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sobre as convenções contra o terrorismo
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p. 129 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 129-146, 2008
Direito Penal e Processual Penal
A APLICAO DA CONVENO INTERAMERICANA CONTRA O TERRORISMO NO BRASIL
Paulo Emlio Vauthier Borges de Macedo1
Professor de Direito Internacional,
coordenador do mestrado e doutorado da Universidade Gama Filho RJ;
Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Aps 11/9/2001, o terrorismo passou a ser regulado no s pelo Direito Penal,
mas tambm pelo direito dos conflitos armados. Assim, a guerra contra o terror tornou-se
mais do que mera figura de linguagem. Essa duplicidade de tratamento provoca
diversos problemas para a aplicao do Direito Internacional no Brasil: o pas no
possui uma definio legal de terrorismo, e o STF no dispe de critrios seguros
para distinguir o terrorismo dos crimes polticos.
PALAVRAS-CHAVE
Terrorismo. Extradio. Crime poltico. Direitos humanos
SUMRIO
1 Introduo 2 O terrorismo e o Direito Internacional 3 A Conveno Interamericana
contra o Terrorismo 4 O delito de terrorismo no Direito brasileiro 5 Terroristas pos-
suem direitos humanos? 6 Concluso 7 Referncias Bibliogrficas
1 Introduo
Este trabalho aborda os dois regimes jurdicos de combate ao terrorismo,
implantados aps os atentados de 11 de setembro de 2001, em especial no Direito Inter-
nacional americano. O propsito deste arquivo mostrar que, aps essa data, o terro-
rismo passou a ser reprimido por dois sistemas jurdicos que, em determinada medida,
no se complementam. Essa no-complementaridade ocorre no Direito Internacional,
e agravada por algumas particularidades no Direito brasileiro.
De um lado, sempre se considerou o terrorismo um delito internacional,
passvel de punio ao indivduo e/ou ao grupo infrator. Havia um dever por parte dos
1 Autor dos livros Guerra e Cooperao Internacional, e Hugo Grcio e o Direito: O Jurista da Guerra e da Paz. E-mail:
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pases de cooperarem com intercmbio de informaes, controle do financiamento,
preveno e, num grau mais elevado de estreitamento, com a facilitao da extradio,
mas sem prejuzo de dispensa desta por crime poltico. Todavia, por mais negligentes ou
mesmo coniventes que os Estados fossem com terroristas, o Direito mantinha um respeito
sacrossanto soberania, e os pases nunca figuraram no banco dos rus.
De outro, a reao aos atentados foi tamanha que o terrorismo se transfor-
mou em motivo de ruptura da paz e da segurana internacionais, o que enseja o direito
de legtima defesa. Os atos terroristas que, para indivduos ou grupos, so tidos como
delitos internacionais foram equiparados, nesse respeito, agresso armada. A coni-
vncia dos Estados tem, agora, um preo muito maior.
O problema que esses dois tratamentos no so propriamente harm-
nicos. A luta contra o terrorismo tornou-se, ao mesmo tempo, um tema de segurana
internacional e de responsabilidade penal do indivduo. No Direito brasileiro, a ausncia
de critrios que distingam o crime poltico do terrorismo resulta em uma aplicao ainda
mais problemtica desses dois regimes.
certo que o terrorismo constitui uma prtica abominvel, a ser reprimi-
da com bastante rigor. Entretanto, deve haver limites para essa represso: os direitos
humanos. Trata-se da polmica nem um pouco recente entre direitos do homem e raison
dtat. No Direito interno, os direitos humanos sempre serviram como uma restrio ao
poder de imprio do Estado. Na Frana, v.g., o Caso Dreifuss foi paradigmtico. O Direito
Internacional no pode se furtar a esse debate.
2 O Terrorismo e o Direito Internacional
Os atentados de 11 de setembro obtiveram repercusso imediata em todo o
mundo. interessante observar o teor das medidas adotadas de represso ao terrorismo.
No dia seguinte aos atentados, o Conselho de Segurana concedeu carta branca aos
Estados Unidos, por provocao deste, com a RES/CSNU/1368/2001.2 Essa resoluo quali-
fica os atentados de 11 de Setembro, bem como qualquer ato de terrorismo internacional,
como uma ameaa para a paz e a segurana internacionais; e ainda reconhece, de forma
expressa, o direito de legtima defesa.
Se essa deciso for interpretada exclusivamente para reconhecer o direito
de legtima defesa dos EUA, ela foi perfeitamente intil: a legtima defesa , nos termos
do art. 51 da Carta, um direito natural (inherent no texto ingls) cujo uso no
subordinado a uma constatao do Conselho de Segurana (PELLET, 2003, p. 179).
2 Todas as resolues do Conselho de Segurana e da Assemblia Geral foram extradas do stio eletrnico oficial da ONU.
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Direito Penal e Processual Penal
O direito de legtima defesa no depende de autorizao para ser exercido; basta to-
somente que as medidas tomadas pelo Estado-vtima sejam comunicadas a posteriori ao
Conselho de Segurana que tem o poder-dever de tomar outras providncias que julgar
necessrias para a manuteno da paz internacional, independentes daquelas aes j
adotadas pelo Estado lesado.
Entretanto, essa resoluo bastante inusitada e encerra maiores conse-
qncias do que se pode imaginar. Desde o Pacto de Paris de 1928, tambm conhecido
como Pacto Briand-Kellog em referncia ao ministro francs do exterior Aristide Briand
e ao chanceler americano Frank Kellog a guerra foi proscrita do Direito Internacional como
meio vlido de soluo de controvrsias: Art. 1 As Altas Partes Contratantes declaram,
solenemente, em nome de seus respectivos povos, que condenam o recurso guerra
para a soluo das controvrsias internacionais, e a isso renunciam, como instrumento
de poltica nacional, em suas relaes recprocas.
