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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ SIMONE GONÇALVES VISSOTTO A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DETRAÇÃO PENAL EM CASO DE DEFLAGRADA A DENÚNCIA POR DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA TRANSAÇÃO PENAL, RESULTANDO EM CONDENAÇÃO, SOB PENA DE BIS IN IDEM. BIGUAÇU 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

SIMONE GONÇALVES VISSOTTO

A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DETRAÇÃO PENAL EM CASO DE DEFLAGRADA A DENÚNCIA POR DESCUMPRIMENTO

PARCIAL DA TRANSAÇÃO PENAL, RESULTANDO EM CONDENAÇÃO, SOB PENA DE BIS IN IDEM.

BIGUAÇU

2010

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SIMONE GONÇALVES VISSOTTO

A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DETRAÇÃO PENAL EM CASO DE DEFLAGRADA A DENÚNCIA POR DESCUMPRIMENTO

PARCIAL DA TRANSAÇÃO PENAL, RESULTANDO EM CONDENAÇÃO, SOB PENA DE BIS IN IDEM.

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Sergio Roberto Baasch Luz

BIGUAÇU 2010

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SIMONE GONÇALVES VISSOTTO

A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DETRAÇÃO PENAL EM CASO DE DEFLAGRADA A DENÚNCIA POR DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA TRANSAÇÃO PENAL, RESULTANDO EM CONDENAÇÃO, SOB

PENA DE BIS IN IDEM.

Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Penal

Biguaçu, 22 de novembro de 2010.

Prof. MSc. Sergio Roberto Baasch Luz UNIVALI – Campus de Biguaçu

Orientador

Prof. MSc. Marilene do Espírito Santo UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

Prof. MSc. Eunice Anisete de Souza Trajano UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

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.

À minha mãe pelo amor e

apoio incondicional.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por tudo que tem me proporcionado, sem Ele nada seria possível.

À toda a minha família e amigos, que muito contribuíram para o êxito desta

etapa.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Sergio Roberto Baasch Luz, pela dedicação e

apoio na conclusão desta monografia.

À Dra. Maria da graça Blacene Lisboa, advogada onde realizei estágio por

mais de três anos, me ensinando tudo que sei, bem como me propiciando uma

imagem bastante significativa dentro do judiciário;

À todos aqueles que, de maneira direta ou indireta, contribuíram para que

este momento tão importante pudesse ser realizado.

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“O Estado não pode ficar devendo a

liberdade a quem dela foi privado sem

justa causa, qualquer que seja o motivo

da prisão."

Elieser Rosa

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 22 novembro de 2008.

Simone Gonçalves Vissotto

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RESUMO

A presente Monografia tem como propósito demonstrar que diante da possibilidade

de deflagração da ação penal por descumprimento parcial da transação penal

acordada entre o Ministério Público e o acusado, se faz necessário o desconto da

pena parcialmente cumprida pelo suposto infrator através da detração penal, sob

pena do Estado estar punindo dubiamente o réu pelo mesmo fato, cometendo bis in

idem. Iniciar-se-á apresentando o motivo da criação dos Juizados Especiais e a

necessidade da promulgação da Lei 9.099/95 que possibilitou a sua instituição pelos

Estados brasileiros, determinando sua competência, seus princípios norteadores e,

principalmente, no que diz respeito aos Juizados Especiais Criminais, objeto deste

estudo. Apresentar-se-á e conceituará a Transação Penal, discutindo a natureza

jurídica deste dispositivo (sentença homologatória e sentença condenatória), e que o

entendimento dominante consiste na possibilidade do oferecimento e recebimento

da denúncia pelo mesmo fato, eis que o descumprimento consiste em cláusula

resolúvel, desconstituindo o título judicial homologado, tirando a eficácia da coisa

julgada. Neste cenário, resultando a ação penal em condenação, defender-se-á que

uma vez que o texto da referida lei é omisso quanto à previsão da detração penal

nas sanções aplicadas, e que o entendimento doutrinário e jurisprudencial é

unânime quanto à possibilidade de sua aplicação às penas restritivas de direito pela

interpretação mais favorável ao réu, não sendo detraída a pena parcialmente

cumprida pelo suposto infrator da nova sanção aplicada, o Estado estará

ultrapassando seus limites de punição, punindo duas vezes o réu pelo mesmo fato,

incidindo no cometimento de bis in idem, o que é vedado pela Convenção

Americana dos Direitos Humanos, o qual o Estado Brasileiro é signatário, sendo

recepcionado no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988.

Palavras - chave : Juizados Especiais Criminais. Transação Penal. Descumprimento

Parcial. Detração Penal. Bis In Idem.

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ABSTRACT

This monograph aims to show that before the outbreak of the possibility of

prosecution for criminal breach partial transaction agreed between the prosecutor

and the accused, it is necessary to discount the sentence partially fulfilled by the

alleged violator by detraction criminal, under penalty of State dubiously be punishing

the defendant for the same fact, committing bis in idem. It begins by presenting the

reasons for the creation of Special Courts and the need for enactment of Law

9099/95 which allowed the institution by Brazilian states, determining their

competence, their guiding principles, especially with regard to the Special Criminal

Courts, the subject of this study. Conceptualize and present the Criminal

Transaction, discussing the legal nature of this device (homologation of the sentence

and conviction), and demonstrate that whatever the legal nature which is considered,

there is the scope of the adjudication sought after in the event of your breach partial

and is thus secured the outbreak of prosecution for the same fact. In this scenario,

resulting in the criminal conviction, hold that since the text of the law is silent on the

prediction of detraction in criminal penalties, and that the understanding of doctrine

and jurisprudence is divided on the possibility of its application to the restrictive

penalties in the interpretation of a favorite law to the defendant, not being distracted

off partially fulfilled by the alleged violator of the new sanction, the State exceeding

their limits of punishment, punishing the defendant twice for the same fact, focusing

on the commission of bis in idem, which is forbidden by the American Convention on

Human Rights, which the Brazilian State is a signatory, and approved in Article 5, § 2

of the Constitution of 1988.

Keywords : Special Courts Criminals. Transaction Criminals. Partial Fulfill. Detraction

Criminal. Bis in Idem

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CP – Código Penal (Decreto – Lei 2.848, de 7 de Dezembro de 1940)

HC – Habeas Corpus

JECrim- Juizado Especial Criminal

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TACrim – Tribunal de Alçada Criminal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 13

1 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: CRIAÇÃO, PRINCÍPIOS , OBJETIVOS E COMPETÊNCIA. ......................................................... 16

1.1 CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS. ............................................................ 16

1.1.1 Artigo 98, inciso I, da Constituição da Repúb lica Federativa do Brasil de 05 de outubro de1988. ............................................................................................ 16

1.1.2 Surgimento da Lei Federal 9.099/95 dos Juizad os Especiais .................... 17

1.1.2.1 O anteprojeto da Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais ................................. 18

1.1.3 Juizados especiais criminais ........................................................................ 20

1.1.3.1 Composição .................................................................................................. 21

1.1.3.2 Competência Material.................................................................................... 22

1.1.3.3 Competência para execução ......................................................................... 24

1.1.3.4 Exclusão de Competência ............................................................................. 25

1.1.4 Princípios norteadores dos juizados especiais ........................................... 27

1.1.4.1Princípio da Oralidade .................................................................................... 27

1.1.4.2 Celeridade ..................................................................................................... 29

1.1.4.3 Informalidade ................................................................................................. 31

1.1.4.4Economia Processual ..................................................................................... 32

1.1.4.5 Simplicidade .................................................................................................. 33

1.1.5 Objetivo dos juizados especiais criminais ................................................... 34

1.1.5.1 Reparação de danos sofridos pela vítima ..................................................... 35

1.1.5.2 Aplicação de pena não restritiva de liberdade ............................................... 36

2.TRANSAÇÃO PENAL, NATUREZA JURÍDICA E CONSEQÜENCIA S DE SEU DESCUMPRIMENTO ............................................................. 38

2.1 TRANSAÇÃO PENAL ......................................................................................... 38

2.1.1 Conceito .......................................................................................................... 38

2.1.1.1 Natureza Constitucional do Instituto .............................................................. 39

2.1.1.2 Discricionariedade do Ministério Público ....................................................... 42

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2.1.2 Audiência Preliminar e Impossibilidade de seu oferecimento na Ação Penal Privada ........................................................................................................... 43

2.1.2.1 Audiência Preliminar...................................................................................... 43

2.1.2.2 Impossibilidade de Transação Penal na ação Penal Privada ........................ 45

2.1.3 Impedimentos para seu oferecimento .......................................................... 47

2.1.3.1 Condenação anterior à pena privativa de liberdade ...................................... 47

2.1.3.2 Inadmissibilidade da Transação Penal por benefício anterior ....................... 48

2.1.3.3 Impedimento por ausência de condições ou circunstâncias pessoais .......... 49

2.1.4 Homologação Judicial da Transação Penal ................................................. 50

2.1.4.1 Homologação Judicial da Transação Penal aceita ........................................ 50

2.1.5 Natureza Jurídica da decisão judicial que hom ologa a Transação Penal . 52

2.1.5.1Natureza Jurídica Condenatória ..................................................................... 52

2.1.5.2 Natureza Jurídica Homologatória .................................................................. 54

2.1.6 Conseqüências do Descumprimento da Transação Penal ......................... 56

2.1.6.1 Conversão imediata da pena de multa ou pena restritiva de direito em pena privativa de liberdade ................................................................................................ 57

2.1.6.2 Impossibilidade de deflagração de denúncia ................................................. 59

2.1.6.3 Possibilidade do oferecimento da denúncia por descumprimento da Transação Penal ....................................................................................................... 61

3. DETRAÇÃO PENAL E SUA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO OFERICIMENTO DA DENÚNCIA PELO DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA TRANSAÇÃO PENAL, SOB PENA DE BIS IN IDEM. .. 64

3.1 DETRAÇÃO PENAL ............................................................................................ 64

3.1.1 Histórico .......................................................................................................... 64

3.1.2 Conceito .......................................................................................................... 66

3.1.3 Tipos de Prisões e Medidas de Segurança que p ermitem a Detração Penal .................................................................................................................................. 66

3.1.3.1 Prisão Provisória ........................................................................................... 66

3.1.3.2 Prisão Administrativa ..................................................................................... 68

3.1.3.3 Medida de Segurança ou Internação Hospitalar ........................................... 69

3.1.3.4 Penas Restritivas de Direito .......................................................................... 70

3.1.4 Detração e Nexo Processual ......................................................................... 71

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3.1.4.1 Necessidade de nexo causal entre o fato criminoso, a prisão provisória decretada e a pena aplicada ..................................................................................... 72

3.1.4.2 Desnecessidade de nexo causal entre o fato criminoso, a prisão provisória decretada e a pena aplicada ..................................................................................... 73

3.1.4.3 Da desnecessidade de existência do nexo causal entre o fato, a prisão provisória decretada e a pena plicada, bem como da anterioridade e posterioridade do crime noticiado ..................................................................................................... 75

3.1.5 Detração Penal e Bis in Idem ........................................................................ 76

3.1.6 A possibilidade de aplicação da Detração Pena l, no caso de denúncia deflagrada por descumprimento parcial da Transação Penal ............................. 79

3.1.7 Da impossibilidade de aplicação da Detração P enal no caso de deflagrada denúncia por descumprimento parcial da Transação Pe nal de pena de multa . 85

CONCLUSÃO ...................................................................................... 89

REFERÊNCIAS .................................................................................... 92

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INTRODUÇÃO

Trata-se de trabalho acadêmico (monografia) de conclusão de Curso de

Direito sobre a possibilidade de aplicação da Detração Penal, no caso de recebida a

denúncia por seu descumprimento parcial, resultando em condenação, sob pena de

cometimento de bis in idem por parte do Estado.

