contribuiu com a contextualização de informações

sobre eventos e suas épocas históricas na Paraíba. São auxiliares vindos da História, porque a

Itacoatiara é um patrimônio que está inserido na história local e nacional; faz-se referência

documental à existência da Itacoatiara desde o século XVI.

A Itacoatiara é um sítio arqueológico, um patrimônio histórico nacional, um produto

cultural, reverenciados por místicos, ufólogos, e escritores. Foi e ainda é explorado pelo

turismo e pelo mercado literário. Para cada uma destas instâncias representa interesses

diferentes. É um objeto singular, tornado plural. As representações demonstram esta

transformação, quando são alinhadas as versões existentes nestas instâncias: arqueológica,

histórica, produto cultural, mística e literária.

O alinhamento revela a pluralidade subjacente, daquela que é única, em matéria, mas

não em imagens e nomenclatura: Itaquatiara, Itacoatiara, Pedra Lavrada do Ingá e Pedra

Lavrada. A variedade de nomes nos mostra que este episódio pode ser visto como fenômeno

plural. Sua individualidade que desaparece, quando pensada em termos plurais, onde o

Homem é executor do painel central e dos painéis adjuntos, por isso usamos a expressão os

inscultores no sentido de aceitar uma obra coletiva.

O objetivo deste trabalho não é catalogar todas as publicações que versam sobre os

registros rupestres da Itaquatiara, nem mesmo os trabalhos executados por especialistas de

outras disciplinas, ou teses por eles construídas.

Primeiro este estudo sobre a Itacoatiara, via textos literários, deverá ser compreendido,

como uma proposição de entendimento dos elementos ficcionais e não ficcionais

presentes nas representações que foram construídas com seus registros rupestres, que

alimentam e veiculam mitos fundamentados no sítio arqueológico que reproduz a crença

e a fé.

Em segundo lugar, são discursos ou leituras interpretativas que apresentam, tanto

as uniformidades, como a impessoalidade da autoria, confessadas pelo autor que é tido

como porta-voz de uma “verdade”, que não deve ser ignorada, tornando o texto

necessário. Há incluso e latente o cunho missionário, ou seja, a difusão da mensagem ou

“verdade revelada”, devendo obrigatoriamente ser compartilhada, visando chegando à maior

quantidade de pessoas.

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Um terceiro elemento subjacente aos textos é a idéia de ser a Itacoatiara de Ingá algo

maravilhoso, reunindo em projeções do passado, onde os inscultores são vislumbrados

na tarefa de talhar os sinais em local e material inóspitos, a elevação de seres especiais e

escolhidos, bem como abençoados os habitantes que existem no território paraibano.

O estudo empreendido com os objetivos aqui traçados, pode ser um diálogo transversal

e indireto que, pela ortodoxia antropológica, classificado como desvirtuamento da prática

etnográfica, quando os informantes e o pesquisador, vis-à-vis, cumpririam o ritual da pesquisa

de campo. Acreditamos, entretanto, na possibilidade da existência deste diálogo, quando do

registro gráfico das idéias construídas e sedimentadas sobre a Itacoatiara. Os textos literários

analisados projetam uma interpretação dos tempos históricos – sincrônico e diacrônico.

Linearidade que comporta o passado: na origem do ato inscultor, o presente: nas versões

elaboradas para o ato, e o futuro: na fé da decodificação dos sinais. Este circuito nos remeteria

à circularidade – os ciclos da eqüidade com os autores, quando seríamos testemunhas do ato

de insculpir na pedra; pelo conhecimento revelado na mensagem, após as etapas de leitura e

desvendamento de um mistério. Resultando na compreensão da estrutura do mito.

São argumentos discernidos, quando se entrelaçam nos episódios apresentados; quando

os personagens desenvolvem ações. Nesta dinâmica a memória histórica ganha uma

intensidade que se contrapõe à frieza dos documentos. Recordemo-nos como determinante, a

perspectiva analítica interdisciplinar histórica – antropológica, adotada desde a Escola dos

Annales por Shalins (1994), Nathan Wachtel (1996), Marc Augé (1979), Pierre Nora (1997).

Marshall Shalins (1994, p. 181), como um “antropólogo historiador”, demonstrou que

se há uma “estrutura na história e enquanto história” o evento histórico está de algum modo

estruturalmente inserido na história da cultura e da herança que os herdeiros fazem uso.

Carlo Ginzburg (2007), Luiz Weckmann (1993), Fernand Braudel, ou Jacques Le Goff

(in BURKE, 1990), por sua vez, são “historiadores antropólogos” que buscaram fontes

históricas alternativas às documentais tradicionais e apontaram um caminho de estreitamento

da convivência entre duas áreas de estudos da sociedade humana.

Este estreitamento de relações, alternância de métodos e técnicas, ainda tem sido visto

ainda com certo descrédito por parte dos antropólogos e historiadores mais ortodoxos; ou,

com uma boa dose de prudência, advinda da parte daqueles mais flexíveis, mas o processo

tem angariado adeptos, porque oferece solução no tratamento teórico e metodológico de

algumas abordagens nas duas Ciências, que, não fossem suas proposições interdisciplinares,

dificilmente aconteceriam, a exemplo desta pesquisa aqui realizada.

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Analogicamente, pode estar para os que realizam pesquisas, com esta orientação de

trabalho, como uma marca registrada que identifica um produto, e que a partir da existência

dela em um enclave, se produziram saberes acerca das relações “concretas” ou “simbólicas”

homem-homem e/ou homem-meio ambiente, extraindo ou testando paradigmas para as

Ciências. A abordagem dual que articula as proporções de longa e curta temporalidade são

dimensões opostas em suas essências, mas não necessariamente antagônicas ao manuseio e

análise instrumental de estudos de representações simbólicas, a exemplo desta proposição,

onde o corpus documental observado nos permite conferir a diacronia que marca os diversos

ritmos temporais registrados nos textos.

Destarte trata-se de um fato real desconcertante por ter ignorado a época cronológica,

com autoria e motivações de sua ocorrência. Com a Ciência ainda incapacitada a oferecer

respostas a esta problemática (época, autoria, motivação) os homens ocupam estes espaços

lacunares com uma produção literária que reputa ter “um sentido lógico e não puramente

evasionista” (BURKE, 1990). Entretanto, esta diferença converge com as hipóteses

mitológicas construídas nos livros escritos que, na imaginação dos escritores, conferem “voz”

aos autores dos registros rupestres.

O procedimento se efetiva com o discurso do homem do passado, reverberando no

presente, através das representações construídas nesta literatura. O “outro” histórico e

etnográfico é retratado pela imagem que é celebrada por uma unidade vital e mental

etnográfica que é retratada pela imagem (OLIVEIRA, 2003, p. 132).

O artifício estabeleceu um domínio, e, se expandiu em direção ao espaço virtual,

disponibilizando aos usuários da Internet – a rede mundial de computadores – informações em

sites que arquivam e disseminam as idéias instigadas pelas imagens da Itacoatiara. Ideários

construídos do maravilhoso, extraordinário, extra-humano, objeto em si, trabalho e autores

que encontramos registrados nos livros que reputamos como “Literatura de Maravilhas”.

Com a prática antropológica do relativismo, se pode conjeturar como historiadores e

arqueólogos, acolhendo a Itacoatiara plural, e a ação de mais de um indivíduo, a quebrar a

resistência do granito inóspito, para fixar os sinais. A individualidade ainda se esquiva,

quando refletimos o volume de participações necessárias, à construção de uma representação

simbólica, fixada no imaginário e sedimentada nas versões promulgadas, desde a notícia de

sua existência.

As “teias” podem ser sentidas à proporção que olhamos os sinais através dos olhos dos

escritores. Essas interpretações foram elaboradas na posteridade dos fatos, que expressam e

alimentam a necessidade de ligação do homem com o seu passado, quer histórico quer mítico.

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A Itacoatiara compreende uma forma de comunicação social permanente ou linear porque é

encontrada na história dos que mantiveram contato com a Itacoatiara: nativos, colonizadores,

moradores, escritores contemporâneos. Comunicação seccionada, cíclica, não linear, coletada

nas histórias contadas sobre a Pedra – pelos nativos, colonizadores, moradores, escritores. São

narrativas que temos conhecimento, pelo registro em diversas fontes de que dispomos fontes

catalogadas na História, na oralidade dos ingaenses e paraibanos ou nos livros da “Literatura

de Maravilhas” com os quais trabalhamos.

A proposta de Anne-Marie Pessis (MARTIN, 1997, p. 236) sugere abordar os sítios

arqueológicos na perspectiva da Antropologia Visual, considerando-os “um meio de

comunicação, uma pré-escrita”, não se limitando a aceitar os registros rupestres apenas como

arte pré-histórica, embora não lhes negue o valor estético. A Antropologia Visual se podem

somar estudos etnológicos, realizados por antropólogos, que auxiliam na compreensão das

relações mantidas pelas populações e os sítios arqueológicos que lhes são próximos. Estes

estudos ainda não ocorreram com a Itacoatiara de Ingá; outro déficit para material de estudo é

a catalogação das diversas fontes, que lhe fazem referência direta nos seus conteúdos.

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CAPÍTULO 3

CONTEXTUALIZAÇÃO DA ITACOATIARA

ILUSTRAÇÃO 7 Detalhe do 'paredão central' Foto: Henri Guimarães – Spintravel - 18/11/2007 Fonte: <http://spintravel.blogtv.uol.com.br/Paraiba>

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CAPÍTULO 3

CONTEXTUALIZAÇÃO DA ITACOATIARA

3.1 ASPECTOS FÍSICOS

Neste capítulo, apresentamos o contexto descritivo-contextual da Pedra do Ingá.

Iniciamos a exposição8 pelo objeto físico, visto que ele antecede às imagens, os atos,

abstrações e representações posteriores, sendo-lhes a matriz referencial.

A Itacoatiara é um conjunto de blocos de pedra tipo gnaisses, onde pode ser visto uma

quantidade razoável de sinais insculpidos, isto é, entalhados em baixo relevo, na superfície de

algumas pedras, localizadas no percurso por onde corre o Riacho Ingá do Bacamarte. Os

gnaisses9 são rochas de origem magmática10, tipo sedimentar11, feldspática12, metamórfica13,

cristalina14 e de composição mineral variada, que integra o Complexo Cristalino da Era Pré-

Cambriana, formador da quase totalidade do território paraibano (CARVALHO,

TRAVASSOS E MACIEL, 1997, p. 20). Os terrenos paraibanos inseridos nesta taxonomia

compõem o Núcleo Nordestino especificamente, que, em conjunto com os dos Núcleos

Gurupi, Sul - Amazônico, Boliviano-Mato-Grossense, Goiano, Atlântico e Sul-Rio-

Grandense; constituem 36% na área total do território brasileiro (VESENTINI, 2007, pp. 10-

11).

De acordo com fonte da Internet (Portal http://www.brasilescola.com), as eras geológicas

se classificam em: Pré-Cambriana, Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica.

A Era Cambriana é a mais antiga de que se tem conhecimento, não se pode afirmar com

precisão o seu início, acredita-se que se prolongou por quatro bilhões de anos. Esta data se

8 Neste item os conceitos dos vocábulos destacados são em sua quase totalidade adaptações que construímos com base em informações do Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, elaborado por Aurélio B. de Holanda Ferreira (1988). 9Gnaisse - (Geol.) é uma rocha formada por metamorfismo, contendo metais do grupo dos silicatos de alumínio entre eles o feldspato; laminada, muito cristalina e de composição mineralógica muito variável. 10Magmática - (Adj.) Referente ou relativa às substâncias provenientes do magma da Terra. 11Sedimentar - (Adj. /V. int.) Tudo que é resultante de processos de sedimentação, que forma sedimentos, ou seja, formado a partir de resíduos. 12Feldspática – (Adj.) Qualidade dos corpos sólidos que contém silicatos de alumínio, ou minerais que são compostos das rochas eruptivas. 13Metamórfica – (Adj.) Qualidade do que está para além de sua morfologia inicial. 14Cristalina – (Adj.) Limpidez, transparência associadas ao cristal; (Min.) Cristal de rocha; (Fís.) Substância sólida atômica, iônica e molecular.

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tornou conhecida, através de estudos baseados na radioatividade, um processo onde obtemos a

detecção da perda de partículas em átomos instáveis.

Os continentes no Cambriano eram formados por rochas metamórficas e ígneas.

Acredita-se que nelas estavam localizadas as maiores reservas de minérios e pedras preciosas.

Também marcam o início da vida no planeta, mostrado em fósseis de algas, medusas,

bactérias, etc., datados em dois bilhões de anos atrás (CABRAL, 2008).

Com cerca de quatro bilhões e cinqüenta e cinco milhões de anos, as rochas do sítio

arqueológico do Rio Ingá/PB apresentam suas superfícies com forte resistência à penetração

de outros materiais sólidos, uma firmeza decorrente dos processos da alta compactação de sua

constituição; propriedade das rochas detentoras de idades geológicas muito elevadas. São

qualificadas como “ígneas ou magmáticas, formadas pelo esfriamento e solidificação do

magma pastoso - exemplos, granito, basalto, diorito e andesito”. São também “metamórficas -

originadas da transformação de outras rochas em virtude da pressão ou da temperatura -

exemplos: gnaisse (transformação do granito), ardósia (da argila) e mármore (do calcário),

feldspáticas e cristalinas, que apresentam diferentes minerais nas suas formações”

(VESENTINI, 2007, p. 10).

O objeto físico antecede às imagens sobre ele projetadas, e permite elaborar um roteiro

“fisiognomônico” - adjetivo associado à “fisiognomonia”, tida como uma arte de conhecer o

caráter das pessoas, a partir do formato do rosto - com a motivação de formatar um perfil com

elementos de sua constituição material, “natureza” e “essência” para dar-lhe forma e favorecer

o entendimento nas referências feitas à Itacoatiara. A natureza e a essência, é algo sempre

recorrente nas diversas esferas onde se situem, incluindo mitos, lendas, contos, fábulas, e

sagas do homem. Acrescentamos apenas que, ao longo do texto, a compreensão do sentido de

“natureza” e “essência” tornar-se-á objetivo.

Ao procedermos assim aproximando o objeto, buscamos construir um retrato dele o

menos fragmentado possível, construindo uma copilação mínima deste agrupamento de

informações dispersas sobre a “natureza” da Itacoatiara. A dispersão se pode considerar, um

dos agentes das ações e reações, reflexivas aos conhecedores dos rochedos, sendo

desencadeadas já com existência e acentuada ao contato com a Itacoatiara.

Competiria, de acordo com os argumentos de Geertz (1989: p. 17), uma “descrição

densa”, elencando evidências, possibilitando enxergar a vivacidade projetada, pela

imaginação humana na natureza, a partir dos rochedos inanimados. Exposição que também

tenha em seu percurso, ações humanas como movimentos marginais aos sinais, até chegarmos

à “essência” depositada nos elementos que compõem o seu mito.

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Na atualidade, como no passado, os ambientes naturais, continuam unidos às ações

humanas de utilizar espaços vazios nas rochas para fixar “mensagens” de conteúdos diversos,

contendo nomes de pessoas, rabiscos lineares, datas, etc., com a possibilidade de que estes

atos possam ser entendidos como atualização e continuidade de algumas práticas remotas, que

podem auxiliar no entendimento do que estava subliminar aos motivos que moveram os

antepassados humanos aos gestos de fixar algo sobre as superfícies sólidas encontradas em

suas rotas de deslocamento e que ofereciam condições para as ações.

Em suma: este esboço da Itacoatiara revela que há nela uma natureza de “coisa” hostil

que registra atitudes de rompimento à resistência de aspectos da sua “fisiognomia”. Este

aspecto auxilia a compreensão do universo estudado, porque, enquanto o conhecimento da

origem, composição, dinamismo geológico intrínseco à forma do objeto, pode favorecer a

percepção sobre o que alicerça tantas ações e reflexões, também contribuir a interpretação de

algumas posturas, adotadas frente à Itacoatiara, beneficia à sensibilidade quanto à leitura

subliminar dos discursos literários e não literários, dentre as dos autores dos livros analisados

na seleção textual preliminar que aqui foi feita.

No texto, a palavra Itacoatiara, que na língua tupi guarani significa ita = pedra e coatiara

= pintada (MARTIN, 1997), o termo está nomeando, particularmente, um agrupamento de

pedras na zona rural do município de Ingá na Paraíba, que guarda em sua superfície reversa15

um conjunto de sinais grafados em baixo relevo, com a propriedade de reter atenções de um

público diverso, composto de curiosos, turistas, eruditos, místicos, pseudos-cientistas,

jornalistas, cientistas, entre tantos. O registro suas conclusões, aparece em uma escrita

ondulante, perpassando variações de tempo, estilo e função, desde os tratados científicos,

versos de cordel, perpassando escritos descritivos de experiências sensoriais, às lendas e

histórias recontadas. A existência da Itacoatiara é base de estudos empíricos e exercício do

imaginário numa literatura ou acervo literário incomensurável.

Podemos creditar, parcialmente, a existência da Itacoatiara e sua permanência como um

fato ou evento que tem transposto o tempo à existência do granito. Este tipo de rocha singular,

propícia à conservação de outros materiais orgânicos e minerais; Resistente a dinâmica da

Natureza. O granito pertence a um grupo das rochas magmáticas, ígneas, sedimentares;

aparece com muita abundância no solo do Estado da Paraíba.

A natureza pode ser apontada por dados da fisiologia, geologia, mineralogia, físico-

química da Itacoatiara traçado, destacando os elementos existentes na sua classificação

15 Superfície reversa – (Geom.) são aquelas superfícies cujos pontos não se encontram no mesmo plano. A Itacoatiara tem superfícies em planos diferentes (FERREIRA, 1988).

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geomorfológica, nos processos físico-químicos responsáveis pela sua composição,

consorciados à dinâmica natural a que está submetida como o “metamorfismo” e o

“intemperismo”.

ILUSTRAÇÃO 8 Afloramento da rocha denominada granito Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Portal:Geologia>

A fonte da Internet colocada na foto acima informa ser “metamorfismo” um processo

que a Geologia classifica como responsável pela mutação no original de materiais rochosos

sob a ação de elementos químicos gasosos (gases), variantes térmicas de temperatura (calor,

frio, quente, gelado), pressão (alta, baixa, média). Neste processo não se efetua a fusão das

rochas.

As rochas magmáticas são originárias diretamente no magma, a substância gelatinosa

incandescente formadora da camada nuclear da Terra, e são as mais antigas, pela cronologia

geológica. Estando em altíssimas temperaturas no núcleo da Terra, o material magmático,

quando expelido à superfície, resfriou, solidificando-se em rochas ígneas, ou seja, originárias

do fogo. Este tipo de rocha quando submetido a processos transformadores, reage produzindo

recristalização, total ou parcial, dos minerais depositados em suas estruturas, dando origem a

novos elementos ou novas texturas, sem ocorrência de nova fusão da rocha.

O metamorfismo, um destes processos transformadores, designa a mutação rochosa sob

a ação de elementos como temperatura, pressão, gases, vapor de água, que agem isolados ou

em conjunto. Outro processo transformador, o intemperismo, age nas rochas causando

decomposição de seus elementos químicos e devastação física como conseqüência da ação de

agentes biológicos e climáticos; e Itacoatiara está à mercê destes dois agentes naturais, porque

ser uma área desprovida de ações protetoras do patrimônio histórico natural.

