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- 1 - - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI - UFSJ Curso de Artes Aplicadas com Ênfase em Cerâmica AS DANÇARINAS: MOVIMENTO E EXPRESSÃO NA ESCULTURA CERÂMICA RICARDO VELASCO LEMOS São João Del Rei 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI - UFSJ · A partir desse ponto e em estudos sucessivos, criei esculturas de dançarinas. Todas com as mesmas medidas, em movimentos que

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI - UFSJ

Curso de Artes Aplicadas com Ênfase em Cerâmica

AS DANÇARINAS: MOVIMENTO E EXPRESSÃO NA ESCULTURA CERÂMICA

RICARDO VELASCO LEMOS

São João Del Rei

2014

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Ricardo Velasco Lemos

AS DANÇARINAS: MOVIMENTO E EXPRESSÃO NA ESCULTURA CERÂMICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Artes Aplicadas com Ênfase em

Cerâmica da Universidade Federal de São João

del Rei – UFSJ.

Orientadora: Luciana Chagas

São João Del Rei

2014

- 3 - -

Dedico este trabalho a minha amada esposa,

Raquel de Azevedo Resende, com a qual vivo

um grande amor.

À memória de meu querido Pai, Fernando de

Almeida Lemos, meu grande mestre e

companheiro, que me apresentou e me

incentivou para o mundo das Artes.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Laura Capella Velasco, pelo amor incondicional.

À meus filhos e netos, que são minha fonte de inspiração.

Ao meu irmão de sangue e de alma, Fernando Lemos, pelo olhar fotográfico.

Ao professor e amigo Rogério Godoy, idealizador do Curso de Artes Aplicadas em

Cerâmica, pela possibilidade de capacitação de artistas e artesões da região, valorizando a arte

da cerâmica.

À minha orientadora, Luciana Chagas, por ter conduzido meu trabalho com

disponibilidade e profissionalismo.

Aos professores do curso, pelos ensinamentos adquiridos de forma artística e técnica.

Ao Projeto de Extensão de Arterapia “Atelier de Cerâmica” na APADEQ (Associação

de Parentes e Amigos de Dependentes Químicos), pela visão humana da arte.

À professora da UFG\GO, Anita Cristina Azevedo Resende, pelas calorosas

discussões.

Aos queridos amigos de sala, pelo companheirismo e afeto.

Ao amigo professor Gustavo Melo e ao meu amigo Ronaldo Santana por terem me

indicado o caminho das pedras.

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Feita de carreira de pedras, talhada no

mármore, moldada no bronze, fixada sob o

verniz, gravada no cobre ou na madeira, a

obra de arte só é imóvel na aparência. Ela

exprime um desejo de imobilidade, é uma

pausa, mas como um momento no passado. Na

realidade, ela nasce de uma mudança e prepara

outra. Em uma mesma figura, há várias outras

(...).

(Henri FONCILLON, 1983, p. 18)

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1– Imagem retirada da internet – Disponível em:

<https://www.google.com.br/search?q=textura+terra+rachadaterrarachada> acesso em junho,

2014....................................................................................................................................................11

Figuras2, 3 e 4– Estudo 01 Foto: Ricardo Lemos ...................................................................

13

Figuras 5 e 6– Estudo 02 Foto: Ricardo Lemos.......................................................................14

Figuras 7 e 8– Raio X Foto: Ricardo

Lemos........................................................................................................................................15

Figuras 9, 10 e 11 - Batik em seda, Ricardo Lemos, 1990........................................................

16

Figura 12– Edgar Degas. Estudo para a escultura da pequena dançarina de 14 anos Disponível

em: <http://obviousmag.org/archives/2014/02/edgar_degas_-

_a_pequena_bailarina.html#ixzz31Mh6Zkps> Acesso em maio 2013...........................................18

Figura 13– Edgar Degas. Bailarina ajustando a alça Foto: Degas Disponível em:

<http://obviousmag.org/archives/2014/02/edgar_degas_a_pequena_bailarina.html#ixzz31Mh6

Zkps> acesso em maio, 2013........................................................................................................19

Figura 14– Edgar Degas. Pequena bailarina de 14 anos, 1881 Foto: Degas Disponível em:

<http://obviousmag.org/archives/2014/02/edgar_degas_a_pequena_bailarina.html#ixzz31Mh6

Zkps> Acesso em maio, 2013.......................................................................................................19

Figura 15- Edgar Degas, Pequena Dançarina de 14 anos, cerca de 1878-1881, radiografia vista

de frente – National Galllery of Art Washington Disponível em:

<http://obviousmag.org/archives/2014/02/edgar_degas__a_pequena_bailarina.html> acesso em

maio, 2013...........................................................................................................................................19

Figura 16– Auguste Rodin. Estudo do Movimento de dança Disponível em

<http://sonhar1000.blogspot.com.br/search/label/Auguste%20Rodin%20%2818401917%29>

Acesso em maio, 2013 .............................................................................................................20

Figura 17– Auguste Rodin. Movimento de dança, Pas de Deux “G” Disponível em

http://www.gazetteouot.com/static/magazine_ventes_aux_encheres/enchere_collection_carass

o.html?lang=1 Acesso em junho, 2013.....................................................................................20

Figura 18– François-Raoul Larche Lâmpada Loier Fuller, 1900Disponível em:

<http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois-Raoul_Larche> Acesso em novembro,

2013...........................................................................................................................................21

Figura 19– Demetre Chiparus. As Meninas, de 1930. Madeira, marfim e ouro. Disponível em

<http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois-aoul_Larche>Janeiro,2014..........................22

Figura 20- Demetre Chiparus “Danseuse au cerceau” (Zoula de Boncza) 1928Disponível em

<http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois-Raoul_Larche>Acesso em Janeiro,

2014...........................................................................................................................................22

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Figura 21- Dança Hannah A. Laoust- bronze. Disponível em: < hannah-a-

laoust/Sculptures/Pages/Danse.html#0>Acesso agosto, 2014..................................................23

Figura 22- Foto de Lois Greenfield Disponível em <http://www.loisgreenfield.com/about-

lois/index.html>Acesso em agosto, 2014.................................................................................24

