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A política de fronteiras do Império do Brasil na imprensa carioca de 1851: uma questão de opinião pública. Vanessa da Silva Albuquerque 1 O presente trabalho é o início dos estudos que serão desenvolvidos nos próximos quatro anos de doutoramento. A atual proposta busca compreender como a imprensa carioca, representada pelo Correio Mercantil e pelo Diário do Rio de Janeiro, retratou os tratados de 1851 resultantes do conflito conhecido como Guerra contra Oribe e Rosas, ocorrido entre agosto de 1851 a fevereiro de 1852. Diante de tal contexto, outra preocupação elaborada nesse estudo serão os motivos que levaram o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB a direcionarem suas análises para a questão dos limites do Império do Brasil a partir da mudança de seu estatuto em 1851. Os limites do Brasil: uma breve análise Antes mesmo do descobrimento, já havia um interesse sobre a delimitação das terras do Novo Mundo. Estudos cartográficos demonstravam a existência de terras no que hoje chamamos de Continente Americano. Desde então, várias foram as tentativas de consolidação das fronteiras do novo território. O Papa Alexandre VI editou, em 1493, a Bula Intercoetra que dividiu os novas terras entre espanhóis e portugueses, através de um meridiano há 100 léguas de Cabo Verde, em que a parte ocidental ficaria sob o domínio da Espanha. Posteriormente, em 1494, Portugal reivindicou maior participação no Novo Mundo. Nesse momento, foi assinado com a Espanha o Tratado de Tordesilhas, que definia tal divisão por uma linha imaginária há 370 léguas de Cabo Verde (BOXER, 2002). No entanto, essas foram apenas as primeiras iniciativas relacionadas aos limites do Novo Mundo. Todo o restante do período colonial foi marcado por acordos que buscavam a consolidação e a legitimação das fronteiras das Américas Espanhola e Portuguesa. Para que Portugal conseguisse cada vez mais território, o Império Português acionou seus melhores diplomatas com a missão de solucionar tais questões (CORTESÃO, 2001). Uma das primeiras tentativas foi o envio de representantes da Corte portuguesa para as 1 Doutoranda do Programa de Pós- Graduação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ.

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A política de fronteiras do Império do Brasil na imprensa carioca de 1851:

uma questão de opinião pública.

Vanessa da Silva Albuquerque1

O presente trabalho é o início dos estudos que serão desenvolvidos nos próximos

quatro anos de doutoramento. A atual proposta busca compreender como a imprensa

carioca, representada pelo Correio Mercantil e pelo Diário do Rio de Janeiro, retratou os

tratados de 1851 resultantes do conflito conhecido como Guerra contra Oribe e Rosas,

ocorrido entre agosto de 1851 a fevereiro de 1852. Diante de tal contexto, outra

preocupação elaborada nesse estudo serão os motivos que levaram o Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro – IHGB a direcionarem suas análises para a questão dos limites do

Império do Brasil a partir da mudança de seu estatuto em 1851.

Os limites do Brasil: uma breve análise

Antes mesmo do descobrimento, já havia um interesse sobre a delimitação das

terras do Novo Mundo. Estudos cartográficos demonstravam a existência de terras no que

hoje chamamos de Continente Americano. Desde então, várias foram as tentativas de

consolidação das fronteiras do novo território. O Papa Alexandre VI editou, em 1493, a

Bula Intercoetra que dividiu os novas terras entre espanhóis e portugueses, através de um

meridiano há 100 léguas de Cabo Verde, em que a parte ocidental ficaria sob o domínio da

Espanha. Posteriormente, em 1494, Portugal reivindicou maior participação no Novo

Mundo. Nesse momento, foi assinado com a Espanha o Tratado de Tordesilhas, que definia

tal divisão por uma linha imaginária há 370 léguas de Cabo Verde (BOXER, 2002).

No entanto, essas foram apenas as primeiras iniciativas relacionadas aos limites do

Novo Mundo. Todo o restante do período colonial foi marcado por acordos que buscavam

a consolidação e a legitimação das fronteiras das Américas Espanhola e Portuguesa. Para

que Portugal conseguisse cada vez mais território, o Império Português acionou seus

melhores diplomatas com a missão de solucionar tais questões (CORTESÃO, 2001). Uma

das primeiras tentativas foi o envio de representantes da Corte portuguesa para as

1 Doutoranda do Programa de Pós- Graduação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ.

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negociações do Tratado de Utrecht2, em 1713. Este foi um documento, pós-ocupação, que

tratou dos limites do Brasil colonial, revogando o Tratado de Tordesilhas (BORBA, 2013).