O jus ad bellum foi, at ento, um meio legtimo de assegurar uma pretenso
no Direito Internacional. Constitua uma das formas vlidas de aquisio de territrio.
O estado de guerra gerava diversos efeitos tanto entre os contendores como em relao
a terceiros. O direito guerra foi, inclusive, um dos direitos internacionais que carac-
terizavam o Estado. Somente os soberanos se apresentavam como autoridades legtimas
para declarar guerra: guerras privadas eram injustas por natureza.
Em 1945, a Carta de So Francisco vai alm e probe, no art. 2, 4,
todo e qualquer emprego da fora, do qual a guerra no seno uma forma extrema:
Todos os membros devero evitar em suas relaes internacionais a ameaa ou o uso da
fora contra a integridade territorial ou a independncia poltica de qualquer Estado,
ou qualquer outra ao incompatvel com os Propsitos das Naes Unidas.
Isso no significa que no haja excees proibio do uso da fora.
O emprego da fora permitido nos casos em que o Conselho de Segurana, para situaes
especficas, o julga compatvel com os propsitos da ONU, nas lutas pela autodeterminao
dos povos e no exerccio da legtima defesa. J a permisso guerra, portanto, restringe-
se aos casos de legtima defesa individual ou coletiva guerra defensiva.
E foi exatamente de legtima defesa que a RES/CSNU/1368/2001 quali-
ficou as medidas que os Estados Unidos poderiam tomar. Isso significa que este pas pde
se engajar numa guerra defensiva. Ora, guerra , como visto acima, um contencioso
armado entre dois Estados. Cabe observar que, nos termos do art. 51 da Carta no caso
de ocorrer um ataque armado contra um membro das Naes Unidas , somente a agresso
armada justifica o recurso fora a ttulo de legtima defesa. E a agresso, segundo a
definio na Resoluo n 3.314 (XXIX) da Assemblia Geral de 1974, deve partir de Estado:
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Art. 1 A agresso a utilizao da fora armada por um Estado contra a soberania,
a integridade territorial ou a independncia poltica de um outro Estado, ou de qualquer
outra maneira incompatvel com a Carta das Naes Unidas, como se extrai da presente
Definio (grifo nosso). Nos atentados de 11 de setembro de 2001, a agresso partiu
de um grupo que no sequer reconhecido pelo direito interno, mas a guerra contra o
regime talib no Afeganisto ocorreu porque se entendeu que o pas estava concedendo
guarida aos terroristas. Todavia, o Conselho de Segurana no constatou expressamente
a agresso, embora tenha reconhecido o direito legtima defesa. Cumpre salientar que,
na Resoluo n 660/1990, o rgo observou a existncia de uma ruptura da paz na invaso
do Kuwait pelo Iraque, sem admitir tambm a existncia de agresso, e reconheceu o
direito legtima defesa.
Ademais, a Resoluo n 1.368 reconheceu o direito dos Estados Unidos
legtima defesa, mas no definiu contra quem. Osama Bin Laden e a Al-Qaida tornaram-se
os alvos principais do pas, mas, nesta cruzada contra o mal, Estados ditatoriais que abri-
gam terroristas tambm passaram a ser penalizados. Ser o abrigo de terroristas motivo
o bastante para justificar uma guerra? E como deve ser feita essa imputao ao Estado?
Cumpre salientar que a RES/AGNU/3314/1974 tambm prev como hiptese
permissiva de legtima defesa a agresso armada indireta: O envio por um Estado ou
em seu nome de bandos ou de grupos armados, de foras irregulares ou de mercenrios
que praticam atos de fora armada contra um Estado de tamanha gravidade que eles
equivalem aos atos enumerados acima [agresso armada direta], ou o fato de engajar-se
de maneira substancial em tal operao (art. 3, g). A agresso armada indireta foi
levantada diversas vezes para justificar o uso da fora. Foi o argumento da frica do
Sul em relao aos ataques da SWAPO em Angola, Zmbia e Lesoto (entre 1976-1985);
da Rodsia do Sul em relao aos ataques em Botswana e em Zmbia (1978-1979);
de Israel contra os campos palestinos no Lbano (1970-1983) e na Tunsia (1985);
e foi a tese norte americana para justificar a Guerra do Vietn (VELLOSO, 203, p. 197).
Mas esse argumento nunca foi bem aceito perante o Direito Internacional. No acrdo de
27 de julho de 1986, relativo s Atividades Militares e Paramilitares na Nicargua e Contra
Esta, a Corte Internacional de Justia admitiu que o envio de bandos armados para o
territrio de outro Estado constitui agresso armada somente ao se tratar de operao de
vulto, no uma simples assistncia a rebeldes. Tampouco manobras militares e envio de
dinheiro ou armamentos a rebeldes configuram atos de agresso (CORTE INTERNACIONAL
DE JUSTIA, 1986, p. 127).
No entanto, o Conselho de Segurana no decidiu contra legem,
contra a definio, pois a enumerao das aes que configuram agresso, listadas no
art. 3, no taxativa:
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O mbito da definio retida limitado. Como o objetiva esta resoluo [3.314], tratando-se de uma simples recomendao da Assemblia ao Conselho de Segurana, este ltimo pode proceder sua num sentido tanto restritivo como extensivo: tendo em conta as outras circunstncias pertinentes, ele pode desqualificar um ato que primeira vista parecia um ato de agresso (art. 2); pelo contrrio, pode qualificar outros atos de agresso em conformidade com as disposies da Carta (art. 4). (DINH, 1999, p. 824)
Em ltima anlise, em matria de manuteno da paz, a responsabilidade
pertence ao Conselho de Segurana das Naes Unidas (CSNU). ele que define a agresso.