Figuras 23, 24, 25 e 26- Foto Lois Greenfield. Disponível em

<http://www.loisgreenfield.com/aboutois/index.html>Acesso em maio, 2014........................25

Figura 27- Kyoto. Ceramista Japonês do século XIX. Cerâmica em cobalto e ferro sob

esmalte transparente. Restaurada em lasca e pó de ouro disponível em:

<http://lounge.obviousmag.org> Acesso em junho, 2014........................................................26

Figura 28- Estudo do Busto. Foto: Ricardo Lemos..................................................................27

Figura 29- Estudo da Mão 1. Foto: Ricardo Lemos..................................................................28

Figura 30- Estudo da Mão 2. Foto: Ricardo Lemos..................................................................28

Figura 31- Estudo do Corpo Humano. Foto: Ricardo Lemos...................................................29

Figura 32- Estudo da Cabeça. Foto: Ricardo Lemos................................................................30

Figura 33- Isadora Duncan Disponível em <http://www.dicasdedanca.com.br/grandes-nomes-

da-danca-isadora-duncan>Acesso em junho, 2014...................................................................31

Figura 34- Croqui da Dançarina 6. Foto: Ricardo Lemos.........................................................32

Figura 35- Processo de criar o esqueleto da escultura à partir do croqui. Foto: Ricardo

Lemos........................................................................................................................................32

Figura 36. Modelagem do corpo da escultura 6. Foto: Ricardo Lemos....................................33

Figura 37- Modelagem do corpo da escultura 5. Foto: Ricardo Lemos...................................33

Figura 38- Primeira aplicação do tecido com barbotina no corpo da escultura 2. Foto: Ricardo

Lemos.......................................................................................................................................34

Figura 39- Primeira aplicação do tecido com barbotina no corpo da escultura 1. Foto: Ricardo

Lemos.......................................................................................................................................34

Figura 40- Aplicação do manto com barbotina no corpo da escultura 4. Foto: Ricardo

Lemos........................................................................................................................................35

Figura 41- Aplicação do manto com barbotina no corpo da escultura 1. Foto: Ricardo

Lemos........................................................................................................................................35

Figura 42- Modelagem do manto com uma placa fina de argila na escultura 6. Foto: Ricardo

Lemos........................................................................................................................................36

Figura 43- Ingredientes da massa. Foto: Ricardo Lemos..........................................................37

Figura 44- Massa pronta para o uso. Foto: Ricardo Lemos......................................................37

Figura 45- Preenchimento das rachaduras. Foto: Ricardo Lemos............................................38

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Figura 46- Pintura com engobe no corpo da escultura 6. Foto: Ricardo Lemos.......................39

Figura 47- Pintura com engobe no corpo da escultura 1. Foto: Ricardo Lemos.......................39

Figura 48- Forno de barranco Atelier Ricardo Lemos Resende Costa. Primeira queima. Foto:

Ricardo Lemos..........................................................................................................................40

Figura 49- Queima 1. Foto: Ricardo Lemos.............................................................................40

Figura 50- Gráfico primeira queima.........................................................................................41

Figura 51- Valorização das rachaduras. Foto: Ricardo Lemos.................................................42

Figura 52- Cera marrom no corpo da peça. Foto: Ricardo Lemos...........................................42

Figura 53- Base torneada. Foto: Ricardo Lemos......................................................................43

Figura 54- Estudo da base. Foto: Ricardo Lemos.....................................................................43

Figura 55- Base com engobe marrom claro. Foto: Ricardo Lemos..........................................44

Figura 56- Dançarinas 2, 3, 4, 5 e 6 prontas para queima. Foto: Ricardo Lemos.....................45

Figura 57- Dançarina 2 peça com engobe. Foto: Ricardo Lemos.............................................46

Figura 58- Dançarina 4 peça com engobe. Foto: Ricardo Lemos.............................................47

Figura 59- Dançarina 5 peça com engobe. Foto: Ricardo Lemos.............................................48

Figura 60- Dançarina 6 peça com engobe. Foto: Ricardo Lemos.............................................49

Figura 61- Dançarinas 2, 3, 4, 5 e 6 dentro do forno barranco prontas para a queima 2. Foto:

Ricardo Lemos..........................................................................................................................50

Figura 62- Queima 2. Foto: Ricardo Lemos.............................................................................50

Figura 63- Gráfico segunda queima..........................................................................................51

Figura 64- Abertura segunda queima Foto: Ricardo Lemos.....................................................52

Figura 65- Dançarina 1. Foto: Fernando Lemos.......................................................................53

Figura 66- Detalhe Dançarina 1. Foto: Fernando Lemos..........................................................54

Figura 67- Dançarina 2. Foto: Fernando Lemos.......................................................................55

Figura 68- Detalhe dançarina 2. Foto: Fernando Lemos..........................................................56

Figura 69- Dançarina 3. Foto: Fernando Lemos.......................................................................57

Figura 70- Detalhe dançarina 3. Foto: Fernando Lemos..........................................................58

Figura 71- Dançarina 4. Foto: Fernando Lemos.......................................................................59

Figura 72– Detalhe dançarina 4. Foto: Fernando Lemos.........................................................60

Figura 73- Dançarina 5. Foto: Fernando Lemos.......................................................................61

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Figura 74- Detalhe dançarina 5. Foto: Fernando Lemos..........................................................62

Figura 75- Dançarina 6. Foto: Fernando Lemos.......................................................................63

Figura 76- Detalhe dançarina 6. Foto: Fernando Lemos..........................................................64

Figura 77- Eu e as dançarinas. Foto: Fernando Lemos.............................................................65

Figura 78- As dançarinas. Foto: Fernando Lemos....................................................................65

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11

ANÁLISE DE REFERÊNCIAS...............................................................................................18

ENSAIOS DE MODELAGEM DO CORPO...........................................................................27

PROCESSO CRIATIVO DO TRABALHO PLÁSTICO ........................................................ 31

TRABALHO PLÁSTICO FINALIZADO................................................................................53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DE INTERNET ....................................................... 68

REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS ...................................................................................... 69