A importância da pesquisa encontra-se, principalmente, no fato do indivíduo

estar sendo processado duas vezes pelo mesmo fato, sem qualquer dedução da

pena parcialmente cumprida, ajustada entre o autor do fato e o Ministério Público

quando proposta a transação penal, daquela resultante do recebimento da denúncia

por seu descumprimento, mesmo que parcial. De um lado, o Estado deve exercer o

direito de punir, bem como exigir o cumprimento da sanção aplicada ao infrator. Por

outro lado, não pode desprezar a pena parcialmente cumprida pelo autor do fato,

devendo por uma interpretação favorável da omissão legislativa, possibilitar a

aplicação da detração penal, impedindo uma punição dúbia e excessiva.

Assim, analisar-se-á o instituto jurídico da transação penal, instituído no artigo

98, inciso I, da Constituição Federal de 1988, regulamentado na lei 9.099/95 que

regula os Juizados Especiais Criminais, verificando as implicações do

descumprimento parcial injustificado por parte do infrator, bem como a avaliação da

possibilidade de deflagração de Denúncia pelo mesmo fato, e a necessidade de

aplicação da detração penal sob pena de cometimento de bis in idem, caso a nova

Denúncia oferecida resulte em condenação.

Neste norte, o problema que se pretende resolver, consiste em buscar dentro

do direito, algum instituto que, no caso de possibilitado o oferecimento e

recebimento de Denúncia pelo mesmo fato no qual o autor já tenha cumprido parte

da sanção, venha descontá-la, impedindo o cometimento de bis in idem por parte do

Estado. Sugere-se então, a detração penal.

Importa-se dizer, a transação penal não pode ser considerada uma benevolência do

Estado para com o infrator. Trata-se de um procedimento célere, visando uma

prestação jurisdicional aos crimes de baixo potencial ofensivo, onde será atribuída

ao acusado, a autoria de um fato criminoso, e uma sanção punitiva, que possui a

finalidade de punir e ressocializá-lo, igualmente àquela que será proferida no caso

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de oferecimento de Denúncia por seu descumprimento, exceto em algumas

particularidades que apontar-se-ão ao longo da pesquisa em tela.

A presente pesquisa possui como objetivos: institucional, cuja finalidade é

produzir uma Monografia para obtenção do título de bacharel em direito pela

Universidade do Vale do Itajaí; geral, tem por escopo verificar a possibilidade de

aplicação da Detração Penal, no caso de condenação por ação penal deflagrada por

descumprimento parcial de transação penal, sob pena de estar punindo duas vezes

o infrator pelo mesmo tipo penal (bis in idem); específico, cujos objetos são: 1)

Apresentar o Juizado Especial Criminal e conceituar a transação penal estudando a

natureza jurídica da mesma; 2) Analisar as conseqüências do descumprimento

parcial da Transação Penal acordada, ou seja, verificar a possibilidade de conversão

direta em pena privativa de liberdade e deflagração de Denúncia por seu

descumprimento parcial; 3) Demonstrar que a aplicação da detração é possível, eis

que no caso de deflagração de Denúncia por descumprimento parcial, o jus puniendi

do Estado está ultrapassando o seu limite, punindo o indivíduo duas vezes pelo

mesmo fato, no caso de condenação.

Nesse sentido, visando à consecução dos objetivos acima, a monografia foi disposta

em três capítulos.

O primeiro capítulo destinar-se-á comentar os motivos da criação da Lei

9.099/95, o objetivo dos Juizados Especiais Criminais e sua competência para a

prestação jurisdicional nos crimes de baixo potencial ofensivo.

No segundo capítulo, conceituar-se-á a TRANSAÇÃO PENAL e demonstrado

seu procedimento; discutir-se-á sua natureza jurídica, e avaliar-se-á as

conseqüências de seu descumprimento.

O terceiro capítulo estudar-se-á o instituto da Detração Penal, sua relação

com o bis in idem e sua possibilidade de aplicação às penas restritivas de direito e

demais prisões cautelares, finalizando-se com o estudo da possibilidade da

aplicação no caso de oferecimento e recebimento de denúncia por seu

descumprimento parcial, bem como sua impossibilidade frente às penas pecuniárias

(multa).

Encerrar-se-á o trabalho acadêmico com as considerações finais, na qual

oferecer-se-á pontos conclusivos destacados. Estimula-se a continuidade dos

estudos e de reflexões sobre o tema.

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Embora a narrativa seja indutiva, o método de abordagem utilizado foi o

dedutivo, pois se partiu do geral - a aplicação da Detração Penal as prisões

cautelares - para alcançar o foco específico, ou seja, a sua aplicação à pena

parcialmente cumprida na transação penal frente ao oferecimento e recebimento de

denúncia por seu descumprimento parcial.

As técnicas de pesquisa utilizadas foram de documentação indireta, ou seja,

análise de doutrinadores e jurisprudências, pesquisa documental.

A presente monografia não tem a ambição de exaurir a matéria, mas

colaborar pelo engrandecimento do conhecimento técnico científico da comunidade

acadêmica e do mundo jurídico.

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1 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: CRIAÇÃO, PRINCÍPIOS ,

OBJETIVOS E COMPETÊNCIA.

Demonstrar-se-á neste capítulo, os motivos de criação do Juizado Especial

Criminal, bem como os princípios, objetivos e competência para sua utilização como

procedimento para apuração dos crimes de baixo potencial ofensivo. Observar-se-á

sua importância com a reparação célere da lesão ocasionada a vítima pelo infrator,

propiciando uma visão básica de Juizado Especial Criminal, visando a conceituação

do ato processual do objeto deste estudo, ou seja, a Transação Penal.

1.1 CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS.

1.1.1 Artigo 98, inciso I, da Constituição da Repúb lica Federativa do Brasil de

05 de outubro de1988.

Diante de um Código de Processo Penal arcaico com mais de 50 anos, surge

à necessidade de reforma das leis processuais nos pontos em que as mesmas se

tornaram disfuncionais e ultrapassadas. Cita-se como exemplo, o inadiável

estabelecimento de ritos sumaríssimos para a apuração de contravenções e de

crimes de menor gravidade. Esses delitos, submissos a procedimentos formalistas e

burocratizantes, levaram a Sociedade como um todo ao descrédito sobre a

administração da Justiça Penal.1

Neste norte, avançou a idéia da participação popular na administração da

Justiça, respeitando o princípio democrático do envolvimento do corpo social das

lides, e a avaliação das vantagens do procedimento oral, permitindo uma melhor

apreciação das provas, colaborando com a formação de um convencimento

efetivamente baseado no material probatório colhido e nas argumentações das

1MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação.5 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.23

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partes, conduzindo a desburocratização e simplificação da Justiça.2. “Severas eram

as críticas contra a lentidão do judiciário e a impunidade de infratores que obtinham

a extinção da punibilidade em decorrência da morosidade da Justiça.”.3

Dentro deste cenário, visando evitar a sensação de impunidade e propiciar

uma maior celeridade nos julgamentos dos processos pela Justiça, o artigo 98,

inciso I, da Constituição Federal4 determinou a criação dos Juizados Especiais pela

União, Distrito Federal, Territórios e Estados, que providos de juízes togados, ou

togados e leigos, deveriam conciliar, julgar e executar as causas cíveis de menor

complexidade, bem como as infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante

o procedimento oral e sumaríssimo, permitindo nas hipóteses previstas em lei, a

utilização da transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro

grau.5

Porém, para que os Estados pudessem cumprir o dispositivo constitucional

apontado, era necessária a promulgação de lei federal, “[...] estabelecendo regras

gerais de procedimento e pelo menos, normas gerais de processo [...]”6, assunto

este abordado em item posterior.

1.1.2 Surgimento da Lei Federal 9.099/95 dos Juizad os Especiais

Para dar-se cumprimento ao artigo 98, inciso I, da C.R.F.B./88, foi necessária

a promulgação de uma lei federal, pois de acordo com o artigo 22, inciso I, da

referida constituição, somente à União teria competência para legislar sobre matéria

penal, o que se aplica perfeitamente à natureza material da norma que permitiria a

Transação Penal e regularia seus efeitos penais.7

2GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.35 3MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.24 4 A partir deste momento o nome Constituição da República Federativa do Brasil será substituído pelo termo C.R.F.B/88 até o fim do trabalho. 5GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.37 6 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.38 7 JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada . 1 São Paulo: Saraiva, 2009, p.2

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Além disso, conforme o artigo 22, inciso I, da C.R.F.B/88, pertence à União, a

competência privativa para legislar sobre normas processuais, feita exceção aos

procedimentos que são de competência concorrente da União e dos Estados,

previstos no artigo 24, inciso X do mesmo ordenamento pátrio.8

Logo, somente após a edição da lei federal é que competiria aos Estados, no

uso de sua competência constitucional, criar os Juizados Especiais mediante regras

de organização judiciária, e ainda suplementar a citada legislação federal por

intermédio de normas específicas de procedimento que atendessem suas

peculiaridades.9

Segundo Ada Pellegrini Grinover et al:

Ficava claro, então, que a lei federal devia conter normas materiais, assim como regras gerais de procedimento e pelo menos normas gerais de processo (conforme a interpretação que se desse à aplicabilidade às infrações penais de menor potencial ofensivo da regra do artigo 24, inciso X, CF).10

Assim, uma vez que em alguns Estados como Mato Grosso e Paraíba foram

criados JECrims11 por leis estaduais, iniciou-se o surgimento de dúvidas quanto à

constitucionalidade das leis que os instituíram, “até que o Supremo Tribunal Federal

finalmente decidiu que a criação dos JECrims pelos Estados, dependia de lei federal

[...]”12. Esta decisão resultou na avaliação de vários anteprojetos de lei elaborados

antes da promulgação da Constituição pela Assembléia Legislativa, tendo como

objetivo regularizar o dispositivo constitucional acima comentado.

1.1.2.1 O anteprojeto da Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais

“Ainda durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, os magistrados

Paulo-Pedro Luiz Ricardo Gagliardi e Marco Antônio Marques da Silva apresentaram

88MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.26 99JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada . 1 São Paulo: Saraiva, 2009, p.2 10GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.38 11 A partir deste momento até o final do presente trabalho, o nome Juizado Especial Criminal será substituído pelo termo JECrim. 12GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.38

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à Associação Paulista de Magistrados uma minuta de um anteprojeto de lei federal

[...]13”, disciplinando a matéria referente aos JECrims.

Após a promulgação da C.R.F.B/88, um grupo de trabalho criado pelo

Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Dr. Manoel Veiga de

Carvalho, composto por magistrados e convidados, estudou o referido anteprojeto e

elaborou um substitutivo, divulgado e debatido na Seccional Paulista da Ordem dos

Advogados do Brasil, onde recebeu sugestões dos vários segmentos da

comunidade jurídica (magistrados, ministério público, defensores públicos,

delegados de polícia, professores e estudantes), sendo posteriormente apresentado

ao então Deputado Michel Temer, juntamente com sua exposição de motivos. 14

Porém na Câmara dos Deputados já existiam outros projetos de lei relativos

às causas cíveis de menor complexidade, bem como às infrações de baixo potencial

ofensivo, por exemplo, o de nº 3698/89 do Deputado Nelson Jobim; 3883/89 do

Deputado Gonzaga Patriota; 1708/89 do Deputado Manoel Moreira, entre outros.

Assim, o relator da Comissão e Justiça, Deputado Ibrahin Abi-Ackel, selecionou

entre todos os projetos apresentados, os proposto pelo Deputado Nelson Jobim e

pelo Deputado Michel Temer, determinando a unificação de ambos, em um

substitutivo, o que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e direcionado ao

Senado.15

“Nessa Casa, o relator, Senador José Paulo Bisol, elaborou um substitutivo de

formas genérica, deixando a matéria a ser regulada por leis estaduais.16”. Contanto,

na sua a volta à Câmara dos Deputados, foi mantido o substitutivo por ela aprovado,

editando-se a Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995.17

Conforme à exposição de motivos, o Anteprojeto seguiu orientação da

legislação que adota o princípio da “discricionariedade controlada”, ou seja, da

legislação Italiana e portuguesa.18

13MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.26 14GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.16 15GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.35 16MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.17 17GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.35 18GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.17

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20

Segundo Nereu José Giacomolli:

Em razão das inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro, mormente o consenso acerca da pena e do processo, da composição de danos de natureza civil na esfera criminal, da participação de juízes leigos no âmbito criminal, as propostas foram aprovadas sem uma participação cidadã efetiva e sem um debate entre os profissionais de direito e com os meios universitários, já com os cursos de pós graduação consolidados. A nova sistemática tampouco foi precedida de pesquisa empírica acerca de viabilidade, limite e conveniência cidadã, constituindo-se em formulismo de potencialização do jus puniendi e ampliação da intervenção do aparato criminal do Estado. 19

Neste contexto, após 6 (seis) anos da apresentação dos primeiros projetos,

aprovou-se a lei autorizadora para criação do Juizados Especiais Cíveis e Criminais,

obedecendo o disposto no artigo 98,inciso I, da C.R.F.B/88.

