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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X A POLÍTICA DO CORPO NO SAMBA. ESTRATÉGIAS E USOS DO CORPO NO CASO DE MULHERES BRASILEIRAS DANÇARINAS EM LOS ANGELES Magali Natalia Alloatti 1 Resumo: Este trabalho apresenta alguns resultados da minha pesquisa sobre imigrantes brasileiros em Los Angeles, durante 2015-2016. Entrevistando mulheres brasileiras no business do samba, emergiram complexas estratégias do uso do corpo durante as apresentações e shows. Os elementos a serem analisados são a) percepção do corpo e concepções de beleza feminina; b) exposição do corpo em shows de samba; c) ideias frequentes do público Americano e internacional sobre o samba no Brasil; d) regras e estratégias que diferenciam e distanciam o Rio Style Samba Show de shows de striper. Gênero é o elemento que define o acesso e lugar no mercado do samba. Seguindo o mito da mulata (Côrreia, 1996), a beleza é corporizada na mulher light-brown skin ligada à sensualidade, simpatia e alegria. Na contratação dos shows os clientes escolhem as dançarinas por fotos, frequentemente pedindo grupos somente de mulheres brasileiras. É comum a rejeição de dançarinas negras e, em menor frequência, de brancas. São favorecidas mulheres que possuem um corpo próximo as imagens de musas do carnaval que circulam internacionalmente. Assim, o tipo corporal se converte em um critério de acesso ao campo, junto a uma manipulação étnica de nomes e aparência (cor da pele e cabelo) para obter sucesso no mercado. Por meio de uma análise intersecional trabalharei os diversos significados de ser mulher e a influência destes critérios nas oportunidades econômicas das entrevistadas Palavras chaves: Gênero. Raça. Etnicidade. Corpo. Mulheres brasileiras imigrantes Introdução O presente trabalho é resultado parcial da minha pesquisa de doutorado sobre mediadores culturais no âmbito da cultura brasileira na cidade de Los Angeles, Califórnia, durante os anos 2015 e 2016. Inicialmente pensada para trabalhar sobre processos de comoditização e circulação de bens culturais, esta investigação foi mudando ao longo do tempo pelo contato com entrevistados e as atividades planejadas para o trabalho de campo. Por meio de redes sociais como Facebook e sites como Yelp e Salad Gig, inicie minhas observações de shows e espetáculos. A partir da experiência das observações, informações de grupos e contato com pessoas, fui acrescentando a lista de eventos assim como ampliando meu escopo para considerar as mais diversas atividades. Além das observações, entrevistei 40 indivíduos relacionados com o campo da cultura brasileira na cidade, distribuídos em diversas atividades. Apesar de trabalhar com diferentes atividades culturais (como cerimonias de Candomblé, rodas de capoeira, dança de Orixás, forró, espetáculos de bossa nova, MPB e cinema), decidi neste paper focar no caso das dançarinas de samba. Esta atividade apresentou experiencias e dinâmicas 1 Doutoranda no programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina. Brasil. Esta pesquisa foi possível pelo financiamento do CNPq em modalidade doutorado sanduíche, como pesquisadora visitante da UCLA sob orientação do Prof. Ivan Light.

A POLÍTICA DO CORPO NO SAMBA. ESTRATÉGIAS E USOS DO … · com o público masculino e ideias pré-estabelecidas sobre o show e as dançarinas. É frequente identificar representações

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

A POLÍTICA DO CORPO NO SAMBA. ESTRATÉGIAS E USOS DO CORPO NO CASO

DE MULHERES BRASILEIRAS DANÇARINAS EM LOS ANGELES

Magali Natalia Alloatti1

Resumo: Este trabalho apresenta alguns resultados da minha pesquisa sobre imigrantes brasileiros

em Los Angeles, durante 2015-2016. Entrevistando mulheres brasileiras no business do samba,

emergiram complexas estratégias do uso do corpo durante as apresentações e shows. Os elementos

a serem analisados são a) percepção do corpo e concepções de beleza feminina; b) exposição do

corpo em shows de samba; c) ideias frequentes do público Americano e internacional sobre o samba

no Brasil; d) regras e estratégias que diferenciam e distanciam o Rio Style Samba Show de shows de

striper. Gênero é o elemento que define o acesso e lugar no mercado do samba. Seguindo o mito da

mulata (Côrreia, 1996), a beleza é corporizada na mulher light-brown skin ligada à sensualidade,

simpatia e alegria. Na contratação dos shows os clientes escolhem as dançarinas por fotos,

frequentemente pedindo grupos somente de mulheres brasileiras. É comum a rejeição de dançarinas

negras e, em menor frequência, de brancas. São favorecidas mulheres que possuem um corpo

próximo as imagens de musas do carnaval que circulam internacionalmente. Assim, o tipo corporal

se converte em um critério de acesso ao campo, junto a uma manipulação étnica de nomes e

aparência (cor da pele e cabelo) para obter sucesso no mercado. Por meio de uma análise

intersecional trabalharei os diversos significados de ser mulher e a influência destes critérios nas

oportunidades econômicas das entrevistadas

Palavras chaves: Gênero. Raça. Etnicidade. Corpo. Mulheres brasileiras imigrantes