E a Resoluo Antiterrorismo n 1.373, de 28/9/2001, alargou ainda mais os poderes do
rgo. At ento, o Conselho de Segurana poderia pronunciar-se em matria de segurana
internacional em face de uma situao concreta, mas para esta resoluo quaisquer atos
de terrorismo internacional constituem uma ameaa paz, o que faculta ao Conselho
agir de forma preventiva. A resoluo tambm decide e convoca os Estados membros
a reprimirem o terrorismo e a d) tornarem-se membros, o mais rapidamente possvel,
de todas as convenes e protocolos internacionais relevantes relacionados ao terrorismo,
inclusive a Conveno Internacional para a Supresso de Financiamento ao Terrorismo de
9 de dezembro de 1999 (art. 3). Assim, o Conselho torna obrigatrias normas inter-
nacionais que os Estados no ratificaram. Trata-se, como bem afirmou Alain Pellet,
de verdadeira legislao internacional (PELLET, 2003, p. 181, grifos do autor).
A Resoluo n 1.373 vai alm: procura assegurar a sua prpria eficcia:
Decide estabelecer, de acordo com a norma 28 de suas normas de procedimento, o Comit do Conselho de Segurana, composto de todos os membros do Conselho, para monitorar a implantao desta resoluo, com a ajuda de especialistas, e convoca todos os Estados membros a informar a este Conselho as medidas tomadas para a implantao desta resoluo, no prazo de 90 dias a partir da data da adoo desta resoluo, e a seguir em datas a serem propostas pelo Comit. (art. 6)
Trata-se, pois, de uma soft law nada soft.
Essa mesma norma convoca os Estados a no concederem a condio de
refugiado a terroristas (art. 3, f e g). Esta disposio vai fazer eco na Conveno
Interamericana contra o Terrorismo, como ser visto adiante.
Assim, a chamada guerra contra o terror no se revela uma simples
metfora. Para o Direito Internacional, os atentados terroristas de 11 de setembro
implicaram mesmo atos de guerra.
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3 A Conveno Interamericana contra o Terrorismo
Os atentados de 11 de setembro de 2001 tambm tiveram repercusses
no Direito Internacional americano. Os Estados das trs Amricas expressaram sua solida-
riedade aos Estados Unidos pela tragdia. No mesmo dia, ocorria, coincidentemente,
a XXVII Sesso Especial da Organizao dos Estados Americanos (OEA), em Lima, que tinha
como objetivo proclamar a Carta Democrtica Interamericana. Imediatamente aps a
notcia dos atentados, condenou-se formalmente os ataques e reconheceu-se a necessi-
dade de maior cooperao hemisfrica para lidar com o terrorismo. No dia 21 do mesmo
ms, em Washington, na XXIII Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores
da OEA, foi expedida uma resoluo que conclama os Estados americanos a assinarem
a Conveno de Supresso do Financiamento ao Terrorismo de Nova York (1999) e ainda
encarrega o Conselho Permanente da OEA a preparar um esboo para uma conveno
mais abrangente contra o terrorismo.
O mais importante reflexo, contudo, foi a adoo da Resoluo n 1.840,
de 3/6/2002, da Assemblia Geral da OEA, a qual proclama a Conveno Interamericana
contra o Terrorismo. Este documento fruto dos trabalhos do Conselho Permanente da
OEA e do Comit Interamericano contra o Terrorismo, criado pela Declarao de Mar del
Plata, de novembro de 1998. Assim, a conveno no resultou to-somente da indignao
produzida pelos atentados. O terrorismo sempre representou uma preocupao bastante
premente para a organizao. A Declarao de Lima, de abril de 1996 a primeira confe-
rncia especializada sobre terrorismo , j havia adotado o Plano de Ao sobre Cooperao
Hemisfrica para a Preveno, Combate e Eliminao do Terrorismo. As normas sobre
cooperao hemisfrica contra o terrorismo remontam a essa data, mas normas de
represso ao terrorismo no continente americano so anteriores, da dcada de 1970.
Todavia, por fora de deciso tomada em 21/9/2001, o prprio Tra-
tado Interamericano de Assistncia Recproca (TIAR), de 2/9/1947 tornou-se o mais
antigo documento de cooperao hemisfrica contra o terrorismo. Naquela data,
aproveitou-se a XXIII Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores da OEA e
realizou-se a XXIV Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores do Tratado do Rio.
Essa resoluo afirma que:
[Os] ataques terroristas contra os Estados Unidos da Amrica so ataques contra todos os Estados Americanos e que, em acordo com todas as relevantes disposies do Tratado Interamericano de Assis-tncia Recproca (Tratado do Rio) e com o princpio da solidariedade continental, todos os Estados membros do Tratado do Rio devem providenciar efetiva assistncia recproca para fazer face a esses ataques e ameaa de qualquer ataque similar a qualquer Estado americano, a fim de manter a paz e a segurana do continente. (RES/CONSELHO PERMANENTE/OEA/797/2001)
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Como o Tratado do Rio de segurana coletiva e condena a guerra,
a Resoluo n 1.368, tomada no mbito das Naes Unidas, encontrou correspondncia
direta com essa resoluo do sistema interamericano, de setembro de 2001. O Direito
Internacional Americano, como no poderia deixar de fazer, tambm considerou os ata-
ques de 11 de setembro como atos de guerra. Cumpre salientar que a resoluo acima
tem guarida no art. 3 do TIAR, que afirma expressamente o direito de legtima defesa
individual ou coletiva em resposta a agresso armada. Desta feita, todas as conside-
raes feitas no item precedente acerca da equiparao do terrorismo a atos de guerra
permanecem inalteradas aqui.
Cumpre salientar que atentados terroristas tambm constituem, numa
srie de convenes tanto de Direito Internacional Geral como de Direito Internacional
Americano, ilcitos internacionais passveis de punio e/ou extradio dos prprios terro-
ristas. Alis, esse era o tratamento usualmente concedido questo antes de os ataques
terroristas fossem considerados atos que ensejassem a legtima defesa e que pudessem ser
imputados, para efeitos de agresso armada, a um Estado que acobertasse os terroristas.