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INTRODUÇÃO

A concepção desse trabalho tem sua origem no meu contato pessoal com uma

reportagem sobre um retirante que abandonava sua terra improdutiva. A terra era seca, morta,

mórbida, preta, rachada, sem possibilidade de fazer ali brotar algo. Contraditoriamente, nessa

mesma imagem de destruição, pude enxergar a beleza e a harmonia infinitas dos desenhos

criados pelas rachaduras na terra como reação da natureza independente do homem. Esse

cenário deu-me inspiração para o meu trabalho quando comecei a ver as rachaduras na

cerâmica como um belo efeito, não mais como um erro. Assim, iniciei o processo de ver as

rachaduras como marcas ou cicatrizes que riscam as esculturas com desenhos aleatórios, ou

seja, perceber a beleza na imperfeição. Assim, postulo o uso dos erros e acasos da cerâmica

como efeitos que fazem parte das transformações de minhas peças possibilitando que a

surpresa e o inesperado se revelem e deixem a sua marca.

Figura. 1- Textura terra rachada

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A partir desse ponto e em estudos sucessivos, criei esculturas de dançarinas. Todas

com as mesmas medidas, em movimentos que se sucedem, formando a sequência de uma

dança, como uma coreografia representada por seis dançarinas nuas, que dançam com os seus

mantos. Esse manto se modelará ao vento e ao seu corpo quebrado, sofrido, com suas

cicatrizes expostas, que são as marcas da vida, que revelam experiências e remetem a

sentimentos vivenciados na historia de cada um e de todos nós.

O ponto de partida foi, portanto, a postulação de que as rachaduras criadas pela

retração da argila, quando modelada sobre uma estrutura de ferro ou pela secagem rápida ao

sol, são os erros que se tornam acertos durante o processo de criação, bem como a

aleatoriedade das rachaduras dão novas formas e desenhos à escultura. Ao mesmo tempo, a

terra rachada, a destruição ocasionada pelo homem ao extrair do solo toda a sua vida,

deixando-o improdutivo e criando um cenário esquecido, de abandono, de término, me

inspiram a fazer uma crítica à seca e aos maus tratos do homem com a natureza, trazendo

essas marcas para o meu trabalho em forma de protesto. As esculturas, nesse contexto,

representam a vida, as emoções e sentimentos dos homens, criados num cenário de sua

própria destruição. As terras que se tornam improdutivas e esquecidas no nosso mundo e as

rachaduras ou erros das cerâmicas passam a ter outro sentido nas dançarinas craqueladas, ou

seja, revelam uma nova identidade e particularidade à escultura. Depois o fogo conclui as

peças com sua magia e surpresas, transformando o barro em cerâmica, abrindo as rachaduras

para que não sejam esquecidas e se perpetuem nesse momento em uma escultura.

Durante o ano de 2013, realizei vários estudos referentes às rachaduras: como criá-las

e conduzi-las de modo a não perder a peça ou o sentido de harmonia e beleza. No percurso

desses estudos percebi que a argila com muita água, por sofrer uma grande retração, cria belas

rachaduras (fig. 2). Para essa experiência utilizei a argila (RC) de Resende Costa para a base e

a argila BA (Bruno Amarante) pronta e plástica para modelagem da escultura, criando tipos

diferentes de rachaduras.

A esses estudos, realizados em 2013, eu denominei “Esculturas Rachadas”, como se

pode ver nas fotos que se seguem:

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Figura. 2 -Ricardo Lemos, estudo 01 - 2013

Figura. 3 - Ricardo Lemos, estudo 02 - 2013

Figura.4 -Ricardo Lemos, estudo 03 - 2013.

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A proposta de fazer esculturas figurativas do corpo humano começou a se desenvolver

durante o curso de graduação em Artes Aplicadas, na disciplina “Modelagem do Corpo

Humano” ministrada pelo professor Ricardo Coelho, que propunha criar uma escultura a

partir do desenho do modelo vivo em movimento. Na escultura, durante o processo de

construção a partir do esqueleto feito de arame e com a argila, se modelava o corpo, criando a

forma e a expressão da escultura. Essa técnica é utilizada para possibilitar a reprodução da

peça ainda no ponto de couro1, pois quando a peça seca totalmente, a retração cria rachaduras

na escultura pela presença da armação de ferro. Foi quando tive um insight em meu atelier ao

ver as esculturas rachadas e gostei do efeito gerado pelo “erro e acaso”.

Desenvolvendo essa técnica e através de experiências que realizei de esculturas

percebi que, após a queima, o arame comum enfraquecia e não suportava o peso da escultura

(fig. 5 e 6). Em razão disso, pesquisei com serralheiros amigos um material mais resistente e

maleável para a modelagem do esqueleto. Disso resultou a sugestão de que eu utilizasse o

ferro recozido número 8 e pude utilizá-lo com êxito em minhas dançarinas.

Figura. 5- Ricardo Lemos. Estudo 04 - 2013 Figura. 6 - Ricardo Lemos. Estudo 05 - 2013

1Estágio em que o barro está resistente, mas ainda um pouco molhado.

- 15 - -

As rachaduras começaram a criar desenhos no corpo da peça, a mostrar o seu interior,

a sua carne, a sua matéria oculta que se sustenta na sua estrutura de ferro, sem perder a

harmonia, o sentido e o sentimento. Logo, mesmo em um solo morto, sem água e sem vida é

possível fazer brotar algo e nasce aí uma escultura rachada, mas ereta, com suas feridas e

cicatrizes.

Tudo isso me remete às rachaduras que nos cercam na sociedade contemporânea, com

suas adversidades, falta de ética, integridade e respeito ao próximo. Apesar de sofrer com

isso, procuro a criação, a expressão através dessas rachaduras que também me remetem às

cicatrizes em meu corpo criadas pelas nove fraturas sofridas em um acidente de carro em

1991. Dentre elas, a mais grave foi uma fratura exposta no meu fêmur direito. A partir dessa

data, o que sustenta meus ossos são as placas de metal que ajudam o meu esqueleto a suportar

o meu corpo. (fig.7 e 8)

Figura. 7 - Raio X do meu fêmur esquerdo Figura. 8 – Raio X do meu fêmur direito

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Outra referência vivencial sobre rachaduras que relaciono ao meu trabalho é acerca do

Batik2, técnica de estamparia com a qual trabalhei por mais de 20 anos. Também nessa

técnica, as rachaduras criadas pela cera que se quebra pelas mãos do artesão, geram a sua

beleza, sua identidade, definindo a estética de forma aleatória e inesperada, obtendo

surpreendentes resultados. Foram muitos anos que eu tive a ação de quebrar a cera para criar

as rachaduras do batik. Hoje, na cerâmica, elas se formam sozinhas e independentes das

minhas mãos e podem até ser vistas como um erro.