Introdução

O presente trabalho é resultado parcial da minha pesquisa de doutorado sobre mediadores

culturais no âmbito da cultura brasileira na cidade de Los Angeles, Califórnia, durante os anos 2015

e 2016. Inicialmente pensada para trabalhar sobre processos de comoditização e circulação de bens

culturais, esta investigação foi mudando ao longo do tempo pelo contato com entrevistados e as

atividades planejadas para o trabalho de campo. Por meio de redes sociais como Facebook e sites

como Yelp e Salad Gig, inicie minhas observações de shows e espetáculos. A partir da experiência

das observações, informações de grupos e contato com pessoas, fui acrescentando a lista de eventos

assim como ampliando meu escopo para considerar as mais diversas atividades. Além das

observações, entrevistei 40 indivíduos relacionados com o campo da cultura brasileira na cidade,

distribuídos em diversas atividades.

Apesar de trabalhar com diferentes atividades culturais (como cerimonias de Candomblé,

rodas de capoeira, dança de Orixás, forró, espetáculos de bossa nova, MPB e cinema), decidi neste

paper focar no caso das dançarinas de samba. Esta atividade apresentou experiencias e dinâmicas 1 Doutoranda no programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, Santa Catarina. Brasil. Esta pesquisa foi possível pelo financiamento do CNPq em modalidade doutorado

sanduíche, como pesquisadora visitante da UCLA sob orientação do Prof. Ivan Light.

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específicas que articulam de forma particular questões de gênero, raça e etnicidade. Vantagens e

desvantagens das mulheres brasileiras e não-brasileiras envolvidas nesta atividade relacionam-se

diretamente com tópicos trabalhados por grande parte da literatura sobre migração brasileira como

relações de gênero, sexualidade, exoticidade e estigma (Pisticelli, Assis e Olivar, 2011; Pitiscelli,

2007; Malheiros e Padilha, 2014). Interessou-me particularmente aspectos relacionados a ideias pré-

estabelecidas sobre feminidade brasileira, construída sobre representações estéticas e culturais que

circulam trasnacionalmente.

Uma das questões que mais me motivou a apresentar este caso na conferência que nos ocupa

foi destacar e analisar os possíveis espaços de agência das mulheres que participaram da pesquisa.

Questões relacionadas à negociação e modificação de identificações, por meio de elementos

estéticos e comportamentais, ganharam grande importância nas narrativas e trajetórias migratórias,

articuladas à configuração do nicho econômico. Assim, trabalharei alguns dos meus achados

visando destacar a) percepção do corpo e concepções de beleza feminina; b) exposição do corpo em

shows de samba; c) ideias frequentes do público Americano e internacional sobre o samba como

dança; d) regras e estratégias que diferenciam e distanciam o Rio Style Samba Show de shows de

stripper. Estes elementos serão articulados por meio da reflexão dos traços constitutivos do samba

como atividade econômica, as maneiras nas quais se lida com as já mencionadas ideias pré-

estabelecidas, identificação do estigma como síntese de elementos negativos e maneiras que visam

neutralizá-lo na cotidianidade desta atividade.

Sobre o samba como dança: gênero como estruturante do campo e ideias pré-estabelecidas.

De maneira sintética, há quatro traços gerais que caracterizam o samba como dança em

termos de atividade econômica e setor do mercado: a) é a atividade cultural mais prolifera das cenas

culturais em Los Angeles (comportando 22 dos 67 empreendimentos econômicos que registrei); b)

há uma divisão excludente das atividades a partir da identidade de gênero na qual o samba com

dança é ocupado exclusivamente por mulheres altamente influenciado por imagens das dançarinas

do carnaval do Rio de Janeiro; c) em consequência, o acesso e sucesso nesta atividade cultural

depende de formas físicas, elementos estéticos relacionados à raça e etnicidade, formas de

comportamento e atitudes. d) O último fator, talvez o mais significativo desde meu olhar, refere a

formas de discriminação e segregação específicas desta atividade que respondem a dinâmicas de

gênero.