Em 1750, Alexandre de Gusmão, após anos de negociação, utilizou de toda sua

influência diplomática a fim de proteger os interesses da corte de D. João V através do

Tratado de Madrid. Este tratado defendia o uso da terra pela posse, tese que serviu para

assegurar os direitos portugueses sobre uma longa extensão de terras na colônia3.

Em 1761, durante o governo do Marquês de Pombal, o Tratado de Madrid foi

revogado pelo Tratado de El Pardo (MAXWELL, 1996). Para solucionar os problemas dos

limites da posse da terra na Colônia de Sacramento, em 1777, foi assinado o Tratado de

Santo Ildelfonso, no qual a Espanha reconhecia a posse das terras da região do Prata pelos

portugueses, em troca da região dos Sete Povos das Missões (FAUSTO, 2002). Durante o

Primeiro Reinado também houve uma tentativa de continuidade da consolidação territorial.

Foi nesse período que a elite política do Império do Brasil, através da Constituição de

1824, ratificou os limites territoriais que já estavam sob o controle do governo imperial

(VIANA FILHO, 2008).

No governo de D. Pedro I, “apesar de algumas deficiências, foram implantadas

certas práticas fundamentais da cultura política do liberalismo” (NEVES, 2001, p. 100). No

entanto, a política estrangeira continuava muito dependente dos interesses portugueses. Os

inimigos de Portugal eram também os inimigos do Império do Brasil e o posicionamento

do imperador, diante dessa questão, redundou na conformação de um grupo político de

oposição que via, na imprensa e na tribuna da Câmara dos Deputados, os lugares legítimos

de reivindicação (CERVO, 2011, NEVES, 2009). Durante o Primeiro Reinado, a imprensa

se consolidou como um importante veículo responsável por levar à sociedade os

acontecimentos que deixaram de ser de domínio privado, passando ao domínio público,

uma mudança que Neves denomina como “uma inédita preocupação coletiva em relação ao

político” (NEVES, 2001, p. 79).

2 Os Tratados de Utrecht foram acordos firmados em 1713 e 1715 a fim de solucionar a Guerra de Sucessão

do trono espanhol. Com estes acordos foram resolvidas, também, questões territoriais das colônias do Novo

Mundo. A Espanha reconheceu a posse pelos portugueses das regiões entre os rios Amazonas e Oiapoque. 3 Mais tarde, no século XIX e XX essas ideias seriam retomadas e defendidas pelos diplomatas que

trabalhavam na questão dos limites do Império e da República do Brasil. Um dos maiores seguidores das

propostas de Alexandre de Gusmão foi o Barão do Rio Branco (CORTESÃO, 2001; ALBUQUERQUE,

2012).

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As fronteiras, no entanto, ainda careciam de maior cuidado do governo. O “sul4”

rogava por soluções mais efetivas, a situação da região do Prata permanecia bem confusa e

o “norte5” sofria com as invasões inglesas e francesas, além de também enfrentar

problemas com os vizinhos na região amazônica (BUENO, 2003). Com o retorno de D.

Pedro I para Portugal, em 1831, o Império do Brasil viveu uma turbulenta fase. O período

regencial foi marcado por revoltas que reivindicavam a autonomia de várias Províncias, de

norte a sul do Império (CERVO, 2011).

Com a ascensão do Partido Conservador, durante o período regencial (1831-1840),

deu-se início ao processo de centralização e de fortalecimento do Estado Nacional, que

perdurou durante o Segundo Reinado (CARVALHO, 1988). Segundo Ilmar Rohloff de

Mattos, os Saquaremas defendiam a construção de um Estado Imperial forte apoiado na

figura do imperador que, deveria ser o responsável pela consolidação de um projeto de

nação. Este mesmo autor diz que não devemos ficar presos às semelhanças e diferenças

entre liberais e conservadores e sim, que devemos analisar essa estrutura baseada na noção

de hierarquia que estes desempenhavam na política (MATTOS, 1987).

A política implementada pela elite conservadora, a partir do Regresso, conseguiu

realizar uma acomodação entre as diferentes forças políticas e sociais em torno do projeto

de fortalecimento do aparato estatal (SALLES, 2013, p. 52). No entanto, no que diz

respeito à política estrangeira desenvolvida durante a década de 1820 até 1844, pode-se

dizer que esta se limitou a administrar o imobilismo. Visto que respeitava as regras

impostas pela Europa e pelos Estados Unidos da América, que, timidamente, passou a ter

influência sobre as questões relacionadas à política externa do Império.