1.1.3 Juizados especiais criminais

Como demonstrado, a eficiência e efetividade do processo estão relacionadas

com a adequação dos procedimentos ao conflito de interesses estabelecidos nas

lides. No caso da área penal, com a gravidade do crime imputado ao acusado. Neste

momento surge a necessidade de um procedimento concentrado e célere para a

apuração de infrações de menor gravidade, com o afastamento do formalismo,

propiciando uma resposta pronta e segura aos infratores que estão sujeitos a penas

menos severas. 20

Assim sendo, o artigo 60, caput da lei 9.099/95 que se refere aos JECrims,

passa a regular seu procedimento, estabelecendo sua composição, e competência

para a conciliação, o julgamento, e a execução das infrações penais de menor

potencial ofensivo.21

19GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.17 20MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.28 21CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.2

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1.1.3.1 Composição

A C.R.F.B/88, em seu artigo 98, inciso I, determina que os JECrims devam

ser constituídos por juízes togados e leigos, logo, todos os atos processuais

desempenhados no JECrim estarão sob controle e responsabilidade de um juiz

togado, garantindo a segurança da prestação jurisdicional.22

A lei não restringe a atuação do conciliador á composição civil, podendo este

praticar também os demais atos não privativos do juiz togado, além de tentar o

acerto patrimonial, colher a manifestação de vontade do ofendido acerca de

desistência e renúncia da representação e da queixa crime, bem como propor

alternativas conciliatórias criminais com intuito de evitar a possível aplicação da

pena privativa de liberdade.23

Segundo Grandinetti e Prado:

A tendência de contar com o apoio de particulares no funcionamento do judiciário foi muito bem recebida pela lei em exame. Entretanto não se cometeu a função de julgar ao leigo, mas tão somente a de conciliar, evitando-se a não resolvida discussão da conveniência, ou não de atribuir a função jurisdicional a leigos, que é uma das mais severas críticas feitas ao Tribunal do Júri. 24

Ada Pelegrinni Grinover defende a atuação do juiz leigo sem restrição.

Observe-se:

Com isso, seria ampliada, com inegáveis vantagens para o sistema criminal, a participação popular. Além da colaboração recebida, que multiplica a capacidade de trabalho do juiz, contribuindo para o desafogo dos órgãos jurisdiciários, ainda haveria a vantagem de maior proximidade entre o povo e a justiça, ganhando esta em transparência. 25

Conclui-se que, que a atuação dos juízes leigos e conciliadores não poderão

ir além da consignação da proposta, aceitação, ou qualquer manifestação que tenha

22GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.23 23GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.23 e 24 24CASTANHO DE CARVALHO, L.G Grandinetti; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.2 25GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.66.

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reflexos na esfera civil ou criminal, cabendo ao juiz togado, homologar o consenso

civil e criminal, bem como as propostas do juiz leigo ou conciliador, além da extinção

da punibilidade.26

1.1.3.2 Competência Material

A competência dos JECrims está adstrita ao artigo 98, inciso I, da C.R.F.B/88,

dispondo que estes órgãos do poder judiciário são competentes para o

conhecimento de causas relacionadas à infrações penais de menor potencial

ofensivo. 27

Não poderá se atribuir outra competência aos JECrims. O que não significa

que a realização do consenso civil e criminal não possa ser feita pelo juízo comum,

no caso de infrações específicas, cuja pena de liberdade seja superior ao limite

estabelecido pela lei referida, desde que utilizado a previsão legal da lei específica e

o princípio da legalidade. 28

Segundo Ada Pelegrinni Grinover “a competência do juizado será fixada em

face de dois elementos: a natureza da infração (menor potencial ofensivo) e a

inexistência de circunstância especial que desloque a causa para o juízo comum”.29

A definição das infrações penais de menor potencial ofensivo, contudo, foi

deixada a cargo do legislador ordinário federal. As regras gerais estão estabelecidas

nos artigos 61 da lei 9.099/95 e 2º, parágrafo único, da lei nº 10.259/2001, ou seja,

são infrações penais de menor potencial ofensivo contravenções penais (qualquer

que seja a pena e ainda que previsto procedimentos especiais para o seu

processamento) e os crimes (previstos no Código Penal ou nas leis extravagantes) a

26GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.23 27 KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais : a concretização antecipada do poder de punir. 2 ed. Niterói: Revistas dos Tribunais, 2004, p.185 28GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica.3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.27 29GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.67

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que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (pena de reclusão ou de

detenção), ou multa. 30

Conforme entendimento de Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias

Figueira Junior:

O parágrafo do artigo 2º da lei 10.259/2001 derrogou o artigo 61 da lei 9.099/95. Depois da lei 10.259/2001, infração de menor potencial ofensivo é aquela que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Seja o crime de competência Estadual ou da Federal. Também pouco importa se trate de crime que a lei preveja procedimento especial. Entendimento diverso poderia levar ao absurdo. Por exemplo, crimes em que a pena máxima é de dois anos, como o de resistência (CP, art 229), se a resistência é oposta a servidor federal, o crime será de menor potencial ofensivo; se estadual, não; o de assédio sexual (CP, artigo.216-A), o de usurpação de função pública (CP, artigo 328); o desacato (CP, artigo 331), ou seja, a mesmíssima infração, a depender do sujeito passivo, pode ser de menor potencial ofensivo ou não. Interpretatio illa sumenda quoe absurdum evitetur. 31

Exceção se faz à aplicação da lei dos JECrims na Justiça Militar, eis que a lei

9.839, de 27 de setembro de 1999, vedou expressamente a aplicação da primeira à

última, não sendo mais possível sustentar este entendimento.32

No caso da Justiça Eleitoral, ”nem o lócus da previsão típica (lei geral ou

especial) nem a distribuição de competência (entre justiça comum ou especial)

configuram razões suficientes para afastar a aplicação do artigo 89 [...]” 33, norteado

pelo princípio da igualdade

Em se tratando de competência dos Juizados Especiais Federais Criminais

em matéria penal, a mesma está delimitada no artigo 109, IV, V, VI, VII, IX e X da

C.R.F.B/88, devendo ser aplicadas subsidiariamente as normas do artigo 60 e

seguintes da Lei 9.099/95, eis que silente a lei nº 10.259/2001 que regula seu

procedimento. Além disso, a competência territorial será sempre a do lugar que foi

30JESUS, Damásio de. Informativo Phoenix 22 . Complexo Jurídico Damásio de Jesus, agosto de 2001 31 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : Comentários à Lei 10.259 de 10.07.2001, 3 ed, São Paulo:revistas dos Tribunais, 2002, p.487 e 488 32GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.50 33 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.50

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praticada a infração penal, igualmente a lei 9.099/95 que regula os Juizados

Especiais Criminais Estaduais.34

1.1.3.3 Competência para execução

Segundo Geraldo Prado, a competência do JECrim para a execução da pena

de multa, decorreu de imposição constitucional, sendo ratificada no artigo 84, caput

da Lei 9.099/95, desde que aplicada isoladamente. Mesmo com a edição da lei

9.268/96, a competência dos Juizados Especiais não fora afetada, eis que além de

ser atribuída constitucionalmente, e sendo paga, a pena aplicada deverá ser mantida

em sigilo, o que não se coaduna com a publicidade da inscrição em dívida ativa.35

Porém, no caso de penas alternativas, restritivas de liberdade e multas a elas

cumulada, sua execução deve ser feita pelo juízo comum da execução penal, cuja

competência é fixada as normas da lei de execução penal e as regras da

organização judiciária.36 Observe-se o entendimento da 3ª seção do Superior

Tribunal de Justiça:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES.1. De acordo com o entendimento desta Corte, é do Juízo Comum a competência para a execução das penas restritivas de direito, privativas de liberdade e multa, quando aplicada cumulativamente com aquelas, conforme a exegese do art. 86 da Lei 9.099/95. Reservada a competência do Juizado especial à pena de multa quando aplicada isoladamente.2. Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo de Direito da Vara de Execuções Criminais de Belo Horizonte-MG.37

Segundo Ada Pelegrinni Grinover:

[...] no que se refere às penas restritivas e, por conseqüência, à pena de multa com elas cumulada, não havia nenhuma razão para que não fosse a execução conduzida pelo próprio Juizado, porque

34CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Federais e Estaduais . Volume 15, TOMO II, 4 ed. Ver. Atual.São Paulo: Saraiva,2006, p.262 35CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p4 36MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação.5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.37 37 BRASIL. Supremo Tribunal da Justiça. CC 97080, MG-2008/0148448-1 Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139) Órgão Julgador S3 - TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 29/10/2008 Data da publicação/Fonte Diário da justiça , 07/11/2008

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não ocorrem nestes casos as complicações relativas ao cumprimento da pena privativa. Tudo é mais célere e mais simples. Aliás, o Juizado até teria maior possibilidade de acompanhar a execução, o que não sucede com o juízo de execução penal, assoberbado pelos inúmeros problemas decorrentes do cumprimento de penas privativas. 38

O que segue em sentido inverso do entendimento jurisprudencial apontado.

“Ressalta-se, que no final do artigo 86 foi dito expressamente que a execução

das penas privativas de liberdade e restritivas de direito seriam processadas perante

órgão competente, nos termos da lei”.39. Assim sendo, a lei estadual, na sua

atribuição de organização judiciária, pode conferir esta competência ao próprio

Juizado Especial quando aplicadas pelo próprio órgão jurisdicional.40

1.1.3.4 Exclusão de Competência

Neste sub-item verificar – se – á três causas de exclusão de competência:

a) Conexão e Continência:

No caso de conexão e continência, a redação original da Lei 9.099/95 não

fazia qualquer referência sobre o assunto, prevalecendo o entendimento que a

competência dos JECrims era prevista em dispositivo constitucional, não cabendo a

regra contida no artigo 79, caput do Código de Processo Penal que determinava a

unidade do processo e o julgamento das infrações conexas, assim, deveria haver a

separação do processo para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo

pelo JECRim.41

Com a entrada em vigor da Lei 11.313/06 que acrescentou a parte final ao

artigo 60, mantendo a competência do JECrim para o processo de conciliação e

julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, mas adicionando um

parágrafo único com a redação “respeitadas as regras de conexão e continência”, 38GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.207 39 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.208 40MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.37 41KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Crimnais : a concretização antecipada do poder de punir. 2 ed.. Niterói: Revistas dos Tribunais, 2004, p.204

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utilizando como base a unidade de processo e julgamento prevista no artigo 79,

caput, do Código de Processo Penal, diante da ocorrência da continência e da

conexão, salvo raras exceções, mesmo que o crime seja competência do JECrim,

ele será julgado pela Justiça Comum, embora garantidos o direito do autor à

composição de danos de natureza cível, bem como à aplicação de pena alternativa

de multa ou a prestação de serviços à comunidade.42

b) A não localização do acusado para a citação:

Diante da não localização do autor do fato, de acordo com o artigo 66,

parágrafo único da lei 9.099/95, será excluída a competência do JECrim, eis que

inadmissível a citação por edital.43. Isto porque, o prosseguimento do processo com

a providência de publicação de editais, “não se coaduna com os princípios de

celeridade e informalidade” 44 “Assim sendo, se o réu não for encontrado, os autos

serão remetidos ao juízo comum, no qual será feita a citação por edital”45.