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Os shows de samba dividem-se basicamente em duas modalidades. Por uma parte, há

desfiles, festas oficiais de carnaval e eventos públicos. Por outra parte, as oportunidades mais

significativas em termos econômicos, são festas privadas como aniversários, casamentos e festas

executivas como confraternizações no final do ano. Esta última modalidade representa, segundo

minhas entrevistadas, situações de alto risco. Experiencias de abuso físico (“apertar”, “passar a

mão”, “enfiar a mão na bunda”) são frequentes pelo caráter intimo da ocasião, a proximidade física

com o público masculino e ideias pré-estabelecidas sobre o show e as dançarinas. É frequente

identificar representações no público de que o show de samba é um show de strippers temático e

que as dançarinas estão dispostas a aceitar propostas de serviços sexuais.

Estas ideias derivam e são alimentadas por um histórico de imagens que circulam

transnacionalmente a partir de antecedentes geopolíticos e coloniais que alimentam imaginários

(Malheiros e Padilla, 2014), atualizados pela reprodução de determinados estereótipos na mídia.

Como explicam Assis, Pisticelli e Olivar (2011), trata-se geografias, formas de classificar, ordenar e

entender o mundo a partir da circulação e mobilidade de pessoas, práticas, relações sociais, afetos,

entre outros. O Norte aparece relacionado a noções amplas como modernidade e bem estar, mas,

também, a ideias engajadas nas relações de gênero como formas especificas de masculinidade

(“sensíveis”, “igualitárias”). O Sul, por sua vez, é relacionado a ideias de abundancia, fertilidade,

representado historicamente pela imagem da mulher (Sandoval-Sánchez, 1999). Fenômenos como o

turismo sexual e o mercado do sexo e afetos podem nos indicar uma geografia política do desejo,

que enfatiza feminidades específicas alimentada por noções de exoticidade, formas de agir e sentir,

apetite e conhecimento sexual (Pitiscelli, 2007)

“[...] a erotização da desigualdade se produz no âmbito de relações de poder que operam em

planos locais, nacionais e transnacionais [...] o fato do Brasil ser percebido como “bem

sucedido” em relação a outros países, porém, parece não alterar significativamente as

imagens de gênero alocadas, respectivamente, ao país e às nações do Norte. Essa relativa

fixidez pode remeter às desigualdades ainda existentes no Brasil, mas, além disso, ela

expressa a permanência das narrativas que ainda localizam o Brasil à margem dos espaços

geo-culturais capazes de produzir culturas ‘superiores’”. (Pisticelli, Assis e Olivar, 2011, p.

17-18)

No caso do samba como dança, estas imagens são sentidas pelas mulheres na expectativa de

possuir traços físicos específicos: formas corporais e cor de pele e determinadas atitudes, devem ser

“brincalhonas”, “convidativas”, “alegres e sorridentes”. Estas imagens forjam expectativas

estéticas específicas em relação às mulheres a serem contratadas, reduzindo oportunidades

econômicas para aquelas que não se correspondem com estas representações. Isto é experienciado

de duas maneiras pelas mulheres entrevistadas dependendo da sua posição no interior do campo do

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samba. Por uma parte, as donas utilizam o critério da beleza estética como o primeiro critério para

contratação, especificações do corpo são frequentes nos flyers de audições e contratações por

expressões como “corpo sarado” “fitness”. Por outra parte, as dançarinas experiencias estas imagens

por meio da escolha dos clientes. Os sites das companhias possuem uma lista das dançarinas com

fotos, nomes é uma pequena biografia com principal destaque à origem nacional. Os clientes

escolhem as dançarinas a partir destas fotos e informações. As donas das companhias insistem em

que todas as dançarinas devem passar por um treinamento e muitos ensaios, elas entendem que é

possível ensinar tudo às dançarinas, independentemente da sua nacionalidade, exceto a beleza

física.

Porém, o quesito da aparência física não é alheio à raça, as mulheres mais requeridas são as

que “parecem brasileiras”, as de light-brown skin. A diferença do Brasil, nos Estados Unidos as

identificações raciais funcionam com uma estrutura binária de negro – branco, reafirmando a regra

de uma gota de sangue (Marrow, 2003). Como muitos latino-americanos, os Brasileiros são (e se

descobrem) não-brancos na perspectiva dos estadunidenses, o que amiúde gera conflitos com as

maneiras em que estes brasileiros se auto identificavam previamente à migração. Entretanto, se

identificar como negro pode resultar inviável para muitos latino-americanos, principalmente pelos

fortes marcadores étnicos históricos da população negra. Assim, pela proximidade geográfica,

cultural e social no e do imaginário estadunidense, os brasileiros são colocados dentro da categoria

Latino ou hispânico, se superpondo e escondendo a mais influente imagem brasileira: a mulata.

