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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA, O IDOSO E O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA THE PROTECTION GRANTED TO PERSONS WITH DISABILITIES AND TO THE ELDERLY THROUGH THE ASSISTENTIAL BENEFIT OF CONTINUED CONTRIBUTION Miguel Belinati Piccirillo RESUMO Cuida-se de estudo sobre a proteção concedida à pessoa com deficiência e ao idoso através do Benefício Assistencial de Prestação Continuada previsto no Art. 203, inc. V, da Constituição Federal. Analisou-se o Benefício Assistencial de Prestação Continuada, verificando quem são seus beneficiários, quais são os critérios para sua concessão, seu tratamento na Carta Magna e sua regulamentação ordinária. Entendeu-se por essencial uma postura crítica em relação à regulamentação dada pelo legislador infraconstitucional ao tema proposto. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: ESTADO, ASSISTÊNCIA SOCIAL, IDOSO, PESSOA COM DEFICIÊNCIA, BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ABSTRACT It is a study about the protection granted to persons with disabilities and to the elderly through the Assistential Benefit of Continued Contribution due to Art 203, inc. V of the Federal Constitution. It examined the Assistential Benefit of Continued Contribution, checking who its beneficiaries are, what are the criteria for its concession and treatment in the Magna Charta and its ordinary rules. It was essential, for the proposed subject, a critical position regarding to the regulation by the infraconstitutional legislator. KEYWORDS: KEY-WORDS: STATE, SOCIAL WELFARE, ELDERLY, DISABLED PERSON, ASSISTENTIAL BENEFIT OF CONTINUED CONTRIBUTION. 1. Introdução O Benefício Assistencial de Prestação Continuada encontra-se explicitado no inc. V do Art. 203 da Constituição Federal de 1988 que está localizado no Título VII – 661

A PESSOA COM DEFICIÊNCIA, O IDOSO E O BENEFÍCIO ... · O decreto atualmente em vigor é o de nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. A implantação do Benefício Assistencial do

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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA, O IDOSO E O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

THE PROTECTION GRANTED TO PERSONS WITH DISABILITIES AND TO THE ELDERLY THROUGH THE ASSISTENTIAL BENEFIT OF CONTINUED

CONTRIBUTION

Miguel Belinati Piccirillo

RESUMO

Cuida-se de estudo sobre a proteção concedida à pessoa com deficiência e ao idoso através do Benefício Assistencial de Prestação Continuada previsto no Art. 203, inc. V, da Constituição Federal. Analisou-se o Benefício Assistencial de Prestação Continuada, verificando quem são seus beneficiários, quais são os critérios para sua concessão, seu tratamento na Carta Magna e sua regulamentação ordinária. Entendeu-se por essencial uma postura crítica em relação à regulamentação dada pelo legislador infraconstitucional ao tema proposto.

PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: ESTADO, ASSISTÊNCIA SOCIAL, IDOSO, PESSOA COM DEFICIÊNCIA, BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.

ABSTRACT It is a study about the protection granted to persons with disabilities and to the elderly through the Assistential Benefit of Continued Contribution due to Art 203, inc. V of the Federal Constitution. It examined the Assistential Benefit of Continued Contribution, checking who its beneficiaries are, what are the criteria for its concession and treatment in the Magna Charta and its ordinary rules. It was essential, for the proposed subject, a critical position regarding to the regulation by the infraconstitutional legislator. KEYWORDS: KEY-WORDS: STATE, SOCIAL WELFARE, ELDERLY, DISABLED PERSON, ASSISTENTIAL BENEFIT OF CONTINUED CONTRIBUTION.

1. Introdução

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada encontra-se explicitado no inc. V do Art. 203 da Constituição Federal de 1988 que está localizado no Título VII –

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Da Ordem Social, no Capítulo II – Da Seguridade Social e Seção IV – Da Assistência Social.

Trata-se de um importante direito fundamental da pessoa humana assegurado pela nova ordem constitucional. Deve-se ressaltar, que nem todos os direitos fundamentais encontram-se no Título II da Constituição Federal, ou seja, outros direitos com tais características integram o rol de direitos fundamentais, pois protegem o ser humano, sua vida, sua dignidade, sua liberdade e sua igualdade.

Ressalta-se ainda que tal direito consiste em cláusula pétrea, não podendo ser alterado por emendas na Constituição, nem ver prejudicada sua concretização por lei ordinária, lei complementar, medida provisória ou qualquer outro instrumento normativo.

Far-se-á uma breve análise do benefício em comento nas próximas páginas, sendo abordada a questão histórica, seus requisitos, a interpretação dos tribunais e sua aplicabilidade atual.

2. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada e a Legislação Infraconstitucional

A Lei nº. 8.742/93 regulamentou o Art. 203, inc. V da Constituição prevendo o pagamento do Benefício Mensal de Prestação Continuada em seus Arts. 20 e 21. O Art. 40 da mesma lei determinou que com sua implantação ficava extinta a renda mensal vitalícia, entretanto o mesmo artigo em seu § 2º assegurou o direito de o interessado requerer a renda mensal vitalícia até 31 de dezembro de 1995, atendendo os pressupostos do Art. 139 da Lei 8.213/91.

O primeiro decreto a regular o Benefício Assistencial de Prestação Continuada foi o Decreto nº 1.330/94, revogado pelo Decreto nº 1.744/95, posteriormente foi elaborado o Decreto nº 4.712, de 29 de maio de 2003.