Importa-se dizer que “nem mesmo o comparecimento do autor do fato para

interrogatório no juízo comum devolve a competência do feito ao Juizado, já que a

lei não se refere a desaforamento.” 46

c)Complexidade e circunstâncias da ocorrência:

A complexidade do fato típico de menor potencial ofensivo e as circunstâncias

de sua ocorrência que demandam o juízo do Ministério Público a investigações mais

profundas, impedem o oferecimento da denúncia de imediato, desviando a

competência para o juízo comum.47

Esta avaliação da complexidade e circunstâncias do fato, em primeiro

momento, será de competência do Ministério Público, eis que está relacionada com

a impossibilidade de oferecimento da denúncia, denominada de “formulação”.

Observa-se que cabe somente ao Ministério Público a formulação do juízo de

42GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.28 43CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Federais e Estaduais . Volume 15, TOMO II, 4 ed. Ver. Atual.São Paulo: Saraiva,2006, p.263 44MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.52 45GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.89. 46MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.52 47 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al.Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.22

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viabilidade de propositura da ação penal, pois, havendo interferência do juiz, este se

transformaria em parte acusatória.48

“Nada impede, evidentemente, que o magistrado que receber o requerimento

entenda diferente, dando-se por competente”49, Porém se o Ministério Público

mantiver seu entendimento, deverá argüir a incompetência de juízo, via exceção,

nos termos dos arts 95, inciso II, e 108, ambos do CPP.50

1.1.4 Princípios norteadores dos juizados especiais

Estes princípios são os mandamentos basilares dos Juizados Especiais, quais

sejam, a oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual celeridade e o

simplicidade. Este último, em face do acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5º da

C.R.F.B/88, pela Emenda 45, de 30 de dezembro de 2004, ratificado no artigo 2º da

Lei 9.099/95 junto aos demais.51

1.1.4.1Princípio da Oralidade

“A oralidade é a tônica que informa a atuação do Juiz, do Ministério Público,

do autor da infração e de seu defensor.”.52

A oralidade tem como objetivo dar maior agilidade à entrega da prestação

jurisdicional, beneficiando assim, o cidadão. Com a aplicação deste princípio, há

48BITTENCOURT, César Roberto.Juizados Especiais Criminais Federais . Análise comparativa das leis 9.099/95 e da 10.259/2001, 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p.73 49BITTENCOURT, César Roberto.Juizados Especiais Criminais Federais . Análise comparativa das leis 9.099/95 e da 10.259/2001, 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p.74 50GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica.3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.67. 51 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.441. 52PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.27

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uma desburocratização do processo, com a predominância da palavra oral sobre a

escrita.53

De acordo com Giuseppe Chiovenda, o Princípio da Oralidade consiste em

um conjunto de princípios distintos, intimamente associados entre si. Quando forem

aplicados juntamente em uma legislação, pode se concluir que existe

oralidade.54Este conjunto de princípios englobam o Princípio da Concentração, do

Imediatismo, da Identidade Física do Juiz e o da Irrecorribilidade das Decisões, os

quais serão explicados nos próximos parágrafos.55

Segundo Ada Pelegrinni Grinover, a concentração é o corolário da oralidade.

Antes da acusação tudo pode ser resumido em uma audiência preliminar, sendo que

instaurado o processo, existirá uma só audiência no procedimento

sumaríssimo.56Assim, os atos são concentrados mais próximos das decisões,

minimizando os riscos de esquecimento por parte do juiz e pelas partes das

impressões pessoais e dos fatos que a memória registra, além de propiciar o

aumento da probabilidade de se obter a verdade real.57

Este contato pessoal do julgador com o acusado, com as testemunhas e com

o conjunto probatório, representa o Princípio do Imediatismo, pois o mesmo recebe

as informações processuais sem intermediários, permitindo-se através da impressão

direta á formação do juízo condenatório ou absolutório.58

Portanto, o Princípio da Identidade Física do Juiz torna-se um complemento

do Princípio do Imediatismo, pois preconiza que o magistrado deva seguir

pessoalmente o procedimento desde o início até seu término, prolatando a

sentença.59

Segundo César Roberto Bittencourt, consagrado o Princípio da Oralidade,

consagrou-se igualmente a Identidade Física do Juiz, pois sem ele, será impossível

53TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.441. 54 CHIOVENDA. Giuseppe. Instituições de direito processual civil , nº 309, São Paulo, 1942, p.74 55MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.23 56GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.89. 57 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.23 58GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.50 59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.23

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a apreensão das impressões do juiz instrutor, perdendo-se grande parte do conjunto

probatório, causando prejuízo manifesto à instrução processual, podendo ser

considerada uma das poucas causas de nulidade dentro dos procedimentos dos

JECrims, haja vista, que segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a

mencionada integridade física do juiz é questão superada no direito processual

brasileiro que não a consagra.60

Finalizando a oralidade, o Princípio da Irrecorribilidade das Decisões, que se

refere às decisões interlocutórias, tem como condão evitar as paralisações dos atos

processuais, permitindo a continuidade à demanda sem recursos ou tumultos

durante a instrução, privando pela rapidez do julgamento da lide.61

1.1.4.2 Celeridade

O Princípio da Celeridade visa à maior rapidez possível na solução das

causas, desafogando a justiça e trazendo um resultado breve para as partes e

ofendido.62

No caso dos JECrims, busca-se reduzir o tempo entre a prática das infrações

penais e a solução jurisdicional, evitando-se a impunidade pela prescrição e

permitindo uma resposta rápida aos anseios da sociedade na realização da justiça

penal 63

Para Grandinetti e Prado:

Os princípios de oralidade, de informalidade e da economia processual deságuam todos no da celeridade, que é o objetivo verdadeiramente perseguido pelo legislador brasileiro, especificamente mencionado pela Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004, que deu nova redação ao inciso LXXVIII, do artigo 5º da

60BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais . Análise comparativa das leis 9.099/95 e da 10.259/2001, 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p.78 61MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.25 62 LIMA, Marcellus Polastri (coord). Juizados Especiais Criminais : na forma das leis nº 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03, 1.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.48 63MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed. São Paulo:Atlas, 2002, p.26

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Constituição, assegurando-se a todos ‘a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.64

“A celeridade é decorrente, também, de não haver inquérito policial, de o rito

ser por demais simples [...]65, prevendo a lei, que a autoridade policial, tomando

conhecimento da ocorrência, deverá lavrar o termo circunstanciado, remetendo-o

com o autor do fato e a vítima, quando possível, ao Juizado.66 “Estando presentes

estes no Juizado, já se pode realizar a audiência preliminar, propondo-se a

composição e em seguida a transação, que obtidas, serão homologadas pelo juiz”67.

Caso haja requerimento de baixa à Delegacia, deve haver a análise detalhada

dos autos pelo Juiz. Sendo a providência indispensável, como por exemplo, a

identificação do autor e da vítima, deve deferir. Porém, em se tratando de

requerimento que não indique as diligências que devem ser empregues pela polícia,

ou se as mesmas puderem ser supridas no próprio Juizado, deve indeferi-lo.68

Para Castanho de Carvalho e Prado:

Na prática, a celeridade indica não serem possíveis as delongas tão comuns de baixa à delegacia para este ou aquele fim. Tal procedimento compromete seriamente o princípio da dignidade humana, que se vê indefinidamente envolvida em uma investigação penal que não tem qualquer compromisso com o seu encerramento. No âmbito do Juizado, em razão do princípio Constitucional da celeridade, isto não é possível. 69

Nas férias forenses, nos feriados, bem como em horário noturno, o

andamento dos feitos não sofrerão solução de continuidade conforme dispõe o

artigo 64 da Lei 9.099/95, que informa que os atos processuais são públicos e

podem se realizar em horário noturno, em qualquer dia da semana, de encontro com

as normas de organização judiciária. Portanto, tanto os Juizados como suas turmas

recursais, podem funcionar em qualquer dia da semana, a qualquer hora, seja

64CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p34 65TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.448. 66MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.26. 67MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.26. 68CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.34 69CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.34

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durante o dia como durante a noite, o que foi fortificado através da Emenda 45, de

30.12.2004, uma vez que no inciso XII do artigo 93 por ela incluído, está disposto

que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos

juízos e tribunais de segundo grau, funcionando nos dias em que não houver

expediente forense normal, juízes em plantão permanente”.70

Neste mesmo sentido de celeridade, a lei 9.099/95 dispõe que a citação pode

ser feita no próprio Juizado, que nenhum ato deve ser adiado, determinando o juiz,

quando fundado em motivo relevante, a condução coercitiva de quem deva

comparecer. Observa-se, que as providências eventuais do juiz quanto à celeridade

não podem prejudicar os princípios constitucionais de contraditório e ampla defesa,

interferindo nas diligências necessárias ao esclarecimento da verdade real.71

1.1.4.3 Informalidade

A Informalidade consiste no desapego às formas processuais rígidas e

burocráticas. Os juízes, conciliadores e servidores dos Juizados deverão evitar ao

máximo o formalismo e a exigência desproporcional no cumprimento das normas

processuais e cartorárias que inibe e atormenta as partes.72

No entendimento de Ada Pelegrinni Grinover, o legislador reiterou a regra do

artigo 563 do Código de Processo Penal que dispõe que nenhum ato será

considerado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo. Tal pronunciamento significa

que não se pronunciará nulidade sem que haja prejuízo efetivo aos litigantes.73

Assim, somente os atos essenciais serão registrados através de gravação ou

outros meios adequados. Neste norte, mais audiências são feitas, as testemunhas

são ouvidas no mesmo ato, sempre com fidelidade entre a expressão e o registro; o

70TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.447. 71MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.26. 72TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.443. 73GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.83.

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resumo dos fatos ocorridos na audiência e a sentença são reduzidos a termo sem

necessidade de relatório; as intimações são efetuadas pelo correio, com aviso de

recebimento, bem como os atos processuais em outra comarca poderão ser

solicitados por qualquer meio hábil de comunicação.74

Ressalta-se que o juiz não estará isento de observar o mínimo de

formalidades para a prática de determinados atos processuais, mas terá a liberdade

de praticá-los de forma livre, modo plausível, desde que atinjam sua finalidade,

exceto quando lei dispõe forma procedimental exclusiva para determinado ato.75

Para Giacomolli:

A implementação e execução, com eficiência, dessas novas alternativas poderia influir em uma prestação jurisdicional mais ágil e célere, sem autos, livres dos grilhões do formalismo processual, o qual somente se justifica para garantir os direitos fundamentais do acusado. O escopo é a racionalização do trabalho forense na documentação dos atos processuais e na prestação jurisdicional.76

Afirmação adequada quanto à finalidade do princípio mencionado.

1.1.4.4Economia Processual

A diminuição de fases e atos processuais leva à rapidez com a redução de

tempo, e conseqüentemente, a economia de custos, onde o objetivo é receber

máximo resultado com o mínimo emprego de atividades processuais.77

“Economia Processual significa que todos os atos do processo devem ser

aproveitados. É a economia.”.78

O Princípio da Economia Processual esta presente em todo Juizado Especial,

desde sua fase preliminar até o encerramento da demanda. Ausente fase de

74GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.50 75MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.25 76GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.51 77 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil , vol II, 18 ed, São Paulo: Saraiva, 1997, p.68 78TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.444.

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inquérito, o autor do fato e o ofendido são encaminhados de pronto ao Juizado.

Pugna-se pela não instauração do processo. Seu objetivo está em resolverem-se as

lides através de acordos cíveis ou penais.79

Segundo Mirabete:

Pelo princípio da economia processual entende-se que se deve escolher, entre duas alternativas, a menos onerosa às partes e ao próprio Estado. Procura-se sempre buscar o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível dos atos processuais ou despacho de ordenamentos. Não significa isto que se suprimam atos previstos no rito processual estabelecido na lei, mas a possibilidade de se escolher a forma que causa menos encargos. Sendo evitada a repetição inconseqüente e inútil de atos procedimentais, a concentração de atos em uma mesma oportunidade é critério de economia processual. 80

Nem sempre a solução menos onerosa é a que melhor resguarda os direitos

fundamentais do autor. Assim, em havendo o despeito de tais garantias, resta-se

demonstrada à nulidade processual, eis que se verifica prejuízo em relação ao autor

do fato. Porém, em caso de provimento absolutório, não se encontra justificativa

plausível à repetição do ato. Observe-se o entendimento doutrinário:

Nenhuma nulidade será pronunciada sem que tenha havido prejuízo, segundo o artigo 65, § 1º, da Lei 9.099/95. Então, para que o ato processual seja viciado exige-se a incidência de incontestável prejuízo, independente da natureza do defeito. A legislação específica faz referência a qualquer nulidade, não fazendo distinção entre nulidades relativas e absolutas.81

Entende-se que o Princípio da Economia Processual está diretamente ligado

ao da celeridade.