Foi a partir de 1844 que o Império do Brasil mudou os rumos de sua política

estrangeira. Antes desse período, esta política se mostrou incapaz de medir forças com os

demais países. Permaneceu com uma posição defensiva e conciliadora, que se estendia do

Prata ao norte do território, ao que Cervo denominou de “política de submissão e erros de

cálculo” (CERVO, 2011). A partir de 1844, o governo acabou com os tratados de comércio

desiguais, passando a controlar a política comercial, empenhou-se no incentivo à imigração

4 O sul tratado nesta parte refere-se à região da Colônia de Sacramento, que compreendia a Região do Prata,

dos Sete Povos das Missões e de parte do que hoje é o Rio Grande do Sul. Essas questões sempre foram alvo

de disputas entre Portugal e Espanha e mais tarde foram também reivindicadas pelas repúblicas do Uruguai,

do Paraguai, da Argentina e pelo Império do Brasil. 5 O norte refere-se à região Amazônica e às fronteiras com a Guiana Francesa.

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de mão de obra livre branca com o fim do tráfico de escravos e a questão dos limites voltou

a ter uma relevância mais acentuada no cenário político.

No entanto, foi na década de 1850 que liberais e conservadores começaram a

estabelecer acordos que “preservassem a prosperidade”, assim como, “favorecessem a

grande propriedade’” (NEVES, 1999, p. 103). “As disputas acirradas entre os dois partidos

poderiam enfraquecer o sistema e fazer com que a “plebe” reivindicasse direitos e

posições” (SENA, 2013, p. 93). Foi nesse contexto de conciliação interna, que, a partir de

1851, o Brasil retomou a política de regulamentação de fronteiras.

Nesse período, o Império enfrentou várias tentativas de invasão do território ao

norte, com uma política de desrespeito aos limites por parte de seus vizinhos e a guerra

civil no sul6. A chancelaria, representada pela figura do futuro Visconde de Uruguai, viu-se

obrigada a tratar da questão dos limites de forma mais particular. A partir daí houve

algumas tentativas a fim de legitimar as fronteiras do Império7. Para isso, o governo

retomou as ideias desenvolvidas no período colonial, baseada no Direito Romano do uti

possidetis. No entanto, a consolidação do território nacional ultrapassava as esferas

administrativas, não bastava o reconhecimento jurídico e político, a elite letrada e política

entendia a necessidade de um apoio forjado em bases culturais para a construção de uma

identidade nacional e esse foi o papel desenvolvido pelo Instito Histórico e Geográfico

Brasileiro naquela época, que, entre outros, passou a ser um lugar de intercessão das

sociabilidades políticas e letradas.

O estatuto de 1851 do IHGB e a preocupação com os limites do Império do Brasil

Essa retomada da política de fronteiras em 1851 é concomitante com a mudança do

estatuto do IHGB8. O novo estatuto criou, nesse mesmo ano, comitês subsidiários nas áreas

de História e Geografia (GUIMARÃES, 1995, p. 486). Essa mudança estrutural buscou,

mesmo que de forma lenta, privilegiar o intelecto em lugar do apadrinhamento. E essa

6 A guerra civil a que nos referimos foi o conflito travado entre o Império do Brasil e a Argentina em disputa

pela influência no Uruguai e hegemonia na Bacia do Prata. Esse episódio também é conhecido como Guerra

contra Oribe e Rosas. 7 A partir de 1851 foram assinados e ratificados tratados de limites com o Uruguai, Peru, Venezuela, Bolívia

e Paraguai, entre outros. 8 O IHGB foi uma instituição criada em 1838, defendida e apoiada por D. Pedro II que, entre outras, tinha a

função de ser a “Casa da Memória Nacional”. (GUIMARÃES, 1995)

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medida de ampliar as linhas de pesquisa, enfocando, entre outros assuntos, os limites

territoriais, dava um aporte maior para a questão das fronteiras, onde a Geografia9 teve

garantido o seu espaço, sem distinção na produção dos textos históricos e geográficos

(BOTELHO, 2005, p. 323).

No estatuto aprovado em 23 de maio de 1851, em sessão solene. O art. 11 criou dez

comissões a fim de gerir os assuntos de interesse do IHGB, a partir daquele momento, o

estudo geográfico do território, juntamente com os estudos históricos foram os únicos

agraciados com uma comissão subsidiária cada. Esse artigo foi aprovado sem nenhuma

alteração pelos seus membros. Já o art. 27 do presente estatuto preocupou-se com a

participação efetiva dos sócios. De acordo com este artigo, os sócios deveriam apresentar

pelo menos um trabalho a cada seis meses, de acordo com a comissão que o membro

participasse, correndo o risco de ser eliminado da instituição caso não o fizesse10.

Esses dois artigos parecem comprovar o início de uma tentativa de

profissionalização do instituto, assim como, a preocupação no reconhecimento do

território. Paranhos, o futuro Visconde do Rio Branco, tem participação ativa na

elaboração dos artigos, ele fez diversas interferências e alterações na escrita dos mesmos.