O decreto atualmente em vigor é o de nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.

A implantação do Benefício Assistencial do Art. 203, inc. V da Magna Carta, ocorreria a partir de 1º de janeiro de 1996, deixando de existir o renda mínima. Segundo Rodrigo Zacharias (2002, p. 175): “[...] até 31 de dezembro de 1995, o idoso ou a pessoa portadora de deficiência poderia pleitear o benefício assistencial perante a União Federal, ou pleitear a renda mínima vitalícia perante o INSS”.

Deve-se ressaltar que a lei não transformou a renda mensal vitalícia em benefício assistencial, de forma que, após o período de coexistência cada beneficiário continua recebendo sua própria espécie de benefício.

Embora alguns julgados concedessem aplicabilidade imediata ao disposto no Art. 203, inc. V, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Benefício Assistencial de

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Prestação Continuada apenas pode ser exigido a partir da edição de lei que o regulamentasse.

A própria decisão liminar do Ministro Maurício Correa, que serviu de base para o voto vencedor do Mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1, afirmou que: “[...] a norma constitucional não é auto-aplicável porque depende de lei regulamentadora”.

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada poderá ser requerido em qualquer unidade de atendimento do INSS. Caso o benefício seja negado administrativamente, pode-se recorrer ao poder judiciário, sendo competência do Juizado Especial Federal. Caso não exista em determinada comarca, o órgão competente é a Justiça Federal e, caso ela não exista será competente a Justiça Estadual.

3. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada e os Critérios para sua Concessão

Para uma melhor compreensão do Art. 203, inc. V da Constituição Federal, mister se faz uma análise sobre os critérios para concessão do benefício nele previsto, assim como das pessoas às quais ele é dirigido. Necessário se faz ainda saber se ele conseguiu cumprir com os objetivos pelos quais ele foi criado.

O benefício no valor de um salário mínimo será devido às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovarem não possuir meios para seu próprio sustento, através de esforço próprio ou da atuação de suas famílias.

Deve-se observar que o deficiente ou o idoso, podem nunca ter ingressado no mercado de trabalho, nunca ter contribuído, mas mesmo assim terão direito a recebimento do benefício, pois ele se encontra dentro da assistência social e ela não exige qualquer contribuição.

3.1 Da pessoa com deficiência

Em relação à pessoa com deficiência a pobreza consiste em um agravante que dificulta a sua interação com a sociedade ainda mais do que faz em relação a outras pessoas, pois muitas, além de viverem na mais profunda necessidade material ainda sofrem ao perceberem que nada poderão fazer para melhorar sua situação, restando-lhes apenas abandonar-se nos braços de seus semelhantes.

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3.1.1 Questão terminológica

Encontrar uma terminologia correta para designar as pessoas com deficiência é de fundamental importância para sua adequada proteção. As palavras e expressões escolhidas para designar um determinado grupo de pessoas carregam em si o sentimento que a sociedade tem por elas.

Em sociedades onde tais pessoas portadoras eram excluídas, discriminadas, consideradas um ônus para os demais, escolhiam-se algumas denominações pejorativas para se referir a elas, como por exemplo, imprestáveis, defeituosos, termos que, em tese, deveriam referir-se a coisas, não a seres humanos.

A Lei das XII Tábuas, autorizava os pais matarem os filhos deformados, negando o direito à vida a tais pessoas. Quando alguém cometia um crime, a penalidade imposta poderia ser arrancar-lhe algum membro, ou seja, a penalidade imposta era tornar o ser humano deficiente.

Da mesma forma, o Código de Hamurabi estabelecia uma série de penas que se concluíam na mutilação dos infratores, ofendendo a integridade física dos criminosos. Por exemplo, se um filho bater em seu pai, ele terá suas mãos cortadas, se um homem arrancar os olhos de outro homem, seus olhos também deveriam ser arrancados.

A deficiência era vista como algo tão ruim, tão desprezível que aquelas pessoas que cometiam um ato contrário à lei deveriam ser punidas com penas que as tornariam uma pessoa com deficiência.

Entre os povos antigos o tratamento destinado às pessoas com deficiência assumiu dois extremos. Alguns as exterminavam por considerá-las um grande empecilho. Outros as protegiam e sustentavam para buscar a simpatia dos deuses, ou como gratidão por aqueles que se mutilaram na guerra. Os hindus sempre consideraram os cegos como pessoas de sensibilidade mais aguçada e estimulavam o seu ingresso nas ordens religiosas (SILVA, 2002, p. 11).

Em Esparta, na Grécia antiga, os recém nascidos deficientes eram lançados do alto de um abismo com mais de 2.400 metros de profundidade.

Platão, em sua obra A República, chegou a defender que os filhos dos homens superiores deveriam ser levados para o aprisco e, os dos homens inferiores e quaisquer outros que fossem disformes, deveriam ser escondidos em lugar interdito e oculto.

Aristóteles, em sua obra A Política, afirmava que deveria existir uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme pudesse ser criada.

Com o surgimento do cristianismo, as pessoas com deficiência passaram a ser caracterizadas como filhos de Deus, recebendo ajuda dos demais grupos sociais, através da caridade, entretanto, a inclusão ainda não era regra.