Sobre as ideias pré-existentes e seus efeitos: a mulata.

Nas narrativas das minhas entrevistadas o mundo do samba é o reino da mulata, sintetizando

nesta imagem diversos elementos de variada natureza. Há elementos indiscutíveis em relação a

mulata: ela é a mulher não-branca, de corpo generoso, de grandes glúteos e coxas, forte, poderosa.

Em uma análise mais profunda, é possível entender que o corpo da mulata é e representa o samba

ao mesmo tempo. O corpo é o produto do samba, do exercício físico demandante e, é parte do

samba, a mulata é a presença que define o evento do carnaval, a Globeleza. A aparência física

“bela” por características físicas (glúteos e pernas tonificados, cintura pequena, baixo índice de

gordura) expressa, de maneira encoberta, o conhecimento e a prática regular do samba. Como

Malheiros e Padilha (2014) explicam, o corpo se transforma em um capital econômico, na medida

em que é um fator produtivo da atividade econômica e em capital simbólico, no sentido que

expressa aquilo que não é falado (Bourdieu, 2001). Sua capacidade performativa, de criar o mundo

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social, se manifesta na sua capacidade de definir oportunidades de trabalho, mas, principalmente, na

estruturação do campo da cultura brasileira criando e consagrando determinados agentes.

[...] imagem da mulher brasileira é mulata! Quando você pensa sobre uma mulher brasileira

é samba! A imagem nacional, e de um americano é a mulata dançando samba. Certo? Já

mudou muito, mas é aquela coisa, você pensa em samba, pensa numa mulata. Ou do

mínimo uma morena, você não pensa numa loura [risos] tem aquela coisa, samba eles

imaginam uma coisa mais negra, igual a capoeira! [...] Com samba mesma coisa, como a

globeleza sempre tem uma negra, uma mulata. [...] aquela mulata, aquela imagem da

sambista, da passista. E é mulata!! Tem quadril, tem perna, tem bunda! Entendeu? A

mulher brasileira é assim! (Vanessa, brasileira – estadunidense, 44 anos)

Como destaca Côrreia (1996), a mulata é um sujeito construído socialmente, a partir de

discursos eruditos, literários e relacionados ao carnaval. A imagem da mulata vai além da sua

existência ou correspondência empírica, já que é uma representação social forjada a partir da

intensificação de traços específicos culturais, físicos, sexuais, entre outros. Esta complexa

articulação de elementos visa destacar principalmente os elementos entendidos como positivos da

mulata, como meio termo no espectro racial e social. Adiciona-se a isto traços físicos e

comportamentais, que constroem uma feminilidade imaginada definida pelo contaste com as

mulheres brancas.

Além do dialogo possível entre a imagem da mulata como diretriz e representação, e as

práticas das mulheres brasileiras no âmbito do samba, há também um elemento central destacado

por Padilha e Medeiros (2014): o estigma. Os elementos negativos relacionados à imagem da

mulata estão presentes nas diversas experiências das mulheres que entrevistei, na esfera pública e

privada, alguns exacerbados no contexto da migração. Como Padilha e Medeiros destacam, a

inserção econômica de mulheres brasileiras em atividades relacionadas à beleza feminina e cuidado

do corpo responde não só ao imaginário da sociedade de destino, mas também a ideias que são

“trazidas”, mantidas e reformuladas da sociedade de origem. Em consequência, a capacidade das

entrevistadas de reconhecer representações que lhe são adjudicadas é fundamental. Tanto seja na

neutralização de elementos negativos, quanto a exploração da exoticidade e sensualidade, a agência

das mulheres consultadas expressa-se na manipulação, transformação e negociação de traços físicos

e atitudinais relacionados à mulata.

Não, eu primeiro... eu sou muito [risos] eu sou muito atraída por beleza, se eu olhar para a

menina e vejo que ela tem os atributos que eu acho... carisma, sorriso, está em forma eu

acho que vale o peno investir, vou pegar meu tempo e investir, ensinar a sambar. Se ela é

dedicada, então para mim beleza física é muito importante para mim. E dai, eu parto dai,

começa a sambar, começa a dar um jeito, ensaiar, ensaiar, ensaiar... por ai vai [...] Magali:

Qual é o elemento que vai te dar o sucesso? Joana: acho que é um conjunto, é dedicação, é

beleza e investir no teu grupo. É investimento e dedicação. (Joana, panamenha-

estadunidense, 39 anos)

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A beleza física, entendida como uma forma corporal específica é o elemento primeiro e

principal no acesso às atividades econômicas do samba como dança. Ela funciona como critério de

contratação, de escolha dos clientes e como a corporificação do capital simbólico das dançarinas e

das companhias. A questão racial surgiu de maneira clara nos discursos das entrevistadas

relacionada principalmente à imagem da mulata interagindo com o paradigma racial estadunidense.