Figura. 9 - Batik em seda, Ricardo Lemos - 1990 Figura. 10 - Batik em seda, Ricardo Lemos - 1990

Figura. 11 - Batik em seda, Ricardo Lemos - 1990

2 A Indonésia foi o berço do Batik, forma de expressão artística que consiste em desenhar cera

quente sobre o tecido e em seguida tingi-lo com cores variadas, que lhe confere uma impressionante beleza. A

técnica do Batik tem como característica singular o efeito da cera, que se parte em alguns lugares deixando um

craquelê no desenho, o que acrescenta um toque especial no trabalho dos artistas

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Como síntese do que são minhas experiências subjetivas e objetivas, procuro

materializar nas esculturas a minha vivência, as minhas posições sociais e políticas, as minhas

cicatrizes e rachaduras pessoais, os metais que estruturam o meu corpo. As rachaduras criadas

na argila me atraem, pois formam desenhos aleatórios que, mesmo deformando a escultura,

tornam-na bela em sua imperfeição e podem criar uma harmonia nesse cenário de caos e

desordem. É uma forma de contar a minha história e refletir a minha imagem.

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ANÁLISE DE REFERÊNCIAS

Toda essa ação me remete a artistas do século XIX, XX e XXI que se inspiraram nos

movimentos da dança, tais como escultores, como Degas, Rodin, François-Raoul Larche,

Demetre Chiparus, Hannah A. Laous, além de dançarinas como Loie Fuller, Isadora Ducan,

e a fotógrafa Lois Greenfield.

Degas (1834-1917), com a pequena bailarina de 14 anos, quebrou os paradigmas da

escultura da sua época, criando um retrato de uma jovem sofrida pelos esforços para se tornar

uma bailarina. Esse retrato escandalizou os críticos da época ao descontruir um ideal

acadêmico de beleza e feminilidade. Este artista também utilizou como material escultórico a

cera e o tecido, ao invés do mármore e bronze. E realizou uma série de estudos com desenho e

fotografias para dar a forma a sua pequena bailarina. (Figs. 12 e 13)

Figura. 12 - Edgar Degas. Estudo para a escultura da Pequena Dançarina de 14 anos

- 19 - -

Figura. 13 - Bailarina ajustando a alça, cerca de 1900. Fotografia feita ou orientada por Degas.

Figura. 14 - Edgar Degas. Pequena bailarina de Figura. 15 - Edgar Degas radiografia vista

. frente - 14 anos - 1881. de frente no National Galllery of Art Washington

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Reporto-me também a Rodin (1840-1917) e às suas observações da dança

especialmente das dançarinas Loie Fuller e Isadora Ducan, que foram suas modelos e

precursoras da dança moderna. Ambas despertaram nele uma nova maneira de desenhar,

marcando uma mudança em seu trabalho. Aqui, em especial, me reporto à série de esculturas

“Movimento de Dança” realizado em 1911. Destaco, em especial, a escultura pas de deux “G”

(fig.17) que chama a atenção pelo único e pequeno ponto de apoio que gera leveza e

equilíbrio à escultura e reporta-me à minha proposta.

Figura. 16 - Auguste Rodin. Estudos de movimento de dança. Musée Rodin, Paris.

Figura. 17 - Auguste Rodin. Movimento de dança, pas de deux “G”.

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Outro artista fundamental como referência ao meu trabalho é o pintor e escultor

francês François-Raoul Larche (1860-1912), que trabalhou no estilo Art Nouveau. Inspirando-

se na dançarina Loie Fuller, ele fez uma escultura em bronze que transformou em uma

luminária. Essa peça foi decisiva para a direção do meu trabalho e representou o início do

delineamento da minha escultura. Fiquei atraído pelo corpo que o tecido gerou na escultura,

como se o tecido fizesse parte do corpo da dançarina e traçasse o rastro do vento no tecido,

criando um movimento peculiar à escultura sólida e estática.

Figura. 18 - François-Raoul Larche. Lâmpada Loie Fuller - 1900

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Demetre Chiparus (1886-1947) foi outro escultor Art Deco que influenciou meu

trabalho. Suas esculturas são inspiradas em dançarinas e atletas, tema comum entre os

escultores que utilizavam ouro, bronze, madeira e marfim. Nessa técnica, chamada de

chryselephantine3, é possível perceber a leveza e a beleza dos movimentos juntamente com o

requinte de detalhes nos corpos muito bem modelados que criam uma harmonia invejável a

obra. Tudo isso me inspira

Figura. 19 – Demetre Chiparus, “As Meninas”, de 1930. Madeira, marfim e ouro

Figura. 20 – Demetre Chiparus, “Danseuse Au Cerceau” (Zoula de Boncza) 1928.

3 Chryselephantina (dos chrysos, „ouro‟ e elephantinos, „marfim grego‟) é o termo artístico-

arquitetônico dado às estátuas que foram construídas em cima de um núcleo de madeira com o marfim que

representa a carne e o ouro do drapery (vestes). Em português: criselefantino

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Buscando artistas escultores que trabalham atualmente com movimentos de dança,

encontrei Hannah A. Laoust, escultora francesa, que faz ela mesma todo o processo, desde a

modelagem à fundição em bronze, bem como o acabamento. Ela parte do modelo vivo para o

estudo das formas do corpo em determinada posição em uma pequena maquete de argila.