O próprio art. 27 é modificado por ele, pois para Paranhos os sócios deveriam estar

comprometidos com a confecção dos estudos de suas respectivas comissões, sob a pena de

desligamento do instituto e não apenas apresentar uma justificativa, como sugeria a escrita

original.

Manuel Luís Salgado Guimarães atrela o IHGB à função da construção da

identidade nacional. Segundo ele, “uma vez implantado o Estado Nacional, impunha-se

como tarefa o delineamento de um perfil para a nação brasileira” (GUIMARÃES, 2006),

sendo, através das representações da escrita da história brasileira, possível a construção

dessa identidade nacional. Para Lúcia Maria Paschoal Guimarães, coube ao IHGB

construir a memória do Império, sendo este “um longo e seletivo empreendimento, onde se

procurou pinçar, no ‘vertiginoso repertório’ do passado, os esclarecimentos que pudessem

auxiliar na definição do presente” (GUIMARÃES, 2006, p. 517). Dessa forma, até 1889, o

9 A Geografia teve seu espaço garantido, pois via na definição e na delimitação do território condições para a

consolidação da nação, “assim como, a tradição é a pátria no tempo, o território é a pátria no espaço”

(MAGNOLI, 1997, p. 110-111). 10 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 12, n. 13, p. 1-532. jan./mar. 1850.

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IHGB teve um caráter de “militância intelectual homogênea, marcada pela fidelidade ao

Imperador” (GUIMARÃES, 2006, p. 599).

No entanto, o IHGB, assim como o Ministério ligado aos assuntos estrangeiros11,

foram instituições que tiveram, durante o longo século XIX, entre outras, a função de

construir um projeto de nação, tanto para os olhares internos quanto os externos. Para José

Murilo de Carvalho, uma homogeneidade ideológica era fundamental para a socialização

dos integrantes da elite intelectual (CARVALHO, 1980). Essa integração intelectual

mostrava-se presente entre os membros dessas duas instituições, que, por vezes, circularam

entre os dois espaços. Coube ao Ministério dos Negócios Estrangeiros por em prática o

aparato diplomático em prol dos Tratados de 1851, porém mesmo após o fim das

negociações de tal, acordo a guerra civil do sul mostrou-se ainda latente até o início de

1852.

A guerra civil no sul (1851-1852)

O Brasil se comportou de diferentes maneiras em relação ao Prata ao longo do

tempo. Pode-se dizer que durante o período de 1851 a 1864 empreendeu-se uma presença

ativa do Império do Brasil nessa região. Essa possibilidade foi tanto fruto de uma

estabilidade interna, quanto de uma instabilidade externa12. Anteriormente, o que se viu, na

década de 1840, foi uma troca constante de ministros dos Negócios Estrangeiros. Entre

1843 e 1849, onze ministros ocuparam a pasta, gerando instabilidade e inconsistência na

política estrangeira (CERVO, 2011, p. 118-119). Essa instabilidade interna forçou o

desenvolvimento de uma neutralidade do Império do Brasil em relação aos seus vizinhos.

Em contrapartida, favoreceu o desenvolvimento de uma política estrangeira, que podemos

11 Em 1736 através de um alvará o rei D. João V instituiu a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e

da Guerra, com a vinda da Família Real a secretaria foi dividida, tornando-se Secretaria de Estado dos

Negócios do Reino e Estrangeiros e Secretaria de Estado da Guerra. D. Pedro I, em 1823 modificou o nome

da pasta mais uma vez, esta passou a se chamar Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Já no

Segundo Reinado, ela ganhou o caráter de ministério e passou a se chamar Ministério dos Negócios

Estrangeiros do Império do Brasil, com a Proclamação da República tonou-se, como conhecemos hoje, o

Ministério das Relações Exteriores. Itamaraty é reconhecido como sinônimo do MRE, porém essa designação

foi atribuída na década de 1890 quando a sua sede passou a ser o palácio que pertenceu ao Barão do

Itamaraty. 12 A instabilidade externa que favoreceu o domínio do Império do Brasil sobre a região do Prata pode ser

notada pela crise que atravessava a Europa, a preocupação dos Estados Unidos em expandir seu território, as

guerras latino-americanas do Pacífico contra a Espanha, entre outros.

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chamar de independente, entre os estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso com os

vizinhos platinos.

Enquanto o Império do Brasil enfrentava a instabilidade, da década de 1840, Rosas

se fortalecia no cenário externo. A derrota dos ingleses e franceses, entre 1849-1850,

imposta pelo líder argentino, o colocou em um alto patamar em relação aos seus vizinhos.