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No início da era moderna passa-se a encarar a deficiência como algo tratável surgindo os hospitais psiquiátricos, asilos e conventos. Nos dois séculos posteriores surgem as primeiras tentativas de se comunicar com as pessoas com deficiência auditiva, ocorre a criação do código Braille, desenvolvem-se as cadeiras de roda, bengalas, muletas, próteses, entre outros (GUGEL, 2006, p. 26).

Após os horrores produzidos pelas duas grandes guerras, principalmente pela segunda, é que se intensificam as medidas de proteção à pessoa com deficiência.

Muitas vezes prefere-se utilizar certos termos que possuem um conteúdo pejorativo para se referir a esse grupo de pessoas, tais como mongolóide, maneta, manco, retardado, débil mental, entre vários outros. O termo inválido, por exemplo, significava indivíduos sem valor, pois socialmente, se considerava a pessoa com deficiência, como um inútil.

Através dos exemplos acima citados, verifica-se que a utilização de uma terminologia correta é de fundamental importância para a criação de um ambiente de adequada proteção à pessoa, surgindo o “com deficiência”, pois demonstra a percepção da sociedade, ou da maior parte dela com relação a esse grupo.

Embora exista uma pluralidade de termos, prefere-se comentar apenas os mais comuns utilizados pela legislação e por doutrinadores brasileiros, pois este não é o verdadeiro objetivo de tal trabalho.

A Emenda Constitucional nº 01, de 1969, utilizou-se do termo excepcional para designar as pessoas com deficiência, entretanto, tal termo expressa apenas aquelas pessoas que possuem uma deficiência mental, não sendo adequada para designar problemas físicos ou de metabolismo, por exemplo.

A Emenda nº 12, de 1978, passou a utilizar o termo deficiente para designar este grupo de pessoas. Entretanto, tal escolha não foi a mais apropriada, pois ressalta a deficiência em detrimento do ser humano.

Outro termo bastante utilizado é pessoa portadora de necessidade especial, entretanto tal expressão é muito ampla, pois não apenas as pessoas com deficiência possuem algumas necessidades especiais, outros grupos como idosos, gestantes, índios e crianças também as possuem. Pode-se dizer que existe uma relação de gênero e espécie entre as duas expressões.

A Constituição Federal de 1988 utilizou-se da expressão pessoa portadora de deficiência realizando um grande avanço em relação às anteriores, pois além de ser mais leve e mais suave, retira o foco da deficiência e o passa para a pessoa.

Entretanto, entende-se que seria melhor a exclusão da palavra portador, designando este grupo apenas como pessoas com deficiência, pois:

[...] a expressão portador cai muito bem para coisas que a pessoa carrega e/ou pode deixar de lado, não para características físicas, sensoriais ou mentais do ser humano. Ainda, que a palavra ‘portador’ traz um peso frequentemente associado a doenças, já que também é usada, ai corretamente, para designar uma situação em que alguém, em

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determinado momento, está portando um vírus, por exemplo [...] (FÁVERO, 2004, p. 22).

Não se defende a necessidade de uma Emenda Constitucional para adequar a terminologia, mas seria melhor ter optado pela exclusão do termo portador utilizando apenas pessoa com deficiência.

Ademais, o Decreto nº 6.214/07, que regulamenta a concessão do benefício em estudo, já utilizou a expressão pessoa com deficiência demonstrando o fato de que o direito deve acompanhar a realidade social. De qualquer forma, qualquer expressão, desde que respeitosa, ou seja, que não ofenda e que leve a sério tal situação, poderá ser utilizada.

3.1.2 Conceito de pessoa com deficiência

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 muito inovou na proteção às pessoas portadoras de deficiência garantindo-lhes o direito à igualdade, a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, o direito de reserva de vagas em concursos públicos, o direito à educação especial, direito a programas especializados de educação e esporte, o direito à acessibilidade, o direito de um salário mínimo para aqueles que não conseguirem se manter e o direito à inclusão.

Embora tenha concedido todos os direitos acima citados, a Constituição Federal não definiu quem é pessoa portadora de deficiência, ou seja, não afirmou quais pessoas se enquadrariam neste perfil, deixando a questão em aberto, sendo necessário, portanto a busca de um conceito baseado nos princípios constitucionais.

Geralmente, o termo deficiência tem sido conceituado como uma falta, uma falha, considerando-se que pessoa portadora de deficiência é aquela que não possui uma capacidade do corpo completa, aquela pessoa que possui uma imperfeição genética ou adquirida (CALAIS, 2003, p. 11).

Segundo Resolução nº 3.447, que conforma a Declaração da ONU, o termo pessoa deficiente refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.

Afirma-se que deficiência é uma limitação significativa, mental, física ou sensorial, não se confundindo com incapacidade. Esta última pode ser uma conseqüência da deficiência, devendo ser vista de forma localizada, pois não implica em incapacidade para outras atividades (FÁVERO, 2004, p. 24-25).

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Não se pode confundir deficiência com incapacidade, inclusive a legislação brasileira desfaz tal confusão no Decreto nº 3.298 relatando deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Já a incapacidade significa uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

O decreto dispõe ainda sobre a deficiência permanente que seria aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos.

A Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, mais conhecida como Convenção da Guatemala, internalizada pelo Decreto nº 3.956/01 diz que o termo deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

A definição acima é um pouco ampla, pois não entra em questões específicas e pormenores, nem explica o quão grave deve ser considerada uma determinada restrição para que se caracterize a deficiência.