Depois as transforma em grandes esculturas e, como característica de suas obras, ela alonga

os braços e as pernas e não trabalha o rosto, para que o receptor possa se imaginar na

escultura. Esta pesquisa me levou a conhecer a APSDE (Associação de Pintores e Escultores

da Dança Europeia), com sede em Paris, da qual Hannah A. Laoust é membro. Hoje Hannah

vende suas obras e suas joias para a loja da Ópera de Paris.

Identifico-me com a obra de Hannah A. Laoust por sua leveza e movimento, mas,

principalmente, pelo fato dela ser responsável por todo o processo de modelagem até o

acabamento final em bronze. Sua forma de trabalho me inspira, pois pretendo descobrir a

fundição de bronze como mais uma forma de acabamento de minhas futuras esculturas.

Figura.21 - Dança. Hannah A. Laoust – bronze.

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Ainda na pesquisa acerca de fotos de dançarinas, encontrei a fotógrafa americana

Lois Greenfield (1949-) que me surpreendeu. Ela fotografa há mais de 25 anos o movimento

da dança e hoje trabalha como fotógrafa para importantes revistas e jornais, como a Vogue,

Elle, Life e The New York Times. Também fotografa para as principais companhias de dança

contemporânea, entre elas a American Ballet Theatre, Alvin Ailey American Dance Theater,

Paul Taylor Dance Company. Para Lois Greenfield:

“O assunto ostensivo das minhas fotos podem ser de movimento, mas o subtexto é o tempo.

Movimentos de uma bailarina ilustram a passagem do tempo, dando-lhe uma substância,

materialidade no espaço. Em minhas fotografias, o tempo está parado e em uma fração de

segundo se torna uma eternidade, em um momento efêmero e sólido como escultura”.

As fotos dessa fotógrafa contemporânea permitem-me indicar uma identificação com a

proposta de meu trabalho especialmente de criar esculturas com movimentos leves, soltos e

que expressem um sentimento de liberdade. Busco, como ela, a materialização do movimento

da dança captada em um momento e alcançada através da escultura cerâmica.

Figura. 22 - Foto de Lois Greenfield

- 25 - -

Figura. 23 - Foto Lois Greenfield Figura. 24- Foto Lois Greenfield

Figura. 25 - Foto Lois Greenfield Figura. 26 – Foto Lois Greenfield

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Outra referência para a fundamentação desse trabalho está na filosofia da cerâmica

Kintsugi4, que se constitui em uma técnica japonesa de restauração de cerâmica na qual as

peças quebradas são coladas com uma mistura de laca e pó de ouro, deixando a marca das

rachaduras em alto relevo. Depois da restauração, as peças adquirem maior valor do que de

uma peça nova. Isso porque, para eles, a concepção de beleza e estética está mais vinculada às

questões de transitoriedade e da impermanência do que da beleza propriamente dita. Ou seja,

a beleza da imperfeição. Essa proposta está também presente nas minhas dançarinas que

foram restauradas, após a queima, com uma tinta ouro de alto relevo da Acrilex visando

valorizar as rachaduras.

Figura. 27 - Kyoto. Ceramista Japonês século XIX. Cerâmica com cobalto e ferro sob esmalte transparente,

restaurada com laca e pó de ouro.

Ao invés de se envergonhar pelas “feridas” expostas, eles as embelezam para que

sejam uma celebração constante da vida cotidiana. Dos pequenos e grandes erros

que cometemos e da possibilidade que temos de aprender com isso. (JÉSSICA

PARIZOTTO. In: lounge.obviousmag.org)

4O kintsugi (em japonês "carpintaria com ouro") é uma antiga técnica japonesa para consertar objetos frágeis de

cerâmica quebrados, rompidos ou com rachaduras usando a resina da árvore de laca e pó de ouro.

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ENSAIOS DE MODELAGEM DO CORPO

Nessa ótica e buscando aprofundar meu trabalho, participei do workshop de

modelagem do corpo humano, ministrado pelo escultor baiano Israel Kinslansky, no Inverno

Cultural de 2014, promovido pela Universidade Federal de São João del Rei. Esse escultor, a

partir do final da década de 90, se tornou uma referência em escultura figurativa e mestre em

fundição artística. Seu trabalho é reconhecido pelas monumentais esculturas da figura

humana. Em seu curso, que foi fundamental na minha formação, tive a oportunidade de

aprender a modelar o corpo humano de uma nova maneira, sob um novo olhar para as

pequenas formas, detalhes e proporções da estrutura de uma escultura.

As figuras 28, 29, 30, 31 e 32 a seguir são os resultados dos estudos realizados durante

o workshop que utilizei como testes dos tecidos com barbotina5 enrolados no corpo da peça.

Figura. 28 - Estudo de busto. Ricardo Lemos 2014

5 Barbotina = Argila misturada com água em estado cremoso. A barbotina é a cola da argila.

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Figura. 29 - Estudo da mão 1. Ricardo Lemos 2014

Figura. 30 - Estudo da mão 2. Ricardo Lemos 2014

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Figura. 31 - Estudo do corpo humano. Ricardo Lemos 2014

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Figura. 32 - Estudo da cabeça. Ricardo Lemos 2014

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PROCESSO CRIATIVO DO TRABALHO PRÁTICO

A sistemática do processo produtivo da elaboração das minhas dançarinas consistiu

inicialmente em um estudo de vídeos no Youtube de Isadora Ducam e Nijinski. Trata-se de

um material no qual a coreografia dos movimentos da dança e dos tecidos me inspiraram a

desenhar e a criar as dançarinas.

Feito o estudo, o primeiro passo que desenvolvi foi dos croquis. Esses foram feitos a

partir da escolha do momento certo de parar e congelar o movimento em uma só imagem,

definindo o posicionamento do corpo, delineando as formas e expressões desejadas.

Geralmente após escolher um desenho, eu o refaço em diferentes ângulos para me orientar no

processo de construção das peças. Nesse momento, começo a sentir e abstrair a peça em

minha mente.

Figura. 33 - Isadora Ducan

Isadora Duncan (1877-1927) precursora da dança moderna, fez críticas severas ao

ballet clássico por entender que a dura exigência técnica e física feitas às bailarinas impedia a

expressão e o sentimento real em um espetáculo de dança. Com sua técnica e talentos

inigualáveis afirmava: “eu sou inimiga do Ballet, o qual considero arte falsa e absurda, que

de fato está fora de todo o âmbito da arte”. Para ela a dança deveria ser livre; pés descalços e

panos soltos pelo corpo. E era assim que ela dançava.