Da mesma forma, as investidas de Oribe, contra os gaúchos na região fronteiriça, exigiu

uma maior atenção do governo imperial. Em 1849, o saquarema, Paulino José Soares de

Souza, futuro Visconde do Uruguai,13 reassumiu a pasta de Negócios Estrangeiros, o que

deu início a uma nova postura do Império do Brasil em relação aos seus vizinhos. Era o

início da política estrangeira que iria se consolidar a partir da década de 1850.

A conjuntura interna da consolidação dos conservadores no poder, bem como, os

problemas enfrentados pela Europa e pelos Estados Unidos, além da política interna

autoritária de Rosas14 que gerava o medo de uma possível reconstituição do Vice-Reino do

Prata, anexando o Uruguai e o Rio Grande Sul, entre outros, forjaram uma projeção do

Império do Brasil na região do Prata que se deu através da guerra e da diplomacia

culminando nos tratados de 1851. “Esses acordos diplomáticos foram mediados pela

Missão Estrangeira de Honório Hermeto Carneiro, que convidou José Maria da Silva

Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco, para seu secretário no Rio da Prata dando inicio

a sua carreira diplomática” (LADEIRA, 2008.).

Para a política saquarema do período, resolver a situação na região do Prata

era assegurar a unidade do território. Paulino queria desenvolver o Império do Brasil

à condição de nação civilizada, em que o elevaria à semelhança de países como a

Inglaterra e a França. Para ele, “a política do Governo Imperial era uma política liberal e

civilizadora; a de Rosas era uma política retrógrada, tirânica e de barbarismo. E a

centralização político-administrativa do Império não poderia deixar de ter também este

objeto civilizador” (MATTOS, 1999, p. 214).

Dessa forma, assegurar o domínio do Prata traria vantagens políticas, uma vez que

seria mais um passo dado em direção à centralidade do poder imperial contra as tentativas

13 Paulino recebeu o título de Visconde em 2 de dezembro de 1854, este foi o reconhecimento pelos serviços

prestados relacionados às questões platinas. 14 Rosas abandonou o federalismo, perseguiu seus adversários, provocou uma revolta interior ao fechar os

rios à navegação internacional (CERVO, 2011, p.124).

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de independências locais, bem como, tornaria o Império do Brasil hegemônico perante seus

vizinhos, com a derrota Rosas e Oribe. Outro episódio que também traria benefícios seria o

fato de assegurar a livre navegação, além de garantir o comércio de charque com o

Uruguai. O Tratado de Paz foi assinado em 1851, porém o conflito findou-se somente no

início do ano seguinte.

As forças contrárias a Rosas saíram vitoriosas em fevereiro de 1852, após a batalha

de Monte Caseros. Esta mobilizou cerca de 50 mil homens, liderados por Urquiza. Após a

vitória houve a reafirmação do reconhecimento do Paraguai, internamente a Argentina

passou a travar uma disputa de poder entre Urquiza e Bartolomé Mitre e o Uruguai, além

de ser reconhecido independente, também se viu envolvido em disputas internas entre

Blancos e Colorados. Já no Império do Brasil, apesar da vitória, a oposição utilizava a

imprensa, como um dos meios capazes de tumultuar o cenário político.

A vitória em Caseros e os posteriores tratados assinados com o Uruguai foram alvo

de pesadas críticas nos periódicos da capital e do restante do Império. O dinheiro gasto

com tal investida, as vantagens que o Uruguai teria tido nestes tratados e o território que,

segundo os analistas da época, o Império do Brasil não teria mais acesso pós-consolidação

do acordo, foram alvo de insatisfação na imprensa. Essas são apenas algumas das críticas

que veremos adiante.

O papel da imprensa na análise dos tratados de 1851

Um dos meios mais utilizados para legitimar os projetos de construção da nação

foram os periódicos impressos. Marialva Barbosa (BARBOSA, 2010, p. 61) chama

atenção para o fato de que a imprensa, pós 1821 e até 1880/1890, teria sido artesanal, não

profissional, e que somente após essa época teria se estruturado em moldes industriais. No

entanto, segundo Morel, seria através dos impressos que os letrados do XIX se

manifestavam publicamente, se conheciam; se atacavam e se defendiam (MOREL, 2003).

Os letrados, tanto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quanto do IHGB, se utilizaram

dessa prerrogativa para defenderem suas ideias, fazendo circular pelos impressos da cidade

do Rio de Janeiro suas posições políticas, que intentavam legitimar.

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A partir dessa conjuntura, buscaremos, através da análise do Correio Mercantil e do

Diário do Rio de Janeiro entender como a imprensa se comportou na construção de uma

opinião pública em relação ao ocorrido no Prata e como este fato fez parte de um projeto

de nação para o Império do Brasil (MOREL, 2005; NEVES, 2009) que corroborasse com a

execução de seus intentos no tocante à política de limites.