Os indivduos que cometem atos definidos como terroristas sempre foram perseguidos no
Direito Internacional; o que se alterou com as resolues foi o fato de que os Estados,
sob pena de guerra defensiva, no podem mais, a pretexto do princpio da soberania,
acobertar ou facilitar de qualquer forma indivduos ou grupos terroristas.
H, ainda, outras particularidades interessantes. A Conveno Interame-
ricana Contra o Terrorismo, no art. 2, fala em delitos, no em agresso armada, e se
reporta definio do termo em outras convenes3, o que torna claro o seu escopo de
3 So elas: a Conveno para a Represso do Apresamento Ilcito de Aeronaves, firmada em Haia em 1970; a Conveno para a Represso de Atos Ilcitos contra a Segurana da Aviao Civil, firmada em Montreal em 1971; a Conveno para a Preveno e Represso de Delitos contra Pessoas Internacionalmente Protegidas Inclusive os Agentes Diplomticos, aprovada na Assemblia Geral da ONU em 1973; a Conveno contra a Tomada de Refns, aprovada na Assemblia Geral da ONU, em 1979; o Convnio sobre a Proteo Fsica dos Materiais Nucleares, firmado em Viena, em 1980; o Protocolo para a Represso de Atos Ilcitos de Violncia em Aeroportos que prestam servios Aviao Civil Internacional, firmado em Montreal, em 1988; o Convnio para a Represso de Atos Ilcitos contra a Segurana da Navegao Martima, firmado em Roma, em 1988; o Protocolo para a Represso de Atos Ilcitos contra a Segurana das Plataformas Fixas na Plataforma Continental, firmado em Roma, em 1988, o Convnio Internacional para a Represso de Atentados Terroristas Cometidos com Bombas, aprovado na Assemblia Geral da ONU, em 1997; e o Convnio Internacional para a Represso do financiamento do Terrorismo, aprovado na Assemblia Geral da ONU, em 1999. interessante observar que somente duas conven-es aludidas pertencem ao sistema americano. Assim, para os efeitos da Conveno Interamericana Contra o Terrorismo, delito uma ao que: usa ou ameaa de usar a fora para a tomada de aeronave; comete violncia contra pessoa, e o ato pe em perigo aeronave em vo, navio mercante ou plataforma martima, destri ou causa srio dano a aeronave em vo, navio mercante ou pla-taforma martima, coloca artefato ou substncia que pode pr em perigo aeronave em vo, navio mercante ou plataforma martima, causa dano ao sistema de navegao de aeronave em vo, navio mercante ou plataforma martima e veicula informao falsa para ameaar a segurana de aeronave em vo, navio mercante ou plataforma martima; seqestra ou atenta contra a vida de pessoas internacionalmente protegidas; faz indivduo de refm com o intuito de modificar o comportamento de terceiro (no necessariamente um Estado); transfere de forma no autorizada, furta ou rouba, obtm de modo fraudulento ou violento, ou ameaa de usar material nuclear para causar destruio ou obrigar terceiro a modificar seu comportamento; comete violncia contra funcionrio da Aviao Civil Internacional, ou causa destruio ao aeroporto ou s aeronaves; comete atentado com o emprego de bombas em qualquer estrutura ou estabelecimento governamental; financia qualquer das atividades acima discriminadas. Vide o texto dos tratados em: ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Base de Textos de Tratados Internacionais. Disponvel em: . Acesso em 20 dez. 2002.
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reprimir os prprios terroristas. Ainda assim, preciso frisar, se esses delitos receberem
apoio ou cobertura de um Estado, constituiro atos de guerra. E essa conveno altera,
de forma substancial, todos os demais documentos que ela se reporta. At ento,
no Direito Internacional Americano, nunca se havia discutido o fato de o crime terrorista
no ser de natureza poltica, e o direito de asilo no restava prejudicado. Entretanto,
para efeitos de extradio ou mtua assistncia jurdica, o art. 11 da Conveno
estabelece a inaplicabilidade da exceo do delito poltico:
Para os objetivos de extradio ou mtua assistncia jurdica, nenhum dos delitos estabelecidos nos instrumentos internacionais listados no Artigo 2 dever ser considerado delito poltico, ou delito conexo a um delito poltico ou um delito inspirado por motivos polticos. Em conseqncia, uma solicitao de extradio ou de assistncia jurdica mtua no poder ser denegada somente com base em que se relaciona com um delito poltico, ou com um delito conexo a um delito poltico ou com um delito inspirado por motivos polticos.4
Nos artigos 12 e 13, a Conveno ainda mais explcita e probe a concesso
da condio de refugiado e do direito de asilo a qualquer pessoa na qual haja motivos
fundados de suspeita de ato terrorista. Em suma, para no poder contar com o beneplcito
de institutos assecuratrios da dissidncia poltica, o terrorismo no um ilcito poltico,
nem de qualquer forma relacionado a um crime poltico. Esta corresponde a uma mudana
bastante significativa dos documentos legais j existentes e os invocados pela prpria
conveno, como a Declarao de Lima e a Pauta para a Cooperao Interamericana con-
tra Atos e Atividades Terroristas estabelecida em Mar del Plata, que, de modo expresso,
afirmavam que as disposies ali contidas no prejudicavam o direito de asilo.
Desta feita, se for vlida a conhecida frmula de Carl von Clausewitz
a guerra a continuao da poltica por outros meios (CLAUSEWITZ, 1996, p. 30) ,
ento o regime jurdico criado por todas essas disposies revela-se, no mnimo, paradoxal.