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Figura. 34 -Croqui da dançarina 6

Dando seguimento, a partir do desenho, começo a armação do esqueleto, usando dois

alicates de bico fino para modelar o ferro. O esqueleto se divide em três barras de ferro: uma

para o ombro, braços e mãos, outro para a coluna e cabeça e, o terceiro, para a bacia, pernas e

pés. Para a fixação dessas três peças utilizei solda elétrica. Nesse mesmo processo, a base do

esqueleto também é soldada a uma estrutura de ferro para mantê-la equilibrada. Para finalizar,

adiciono um ferro extra da base ao joelho, como reforço necessário para suportar todo o peso

da peça, gerando mais firmeza e estabilidade. (Fig. 35)

Figura.35 -Processo de criar o esqueleto da escultura à partir do croqui

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Após o esqueleto estar pronto, começo a modelagem do corpo com a argila branca de alta

temperatura e com chamote6 impalpável (BA, Bruno Amarante). Optei por essa argila por já

ter trabalhado e ter obtido resultados exitosos, principalmente devido a sua plasticidade e

resistência ao forno à lenha, bem como por ter chamote que ajuda a estruturar o corpo da

peça.

Figura. 36- Modelagem do corpo da escultura 6

Figura. 37 - Modelagem do corpo da escultura 5

6Chamote é um biscoito moído, utilizado para dar maior resistência à argila. Pode ser produzido em diferentes

granulometrias; e argilas de todas as temperaturas podem ser empregadas para sua produção. No entanto a

cerâmica refratária é a mais eficiente.

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Definido o corpo e a base, começo a aplicar o primeiro tecido com barbotina em uma

longa tira que parte do pé e vai subindo pelo corpo em caracol até a mão. Geralmente do pé

esquerdo para a mão direita. (Fig. 38 e 39)

Figura. 38 - Primeira aplicação do tecido com barbotina no corpo da escultura 2

Figura 39 - Primeira aplicação do tecido com barbotina no corpo da escultura 1

- 35 - -

Em seguida, é hora de aplicar o manto, que consiste em um tecido de 20cm x 35cm

imerso na barbotina. Para fixação à peça, seguro o tecido pelas extremidades do comprimento

e o enrolo nas mãos da dançarina. (Fig. 40 e 41)

Figura. 40 - Aplicação do manto com barbotina ao corpo da escultura 4

Figura. 41 - Aplicação do manto com barbotina ao corpo da escultura 1

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Para tal é preciso inclinar a escultura para trás até conseguir uma angulação entre o

corpo e o tecido, para criar o movimento. Assim que o manto está preso pelas mãos e com a

angulação desejada, começo a modelar o tecido através de escoras e arames.

Percebi, durante algumas experiências com diferentes composições de barbotina e

queimas, que o tecido imerso e com várias camadas de pinceladas de barbotina ficava muito

frágil após a queima. Por isso, resolvi aplicar uma placa fina de argila sobre o manto enquanto

ele esta quase seco. Com isso é possível criar um corpo ao tecido e o torna-lo mais escultórico

e resistente. Ou seja, utilizo o primeiro tecido somente como base e modelo para criar as

novas dobras com argila. (Fig. 42)

Figura. 42 - Modelagem do manto com uma placa fina de argila, na escultura 6

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Quando as peças secam e as rachaduras se abrem preparo uma massa composta de:

Ingrediente Quantidade

Argila em pó 35%

Chamote Fino 30%

Frita7 Alcalina Comercial (CMF 096) 10%

Óxido de Ferro 10%

Corante Vermelho 10%

Silicato de Sódio líquido 5%

Água Até formar uma pasta

Essa massa é utilizada para o preenchimento das rachaduras a fim de manter a

estrutura da peça que, já se prevê, se abrirão de novo de forma mais moderada após a queima.

Figura. 43 - Ingredientes da massa Figura. 44 - Massa pronta para uso

7 Frita é, basicamente, um vidro que foi fundido, resfriado e moído. É usado na composição de vidrados. Diminui

a toxidade de elementos como o chumbo por exemplo.

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Figura 45 – Preenchimento das rachaduras

Durante essa etapa do processo, sinto como se eu estivesse curando as feridas e

evitando, assim, que elas comprometam a estrutura da peça. Para o acabamento das peças,

optei pelo engobe8. Trata-se de uma das técnicas mais primitivas de decoração da cerâmica de

baixa temperatura. Aqui, em especial, os efeitos do engobe me chamam a atenção, em razão

composição ter como base a própria argila, criando texturas encorpadas muito interessantes.

Escolhi para tal a cor marrom escuro para o corpo e o marrom claro para o manto, criando

tons neutros, que me remetem ao bronze.

Para a composição dos engobes usei:

8Engobe é uma mistura de argila líquida, óxidos e outros componentes que pode ser aplicada em uma peça antes

da esmaltação. Utilizado em peças cruas (ponto de couro), mas pode também de acordo com alguns ceramistas

ser aplicado em peças biscoitadas.

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Cor marrom escura:

Ingrediente Quantidade

Argila em Pó (base) 77%

Frita9 Alcalina Comercial (CMF 096) 10%

Óxido de Ferro 6%

Óxido de Manganês 6%

Cobalto 1%

Cor marrom clara:

Ingrediente Quantidade

Argila em Pó (base) 82%

Frita Alcalina Comercial (CMF 096) 10 %

Óxido de Manganês 8%

Figura.46 - Pintura com engobe no corpo da escultura 6 Figura.47 - Pintura com engobe no manto da

escultura 1.

9 Frita é, basicamente, um vidro que foi fundido, resfriado e moído. É usado na composição de vidrados. Diminui

a toxidade de elementos como o chumbo por exemplo.