Assim, através da análise dos impressos, é possível remontar “todo um circuito de

comunicação: o que eram essas publicações, quem escrevia nesses jornais, para quem se

escrevia e, sobretudo, que interpretações fazia esse leitor anônimo” (BARBOSA, 2010, p.

11). Assim, as pesquisas realizadas através dos jornais possibilitam um “estudo da

‘socialização’ dos homens, da formação de suas opiniões ao longo de seu itinerário

particular” (JEANNENEY, 2003, p. 222). Realizar uma pesquisa histórica utilizando a

história da imprensa como meio capaz de descobertas sociais, políticas ou culturais não é

apenas alinhar fatos, datas ou nomes, é entender o processo histórico como um sistema

complexo das relações existentes na sociedade (BARBOSA, 2004).

Os assuntos que são remetidos às páginas dos jornais devem ser considerados sob

duas perspectivas, uma, como forma de legitimação de uma ideia ou identidade e outra,

como uma disputa pelo papel de divulgador das visões dominantes (BARBOSA, 2010).

Assim sendo, os periódicos a serem analisados nesse trabalho serão utilizados com o

sentido de buscar a propagação dessas visões dominantes do Ministério dos Negócios

Estrangeiros e do IHGB, bem como de seus opositores, a ponto de construírem uma

opinião pública favorável, ou não, à questão da política de limites.

Apesar da opinião pública não ser um alvo dos estudos da política internacional,

por ser uma política dinâmica e rápida e por muitas de suas decisões terem sido tomadas

sem sua influência. Na política interna, a opinião pública tem grande importância.

Contudo, tanto na política externa quanto na interna, a opinião pública, mesmo não tendo

papel de decisão, “tem o poder de tornar ou não possível a política de seus representantes”

(GIRARD, 1969, p.40). É a partir dessa proposição que guiaremos nossa comunicação,

buscando entender como essa opinião pública, formada a partir das conjecturas colocadas

por grupos de letrados distintos, ou não, participou desse ideário de construção nacional.

Analisar o papel dessa opinião pública como sendo uma “abordagem geral da

história” gera desafios, como o de compreender como uma minoria – os políticos letrados

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do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do IHGB – pode influenciar nos acontecimentos

e na formação de opinião de uma maioria (BECKER, 2003). Assim, “o sentido que se

possa dar às reações da opinião ou ao seu movimento depende estreitamente das relações

com o tempo e das interações com o contexto” (LABOIRE, 2009, p.85).

Para que a análise seja mais contundente, compreendemos que ao historiador da

imprensa e da opinião pública, cabe a busca de outras fontes, além dos jornais. A

combinação de métodos de pesquisa qualitativa e da opinião pública permite reduzir as

lacunas da história da imprensa (BECKER, 2003, p. 201). Através dos discursos

publicados na imprensa, apoiando ou criticando as ideias dos políticos letrados do

Ministério dos Negócios Estrangeiros e do IHGB, investigaremos como foi percebida pela

sociedade a política de limites acordada nos tratados de 1851.

Para isso, utilizaremos o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro, Em

relação à questão dos limites, estes jornais seguiam linhas diferentes. Fundado em 1848, o

Correio Mercantil teve suas publicações interrompidas em 1868, seu proprietário e redator

até o ano de 1855 foi Francisco José dos Santos Rodrigues, este ficou conhecido por

assinar suas matérias sob o pseudônimo Carijó. O jornal tinha “uma visão satírica,

humorística e sarcástica, utilizando uma linguagem informal, com inúmeras gírias e com

um humorismo absolutamente próximo da atmosfera dos pasquins” (RIBEIRO, 2005, p.8).

Feroz crítico do Jornal do Commercio, o Diário do Rio de Janeiro também não ficou

imune às suas repreensões em relação às questões dos limites evidenciadas nos tratados de

1851.

O Diário do Rio de Janeiro era conhecido como “diário da manteiga” ou “diário

do vintém”, uma das hipóteses desses apelidos tem relação com o preço, pois para alguns

estudiosos esses codinomes estavam relacionados ao fato do impresso ser muito barato15.