A Convenção da Guatemala, entretanto, representa um papel importante na inclusão da pessoa com deficiência, ao afirmar que tais pessoas possuem os mesmos direitos fundamentais que todos, inclusive o de não serem submetidos à discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a qualquer ser humano.

Luiz Alberto David de Araujo (2003, p. 23-24) alerta para o fato de que o principal elemento para identificar a pessoa portadora de deficiência não é a falta, ou a falha, mas sim sua dificuldade de integração no meio social e o grau desta dificuldade, segundo as palavras do próprio autor:

O que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência (ARAUJO, 2003, p. 24).

Baseando-se neste entendimento, os superdotados, ou seja, aqueles que possuem um grau de inteligência acima da média, pelo fato de não receberem assistência e educação adequadas, dificultando sua integração social, poderão ser considerados como pessoas portadoras de deficiência.

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Durante muito tempo a questão da deficiência foi abordada apenas como um problema do indivíduo, sem se considerar sua relação com o seu meio. Não se deve considerar apenas a deficiência em si, mas que conseqüências ela acarreta no meio social, se o indivíduo que a possui consegue realizar normalmente todas as atividades diárias, se ele consegue realizar a maioria delas, se ele consegue realizar apenas algumas, ou se ele não consegue realizar nenhuma atividade, sem contar com a colaboração de alguém.

A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconheceu que a deficiência é um conceito em evolução e que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras que impedem sua participação na sociedade, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.

A legislação brasileira, entretanto restringiu o conceito de pessoa portadora de deficiência a apenas alguns grupos, os rols estabelecidos na Lei nº 10.690/03 e nos Decretos nos 3.298/99 e 5.296/04, com o objetivo de desonerar os cofres públicos apenas mencionam os casos aparentes, os casos mais óbvios sem proteger integralmente este grupo de pessoas. Colocam o sistema financeiro e o sistema orçamentário antes do ser humano, numa atitude absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito e com uma sociedade inclusiva.

3.1.3 A pessoa com deficiência na Constituição da República Federativa do Brasil

O Texto Magno de 1988 estabelece no Art. 23, inc. II, a competência comum da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde, da assistência pública, assim como da proteção e da garantia às pessoas portadoras de deficiência.

No Art. 24, inc. XIV atribui a competência concorrente para legislar sobre a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência.

No Art. 7, inc. XXXI, proíbe-se discriminação no tocante a salário e a critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Pode-se pensar que tal dispositivo é redundante já que a norma do Art. 5º, caput, abrangeria também tal situação, entretanto devido a problemas enfrentados em que exercendo um mesmo cargo, com uma mesma qualificação, com uma mesma carga horária, a pessoa com deficiência recebia menos que outra pessoa sem deficiência, para que tal tipo de situação não ocorra, o legislador precisou ser específico.

A Constituição garante também a reserva de cargos e empregos públicos às pessoas com deficiência no Art. 37, inc. VII.

Embora a Constituição não traga a previsão da lei ordinária dentro dos limites traçados pela Constituição e com o objetivo de dar efetividade aos direitos

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constitucionais, reservou percentual de vagas em empresas privadas para as pessoas com deficiência.

O Art. 203, inc. IV, garante o direito à habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência. A primeira endereçada para aqueles que nascem com alguma forma de deficiência. Já a segunda para aquela pessoa que possuía uma vida normal e depois, devido as mais diversas circunstâncias, vem a adquirir uma forma de deficiência.

Garante-se o direito à educação da pessoa com deficiência, no Art. 208, inc. III, preferencialmente na rede regular de ensino. Pode-se dizer que existe um direito da criança com deficiência de estudar com coleguinha sem deficiência, assim como existe o direito da maioria conviver com a minoria aprendendo desde pequeno a aceitar as diferenças.

No Art. 227, § 2º, se estabelece que a lei disponha sobre normas de construção dos logradouros, dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

No Art. 244, a lei está preocupada com a adaptação de logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existente. Percebe-se que edifícios anteriores à Constituição que tenham circulação do público, devem estar adaptados para atender às pessoas com deficiência.

Não se trata apenas de prédios públicos, do governo, mas de qualquer local em que exista a circulação de um grande número de pessoas como shoppings, teatros, cinema e vários outros.

3.1.4 O Benefício Assistencial de Prestação Continuada e a pessoa com deficiência

Embora todo o preconceito e toda a desinformação persistentes até os dias atuais, verifica-se uma melhora em relação à pessoa com deficiência que hoje já é vista realizando as mais diversas atividades no mercado de trabalho, já é encontrada nos shoppings, nas lojas, nas praças públicas, nas escolas regulares, enfim, nos mais diversos locais.

Não se tem mais a idéia de que a pessoa com deficiência deva ficar apenas em casa recebendo cuidado, carinho e atenção da sua família, nem que apenas deva estudar nas escolas especiais, mas sim interagir, participar, conhecer coleguinhas diferentes, para que um possa interagir com o outro.