Os corpos feldspáticos integram um grupo designando comumente os portadores do

silicato de alumínio e de um ou mais metais alcalinos ou alcalino-terrosos, onde se detecta em

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maior abundância o potássio, sódio e cálcio. As rochas feldspáticas possuem estes três

elementos minerais em maior porcentagem, eles conferem uma coloração clara, contrapondo-

se aos elementos escuros, presentes em menor porcentagem, das rochas eruptivas.

Os metais alcalinos são referentes à, ou próprios de álcalis, hidróxidos ou óxidos dos

metais como: lítio, sódio, potássio, rubídio o césio, constante nas rochas graníticas,

sedimentares ou cristalinas. Suas aparências têm tonalidade de coloração clara, cinzento-

esbranquiçado ou cinzento rosado; elas são portadoras de pequenos pontos opacos e

luminosos, cintilando, quando alcançados pela luz solar. Pontos luminosos designados

cristais, entre estes o quartzo em suas variações de cor ou outros sedimentos opacos.

ILUSTRAÇÃO 9 Vista parcial da cidade de Ingá Visitante e moradores na Pedra Detalhe do centro da cidade

Fotos: Ronaldo de Melo; in J. Gonçalo de Sousa. Fonte: <http://jgoncalosousa.blogspot.com> - 14 de Maio de 2008

A Itacoatiara é um evento histórico. Fernand Braudel (in PAPAVERO, 2000, p. 103),

coloca os eventos históricos como comparáveis a “coisas” ou “ações” de caráter transitório:

são, ou têm realidade inconteste, porém, estão desobrigados da permanência. Inserida num

contexto de realizações humanas, por si só, é uma realidade inegável, isentada de

permanência. Embora a Itacoatiara tenha sido parte de um cotidiano já passado, vivenciado

pelos autores de seus registros rupestres, nativos, colonizadores europeus, escravos africanos,

e enfim, antepassados paraibanos, num continuum linear, ela está presente no cotidiano dos

habitantes do presente e seus descendentes no século XXI, que se fizeram representar nas

obras escritas sobre este monumento.

O evento histórico se encontra no município de Ingá, que está “localizado na

mesorregião do agreste paraibano, inserida na microrregião de Itabaiana, (...) está noventa e

seis quilômetros distante de João Pessoa, capital do Estado. Posição da sede do município,

latitude: S. – 07º16’51’e longitude: W. Gr. 35º36’16. A significação da palavra Ingá que

nomeou o município na interpretação de Coriolano de Medeiros, quer dizer “cheio d’água”,

palavra de origem indígena. Seu clima é quente, com temperaturas amenas, as máximas de

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37º e mínimas de 26º” (IBGE, 2003, p. 04). Ingá limita-se com os municípios de Mogeiro,

Itatuba, Fagundes, Riachão do Bacamarte, Serra Redonda, Juarez Távora, e Campina Grande

(<http://www.iparaiba.com.br/paraiba/inga.php>).

ILUSTRAÇÃO 10 Localização do município de Ingá no mapa do Estado da Paraíba - Brasil IN Paraiba_Municip_Inga.svg (ficheiro SVG, de 1 680 × 990 pixels, tamanho: 315 KB)

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Paraiba_Municip_Inga.svg>, <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ingá_Paraíba>

É um monumento histórico nacional que retêm atenções diversas e continua ainda tão

enigmático, quanto o foi para os colonizadores portugueses. A Itacoatiara está relacionada à

Paraíba e à identidade cultural dos paraibanos, destacando, com seus sinais, o Estado em

vários ângulos. Contraditoriamente, é carente de políticas públicas de conservação e escassez

de estudos etnográficos, documentando sua relação com os moradores das circunvizinhanças.

Em 1953, o conjunto rochoso estava sendo transformado em rachões e paralelepípedos,

por integrante da família Rangel, proprietária das terras, onde se localiza a Itacoatiara. Na

intervenção do engenheiro e arqueólogo amador, Leon F. R. Clerot foi suspenso o processo de

retirada do material e iniciada uma campanha para transformação dos rochedos em patrimônio

histórico nacional, sob responsabilidade da extinta Sociedade Paraibana de História Natural.

Em 1969, passou à tutela do Estado Brasileiro, sob coordenação do Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (http://www.iphan.gov.br).

Tornando-se monumento foi tombado, como patrimônio histórico, pelo extinto Serviço

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob lei nº. 3924/61; hoje estando sob tutela do

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; faz parte de um seleto grupo de sítios

arqueológicos tombados: a) Inscrições Pré-Históricas do Rio Ingá- Ingá PB; b) Sambaqui do

Pindaí - São Luís MA; c) Parque Nacional da Serra da Capivara-S. Raimundo Nonato PI; d)

Sambaqui da Barra do Rio Itapitangui – Cananéia SP; e) Lapa da Cerca Grande – Matosinho

MG. Estes cinco sítios ocupam um status privilegiado em relação aos outros vinte mil

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identificados no país, que ainda estão sem perspectiva de confirmação de tombamento, ou

seja, sem número do processo de tombamento.

Na Arqueologia, a Itacoatiara representa ainda a imaginação simbólica de um ou de

vários povos, por onde podem ser traduzidas as relações de natureza material e imaterial,

travadas entre os homens, e, entre estes e a Natureza. Martin (1997, p. 298) nos explica que,

no âmbito da Arqueologia, uma das significações utilizadas coloca as itaquatiaras como sendo

de “todas as manifestações rupestres pré-históricas do Brasil, aquelas que mais se tem

prestado a interpretações fantásticas”. No território brasileiro, as itaquatiaras são encontradas

de Norte a Sul nas proximidades de cursos de águas correntes. Sobre as itaquatiaras a

pesquisadora acima citada afirma estarem associadas aos cultos das águas, ou cultos

cosmogônicos de louvor ao cosmos e elementos da natureza.

ILUSTRAÇÃO 11 Blocos de granito no território paraibano localizados no rio Ingá no pedregal da Itacoatiara Foto: Táxi Company nas Pedras de Ingá Fonte: <http://br.youtube.com/watch?v=YVYtdreBrtI>, 11 de julho de 2008

Algumas figuras insculpidas nas pedras, apesar da não confirmação das hipóteses, como

as construídas sobre Ingá, as hipóteses sugerem a formação dum universo mítico-fantástico,

absorvendo em paralelo, dados advindos da estruturação da pesquisa cientifica no Nordeste.

Martin (1997, p. 33) associa ainda as condições sócio-ambientais à manutenção de um

universo mítico simbólico, preenchido pelos mitos nordestinos, nos “sertões castigados pelas

secas onde nasceu um realismo fantástico, especial e particular”, revela uma situação que

perdura hodiernamente no Nordeste.

Em relação à Itacoatiara, o fato de estar lá no sertão, se torna tão visível como mito

cultuado, quanto como objeto de estudo da ciência. A condição mitológica motiva às pessoas

a continuarem recontando histórias, indiferentes ao diagnóstico científico que contradiz

algumas versões elaboradas sobre ela. Pelo contrário, elementos ficcionais estão sendo

incorporados aos elementos reais, compondo o mito.

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O mercado literário continuamente disponibiliza, para leitura, publicações nas quais a

Itacoatiara, quando não é foco central do texto, completa-o na forma de capítulo ou de

referência de leitura. Como se pode perceber, a tradição de (re) interpretá-la ou (re)

contextualizá-la motiva pessoas a escreverem suas representações imaginárias, sua realidade e

o seu real para tornarem públicos estes processos, gerando renda e movimentado recursos

financeiros às editoras e pontos de venda.

Como sítio arqueológico, possui conteúdo antropológico significativo que poderia ser

explorado em parceria com a Arqueologia brasileira para avançar em conteúdos, métodos e

técnicas. Esta é a perspectiva proposta por Anne-Marie Pessis (in MARTIN, 1997, p. 236).

Há escassez de estudos etnológicos, realizados por antropólogos, que colaborem na

compreensão do significado, da função, das relações estabelecidas entre as populações

conviventes com os sítios arqueológicos, situados nas áreas rurais de propriedade privada,

onde os sítios estão nos seus cotidianos ou que lhes são próximos, bem como as relações

mantidas entre e os visitantes ou turistas e os sítios arqueológicos.

3.2 POLIFONIA DE NOMEAÇÃO E PLURALIDADE DESCRITIVA

Há uma polifonia de designações do sítio: Itaquatiara, Itacoatiara, Pedra Lavrada do

Ingá, ou Pedra do Ingá. Ao longo das pesquisas, percebemos, entretanto, que esta pluralidade

não aparenta dificuldade para relacionar o local à nomeação utilizada na sua identificação;

qualquer uma das formas de nomeação preserva a identidade e o referencial para os que lêem,

ouvem, ou vêem textos, fotografias, imagens, etc.

O que pode, entretanto, ser questionado é se a evocação está associada à particularidade

de acentuar apenas uma parcela do todo, - “paredão central” - onde se concentra a maior

quantidade dos sinais insculpidos, ou, se em qualquer um dos termos, o sentido é atingir o

total do objeto. A Itacoatiara, como foi explicitado anteriormente, é um conjunto de rochas

onde os registros rupestres estão espalhados no sentido vertical e horizontal, na direção

direita e esquerda do olhar do observador.

É uniforme na literatura a variedade destes nomes, e, a priori, pode indicar a existência

de uma complexidade que oscila entre dilatação e redução alterando as dimensões do objeto.

Em decorrência, apresentar ou possibilitar uma imagem completa, ou uma transcrição textual,

se revela uma problemática que não pode ser ignorada. São várias as tentativas de descrição já

empreendidas. As duas abaixo foram selecionadas e foram reproduzidas, porque se fizeram

destacáveis, a partir da observação da preocupação dos seus autores em apresentar uma

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descrição que pudesse ser rica em detalhes visuais, sem compromisso com o direcionamento

do olhar.

A descrição seguinte foi feita em 1969, por Bezerra e Falcão, como parte do processo de

desmistificação da confecção dos registros rupestres da Pedra do Ingá, pelos fenícios:

Descendo o Rio Ingá, uns quatros quilômetros à jusante da cidade do mesmo nome, depara-se com um trecho pedregoso, de blocos de “gneisse”, tumultuosamente dispersos, por onde o rio corre encachoeirado. No centro do pedregal, há um enorme bloco granítico, que repousa sobre uma grande laje, dividindo o rio em dois. Esse bloco do lado Norte, apresenta um paredão de cerca de vinte metros de comprimento por três metros e oitenta centímetros de altura em sua parte mais elevada. É nesse paredão que vamos encontrar, insculpida em meia cana, com notável polimento, uma curiosa profusão de símbolos mais ou menos ordenados, representando estilizações zoomorfas, antropomorfas, fitomorfas, cosmogônicas, fálicas (masculino e feminino), edículas, etc., com certa freqüência repetitiva desses símbolos, o que permite inferir tratar-se de um esforço no sentido da comunicação de fatos de real importância, por parte daqueles que elaboraram as gravações. As figuras e desenhos gravados apresentam-se, em média, com 50 m/m de diâmetro, por 30 m/m de profundidade. Todo o campo insculpido está limitado, em sua parte superior, por uma linha de 114 capsulares, perfeitamente escavados na dura rocha e polidas. É imperioso chamar atenção para o fato de que, no início das gravações, destaca-se uma espira voltada à direita, enquanto no final da extensão insculpida, que alcança 18 metros, anota-se outra espira, agora em sentido contrário, ambas laboriosamente confeccionadas, com notável polimento (1969, pp. 42-61).

Na obra de Gabriela Martin (1997), a Itaquatiara do Ingá ou Pedra Lavrada é

classificada como o mais relevante registro rupestre dentre os catalogados no Brasil:

No meio do riacho Ingá do Bacamarte, perto da sede do município e a 37 quilômetros de Campina Grande, a Pedra do Ingá é muito visitada, e é grande o perigo de depredação e ruína do monumento. Está situada numa série de blocos de gneiss que estrangula o rio, formando pequenas cascatas e reservatórios d’água onde a população local costuma banhar-se. No centro do pedregal, um enorme bloco de 24 metros de largura e três de altura divide o rio em dois braços. O lado norte do bloco está totalmente coberto de grafismos, gravados até uma altura de 2.50 metros. Os desenhos foram realizados seguindo-se uma linha contínua e uniforme, insculpida na rocha, de três centímetros de largura e seis a sete milímetros de profundidade. A parte superior do painel está enquadrada por uma linha de círculos gravados de cinco centímetros de diâmetros. Relata L. F. Clerot (1969), que até 1953, o conjunto de blocos era bem maior, mas um grupo de trabalhadores enviados pelo proprietário das terras, destruiu grande parte de pedregal para fabricação de lajes de pavimentação. Com a intervenção do Serviço do Patrimônio Histórico foi suspensa a demolição. Clovis Lima (1953) confirma o fato ao afirmar que as inscrições ocupavam uma área de aproximadamente 1200 metros quadrados. Na atualidade, além do grande painel existem alguns grafismos isolados nas proximidades, muito gastos, tanto pela ação das águas como pelas pisadas dos visitantes (1997, p. 300).

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As normas protetoras da produção intelectual não permitem interferência no texto

original, utilizado como referência nas citações; antes de continuar esclareceremos que gneiss

ou gneisse com esta grafia diferenciada, reproduzem as fontes citadas acima. O conceito da

palavra pode ser encontrado com estas formas “gneiss” e “gnaisse” (MARTIN, 1997, p. 300).

A palavra capsular remete ao que tem o formato de uma cápsula – com significados

diferentes relacionados ao contexto em que está sendo empregado: no laboratório nomeia um

tipo de vaso para experimentos diversos, ou um invólucro para medicamentos; veículo

astronômico que transporta ao espaço; relacionado às bactérias é tecido exterior membranoso;

são frutas desidratadas e maduras à reprodução das espécies botânicas; diz-se da frutificação

dos musgos em estado reprodutório com a maturidade da semente das frutas; ainda se associa

às glândulas na anatomia humanas.

Com relação ao significado da palavra constante acima, na superfície da Itacoatiara

(ILUSTRAÇÃO 12) evoca especificamente as 114 capsulares, ou seja, “pontos ou pequenas

formas circulares gravadas ordenadamente e que dão a impressão de linhas de contagem (...)

seguindo-se uma linha contínua e uniforme, insculpida na rocha, de três centímetros de

largura e seis a sete milímetros de profundidade” (MARTIN: 1997, pp. 300 e 305-306).

ILUSTRAÇÃO 12 Detalhes com capsulares na Itacoatiara Foto: J. A. Fonseca. S/D

A citação de Bezerra e Falcão (1969) é um trecho selecionado no conjunto que costuma

ser mais reproduzido nas ocasiões em que a Pedra é solicitada para ilustrações diversas: em

livros, jornais, catálogos, material de marketing turístico, etc., e também como referencial à

cidade de Ingá e ao Estado da Paraíba. A prática de reprodução deste trecho do conjunto em

detrimento dos outros, cristaliza a idéia de que a Itacoatiara é resumida ao que está

visualmente destacado, faltando dos que utilizam este procedimento seletivo, o fundamento da

motivação de ser aquele o trecho escolhido na seleção, quando no local existem outras partes

com gravações praticamente desconhecidas.

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A arqueóloga Gabriela Martin também não se refere aos vários outros registros

rupestres que se espalham na área rochosa, como fica claro no texto de sua autoria em que

considera ser a Itacoatiara “sem dúvida a mais famosa gravura rupestre do Brasil” (1997, pp.

300-301); e o faz ilustrando suas considerações com uma reprodução fotográfica do “paredão

central”, sem referências aos outros trechos do conjunto.

Um exemplo que poderá ilustrar este processo é o fato de que a Pedra Lavrada do Ingá,

ainda hoje, é passível de ser confundida com a lendária Pedra Lavrada de Retumba, de

confecção atribuída aos fenícios que visitaram as terras brasileiras, no período pré-cabralino16.

A Pedra de Retumba é identificada por uma única e exclusiva reprodução feita pelo

engenheiro Francisco Retumba; em 1886, registrando sua localização no município de

Picuí/PB. Posteriormente, o município foi desmembrado e a pedra lendária está submersa em

águas represadas do rio Seridó, no município de Pedra Lavrada, na região do Cariri paraibano.

O desentendimento da visita dos fenícios foi esclarecido; a contestação da existência de vida

inteligente fora da Terra é outro, mas aparecem continuamente relacionados à Itacoatiara até a

atualidade.

ILUSTRAÇÃO 13 Pedra de Retumba - Reprodução de ilustração em Viagem ao desconhecido p. 8

3.3 A ITAQUATIARA, ITACOATIARA, PEDRA DE INGÁ: REPRESEN TAÇÕES ARQUEOLÓGICAS, LITERÁRIAS E NO MUNDO VIRTUAL

O nome Itaquatiara, neste contexto é referência e simboliza a identidade de um universo

cultural, no passado do território nordestino. É uma idéia muito genérica como instrumento de

trabalho. Para particularizá-lo, Gabriela Martin (1997), em seu livro sobre pré-história

nordestina, propõe um modelo de estudo, onde a Tradição Itaquatiara se desdobraria em uma 16 Ver Capítulo I - Pré-História do Nordeste do Brasil (MARTIN, 1997, pp. 21-46).

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Subdivisão Pedra do Ingá, caracterizando, para classificar, os sinais utilizados nos universos

simbólicos que apresentem similaridade aos registros da Itacoatiara.

Os arqueólogos utilizam o termo Itaquatiara para nomear um tipo de registro rupestre,

numa tipologia de identificação que agrupa uma série particular de gravações figurativas dos

nativos brasileiros, nas pedras próximas d’água. As gravações similares em rochas, com

distância média entre dois ou três quilômetros dos cursos d’água, são denominadas como

itaquatiaras, independente da localização geográfica no Brasil. Em produções arqueológicas,

as informações sobre itaquatiaras demonstram que são variáveis no tamanho da superfície

talhada, no modo de fazer e na técnica de gravura empregada, relacionando-se a área

geográfica, onde se localiza.

Os registros rupestres nos conduzem à perspectiva de aceitá-los como uma seara de

informações, porque contém um cabedal precioso numa perspectiva de serem fontes de

comunicação social, quando vistos no absoluto e também quando começamos a conjeturar as

“teias” tecidas a partir da existência deles (GEERTZ, 1989, p. 15). Os inscultores que

elaboraram os registros rupestres nos gnaisses sugerem que possuíam uma vida comunitária;

esta conjetura é dedutível pelo volume de energia desprendida para romper o granito, por esta

razão, concluiu que a Itacoatiara não é obra de um só. Há também suposições sobre suas

técnicas de gravação, a função e significados dos sinais, o universo cosmogônico que

representavam, e as “teias” começam a se materializar.

Segundo o arqueólogo cearense Roberto Airon (1999, p. 10), “registro rupestre

significaria toda e qualquer produção gráfica pré-histórica realizada sobre um suporte

rochoso”. Seguindo esta orientação, que se soma à de Gabriela Martin (1997, p. 245), sobre a

necessidade de redefinir o conceito liberando-o da conotação puramente estética, a expressão

registro rupestre será o termo utilizado para categorizar as insculturas nas rochas do Ingá.

Argumentam os arqueólogos Airon (1999) e Martin (1997) ser esta uma forma de não

reproduzir ambivalências ou reducionismos contidos na história da produção das pesquisas

arqueológicas, quando da nomenclatura da realização gráfica humana, na pré-história. A

ambivalência se reporta à diversidade de termos utilizados como: litóglifos, petroglifos,

petrografias, letreiros lapidares, inscrições lapidares, inscrições indígenas, sinalizações

rupestres, pinturas e gravuras rupestres, ou simplesmente arte rupestre e pintura indígena, para

se referir à ação humana executada nos rochedos e cavernas de abrigo na pré-história

brasileira. São termos que também encontramos em uso no conjunto de textos que

trabalhamos, configurando a ambivalência referida.