- 40 - -

Para me assegurar do resultado desejado, decidi finalizar somente uma escultura e

avaliar o resultado para, caso positivo, continuar o mesmo processo de acabamento nas outras

5 peças. Para tal, fiz uma queima da escultura1 no forno de barranco que foi construído por

mim em 2012 e que vem sofrendo reajustes e alcançando queimas de baixa e média

temperatura (950°C a 1050°C), suficientes para a sinterização da argila, assim como para a

fundição do engobe.

Figura. 48 - Forno de barranco, atelier de cerâmica Ricardo Lemos Resende Costa. Primeira queima

Figura. 49 - Queima 1- Forno de barranco, atelier de cerâmica Ricardo Lemos Resende Costa

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Como as peças são maciças fiz uma queima muito lenta. Para medir a temperatura

utilizei um termopar que funciona bem até os 600°C. Depois passei a fazer controle visual na

barra pirométrica10

. Primeiramente fiz um esquenta de 8 horas a 70 e 80°C, depois mais 2

horas a 100°C e aumentando 100°C a cada hora até 600°C. A partir desse momento, o forno

barranco se transforma em um dragão, com grandes labaredas de fogo e são elas que me

dizem quando é preciso alimentá-lo de novo. Um olho nas chamas e o outro na barra

pirométrica de 950°C que, ao derreter e entortar, indica o término da queima que, no caso, foi

um sucesso. (Fig. 50)

Figura. 50 - Gráfico da primeira queima

Quando abri o forno as rachaduras tinham voltado e a peça estava com a cor e textura

desejadas. Assim, precisei apenas preencher algumas rachaduras mais profundas com massa

epoxi, para garantir a estrutura da peça, com a função de uma cunha de madeira usada

geralmente para calçar algo. Depois, cobri a massa de epoxi e as rachaduras com uma tinta

dourada, 3D alto relevo da acrilex, para marcar definitivamente as cicatrizes que ficaram na

escultura (Fig.51). Em seguida, para dar um brilho suave, passei cera marrom no corpo para

reajustar um pouco o tom e a incolor no manto e base (Fig.52). Para finalizar, foi dado um

polimento com escova.

10 Cones Pirométricos ou barra pirométrica, são produzidos com materiais cerâmicos e utilizados para indicar a

temperatura desejada da queima da cerâmica.

Tempo (h) 08:00 09:00 11:00 12:00 13:00 14:00 15:00 16:00 17:00 18:00 19:00 20:00 21:00 22:00

Temperatura °C 70 80 100 100 100 200 300 400 500 500 600 700 800 950

0100200300400500600700800900

1000

Tem

per

atu

ra °

C

Tempo (h)

Queima 1

Temperatura °C Tempo (h)

- 42 - -

Figura. 51 - Valorização das rachaduras Figura.52 - Cera marrom no corpo da peça

Para a base da dançarina 1, considerando ser ela de formato retangular, optei pela

madeira antiga e robusta com detalhe nas laterais feitos pela tupia (maquina de marcenaria

para fazer volutas em molduras e etc...)

Para as demais peças, que possuem a base circular e são delicadas para o manejo,

busquei um design que possibilitasse uma boa pega para serem transportadas com segurança e

que funcionasse também como um contra peso para a escultura. Assim, pretendi criar mais

estabilidade para a peça e, ao mesmo tempo, transmitir leveza e harmonia em conjunto com a

dançarina constituindo-a como uma só peça. (Fig. 54)

Encontrei a solução na forma dos pés dos cálices torneados e comecei a tornear o

bloco de argila, criando volutas e anéis para a base do cálice, o unindo a uma cuia e formando,

assim, uma grande taça. (Fig.53)

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Figura.53 - Base torneada

Figura. 54 - Estudo da base.

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Figura.55 - Base com engobe marrom claro

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Figura. 56 - Dançarinas 2, 3 ,4, 5 e 6 prontas para a queima

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Figura. 57 - Dançarina 2 - Peça com engobe

- 47 - -

Figura. 58 - Dançarina 4 - Peça com engobe

- 48 - -

-

Figura. 59 - Dançarina 5 - Peça com engobe

- 49 - -

Figura. 60 - Dançarina 6 - Peça com engobe

- 50 - -

Figura. 61 - Dançarinas 2, 3, 4, 5 e 6 dentro do forno barranco prontas para a queima 2.

Figura. 62 - Queima 2

- 51 - -

A segunda queima foi mais longa e lenta do que a primeira, como mostra o gráfico

abaixo. (Fig.63)

Figura. 63 - Gráfico da segunda queima.

Tempo (h) 07:3 08:0 09:0 10:0 11:0 12:0 13:0 14:0 15:0 16:0 17:0 18:0 19:0 20:0 21:0 21:3 22:3

Temperatura °C 0 80 85 90 100 150 180 200 300 400 500 600 700 800 900 950 1020

0100200300400500600700800900

10001100

Tem

per

atu

ra °

C

Tempo (h)

Queima 2

Temperatura °C Tempo (h)

- 52 - -

Figura.64 - Abertura da segunda queima, detalhe para a barra pirométrica da esquerda de 1020°C

Todas as peças receberam o mesmo acabamento da escultura 1. Logo a seguir,

sucedem-se as fotos do resultado final nas esculturas das dançarinas apresentado em uma

sequência que representa a coreografia proposta no inicio do presente trabalho.

- 53 - -

TRABALHO PLÁSTICO FINALIZADO

Figura. 65 - Dançarina 1

- 54 - -

Figura. 66 - Detalhe da Dançarina 1

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Figura. 67 - Dançarina 2

- 56 - -

Figura 68 - Detalhe da Dançarina 2

- 57 - -

Figura 69 - Dançarina 3

- 58 - -

Figura. 70 - Detalhe da Dançarina 3

- 59 - -

Figura. 71 - Dançarina 4

- 60 - -

Figura 72 - Detalhe da Dançarina 4

- 61 - -

Figura. 73 - Dançarina 5

- 62 - -

Figura. 74 - Detalhe da Dançarina 5

- 63 - -

Figura. 75 - Dançarina 6

- 64 - -

Figura. 76 - Detalhe da Dançarina 6

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Figura.77 - Eu e as Dançarinas

Figura. 78 - As Dançarinas

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como conclusão, percebo que para trabalhar com os erros e acasos da cerâmica é

preciso desenvolver técnicas para ajustar e controlar os riscos da perda da peça. Em outras

palavras, sinto como se estivesse dirigindo na contra mão, tendo que prever para desviar e

improvisar para não colidir. É uma via cheia de surpresas, onde o risco e a destreza se tornam

constantes e necessários para alcançar o destino ou a meta no caso de concluir a escultura.