Os indivduos ou grupos que perpetuam atentados terroristas no cometem ato poltico,
mas crime comum, e devem ser punidos ou extraditados sem direito a asilo ou condio
de refugiados. J em relao a Estados que apiam ou acobertam esses indivduos ou
grupos terroristas, esses mesmos atentados tm natureza poltica e configuram atos de
guerra, o que enseja a legtima defesa individual ou coletiva.
4 A Conveno Interamericana Contra o Terrorismo, adotada pela Resoluo n 1.840, de 3/6/2002, na XXXII-O/02 Sesso da Assemblia
Geral da OEA, foi aprovada no Brasil, em 1/9/2005, pelo Decreto Legislativo n 890 e promulgada, em 26/12/2005, pelo Decreto
Presidencial n 5.639.
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No entanto, a peculiaridade mais importante do sistema americano de
combate ao terrorismo ainda est por vir. A Conveno Americana de Direitos Humanos,
o Pacto de So Jos da Costa Rica de 1969, estabelece, no art. 4, 4: Em nenhum
caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos polticos, nem por delitos comuns
conexos com delitos polticos. A contrrio senso, nos pases americanos onde existe
a pena capital Antgua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Estados Unidos,
Jamaica, Guatemala, Guiana, Repblica Dominicana, So Cristvo e Nvis, Santa Lcia,
So Vicente e Granadinas, e Trinidad e Tobago (STRANO NETWORK, 2002), como o
terrorismo no se apresenta como um delito poltico, a pena de morte pode ser exe-
cutada. De modo estranho, a Conveno Interamericana contra o Terrorismo dispe,
no art. 15, 2, que:
Nada na presente Conveno ser interpretado no sentido de restrin-gir outros direitos e obrigaes dos Estados e dos indivduos perante o Direito Internacional, em particular a Carta das Naes Unidas, a Carta da Organizao dos Estados Americanos, o Direito Internacional Humanitrio, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos refugiados.
H de se indagar qual documento a Conveno Americana de Direitos
Humanos ou a Conveno Interamericana Contra o Terrorismo constitui a regra geral e
qual, a exceo.
interessante observar que o art. 27, 1, do Pacto de So Jos da Costa
Rica dispe que, em caso de guerra, algumas garantias podem ser suspensas. Entretanto,
o 2 do mesmo artigo prev que as garantias do art. 4, em especial, no podem ser
suspensas. A proibio da pena de morte por delito poltico, por exemplo, no pode ser
suspensa em hiptese de guerra. preciso averiguar como funciona o mecanismo em
relao ao terrorismo. Se ocorrerem atentados terroristas os quais constituem atos de
guerra ser instaurado o estado de guerra. Este estado de guerra, nos pases que ainda
prevem a pena de morte, no pode suspender a garantia de proibio pena de morte
em crimes polticos. Mas, como o terrorismo no constitui um crime poltico, a pena de
morte pode ser sempre aplicada.
4 O delito de terrorismo no Direito brasileiro
A constituio brasileira, no art. 4, VIII, erigiu o repdio ao terrorismo como
princpio basilar que deve orientar o Estado brasileiro nas suas relaes internacionais.
No art. 5, XLIII, reforou esse repdio ao determinar que o crime de terrorismo seja ina-
fianvel e insuscetvel de graa ou anistia. Assim, mostra-se razovel supor que o Brasil
assumiu um compromisso constitucional de frontal hostilidade s prticas terroristas.
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Segundo o Ministro Celso de Mello, em voto no processo de Extradio
n 855/2004, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o poder constituinte emitiu
um claro e inequvoco juzo de desvalor em relao a quaisquer atos delituosos impregnados
de ndole terrorista, no se pode conceder ao terrorista o mesmo tratamento benigno atri-
budo ao criminoso poltico.5 Justifica essa diferena com base no fato de que o terrorismo
constitui um atentado s prprias instituies democrticas, e isso o distanciaria do crime
poltico. Embora, poca, ainda no ratificada pelo pas, o ministro alude Conveno
Interamericana Contra o Terrorismo para corroborar essa interpretao que descaracteriza
a natureza poltica do ato terrorista (STF/EXTRADIO/855/2004, p. 28-30).
Outrossim, entre os doutrinadores, percebe-se uma tendncia de distinguir
o terrorismo do crime poltico. As teorias objetivas definem o crime poltico conforme o
bem jurdico lesado. Assim, aqueles comportamentos que atentam contra a existncia do
Estado, ou de sua organizao poltico-jurdica, poderiam enquadrar-se nessa definio.
As teorias subjetivas privilegiam a motivao do autor. Desse modo, no importaria qual
tipo penal foi descumprido: desde que o agente procurasse desestabilizar o regime pol-
tico vigente, haveria um crime poltico. Atualmente, os ordenamentos nacionais aceitam
mais as teorias mistas, que combinam os elementos objetivos e subjetivos. Essas teorias
podem ser extensivas ou restritivas: aquelas caracterizam como polticos os atentados
contra a organizao poltica de um Estado, alm de todo ato com uma motivao poltica;
e as ltimas defendem a idia de que constituem crimes polticos somente as condutas
que lesionam a existncia constitucional do pas e tambm apresentam fins polticos.
Nesse caso, excluem-se da definio tanto os crimes que, com o nimo do lucro, ferem a
ordem poltica do Estado como as infraes penais comuns (seqestro ou roubo) praticadas
com um intento poltico (GUIMARES, 2007, p. 63-64).
Esses critrios conseguem diferenciar o crime poltico do comum
com razovel sucesso. No entanto, no se prestam para distingui-lo do terrorismo.