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O reducionismo, para Airon (1999), ocorre em diminuir as proporções da produção

gráfica pré-histórica simbolizada pelo registro rupestre ao seu aspecto estético e artístico,

quando é possível detectar algumas condições anti-reducionistas demonstradas pelo processo

de delimitação da idade, que aponta o registro rupestre com existência preliminar à arte

manufaturada em argila, madeira e osso. As representações contêm sentidos que destaca o

aspecto artístico de figuras solitárias, humanas ou animais, reproduções de cenas isoladas ou

coletivas como: as de caçadas, relações sexuais, relações ritualísticas; entretanto, sem negar o

aspecto artístico, o sentido dos registros rupestres não deve ser limitado às manifestações pré-

históricas de Arte.

Reconhece Martin (1997) que este fenômeno de granito não apresenta dificuldade para

ser identificado como “a mais famosa gravura rupestre do Brasil” (1997, p. 300), possuindo

características outras como beleza, complexidade e isolamento, itens que dificultam sua

filiação a um grupo étnico, que tenha ocupado o território nordestino. Uma “sub-tradição

Ingá” é a proposta da pesquisadora para nomear registros rupestres com características

mínimas de associação à Itacoatiara, como “o posicionamento ao longo de cursos d’água, a

forma curva e complexa dos grafismos, pontos ou pequenas formas circulares gravadas

ordenadamente e que dão a impressão de linhas de contagem, denso preenchimento dos

painéis nos quais se aproveita a maior parte do espaço disponível, com tendência ao horror

vacui, além da técnica de raspado e polido contínuo na elaboração dos grafismos” (1997, pp.

305-306). A escritora não explica o uso da expressão horror vacui.

A situação de “única” ocasiona sérios impasses como o afastamento de pesquisadores,

receosos de trabalharem com fatos que preencheram espaços na imprensa pelo inusitado,

polêmico ou pelo sensacional, os mesmos fatos, sucessivamente mantém as mesmas

características na relação notícia/público17; decorrendo da dinâmica, muito prejuízo, para o

conhecimento empírico da Arqueologia, que não consegue avançar em conteúdo conclusivo

nesta temática.

Como vemos, a Itacoatiara está associada a uma categoria taxonômica de classificação

de registros rupestres, servindo de referência aos grupos humanos e seus modos de vida. Os

17 A edição do jornal O NORTE - Domingo, 16 de maio de 2004, página E6, informa que algumas itaquatiaras localizadas no município paraibano de São Mamede, foram divulgadas na Europa e no Brasil, em publicações especializadas na divulgação de “mistérios”. Os espaços editoriais pertencem às revistas “Mistérios de la Arqueologia”, “Enigma”, “Ano Zero” e “Masalhar”. A edição do JORNAL DA PARAÍBA – Domingo, 06 de junho de 2004, páginas 03, 04 e 05, publica extensa reportagem com a temática UFOS e extraterrestres na Paraíba, onde inclui a Itacoatiara do Ingá como obra dos fenícios, ou de integrantes de civilizações extraterrestres.

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trabalhos que desenvolvem estes pesquisadores utilizando esta representação podem ser

resumidos em poucos parágrafos.

Os conjuntos nordestinos de registros rupestres, segundo Martin, encontram-se

reunidos em uma única tradição, denominada Tradição Itaquatiara, genérica demais para

atender às particularidades tipológicas, surgidas nas pesquisas arqueológicas das últimas

décadas. O termo itaquatiara tem sua origem situada na língua tupi, significando pedra

pintada. É uma taxonomia que carece de estudos, para apresentar uma nova proposta de

divisão da Grande Tradição Itaquatiara e suas subdivisões, incluindo uma sub-tradição Ingá,

para nomear registros rupestres, inseridos no Nordeste brasileiro, na hipótese de criar um

instrumento consistente, para a decodificação dos sinais do Ingá.

A Tradição Itaquatiara, como nos assegura Martin (1997, p. 240), é “a representação

visual de todo um universo simbólico primitivo, que pode ter sido transmitido, durante

milênios, sem que, necessariamente, as pinturas de uma tradição pertençam aos mesmos

grupos étnicos, além dos que poderiam estar separados por cronologias muito distantes”.

Valentin Calderón, em 1970, como relata Martin (1997), tornou-se um dos pioneiros no

uso do termo Tradição, na Arqueologia brasileira, ele o associava à arte rupestre como “o

conjunto similar, atribuindo cada uma delas ao complexo cultural de grupos étnicos

diferentes, que as transmitiam e difundiam, gradualmente modificadas, através do tempo e do

espaço” (1997, p. 240). Ainda dentro deste relato, em 1992, as pesquisadoras Anne-Marie

Pessis e Niède Guidon (cit. por MARTIN, 1997), consideram que o conceito Tradição deve

conter uma noção comparativa, a partir dos elementos fornecidos pelo material parietal – nas

paredes dos rochedos ou das cavernas –, como os modelos, as dimensões, as associações entre

as figuras de um painel e sua situação frente a outros similares. As similaridades,

sinteticamente comparadas, abasteceriam o arcabouço do modelo, ou da tradição, que Pessis e

Guidon (cit. por Martin, 1997, p. 241) compreendiam ser “a classe inicial conhecida como

tradição ordena os registros gráficos por grupos que representam identidades culturais de

caráter geral”.

No mesmo ano de 1992, outra contribuição à discussão epistemológica para construção

do referido conceito foi fornecida por Andrè Prous, segundo consta em Martin (ibid., p. 241),

que compreende a essência, como elemento organizador do padrão tradicional. Para ele,

tradição deve ser compreendida como uma “categoria mais abrangente entre as unidades

rupestres descritivas, implicando uma certa permanência de traços distintivos geralmente

temáticos”. O conceito de tradição, elaborado por Prous, sugere o estudo autônomo dos

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registros rupestres, ou seja, a unidade por si só, não a relacionando obrigatoriamente aos seus

produtores.

Tradição, para a Arqueologia, é um termo que designa macro categorias classificatórias

de registros rupestres, das indústrias líticas e cerâmicas. Corresponde, nesta ciência, ao

conceito de universo cultural do homem pré-histórico. O Nordeste brasileiro possui registros

rupestres que compõem quatro categorias de Tradição; Nordeste, Agreste, Geométrica e

Itaquatiara (MARTIN, 1997, p. 252).

Enfim, Tradição é um conceito paradigmático, ainda não consensual, que nomeia o

produto de uma ação humana, na pré-história. Ao lado das Tradições Amazônica e

Esquemática, a Tradição Itaquatiara é componente de um quadro geral de identificação; e

caracteriza grupos humanos, que povoaram algumas áreas do nordeste brasileiro. Estas se

particularizaram, por terem deixado os sinais: grafismos, figuras antropomorfas, reproduções

de membros inferiores humanos, de animais etc., fixados nas superfícies dos “paredões”

vizinhos ou em superfícies rochosas, integrantes dos leitos dos cursos d’águas, à semelhança

da Itaquatiara do Rio Ingá.

Martin (1997) cogita que há tradição, ou tradições itaquatiaras, pelo fato de existir uma

pluralidade, na temática e na técnica de gravação dos sinais, há insuficiência de estudos

sistemáticos que ultrapassem os limites tecno-estilísticos, para criar condições à definição do

geral e do particular do que pode vir a ser A Tradição e suas subdivisões. O aumento no

número de trabalhos de pesquisas, isolados ou comparativos, alimenta a esperança de

acréscimos de conhecimentos nesta temática para solução da problemática.

Segundo as leituras, pode-se notar que há problemas de decodificação dos grafismos

ingaenses, porque grafismo é um termo designador da técnica de elaboração de traçados

aleatórios que não guardam significação padronizada, exprimindo movimentos mnemônicos

antecessores à escrita e movimentos preparativos a esta. Os grafismos também são aceitos

como representações de antropomorfos e zoomorfos de esboço geométrico, num panorama

mais genérico.

Não obstante ser a Itacoatiara de Ingá item deste universo, alguns elementos a isolam

das outras em condições similares: a) a unicidade da peça que produz contradição

taxonômica, porque a encontramos no isolamento, b) pela técnica usada no raspado das

superfícies trabalhadas e no polimento fixador das figuras reproduzidas, c) pela disposição

espacial das unidades, d) pela conformação geométrica, e) por fim, pela indiscutível

comunicação parietal lá encerrada. São características que inviabilizam os estudos isolados ou

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comparativos, criando circunstâncias que fomentam a atração exercida sobre os leigos e os

pseudos cientistas, e consolidam um desafio à ciência arqueológica.

A pesquisadora Gabriela Martim (1997), admite registros rupestres são representações

visuais de um universo simbólico do homem primitivo, entretanto sua descrição resume

alguns problemas associados à descrição do sítio: a) a imprecisão que coloca o conjunto do

sítio arqueológico como possuidor de extensão variável; b) a ausência de um número

correspondente à quantidade dos sinais insculpidos; c) o (s) método(s) de trabalho

personalizado; d) o desconhecimento das funções e significações do conjunto arqueológico.

Comparando esta descrição com a que reproduzimos em páginas anteriores são

percebidas divergências em elementos referenciais, escalas da superfície, formas de descrever

os sinais. Também são percebidas concordâncias entre as duas descrições. O destaque dado ao

“paredão central”, do lado norte do conjunto, onde estão concentrados os registros rupestres,

apresenta uma extensão maior do que a costumeiramente divulgada. Nos gnaisses, as

inscrições se espalham desde o “paredão central” às lajes no piso, cobrindo também a

superfície de um bloco frontal ao “paredão central”, numa imagem assemelhada à letra “U”

do nosso alfabeto. Esta conformação compromete os registros rupestres, porque o pedregal

compõe o percurso do rio Ingá.

Em períodos de cheias invernais, o rio provisório, depois de ter atravessado longos

períodos secos, ou com correnteza de baixa intensidade, se torna volumoso e indomável,

escorrendo com força, desgastando conseqüentemente as pedras e os sinais. Fenômenos

naturais, tipo intemperismo e metamorfismo, o trânsito dos visitantes sobre as pedras, e uso

coletivo do rio para folguedos aquáticos comprometem à configuração rochosa, com

descamação da superfície. O resultado é o desgaste, porque ele se torna o causador de

prejuízos à integridade dos sinais; isso assinala que providências de proteção ao sítio

necessitam ser concretizadas. Este alerta aos riscos da ausência de providências que sustem a

violação humana e da natureza é feito pela arqueóloga Martin (1997, p. 300); ela vê nestas

interferências a destruição das informações antes do desenvolvimento de estudos sistemáticos

para o aumento do repertório de conhecimento da ocupação, e mecânicas de vidas das

populações primitivas no Brasil, no Nordeste em particular.

Itacoatiara, termo que será utilizado neste estudo, vai designar um elemento particular

do conjunto, procedendo a esta particularização para desenvolver prospecções de sondagem

do imaginário humano na construção ou manutenção de um mito. Se pensarmos no sentido

conceitual, que a Arqueologia atribui à palavra Itaquatiara, como sinônimo de pedra pintada,

utilizado pelos tupis, a Itacoatiara estará descontextualizada, porque ela não se torna um item

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possível de ser encaixado na taxonomia dos registros rupestres. Seus sinais foram executados

com técnica de raspado, diferente daquela utilizada em pinturas rupestres; a exposição ao Sol

conjugada a outros fatores naturais inviabiliza saber, se os sinais receberam algum tipo de

cobertura colorida, para se tornar uma pedra pintada.

A Itacoatiara do Ingá participa de uma padronização que, contraditoriamente, enquanto

confere anonimato a um objeto destacado como único na tradição histórica e arqueológica,

possui um status reconhecido como particular. É um exemplar solitário dentro do conjunto, o

que lhe confere um quase direito, não fora um objeto inanimado, de possuir uma certidão de

identidade pessoal. Entendemos que é uma Itaquatiara, mas é A Itacoatiara; e, baseada nesta

singularidade, adotamos a segunda grafia, para nos referirmos à pedra do rio Ingá.

Outro elemento acoplado a esta discussão de escolha do referencial nominativo é a

existência do uso deste termo na literatura histórica e antropológica. Em obras de Luiz da

Câmara Cascudo (1967), Clóvis dos Santos Lima (1953), José Anthero Pereira Jr. (1941 a

1946), constam referências à pedra como Itacoatiara. Uma corruptela que segundo Câmara

Cascudo (1968:93), formou-se pela junção de itacoatiá-iará, forma usada pelos nativos, para

denominar os lugares que continham pedras pintadas, ou pedras de letreiros, com desenhos

rupestres.

No recorte literário para pesquisa, Itacoatiara é uma das denominações utilizadas nos

livros selecionados, também por alguns escritores no contexto atual, estendendo até o mundo

virtual. Em títulos de livros que versam sobre esta temática, incluídos na bibliografia anexa ao

final desta dissertação, ocorre o mesmo; Itacoatiara não é uma palavra morta, convive com

suas variações, ainda que a Arqueologia use formalmente a variável Itaquatiara.

As pesquisas nos levaram a relacionar Itacoatiara e o “mundo virtual” graças à relação

estabelecida entre a palavra e a dinâmica operacional da Internet. Local onde as designações

plurais que a enfocam estariam sendo vinculadas a informações, em contextos variados. O

questionamento sobre qual das grafias deveria usar, foi reforçado enquanto digitava o texto,

porque a palavra Itacoatiara sempre aparecia destacada como não reconhecida, e, ao digitar

Itaquatiara o texto seguia sem estranhamento. Começamos então a indagar de qual, ou, de

quais fontes sairiam às informações arquivadas, na memória do computador e quais seriam os

conteúdos que continham, capacitando-o a distinguir entre duas palavras homógrafas e

homófonas, mas assinalando o erro com a grafia do termo Itacoatiara.

Investigando na Internet, descobrimos que a Itacoatiara está presente, no mundo virtual,

com informações oriundas da Arqueologia e da “Literatura de Maravilhas”. A contribuição

da Arqueologia está inserida em um site do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e

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Artístico Nacional – relacionado a sítios arqueológicos brasileiros, que são patrimônios

históricos18. A “Literatura de Maravilhas” contribui através do livro escrito por Gilvan de

Brito Viagem ao desconhecido – em edição de 1993 - que cita Ladislau Neto, Teodoro

Sampaio, Branner, Alfredo de Carvalho e Kock Grütenberg, Alfredo Coutinho de Medeiros

Falcão, José Anthero Pereira Júnior, Jacques Ramondot. O site contendo a referência ao livro

de Gilvan de Brito (1993), e, indiretamente às produções de outros autores nele contidas,

relaciona-se com uma fonte da pesquisa e divulgação de uma entidade com os interesses

voltados à temática dos objetos voadores não identificados.

Como podemos observar, a pluralidade causa incompreensão até na memória virtual,

instigando à curiosidade de trabalhar, teórica e metodologicamente, a hipótese de haver como

motivo o “desconhecimento” de Itacoatiara, um registro gráfico que não está acompanhado de

um amplo sentido semântico, permitindo reconhecer a palavra dentro do contexto solicitado e

não apenas como identificador de uma área geográfica especifica. Nestas sondagens na

Internet, ainda pode ser possível anotar, até o final da pesquisa, em 2008, a existência de onze

sites com a temática Itacoatiara, que estarão incluídos na bibliografia, embora dez deles não

estejam relacionados diretamente à Itacoatiara paraibana. É interessante conhecê-los como

base das construções interpretativas para os registros rupestres daquele arqueológico. Segue o

registro mínimo demonstrativo deste material.

Trecho do poema “Ocultação de Órion” ILUSTRAÇÃO 14 Henry Wadsworth Longfellow: A rubra pele de leão caiu-lhe Aos pés, dentro do rio. E a bruta clava A cabeça do touro já não fere Voltado, como outrora, quando, junto Ao mar, cegou-o Eunápio e em sua forja, Procurou o ferreiro, e a rude encosta Galgou penosamente, a passos lentos, Fixando no sol o olhar vazio. Observatório Astronômico Frei Rosário Henrique Di Lorenzo Pires (monitor) Fonte: <http://www.observatorio.ufmg.br/dicas05.htm> S/D

Os dois sites que fazem referências à Itaquatiara do Rio Ingá armazenam informações,

destacando o caráter misterioso dos registros rupestres. Os "pesquisadores" que trabalharam

no local correlacionam as hipóteses de autoria dos sinais à idade histórica, associando tais

18 http://www.iphan.gov.br

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registros à ordem temporal de existência de povos europeus, americanos, incluindo no rol,

seres não-humanos.

No primeiro site do rodapé da pagina, há um texto sem assinatura, intitulado

“Itaquatiaras de Ingá" 19, contêm como ilustração, apenas um trecho do “paredão” central,

destaca o caráter misterioso dos registros rupestres, atribui-lhes idades, correlacionando-os as

hipóteses de autoria aos fenícios, hebreus, gregos etruscos ou incas e astecas, incluindo neste

rol seres extraterrestres. Possui parágrafos coordenando informações que transgridem algumas

regras gramaticais básicas como ignorar os espaços iniciais nos parágrafos, para adequar-se a

um layout inovador. Será reproduzido em anexo ao final, para registro de como a Itacoatiara

surge no “mundo virtual”.

No segundo site abaixo, o informe está sob título “Pesquisa”, subtítulo ”Mistério na

Pedra do Ingá” 20. É um texto ilustrado que utiliza sete reproduções fotográficas. Abaixo

utilizei apenas uma, as outras poderão ser vistas no site informado no rodapé. A primeira foto

capta detalhe da visão panorâmica do Sítio, centralizando o “paredão central”, rodeado por

marcadores de limites, que se constituem de bases cimentadas, sob as quais estão erigidos

suportes cilíndricos com argolas pontuais, onde passa uma corrente contínua, tornando a área

isolada. São as únicas barreiras entre o patrimônio público arqueológico e os visitantes.

A segunda foto registra parcela do piso, onde estão fixados sinais, entendidos por

algumas pessoas como reprodução de corpos celestes, uma constelação, “compatível com a

época em que Rigel era a mais brilhante de Órion”.

ILUSTRAÇÃO 15 Reprodução estilizada da constelação de Órion J.A. Fonseca, in Via Fanzine Fonte: <http://www.viafanzine.jor.br> S/D

A terceira fotografia focaliza em um sinal, que ”lembra uma nave espacial”. A quarta

enfoca a extremidade leste do “paredão”, onde é perceptível a erosão metamórfica que avança

19 http://www.pbnet.com.br/openline/mfarias/itaqua.htm 20 http://www.geocities.com.br/opeufo/pesquisa3.htm

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em direção a um grupo de sinais, entre eles “aquele que é igual a uma balança”. As fotos

cinco e seis continuam a temática de registrar o Sítio, incluindo amostra da vegetação nativa.

A última foto guarda a singularidade de estar exibindo uma parcela dos sinais, estando

“de cabeça para baixo”, pois a fotografia quando foi escaneada, reverte a ótica do observador,

propondo mudança em um elemento da estrutura. Nos créditos das informações, a Fonte:

Organização Paraibana de Estudos Ufológicos sugere responsabilidade pela divulgação,

(sugere, porque, não está declarada a propriedade das fotografias). Destarte, vale perguntar, se

a entidade forneceu o material integral, ou apenas as fotografias. O corpo do texto se

apresenta mais extenso que o anterior, contendo as mesmas indagações. Por funcionalidade

não será reproduzido na integra, estando o site anexado no final.