1.1.4.5 Simplicidade

Com a adoção do Princípio da Simplicidade, a intenção do legislador foi

diminuir o tanto quanto possível, a massa dos materiais que são juntados ao

79GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.84 80MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.25-26 81GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.52

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processo, sem o prejuízo da instrução processual, reunindo apenas os essenciais

num todo harmônico.82

Conforme João Mendes Junior, ex - Ministro do Supremo Tribunal Federal,

em carta dirigida a Alfredo Pinto, Ministro da Justiça, no governo de Epitácio Pessoa:

Simplificar o processo é reduzir os atos a tantos quantos forem necessários para chegar a julgamento e à execução, e os termos do processo a tantos quantos sejam suficientes para a fluência da instância. 83

Assim, o procedimento do Juizado Especial, ”[...] deve ser simples e natural,

sem aparato, franco e espontâneo, a fim de deixar os interessados à vontade para

exporem seus objetivos”.84

1.1.5 Objetivo dos juizados especiais criminais

Obedecendo à finalidade de busca da verdade real contida no Código de

Processo Penal, dispõe a lei 9.009/95 que sempre que possível deve-se buscar a

conciliação ou transação. Assim, o JECrim, utilizando os dois meios já mencionados

(conciliação e transação), visam promover a paz social, relativamente a prática de

crimes de baixo potencial ofensivo, compondo o dano resultante do fato, prevendo

de forma imediata sua reparação ao menos em parte, ou através da transação,

permitindo a aceitação do autor do fato de penas não privativas de liberdade, tida

pela doutrina moderna, como suficientes para a responsabilização penal do autor

das infrações de menor potencial ofensivo.85

82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.24 83MENDES JUNIOR, João, Apud ROSA, Inocêncio Borges da. Comentários ao Código de Processo Penal, vol I 2 ed., Porto Alegre, Oficina Gráfica da Livraria Globo, 1961, p.44 84TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.444. 85MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.24

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1.1.5.1 Reparação de danos sofridos pela vítima

Diante da existência de uma preocupação maior com a vítima no processo

criminal, um dos objetivos principais da Lei 9.099/95 passou a ser a reparação de

danos por ela sofrida.86

Este objetivo vincula-se ao movimento internacional de proteção à pessoa da

vítima, em todas as esferas do poder público, inclusive o criminal, possibilitando sua

habilitação como assistente de acusação, com atividade facultativa, subsidiária,

visando à busca da definição do an deabetur através da sentença penal

condenatória, e após as reformas de 2008, também a fixação de um valor mínimo

reparatório dos danos causados pela infração. Até a prestação pecuniária,

substitutiva da pena privativa de liberdade, poderá ser destinada à vítima, cujo valor

será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação cível.87

Para Tourinho Filho:

[...], o certo é que o legislador quis, na medida do possível (ad impossibilita nemo tenetur), resolver o problema da satisfação do dano, procurando, assim, nessas infrações de pequena monta, atender, de imediato, aos interesses particulares dos ofendidos, ou seja, a reparação dos prejuízos causados pela prática do ato infracional, proporcionando, inclusive, com esse objetivo, vantagens ao autor do fato, de que é exemplo o parágrafo único do artigo 74, ao acentuar que o acordo quanto à reparação do dano, devidamente homologado pelo juiz, nos crimes de alçada privada ou pública condicionada à representação, implica renúncia ao direito de queixa ou de representação, ou seja, reparar o dano nesses crimes, extingue-se a punibilidade.88

Na ação penal pública incondicionada, a composição não impede a

instauração do processo penal, mas excluirá a possibilidade de promoção de

execução da sentença penal condenatória transitada em julgado na área cível pelo

ofendido, ou de ação ordinária na inexistência desta.89

Segundo Giacomolli: 86GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.85 87GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica.3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009,p.55 88TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 6 ed. rev atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p.42. 89MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.39

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Excepcionalmente, a vítima se interessa pelo destino criminal do ofensor, por uma condenação criminal, mormente nas infrações menores; o que deseja é a reparação do dano, a satisfação de seu patrimônio material e moral.90

“Nesse passo, a lei dá mais relevância à reparação do dano causado ao

ofendido do que a persecução do autor do ilícito.”.91

1.1.5.2 Aplicação de pena não restritiva de liberdade

Um dos aspectos relevantes dos Juizados Especiais Criminais é a afirmação

de que se deve ser evitada a aplicação de pena privativa de liberdade, o que navega

de encontro com a tendência da criminologia moderna.92

A aplicação da pena privativa de liberdade não tem demonstrado eficácia na

diminuição da criminalidade, na prevenção geral ou especial, representando tão-

somente uma retribuição jurídica ao fato delituoso praticado.93

Assim sendo, pugna-se pela despenalização dos crimes de menor potencial

ofensivo, consistente em transferir as intervenções sobre alguns comportamentos

para outras modalidades de Controle Social que não a Justiça Penal. Observe-se

que a lei criminal não deve ser utilizada se o dano causado pela pena é maior do

que o dano causado pelo delito.94

Salienta-se que se evita a pena privativa de liberdade também pela

descriminalização, retirando-se da esfera criminal determinada conduta típica,

passando-se esta conduta para um ato ilícito civil ou administrativo.95

90GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.56 91MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.39 92GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.86 93GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais-Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.57 94 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.450. 95GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais-Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009,p.58

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Seguindo a orientação da criminologia moderna, a lei em exame instituiu a

figura da transação, objeto de estudo do próximo capítulo, permitindo que sendo

aceita a proposta do Ministério Público pelo autor do fato, de substituição da pena

privativa de liberdade, pela aplicação de penas restritivas de direito, esta seja

aplicada de imediato. Sua vantagem consiste que a aplicação de tais penas não

importam em reincidência, sendo registrada com intuito de impedir o gozo do mesmo

benefício no prazo de 5 (cinco) anos, além de não constar na certidão de

antecedentes criminais e não possuir efeitos civis.96

No entanto, a mídia conduz o entendimento da Sociedade em sentido

contrário. Induz o povo a acreditar que a violência se resolve com o aumento das

penas e remetendo o criminoso para a cadeia. Incute a idéia de que a paz social é

alcançada com o aumento de figuras delituosas, o que é acolhido pelo Governo e o

legislador perdido, mesmo sabendo que esta não é a solução.97

O Direito Penal não pode, por si só, conter a onda avassaladora de crimes. Não é a prisão que vai diminuir o número de criminosos. Não é o recrudescimento das sanções penais que vai amedrontar a quem não tem nada a perder, não tem teto, não tem comida, não tem emprego, não tem dinheiro. Se a prisão a esses não mete medo, medo também não mete aos criminosos de colarinho branco, pois crentes estão que as normas penais, a polícia e a justiça não os atingem. É preciso desmistificar a idéia de que o Direito Penal e, principalmente a prisão, a cadeia, são as soluções para a contenção da onda de criminalidade que invade, domina e sufoca a sociedade.98

Comentário que se amolda perfeitamente com o objetivo dos JECrims, em

não aplicação da pena privativa de liberdade.

Após apresentado o JECrim, com a demonstração de sua criação,

competência e objetivos, passar-se-á a explicação do instituto da Transação Penal e

os efeitos de seu descumprimento, consistente no objeto deste estudo.

96MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.40 97TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.451 98TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.451

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2. TRANSAÇÃO PENAL, NATUREZA JURÍDICA E CONSEQÜENCI AS

DE SEU DESCUMPRIMENTO

2.1 TRANSAÇÃO PENAL

2.1.1 Conceito

A transação penal é um instituto novo do direito brasileiro, onde pela primeira

vez, foi autorizado ao legislador, o emprego de um mecanismo consensual no

âmbito dos direitos e interesses tutelados pelo Direito Penal.99Suas regras estão

contidas no artigo 76 e parágrafos da lei 9.099/95, traçando diretrizes que permitem

identificar a essência do novo tratamento processual dispensado às demandas

fundadas em infrações penais de menor potencial ofensivo, resolvendo as diversas

questões suscitadas em torno deste instituto.100

Para formular-se um conceito de transação aplicável ao Direito Penal e para o

Direito Processual Penal, é preciso depurar-se seu conceito originário na órbita civil,

mantendo sua essência na definição legal prevista no artigo 1025 do Código Civil de

2002 que assim dispõe: “é lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio

mediante concessões mútuas.”101

Assim o conceito delineado para Transação Penal, além de excluir as

injunções provenientes das relações obrigacionais, deve consistir no mesmo objetivo

do Direito Civil, ou seja, no propósito de prevenção e extinção do litígio, mediante

concessões recíprocas, onde o Ministério Público e o autor do fato, ao acordarem

acerca de uma proposta de aplicação da pena, estarão abdicando cada um de seus

direitos inerentes, objetivando prevenir ou extinguir o litígio.102

99GOMES, Marcus Allan de Melo. Culpabilidade e Transação Penal nos Juizados Especi ais Criminais . São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p.81 100 KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: A concretização antecipada do poder de punir. 2 ed. ver e atual. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002, p.85 101 SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.74. 102SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.75.

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O litígio penal, embora particularizado diante de suas próprias peculiaridades,

não escapa da definição válida para a lide civil, sendo considerado como um conflito

de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita, ou seja, diante

da pratica de um fato típico e antijurídico surge o direito de punir do Estado, devendo

deduzir esta pretensão punitiva diante do Poder Judiciário. 103

Neste norte, segundo José Frederico Marques:

A lide penal é resultante do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu. A pretensão punitiva encontra, no direito a liberdade, a resistência necessária para qualificar esse conflito como litígio, visto que o Estado não pode prevalecer, de plano de seu interesse repressivo. 104

A Transação Penal constitui, assim como a transação civil, meio de se evitar o

processo [...], contudo, a homologação será feita pelo juiz que pode concordar ou

não com o conteúdo definido pelas partes.105

Partindo das características expostas, segundo Sobrane:

A Transação Penal pode ser definida como o ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática de um fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.106

O que conceitua o objeto de estudo do trabalho em epígrafe.

2.1.1.1 Natureza Constitucional do Instituto

As maiores críticas quanto à inconstitucionalidade da lei, tem se dirigido a

Transação Penal. Entre vários fundamentos, a infração mais séria apontada pela

doutrina é a aplicação de pena sem processo e reconhecimento de culpa, o que

103GOMES, Marcus Allan de Melo. Culpabilidade e Transação Penal nos Juizados Especi ais Criminais . São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p.83 104 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito processual Penal . 3 ed. Campinas, SP: Bookseller, 1997, p.25. 105GOMES, Marcus Allan de Melo. Culpabilidade e Transação Penal nos Juizados Especi ais Criminais . São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p.84 106SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.74

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infringiria o artigo 5º, inciso LIV, da C.R.F.B/88 que estabelece que ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.107

Observa-se, que a própria C.R.F.B/88 possibilita expressamente a Transação

Penal no crimes de menor potencial ofensivo, liberando o legislador a impor

parâmetros desde que razoáveis, dentro do princípio da reserva legal. Assim, da

mesma maneira que prevê ritos para a privação da liberdade, admite exceção para

os crimes de menor potencial ofensivo, lembrando-se que todos estão no mesmo

texto promulgado pelo poder constituinte originário.108

Outro ponto a ser ressaltado é que o instituto da Transação Penal contém

todos os elementos constantes para a caracterização de uma ação penal pública:

origem, legitimidade para propositura, são formas de exercício jus puniendi, salvo

engano, assegurando todas as garantias do processo legal na forma que a lei

ordinária estabelece.109

Este posicionamento também é defendido por Giacomolli, que além de

considerar a não infração do devido processo legal, entende a Transação Penal

como um instituto de defesa técnica, observe-se:

O due process of law (critério objetivo e não substantivo) é obedecido na medida em que a Constituição Federal, no seu artigo 98, I, e a Lei 9.099/1995 estabeleceram qual a forma de se processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo. A ampla defesa não resta violada por que o envolvido é esclarecido, no início da audiência, a respeito de todas as possibilidades disponíveis, obtém acompanhamento e orientação de advogado (defesa técnica); tem a opção entre a estigmatização do processo, de uma possível sentença condenatória ou de uma sentença homologatória. Ainda, não é obrigado a aceitar a transação criminal (defesa pessoal). O princípio do contraditório também é assegurado na medida em que, acompanhado de advogado, o envolvido tem a possibilidade de aceitar ou não a medida alternativa da proposta. Inexiste acusação angularizada e tampouco a supressão da possibilidade de contraditar uma futura acusação (uma vez não aceita a transação criminal). O

107GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.43. 108 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.44. 109TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.513.