Nesse sentido é de fundamental importância o conteúdo da Declaração de Madri afirmando que as pessoas com deficiência querem oportunidades iguais e não caridade. A exemplo de muitas outras regiões do mundo, a União Européia percorreu um longo caminho nas últimas décadas, partindo da filosofia do paternalismo em relação às pessoas com deficiência e chegando à filosofia do empoderamento a fim de que elas

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exerçam controle sobre sua vida. As velhas abordagens, baseadas largamente na piedade e no perceptível desamparo das pessoas com deficiência, são agora consideradas inaceitáveis. As ações estão deixando de dar ênfase em reabilitar pessoas para se enquadrarem na sociedade e adotando uma filosofia mundial de modificação da sociedade a fim de incluir e acomodar as necessidades de todas as pessoas, inclusive das pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência estão exigindo oportunidades iguais e acesso a todos os recursos da sociedade, ou seja, educação inclusiva, novas tecnologias, serviços sociais e de saúde, atividades esportivas e de lazer, bens e serviços ao consumidor.

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada é um importante direito na proteção da pessoa com deficiência, entretanto deve-se ressaltar que ele não deve ser concedido a todas as pessoas com deficiência, apenas por possuírem tal qualidade.

Caso ele fosse entregue a todas as pessoas com deficiência, tal norma provocaria não inclusão, mas exclusão, pois o que se deseja é que todos possam realizar as mais diversas atividades de vida social, todos possam encontrar um trabalho, colaborar com a sociedade, manter-se com sua própria renda e com a de sua família.

O benefício, portanto, deve possuir alguns requisitos para sua concessão caso contrário estimularia a pessoa com deficiência a ficar em sua casa sem procurar trabalho e sem procurar interagir com a sociedade.

Algumas indagações são levantadas. Porque conceder um tratamento diferenciado à pessoa com deficiência? Será lícito um benefício mensal à pessoa com deficiência? Quais são os motivos que levaram o constituinte a garantir tal benefício?

Já foi visto que a Constituição garante o direito à igualdade. Da mesma forma já se analisou que a igualdade formal pode ser quebrada em determinadas circunstâncias, desde que atendidos certos requisitos. Verifica-se em relação a tal grupo que tais requisitos estão presentes.

Nas palavras de Eliana Franco Neme (2006, p. 142): “A pessoa portadora de deficiência tem, pela sua própria condição, direito à quebra da igualdade, em situações nas quais participe com pessoas sem deficiência”.

De tal forma pode-se verificar que a concessão de um benefício mensal à pessoa com deficiência que atender a tais requisitos é totalmente lícita estando de acordo com os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e também com os objetivos fundamentais da República.

O constituinte verificando a situação de muitas pessoas com deficiência que não conseguem realizar sozinhas atividades da vida cotidiana e, além disso, não podem ser sustentadas pela sua família, resolve conceder tal benefício, justamente, para proteger este grupo outrora tão esquecido, outrora tão estigmatizado, outrora tão excluído.

A Lei nº 8.742/93 que regulamentou os critérios para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, em seu Art. 20, § 2º, restringiu ainda mais o conceito de pessoa com deficiência para efeitos de concessão de tal benefício, ao definir

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que para recebê-lo a pessoa deve ser incapaz para o exercício do trabalho e da vida independente.

Para que seja constatada a incapacidade para o trabalho e para a vida independente será necessário um exame médico pericial, assim como laudos realizados pelo serviço de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social.

Tal tratamento não é adequado diante da realidade brasileira já que em torno de 15% da população possui alguma forma de deficiência e necessitam da proteção do Estado para satisfazer suas necessidades imediatas.

3.2 O idoso

A população idosa no Brasil cresceu mais de 200% nos últimos vinte anos. O censo realizado em 2000 pelo IBGE (Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística) afirma que 6% da população brasileira possuem entre 60 e 74 anos e 2% têm 75 anos ou mais. Em 2002 durante o recenseamento a população idosa foi estimada em treze milhões de pessoas.

Este envelhecimento da população brasileira e, também mundial, possui diversos fatores, tais como: a melhoria da qualidade de vida, os avanços da medicina, melhoria nas condições de saúde, a relativa paz vivida pelo mundo atual, desta forma tem-se um núcleo maior de pessoas idosas.

Chega-se até a afirmar que a tendência é de que em alguns anos o número de idosos seja maior do que o número de jovens. Em vista dessa realidade, há a necessidade de uma conscientização visando priorizar a instalação de políticas de reeducação da população em relação ao seu novo perfil (PEREIRA, 2006, p. 291).

Desde a nossa concepção começamos a envelhecer, sendo este o ciclo natural para todos que poderá ser interrompido, por diversas causas, levando ao fim da vida.

3..2.1 Questão terminológica

Na língua portuguesa, assim como em outras línguas, existem inúmeras palavras que possuem um significado semelhante, muitas vezes, variando apenas em pormenores, ou ainda, palavras que se referem a um mesmo objeto, entretanto uma com sentido pejorativo e a outra não, assim, quando se trata da idade do ser humano, existem algumas palavras com significados parecidos, mas que possuem pequenas diferenças entre si, tais como velhice, velho, idoso, sênior, ou ainda algumas expressões como terceira idade ou, melhor idade.

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Velhice, de acordo com o Dicionário Aurélio (2004, p. 1543) significa: “[...] estado ou condição de velho, idade avançada, antiguidade, as pessoas velhas”.

A palavra veterano segundo o dicionário possui o significado de “[...] velho, antigo, indivíduo antigo, tarimbado em qualquer atividade, profissão, por exerce-la desde muito tempo” (FERREIRA, 2004, p. 1545).