As informações transpostas para a rede mundial de computadores assemelham às que

estão fixadas na "Literatura de Maravilhas", porque o nosso exame da filiação revela que elas

foram gestadas nesta matriz. Ou seja, os “textos virtuais” utilizam como referência os textos

escritos da “Literatura de Maravilhas” . Uma análise mais acurada identificará os elementos

copiados dos textos que compõem o recorte analisado nesta pesquisa.

Entendemos que se trata de re-interpretação, colocada à disposição de usuários(as) da

rede mundial de computadores, que reforça e distende aspectos do imaginário humano nas

versões elaboradas; estas versões reconhecem, ou podem ser associadas, ao que Durkheim

(1989, p. 57), reconhecendo não ser primitiva a noção de mistério, designa de numinosum, o

mistério, o maravilhoso, ou de maravilhamento (thaúmata, mirabilia, miracula) de uma

“mensagem” impossível de ser decodificada.

ILUSTRAÇÃO 16 Vista total do monumento Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra_do_Inga>

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À guiza de finalização deste capítulo, registramos que descobrimos ser esta apenas uma

parte das “versões virtuais”, disponibilizadas, na NET ao público em geral, das histórias que

cercam a Itacoatiara de Ingá/PB. Percebemos também, que é um espaço aberto à expansão e

sedimentação da literatura não científica. Cabe-nos indagar que papel desempenha este

mundo virtual, ou desempenhará, nos estudos acadêmico-científicos, realizados sobre o

monólito de Ingá. Certamente, será necessário trabalhar nesta seara à procura de construir um

demonstrativo seletivo dos elementos utilizados na reinterpretação do evento histórico,

arqueológico, antropológico, geológico, geográfico, político–econômico, como contribuição à

percepção do mito na Era Virtual.

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CAPÍTULO 4

A ITACOATIARA NA LITERATURA: MITOS E MARAVILHAS

ILUSTRAÇÃO 17 Pedra de Peabiru; Piabuyu, Sumé, Zumé, Zomé, São Tomé; no Caminho da Montanha do Sol Foto de Luís Galdino S/D - Fonte: <http://br.geocities.com/enigmasdahumanidade/peabiru.htm>

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CAPÍTULO 4

A ITACOATIARA NA LITERATURA: MITOS E MARAVILHAS

4.1 A LITERATURA SOBRE A ITACOATIARA

Apresentaremos abaixo uma breve história sobre as tentativas de decodificação,

sintetizada ao longo de algumas datas e por nomes de personagens históricos, cronistas,

religiosos, arqueólogos, documentaristas amadores e pesquisadores, e suas respectivas

interpretações e conclusões, até porque aparecem com maior freqüência nos quatro textos

estudados. Para ordenar e qualificar o volume de material escrito sobre a Itacoatiara, criamos

o critério baseado na sua localização no tempo e a citação dos livros pelos escritores mais

recentes.

No séc. XIX, os paleontólogos, etnólogos, e naturalistas, constituíam uma categoria que

se confundem e se complementam à semelhança dos resultados de suas pesquisas; mesclam

dados científicos com fantasias sobre civilizações perdidas, “assim como outros restos pré-

históricos, se misturam com registros fantásticos sobre os fenícios, gregos e vikings, tanto na

historiografia do séc. XIX como nos começos do atual21, há preferências pelos fenícios”

(MARTIN, 1997, p. 22).

Assim, os trabalhos e documentos mais antigos, antes do século XX, que citam a

Itacoatiara serão chamados aqui de históricos. Também, assim as obras que surgiram a partir

desta demarcação, caracterizados por serem textos de natureza técnica: de arqueólogos, e

engenheiros, contendo alguns dados de descrições físicas sobre a Itacoatiara. Os mais

recentes, que apresentam tentativas de decodificação e interpretação dos sinais, misturadas

com o imaginário, mitos e fantasia estão na categoria de literatura. No entanto, todo este

material apresenta traços de interpretação que não poderiam ser comprovados, por motivos

óbvios. O ordenamento apoiado no tempo é o mais simples e eficiente. Vale ressaltar que

essas classificações são de autoria da pesquisadora que assina esta dissertação, numa tentativa

de organização dos dados, ou seja, não há “histórias verdadeiras ou falsas” e todo este

patrimônio escrito deve ser considerado e valorizado como parte da história e cultura

paraibana.

21Leia-se século XX, quando foi editado o texto de onde a citação procede.

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A parte da lista, referente ao início do processo de colonização brasileira nos séculos

XIV a XVII, foi construída com base em dados bibliográficos, fornecidos pelo pesquisador e

historiador paraibano José Otávio de Arruda Mello (2000, pp. 25-94). A outra metade,

correspondente aos séculos XIX e XX, foi elaborada com dados constantes em levantamento

bibliográfico executado por Gabriela Martin (1997, pp. 344-390). As informações referentes

especificamente à Itacoatiara, nas três últimas décadas do século XX, foram obtidas na

bibliografia, preparada por uma equipe sob coordenação de Rossana de Sousa Sorrentino

(1993, pp. 103-106), responsável pela produção do livro Uma História do Ingá.

O arqueólogo Wanderley Brito, em A Pedra do Ingá – Itacoatiaras na Paraíba (2007,

pp. 115-121) acrescenta dados de referências, acerca dos registros rupestres, bibliográficos,

documentos históricos e as versões da confecção dos registros rupestres da Itacoatiara do

Ingá. É interessante observar: este pesquisador paraibano anota como corpo do acervo da

Arqueologia e da História da Paraíba, as mesmas fontes usadas por Francisco Faria (1987);

Gilvan de Brito (1988), Zilma F. Pinto (1993) e Pablo Villarrubia Mauso (1997), autores

pesquisados nesta dissertação.

Por leitura dos quatro textos somos apresentados a Feliciano Coelho de Carvalho,

Capitão-Mor da Capitania da Paraíba entre 1592 a 1600; desde 29 de dezembro de 1598, está

associado à primeira notícia da existência de registros rupestres, no Brasil. Ambrósio

Fernandes Brandão (Brandônio) escreveu em 1618, Diálogos das Grandezas do Brasil, onde

relata a descoberta dos registros rupestres. Os holandeses, que ocuparam o Nordeste,

contribuíram com alguns relatórios, como Elias Herckman, um poeta, geógrafo, cartógrafo e

administrador holandês do território paraibano, entre 1636 e 1639, quando escreveu

Descrição Geral da Capitania da Paraíba. Ele também testemunha ter visto registros

rupestres, em rochas nordestinas.

Gaspar Barléus, biógrafo de Maurício de Nassau, tornou-se cronista do período de

ocupação holandesa, no século XVII. Em História dos feitos recentemente praticados durante

oito anos no Brasil, relata descobertas de pedras exóticas, nas terras dos Tapuias, o que

associa o monumento da Itacoatiara à pirâmides e mausoléus; o Padre Marti(nho)22 de

Nantes, religioso capuchinho e missionário francês, escreveu Relação de uma missão no Rio

São Francisco, onde aparecem descrições de gravuras, em rochedos. O Padre Ayres do Casal,

também noticiou descobertas de registros rupestres, sobre o qual não há referência histórica

direta, pois, foi apenas citado em outros livros.

22 Esta forma de escrita é utilizada por Arruda Mello (2000) e Wanderley de Brito (2007); em outros textos o nome do religioso é escrito como Martin Nantes.

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No século XIX, o Padre Simão de Vasconcelos foi o jesuíta que em 1864, na edição de

Crônica da Companhia de Jesus reconheceu a lenda de São Tomé, como uma fraude

cometida, pelos missionários para a conversão dos nativos. Padre Francisco Corrêa Telles de

Meneses, outro religioso, a produzir Lamentação Brasílica, um manuscrito de 1887, como

relatório da sua procura por tesouros perdidos pelos jesuítas e holandeses no Nordeste.

Ladislau de Sousa Mello e Netto foi o “patrocinador” do mito da vinda dos fenícios ao Brasil;

escreveu Investigações sobre a arqueologia brasileira, em 1885. Francisco Soares da Silva

Retumba localizou, descreveu e desenhou a única reprodução da Pedra Lavrada de Picuí, em

relatório de trabalho, datado de 1886, Tristão de Alencar o reproduz na Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1887.

Há outros estrangeiros como: J. Casper Branner, na Filadélfia (EUA), que notificou

sobre registros rupestres em rochas brasileiras (1884); Henry Koster, em Londres, traz a

público, em 1816, Travels in Brazil, um relato de viagem, onde cita a Pedra do Ingá e seus

sinais insculpidos na Paraíba, além de Voyages dans la Partia Septentrionale du Brésil,

editado, em Paris (França), no ano de 1818, destacando um registro rupestre no interior do

nosso estado. E. Charles Frederico Hartt, da Filadélfia/EUA, que anunciou em 1871, no The

American Naturalist v.5, o texto Brazilian rock inscripions sobre registros rupestres, em

rochas brasileiras.

Na passagem do século XIX para o século XX, Alfredo de Carvalho divulga diversas

vezes, entre 1898 e 1911, seus escritos sobre registros rupestres, incluem mitos indígenas;

Angyone Costa escreveu sobre civilizações pré-colombianas no Brasil, entre 1935-1959; deste

período destacamos Inscrições lapidares de fundo indígena de 1949; Teodoro Sampaio

escreveu sobre registros rupestres indígenas, em Inscrições lapidares indígenas no vale

Paraguassu, publicado em 1918.

T. Koch-Grünberg, etnólogo alemão, foi citado por Alfredo de Carvalho, no artigo Pré-

história sul americana de 1909; Alfredo de Carvalho e o geólogo Luciano Jacques de Morais

coletaram e ilustraram registros rupestres, na Paraíba e Rio Grande do Norte, publicando em

1924 o texto clássico, Inscrições Rupestres no Brasil. Estes últimos autores formaram um

grupo que sintetizou o pensamento defensor da hipótese de que os registros rupestres não

continham importância etnográfica nem significação simbólica. Bernardo Azevedo da Silva

Ramos militar, historiador e autor da obra intitulada Inscrições e tradições na América pré-

histórica especialmente no Brasil, em dois volumes, publicados em 1939, neles defende que

alguns dos registros rupestres da Paraíba são símbolos gregos paleográficos.

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É importante destacar o papel dos Anais do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba

– IHGP – que guarda em suas publicações algumas versões decodificadoras dos sinais de

Ingá. Um dos adeptos do vínculo helênico dos registros rupestres foi o Padre Francisco Lima.

Em 1953, ele publicou o artigo Vestígios de uma civilização pré-histórica, na Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, v.12, onde declarou a sua aceitação da vinculação

dos gregos com a Itacoatiara. Na mesma publicação, em artigo As Itacoatiaras de Ingá, o

historiador paraibano Clóvis dos Santos Lima apresenta uma versão autóctone da origem dos

sinais, que são creditados aos herdeiros de uma civilização ameríndia decadente.

José Anthero Pereira Júnior produziu, entre os anos 1941 e 1967, farta documentação

fotográfica e bibliográfica sobre as itacoatiaras, particularmente a do Ingá. Notas sobre

inscrições lapidares I e II (1941), Itacoatiaras do Ingá (1944), Considerações a respeito de

alguns sinais itacoatiaras do Ingá (1944), Algumas itacoatiaras paraibanas (1945), Achegas

e algumas itacoatiaras paraibanas (1946) são artigos publicados na Revista do Arquivo

Municipal de São Paulo.

No jornal O Estado de São Paulo, Anthero Pereira publicou dois artigos em datas

diferentes, Do valor arqueológico do monumento do Ingá (1946) e Em torno do problema

Páscoa-Ingá e outras considerações (1950). Em 1958, no Rio de Janeiro, publicou Algumas

cartas de Alberto Chile sobre a itacoatiara de Ingá. Finalmente, em 1967 produziu

Introdução ao estudo da arqueologia brasileira, encerrando uma carreira de inquiridor dos

sinais de Ingá, que este escritor associava aos caracteres da escrita “rongo-rongo”, usada por

habitantes da Ilha de Páscoa, situada na Polinésia chilena.

Em 1969, o engenheiro, arqueólogo e etnógrafo amador Leon F. R Clerot, publicou

Trinta anos na Paraíba (Memórias corográficas e outras memórias), onde coletava notícias,

prospecções, localizações casuais de registros rupestres entre os anos 1940-1950, concordara

com a versão autóctone, mas, atribuía aos índios Cariris à responsabilidade da autoria dos

registros rupestres da Itacoatiara.

As obras e os autores constantes nos próximos parágrafos são resultados do

levantamento complementar do histórico, baseado em informações coletadas diretamente nos

livros da "Literatura de Maravilhas". O escritor e cronista paraibano, Antonio V. Freire

escreveu o livro Revoltas e Repentes, editado em 1974, com uma temática variada, têm um

capítulo dedicado à confecção dos registros rupestres de Ingá, até o autor conclui ser produto

do trabalho de membros de civilizações alienígenas, executado em tempos passados, porém

indefinidos.

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A Itacoatiara reaparece no livro Capítulos de História da Paraíba, uma coletânea

organizada por Arruda Mello editada em 1987. Há um texto de Balduíno Lélis, incluído nesta

coletânea, onde são discutidas algumas suposições, que o museólogo elabora, sobre os

significados dos registros rupestres de Ingá. Lélis vê os sinais como uma proto-escrita, uma

manifestação artístico-primitiva, ou a representação cosmogônica do universo mágico-

simbólico-cultural do homem primitivo, ele considera o sítio como um local místico,

freqüentemente utilizado para realização de cultos e meditação.

O livro Eram os Deuses Astronautas? escrito por Erich Von Dänikem, que foi um

grande sucesso de vendas, publicado originalmente em 1968, na Alemanha; chegou ao Brasil

no ano seguinte. Este autor não mencionou os registros rupestres de Ingá, mas, suas idéias

desencadearam, aqui, a hipótese da inclusão da Itacoatiara como uma prova do contato dos

nativos nordestinos pré-históricos, com alienígenas extraterrestres.

Esta hipótese, da confecção dos registros rupestres ingaenses por extraterrestres, depois

de criada, passou a ser um elemento obrigatório nas discussões relativas à existência de vida

inteligente fora da Terra23, tendo a Itacoatiara um papel de prova material da existência de

vida extraterrestre, porque, também no presente, os seres alienígenas não deixariam de visitá-

la. Percebe-se que as interpretações da Itacoatiara acompanhavam e eram influenciadas pelos

sucessos da indústria editorial e da imprensa da época da sua publicação. Ou seja: com o

desenvolvimento das pesquisas espaciais a Itacoatiara foi logo atribuída aos Objetos Voadores

Não Identificados, OVNIS, tão citados nos anos 60 e 70, no mundo.

Observando as idéias contidas nos textos, onde há referências aos registros rupestres

brasileiros e aos da Itaquatiara, em particular, é possível perceber que a História, a

Arqueologia e a Literatura não oferecem uma interpretação consensual dos sinais insculpidos.

Mesmo quando se utilizam dados técnicos, como a composição física das pedras, medidas e

até análises laboratoriais, não há como distinguir as versões entre as categorias de

“verdadeiras” e “falsas”.

Os textos escritos no passado conservam reações sensoriais sentidas pelos

colonizadores, quando entraram em contato com os registros rupestres, em geral, não muito

diferentes daquelas que os depoimentos dos escritores revelaram no pós-contato com a

Itacoatiara de Ingá. São visões de algo maravilhoso, esplendoroso, feito por seres inumanos; o

que confere semelhança aos escritos, indiferente ao tempo decorrido, pelo aspecto de serem

23 Na Internet há “sites” que associam a Itacoatiara como à vida extraterrestre porque possui gravuras que se acredita estarem reproduzindo uma sonda espacial, uma nave mãe e a Constelação de Órion, provas incontestes da existência de vida inteligente fora da Terra. Na bibliografia consta uma lista dos “sites” consultados para informação sobre a questão em diversos contextos.

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experiências vivenciadas, partilhadas e perpetuadas pela linguagem que transcreve os eventos,

esquivando-os do esquecimento e alteração memorial; não obstante as modificações ocorridas

na língua ou nas interpretações dos leitores. Esta dinâmica, emerge junto a transformações

semânticas, das palavras, conjugada à história dos povos e da sua difusão cultural.

Aqui está incluído um recorte necessário para apreensão dos significados de algumas

palavras, ou imagens usadas por Zilma Pinto (1993). Em termos de linguagem, podemos

apontar dois grandes troncos linguísticos: o semita e o camita. Sobre este último, o destino do

povo é muito incerto, apontando para o mítico a origem que está registrada no livro Genesis

do Antigo Testamento. Aquele povo estaria ligado a Cam, filho do patriarca Noé; a língua é

possívelmente uma ramificação do tronco afro-asiático, falado no Alto e Baixo Egito à epoca

da sedentarização das tribos dos pastores-coletores. Nina Rodrigues (1982), também associa

uma parte desta versão com os escravos africanos, vindos para o Brasil, dividindo as etnias

por suas línguas, entre elas a dos camitas, como está no livro do Gênesis.

Estabelecer a origem de algumas palavras chaves na estrutura dos mitos, é uma tarefa à

parte, no decorrer da pesquisa; isto ocorre, por exemplo, com as informações sobre as línguas

das narrativas judaicas, cristãs e islâmicas. As narrativas judaicas aconteciam em uma língua

do tronco semítico; o fragmento abaixo apresenta o grupo linguistico hebraico como sendo:

“um idioma oriental que pertence à família semita. O adjetivo semita foi usado pela primeira vez para descrever todos os idiomas do Crescente Fértil24, estreitamente inter-relacionados. Posteriormente, a nomenclatura foi adotada pelos estudiosos para designar os vários agrupamentos de povos falantes desse idioma. A palavra semita origina-se do nome próprio Sem, que, de acordo com Gênesis 10, foi um dos filhos de Noé e ancestral dos assírios, arameus, hebreus, e de outros povos que falavam idiomas parecidos. O termo semita passou a designar de modo operacional todos esses idiomas correlatos, mas não significa que todos os seus falantes eram descendentes de Sem” (NEWMAN, 2009, S/N; os grifos são do autor do texto).

Unificando, em três grupos, os idiomas semíticos, teremos: os semíticos orientais que se

associam à Mesopotâmia; os semíticos do noroeste que estão ligados à Síria-Palestina; e

semíticos do sul que agregamos à Arábia e África do norte. O hebraico é apenas um dos

muitos idiomas correlatos que tiveram sua origem no Crescente Fértil, termo criado pelo

arqueólogo James Henry Breasted, da Universidade de Chicago. A variação semítico oriental,

geralmente chamado de acádio, é o tronco lingüístico da Assíria, de Acade e da Babilônia.

Quando os sons eram grafados se fazia uso da escrita cuneiforme, tomada de empréstimo dos

Sumérios antigos, o exemplo mais conhecido é o Código de Hamurábi.

24 De acordo com esta fonte esta é a região do atual Egito e adjacências.

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O semítico sul-ocidental sintetiza os dialetos árabes antigos, tais como o sabeano (do

Reino de Sabá) e o mineano (Reino Mineano), o árabe clássico predominante no Oriente

Médio, que teve sua propagação, mediante a disseminação do Islamismo, no Mundo, e o

etíope, conhecido como Ge`ez, por aqueles que o falam. O semítico norte-oriental é dividido

em dois períodos. O primeiro período foi demarcado a partir de 1000 a. C., com materiais

escritos, nos séculos que antecederam a virada do milênio e que ainda estavam grafados em

cuneiforme como os textos de Mári, as tábuas ugaríticas e as cartas de Tel El-Amarna.