Segundo Lus Jimnez de Asa:
Los delitos terroristas, o ms brevemente el terrorismo, como se acostumbra designarlos en los Congresos y Conferencias internacio-nales, no constituyen una figura homognea ni caracterizada por fines altruistas ulteriores, sino por el medio ocasionado a grandes estragos, por la vctima, que puede ser un magnate o personaje, o, en contrapartida, personas desconocidas que accidentalmente se hallaren medios de transporte, plazas, calles, etc., y por el inmediato fin de causar intimidacin pblica (JIMNEZ DE ASA, [s.d.], p. 185).
5 No Brasil, o crime poltico recebe duas importantes discriminaes positivas em sede constitucional: no art. 5, LII, veda-se a
extradio por crime poltico ou de opinio; e, no art. 4, X, erigiu-se a concesso de asilo a princpio que deva guiar o pas em suas
relaes internacionais.
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Ora, tambm o crime poltico visa a causar intimidao pblica. Ademais,
o carter altrusta de um atentado terrorista pode ser medido pelo fato de que o agente
se encontra disposto a sacrificar sua prpria vida pela causa.
Para Luiz Rgis Prado, os tipos penas praticados por um agente terrorista
obedecem a um plano cuidadosamente organizado, dirigido para a consecuo de um
objetivo que transcende a finalidade intrnseca de cada uma das condutas delitivas
individualmente consideradas (PRADO; CARVALHO, 2007, p. 437). Essa explicao,
porm, no basta porque s corrobora o entendimento de que, tal como o crime poltico,
o terrorismo no se exaure nos comportamentos criminosos devidamente tipificados:
h um plano maior, o de desequilibrar a ordem vigente.
De acordo com outro Marcelo Ovdio Lopes Guimares, o terrorismo,
ao contrrio do crime poltico, se afasta do motivo efetiva e exclusivamente poltico e
da ao dirigida contra a ordem poltica, j que seu propsito o de ocasionar o terror,
a intimidao (GUIMARES, 2007, p. 69). A diferena, ento, parece resumir-se a uma
questo de escala: quando o ato no assusta ningum, trata-se de delito poltico.
Um pouco adiante, o mesmo autor aponta outra diferena: o terrorismo
tende destruio do regime poltico, social e econmico dos pases, enquanto o delito
poltico atinge a ordem poltica, dirigindo-se a um determinado Estado (GUIMARES,
2007, p. 69). Mais uma vez, reduz-se a distino a um problema de escala: se atinge um
s pas, um crime poltico; mas se ataca dois ou mais, um atentado terrorista.
Na Extradio n 855/2004, o relator distingue uma figura da outra pelo
fato de que o terrorismo constitui um atentado s prprias instituies democrticas.
Esse fundamento revela-se bastante precrio. Desta feita, se o ato se dirigir contra um
regime democrtico, ser terrorismo, mas, mutatis mutandi, se ele se opuser a um
governo ditatorial, ser um crime poltico. Segundo este raciocnio, no h, portanto,
possibilidade de haver atentados terroristas a ditaduras, assim como no pode haver
crimes polticos numa democracia.
Em seu voto no processo referido, o ministro Seplveda Pertence ressalta
a fluidez da definio de terrorismo: em uma circunstncia constitucional, um ato pode
ser qualificado de terrorista; em outra, a mesma ao demanda outro tratamento.
Num regime muito rgido, que impea a manifestao da oposio, parece no restar
aos opositores outra alternativa violncia, ao terror. Conclui o ministro que o STF deve
formular juzos casustas. J o ministro Nelson Jobim afirma que terrorismo no corres-
ponde a um conceito que traduza um ato de realidade, mas a um juzo de valor, que deve
ser examinado caso a caso. Acrescenta que prefere, intuitivamente, emitir um parecer
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em cima do caso e que renuncia a qualquer possibilidade de discutir academicamente
a busca de algo no mundo que seja terrorismo, o que no vai haver nunca. Isso depende
do lado do muro em que se encontra (STF/EXTRADIO/855/2004, p. 77-88).6
Vinte anos antes, na Extradio n 417/1984, o pedido de extradio
formulado pela Argentina foi deferido, e a essncia poltica do delito afastada, mas em
outras bases. Em seu voto, o ministro Oscar Corra afirmou que, em vista da gravidade e
da extenso das aes praticadas por Mrio Eduardo Firmenich como uma das lideranas
do grupo subversivo Montoneros, no se pode considerar o seu comportamento um crime
poltico (STF/EXTRADIO/417/1984, p. 54-59). Deve se ressaltar que, poca dos atos
delituosos do extraditando, a Argentina passava por um regime de exceo, o que contraria
a tese de que o terrorismo s pode ser praticado contra governos democrticos.
No h dvidas de que o STF pode descaracterizar a ndole poltica de um
ato para efeitos de extradio (art. 77, 3, do Estatuto do Estrangeiro), mas este rgo
no conseguiu elaborar uma fundamentao que estabelea as diferenas entre terrorismo
e delito poltico que ultrapasse o caso concreto. Dessa maneira, o STF falha em conferir
previsibilidade s suas decises sobre o assunto.
Cumpre salientar que, em princpio, nenhum Estado admite a existncia de
delitos polticos em sua ordem constitucional. Diante de caso concreto, um pas sempre
ir buscar desqualificar o crime poltico para comum. Como bem mencionou o ministro
Francisco Rezek, a deteco do crime poltico s se faz de fora para dentro, s se faz
luz dos olhos do observador neutro (STF/EXTRADIO/417/1984, p. 49). Com a previso
da impossibilidade de extradio para atentados terroristas, abre-se a oportunidade de
sequer procurar descaracterizar-se a natureza poltica do ato: basta classific-lo como
terrorismo para que crimes polticos de grande repercusso possam ser julgados sem
qualquer beneplcito.