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Ministério Público vela pelo jus puniendi, e o envolvido pelo status libertatis [...]110

Nem mesmo a infração ao princípio de presunção de inocência é verificada,

eis que da imposição imediata da pena não corresponde a qualquer reconhecimento

de culpabilidade penal ou civil, haja vista a inexistência de conseqüências

desfavoráveis em relação à reincidência ou aos antecedentes criminais, possuindo

como efeito penal, o impedimento do gozo do benefício por um período de 5 (cinco)

anos.111

Neste caminho segue o entendimento doutrinário de Giacomolli:

[...] Pelo fato de não haver confissão de culpa pelo autor do fato nem declaração desta pelo juiz, por inexistir provimento condenatório nem eficácia plena da sansão criminal, na aceitação da proposta da transação criminal não há violação ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade. A multa ou a restrição de direitos, aplicados ao autor do fato, estão previstas no ordenamento jurídico (artigo 5º, XLVI, c e d, da CF e artigo 76 da Lei 9.099/95) 112

Em se tratando da inconstitucionalidade da Transação Penal pelo fato de que

a mesma feriria o princípio da isonomia, eis que somente aquele que tivesse

composto o dano poderia transacionar penalmente, a afirmação se mostra

totalmente equivocada. Uma simples leitura do artigo 72 da lei 9.099/95 mostra que

o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade de composição de danos e da aceitação da

proposta de aplicação imediata da pena não privativa de liberdade, o que demonstra

que o mesmo deve versar sobre as duas possibilidades, não cabendo ao intérprete

distinguir, quando a lei não o faz. Ademais, a leitura dos dispositivos seguintes deixa

claro, que a inexistência de composição civil em nada prejudica a transação penal,

tanto que o artigo 75 da lei 9.099/95 frisa que não obtida à composição de danos, o

ofendido em caso de ação pública condicionada poderá representar.113.

Assim, entende-se totalmente constitucional o tratamento dispensado ao

instituto da Transação Penal.

110 GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados especiais Criminais. Lei 9.099/95, 2 ed, Porto Alegre: livraria do advogado, 1997, p.37-38 111GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.45. 112GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados especiais Criminais. Lei 9.099/95, 2 ed, Porto Alegre: livraria do advogado, 1997, p.37-38 113GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.47.

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2.1.1.2 Discricionariedade do Ministério Público

Antes da lei 9.099/95, os crimes de menor potencial ofensivo eram

submetidos ao rito normal de um processo penal. Um dos princípios vigentes do

citado processo consiste na indisponibilidade ou da obrigatoriedade da ação penal.

Assim sendo, o Ministério Público, uma vez presente os requisitos de materialidade

e indícios de autoria, deve oferecer a denúncia uma vez que não é dotado de

poderes discricionários para apreciar a oportunidade ou conveniência da instauração

de um processo penal. Observe-se o entendimento de Sobrane:

A iniciativa do processo penal pertence ao Ministério Público e às partes privadas, nos casos definidos em lei. A atribuição da titularidade da pretensão punitiva ao Ministério Público não lhe confere o poder de livre disposição, pois o princípio da obrigatoriedade não lhe permite exercer o juízo de oportunidade ou conveniência sobre a instauração do processo para persecução das infrações que lhe tenham sido noticiado.114

“Com o advento da Lei 9.099/95 o princípio da obrigatoriedade da ação penal

restou mitigado” 115, cabendo ao Ministério Público, a atuação discricionária de fazer

a proposta nos casos em que a lei o permite, sem denúncia ou instauração de

processo.116

Seu objetivo foi oferecer uma solução mais racional ao tratamento dos crimes

de menor potencial ofensivo, permitindo o desfecho rápido dos conflitos

manifestados por este tipo de delinqüência, com uma discreta abstenção da

persecução por parte do órgão acusador.117

Segundo Grinover, o oferecimento da Transação Penal quando inexistentes

os impedimento do §2º do artigo 76, da lei 9.099/95, trata-se de um poder-dever do

Estado, haja vista, que não sendo proposta, poderia redundar odiosa discriminação,

por ofensa ao princípio da isonomia e a conseqüente reaproximação do acusador

114 SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.18. 115GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.62 116MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.129 117SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.25.

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que assim se pautasse ao princípio de oportunidade pura, o que não é acolhido pela

lei.118

Ressalta-se que tal discricionariedade é regrada, uma vez que será

submetida à apreciação do magistrado que observará seus requisitos legais, não

estando obrigado a homologá-la (controle Jurisdicional).119

2.1.2 Audiência Preliminar e Impossibilidade de seu oferecimento na Ação

Penal Privada

2.1.2.1 Audiência Preliminar

A audiência preliminar é tratada no artigo 72, caput, da Lei 9.099/95. Ela

precede ao procedimento sumaríssimo previsto na lei, cuja instauração depende do

que nela foi decidido.120

Esta audiência preliminar tem como um dos seus objetivos, a tentativa de

composição de danos e a transação, ou seja, nos termos da lei, a aplicação imediata

de pena não privativa de liberdade. Além disso, na inocorrência de uma ou outra,

estará possibilitado o oferecimento de denúncia. Por isso, devem estar presentes

obrigatoriamente neste ato, o juiz, o representante do Ministério Público, o autor do

fato, e a vítima.121

A presença do autor do fato é obrigatória, eis que sua ausência implica no

desvio de competência do JECrim para a Justiça Comum, como já comentado no

capítulo anterior, no item de exclusão de competência.

Observa-se que no caso do autor do fato ser menor de 18 anos, é obrigatória

a presença se seu responsável civil, eis que relativamente incapaz para os atos da

vida civil, nos termos do artigo 4º do Código Civil de 2002. Ressalta-se que no caso 118118GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.47. 119 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.47. 120PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.43. 121 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.104

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do ofendido ser incapaz, o seu representante legal ou curador deverá ser intimado.

Esta formalidade se faz necessária, pois no caso de incapacidade do autor do fato,

resultando a lide em acordo, será seu responsável civil quem ficará responsável pela

composição dos danos civis. Já no caso do ofendido ser incapaz, caso haja

conciliação, sua vontade só poderá ser completada, se homologada pelo curador ou

responsável legal, eis que relativamente incapaz para decidir sozinho por seus

próprios atos.122

Mesmo com a ocorrência de decadência ou qualquer causa extintiva de

punibilidade, havendo danos indenizáveis, a designação de audiência preliminar é

obrigatória, eis que um dos objetivos da lei 9.099/95 é outorgar certa proteção à

vítima com o ressarcimento de seus prejuízos, se possível, já na primeira audiência.

A presença do ofendido não é obrigatória. Sua ausência não gera conseqüências

jurídicas apenas acarreta na perda de uma chance de compor seus danos civis

imediatamente.123

A audiência preliminar deve ser a mais informal possível, atendendo os

critérios do artigo 62, caput, da Lei 9.099/95. O magistrado ou conciliador deverá

conversar abertamente com os interessados, deixará que troquem idéias entre si e

com ele, e induzirá o promotor e advogados ao mesmo comportamento.124

Embora a lei não exija expressamente a presença de advogados na audiência

de conciliação, visando resguardar a livre vontade das partes na transação, sua

presença é indispensável. Ainda que se trate de fase pré-processual, o autuado

poderá consentir na imediata aplicação de uma sanção penal, ainda que não

privativa de liberdade. Nestes norte, a ausência de defensor causaria vulnerabilidade

às garantias constitucionais, aplicáveis não só ao processo jurisdicional, mas a

qualquer processo administrativo em que haja conflito de interesses.125

Segundo Giacomolli:

No início da audiência preliminar, os envolvidos devem ser orientados acerca das conseqüências da aceitação da proposta de composição de danos cíveis e da aceitação da pena não-privativa de

122TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.492. 123GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.92-93 124GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.129. 125GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.129.

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liberdade: multa ou restritivas de direitos. Os esclarecimentos a respeito da conveniência e oportunidade da aceitação devem ser expostos de forma clara e objetiva aos envolvidos, sem nenhuma coação, de forma que a aceitação ou recusa seja um ato volitivo ciente de todas as possibilidades processuais. É fundamental que o juiz togado oriente a todos a respeito da natureza jurídica da aceitação da proposta do Ministério Público, das conseqüências, tanto na esfera civil, quanto na criminal, pois os envolvidos devem ter ciência precisa do que esta acontecendo na audiência. Esse é um dos deveres do juiz togado. É uma orientação no sentido de estabelecer-se o rumo que cada alegação poderá tomar. Não se justifica qualquer forma de induzimento ou coação.126

Havendo composição entre as partes, no caso de ação penal privada ou

condicionada a representação, sendo a mesma homologada pelo juiz e transitada

em julgado, a vítima estará renunciando o seu direito a queixa ou representação.

Assim, o juiz deverá decretar a extinção de punibilidade do autor do fato, fundado no

princípio de despenalização nas infrações penais de menor potencial ofensivo.127

Sendo inexitosa a conciliação, na ação penal pública condicionada, seu

representante legal, na própria audiência poderá representar oralmente contra o

autor do fato, ou apresentar o pedido de representação por escrito, o que deverá ser

juntado aos autos, passando a titularidade de ação ao Ministério Público.128

No caso de ação penal pública incondicionada, mesmo que homologada a

composição, não ocorre a extinção da punibilidade, prosseguindo-se a audiência

preliminar com eventual proposta de transação ou, não sendo aceita ou

apresentada, com o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público.129

A hipótese de inexitosa a composição no caso de ação penal privada será

vista no item posterior.

2.1.2.2 Impossibilidade de Transação Penal na ação Penal Privada

Grinover entende que frustrada a composição na Ação Penal Privada, o

ofendido terá a faculdade de apresentar sua queixa oralmente, igualmente aos

126 GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.95 127MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.116 128128MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.119 129MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.118

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casos condicionados a representação. Baseia seu posicionamento na aplicação

analógica do dispositivo em benefício da vítima, visando à rapidez e eficiência da

prestação jurisdicional, pela desformalização do ato.130

Porém, para Cezar Roberto Bittencourt, a audiência preliminar não prevê o

direito de oferecimento da queixa oralmente. Fundamenta, que uma vez que não

existe previsão de Transação Penal para a ação penal privada, não haveria porque

antecipar o direito de queixa, que com o tempo, pode cair na reflexão ou

esquecimento.131

Realmente, a lei não faz menção quanto à possibilidade de aplicação da

Transação Penal no caso de ação penal privada, portanto, o entendimento

majoritário segue Bittencourt, assim o ofendido ou seu representante legal, por

intermédio de um procurador habilitado, oferecerá a queixa quando dispuser dos

mínimos elementos necessários à formação de culpa nos termos do artigo 77, §3º.

