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A poltica comercial do Brasil no contexto internacional, 1889-1945 Brazilian Trade Policy in the international context, 1889-1945
Paulo Roberto de Almeida
1. Uma poltica comercial persistentemente defensiva
Descontado o perodo inicial de sua vida independente, quando ele teve de
acomodar-se herana diplomtica deixada pela sujeio portuguesa aos interesses
comerciais britnicos um largo perodo que se estende de 1808 at 1844 , o Brasil
sempre foi, pelo resto do Imprio e em toda a Repblica, um pas de tarifas
excessivamente elevadas. No se pode dizer, contudo, que ele tenha sido um pas
voluntria e conscientemente protecionista, no sentido estrito do termo, durante todo
esse tempo, inclusive porque havia poucas indstrias a proteger. De modo geral, as
necessidades fiscais primaram sobre as intenes protecionistas, tanto porque as
autoridades do Tesouro se esmeraram tambm em taxar as exportaes: a partir de um
mnimo de 2%, que D. Joo VI j considerava excessivo, a Regncia elevou os impostos
de exportao para 7%, valor que foi mantido irregularmente pelo resto do perodo
monrquico, com algumas redues temporrias a 5% (IHGB, 1922: 1094).
Desde que ele conseguiu se libertar da tarifa inglesa estabelecida em 1810,
continuada tal qual em 1827, e mantida contra a sua vontade at a introduo da Tarifa
Alves Branco , o Brasil estabeleceu alquotas elevadas na importao de produtos,
mais por razes fiscais do que propriamente industrializantes, embora esse tipo de
motivao tambm tenha estado presente em diversos momentos de revises tarifrias
ao longo do Imprio e, mais enfaticamente, a partir da Repblica. Os desincentivos ao
comrcio exterior e, por extenso, prpria produo nacional, ao gravar os insumos
importados para transformao local eram ainda acrescidos linearmente, pelo fato de
as provncias no Imprio e os estados na Repblica se empenharem em aumentar suas
parcas receitas impositivas por meio de adicionais em direitos de exportao. No raro,
algumas provncias, motivadas politicamente a proteger os produtos locais, se
esmeravam em discriminar os de fabricao estrangeira, o que inclua inclusive
produtos de outros estados: no decorrer do Imprio, alguns governos estrangeiros
fizeram reclamaes contra esse tipo de discriminao (Almeida, 2005: 288).
Doutor em Cincias Sociais, mestre em Planejamento Econmico, diplomata de carreira (www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com).
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O padro geral da definio de novas pautas aduaneiras, bem como das
peridicas revises tarifrias, no Brasil como em outros pases da regio, sempre foi no
sentido da sua elevao, muito raramente na outra direo. As motivaes protetoras e
defensivas nem sempre estavam bem fundamentadas, ou ento, elas no eram
facilmente detectveis na estrutura da pauta de importao, cujas alquotas eram
construdas no mais das vezes para produzir receitas para o Estado, antes que para
proteger alguma indstria bem identificada (no mais das vezes, alis, inexistente). A
valorao aduaneira era deficiente ou simplesmente arbitrria, o que podia converter
uma tarifa ad valorem aparentemente moderada em um peso efetivo maior do que o
incidente nominalmente sobre o preo do produto.
As reformas tarifrias, e suas revises, seguiam mais os imperativos da balana
comercial e seus efeitos cambiais secundrios ou seja, procuravam seguir os
problemas acarretados pela volatilidade do mil-ris, ou a situao errtica das rendas do
Estado do que propriamente alguma poltica industrial bem definida. O nvel mais
elevado da tarifa ad valorem fixado no decurso das diversas reformas tarifrias ao longo
do Imprio se situou entre 50 e 60%, como se pode constatar na tabela 1.
Mesmo numa situao de dependncia de bens estrangeiros para o essencial das
necessidades de consumo e de investimento do aparelho produtivo, os sentimentos
nacionalistas eram predominantes em quase todos os pases latino-americanos, com um
vis sempre mais forte na reteno das importaes do que na promoo do comrcio
exterior como um todo. Esses instintos se viram aparentemente justificados a partir da
crise dos anos 1930, quando a obsesso pelo estrangulamento cambial talvez nunca
superada nas dcadas que se seguiram serviu para exacerbar, desta vez de modo mais
explcito, o comportamento protecionista das elites industriais e polticas. Cabe tambm
mencionar a possvel utilizao da tarifa como uma espcie de arma poltica, nem
sempre dirigida contra a concorrncia estrangeira, e mais voltada, talvez, para a
redistribuio de renda entre grupos sociais, segundo configuraes domsticas de
poder.