Intrigava-me especialmente esta questão racial e capacidade de manipulação das mulheres, até que

ponto traços físicos podem e são manipulados. No caso dos Estados Unidos, a cor da pele é um

elemento inegociável, a pesar de que a população negra tem desenvolvido elementos estéticos,

linguísticos e comportamentais que dão conteúdo étnico a esta identificação racial. Se os termos

raciais são mais rígidos e imagem esperada e vendida no mundo do samba é a da mulata, o que

acontece com aquelas mulheres que não se correspondem com a imagem?

eu sou loira na verdade, é que eu pinto o cabelo... escuro... porque loirinha de olho azul ai...

“você parece alemã” por causa do samba, comecei a fazer isso.... porque não achava...que

eu não parecia brasileira [...]comecei a fazer isso agora porque tenho um agente, de...

comercial, foi uma... minha ideia falei pra ela “acho que vou pintar o cabelo” porque se eu

for numa audição... que eles querem uma brasileira que dança samba, eles não vão querer

uma loirinha, ne, eles tem a ideia da morena ou da mulata, então é... vou ficar.... eu ponho

loção de bronzear, porque branquinha, loirinha e de olho azul... não vou ter chance.

(Jovana, brasileira, 38 anos)

e quando falo a mulata é o principal do samba! E eles falam “não, não é porque ela é mulata

não” falam... ai eu falo... “olha as três meninas negras que eu tenho no meu grupo, no meu

website você fala que não quer!” então tem que ser isso, porque lindas elas são, corpo

perfeito! “[sobre um evento específico] Foi em 2012, minha companhia estava ainda fraca

[contrataram um show] eu falei teve um monte de mulher linda que veio no casting, mulata!

Ai ele falou “há? Que é isso?” ai eu falo “pessoal de cor né”, ai “ok mas me manda a foto,

to precisando ver as fotos dessas meninas, não vou chamar ninguém sem foto” [...] Eu senti

alguma coisinha quando falei mulata ai depois, comecei mandar as fotos ele falava “eu

quero essa, essa, essa” as negras ele nunca escolheia. Ai eu tinha mais pessoa morena, tem

gente morena de cabelo enroladinho, aqueles negras que não parecem negras, cabelo... você

ve só pelo cabelo. Ele falava “não” ai eu falei “porra, não é possível, esse cara é racista!”.

(Mariana, brasileira, 33 anos)

O caso de Jovana talvez seja o mais impactante já que exprime uma excepcionalidade do

âmbito estudado: os malefícios de “parecer” branca. Ela insiste em que sua cor de pele, cabelo e

olhos, pode fazer com que os clientes “não acreditem” que ela saiba dançar. Apesar de ter uma

longa e consagrada trajetória em diversas danças, Jovana enfrenta este tipo de preconceito em

situações específicas: o âmbito comercial. Ela modifica sua cor de pele e cabelo nas situações nas

quais ela tem uma audição ou vender seu show para pessoas que “não a conhecem”. Dentro dos

círculos mais estabelecidos do samba, ela apela a sua trajetória e renome (projeto samba 365,

Samba Queen 2016, desfiles com Mocidade Alegre).

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Mariana comenta uma experiência que refere ao outro extremo do espectro racial, as

desvantagens das mulheres (que “parecem”) negras. A segregação e preconceito relacionado a

pessoas negras nos Estados Unidos continua sendo uma das principais dinâmicas que estruturam o

mercado laboral, e o espaço do samba não é alheio. Aquelas mulheres que se afastam da imagem da

mulata por uma cor de pele mais escura da esperada são pouco escolhidas e, em várias ocasiões,

rejeitadas. Tanto mulheres brancas quanto negras perdem espaço e oportunidades em relação

aquelas que têm uma aparência física mais próxima com o estereótipo da mulata, enquanto a mulher

branca é percebida como desconhecedora e uma opção “menos autentica”, as mulheres negras

sofrem uma segregação mais direta que limita consideravelmente suas oportunidades de trabalho.

não... já ouvi histórias, de pessoas que aconteceu com elas, mas comigo não, nunca

aconteceu. Mas também acho que porque meu grupo, nós somos o mesmo look. Mas eu

ouvi histórias assim já. Que realmente eu acho que nos Estados unidos eles estão

procurando... eles procuram samba, mas not just like in Brazil. Eles não querem as meninas

grandonas, não... eles procuram meninas small e que não seja totalmente black. Essa é

minha opinião, mas nunca aconteceu comigo. O motivo eu acho que nunca aconteceu

comigo é porque eu ofereço exatamente o que eles estão procurando (Ana Maria, brasileira,