Partindo de 1000 a.C., outras escritas começavam a ser usadas. Um texto alfabético ugarítico,

como os que ficavam conservados na Biblioteca anexada ao templo de Baal, na Babilônia,

representa um cuneiforme mais simples do que o acádio, porque o ugarítico linear estrutura-se

como alfabeto linear, em vez de ser uma escrita silábica. O alfabeto ugarítico e o fenício são,

na história da construção dos alfabetos, línguas proto-cananéias. Seguindo este esquema:

Alfabeto hebraico: תירבע (ivrit), escrita abjad. Língua que o utiliza: hebraico. Grupo lingüístico: afro-asiático. Alfabeto utilizado em: Israel. Origem: cuneiforme → ugarítico → fenício → aramaico → hebraico. Alfabeto árabe: ةيبرعلا (al-arabiyah), escrita abjad. Grupo lingüístico: indo-européias: persa, pashto, balúchi, urdu, punjabi, caxemira. Uralo-altaica: uigur. afro-asiáticas: árabe, berbere. Alfabeto utilizado na: Ásia: Arábia Saudita, Iêmen, Omã, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrein, Kuwait, Egito, Jordânia, Líbano, Síria, Iraque, Irã, Afeganistão, Paquistão, estado indiano de Jammu e Caxemira, região autônoma chinesa de Xinjiang; África: Norte da África, Mauritânia, Chade, Sudão, Eritréia. Origem: cuneiforme → ugarítico → fenício → nabateu → árabe. Teóricos: Charles Virolleaud, Hans Bauer, Dhorme, Dussaud, and Nougayrol.

ILUSTRAÇÃO 18 Alfabeto Ugarítico Fonte: Ficheiro da Wikimedia Commons. IN: Ugaritic_alphabet.png (600 × 265 píxeles, tamaño do ficheiro: 11 KB, tipo MIME: image/png).

<http://gl.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ugaritic_alphabet.png>

Esses idiomas pertenciam a povos que guerreavam entre si pelo domínio territorial, o

que incluiu os hebreus que, como se encontra no Antigo Testamento, vagaram de um lado

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para outro, até encontrarem a Terra Prometida, supostamente indicada por seu Deus. Eram

então guerras territoriais, políticas, religiosas e de domínio lingüístico e de dialetos.

Quando das pesquisas das fontes e contextos associados à presença de São Tomé nas

Américas e no Brasil, bem como suas ligações aos escritos, e, especificamente, ao texto de

Zilma Ferreira Pinto (1993), a qual ressalta a presença deste personagem bíblico na Paraíba,

encontramos um exemplo, relatado na página eletrônica do Instituto de Pesquisas Psíquicas

Imagick (2009), por Ubirajara Rodrigues, da conjunção da religiosidade judaico-cristã com os

mitos indígenas Sumé, Zomé, Peabiru, Piabuyu e as pegadas de São Tomé. Por intermédio

deste recorte, que se refere à cidade de São Thomé das Letras localizada em Minas Gerais, o

autor faz uma colagem de fatos, datas, nomes, lugares e nos exibe que:

“Existem evidências da confusão provocada pelos Jesuítas com as crenças indígenas, para impor as suas próprias. Não existe qualquer prova digna de fé, de que o Apóstolo Thomé tenha andado pela América do Sul. Tendo-se como base a Bíblia, aliás única fonte de certeza da existência do mencionado Apóstolo, e os livros Apócrifos (excluídos dos Sagrados ou Canônicos por convenção), conclui-se que jamais, tenha chegado até esta parte do Globo, por total impossibilidade até de tempo. Ao mito de Sumé está sempre ligada a figura de “pés gravados em rocha”. São inscrições em baixo relevo e marcam os cultos indígenas ao personagem, em toda a América Latina. Os Jesuítas nunca hesitaram, por suas passagens pelas regiões desbravadas, em adaptar Sumé a São Thomé. Assim, invariavelmente o fizeram na região objeto de nosso raciocínio"... (...) O venerável Padre Anchieta, nas suas informações sobre o Brasil e suas capitanias, escritas em 1584, identifica claramente São Thomé Apóstolo. Em uma de suas informações diz: Em algum alugar se acham pegadas de um homem impressas em pedra, sobretudo em São Vicente, onde uma porção de praia, uma penedia muito dura em que o mar bate constantemente, estão fixadas muitas pegadas como se tratasse de duas denotando os pés cobertos de areia, também impressas na mesma pedra. Supõe-se que se trata de pegadas do Santo Apóstolo, assim como um discípulo seu. O próprio Padre Motoya assinalou a presença do Apóstolo no Brasil meridional quando, em 1854, escrevendo sobre as missões, deu com um personagem misterioso entre os indígenas; um ‘tagarela’ que ensinou o plantio da mandioca e outras raízes, ensinando-lhes também sobre a Santíssima Trindade (sic!). Entre os índios Caiçaras, sobretudo no litoral paulista, a lenda de São Thomé mantém-se viva. Contribui para isso o fato de que na ponta do Araçá, cerca de um quilômetro da cidade de São Sebastião, exista uma pedra de forma arredondada que, quando baixa a maré, nota-se visivelmente marcas de pés humanos. Dizem os Caiçaras que seus avós contavam que um dia veio do mar um velhinho de barbas brancas e que talvez se tratasse de São Thomé. Que esse velhinho ensinou-os a preparar a terra e plantas. Ensinou muitas coisas que os índios nunca tinham sonhado que pudesse existir. Um dia, um pajé invejoso esparramou uma notícia que o velhinho era feiticeiro, sendo necessário expulsá-lo ... ameaçaram São Thomé com suas armas e fizeram-no ir embora, premiando-o com a ingratidão pelo bem que tanto fez. Diz a lenda que São Thomé voltou até onde tinha deixado sua barca e subiu, antes de partir, sobre uma pedra e, dali, tristemente, deu seu adeus e partiu.

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No outro dia, quando foram colher mariscos deram com seus pés gravados na pedra, onde estivera, na sua despedida. E que este sinal está lá até hoje, para comprovar a passagem de São Thomé por este local” (RODRIGUES, 1966, p. S/N).

Outra fonte fornece a informação da existência no centro ocidental do Estado do Paraná

de uma cidade com o nome de Peabiru; este que é o mito indígena do Homem-pássaro

Peabiru/Piabuyu, que também está relacionado ao apóstolo-missionário cristão São Tomé, por

meio do que seria o Caminho da Montanha do Sol ou uma Estrada de São Tomé, ou ainda o

personagem Zumé, Zomé, Sumé, um ser tido como, provavelmente, originário da Suméria, na

Mesopotâmia.

ILUSTRAÇÃO 19

Trecho verde contendo o mítico Caminho de Peabiru Ilustração de nativos Guaranis da Bacia do Prata

Fonte: Cadernos da Ilha, edição número 2. Curso de Jornalismo da UFSC. Fotos: Gilson Camargo IN: <http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/?p=729> S/D e S/N. Acesso em 30/01/2009

Do trecho postado na Internet, com referência ao historiador Sérgio Buarque de

Holanda; recortamos uma palestra do astrônomo Germano Bruno Afonso, no 1º Encontro

Nacional dos Estudiosos do Caminho do Peabiru, em Pitanga/PR, em novembro de 2003 com

trecho que versa sobre:

“O Caminho de São Tomé - Segundo essa versão, o Peabiru teria sido aberto por São Tomé, apóstolo de Cristo. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, a devoção suscitada pela descoberta deste Caminho de Tomé na América no século 16 foi tal, que quase desbancou o de Santiago de Compostela. “Pouco faltaria em verdade que não apenas na India, mas em todo o mundo colonial português, essa devoção tomasse um pouco o lugar que na metrópole e na Espanha em geral… ‘tivera o culto bélico de outro companheiro e discípulo de Jesus, cujo corpo se julgava sepultado em Compostela’. A passagem de Tomé pelo Novo Mundo foi mencionada por índios, padres, autoridades e colonos europeus no século 16. A versão corrente é que um homem branco, barbudo, teria chegado ao litoral brasileiro “andando sobre as águas”. Foi chamado de Sumé. Em sua peregrinação, teria ido ao Paraguai, abrindo o Caminho. Ali foi visto e chamado de Pay Sumé. Saindo do Paraguai, a misteriosa figura teria continuado até os Andes. Os pré incas o chamaram de Kuniraya. Mais tarde,

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o personagem recebeu dos incas o nome de Viracocha. Após um período no Peru, ele teria ido embora, também ‘andando sobre as águas’. O Caminho do Peabiru tem toda uma parte ligada a cultura indígena. Um aspecto interessante é que ele também pode ser relacionado com a astronomia indígena” (AFONSO, 2003, S/N).

ILUSTRAÇÃO 20 Detalhe atribuído ao Caminho de Peabirú (Mun. de Barbosa Ferraz, Est. Paraná) Imagem: <http://www.youtube.com/user/geosemfronteiras> e <http://www.youtube.com/watch?v=8-MCUnVsZuU>. Acesso em 28/02/2009

Martin (1997, p. 33) afirma ser “o desejo das origens e do passado heróico está latente

em todos os povos”. O conteúdo genérico das obras poderia ser interpretado como um

arcabouço, formado pelas idéias do mundo mítico-fantástico da Itacoatiara. E é esse o

caminho que trilharemos daqui, por diante na análise das três obras sintetizadas por Zilma F.

Pinto (1993). Os autores procuraram confirmar evidências materiais da existência de mitos do

judaísmo-cristão, cultuados na tradição cristã, orientada pela cronologia bíblica nas hipóteses

elaboradas, tomando como base simbologia representada por sinais, números, imagens, ou

ainda, objetos.

G. Martin (1997) também aponta para a necessidade de estudos possíveis de resultar no

entendimento do macrocosmo sertanejo paraibano e nordestino; estudos principalmente

ligados aos sítios arqueológicos. Reafirmamos: a Itacoatiara é um patrimônio histórico

nacional, um produto cultural, explorado pelo turismo e pelo mercado literário, além disso, é

reverenciada por místicos, ufólogos e escritores amadores. Para cada uma destas três

instâncias representa recortes simbólicos diferentes. O objeto singular foi tornado plural. As

representações demonstram transformações, quando são alinhadas as versões existentes nestas

instâncias se revela a pluralidade subjacente daquela que é única em matéria, mas não em

imagem e nomenclatura - Itaquatiara, Itacoatiara, Pedra Lavrada do Ingá e Pedra Lavrada. A

polissemia demonstrada anteriormente nos mostra formas de marcar essa pluralidade

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polifônica, e figurativamente, relaciona-se às várias denominações que os rochedos têm, e são

associadas às várias significações e interpretações atribuídas à Itacoatiara.

O monumento pétreo, ou, um marco se evocado reproduzirá a movimentação à sua

volta. Retratará a dinâmica histórica sem se deixar confundir, mantendo uma lisura que a

língua estaria impossibilitada de fazê-lo enquanto produto histórico. Os discursos construídos

em relação direta ou indireta com Itacoatiara podem não nos levar a conclusão de que a

mesma é absoluta, nem mesmo enquanto mito, mas que em algum dia, mediante o dinamismo

histórico e cultural, poderá vir a ser única, por exemplo, apenas como sítio arqueológico; ou

possivelmente continuará múltipla, porque uma série de circunstâncias histórico-culturais,

poderão continuar a lhe favorecer a pluralidade de acordo com as linguagens a ela

circundantes e os eventos aos quais se encontra relacionados pelo tempo e o espaço. Os mitos

que nela encontraram abrigo se apresentam como prováveis fiadores de sua pluralidade.

A leitura dos sinais é seletiva. As versões são construídas com alguns deles, em outra

leitura os registros rupestres selecionados podem ser diferentes e dão aportes as versões que

com eles são instituídas; ou seja; há uma seleção nos registros rupestres o que nos conduz a

percepção de enfatizar que o conjunto, pode até ser mencionado, mas não contém seus

elementos utilizados totalmente. Os mitos na Itacoatiara são ou estão incorporados à história

local de Ingá ou da Paraíba, como percebemos e registramos na bibliografia da pesquisa e a

própria Zilma Pinto (1993) adverte que a interpretação completa dos registros rupestres da

Itacoatiara ainda está por ser elaborada.

4.2 CRENÇA E FÉ NO MITO ITACOATIARA

Genericamente, as religiões estão associadas à concepção de composição de um

conjunto harmônico, firmado concomitante, em unitário e dual. A unidade proviria do mais

íntimo reconhecimento da existência de algo divino emanente - sobrevida, mundo, dimensão -

com o qual os humanos interagem, em paralelo ao cotidiano vivido.

Para os humanos, isto significa ter como base o ponto da unidade a relação com a

imaterialidade, tornada perceptível apenas através da crença e fé em algo que os homens

consideram como manifestação inquestionável do sobrenatural, divino, sagrado e

transcendente como tudo relacionado à São Tomé. A bifurcação nesta unidade dá origem à

dualidade, porque o conjunto se subdivide em rituais e códigos morais derivados da crença e

fé, com os ritos e códigos morais, em um instrumental que permissível o acesso à divindades,

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a esfera sagrada e o mundo transcendental. Necessário seria apontar25, que este genérico

também aceita que na existência do algo divino bipolar – divindade e não divindade -, o verso

e o reverso daquilo que deveria ser unitário, emanando desta relação homem/divindade.

As religiões monoteístas com as quais Zilma Pinto trabalha, assim classificadas pela

exigência do centralismo, unitário e dual, em um único Deus, habitante do espaço

sobrenatural, divino e sagrado transcendental, para o qual seriam devotadas a crença, fé, ritos,

códigos morais que viabilizam o acesso à divindade. São religiões históricas o Judaísmo,

Cristianismo e o Islamismo, elas guardam entre si características comuns, das suas origens até

a atualidade, sobretudo, por serem congregantes e exercerem maior influência na

Humanidade. No entanto, não são as únicas, pois, a "Fé Bahá'í", também designada

"Bahaismo", é uma religião monoteísta-histórica, para muitas pessoas ainda desconhecida.

Retomando a temática das religiões e suas relações com a Antropologia, o Judaísmo,

Cristianismo e Islamismo com suas crenças, fé e rituais sagrados, são destacadas e abordadas

especificamente, por se tratarem das religiões institucionais que fundamentam o pensamento

da autora na obra Nas pegadas de São Tomé.

As três religiões conservaram uma tradição religiosa de imagens cosmológicas de

centro, tais como: a Palestina como a região elevada que não foi atingida pelo Dilúvio; a

ka'aba, o lugar mais elevado da Terra; os cristãos construindo templos e santuários com torres

altas, ou a colocação de cruzes – cruzeiros – no centro dos núcleos urbanos e locais próximos

às ocupações urbanas.

São imagens que exprimem aspectos da cosmologia do centro construída (ELIADE,

1992) nestas crenças religiosas. A organização cosmológica específica não se reduz a estas

religiões, é também encontrada em outras religiões; exercendo o papel de simular em cada

uma das crenças que as adotaram, uma cosmologia do universo e do centro do mundo. Um

gráfico elaborado por Zilma Pinto (1993) e reproduzido na página 91, sintetiza a leitura

simbólica da Itacoatiara, inserida na teoria dos mitos cosmológicos, apresentando pela

Itacoatiara a sacralidade da Natureza e uma religião cósmica.

A leitura de Zilma Pinto (1993), recorta também mitemas e símbolos, como sabemos

são elementos componentes de uma análise estrutural (LÉVI-STRAUSS, 1996), ou simbólica,

a partir do momento em que no gráfico existem imagens, palavras, símbolos, signos e o

processo de ressignificação e ressemantização, dão espaço à imaginação cultural (DURAND,

25. Neste texto o enfoque é antropológico, mas com relação a estas três religiões, duas áreas do conhecimento não devem ser ignoradas: a Filosofia e a Teologia, especificamente no que se refere aos conceitos de emanência e imanência, os quais não serão aqui aprofundados por fugirem ao âmbito deste trabalho.

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1995). Desses símbolos múltiplos e mitemas, selecionamos alguns para a análise mitológica

do texto de Zilma Pinto (1993), já que não nos é possível esgotar este universo.

Recordemos que o conceito de mitema, criado por Lévi-Strauss (1996), abrange as

questões de uma cultura, e são expressos por algumas imagens, palavras e signos em torno

dos quais se estruturam o universo lingüístico-cultural-religioso, judaico, islâmico e cristão,

possuindo significados múltiplos e abrangentes. O Judaísmo, Islamismo e Cristianismo

provinham de uma mesma matriz lingüística, por sua vez, baseada nos mesmos elementos

simbólico-espirituais, oriundos do tronco hebraico e aramaico. O tronco lingüístico se

expressa e apresenta suas ramificações no mitema do candelabro de sete braços, ou da Árvore

das Sephiroth, também chamada de Árvore da Vida. São dois exemplos de mitemas que

produzem sentidos ao mundo do Judaísmo-Islamismo-Cristianismo.

Apresentaremos agora a estrutura da obra de Zilma Pinto, com destaque aos principais

itens e, a seguir, alguns mitemas deste universo, e seus significados, para em seguida analisar

os selecionados por Zilma F. Pinto (1993, pp. 16-27).

A obra Nas pegadas de São Tomé divide-se em duas partes:

PRIMEIRA PARTE Ao leitor CAPÍTULO I O círculo. O círculo com um ponto no meio. O semicírculo. Os círculos concêntricos. A roseta da Pedra do Ingá. A figura cordiforme. CAPÍTULO II A arte dos pantáculos. O alfabeto primitivo. A letra M na Pedra do Ingá. Os mistérios do alfabeto hebraico. As operações literais e numéricas. A gravura da pequena lápide. CAPÍTULO III O três, o sete e o doze; as leis-princípios da Criação. O quaternário. Os números simbólicos na Pedra do Ingá. CAPÍTULO IV IEVE . As letras do nome divino: iod, he, vau, he. O poder do Tetragrama. O Tetragrama e o Pantagrama. Representações da palavra sagrada. CAPÍTULO V O nome IESCHUA na Pedra do Ingá. O pantáculo da espiga. A bola de fogo da laje superior. CAPÍTULO VI A grande linha de pontos da Pedra do Ingá. O simbolismo da corrente-dos mundos. O rosário. CAPÍTULO VII O calendário cabalístico. O ponto e a semente na Pedra do Ingá. A astrologia lunar malgaxe... a balança e a roseta da Pedra do Ingá. As correspondências entre a 'balança da Criação, as sefirotes e os signos do Zodíaco'. CAPÍTULO VIII As inscrições de logo acima da grande linha de pontos. A figura que seciona a ‘linha’. Os símbolos de logo abaixo da linha: Grupo I - Grupo II. A ‘escada lunar egípcia’, o ciclo das almas e os símbolos da Pedra do Ingá. As plêiades do Zodíaco lunar.