Sem dispor de uma reflexo econmica prpria, em vista da ausncia geral de
especialistas nessa rea, os pases latino-americanos tendiam a seguir as polticas
comerciais dos europeus, ou dos norte-americanos, mesmo quando os nveis de
industrializao eram totalmente distintos e eles sempre o foram, sobretudo no final
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do sculo 19 e na primeira metade do seguinte. Nesse sentido, uma anlise das polticas
comerciais seguidas pelo Brasil no pode ser feita com referncia apenas ao processo
domstico de formulao de polticas pblicas neste caso, seria inclusive
incongruente, tendo em vista as necessrias interaes com os fluxos externos e as
reaes s polticas tarifrias dos demais pases , mas essencialmente no contexto das
polticas e prticas de comrcio internacional seguidas pelos demais pases, entre eles
alguns latino-americanos, com nfase no caso da Argentina.
2. A herana do Imprio e as inovaes da Repblica
A ltima tarifa do Imprio, implementada pelo ministro da fazenda Joo Alfredo
em janeiro de 1889, era de tipo mvel, ou seja, acompanhava a variao do cmbio, que,
obviamente variava muito, ao sabor das flutuaes dos preos de principal produto de
exportao, o caf. De fato, a despeito das receitas crescentes com as exportaes totais
de caf, dada a expanso da produo ao longo do tempo, os valores obtidos por cada
saca de caf no mercado internacional variavam bastante, o que impactava a cotao do
cmbio na praa do Rio de Janeiro e, portanto, as receitas pblicas: o valor de uma saca
podia variar entre 1,4 libras esterlinas, como ocorreu, em mdia, nos anos 40 do sculo
19, e um mximo de 3,1 libras, como foi o caso na dcada que se seguiu Guerra do
Paraguai (Buescu, 1974: 128).
Ao ter incio a Repblica, o novo ministro, Rui Barbosa, decidiu que uma parte
uma parte do imposto teria de ser paga em moeda forte, o que significou a introduo da
quota-ouro ( razo de 2% da tarifa), com vistas, justamente, a preservar o nvel das
receitas fiscais. Antes de deixar o ministrio, Rui Barbosa conduziu uma nova reforma
tarifria: mandou efetuar, no final de 1890, uma reviso em cerca de 1.100 itens da
pauta de importao, a partir da qual a maior parte ficou estabelecida em taxas fixas,
mas ele tambm determinou a aplicao de uma tarifa adicional ad valorem a 89 deles;
o nvel mais elevado da alquota era de 60%.
As motivaes, como no caso americano at essa poca, eram basicamente
fiscais, dada a enorme dependncia das receitas gerais do Estado dos recolhimentos
efetuados nos portos de entrada. De fato, contrariamente ao que se considera como
sendo um posicionamento claramente em favor da industrializao protegida, no caso
dos EUA foram as preocupaes com as receitas da Unio que estiveram por trs das
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altas taxas alfandegrias cobradas no decorrer do sculo 19: antes da adoo do
imposto de renda no sculo 20, os impostos de importao financiavam 90% do governo
americano (Thornton-Ekelund, 2004: 13). Mais at do que o temor da concorrncia
britnica contra a indstria infante do pas, foi a necessidade de assegurar uma fonte
de receita regular e constante para o Estado, em face de tantas reviravoltas do ciclo
econmico, que respondeu pelo protecionismo fiscal nos EUA (Taussig, 1964).
O grande princpio da Constituio republicana de 1891 foi a descentralizao,
assim como a obra da Regncia tinha sido a centralizao, inclusive e principalmente no
plano tributrio: em 1835, os legisladores desse perodo de transio tinham
concentrado na Unio 58 rubricas de receitas, inclusive os impostos de exportao,
todos os do Municpio Neutro (Rio de Janeiro), os de transmisso de propriedade,
indstrias e profisses, predial e outros. A reao, em 1891, se fez no sentido contrrio,
travando-se um embate difcil na Constituinte, que, finalmente, transferiu aos estados os
impostos de exportao, o predial e o de indstrias e profisses. Como resultado, j no
oramento de 1892, para fazer face s despesas federais, teve a Unio de aplicar um
adicional de 50% sobre os direitos aduaneiros em geral (menos bacalhau, charque,
feijo, milho e arroz), de 60% sobre bebidas e sedas e de 10% para o expediente de
gneros livres, assim como para trmites aduaneiros, como capatazia e armazenagem
(Bouas, 1946: 114).
O trabalho aparentemente constante e regular de reviso das tarifas
brasileiras continuou o seu movimento ascensional pelo resto da ltima dcada do
sculo 19: em 1896, j sob a presidncia Rodrigues Alves, a reviso