37 anos)

Bom, eu não tenho muito esse problema que no meu grupo quase todas as meninas são

morenas, só tem uma branca [...] Já aconteceu com mulher negra na verdade de falar “haaa..

não sabia que brasileira era mulher negra, negra! Achei que era morena” “não, tem

brasileira que é negra”. Mas, no meu grupo é homogêneo. [...] só uma vez aconteceu, um

cliente árabe falou que não queria meninas negra, uma vez, mas nunca aconteceu de falar

[...] Claro que eu tento como se diz... trazer o gosto do cliente, mas, de uma forma geral

(Joana, panamenha- estadunidense, 39 anos)

Segundo Bourdieu (1989) é possível entender estas afirmações identitárias em função do

capital simbólico possuído pelas entrevistadas citadas, que se identificam e identificam “os outros”

a partir da imagem da mulata dominante do campo no qual elas se encontram insertas2. Os casos de

Ana Maria e Joana exemplificam claramente isto. Apesar delas reconhecerem as desvantagens das

mulheres negras, sua posição resulta de uma delicada combinação de serem não-brancas e

brasileiras. A identificação nestes casos, tanto externa quanto subjetiva, apresenta-se de maneira

opaca, encobrindo os princípios que efetivamente organizam as identidades e oportunidades

econômicas. Elas me explicam que seus grupos são homogêneos e por isso não sofrem preconceito,

sem reconhecer ou explicitar que o resultado positivo deriva do fato de que elas se “parecem” com a

mulata. Por trás deste discurso há uma aprovação por parte do público, e dos pares, da

correspondência da aparência destas mulheres à imagem das expectativas. Apesar da cor de pele

não branca ser um aspecto problemático na vida cotidiana destas mulheres, devemos lembrar que no

2 “[...] os defensores da identidade dominada aceitam, quase sempre tacitamente, por fezes explicitamente, os princípios

de identificação de que sua identidade é produto” (Bourdieu, 1989, p, 110)

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caso do samba, como espaço específico e por mecanismos determinados, “[...] as propriedades

simbólicas, mesmo as mais negativas, podem ser utilizadas estrategicamente em função dos

interesses materiais e também simbólicos do seu portador” (Bourdieu, 1989, p. 112).

Sobre a exposição do corpo e a neutralização do estigma: as regras.

Além das experiencias relacionadas à raça, há as já mencionadas experiencias de abuso. O

que me levou a ponderar de que maneira estas mulheres lidam com elementos negativos surgidos da

sua atividade econômica, como conseguem manipulá-los e negociá-los. O abuso é entendido como

o contato físico não autorizado por parte de homens, quando buscam tocar o corpo das mulheres,

frequentemente os glúteos, pernas e cintura. Apesar de dois momentos serem os mais perigosos (a

hora que elas convidam o público a dançar e a sessão de fotos que encerra o espetáculo), o abuso é

entendido como um risco iminente, em qualquer momento o homem do público pode passar dos

limites. Isto é feito às vezes de maneira declarada, outras mais ténues, como perguntas sobre “outros

tipos de serviços” depois de terminado o show ou na contratação. Os clientes geralmente buscam

forçar os limites do show, convidando as dançarinas a ficarem nas festas, oferecendo comida,

bebidas e caronas.

Em contraposição, os eventos públicos são os mais seguros, por dois motivos principais: há

uma distância física entre a dançarina e o público e, em algumas ocasiões, apresentam-se em palcos

o que instaura uma distância simbólica, aproximando o show de samba a qualquer outro espetáculo

de dança. Entre estes eventos me intrigavam especialmente os restaurantes. Para estabelecimentos

gastronômicos brasileiros é quase uma regra oferecer shows de samba do tipo Rio Style nos jantares

e no final de semana. Apesar de ser um evento público, a proximidade física com o público tem

grande importância no planejamento do show. Há um formato respeitado por todos os grupos de

samba baseado em diretrizes passadas às dançarinas. Entre estas destacam-se: I) não estabelecer

contato visual direto com homens que estejam acompanhados por mulheres e convidar para dançar

sempre a mulher do casal. As donas de companhia me explicaram que as mulheres do público se

sentem ameaçadas pela beleza das dançarinas, provocando situações constrangedoras. II) a

proximidade física entre as dançarinas e o público busca ser a máxima possível, fazendo com que as

coreografias se concentrem em um espaço livre na frente do restaurante. Apesar disto, é comum as

dançarinas circularem entre as mesas durante o show, o que continua provocando um risco.