Ainda que no haja um conceito unvoco de terrorismo em Direito Inter-
nacional, a indefinio reduzida por fora de diversos tratados que prevem delitos
considerados terroristas. O art. 2 da Conveno Interamericana Contra o Terrorismo
remete a esses textos. Contudo, na legislao penal brasileira, no h, de maneira
expressa, nenhum crime tipificado como terrorista. A Lei n 10.744/2003, que dispe
sobre a assuno, pela Unio, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de
atentados terroristas [...], conceitua, no art. 1, 4, terrorismo como qualquer ato de
uma ou mais pessoas, sendo ou no agentes de um poder soberano, com fins polticos ou
terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional. No entanto,
esta lei no tipifica nenhuma conduta, tampouco se revela esclarecedora a definio.
6 Atente-se ao fato de que a data dessa deciso posterior a 1989.
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Cabe tecer algumas consideraes acerca da Lei n 7.170/1983, a Lei de
Segurana Nacional. Esta norma foi criada durante o perodo do regime militar e definia
crimes contra a segurana nacional e contra a ordem poltica e social. Embora nunca
formalmente declarada inconstitucional, hoje pairam sobre ela graves dvidas acerca de
sua compatibilidade com o texto constitucional democrtico. O STF nem mesmo a invoca
mais para realizar a subsuno legal dos casos. Entre seus artigos, havia diversos tipos que
poderiam remeter-se a condutas terroristas, e, no art. 20, a lei menciona, de maneira
expressa, o termo terrorismo: Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqestrar, manter
em crcere privado, incendiar, depredar, provocar exploso, praticar atentado pessoal ou
atos de terrorismo, por inconformismo poltico ou para obteno de fundos destinados
manuteno de organizaes polticas clandestinas ou subversivas (grifo nosso).
Alm da discusso acerca da validade da lei, h de se argir, ainda,
a inconstitucionalidade do art. 20. Uma vez que o tipo menciona, de modo gen-
rico, atos de terrorismo, mas no o conceitua nem apresenta o seu significado,
este dispositivo fere o princpio do nullum crimen sine lege, j que no prev delimitao
de sua incidncia (FRANCO, 1994, p. 67). Segundo Alberto Silva Franco, portanto,
no h o crime de terrorismo no Brasil.
Em razo da ausncia de previso legal e da falta de critrios a priori
sobre terrorismo por parte da nossa corte constitucional, a Conveno Interamericana
contra o Terrorismo dever encontrar vrios problemas para a sua aplicao em terras
brasileiras. H, ainda, mais uma dificuldade que esta conveno dever enfrentar:
seu status no direito nacional.
Aps a promulgao, em 26/12/2005, pelo Decreto n 5.639, a Conveno
Interamericana Contra o Terrorismo entrou em vigor no ordenamento jurdico nacional.
Mas o Brasil no apresenta um sistema unvoco sobre a hierarquia de tratados devida-
mente internalizados. Desde o Recurso Extraordinrio n 80.004/1977, de um modo geral,
os tratados ingressam no ordenamento jurdico ptrio com a fora de lei ordinria. Tratados
de direitos humanos aprovados pelo qurum qualificado do art. 5, 3, da Constituio
possuem status de emenda constitucional. E, em virtude do art. 98 do Cdigo Tributrio
Nacional, tratados que dispem sobre matria tributria revogam legislao complementar.
Tambm em casos de extradio entende o STF que os tratados prevalecem sobre a lei
interna (STF/HC/58727-DF/1981). Assim, a Conveno Interamericana Contra o Terrorismo
foi ratificada com fora de lei ordinria. No obstante o fato de o art. 27 da Conveno de
Viena sobre Direito dos Tratados proibir o inadimplemento de um tratado com base numa
norma de direito interno, no pas esta conveno pode ser derrogada por lei ordinria
posterior ou pela constituio.
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Direito Penal e Processual Penal
5 Terroristas possuem direitos humanos?
A pergunta acima procede porque os Estados no sabem como lidar com
o terror. Um ex-tenente coronel das Foras Armadas israelenses, em artigo na Foreign
Affairs, denuncia a ineficcia das medidas de combate ao terrorismo que seu pas tem
tomado. Segundo o autor, as medidas contraterroristas de Israel s tm contribudo para
aumentar a popularidade do recurso ao terrorismo entre palestinos (LUFT, 2002, p. 4).7
Trata-se de um crculo vicioso. Como as medidas atuais de combate no conseguem surtir
o efeito esperado, as aes se tornam mais severas. Mas como esse aumento da represso
tambm no traz resultados (somente mais violncia), os terroristas, em resposta, inten-
sificam os ataques. Assim, retorna-se ao ponto de partida.
Nessa escalada da violncia, o primeiro instituto a ser sacrificado so os
direitos humanos. E o direito atingido de forma mais explcita foi o de asilo, reconhecido em
diversos diplomas internacionais art. 14 da Declarao Universal dos Direitos Humanos;
art. XXVII da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948; art. 22,
7, do Pacto de So Jos da Costa Rica; art 12, 3, da Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos. No Brasil, a concesso de asilo poltico preceito constitucional.
Embora no exista um dever correlato por parte de um Estado em especial para a concesso
do asilo, este constitui um direito e, portanto, a sua restrio deve vir acompanhada de
maiores cuidados. Segundo alguns autores, direitos humanos podem ser limitados somente
por outros direitos humanos (DWORKIN, 1977, p. 194). No caso, o direito foi restringido
por uma medida de persecuo penal.
O paradoxo necessrio enfatizar reside nesta natureza poltica
fugidia do terrorismo. Como visto anteriormente, aps os atentados do 11 de setembro,
atos de terror podem gerar o estado de guerra, que um estado poltico. O terrorismo
em relao a Estados sempre um ato poltico. Mas, quando se trata dos indivduos que
cometem os atentados terroristas, o crime de terrorismo consiste num crime comum.
Quando se trata de responsabilizar Estados imputar um Estado por uma ameaa
paz e segurana internacionais , o terrorismo possui natureza poltica; contudo, para
responsabilizar indivduos, ele esconde essa natureza e se torna um crime comum.