O vocábulo idoso tem sua origem latina no substantivo aetas, aetatis (substantivo feminino que corresponde à idade). O vocábulo é composto por duas partes: idade aliada ao sufixo oso que significa abundância, ou seja, tal palavra significa cheio de idade, em abundância de idade (SIQUEIRA, 2007, p. 172).

Segundo o dicionário, a palavra idoso significa “[...] indivíduo velho, que tem bastante idade” (FERREIRA, 2004, p. 326).

Parece que algumas dentre essas expressões possuem um sentido pejorativo, como velho, que passa uma idéia de algo inútil, em péssimo estado de conservação, senil, decrepto.

O constituinte foi feliz ao escolher a palavra idoso para se referir a tal grupo de pessoas e esta também foi a palavra escolhida pela organização mundial da saúde.

Ressalte-se que a discussão terminológica é de fundamental importância, pois a busca por um termo correto é reflexo do sentimento que uma pessoa, um grupo, ou a sociedade, como um todo, possui em referência a um determinado grupo social, de tal forma, se busca uma palavra que seja compatível com a dignidade de tal grupo, é um sinal que se busca respeitá-los enquanto cidadãos.

Interessantes são as observações de Anita Liberalesso Neri e Sueli Aparecida Freire (2000, p. 14) de que se não houvesse preconceito, não seria necessário disfarçar nada por meio de palavras. Se as palavras parecem assumir conotação negativa ou pejorativa, o problema não está nelas, mas nas razões pelas quais elas tiveram seu significado modificado.

3.2.2 Conceito de idoso

Para chegar a um consenso sobre a pessoa idosa são geralmente utilizados três critérios. O cronológico, o psicobiológico e o econômico-social.

No primeiro critério será considerado como idoso aquele que atingir tantos ou mais anos de vida. Esse critério objetivo é muito utilizado nas legislações ao longo do globo, entretanto ele não leva em consideração as diferenças previstas em cada indivíduo.

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O segundo critério refere-se às condições psicológicas e fisiológicas do indivíduo, não considerando sua faixa etária, mas sim suas condições físicas e mentais. Tal critério, portanto, é subjetivo e de difícil configuração.

O terceiro critério verifica a condição econômica do idoso afirmando que os hipossuficientes merecem uma melhor proteção do que os auto-suficientes.

O envelhecimento é um processo biológico, pois é natural e universal, acontece com todos os seres vivos e por conseqüência com todos os seres humanos. É um processo social porque não acontece isolado, mas sim, inserido em uma determinada cultura, em um determinado tempo. É psíquico, pois as mudanças biológicas e sociais afetam cada indivíduo de maneira particular (SOUZA, 2002, p. 99).

Não se pode confundir idade senil com idoso. Na senilidade ocorre um incidente biológico que implica na diminuição da capacidade física-mental, enquanto que no caso do idoso, o que ocorre é simplesmente uma partida teórico-temporal.

Pode-se perceber que a atuação da sociedade e do Estado é de grande importância na questão do idoso, pois este apenas poderá ser considerado como tal dentro de uma sociedade e é ela quem determinara se tal grupo será acolhido ou não.

A questão dos idosos recebeu diferentes tratamentos ao longo da história da humanidade, tratamentos estes que variavam de acordo com a época e com a cultura de um determinado povo. O que antes era um privilégio de poucos, hoje passa a acontecer com, praticamente, toda a população de forma sistemática.

3.2.3 O idoso e a Constituição

A Constituição de 1988 demonstrou necessária preocupação com o ser humano, buscando de toda forma garantir direitos fundamentais respeitando sua dignidade, sem qualquer forma de discriminação, independente de raça, cor, sexo, idade ou qualquer outra característica.

A dignidade à pessoa humana não é privilégio da vida em determinada fase, com a delimitação de uma faixa etária, como equivocadamente poder-se-ia concluir. A proteção positivada constitucionalmente engloba a vida do ser humana desde sua concepção até a morte (SOUZA, 2002, p. 107).

As Constituições brasileiras nunca deram muita importância à questão do idoso. As anteriores a de 1934 não trabalharam com a questão, já as posteriores a ela, apenas abordavam a proteção previdenciária do idoso.

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A Constituição atual deu real proteção à figura do idoso, tratando a matéria como um direito fundamental, afinal como seria possível tratar com desprezo aqueles que construíram o Estado brasileiro.

No Art. 201 se estabelece que os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão nos termos da lei a cobertura de eventos como a doença, invalidez, morte, incluídos os resultados de acidentes de trabalho, reclusão e velhice, garantindo, portanto, a proteção às pessoas idosas que já contribuíram.

Entretanto, pelos próprios objetivos da Constituição, pelo próprio contexto em que ela foi elaborada, não se poderia realizar a exclusão daquelas pessoas idosas que nunca contribuíram, ou seja, devemos lhes garantir algum direito.

O Art. 203, inc. I, estabelece que a assistência social é um direito das pessoas idosas, independentemente de qualquer forma de contribuição, sinalizando que o Estado deve cuidar de todas as pessoas idosas.

O Art. 229 dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, na carência ou na enfermidade. De fato não é concebível a idéia de que os filhos possam simplesmente abandonar seus pais à caridade particular ou aos poderes públicos, sem prestar qualquer socorro. Os filhos maiores de idade têm o dever de cuidar de seus pais.