A terceira estratégia (III) é que não se permite receber gorjetas no corpo, o que vi em

algumas ocasiões durante meu trabalho de campo. Isto gera problemas porque dar gorjeta é um

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traço cultural estabelecido nos Estados Unidos. Para evitar estes conflitos Jovana, por exemplo, fez

caixinhas com cartazes de gorjeta que colocou no palco. Quando alguém tenta colocar dinheiro no

seu corpo ela “[...] pega na mão, leva até a caxinha, ou bota na caxinha e mostra pra pessoa e fala

‘obrigada’” (Jovana, brasileira, 38 anos). Por último (IV), todas as companhias oferecem diversas

opções de fantasias, exibidas nos sites. É muito importante a variedade em cores e estilos de

fantasias como diferencial na concorrência. Mas, também são opções para eventos como

casamentos em que são pedidas fantasias que cubram mais o corpo, “[...] há clientes que,

americanos, que são mais conservativos, ai eles pedem que tape o bumbum, as costas, fantasias

mais conservativas” (Ana Maria, Brasileira, 37 anos).

Há estratégias claramente estabelecidas que buscam minimizar o risco de abuso. Todas as

companhias que consultei (seis no total) declinam contratações para despedidas de solteiro, algumas

por experiências passadas outras a modo de “prevenção”. Em estas ocasiões a proximidade física, as

expectativas dos homens do público, e por tratar-se de lugares particulares (como casas ou

apartamentos) são aspectos que ameaçam a integridade física das dançarinas. De certa forma,

aceitar este tipo de contratação é entendida como conivência às expectativas do cliente. Em relação

a eventos particulares mais frequentes, como aniversários e casamentos, algumas entrevistadas têm

incluído no contrato clausulas sobre situações de abuso físico que lhes permitem suspender o show

sem levar prejuízo econômico.

Quando consultadas sobre estas situações, as donas das companhias insistem no

desconhecimento dos não-brasileiros sobre o que é um show de samba. A ideia de uma “muito thin

line” (Jovana) de separação entre o show de samba e o show de stripper requer o profissionalismo

das dançarinas, é responsabilidade delas que a “confusão” não aconteça. Da mesma maneira,

declinar trabalhar em despedidas de solteiros é colocado frequentemente como um critério correto

da líder do grupo ou dona da companhia, “[...] você já sabe quando vai nesses, né... vai dar

problema, muito cara bêbado, não dá, não... não” (Joana, panamenha- estadunidense, 39 anos). Isto

expressa o papel ativo que estas mulheres têm no processo de comoditização do show definindo

preços e tempos, mas, principalmente, na capacidade de distanciar este espetáculo de representações

negativas, neutralizando possíveis resultados indesejáveis.

As regras e diretrizes de comportamento explicadas previamente constituem processos de

neutralização do estigma de duas maneiras. Por uma parte, elas visam evitar situações de

constrangimento a partir do contato físico em espaços comerciais responsabilizando às dançarinas

de dissipar possíveis “confusões” ou “mal-entendidos”. Por outra parte, elas concretizam o

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profissionalismo das companhias expressado nos menores gestos das dançarinas. O cuidado no

manejo do corpo “fecha a perna assim, não desce com a perna aberta, isso é vulgaridade” (Jovana,

brasileira, 38 anos), resulta fundamental para erradicar suspeitas destas mulheres estejam

convidando os homens do público. Novamente, é a responsabilidade da dançarina e da dona da

companhia garantir que não haja interpretações erradas. As fantasias apropriadas para os eventos

ajudam neste sentido. Elas impossibilitam o contato direto com o corpo, mas, especificamente

impõem um limite: aquilo que não é exibido, que fica oculto, define o caráter do show.

A modo de conclusão.

Experiências de segregação e discriminação são frequentes nos processos migratórios,

nacionais ou internacionais, variando segundo trajetórias, sociedades de origem e destino,

qualificação, representações sociais em torno ao país de origem, entre outros. As relações de gênero

não podem ser obviadas neste processo, sejam entendidas entre homens, mulheres e pessoas com

outras identificações de gênero, assim como maneiras de entender subjetividades e expectativas.

Utilizar uma perspectiva de análise baseada nestas relações implica considerar outras dimensões

sociais que as definem e influenciam. As minhas entrevistadas além de se identificarem como

mulheres, possuem uma cor de pele, maneiras específicas de usar seu cabelo, formas físicas,

sotaques, entre outros aspectos que podem ser utilizados e/ou interpretados como identificadores

étnicos. Em outras palavras, a interação e intersecção de raça, etnicidade e gênero é fundamental se

nosso objetivo é uma compreensão profunda do processo migratório.