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CAPITILO IX A chuva celeste e o carvalho de luz. As linhas de chuva da pedra do ingá em revelação à “grande linha-de-pontos” e ao símbolo da “balança”. A fonte da vida: RECHIT, a semente da luz. Ainda simbolismos da chuva de semente: os símbolos agrários da pedra do ingá. CAPITULO X Conhecimento dos iniciados na Pedra do Ingá: número de 12, o alfabeto os símbolos do tarô. SEGUNDA PARTE Introdução: CAPITULO XI O painel central: círculo A. O pantáculo inicial. Arbusto e três ramis. Prócion, o cão do cosmos. CAPITULO XII O painel central: círculo B. As duas espirais. O labirinto iniciático. CAPITULO XIII O painel central: circulo C. O nascimento e a morte. O pecado original. Correspondências com laminas de tarô. A “quebradura dos vasos”. CAPITULO XIV As inscrições do Ingá e do Rio Grande do Norte: os indícios que os símbolos oferecem. Conclusões finais ANEXO I O três, o sete e o doze: as grandes leis de criação. Os simbolismos dos números na Pedra do Ingá. ANEXO II A árvore sefirótica da Cabala. As dez sefiroth. A árvore da vida e a arvore do conhecimento -os exemplos das gravuras dos Cariris paraibanos. ANEXO III A pedra do navio. BIBLIOGRAFIA

O relato de Zilma F. Pinto (1993) é o roteiro de uma viagem pelos universos místico-

simbólico judaico, cristão e islâmico, para Zilma Pinto retirar os elementos subvencionadores

de sua história da confecção dos sinais da Itacoatiara, por obreiros judeus. Nas 265 páginas do

livro, a autora trabalha com a hipótese dos registros rupestres, serem uma leitura cabalística

do universo, feita por judeus pré-cristãos, adeptos e praticantes da Lei Mosaica, constitutiva

do Antigo Testamento; lei também componente da Torá.

No prefácio do livro a autora anuncia a associação da sua narrativa “a história das

Ciências Ocultas perde-se na antiguidade dos tempos. É uma tradição que se transmite desde

os primeiros patriarcas, deixando sinais de sua existência nos continentes e nas ilhas por onde

se dispersaram os povos” (p.7).

Na obra, a Itacoatiara serve de âncora a mitos profanos e sagrados, crenças e fé de

origem Judaica e Islâmica, como diz Zilma Pinto (1993). Os elementos estruturantes dos

universos sagrados continuam em suas sedimentações, difusões e conquista de novas adesões,

através do poder que têm para os paraibanos, uma história rememorizada com seus elementos

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que se transformam em palavras fixadas no texto. Pinto não se refere especificamente ao

contexto ambiental e humano, entretanto, de forma transversal, a conjunção homem-ambiente

se manifesta no texto.

Observamos estar diante de uma construção lingüística-estrutural, que os mitemas

proporcionam à Itacoatiara emergir mesclada da matriz contextual dos aspectos sagrados do

místico Judaico-Cristão-Islâmico, donde as alegorias projetadas com os rochedos, ‘migraram’

para o profano. Contudo, Itacoatiara conserva o sentimento do miraculoso e enlevado da

sacralidade.

É uma transição sobrevinda por canais contendores da simbologia de caráter cabalístico,

peculiar às simbologias Judaica, Cristã e Islâmica, onde nos deparamos com elementos

simbólicos destas crenças: a ‘balança do julgamento’, os símbolos de passagem – no que se

representa a passagem da alma pelos abismos da Morte –, o simbolismo da escada de Jacó –

no que se compreende o Caminho do Céu – e um marco da peregrinação de São Tomé,

discípulo de Jesus Cristo, pelas Américas.

Alguns dos mitemas incluídos por Pinto (1993), na leitura estão representados por

símbolos circulares: o Sol singularizando todos “os símbolos do Sagrado Coração e do Sol

Radiante, assim como a figura do círculo a compreender um ponto, encontram-se na Pedra do

Ingá”; do Círculo concêntrico que para a autora “é a idéia da unidade. E a idéia da unidade é o

conceito de Deus”, o círculo, relacionado à disposição dos dolmens na roda do Zodíaco, da

Serpente Ouroboros uma espécie de serpente com cauda na goela (pp. 16 e 17); roseta – uma

espécie de símbolo de rosa e de espiral de fogo; escrita cordiforme – usa caracteres gráficos

correlatos ao formato de um coração humano, um coração atravessado por uma flecha,

imagem que na Cabala hebraica relaciona-se com o Templo, na teologia da Idade Média

assimilava-se ao Coração de Cristo, ao Tabernáculo e ainda à Arca da Aliança (p.27).

De acordo com a autora do livro Nas Pegadas de São Tomé, números tais como o 1

“uma unidade – o Mundo” (p.20), o 3 “Espírito, a Alma, e Matéria - Pai, Filho, Espírito Santo

- constituem o corpo de Deus”, ou, IEVE, IESCHUA, (p.20); o 4 “o corpo do Homem, o

corpo do Universo feitos à semelhança do corpo do Divino são uma unidade que compreende

1 somado a 3 são iguais ao quatro” (p.20); seqüentemente com os números 5, 7, 8, 9, 10,

11,12, 13, 14, que seriam sinalizadores de acepções codificadas.

Não por acaso, os nove números acima, se relacionam com os arcanos do Tarô,

utilizado pelos ciganos originários do Oriente Médio, berço das culturas onde se professava o

Judaísmo-Islamismo-Cristianismo, citadas por Zilma Pinto (1993). Para o número 12 “neste

contexto, aparece o número doze como o número do Sol celestial, mas também significando a

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presença divina (do ‘Sol’) na Terra” (p. 154), ou a correspondência destes com pessoas - as 12

tribos de Israel, os 12 apóstolos de Cristo, espaços e construções - as 12 portas da muralha de

Jerusalém, seres místicos – os 12 anjos guardiões destas muralhas; o tempo – um relógio

cujos ponteiros são o Sol e a Lua (p. 240).

Segundo Zilma Pinto (1993) as palavras compostas por letras do alfabeto, concebido

pelos cabalistas como um reflexo do artifício cósmico – significam “a representação do

‘mundo cósmico dos céus astrais’” (p. 154). O Candelabro com 7 braços, confeccionado por

Moisés, com a função de ficar dentro do Lugar Sagrado, simboliza a árvore em fogo, vista por

ele, no Monte Sinai, um simbolismo do Centro, e também a Árvore das Sephiroth - um

símbolo do Judaísmo místico agregado à Cabala, representando sinteticamente a Árvore da

Vida e a escada entre a Terra e o Céu (pp. 249-256).

Abaixo exemplos de representações simbólicas; uma mítica e um sistema de valores.

ILUSTRAÇÃO 21

Arvore de Sefirotes equivalente à Árvore da Vida Números utilizados pelos Mayas no México

O livro de Zilma F. Pinto (1993), na sua totalidade, segue no trajeto de correlação entre

as imagens, palavras, símbolos, signos que compõem os mitemas interpretados para construir

as pegadas de São Tomé. O Piaburú, e seu correlato Sumé/Zumé, ou São Tomé não estão

diretamente expostos na obra; seriam reflexos de uma leitura de Mundo a partir destas bases,

do conhecimento interpretado e contextualizado nas Américas e no Brasil, mediante a

interação de nativos e cristãos colonizadores, da Europa. Esta é a trajetória do mito das

pegadas de São Tomé.

Zilma Pinto (1993) constrói o seu diagnóstico da existência da Itacoatiara por meio da

decodificação do sentido fundamental e estrutural da similitude que os significados dos

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símbolos apresentam no imaginário universal, sobre a cosmogonia em dualidade à

matéria/não matéria. Segundo argumenta:

ILUSTRAÇÃO 22 - Leitura elaborada por Zilma F. Pinto dos registros rupestres da Itacoatiara do Ingá em Nas pegadas de São Tomé (1993: p. 119).

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“em simbolizações como as da Pedra do Ingá três aspectos, no mínimo, devem ser considerados: 1º) O aspecto da universalidade que é conferido pelo sentido básico-essencial-primitivo (imutável em qualquer contexto). 2º) O aspecto da diversificação: o símbolo diversifica-se, isto é, vai adquirindo significados secundários, conforme as épocas e as tradições. Estes, no entanto, sempre se derivam do significado essencial. Exemplo clássico é o do signo da cruz, que apesar dos significados adquiridos ao longo do cristianismo, ainda mantém o sentido original da vida. 3º) O aspecto da utilização ou do imediato: este aparece de acordo com o motivo ou a necessidade porque o símbolo foi empregado. É um valor que lhe dá o usuário. Mesmo assim não se tratará de uma significação arbitrária, porque ainda inspirada no sentido original do símbolo que se tornou. São estes caracteres comuns aos símbolos esotéricos que nos permitem tomá-los como termos comparativos em relação aos que estão gravados na Pedra do Ingá. Muitos dos símbolos analisados nos serão familiares, vulgarizados que foram pela Cabala, pela Alquimia e, principalmente pela tradição católica" (p. 16).

É na tradição católica que se incluem o mito e os mitemas das pegadas de São Tomé.

Antonio G. Mendonça (2004, p. 08) afirma que a presença marcante do divino nas esferas

laico-religiosas nos diz “o grau de dominação do sagrado representa estágios diferentes no

gradiente sagrado dominado”; podemos então inferir, em diferentes contextos culturais estar

presença a revelar o grau de estágio na busca desta predominância no caminho da dominação

do sagrado, o caminho evangelizador de São Tomé. Nas religiões judaica, islâmica, cristã,

este conjugado: mito, mitemas, sagrado, evangelização, dominação; pode ser entendido como

composto por estágios diferentes e próprios, nesta busca. Compartilham características, mas

com aplicações e usos distintos se tornando referências de identidades territoriais-histórico-

étnico-culturais.

Alguns dos elementos que ligam as três maiores religiões monoteístas exploradas por

Zilma Pinto (1993) são a historicidade, personificação, dogmatismo, existência de cânones e

institucionalização religiosa, espaços sagrados e sacerdotes e presença marcante na esfera

laica sócio-cultural. De acordo com Antonio G. Mendonça (2004, p. 08), as características

comuns podem ser minimamente distribuídas em: historicidade, personificação, dogmas,

cânones, institucionalização, espaços sagrados, ritos e rituais, que são comuns ao tronco

semítico.

Zilma Pinto especifica no prefácio do livro, ser “a nossa conclusão é a de que os

obreiros do Ingá eram de origem judaica, embora já influenciados pelo cristianismo e pelo

Islã” (PINTO, 1993, p. 12) e por isso já possuíam influências do Cristianismo e do Islamismo.

Contudo, a autora, se diz mais inclinada “pela possibilidade dos judeus-bérberes, mas não

descartamos a do judeu oriundo da Ásia Menor, ou mesmo da Síria, sabendo-se que os

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bérberes tinham por costume inscreverem seus símbolos mágicos nas grutas e nas rochas

próximas das águas. E que sempre foram o que se pode chamar um povo de feiticeiros, mas

nunca foram de construir templos” (p.12, 13).

As ciências ocultas, no texto de Zilma Pinto (1993), se relacionam com a Cabala, como

um sistema religioso-filosófico, investigador da natureza divinizada no judaísmo – cabala ,

mística, esotérica. A filologia da palavra Cabala, registra a origem no hebraico, uma língua

semítica, do tronco lingüístico cananeu, de onde derivam as línguas hebraica, fenícia,

ugarítica, e a moabita, territórios que orbitam o mundo hebraico-judeu do Oriente Médio e

África Oriental.

Informações, tidas como mais antigas, sobre as ciências ocultas, associam-nas as aos

mistérios do Egito antigo. Cabala é representada por um símbolo circular concêntrico,

comportando um tratado filosófico–religioso hebraico, com a intenção de resumir a religião

secreta, que se supõe haver co-existido com a religião popular dos hebreus. Estaria como

conteúdo do tratado, particularmente, a decifração do sentido secreto da Bíblia, a teoria e

simbolismo dos números e das letras. Cabala, também, designa comumente movimentos

místicos e esotéricos, acontecidos na Europa, do século XII até a atualidade. Aqui

questionamos: se estaria apontando para uma construção linear-evolutiva da Ciência?

ILUSTRAÇÃO 23 Zilma F. Pinto (1993, pp. 9-11), introduz no seu livro a peregrinação

de São Tomé na América, ao mesmo tempo, que a entrelaça, com a

Paraíba e a Itacoatiara. Esta vinculação aparece, nomeadamente, no

item A “pedra do som”, inscrita nos símbolos insculpidos que

representam as “pegadas de São Tomé”, do prefácio da obra. A

autora inicia destacando um questionamento: “porque aquela pedra

ou rocha diferente, única do tipo em todo o sítio, estaria naquele

local?” (p, 10).

Zilma Pinto (1993) justifica o destaque, com dois elementos: a grande importância do

som metálico produzido pela pedra ao ser tocada, e por “nela encontram-se gravadas duas

pegadas de gente (foto acima é uma das marcas da Itacoatiara imputada aos pés de São

Tomé), tal como se descreve as ‘pegadas de São Tomé’, uma maior, outra menor” (p. 11). Os

“signos identificados como pegadas humanas, e que se acham gravadas na ‘pedra do som’

supra descrita, são do maior interesse, pois, incluem a Itacoatiara do Ingá no roteiro das

pegadas de São Tomé” (p. 11).

São Tomé, missionário cristão, aparece descrito como um andarilho, percorrendo

trajetos, que atravessavam cursos d’água, onde saciava a sede e descansava sentando-se em

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pedras. Zilma Pinto (1993) continua “significa relacionar a sua história com a lenda indígena

do Sumé – personagem que os nossos missionários traduziram como fosse São Tomé” (p. 11).

ILUSTRAÇÃO 24

Reprodução de quadro com pintura de imagem de Sumé, Zumé, Zomé. Assinatura indecifrável

Fonte: <http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendapaisume1.html>Acesso em 04/01/2009

A atenção sobre a localização, da Itacoatiara, em um curso d’água se justifica pela

contribuição oferecida à reafirmação de manutenção dos mitos cosmogônicos de louvor às

divindades da água a que de refere Mircea Eliade (1996) e Martin (1997).

Pode-se supor que a autora foi influenciada por Gilvan de Brito (1988, pp. 12-13), cuja

obra relata ser Sumé um personagem lendário, possuidor de ligação com todos os registros

rupestres do continente americano. O escritor resume a história de Sumé, citando Horacio de

Almeida. Eis a história: Sumé, “filho de Irin-Magé, caraíba que por ser instruído e sabedor de

todas as coisas recebeu o nome de Monan e foi venerado como um grande profeta. Sumé teve

dois filhos chamados Tamendonare e Aricute, de índoles diferentes. O primeiro era a imagem

do pai e o segundo afeiçoava-se às guerras, tornando-se inimigo. Irritado, Tamendonare bateu

com o pé no chão com tanta força que a água jorrou em abundância. Um foi para o norte e

outro para o sul, onde iniciaram novas civilizações” .

Segundo Gilvan de Brito, esta versão de criação do mundo por Sumé, foi usada pelos

missionários jesuítas, alterando-o para se tornar São Tomé, discípulo de Jesus Cristo. São

Tomé, possivelmente, foi morto na Índia; quando em peregrinação missionária, também fazia

a água brotar da terra com a batida do seu cajado. Note-se a semelhança com a estrutura dual

do Bem e do Mal, Abel e Caim, personagens bíblicos, além dos filhos de Noé, Sem e Cam,

fundadores da linhagem dos povos semitas e camitas.

Para Brito (1988) origem mítica da trajetória de Sumé e São Tomé, está na Suméria:

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ILUSTRAÇÃO 25

Atual território geopolítico da Suméria histórica. Fonte: <http://www.galeon.com/projetochronos/index.htm> e <http://www.galeon.com/projetochronos/chronosantiga/isabelle/Sum_cheg.html>. Acesso em 02/02/2009

Um dado, a ser considerado acerca da Itacoatiara de Ingá, na proposição de Zilma F.

Pinto, é podermos ver acontecer, ao mesmo tempo, a revalidação e ressemantização do

Judaísmo-Islamismo-Cristianismo no mito indígena de Sumé ou Zomé, personagem que

comporta outros mitos ou lendas na sua re-interpetração histórica.

As pegadas de São Tomé, referentes ao discípulo de Jesus Cristo, em sua passagem pela

América, compõe uma história autônoma. O roteiro de peregrinação pela América, além do

Brasil, se inclui outros países de língua latina como o Paraguai, o Peru e o México, onde São

Tomé “andava” em missão de obreiro da fé cristã, evangelização e conversão dos nativos ao

cristianismo. A sua passagem pelas Américas, no texto de Luis Weckmann (1993, pp. 165-

185), aparece registrada, entre diferentes localidades, com o nome de São Tomás.

A escritora de Nas pegadas de São Tomé não sinaliza ter lido antecipadamente à escrita

de seu livro, o trabalho de Luiz Weckmann (1993), abordando a história da construção da

Civilização Atlântica. Este pode ser mais um elemento, somatório à compreensão

levistraussiana de mito, como fundamento lingüístico, que ao jorrar de uma fonte, desgarra-se

de sua origem e reaparece em outro contexto, sob nova roupagem, com o mesmo sentido

original e re-afirmador de sua função na estrutura sociocultural. Vale ressaltar que os livros da

paraibana Zilma F. Pinto e do historiador Weckmann foram publicados no mesmo ano, 1993,

porém, em locais e línguas diferentes.

A leitura dos sinais feita por Zilma F. Pinto (1993) é seletiva. Genericamente, há

seleção os sinais, para as versões serem construídas com alguns deles; em uma leitura, os

registros rupestres selecionados, podem ser diferentes daqueles selecionados para outra. Em

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ambos os casos, os registros rupestres, dão aportes às versões com eles instituídas.

Observamos haver a seleção nos registros rupestres, o que nos conduz à percepção de

enfatizar o conjunto, pode até ser mencionado, mas não contém todos os seus elementos

utilizados.

Os mitos na Itacoatiara são, ou, estão incorporados à história local, seja a história de

Ingá, seja a história da Paraíba. A incorporação dos mitos a história local, foi um dos dados,

por nós percebidos, e, constando registrado na bibliografia da pesquisa. A própria Zilma Pinto

(1993), lembra que a interpretação completa, dos registros rupestres, ainda está por ser

elaborada.

Temos em mãos a suposição de Zilma F. Pinto (1993), ter tomado conhecimento deste

“fato histórico-mitológico” por outras fontes, que não os arquivos jesuíticos, citados por Luiz

Weckmann (1993). As fontes da autora seriam relacionadas à obra Diálogo das Grandezas do

Brasil (1618), crônica de autoria de Ambrósio F. Brandão (Brandônio), e a Crônica da

Companhia de Jesus (1633), escrita por Simão de Vasconcelos. Estas obras são referidas por

alguns historiadores paraibanos e brasileiros, que já tinham conhecimento delas.

Zilma Pinto (1993, p. 11), reproduz um trecho do trabalho de Simão de Vasconcelos:

“na altura da cidade da Paraíba, em sete graus da parte sul para o sertão em um lugar hoje

deserto e solitário, se vê outro penedo com duas pegadas de um homem maior, e outras de

outro mais pequeno; e certas letras esculpidas na pedra. Este é achado cada passo dos índios,

que de suas aldeias vão à casa; e tem para si, que aquelas pegadas são de São Tomé”.

No nosso entendimento, não seria tão difícil uma relação de identificação cultural com a

peregrinação de S. Tomé, dentro dos contextos do imaginário, do qual fala Laplantine (1996,

p. 36), obedecendo a uma “uma lógica interna” própria, que ordena os discursos e os

confronta com a história de suas crenças. Para o surgimento e permanência dos mitos, há de

haver uma reverberação, no interior das pessoas e da coletividade. A “lógica interna” das

pessoas se acomoda, por encontrar espaço aberto a esse reconhecimento, ou sentido para o

novo granjear credibilidade, e assentar bases. No processo inverso, a rejeição se dá por

ausência do reconhecimento do sentido.