Este periódico foi fundado muitos anos antes do Correio Mercantil, em 1821 e, circulou

até 1878, é conhecido como o primeiro jornal diário do Brasil. Até a década de 1840 foi o

maior periódico de anúncios do Rio de Janeiro, sendo meramente informativo

(MARENDINO, 2014, p.5). Os anos entre 1841 e 1845 são caracterizados por ter se

tornado uma publicação semioficial (MOLINA, 2015, p. 223). No entanto, a partir de 1845

houve uma mudança no caráter editorial, ainda muito pouco estudada. O que percebemos

15 Em relação aos nomes atribuídos ao Diário do Rio de Janeiro, cf. MOLINA, 2015.

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até agora é que o jornal passou a se posicionar em relação aos acontecimentos que até

então eram apenas narrados. No caso dos tratados de 1851, o Diário do Rio de Janeiro

manteve uma posição pró-governo, saindo em sua defesa em diversos números. Abaixo

iniciaremos as análises dos dois periódicos, evidenciando o posicionamento de ambos, a

fim de construir uma opinião pública de acordo com seus interesses.

O Correio Mercantil colocou-se como crítico ferrenho da política de limites

desenvolvida no Prata, em publicação de 31 de outubro de 1851 um artigo sem assinatura,

incorre sobre as desvantagens que o Império do Brasil teria sofrido com os acordos

firmados com o Uruguai, dentre eles a perda da Ilha de Martim Garcia. Segue um

questionamento relacionado a tais feitos:

Que crime, pois cometemos nós dizendo que o governo havia

concluído um tratado de limites, outro em que se lhe cedia a Ilha de

Martim Garcia, outro em que se reconhecia como divida nacional

os empréstimos feitos ou garantidos pelo governo aos seus aliados,

a fim de, os habilitar para conseguirem a pacificação daquela

república, resolvida assim a grande questão do Prata há oito anos

agitada e que há oito anos é desgraçada origem do mísero estado

em que se deve achar hoje Montevidéu? (Correio Mercantil,

31/10/1851, p.2)

O texto segue um inflamado discurso contrário aos acordos de 1851 e conclama o

povo ao dizer que o governo se engana ao pensar que eles não entendem o que ocorreu no

Prata:

Quanto se enganam se pensam que o povo não sabe avaliar

devidamente a política que tomou a desordem, a anarquia e a

guerra civil por uma de suas mais valiosas alavancas, a política deu

um tal exemplo as repúblicas, para o empregarem contra as

instituições juradas pelo país. (Correio Mercantil, 31/10/1851, p.2)

Seguindo esta mesma linha, Bernardo de Souza Franco publicou, nesse mesmo

jornal, em 01 de janeiro de 1852 suas impressões sobre o acordo. Criticou de forma

veemente o artigo do Conselheiro Batista de Oliveira no Jornal do Commercio, a favor dos

tratados. Para Souza Franco o tratado trouxe perdas imensuráveis ao Império do Brasil, ao

expor que:

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Tem-se dito do nosso lado que o principal defeito do tratado de

limites consiste na cessão que fez o Brasil de todo o direito, de

todas as pretensões e porções consideráveis de território, cessão em

circunstâncias ordinárias, não é motivo de glórias, e antes exige

explicações da parte daqueles que admitiram vencedor o império, e

depois de sacrifícios onerosos que exigem alguma compensação.

(Correio Mercantil, 01/01/1852, p.1)

Bernardo de Souza Franco diz que o tratado erra ao entender que o uti possidetis

se dá pela ocupação e não somente pela posse, segundo ele o Império do Brasil perderia

muitos territórios se tal visão fosse propagada.

E haveria ou não cessão de território de que estivéssemos de posse?

Direi que sim, tomando a posse com ou sem ocupação, porque

ambos os casos da direitos precisos, e mal estaríamos em diversos

pontos do império se o uti possidetis se regulasse pela ocupação

efetiva: perderíamos vários terrenos que não ocupamos, nem

povoamos, embora tenhamos dele posse não contestada. (Correio

Mercantil, 01/01/1852, p.1)

Seguindo a linha contrária, a favor do governo, estava o Diário do Rio de Janeiro

e o já citado Jornal do Commercio. No entanto, neste trabalho abordaremos apenas as

matérias do Diário do Rio de Janeiro. Em artigo publicado em 02 de janeiro de 1852, foi

feito uma retrospectiva sobre os acontecimentos do ano anterior, em que o governo foi

exaltado pela astúcia que desenvolveu no Prata, o artigo diz o seguinte:

Outro fato não menos importante, em que se revelou claramente a

sabedoria do governo brasileiro é a vitória incruenta alcançada no

Estado Oriental contra o tenente ditador de Buenos Aires. A

nacionalidade de Montevidéu saiu triunfante dessa luta que há

tantos anos durava, em que a França interveio sem resultado e a

Inglaterra deu mais um testemunho irrefragável de boa fé com que

procede.

Como resultado imediato deste fato que livrou Montevidéu da

guerra civil, tivemos os tratados de limites, comércio, etc., nos

quais foram atendidos todos os interesses de ambas as nações, e

que fixaram de uma vez pontos litigiosos há muito tempo (...) Tais

tratados na política externa fazem honra a qualquer governo.