O Art. 230 da Carta Maior estabelece ser um dever da família, da sociedade e do Estado amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e seu bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Pode-se perceber na Constituição brasileira atual a preocupação do legislador constituinte com o ser humano como um todo, ou seja, em todas as fases da sua vida. Em relação às pessoas idosas, tal cuidado é de fundamental importância.

Após uma certa idade, até há poucos anos atrás, era comum a pessoa viver reclusa em sua casa, sem amigos, sem desempenhar qualquer atividade, aguardando o momento da morte.

Agora, devido a uma mudança de mentalidade, conquistada pela tentativa de concretização de direitos constitucionalmente previstos, pode-se verificar que boa parte das pessoas idosas conseguem ter uma vida digna, praticando diversas atividades, abandonando aquela idéia anterior, de que o idoso deveria ficar apenas em sua casa, aguardando o momento da despedida final.

Muito propícia foi a consideração do legislador de que a família deve cuidar da pessoa idosa, infelizmente, embora muitas assumam o seu papel, pode-se verificar que algumas família simplesmente abandonam seus genitores em instituições de caridade, sem prestar qualquer assistência.

Também a proteção à pessoa idosa é um dever de toda a sociedade, pois foram eles que construíram o Brasil, de forma que, a atitude de entidades filantrópicas, religiosas, organizações não governamentais que cuidam das pessoas idosas são de grande importância para a inclusão de tais pessoas na comunidade.

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Os poderes públicos também devem zelar por esses seres humanos, não é possível deixá-los apenas para a proteção da família, de instituições beneficentes, é preciso que existam leis protegendo as pessoas idosas, políticas públicas que possam efetivar direitos previstos para tais pessoas e, além disso, projetos para garantir direitos básicos a tais pessoas, mesmo quando a família e a sociedade não conseguirem garantir tais direitos.

Assegurar sua participação na comunidade reflete o desejo de inclusão da pessoa idosa, para que ela possa participar da vida social, dando sua colaboração e, se sinta acolhida pelo seu meio.

São interessantes os comentários da Irmã Gema Destéfani (2000, p. 52) sobre o papel da família e da comunidade em relação às pessoas idosas:

A família ou a comunidade pode prestar uma valiosa ajuda tanto para facilitar essa tomada de consciência, como para cultivar uma serena aceitação dos limites que a idade impõe. Um motivo que muitas vezes deprime o idoso é a convicção de ser inútil e peso para os outros. É necessário fazer com que ele entenda que pode continuar a ‘dar’, buscando recursos na própria sabedoria amadurecida durante a vida, na visão ponderada e equilibrada dos verdadeiros problemas, na riqueza espiritual que vai se purificando e se aprofundando com a idade.

O § 1º do supracitado artigo estabelece que os programas de amparo às pessoas idosas serão executados, preferencialmente, em seus lares, de fato, embora um asilo, uma casa de idosos, possa oferecer todo conforto e segurança, a acolhida em casa será sempre melhor.

De uma forma preferencial os programas devem ser realizados nas casas dos próprios idosos, para que seja possível facilitar a sua aprovação. Isso não significa que eles deverão ficar trancados em seus lares.

No § 2º do Art. 230 tem-se a garantia de que os idosos maiores de sessenta e cinco anos possuem direito à gratuidade nos transportes coletivos urbanos, norma de fundamental importância, justamente, para possibilitar a inclusão da pessoa idosa na comunidade, viabilizando os deslocamentos para onde desejarem.

No ano de dois mil e três as pessoas idosas obtiveram uma importante conquista, ao verem promulgada a Lei nº. 10.741 instituindo o chamado Estatuto do Idoso, sendo, portanto necessárias breves considerações sobre tal assunto.

A norma de definição da pessoa idosa no Brasil não imprimiu a diferença de sexo, a desigualdade econômica, a desigualdade social, ou qualquer outra variante da individualidade humana, mas preferiu o critério cronológico como definidor de quem será possuidor de tal qualidade.

Legalmente considera-se como idoso o sexagenário, independentemente de qualquer condição, física, mental ou social. Tal disposto está no Art. 1º do Estatuto do Idoso que possui a seguinte redação: “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a

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regular os direitos assegurados às pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 (sessenta anos)”.

A Organização das Nações Unidas também considera a pessoa idosa como aquela que possui 60 (sessenta) anos ou mais.

Entretanto para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada não basta ao idoso a idade de sessenta anos, mas sim de sessenta e cinco anos sendo este um dos maiores impropérios da legislação brasileira, pois faz uma distinção desnecessária entre as próprias pessoas idosas.

Tal diferenciação não atende àqueles requisitos estudados para que se possa realizar uma determinada discriminação dentro da legislação brasileira, sendo necessário ao Supremo Tribunal Federal decretar sua inconstitucionalidade.

O § 2º do referido artigo declara que as pessoas idosas gozam de todos os direitos fundamentais da pessoa humana. Pode-se criticar a redundância de tal dispositivo, já que a igualdade é um direito constitucionalmente previsto, entretanto é preciso muitas vezes especificar para que se evite que a norma fique meramente na abstração e não se realize na vida diária. É sempre bom prevenir para que se evite o cometimento de algumas injustiças.