Zilma F. Pinto (1993) trabalha em via dupla, decodificando os sinais, na leitura cabalar

e os condicionando-os, à morfologia do lajedo. Para ela os detalhes geomorfológicos da

estrutura, como as depressões na rocha formando uma piscina, “caldeirões” que são cavidades

extremamente polidas, a junção de duas pedras vista como uma “cadeira”, um bloco de pedra

lustrado sobreposto isoladamente, que soa como sino, um agrupamento de quatro pedras

possibilitando a existência de uma mesa ou altar, uma pedra destoadamente tauxiada em

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outra, a semelhança de uma porta, abrigando um espólio ainda inacessível, relacionado aos

flamengos, como uma “botija”, que é a forma popular de designação dos “tesouros” ou

dinheiro escondidos pelas pessoas durante a existência dos cangaceiros, no interior do

Nordeste por excelência.

Zilma F. Pinto organiza sua correlação simbólico-morfológica, afirmando se tratar de

uma simbologia característica do cabalismo, e suas ramificações com o Judaísmo,

Cristianismo e Islamismo, porque,

“das inscrições subtendia-se um conteúdo cosmogônico fundamentado no trinitarismo e uma mensagem fúnebre especificada no número 8 [...] uma relação de idéias entre as figuras ali existentes. Assim acontece com os signos do Zodíaco e as lâminas do tarô. Ambos os conjuntos são exemplos clássicos de escritura pantacular e jogo iniciático. (Os doze signos zodiacais e os vinte e dois arcanos maiores formam, cada um em seu conjunto, uma seqüência gradativa em que se representa a narrativa genésica da criação do Homem e do pecado original...”). A morfologia do conjunto, assentada nas imagens visualizadas compõe um ambiente sagrado de febril atividade mágico-religiosa. Os sinais, alfabeto sagrado e o calendário especial, regrariam etapas de consagração dos neófitos nos cultos levados a efeito no local (PINTO, 1993, p. 8)

As insculturas agregadas às saliências e reentrâncias do granito inspiram “leituras” e

interpretações voltadas para a imaginação dos “leitores” da Pedra do Ingá. De acordo com

Zilma Pinto (1993), a Pedra comparar-se-ia um templo – o templo de Salomão –

convencionado no local por concentrar ondas energéticas favoráveis aos cerimoniais de

sepultamento ou rituais de iniciação. No templo “as três lages corresponderiam a cobertura, ao

corpo e a abóbada secreta da construção. Representariam os três mundos constitutivos do

Universo: o celeste-divino, o astral-angélico, o terreno-humano” (p. 9).

O templo possivelmente erigido no local estaria usufruindo da proximidade com a água,

o que caracteriza as itaquatiaras insculpidas com registros rupestres brasileiros, habitual

componente dos rituais de purificação, que estaria depositada na piscina formada pela

depressão formada no encontro das rochas, expondo saliências piramidais. Comporta ainda

um espaço, sobre a depressão, com forma similar a de um sarcófago, onde poderia deitar o

corpo de um adulto.

Outro componente do “templo” vislumbrado por Zilma Pinto é a mesa do santuário,

utilizado, durante a liturgia costumeira com o celebrante, em ato sacrifical. A visão supõe a

autora, emocionar os mais sensíveis, que poderá reencontrá-lo em plena atividade sagrada,

quando para lá se dirige, na intenção de agradecer favores recebidos.

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No texto lemos a interrogação: será que os “caldeirões”, não teriam utilidade nas

celebrações para os iniciados? Nas pedras análogas a uma cadeira, “alguns estudiosos”

entreviram um “mapa”. A pedra rosada incrustada no granito é um detalhe, na superfície

inferior do lajedo e se destaca por ser diferente na coloração cinzenta total. A diferença entre

tonalidades poderia estar fomentando a imaginação, daqueles que olham, e enxerga o indício

de uma cavidade intra-rochosa, e a passagem para o interior onde estaria abrigado um tesouro.

O tesouro é atribuído aos holandeses, e os moradores do município ainda esperam

localizar. Mas tesouro mesmo, segundo Zilma Pinto (1993), é a Pedra do Sino ou Pedra do

Som. Este evento é um penedo de granito, que ao ser batido, emite um som comparável ao de

um sino. Ele contém saliências côncavas, de tamanhos diferentes, assemelhadas a pés

humanos. A ação de fazer os bojos foi atribuída a seres transcendentais: Sumé, divindade

cultuada pelos nativos Cariris, ou, São Tomé apóstolo de Jesus Cristo, como entenderam os

portugueses colonizadores.

Na conclusão exposta por Pinto (1993), encontramos o elemento exógeno como autor

das inscrições e usuário do espaço físico, os “obreiros” de Ingá, procedentes do povo judeu –

judeus bérberes –, embora esta interpretação apresentasse influência das doutrinas cristãs e

islâmicas, como a autora afirma. Os judeus berberes, praticantes de rituais de magia, não

necessitando de templos para fazê-los, elegessem usar nas cerimônias ritualísticas, “paredes”

de grutas e superfícies de rochas, próximas às águas.

O trabalho de pesquisa para o livro, escrito por Zilma Pinto, adquire o caráter

missionário, uma tarefa abertamente assumida pela autora, e transparecida nas entrelinhas do

texto. Ao confessar o sentimento de cumprir uma obrigação, uma missão árdua; entretanto

executável, ela capta para história local, a leitura mítica das pegadas de São Tomé, na Paraíba.

Quanto à aplicação de um método de trabalho, ao produzir o recorte dentro da

generalidade e construir uma expressão para identificá-lo, esperamos ter encontrado, também,

uma forma de delimitar a abordagem estrutural, do mito Itacoatiara, através de um “itinerário

etnográfico” do qual fala Marc Augé (1999, p. 12). Pretende-se repetir aqui, com breves

pausas, nestas quatro obras literárias, com a atenção maior ao livro publicado por Zilma F.

Pinto, em 1993, uma experiência semelhante à realizada Roberto da Matta (1973, pp. 93-120),

com o conto O Diabo no Campanário, escrito por Edgar Allan Poe e publicado no texto

original, com o título The Devil in the Belfry, de 1839, no Saturday Chronicleand Mirror of

the Times.

Com o conto de Edgar Allan Poe, Da Matta (1973), explica sua tarefa etnológica de

desvendar o que jaz por trás da máscara histriônica – expressão do autor –, usada para

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esconder a realidade imaginada por Allan Poe, evidenciada no conto. Da Matta (1973), diz

esperar encerrar o poder de proporcionar, uma lição antropológica, num decurso simétrico,

por uma “redução estrutural, a contribuição relativa, ao poder interpretativo daquilo que, entre

nós, se convencionou chamar de “intuição” ou “fantasia" (aspas deste autor).

No conto de Poe, Da Matta (1973), diz que os olhares dos moradores de uma

cidadezinha, convergem para o relógio do campanário, alocado no centro da vila, conectando

a atenção de todos. Quando aparece um forasteiro intruso, invadindo e se apossando do

campanário, a população fica estarrecida, por considerar aquela movimentação como obra do

diabo. Podemos inferir, neste contexto, o que foge do movimento cotidiano, na pequena

localidade, é considerado surpreendente, ameaçador e diabólico.

Da Matta (1973), interpreta as versões das conjecturas, perplexidades e temores dos

moradores, como pertencentes ao universo cultural religioso do mundo deles, e, por extensão,

ao de Edgar Allan Poe. Em suma, Da Matta dá visibilidade aquele universo cultural, através

de uma análise estruturalista. A narrativa literária de Poe, não canaliza os olhares dos leitores,

a estrutura subjacente do texto: imaginação, atitudes, emoções, significados, sentido, etc.

Como o campanário, no conto do escritor inglês, a Itacoatiara centraliza o olhar dos

escritores, mas os faz divergir quanto ao significado dos registros rupestres, e cada escritor

apresenta sua versão de interpretação dos mesmos. Há sincronia nas narrativas elaboradas

sobre as atividades dos inscultores da Pedra do Ingá: a utilização de elementos redundantes,

nos significados das ações, e acepção dos sinais, associados com fatos que estão acontecendo

nas narrativas, e adequações às situações registradas de atualização histórica em descobertas

subjetivas ou consideradas como científicas. A diacronia se entende, quando consultamos as

fontes históricas e arqueológicas, que apresentam em seqüência, as narrativas no tempo

cronológico de produção dos textos literários, com os eventos que ocorreram em momentos

não contemporâneos aos dos escritores.

A interpretação que Zilma Pinto constrói, ligando os registros rupestres da Itacoatiara

com a história do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, oferece uma lógica que se inicia com

as informações deixadas, desde os conhecedores da linguagem, significados, significantes,

símbolos, textos, ritos, cronistas medievais, praticantes dos rituais antigos, ligados ao

cabalismo. Esta pode ser a riqueza da “Literatura de Maravilhas”, como afirmou Zilma

Pinto anteriormente, ela própria, crendo ou não, naquilo que relata como a história da

confecção dos registros rupestres da Itacoatiara. Esta riqueza fortalece o discurso do

Homem que transporta os mitos para explicar suas origens, religiosidades, fé e os

sentidos de sua condição ôntica e pela menção deles em histórias ou relatos que faz.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

ILUSTRAÇÃO 26 No pós ressurreição, Jesus apresenta-se aos Apóstolos, entre estes o cético São Tomé. Fonte: <alexandrinabalasar.free.fr/tome_apostolo.htm> Foto IN < alexandrinabalasar.free.fr/tome_01.jpg> S/D

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os vários textos os escritores acima citados – que incluem Zilma Pinto (1993),

Francisco Pessoa de Faria (1987), Gilvan de Brito (1988) e Villarrubia Mauso (1997),

mesclam ciência e versões populares das histórias relacionadas à Itacoatiara, e na superfície

aparenta novas versões e trazem dinâmica ao mito. Em profundidade encontramos a não

descaracterização e a manutenção da diacronia e sincronia, que são a prova das afirmações de

Leach (1995).

Sob outras perspectivas, em aparentes diferenças e conflitos, a Itacoatiara é estruturada

e apresentada ao público, num processo permissível as versões feitas sobre ela,

transversalmente, manterem entre si o elo (tratam do mesmo objeto, usam informações

produzidas pela Ciência, “reinventam” a Itaquatiara), dentro do um processo do repertório

basilar das crenças e da fé, que resgata e também difunde ritos, mitos, crença, fé, depositado

no acervo dos relatos denominado “Literatura de Maravilhas”.

A Itacoatiara enquanto fonte de mitos comporta outros, ou inspira a criação de lendas

nas suas re-interpretações como as pegadas que o apóstolo judaico-cristão fixou na rocha, ou

ainda, a de um tesouro holandês depositado nela ou na suas proximidades. Há também a

narrativa bíblica do dilúvio cristão assinalando o desembarque de Noé e dos sobreviventes nas

proximidades dos rochedos, apenas para citar alguns exemplos. Como ao homem moderno é

vetado testemunhar seu passado histórico, os autores dos registros rupestres o levam até lá, ao

usaram o granito da Itaquatiara.

A Pedra como episódio isolado, encerrado em si, possivelmente nada representaria, não

haveria sentido, nem significado. Mas, à proporção em que é mitológico se transforma num

acesso a um “domínio interdito”, na expressão de Gilbert Durand (1993, p. 10) os registros

rupestres são usados para falarem do passado, do presente e do futuro, num discurso

transformado em um veículo condutor dos ritos e mitos.

Ao procurar o caminho a ser percorrido nesta pesquisa, que foi iniciado pela definição

do objeto, da metodologia, dos aportes teóricos para executá-la, percebemos que "falar de

itinerário significa falar da partida, da estadia e do retorno mesmo que se deva entender que

houve várias partidas, que a estada foi viagem também e que o retorno nunca foi definitivo"

(AUGÉ, 1999, p. 12).

Na definição do objeto de estudo, o mito Itacoatiara do Ingá, assinala o ponto de partida

que Augé (1999) condiciona como item inevitável da viagem antropológica, etnográfica,

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histórica, literária, à alteridade concebida como de existência possível, sem que o

deslocamento territorial seja necessário. Esta ação é revelada no e pelo pensamento dos

“outros”, nos fatos trabalhados – as interpretações elaboradas sobre a itaquatiara do Ingá,

fundamentadas nos sinais dos registros rupestres insculpidos no lajedo.

São fatos que potencializam uma discussão até hoje não abordada, e oferecem subsídios

à estadia entre os “outros”, numa interlocução reveladora de "seus" segredos, que refletirá

sobre os “nossos”, desvendando as “teias” que codificam relações triangulares – homem,

imaginação, Itacoatiara mitológica. Através desta alteridade deslocada (de um território

concreto) e interiorizada (no texto literário), a obra Nas pegadas de São Tomé traz para o

presente alguns elementos de religiosidade popular que permitem a compreensão das relações

mantidas (senão de modo claro embora intuídas) que envolvem o homem e o seu passado.

Este mecanismo é explorado no tempo-estadia do pesquisador preenchido pelo exame

do material coletado em busca das relações, instituídas estruturalmente no tempo histórico e

não histórico, a que se reporta Lèvi-Strauss (1996), que demarcam os limites dos domínios da

Itacoatiara mitológica na imaginação humana. Uma etnografia de segundo olhar, como este

estudo que nos evoca, encontrou algumas problemáticas de teoria e metodologia, dentre as

quais a cautela com a micro-observação, risco com a minimalização dos estudos de caso e a

possível descaracterização causada pelas relações interdisciplinares com outras áreas do

conhecimento científico, especialmente a História.

Entre a postura narrativa que observamos nos escritores há uma intersecção na forma de

narrar os fatos como observadores ditos como “imparciais”, ou seja, são pessoas com

“credulidade confiável” que descrevem os fatos como um narrador tradicional de histórias do

passado coletivo como se adquirissem a posição de um historiador cuja interpretação mereça

crédito. Isto nos levou a adoção do modelo de análise estrutural em textos literários que

reafirme a que Da Matta (1973) utilizou, porque, como ele, ao desmontar um conto ou uma

narrativa, nós talharemos a estrutura que está por trás para que nos sejam revelados os

aspectos de religiosidade, fé e identidade coletiva dos paraibanos no mito Itacoatiara.

Para tornar o mito, a narrativa, ou o conto mais objetivo, escolhemos um conjunto de

quatro obras do grupo dos livros examinados acima. A obra escrita por Zilma Ferreira Pinto

em 1993 com o título Nas pegadas de São Tomé foi selecionada por ser a que sintetizou os

conteúdos dispersos nos outros três livros, e especificamente, pelo fato de o livro conter a

abordagem da temática da crença e fé como um caminho interpretativo para um monumento

grandioso e misterioso. Metodizamos, com este procedimento e instrumento, construir e

adicionar um complemento capaz de oferecer subsídios ao entendimento de um objeto que

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prende as atenções de cientistas e de leigos, especialmente os paraibanos. Este grupo de

autores tem a característica de delimitar um circuito temporal de mais ou menos dez anos

entre a data de publicação do primeiro em 1987 e do último lançado em 1993.

A tarefa dos autores em seus textos se percebe pela forma como os argumentos

utilizados foram organizados. São abordagens que, sob focos diferenciais, astronômicos,

informativos, místicos, descritivos, exalam subliminarmente nos trechos iniciais, com

destaque para os prefácios dos livros, que apresentam os sentimentos resultantes da

experiência vivenciada por seus autores quando do contato com a Itacoatiara.

Em essência, as obras da "Literatura de Maravilhas" tentam desvendar ou buscam a

revelação do código contido e exposto na rocha, e que esta deve ser divulgada para aplacar a

curiosidade, perplexidade, encantamento e até o temor dos estudiosos. Com isto percebemos a

montagem de uma trama onde todos os elementos trabalhados individualmente nas inúmeras

fontes utilizadas, compõem o arcabouço da história contada por Zilma Ferreira Pinto (1993),

explicada pela própria escritora:

“Entretanto as inscrições da Pedra do Ingá não podem ser consideradas isoladamente, daí porque estendemos as comparações aos outros exemplos dos Cariris paraibanos e aos que se encontram nos sítios rupestres do Rio Grande do Norte. Para as primeiras valeu-nos o estudo da Profª. Ruth Trindade de Almeida. Para as segundas, o trabalho do Dr. José Azevedo Dantas. Fique esclarecido que boa parte das gravuras por nós utilizadas nos gráficos e ilustrações foram tiradas destes dois autores e dos livros de Dr. Gilvan de Brito e de Dr. Pessoa Faria, todos constando na bibliografia Geral” (PINTO, 1993, p. 12).

Acrescentamos uma observação sobre as duas obras citadas por Zilma Pinto (1993): A

Arte Rupestre nos Cariris Velhos, escrita por Ruth de Almeida Trindade e publicada em 1979,

é um livro técnico com um levantamento arqueológico de parte dos registros rupestres na

Paraíba; e, Indícios de uma Civilização Antiqüíssima, é uma empreitada de José Azevedo

Dantas, que foi publicado em 1994, como um trabalho de arqueólogo amador que contém

arquivos com registros rupestres do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Zilma Pinto comenta:

No topo plano do monólito, que ostenta na face Leste inscrições (painel vertical), a inscultura principal é composta por três círculos concêntricos seccionados, simetricamente por um sulco reto. Este sulco termina na extremidade que aponta para o Noroeste, com uma depressão circular; sua extremidade sudeste se continua com uma série de depressões esféricas que se dirigem obliquamente ao plano vertical (FARIA, 1987, p. 69. In PINTO, 1993, p. 22) O primeiro símbolo de um agrupamento, no centro do bloco, um dos mais expressivos da parte superior, constitui-se de três círculos concêntricos, tendo o maior 60 cm de diâmetro, cortados do sentido norte/sul por uma

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linha iniciada num capsular, ultrapassando os limites da ‘roseta’(BRITO, 1988, p. 22, IN PINTO, 1993, p. 22).

Os outros textos, dos quais Nas Pegadas de São Tomé, são relatos de viagens

introspectivas (interiorização na subjetividade), ou viagens (deslocamento de lugar

geográfico) feitas pelos seus autores ou por outros. Vejamos como as quatro obras e seus

conteúdos se organizam, para depois chegarmos às pegadas de São Tomé na Itacoatiara de

Ingá. ILUSTRAÇÃO 27

O livro Os Astrônomos Pré-históricos de Ingá (1987), pode ser

interpretado como crônica histórica26, pelo esforço do seu autor, Francisco

C. de Pessoa Faria ao organizar uma cronologia dos fatos históricos, registrar

nomes, datas, referentes aos fatos e as explicações estabelecidas por “rudes

desbravadores, soldados, missionários, sábios naturalistas e simples viajantes

leigos” (p. 41) do período colonial. Esta obra evidencia a forte influência

estrangeira de jesuítas, franceses, holandeses ao século XIX. Seu objetivo, contar uma história

sobre as relações entre homens e os registros rupestres, antes de apresentar sua história da

confecção dos sinais, no intento de apresentar uma leitura astronômica do céu pré-histórico

paraibano e brasileiro. Os humanos geradores da Itacoatiara de Ingá, para Faria (1987), eram

inscultores astrônomos nativos.

Francisco Faria (1987) foi um profissional da área da Odontologia relembrou quando

viu a “Pedra Lavrada do Ingá” ainda adolescente, trinta anos antes de escrever seu livro,

quando então afirma ter se sentido intrigado e comovido com o monumento. Afirma, em sua

obra que “recentemente foi invocada a hipótese de serem aquelas inscrições provas materiais

de contatos aborígines com civilizações extraterrestres na pré-história” (p. 50). Faria (1987)

traz o Capitão-Mor Feliciano Coelho e seus ajudantes como responsáveis do contato entre os

europeus e o mundo misterioso que continha pedras grafadas com sinais

indecifráveis, que pode ter suas bases estruturais distendidas e assentadas

em mitos transportados pelos colonizadores a América.