O terrorismo implica uma dupla criminalizao e representa hoje o ilcito combatido de
7 O autor ilustra essa questo com o aumento da popularidade do homem-bomba. Antes, esse recurso era considerado apenas por
extremistas: a maior parte dos palestinos julgava que o homem-bomba em nada contribua para a causa. Depois do aumento da
represso, o homem-bomba comeou a ser visto como mrtir e sua apario tornou-se cada vez mais recorrente.
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Direito Penal e Processual Penal
forma mais enrgica no Direito Internacional. Ento, para se reprimir melhor os ataques
terroristas, estes podem ser considerados at mesmo atos de guerra. Mas esse status no
vem acompanhado de nenhuma das salvaguardas de direitos humanos e humanitrios.
Os Estados Unidos se recusaram a conceder o tratamento de prisioneiros de
guerra, em Guantnamo, aos capturados na guerra contra o Afeganisto, em detrimento
das Convenes de Genebra. O Direito Internacional probe o interrogatrio coercitivo de
presos, mas os detentos eram espancados e humilhados, submetidos a privao de sono
e dos sentidos, waterboarding e outras formas de tortura. A argumentao norte-ameri-
cana era a de que os presos de Guantnamo seriam unlawful combatants, uma categoria
no prevista nas Convenes de Genebra o que poderia justificar a excepcionalidade
do tratamento. Em 28 de junho de 2004, a Suprema Corte dos EUA finalmente rejeitou a
tese de que o presidente teria autoridade para prender pessoas acusadas de terrorismo,
sem acesso a advogados (ou ao mundo fora do crcere) e sem a possibilidade de reviso
judicial da deciso (SUPREME COURT/542/US/ HAMDI vs. RUMSFELD/2004).
No entanto, segundo Dworkin, as decises no foram, de todo, satisfatrias.
Apesar de favorveis, os julgamentos contm afirmaes bastante preocupantes.
No caso Hamdi vs. Rumsfeld, a juza Sandra Day OConnor argi que o tribunal imparcial
a que o detento tem direito no precisa ser uma corte judicial, mas uma comisso militar
apropriadamente constituda. Alm disso, as regras probatrias podem ser suavizadas a
ponto de sofrer uma reverso do nus da prova. No necessrio provar a culpa: cabe ao
detento de dentro do crcere produzir provas para a sua inocncia. A juza decidiu no
libertar o prisioneiro, ainda na qualidade de preso de guerra, porque, embora a guerra
no Afeganisto tenha terminado, ele poderia engrossar as fileiras inimigas na guerra
contra o terror, que ainda continua (DWORKIN, 2004, p. 28).
A categoria de unlawful combatants corresponde a um tertius genus,
no mnimo bastante estranho. Entre os combatentes, incluem-se os regulares e
soldados que no portam nenhuma insgnia identificadora, alm de civis independentes.
Se capturados, estes dois ltimos no teriam direito ao status de prisioneiros de guerra,
mas, conforme o art. 44, 4, do Protocolo I de 1977, devem receber proteo equivalente
em todos os sentidos. Mesmo os mercenrios e espies devem ser tratados com humani-
dade. Essas duas classes de indivduos so as mais desprezadas pelo Direito Humanitrio,
mas se beneficiam das garantias fundamentais do art. 75 do Protocolo I (proibio de
assassinato, de tortura, de penas corporais, etc.). Isso significa que o Direito Humanitrio
prefere proteger as foras regulares, mas estende o seu abrigo s irregulares e no deixa
de conferir uma proteo mnima s classes que visa a reprimir. No faz sentido, portanto,
existir uma categoria desprovida de qualquer proteo.
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Direito Penal e Processual Penal
6 Concluso
O Direito Internacional, aps o 11 de Setembro, tornou-se mais rigoroso.
Indivduos e grupos terroristas passaram a serem processados e punidos de forma mais
severa, e Estados suspeitos de conivncia se arriscam a sofrer as conseqncias da legtima
defesa. A alegao do princpio da soberania no basta para justificar esta conivncia.
Nenhum pas hoje livre para apoiar atividades terroristas, porque estas lesam a paz e a
segurana internacionais. Ademais, nenhum Estado hoje livre para apoiar o terrorismo,
at porque este no mais uma opo poltica.
Cumpre salientar que, sob uma tica formalista, a Resoluo n 1.368 no
abriu margem para a interveno nos assuntos internos dos Estados. A legtima defesa
constitui um direito natural e, sobretudo, soberano. A agresso armada, o recurso s
armas, embora no corresponda a um direito, o ato mais caracterstico da sobera-
nia. Tanto a agresso como a resposta a ela consistem em uma prerrogativa soberana.
No h atividade mais soberana do que a guerra.
Contudo, guerra uma contenda armada entre Estados e uma organizao
terrorista no um Estado. Terroristas praticam uma ao considerada delito internacional,
porm no se trata de uma agresso armada, ainda que passvel de dura represso.
J aos pases que acolhem terroristas imputada a autoria mediata do atentado terrorista.
A conduta que se busca evitar por parte do Estado essa cobertura ou a simpatia pela
causa do terrorismo. Porm, quando um pas age assim, como o Afeganisto, aquele mesmo
ato que constitui um delito internacional para o terrorista, o autor imediato, provoca
uma ruptura da paz e segurana internacionais, e equiparado a um ato de guerra.
A duplicidade de tratamento internacional em relao ao terrorismo deve
provocar, no Direito brasileiro, ainda mais confuso. O Brasil no apresenta nenhum tipo
penal que defina um atentado terrorista, e o STF no distingue a priori delito poltico de
terrorismo. No h nenhum critrio, fora a imaginao dos magistrados, pela qual possa
se pautar a interpretao da Conveno Interamericana contra o Terrorismo no Brasil.
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