Saber lidar com as adversidades para mim é uma arte. Trata-se de um desafio e, se

soubermos tirar algum proveito dos “erros e acasos” que nos rodeiam, poderemos entender

porque os lírios nascem do lodo, a Fênix renasce das cinzas e a cultura japonesa considera

uma peça restaurada na técnica Kingsjugi mais valiosa que uma que nunca se quebrou. São

possibilidades que se abrem para uma escultura ser construída com os seus “erros e acasos”.

A estrutura de ferro usada geralmente no interior de uma escultura, para facilitar a

modelagem na sustentação do corpo e de suas extremidades como braços e mãos, pernas e

pés, é usada quando se deseja fazer a reprodução da peça. Costumeiramente essa estrutura

piloto será perdida após a retirada de sua forma em um molde ou quando puder ser retirada

após a argila secar um pouco e criar resistência para se suportar sozinha.

No caso do presente trabalho, a estrutura de ferro permanece e a peça piloto continua

a secar e começa a retrair e a rachar. Isso pode ser visto como um “erro”, ou como eu vejo,

como um acerto que ajuda para a conclusão da peça. Afinal, sem essa estrutura, as rachaduras,

que tanto respeito e admiro, poderiam quebrar a peça. Também, após a queima, o ferro reforça

a escultura que fica mais resistente, podendo assim suportar todo o seu peso em um pequeno

ponto de apoio. Mesmo assim, observei a necessidade de reforçar esse ponto com outro ferro

soldado à base. Na hora da queima foi necessário colocar escoras nas peças, com cacos de

telha durante a montagem do forno, evitando que ela tombasse, entortasse e se comprometesse

criando um acidente, porque o ferro a 1000°C começa a amolecer e a perder a resistência.

Por exemplo, as rachaduras quando surgem se tornam praticamente impossíveis de

serem reparadas e geralmente comprometem a peça. Contudo, se forem preenchidas com a

massa, como utilizei no trabalho, voltam com menos intensidade e não serão mais uma

ameaça de perda e, sim, serão possibilidade de efeitos e desenhos aleatórios que ornamentam

o corpo da peça.

Decidi trabalhar com as peças maciças, pois considero que isso facilita a modelagem,

permitindo a sensação maior do volume de massa e das formas da anatomia do corpo humano.

Para isso, é preciso ter muito cuidado com as bolhas porque, essas sim, são fatais.

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Outra experiência muito interessante que obtive com o trabalho foi o uso do tecido

imerso na barbotina. Essa experiência mostrou a fragilidade na resistência da peça após a

queima. Frente a isso, foi necessário aplicar uma placa fina de argila para dar sustentação ao

tecido. Mesmo assim, a dançarina 6 quebrou seu manto na queima. Logo me surgiu a ideia de

substituí-lo por uma seda pintada com a técnica do Batik, resultado o qual me abriu novos

olhares e desafios para trabalhar os erros, transformando-os em acerto.

O importante para mim é continuar trabalhando com os erros e acasos proporcionados

pelo grande mistério e magia desse maravilhoso universo da cerâmica.

Por tudo isso, as dançarinas representam como eu sou literalmente, sustentado por uma

estrutura de ferro e cicatrizes que cobrem minhas rachaduras que contam as minhas histórias,

vivências e experiências. É através delas que procuro expressar como eu me sinto: livre e em

movimento, dançando ao som da vida e deixando fluir meus sentimentos e emoções.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEGAS. Grandes Mestres. São Paulo: Editora Abril, 2011.

FONCILLON, Henry. A Vida das Formas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.

REFERÊNCIAS DE INTERNET

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DEMETER. Chiparus H.–The pioneer of Art Deco. Disponível em:

http://architectureandinteriordesign.wordpress.com/2013/01/19/chiparus-h-demeter-the-pioneer-of-art-deco/. Acesso em: 21 jun. 2014.

____________________ In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em:

http://en.wikipedia.org/wiki/Demetre_Chiparus. Acesso em: 21 jun. 2014.

___________________ As Possíveis Influências de Camille Claudel e Suas Bailarinas de

Pedra no Universo da Dança. Artes do Espetáculo. Moringá: João Pessoa, 2012.

___________________ Expressões e Movimento: Perspectivas e Propostas de

Desenvolvimento do Movimento Expressivo Disponível em:

http://dspace.unicentro.br/bitstream/123456789/83/1/Express%C3%A3o%20e%20movimento

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LARCHE. François-Raoul. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em:

http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois-Raoul_Larche. Acesso em: 21 jun. 2014.

ROSSIA. Maria Alice Porto. Dicionário Cerâmico. Disponível em:

http://www.ebah.com.br/content/ABAAAe0DUAK/glossario-ceramico. Acesso em: 25 nov.

2014.

SCHWARTZ, Lilia Moritz. Disponível em:

http://www.mercadoarte.com.br/artigos/artistas/adriana-varejao/adriana-varejao/. Acesso

em 02 jul. 2014

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REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS

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d'Elx - Departamento de Música. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=FojInhrJY9U. Acesso em: 21 jun. 2014.

Chiparus Dumitru-Sculpturi. Enviado por Marilena Tun. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=kZDrFVeOSYw. Acesso em: 21 jun. 2014.

Danse Serpentine–Loie Fuller. Enviado por: brcmano. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=fIrnFrDXjlk. Acesso em: 21 jun. 2014.

Isadora Duncan, la musa de la danza libre. Enviado por: Diario Panamá América. Disponível

em: http://www.youtube.com/watch?v=kMpE0dt6LDU. Acesso em: 21 jun. 2014.

Nijinsky 1912 -L'Après-midi d'un Faune (full version). Enviado por: christiancomte.

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Vxs8MrPZUIg. Acesso em: 24nov. 2014.