Neste rumo, a audiência terá prosseguimento nos termos do artigo 77, sendo

finalmente designada data para a audiência de instrução e julgamento. Acrescentam

que a vítima não possui interesse na sanção penal e sim no ressarcimento de seu

prejuízo.132

Grinover discorda deste posicionamento, uma vez que a evolução do estudo

sobre as vítimas faz com que por parte de muitos se reconheça o interesse desta

não apenas à reparação civil, mas também a punição penal, havendo seu interesse

quanto à aplicação da pena. Assim reforça a aplicação por analogia do disposto na

1ª parte do artigo 76, da lei 9.099/95, nos casos de queixa, valendo lembrar que se

trata de norma prevalentemente penal e mais benéfica ao ofendido, amparada pelos

princípios do artigo 62, caput, da lei 9.099/95.133

130GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.147 131BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.94 132MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.122 133GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.147

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2.1.3 Impedimentos para seu oferecimento

Não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público avaliará o processo e

verificará se estão presentes os impedimentos constantes no § 2º, do artigo 76, da

lei 9.099/95 para propor a Transação Penal. Estes impedimentos são classificados

em objetivos quando decorrentes de fatos externos ao agente, e subjetivos,

decorrentes da situação pessoal do autor da infração de menor potencial ofensivo.134

Passar-se-á a explicação do inciso I, II e III do referido parágrafo que são requisitos

impeditivos para o oferecimento da proposta.

2.1.3.1 Condenação anterior à pena privativa de liberdade

Este é um impedimento objetivo. A proposta da Transação Penal é vedada se

o autuado já foi condenado anteriormente, com sentença transitada em julgado, por

qualquer crime, à pena privativa de liberdade. Observe-se que a expressão sentença

definitiva, contida no artigo 76, significa sentença irrecorrível, caso contrário estaria

se infringindo o artigo 5º, LVII, da C.R.F.B/88 que dispõe que “ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Ressalta-se que a lei diz do agente condenado por crime, em sentença

definitiva à pena privativa de liberdade. Neste diapasão, entende-se permitido o

oferecimento da proposta para os condenados por crimes apenados com pena de

multa, penas restritivas de direito, tanto diretamente, como as que substituíram

penas privativas de liberdade, a contravenções e aos que foram beneficiados pela

suspensão condicional do processo.135

Quase que isoladamente, Roldão Oliveira Carvalho, entende que a palavra

crimes usada pelo legislador abrange tanto aos crimes propriamente ditos, como as

contravenções, não podendo assim, ser concedido o benefício para infratores

apenados com pena privativa de liberdade em contravenções, senão vejamos:

134PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.51. 135BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.130

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Atente-se ao fato de que este inciso menciona a palavra “crime”, deixando de fora as contravenções. No entanto, a expressão “crime” usada pelo legislador abrange tanto aos crimes propriamente ditos, como as contravenções como ocorre no caput deste artigo. Assim, a condenação pode ser por crime ou contravenção que impedirá a concessão do benefício. 136

Grande parte da doutrina possui o entendimento que se o autor do fato tiver

sido condenado à pena privativa de liberdade com sentença transitada em julgado

há mais de cinco anos, estará possibilitada a concessão da proposta da transação

penal. Neste sentido, observe-se o entendimento de Giacomolli:

Mesmo assim, a existência de uma sentença criminal, sem o trânsito em julgado, não impede, por si só, a concessão da alternativa penológica (art.76,§ 2º, inciso I). A sentença condenatória impede o benefício até que esteja produzindo seus efeitos, ou até os 5 (cinco) anos do cumprimento da condenação, ou da extinção da punibilidade (art.64, inciso I, do CP) 137

Mirabete, por sua vez, possui entendimento contrário. Fundamenta sua

posição no fato de não ser possível analogia, uma vez que é visível a vontade da lei

em não estabelecer o princípio da temporariedade quanto ao impedimento em

exame, impedindo, neste caso, o oferecimento da Transação Penal :

Ainda, que decorridos mais de cinco anos entre o trânsito em julgado da sentença condenatória anterior e a audiência preliminar, veda-se a possibilidade de transação. Ainda que se possa criticar essa omissão, não é possível aplicar aqui a analogia, visível que é a vontade da lei em não estabelecer, no caso, o princípio da temporariedade quanto ao impedimento em exame, como o faz no inciso II. Não há, na hipótese, lacuna involuntária da lei que impossibilite a aplicação da analogia. Há, porém, manifestações em sentido contrário.138

Passar-se-á então, ao segundo impedimento objetivo. 2.1.3.2 Inadmissibilidade da Transação Penal por benefício anterior

O objetivo da lei é beneficiar o autor de fatos enquadráveis nas infrações

penais de menor potencial ofensivo, mas não incentivar sua impunidade. Assim o

136CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e Criminais : Comentários à Lei n 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. 3 ed. Araras,SP: Bestbook Editora e distribuidora, 2002, p.149. 137GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais - Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.126. 138MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.145

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infrator que tiver sido beneficiado da aplicação consensual da pena não privativa de

liberdade nos termos da lei 9.099/95, não poderá gozar novamente da Transação

Penal pelo período de 5 anos.139

Nada impede que esgotado lapso temporal apontado, o Ministério Público

apresente a proposta de aplicação imediata destas sanções. Na ausência de termo

expresso inicial deste prazo, o tempo deve ser contado entre a Transação Penal

efetivada anteriormente e a data da audiência preliminar.140

O prazo estipulado tem por base o prazo da reincidência estabelecido no

artigo 64, inciso I, do Código Penal.141

A inexistência do impedimento pode ser comprovada pela juntada de folhas

de antecedentes criminais disponíveis nas comarcas onde o autor do fato residiu nos

últimos cinco anos, eis que obrigatório o registro da transação penal homologada

justamente para este efeito.142

Lembra Tourinho Neto, que embora o usufruto das penas restritivas de direito

e multa, utilizadas na Transação Penal, não constituam reincidência, são

consideradas maus antecedentes, tanto que o inciso II, do § 2 º, do artigo 76 da lei

em exame, veda a concessão da proposta no período de 5 anos. Assim, ao

considerar a reincidência como mal antecedente, não será possível aumentar a pena

base, como circunstância agravante, sob pena de caracterizar bis in idem.143

2.1.3.3 Impedimento por ausência de condições ou circunstâncias pessoais

Este impedimento é o único impedimento subjetivo. Diz respeito aos

antecedentes, à conduta social, à personalidade, aos motivos e as circunstâncias do

139GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.165. 140MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.145 141GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.162 142 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.145 143 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.530.

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fato recomendarem a Transação Penal, afastando-se qualquer cognição a respeito

da culpabilidade do autor do fato.144

A necessidade e a suficiência da medida, prevista no inciso III do dispositivo

examinado, nada mais indicam do que sua adequação ao caso concreto, por ser ela

necessária, não estimulando a impunidade.145

“Evidentemente trata-se de uma apreciação subjetiva do parquet, e só a ele

caberá decidir se o agente reúne ou não as condições e as circunstâncias

necessárias para a obtenção do benefício de transação.”146

Porém, é preciso ressaltar de que o dispositivo apontado é totalmente aberto,

possibilitando ao Ministério Público se esquivar de apresentar proposta de

Transação Penal quando lhe convier, devendo o juiz examinar os fundamentos da

recusa, exigindo motivação.147

2.1.4 Homologação Judicial da Transação Penal

2.1.4.1 Homologação Judicial da Transação Penal aceita

Havendo aceitação da proposta ou contraproposta pelo autor do fato, o

acordo será submetido à homologação pelo juiz (controle jurisdicional). Cabe ao

magistrado analisar e verificar a legalidade e suficiência da medida adotada, levando

em conta a vontade dos partícipes e a filosofia da Transação Penal que não esta

adstrita somente a critérios de legalidade, mas também, a pacificação social.148

O juiz verificará se estão presentes os requisitos legais, os pressupostos para

efetuação da proposta e para realização da transação. Estando estes ausentes, o

144CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.101 145GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.163 146 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.146 147GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.163 148GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995. 3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.166

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magistrado não acolherá a proposta do Ministério Público e conseqüentemente não

homologará a Transação Penal, cabendo recurso de apelação desta decisão.149

Segundo Pazzaglini Filho, o exame de mérito da elaboração da proposta,

encontra-se dentro da discricionariedade facultada pela lei ao Ministério Público,

cabendo ao promotor verificar a oportunidade do oferecimento da proposta. Porém,

a lei adota o princípio da oportunidade regrada, podendo o magistrado, caso não

aceite os termos em que foi elaborada a proposta e a aceitação formulada, em

relação ao seu mérito, utilizar por analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal,

remetendo as peças ao Procurador Geral de Justiça, solicitando que este modifique

a proposta apresentada pelo Ministério Público, indicando outro promotor para

realizá-la. Havendo ratificação do Procurador Geral de Justiça na proposta efetuada,

deve o juiz homologar o acordo.150

Mirabete possui entendimento contrário, eis que considera uma

imparcialidade do julgador e ofensa do devido processo legal, a avaliação do acordo

formulado entre as partes, devendo o mesmo se ater somente à obediência dos

requisitos legais pelas partes quando da formulação da proposta. Observe-se:

Não cabe ao juiz avaliar a proposta, se vantajosa para o Estado ou para o infrator, verificando apenas a adoção da medida proposta, tratando-se, como se trata, de conciliação entre as partes em que se obedeceram aos requisitos legais. Se assim o fizer, interferindo na transação, o juiz estará ofendendo o princípio do devido processo legal e ferindo o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório, em que há nítida separação entre as funções do Ministério Público e do Poder Judiciário. Como já visto, é função exclusiva do Ministério Público a propositura da ação penal e, conseqüentemente da proposta de pena a ser aplicada ao autor do fato. 151

Embora o entendimento contrário de Mirabete, o posicionamento majoritário

da doutrina navega no sentido de que o juiz é obrigado a homologar o acordo tanto

referente à legalidade, bem como em relação ao exame do mérito.

De acordo com De Plácido e Silva: a homologação é o ato pelo qual a

autoridade administrativa ratifica, confirma ou aprova outro ato, a fim de que possa

149PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.54-55 150PAZZAGLINI FILHO, Marino et al.Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.54-55 151MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.150

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investir-se de força executória ou apresentar-se por validade jurídica, para ter

eficácia legal.152

Neste diapasão, observa-se a importância da homologação judicial, pois sem

ela, não é possível a execução da sanção penal acordada entre as partes.

Inexistindo título executório e homologação não há de se falar em execução.153

Importa-se dizer, que a homologação da Transação Penal há de ser feita no

momento do acordado e não posteriormente ao cumprimento do acordo, sob pena

de constrangimento ilegal, eis que o autor do fato estará cumprindo uma medida

criminal sem homologação judicial.154

2.1.5 Natureza Jurídica da decisão judicial que hom ologa a Transação Penal

Com ajuste da Transação Penal entre as partes (Ministério Público e Autor do

Fato), a homologação judicial atribui efetividade às concessões mútuas

manifestadas pelas partes e sacramenta o efeito despenalizador da lei 9.099/95,

expandindo assim, seus reflexos por todo sistema judiciário.

Porém, diante das sanções impostas, ou seja, pena de multa ou restritivas de

direito, podem ocorrer em certos casos, inadimplemento do autor do fato quanto ao

acordo firmado frente ao Ministério Público, surgindo divergência quanto a sua

possibilidade de execução. Logo, existe a necessidade de verificação prévia da

natureza jurídica da sentença homologatória da transação que tem recebido

tratamento disperso pela doutrina e Tribunais.155

2.1.5.1Natureza Jurídica Condenatória A sentença condenatória é aquela que declara a situação existente, criando

para o sentenciado uma situação nova, impondo-lhe uma sanção penal, que será

152 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico , 24 ed, atual.Rio de Janeiro, Forense, 2004, p.685 153MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.150 154GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.138. 155SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.105

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posteriormente executada.156 Em outras palavras a execução é a efetivação da

sentença condenatória.