3.3 O critério da renda familiar

Já foi visto que o Benefício Assistencial de Prestação Continuada é devido ao idoso e à pessoa com deficiência, entretanto, em ambos os casos o beneficiário deve demonstrar que não possui meios para se manter, nem de ser mantido por sua família.

O §º 3º do Art. 20 da LOAS criou duas condições para o recebimento do benefício. A primeira, exclusiva para as pessoas com deficiência, exigiu que comprovassem a incapacidade para a vida independente e para o trabalho.

A comprovação não pode ser vexatória, não se pode humilhar a pessoa, investigar minuciosamente a sua vida, seus gostos e suas preferências.

O interessado será submetido a uma avaliação realizada por equipe médica, da qual deverá resultar um laudo que comprove a deficiência.

Alvo de inúmeras discussões tem sido a exigência da lei infraconstitucional de uma renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, como requisito indispensável para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada.

Será que o valor proposto a título de amparo assistencial é suficiente para que a pessoa tenha uma vida que corresponda com a sua dignidade?

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Verifica-se que o valor de um salário mínimo é insuficiente para suprir as necessidades básicas do indivíduo, então o valor de ¼ (um quarto) é insignificante diante da real necessidade do ser humano.

Imagine-se a situação de um pai de família que resida com seus dois filhos, um deles portador de alguma deficiência. Ele trabalha e recebe o valor de um salário mínimo, única renda da família. Dividindo a renda per capita pelos membros da família teríamos uma renda superior àquela prevista na legislação, não existindo então direito ao benefício. Entretanto, não parece ser esse o desejo constitucional, já que o objetivo de tal norma é assegurar às pessoas com deficiência, o básico.

Segundo Luiz Alberto David Araujo (2004, p. 377):

A lei ordinária, portanto, não deu seguimento ao comando constitucional. Tratou de amesquinhar o direito assegurado pelo Art. 203, inc. V. Condicionar o recebimento do salário mínimo constitucional à renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo é, no mínimo, ultrajante. E estamos falando de idosos e de pessoas portadoras de deficiência, ambos carentes.

O legislador ordinário não está concedendo o tratamento adequado à norma constitucional, pois ela não consegue resolver o problema a que se propôs solucionar.

Verifica-se ainda que o cidadão amparado pelo benefício não tem direito ao 13º (décimo terceiro) salário, o que agrava mais a situação da pessoa, que recebendo o benefício ainda pode passar por inúmeras necessidades, tendo muitas vezes que recorrer à ajuda de conhecidos para suprir suas necessidades.

Entende-se por família a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes. O conceito do Art. 20 da LOAS remete as pessoas elencadas no Art. 16 da Lei nº 8.213, de 1991. Tais pessoas são o cônjuge, o companheiro, a companheira e o filho menor de 21 anos ou inválido, os pais, o irmão de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido. Também poderá ser incluída outra pessoa que viva sobre o mesmo teto, desde que tenha sido designada pelo responsável pela residência, como dependente e também que seja menor de 21 anos, maior de sessenta anos, ou ainda inválido.

São essas as pessoas que serão computadas para o fim de se dividir a renda familiar, para saber se ultrapassa, ou não, o critério de ¼ (um quarto) do salário mínimo. Os valores por elas recebidos também serão somados à renda familiar antes de se fazer a divisão.

Uma indagação interessante é se caso uma ou mais pessoas da casa já receba o Benefício Assistencial de Prestação Continuada um outro poderá recebê-lo? Acredita-se que essa foi uma das principais alterações do Estatuto do Idoso, pois até sua implementação, o recebimento do citado benefício por um membro da família impedia aos demais de terem o mesmo direito, caso a renda chegasse a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

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Com o Estatuto do Idoso a situação se alterou para melhor, pois no parágrafo único do Art. 34, verifica-se que o benefício concedido a outro membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita.

Entretanto o INSS vem entendendo que o benefício que não será computado no cálculo de renda familiar é aquele recebido por pessoa idosa da família, ou seja, se for recebido por pessoa com deficiência, será considerado para efeito do cálculo.

A solução do INSS é totalmente contrária à Constituição Federal, a quebra do princípio da igualdade apenas pode ocorrer através de determinados requisitos de ordem fática, tal discrimen feito pelo órgão público é totalmente injustificado.

Caso tal situação ocorra, o cidadão deve recorrer à justiça para que tenha seu direito garantido. Verifica-se novamente a atuação dos poderes públicos impedindo a concretização de um direito constitucionalmente protegido.

A natureza jurídica do Benefício Assistencial de Prestação Continuada pressupõe que o titular não tenha direito a benefício previdenciário e, em caso de seu falecimento, não haverá direito à pensão por morte, ou auxílio funeral.

CONCLUSÃO

É certo que as restrições da legislação ordinária não podem prevalecer diante dos preceitos constitucionais. Se a Constituição garante ao idoso e à pessoa com deficiência direito à assistência social, assim como ao Beneficio Assistencial de Prestação Continuada, é a norma superior que deve prevalecer e é o direito, por ela concedido, que deve ser protegido.

A própria doutrina colabora com esta questão. Vários autores identificam o Benefício Assistencial de Prestação Continuada como um direito disponível ao cidadão de acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social. Entretanto sua fonte original é a Constituição Federal e é nela que estão assegurados seus limites e possibilidades.

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