Acredito que todo estudo sobre migração deve considerar imaginários historicamente

forjados. No meu caso, trata-se de ideias que imputam às mulheres características como grande

apetite e conhecimento sexual, formas físicas específicas e atributos pessoais sintetizados

simbolicamente na imagem da mulata. Esta figura influencia práticas e expectativas no contexto da

migração por parte da sociedade de destino, assim como é reproduzida pela agência estratégica das

mulheres consultadas. Esta imagem é reconhecida, apropriada e negociada em busca de inserção

econômica e integração social. Mecanismos específicos são desenvolvidos em função dos espaços

de “risco” da atividade econômica do samba como dança, evitando situações de abuso e

neutralizando estigmas relacionados à imagem da mulata de maneira específica, e da mulher

brasileira de maneira geral.

Neste cenário, a política do corpo pode ser entendida de duas maneiras. Por uma parte,

explica o mecanismo de seleção e acesso ao nicho econômico; por outra, é o efeito direto da

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aparência física como capital simbólico. Sendo um critério reconhecido e aceitado pelos

beneficiados e os prejudicados, uma aparência específica (forma corporal, cor de pele, uso de

cabelo, atitudes e comportamentos) é percebida como neutra quando positiva. Em outras palavras,

apesar das entrevistadas rejeitarem atitudes de racismo e discriminação, as mulheres beneficiadas

no campo entendem sua posição e condição por motivos que encobrem a imagem da mulata como

princípio estruturador da atividade. A correspondência com esta imagem é fundamental para ter

sucesso na atividade econômica, fenômeno parcialmente disfarçado pela insistência em relação ao

profissionalismo que, em última instancia, neutraliza toda característica que vai além do plano

pessoal.

Referências bibliográficas:

Assis, Gláucia. De Criciúma para o mundo: rearranjos familiares dos novos migrantes brasileiros.

Florianópolis: Mulheres, 2011

Assis, Gláucia; Pitiscelli, Adriana; Olivar, José. Gênero, sexo, amor e dinheiro: mobilidades

transnacionais envolvendo o Brasil. São Paulo. Coleção Encontros. Pagu / Núcleo de Estudos de

Gênero. UNICAMP. 2011

Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa. 1989

______________ A produção da crença. Contribuição para uma economia dos bens simbólicos.

Porto Alegre: Zouk. 2001

Sandoval-Sánchez, Alberto. José, can you see? Latinos on and off Broadway. Wisconsin:

University of Wisconsin Press. 1999

Côrreia, Mariza. Sobre a invenção da mulata. Campinas: Cadernos Pagu, 1996. (6-7) pp 35-50.

Marrow, Helen. To be or not to be (Hispanic or Latino) Brazilian racial and ethnic identity in the

United States. Ethnicities. London, Thousand Oaks and New Delhi. 2003. Vol 3 (4) pp 427 – 464.

Pitiscelli, Adriana. Sexo tropical em um país europeu: migração de brasileiras para a Itália no

marco do “turismo sexual” internacional. Florianópolis: Estudos Feministas, 2007. Vol 15 (3) pp

717- 744.

Politics of the body in Samba. Strategies and uses of the body in the case of Brazilian female

dancers in Los Angeles.

This work presents some findings of my research on Brazilian migrants in Los Angeles, during

2015-2016. While interviewing Brazilian women working in the samba business, complex

strategies emerged about the use of the body during shows and performances. I will analyze the

following aspects a) perception of the body and notions of female beauty; b) exposure of the body

during the samba show; c) regular ideas about samba among the American and international

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audience; d) rules and strategies that seek to differentiate and distant the Rio Style Samba show

from a regular striper show. Gender is the key element that defines the access and the position

within the market of samba. Following the myth of the mulata (Côrreia, 1995, beauty is embodied

in the light-brown skin women, attached to sensuality, friendliness and joyfulness. When the clients

hire the show, they get to choose the dancers based on their photos, usually asking for groups

formed exclusively by Brazilian women. Black dancers are frequently rejected, followed by white

dancers. The transnational circulation of images of the carnival musas ends up promoting women

who have a similar body type. Therefore, body type becomes a criterion that determines the access

to the field. In addition to this, there is a manipulation of ethnic elements, such as hair and skin

color, to be successful in this market. Through an intersectional analysis, I seek to delve into

different meanings of being a woman and the way this criterion influence the economic

opportunities of my interviewees.

Key words: gender; race; ethnicity; body; female Brazilian migrants