(Diário do Rio de Janeiro, 02/01/1852)

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Nesse trecho é possível perceber que, para o editor do Diário do Rio de Janeiro,

além dos tratados serem satisfatórios para as duas partes, a política estrangeira que o

Império do Brasil desenvolvia estava intimamente ligada aos interesses da Inglaterra, que

era vista como uma grande nação amiga na qual o Império do Brasil deveria se espelhar.

Um jornal reconhecido por não se posicionar e ser um mero narrador dos fatos, até poucos

anos atrá, colocou-se, de forma bastante clara, a favor do governo em relação à política de

limites. Em uma publicação posterior, o Diário do Rio de Janeiro respondeu a um artigo

que tinha acabado de ser republicado no Correio Mercantil em que os pontos dos tratados

eram contestados. Em seu manifesto pró-saquarema, é dito que:

As questões exteriores pela primeira vez em nossa terra receberam

a importância, atraíram a atenção com a devida seriedade das

complicações do Prata. (...) Isto posto, vejamos a censura: o

governo imperial não fez uma guerra de conquista: “A república

oriental, diz ela, tem possessões cuja aquisição nos traria vantagens

incalculáveis”; pois então devíamos extorquir-lhes essas

possessões? E acha o contemporâneo liberal que é isso muito

nobre, muito digno? Acha que teria sido muito salutar vender a

nossa aliança por alguns bocados de território que estivessem na

nossa conveniência? (...) O que devemos querer conquistar é

simpatia, adesões, confiança e não rancores, ressentimento

abafados. (Diário do Rio de Janeiro, 01/06/1852)

A forma como Paulino desenvolvia a política dos negócios estrangeiros era digna

de reconhecimento para esse jornal, em que retomava a defesa de uma questão já resolvida.

E o discurso vencedor nesse casso é o de um Império que deveria estar disposto a ajudar

seus vizinhos, como uma grande nação amiga e protetora, mas não esquecendo, ou melhor,

não deixando de almejar um lugar juntos às grandes nações europeias. Assim, através

dessa breve análise foi possível verificar que na imprensa as questões das mudanças de

fronteiras, após a guerra contra Oribe e Rosas, tiveram impacto no reforço do

pertencimento nacional, na qual se sobrepuseram as ideias, no mínimo, de duas culturas

políticas, a liberal e a conservadora. Tais posições afetaram os discursos dos letrados

publicados na imprensa da época.

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Já o IHGB, como era de sua tradição, posicionou-se a favor do governo, baseando

sua preocupação na manutenção e no reconhecimento do território, lá era um dos lugares

onde tais questões eram postas em pauta pela elite letrada. Era o ambiente em que, através

do conhecimento e reconhecimento, postulava-se a defesa das terras do Império do Brasil.

Já o espaço em que tais discussões ganhavam um tom mais elevado e apaixonado era

através dos jornais. Esse veículo foi utilizado em prol das culturas políticas vigentes,

antagônicas ou não, a fim de se produzir uma opinião pública favorável a seus interesses.

As representações tornaram-se primordiais para o entendimento das tradições e das várias

culturas políticas coexistentes em um mesmo momento (BERSTEIN, 1998, p.350), a

imprensa foi um veículo primordial e possível de análise de tais representações.

Os discursos proferidos nos órgãos oficiais ou institucionais eram representações

transplantadas para imprensa que, cada vez mais, se tornava a grande responsável pela

propagação das culturas políticas vigentes, nas quais as ideias de nação estavam ligadas,

entre outras, à questão dos limites do estado nacional. Apesar da sociedade do século XIX

não ser amplamente letrada, havia uma grande circulação de jornais na capital e muito de

seus escritos eram transmitidos oralmente. Com isso, percebemos que o papel

desempenhado por esses letrados foi fundamental para que esses discursos construíssem

uma opinião pública favorável às práticas do governo na constituição jurídica dos limites

do país. Percebemos que no caso da guerra contra Oribe e Rosas, nenhum dos artigos do

tratado foi ratificado em prol das demandas liberais. Nesse episódio a opinião pública foi

direcionada a favor dos interesses do governo imperial.

Dessa forma, terminamos nossas análises, ainda bastante iniciais, observando que

por mais inflamado que tenham sido os discursos dos opositores do governo, ao fim não

conseguiram criar uma opinião pública favorável a ponto de mobilizar a sociedade. Por

mais inflamado que tenham sido os discursos da oposição, estes não foram suficientes para

pressionar ou mudar o posicionamento da política de Paulino desenvolvida nos tratados de

1851, amparadas pelo IHGB.

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