Viagem ao desconhecido, escrito por Gilvan de Brito (1988), um

jornalista paraibano que destaca o “excitamento, empolgação e

curiosidade” , confessando-se capaz de “avançar” , correr “riscos”, e ser

reconhecido como alguém muito “ousado e delirante”. Têm características ILUSTRAÇÃO 28

de relato da viagem do Homem. Para Brito estreada no Paleolítico da História, perpassando

por nativos brasileiros na Itacoatiara e seguindo a finalização no Vale dos Dinossauros em

26 A crônica é um tipo de narração histórica onde os fatos são apresentados por ordem cronológica dos acontecimentos.

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Sousa PB, quilômetros distantes da Itacoatiara. Brito (1988) apresenta os construtores da

Itacoatiara como estrangeiros indo-europeus (os sumerianos), africanos, asiáticos, polinésios

místicos e ritualistas. Recorde-se que há na Paraíba uma cidade chamada Sumé.

ILUSTRAÇÃO 29

Na Ásia Menor, a Suméria e a civilização sumeriana, que liga a Itacoatiara a um Sumé não nativo no Brasil Fonte:<http://img.photobucket.com/albums/v505/mystika22/mapa_sumerios.jpg e <misterios.queroumforum.com/viewtopic.php?t=18> Copyright © Jakob Persson - 2003 - Acesso em 30/01/2009

Aqui no alto está acrescentada a ilustração da localização da histórica Suméria a mais

antiga civilização do mundo, na atualidade representa o território do Iraque, que corresponde

a uma parcela da região da Mesopotâmia no Crescente Fértil – atual Egito e adjacências do

Rio Nilo –, flanqueado pelos rios Tigres e Eufrates. Temos também outra ilustração da

localização da histórica da Suméria, considerada até o contemporâneo como a mais antiga

civilização do mundo, na atualidade representa o território do Iraque.

Brito (1988) aborda a temática Itacoatiara focalizando o enigmático e relacionando-a a

outras situações da produção humana que permanecem no estágio que, segundo ele “carece de

solução”. Entretanto, Brito (1988) aponta algumas evidências solucionáveis ao enigma. A

função do painel é documental, objetivando legar aos pósteros uma comunicação da

religiosidade dos ritos praticados na vida e com os mortos e relatos da relação bio-ambiental.

Como vimos anteriormente à narrativa de Zilma F. Pinto (1993) firma-

se à trajetória de uma viagem pelos universos místico-simbólico judaico,

cristão e islâmico para retirar destes os elementos que vão subvencionar sua

história da confecção dos sinais da Itacoatiara por obreiros judeus. Nas 265

pág. do livro, a autora trabalha com a hipótese dos registros rupestres serem

uma leitura cabalística do universo feita por judeus pré-cristãos. ILUSTRAÇÃO 30

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Esclarecemos: segundo o jornal virtual ClickPb, publicado em 18 de Abril de 2006,

“Zilma Ferreira Pinto é nome literário adotado pela professora [e historiadora] Zilma Ferreira

dos Santos”.

A viagem de Pablo V. Mauso, em Mistérios do Brasil (1997), está relatada como um

diário do roteiro que o autor percorreu por alguns estados brasileiros para

conhecer seus pontos misteriosos, entre estes a Paraíba e a misteriosa

Itacoatiara. Villarrubia Mauso (1997) considera que os artesãos humanos da

Itacoatiara, deveriam ser cultuadores xamânicos de ritos cosmogônicos

aquáticos de águas doces.

Pablo Villarrubia Mauso, jornalista e fotógrafo espanhol, do encontro com a

ILUSTRAÇÃO 31 Itacoatiara, rememora que sua primeira impressão foi a de se encontrar

“realmente diante de um grande e literalmente pesado enigma”, acentuado pela luz do sol que

projetando “sombras alargadas” nos sinais, conferia a eles um “aspecto impressionante”

(1997, p. 245). O jornalista viu a Itacoatiara aos dez anos em uma foto ilustrando “um dos

livros de Eric Von Däniken”, que atribuía a confecção dos sinais aos “raios laser” usados por

“antigos astronautas extraterrestres” que visitaram o planeta há “milhares de anos” passados.

Esta obra está associada às outras, como ilustração da continuidade da Itacoatiara de Ingá no

âmbito mítico, foi editada posteriormente, mas segue a trilha dos mistérios, enigmas e

segredos, característica da “Literatura de Maravilhas”.

A ausência de trabalhos sistemáticos da Arqueologia, como pesquisas de campo

revolvendo o solo em volta da Itacoatiara, ou, escavações persistentes que revelassem

indicativos da presença humana ao longo dos tempos, é um argumento usado como motivador

da tarefa do/a escritor/a na produção do livro. Os textos estariam substituindo ou suprindo um

vácuo reconhecidamente existente, que foi deixado pela Arqueologia. Entretanto, isto não

parece ser, dentro do discurso elaborado, a justificativa que se possa eleger como principal.

Os conhecimentos produzidos pelas incipientes pesquisas arqueológicas são utilizados

como paralelos às interpretações evocadas em cada obra. É possível se pensar que esta versão

glamorosa persistirá porque está na rubrica do mitológico. São versões que se adequam aos

fatos, que por sua vez são adequados às versões, numa relação reflexiva exemplificada pelas

interpretações que colocam os fenícios e outros povos estrangeiros, ou mesmo os seres

extraterrestres como inscultores. Nas referências a estes inscultores, esta versão de autoria dos

registros rupestres da Itacoatiara é relembrada.

Isso ocorre não obstante se tratar de um fato real desconcertante por ter ignorado a

época cronológica, autoria e motivações de sua ocorrência. Em outras palavras, há uma

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lacuna de interpretação pelo fato de a Pedra do Ingá ser pré-histórica e o mito de São

Tomé ser oriundo do período depois da Era Cristã. Nem Zilma Pinto nem Francisco Faria

nem Gilvan de Brito nem Villarrubia Mauso mencionam esta incongruência estrutural. Com a

Ciência ainda incapacitada a oferecer respostas a esta problemática, o homem e sua

imaginação ocupa estes espaços lacunares com uma produção literária que reputa ter “um

sentido lógico e não puramente evasionista” (BURKE, 1990, p. 187).

O escritor, representando o homem que ocupa com sua produção literária as lacunas do

conhecimento, afirma que conhece o sentido lógico dos sinais insculpidos na Itacoatiara, e o

homem, representando o que produz conhecimentos científicos, é criterioso e admite que o

sentido lógico esteja na esfera do insuficiente. Entretanto, estas diferenças convergem às

hipóteses mitológicas construídas nos livros escritos. O que podemos deduzir é que na

"Literatura de Maravilhas" a imaginação discursiva dos escritores confere “voz” aos autores

dos registros rupestres. O discurso do homem do passado reverbera no presente, através das

representações construídas nesta literatura. É o “outro” histórico e etnográfico retratado pela

imagem, celebrada em uma unidade vital e mental retratada pela imagem (OLIVEIRA, 2003,

p. 132).

Quase três séculos após a escrita das crônicas e relatos de viagens coloniais, elas ainda

fluem entre os homens, como “linguagens flutuantes” fixadas em publicações como as da

“Literatura de Maravilhas” auxiliando na revelação do fluxo e refluxo da sincronia e

diacronia, através das interpretações construídas ao longo do tempo. Uma abordagem dual

que articula proporções de longa e curta temporalidade, compreendendo serem dimensões

opostas em suas essências, e não necessariamente antagônicas no corpus literário observado,

permite-nos conferir a diacronia que marca os diversos ritmos temporais registrados nos

textos. O passado, que pode ser histórico e mitológico se faz presente em todos e com o

mesmo sentido de início. O passado histórico é unidimensional, sem cortes temporais de

longa ou curta duração, ou, bidimensional, com demarcação da curta ou da longa duração

entre o momento do acontecimento do fato e seu enxerto na versão que cada livro apresenta

no tempo presente.

Temos então o monumento concreto que é pré-histórico e o mito de São Tomé e seus

simbolismos se originam no período depois de Cristo. Os ritmos são flexionados e o

tempo,linear ou cíclico, é percorrido, com início fixado no passado e na dimensão real e

simbólica que é detentora da ação do Homem inscultor da Itacoatiara. É uma ação com carac-

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ILUSTRAÇÃO 32 Paredão e laje do piso da Itacoatiara de Ingá marcam ritmo temporal. Autor: Galeria de Camila Rodrigues. Data: 13/2/2009

Fonte: <http://spintravel.blogtv.uol.com.br/2007/11/18/pedra-do-inga-paraiba-misterio-extraterrestre> Fonte: http://nyontime.blogspot.com/2007/08/ing-paraíba.html

terísticas especiais que resultaram em uma “mensagem”, também especial; ambos são

transportados - a ação e a mensagem - pela linguagem em texto dos escritores ancorados no

tempo presente – e , na dimensão real, o homem reafirma ou redivive os mitos. O tempo

rítmico é o do tempo mítico, sua dimensão real ou simbólica é a realidade humana onde nós

encontramos sentido para os mitos. Por isso eles tendem a apresentarem uma perpetuação

entre os humanos.

Este é um procedimento revelador possível de ser estudado pela História e pela

Antropologia, além de ser um objeto de estudo unificador e fomentador de relação

interdisciplinar. É uma relação que Lévi-Strauss (1996) não demonstrou crer como passível de

conflito pela distinção entre o modelo mecânico e o estatístico. O antropológico-mecânico foi

o que o estruturalista disponibilizou e foi usado nas pesquisas antropológicas; o segundo, o

histórico-estatístico deu suporte às pesquisas da História. Apesar das críticas a esta associação

diremos ser uma das que notabilizam as identidades de cada campo de estudo.

Ancoradas no princípio do isomorfismo, as estruturas analisadas têm a mesma forma

numa perspectiva abstrata. Este isomorfismo metodologicamente apresenta a circunstância da

existência de relações interdisciplinares entre a ciência histórica e antropológica. O evento –

que poderá vir a ser mitológico – transcorreu em um instante temporal e conduz uma estrutura

permanente e a-histórica, que foi traduzida quando da utilização do modelo mecânico-

estrutural. A “história heróica” que abarca a Itacoatiara, estrutura versões que, na perspectiva

de desconstrução, germina uma anti-estrutura capaz de re-ordenar os elementos componentes

do evento, porque assim já procede ao incorporar frações do conhecimento cientifico e das

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versões paralelas às novas construções – leitura do mito Itacoatiara – sem descartar os

elementos “negados”.

No entanto, ainda que esteja sob observação de serem “versões desaconselhadas” à

repetição, ou de um fato abordado como um exemplo de exagero ou fantasia, marcando

posturas que não podem ser reprisadas, as versões são mencionadas e nisto adquirem a

permanência. Por exemplo, quando a versão fenícia de autoria dos sinais patrocinada por

Ladislau de Sousa Mello e Netto foi negada, deveria ter sido esquecida, entretanto, este fato

está relatado nos textos e consorciado a outras versões da autoria estrangeira. A ligação entre

os registros rupestres e os símbolos gregos paleográficos amparada por Bernardo Azevedo da

Silva Ramos, já descredenciada, continua a ser (re)presentificada. A produção dos registros

rupestres por alienígenas, como sinais demarcadores de suas existências e visitas à Terra,

possivelmente desencadeada pela “corrida espacial americana” e popularizada pela obra de

Erich Von Dänikem, conduz a Itacoatiara a uma esfera projetiva onde o futuro dos OVNIs já

está sendo vivenciado.

Para alguns estas versões são, conjuntamente com sua condição especial e singular, as

nutridoras das que “vão desde as explicações e “traduções” mais desvairadas – nas quais não

faltam gregos, fenícios e outros visitantes transatlânticos ou transpacíficos – até explicações

lógicas, porém impossíveis de serem cientificamente demonstradas” (MARTIN, 1997, p.

303). Entretanto, a pesquisa trabalha para demonstrar que esta concepção de Martin (1997)

pode ser modificada se entendermos as “explicações”, “traduções desvairadas” e “explicações

impossíveis”, ou as “versões desaconselhadas” como linguagens literárias que revelam o mito

Itacoatiara.

A interdisciplinaridade exorta uma análise deste mesmo evento – mitológico –

descrevendo o instante histórico-temporal, condutor da mobilidade histórica que está dentro e

fora ao mesmo tempo, segundo Carlo Ginzburg (2007), ou mobilidade extra-territorial como

lembra Luiz Weckmann (1993), onde se pode detectar sincronia e diacronia na história das

transições dos eventos e as re-estruturações que lhes acontecem. Daí inferirmos serem eventos

históricos passíveis de leitura mitológica ou vice-e-versa. A limitação do intercâmbio será

posta à prova pelos que se dispuser a testá-lo.

A negação de aceitação de uma explicação dos sinais ilustra, entretanto, uma anti-

estrutura que é perceptível e colocada em paralelo à estrutura da versão contida em cada livro,

cujo autor resume, com "feições de afinação", as versões existentes, que são candidatas à

negação. Assim, a estrutura mitológica é submetida a recortes que passarão por uma revisão e

preenchimento dos “espaços vazios” com outra versão. Deste modo, podemos encontrar como

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Sahlins (1994, pp. 67-69), a “realidade” histórica apresentada a cada obra folheada e relatada

na versão do narrador, à qual é acrescentado um “faz de conta” também inserido nesta re-

contagem ou re-estruturação.

O mito da passagem de um personagem lendário e representante de uma história heróica

já estava incorporado ao imaginário popular, figurando em quase todas as versões de autoria

dos sinais da Itacoatiara, repetida nos textos que analisamos. Há os que admitem a passagem

dos fenícios pela Paraíba, dos polinésios da ilha de Páscoa, dos sumerianos da Mesopotâmia,

dos seres extraterrestres que cultuados como existentes, os alienígenistas “sobrevivem”

independentes à existência da Itacoatiara, incluindo as religiões semíticas monoteístas.

Verificamos que nos seus imaginários estas cosmovisões têm a consistência de realidade.

Nas sociedades industriais as "imagens tradicionais" ou traços da "conduta do homem

arcaico" perduram no estado de "sobrevivência", manifestadas como linguagem poética,

linguagem utilitária, linguagem visual. Ao longo de três séculos os que trabalharam a

Itacoatiara tiveram, através da linguagem, suas identidades alteradas em pelo menos três

momentos históricos, mostrando-nos como a língua pode ser reversível no tempo histórico; ao

passo que a palavra não dispõe deste dispositivo. Uma vez registrada fonética ou

graficamente, a mítica adquire uma perpetuidade que nos dirá do que foi fixado no tempo em

que a ação ocorreu, como se estivesse fora da histórica, eximida de movimento, a-temporal.

No cotidiano dos habitantes da zona rural, esta imagem não é impossível de evocar. É

uma prática usual de deslocamento historicamente repetida Os contemporâneos ainda mantém

a tradição de “ir a pé” de um ponto a outro; seja por questões de interesse material, como

também para louvar uma divindade em procissões ou romarias. Seus antepassados relatavam

suas experiências de caminhadas, tornando-as heranças culturais e seus narradores

presentificados quando da evocação: “meu bisavô”, “meus pais”, “meus tios”; são, enfim,

experiências vividas por parentes ou pessoas do círculo familiar comunitário.

Vejamos nos textos do séc. XVI, onde os inscultores de Ingá eram considerados como

místicos religiosos, intuitivamente predispostos à adoção da cosmogonia cristã romana,

entrevista pelos europeus em reproduções de cruz e rosário. No séc. XX nova avaliação dos

autores dos registros rupestres os filia ao universo simbólico grego paleográfico, ou aos

habitantes da Ilha de Páscoa que confeccionaram os moais. Na segunda metade do mesmo

século a corrida espacial inspira nova avaliação e os inscultores humanos terrestres são

substituídos por seres intergalácticos. Isto pode nos levar a entender que nos diferentes

contextos históricos, as crenças e a fé estão em exercício e trilhando ou agregando os

elementos contextuais históricos que justifiquem o sentido destes dois sentimentos.

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Em particular por Zilma Pinto (1993) a circularidade do discurso mítico, acontece

dentro de três tradições religiosas, o Judaísmo, Cristianismo, Islamismo. E também destas

com as outras versões míticas, daquilo que é reverenciada por místicos, ufólogos, escritores e

arqueólogos amadores. Neste intercâmbio um objeto singular torna-se plural. As

representações demonstram esta transformação, e quando são alinhadas as versões existentes

nestas instâncias, se revela a pluralidade subjacente daquela que é única em matéria, mas não

em imagem e nomenclatura – Itaquatiara, Itacoatiara, Pedra Lavrada do Ingá e Pedra Lavrada.

Essa polissemia mostra as formas de assinalar essa pluralidade polifônica, que em sentido

figurado, relaciona-se às várias denominações que os rochedos têm, associadas às várias

significações atribuídas à Itacoatiara.

Um monumento pétreo ou um marco que se evocada reproduzirá a movimentação à sua

volta. Retratará a dinâmica histórica sem se deixar confundir, mantendo uma lisura que a

língua estaria impossibilitada de fazê-lo enquanto produto histórico. Os discursos construídos

em relação direta ou indireta com Itacoatiara podem não nos levar a conclusão de que a

mesma é absoluta, nem mesmo enquanto mito, mas que algum dia mediante o dinamismo

histórico e cultural, poderá vir a ser única, por exemplo, apenas como sítio arqueológico; ou

possivelmente continuará múltipla, porque uma série de circunstâncias histórico-culturais

poderá continuar lhe favorecer a pluralidade de acordo com as linguagens a ela circundantes e

os eventos aos quais se encontra relacionados pelo tempo e o espaço. Os mitos que nela

encontraram abrigo se apresentam como prováveis fiadores de sua pluralidade.

Para nós, paraibanos, é importante dizer que a Pedra do Ingá exerce uma profunda

atração por sua magia de mistério enigmático. Decifrar estes sinais significa desvendar a

nossa própria origem ligada às raízes do Judaísmo, cuja presença pode ser percebida

culturalmente, desde os primeiros migrantes europeus, que aqui aportaram como atestou a

própria Zilma Pinto (2006), nos seus estudos sobre o Judaísmo e Cristãos Novos na Paraíba.

Para Zilma F. Pinto os registros rupestres compõem conjuntos de mitemas interrelacionados

que são supostamente originados do aramaico, hebraico e suas ramificações lingüísticas, que

por sua vez são mescladas com o Cristianismo e interpretadas como testemunhos da presença

mítica da passagem de São Tomé por aqui.

No entanto, vale ressaltar que a decifração do mito de São Tomé na Pedra do Ingá não

foi fácil porque foi pautada por elementos simbólicos, que não estão ordenados, como se pode

encontrar na arrumação estruturada dos mitemas do texto de Poe analisado por Da Matta

(1973), ao qual pretendíamos utilizar como modelo de análise, o que não foi possível. Essa

autora inclusive os repete em diversas associações e conexões, o que tornou complexa a

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leitura da “leitura” de Zilma Pinto (1993) sobre os registros rupestres da Itacoatiara,

conforme nos comprometemos no início da nossa dissertação.

Queremos ressaltar que não nos importa o que realmente os registros rupestres

querem dizer – isso nos é impossível decifrar tecnicamente - e sim o que é “lido” e

“interpretado” pelas pessoas que fazem “a leitura deles”. Este é o achado etnográfico

das possíveis origens míticas fundantes que está na mente consciente e inconsciente dos

paraibanos.

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