Segundo Mirabete, a sentença homologatória da Transação Penal, declara a

situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, criando uma situação

jurídica ainda não existente, impondo ao autor do fato uma sanção penal que

ensejará um processo autônomo de execução pelo JECrim ou pelo juiz de

execução, na hipótese de pena restritiva de direito.157

Pazzaglini Filho comunga do entendimento de Mirabete, acrescentando ainda,

que esta sentença homologatória de natureza condenatória tem efeitos dentro e fora

do procedimento, ou seja, tem efeitos materiais e processuais para o futuro, fazendo

coisa julgada formal e material, impedindo novo questionamento sobre o mesmo

fato.158

Assim, entendem a decisão que homologa a Transação Penal como definitiva,

pois a mesma põe fim ao processo com julgamento de mérito, impondo ao autor do

fato uma sanção penal.159 Mirabete entende incabível o recurso de apelação previsto

no artigo 82, caput, da lei 9.099/95, eis que a homologação foi feita nos termos

ofertados pelo Ministério Público e aceitos pelo autor do fato, faltando-lhes interesse

de agir, carecendo de sucumbência. Não há possibilidade da parte alegar

arrependimento pelo acordo efetuado, e nem discutir-se o mérito da questão, haja

vista, que uma vez aceita e homologada, não houve sequer instauração de ação

penal.160

Tourinho Neto observa que o artigo 32 do Código Penal estabelece quais os

tipos de pena, estando presentes a restritiva de direito e a multa. E que durante sua

execução, o autor do fato está privado de seus bens jurídicos, o que salvo prova em

contrário, só podem ser atingidos por sanções penais (liberdade, limitação de fim de

156PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.59 157MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.152 158PAZZAGLINI FILHO, Marino et al.Juizado Especial Criminal : Aspectos Práticos da Lei nº 9.099/95.3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.59 159MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.152 160MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.155

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semana, trabalho gratuito de prestação de serviços a comunidade etc.). Daí, o

entendimento por natureza condenatória.161

Este entendimento já foi defendido pelo Superior Tribunal de Justiça em

meados de 2001, conforme Recurso Especial 223.316/SP, julgado em 23.10.2001 e

publicado no DJ de 12.11.2001, do Rel. Ministro Fernando Gonçalves, que assim

dispõe:

[...] A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração de ação penal.162

Porém, o entendimento sobre o caráter condenatório da decisão

homologatório da Transação Penal é minoritário, e uma vez explicado, passar-se-á

para o entendimento majoritário sobre sua natureza homologatória.

2.1.5.2 Natureza Jurídica Homologatória

Outra parte da doutrina e dos Tribunais, a majoritária, entende a Transação

Penal como de natureza jurídica homologatória. Sustentam seu posicionamento no

fato que a essência do ato em que o Ministério Público propõe a aplicação imediata

de pena não privativa de liberdade, sendo aceita pelo autor do fato, caracteriza um

acordo, uma conciliação, ou uma transação. E na tradição do direito Brasileiro, todas

as vezes que as partes transigem, pondo fim à relação processual, a decisão que

legitima esta convergência de vontades tem caráter homologatório.163

Segundo Grinover, a natureza da decisão que homologa a Transação Penal

não pode ser absolutória, porquanto aplica uma sanção de natureza penal, e nem

condenatória, haja vista, que a sentença que aplica medida alternativa não possui

161 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais : Comentários à lei 9.099/95. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.511. 162 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2001, conforme Recurso Especial 223.316/SP, julgado em 23.10.2001 e publicado no Diário da Justiça de 12.11.2001, do Rel. Ministro Fernando Gonçalves 163BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.11

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qualquer juízo condenatório, faltando os elementos da infração, da prova, da licitude

e da culpabilidade.164

Conforme Bittencourt:

Da simples análise dos fundamentos de política criminal consensual, adotada pelo artigo 98, inciso I, da C.R.F.B/88, e da natureza ontológica da transação penal, chega-se a conclusão inevitável de que a aplicação de pena em decorrência do acordo celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato não tem cunho condenatório nem absolutório, venia concessa: decisão que não enfrenta mérito, convenhamos não pode ser cunhada de condenatória.165

Grande parte dos doutrinadores entende que a Transação Penal tem natureza

homologatória, eis que não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do

autor (que sequer foi formulado), compondo-se a controvérsia de acordo com a

vontade dos partícipes, o que constitui um título executivo judicial166

Igualmente Grinover, Grandinetti atribui à decisão que homologa a Transação

Penal caráter definitivo, pondo fim ao processo com julgamento de mérito,

produzindo coisa julgada material, nada mais restando a processar, devendo o juízo

de execução exigir o adimplemento da pena.167

Este posicionamento foi adotado pela quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, em 04.03 2004, na voz do relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, senão

vejamos:

HABEAS CORPUS. TRANSAÇÃO PENAL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. DESCUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. QUEBRA DA RES JUDICATA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Segundo a orientação dominante nesta Corte, uma vez homologada por sentença a transação penal, o descumprimento da prestação acordada não gera a reabertura da persecutio criminis, porquanto inviável a quebra da coisa julgada material . Por isso, o oferecimento da denúncia e o procedimento daí resultante se afiguram incorretos, cabendo o reconhecimento do constrangimento ilegal. Ordem concedida para anular a ação penal. (grifo nosso).168

164GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.157 165 BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.11 166GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.157 167 CARVALHO, L.G Grandinetti Castanho de; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Comentada e Ampliada. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.103 168 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC n. 28057-SP-2003/0062191-4-STJ-5ª Turma- Rel Ministro José Arnaldo da Fonseca. 04.03.2004-Diário da Justiça , 05/04/2004 p. 286-RJTAMG vol. 95 p. 368

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Os autores acima citados, tanto os que defendem a natureza condenatória,

como os que defendem a natureza homologatória da Transação Penal, admitem a

possibilidade de execução da sanção convencionada, reconhecendo que este

procedimento extingue definitivamente o litígio nascido com a infração penal,

fazendo pelo menos, coisa julgada material.169

Contudo, outra corrente doutrinária apresenta opinião contrária. Este grupo

acredita que a sanção decorrente da Transação Penal é de índole especial, estando

desprovida de reconhecimento de culpabilidade e de conteúdo de reprovação, não

devendo gerar reincidência, folhas de antecedentes e título executivo. Assim,

justificam que a proposta penal tem por finalidade a exclusão do processo e dos

efeitos dele decorrente com a cumulação de regras de conduta ou aplicação de

multa, pontificando que em caso de descumprimento, não se admite a execução,

uma vez que não existe a coisa julgada material, só a formal, voltando o processo ao

estado anterior, permitindo a deflagração de denúncia.170

Os efeitos do Descumprimento da Transação Penal serão vistos no próximo

item.

2.1.6 Conseqüências do Descumprimento da Transação Penal

O descumprimento da sanção alternativa aceita pelo autor do fato é um dos

maiores problemas a serem resolvidos no âmbito do JECrim. Assim, surgem duas

conseqüências possíveis: a) a conversão da pena de multa em pena restritiva de

direitos e, b) a possibilidade ou não de deflagração de denúncia por parte do

Ministério Público.171

Como já demonstrado, a possibilidade de deflagração de denúncia por parte

do Ministério Público, dependerá da natureza jurídica atribuída da decisão que

homologa a Transação Penal, e assim, surgem entendimentos diversos sobre esta

questão, tanto pelos doutrinadores como pelos Tribunais, o que será discutido no

último item deste capítulo.

169SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.104 170SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.105 171GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.143

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Observar-se-á que o acórdão do STF que possibilitou a deflagração de

denúncia por parte do Ministério Público foi omisso quanto ao que fazer com a pena

parcialmente paga pelo autor do fato, possibilitando com esta omissão legislativa,

interpretações diversificadas sobre como impedir o bis in idem do Estado nestes

casos, tornando-se um dos assuntos a serem discutidos no último capítulo deste

trabalho científico.

2.1.6.1 Conversão imediata da pena de multa ou pena restritiva de direito em pena

privativa de liberdade

O artigo 85, caput, da Lei 9.099/95 dispõe que não sendo efetuado o

pagamento da pena de multa, nos termos previstos em lei, transacionadas ou não, a

mesma deveria ser convertida em pena privativa de liberdade.172

Porém, com o advento da lei 9.268/96 que modificou os artigos 51 do Código

Penal e 182, da Lei de execução Penal, ficou proibida a conversão da pena de multa

numa sanção privativa de liberdade, tornando-a uma dívida de valor com aplicação

das regras de legislação para a cobrança das dívidas ativas da Fazenda.173

Tal disposição se estendeu a multa acordada em Transação Penal, eis que a

mesma não se origina de um juízo de culpabilidade ou de uma medição como no

Código Penal, além de que, o fundamento do instituto é evitar a incidência de uma

pena privativa de liberdade, não podendo a lei ir contra seus princípios de criação.174

Ressalta-se que se uma pena de multa aplicada após um processo comum,

com todas as garantias e com um juízo de culpabilidade não pode ser convertida em

pena privativa de liberdade, indubitavelmente, admitir a conversão de pena de multa

originária do consenso entre partes, de um processo simplificativo e renunciativo de

importantes garantias processuais, infringiria o devido processo legal constitucional,

172MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.241 173SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.106 174GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.143

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o contraditório, a presunção de inocência e a ampla defesa, cabendo somente a

execução.175

Este mesmo entendimento foi aplicado no caso das penas restritivas de

direito transacionadas, uma vez que estas também surgem de consenso entre as

partes, onde são renunciadas as garantias constitucionais descritas acima. Observa-

se que além de não existir qualquer previsão legal que autorize seu descumprimento

em pena de prisão na lei 9.099/95, esta pena é autônoma, não cabendo

interpretação in mallam parte.176

Este posicionamento quanto à impossibilidade de conversão de pena de

multa ou pena restritiva de direito inadimplida em pena privativa de liberdade foi

pacificado no entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Observe-

se:

A pena de multa a que se refere o artigo 85 da Lei nº 9.099/95 não é suscetível de conversão em pena privativa de liberdade. Com a edição da Lei nº 9.268/96, não mais subsiste a possibilidade de conversão, em pena privativa de liberdade, da multa a que se refere a legislação penal, achando-se derrogada, por efeito da superveniência daquele diploma legislativo, a norma inscrita no artigo 85 da Lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. (JSTF 267/327)177

E ainda, sobre as penas restritivas de direito:

CRIMINAL. CONDENAÇÃO À PENA RESTRITIVA DE DIREITO COMO RESULTADO DA TRANSAÇÃO PREVISTA NO ART.76 DA LEI N. 9.099/95. CONVERSÃO E PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. DESCABIMENTO. A conversão da pena restritiva de direito (art.43 do Código Penal) em privativa de liberdade, sem o devido processo legal e sem defesa, caracteriza situação não permitida em nosso ordenamento jurídico constitucional, que assegura a qualquer cidadão a defesa em juízo, ou de não ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem a garantia da tramitação de um processo, segundo a forma estabelecida em lei. Recurso não conhecido. (STF, RE 268319-1-PR, rel Min.Ilmar Galvão)178

175GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica. 3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009, p.143 176BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.15 177MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.243 178BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.14

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Neste diapasão, no caso de descumprimento da Transação Penal acordada,

tanto em pena de multa como em pena restritiva de direitos, entende-se vedada sua

conversão em pena privativa de liberdade.179

2.1.6.2 Impossibilidade de deflagração de denúncia

Possui este entendimento a corrente que entende que a Transação Penal faz

coisa julgada material ou coisa julgada formal e material. Assim, eventual

descumprimento da transação inviabilizaria a propositura de nova ação penal pelo

Ministério Público pelo mesmo fato, pois as partes já pactuaram a solução do litígio,

homologado através de um magistrado, cabendo apenas a execução da sanção.180

Para Mirabete, a sentença goza de natureza condenatória, gerando a eficácia

de coisa julgada material e formal, impedindo, mesmo no caso de descumprimento

do autor, a instauração de ação penal. Assim sendo, não cumprindo o infrator o

acordado, cabe ao Ministério Público a cobrança da execução da pena imposta,

devendo prosseguir perante o Juízo competente para sua execução181

Grinover considera inquestionável que a natureza da homologação judicial é

apenas homologatória, passível de fazer coisa julgada material, dela se originando

um título executivo penal. Assim, no caso de inadimplência, nada se poderá fazer, a

não ser executá-la nos termos da lei.182

Já Bittencourt, entende a Transação Penal como uma sentença

homologatória de natureza declaratória constitutiva. Declaratória, pois declara o que

já existe tornando seguro o que até então era inseguro, por meio da coisa julgada,

retroagindo até alcançar a data do fato declarado. Constitutiva, pois, além de

declarar o que já existe, cria uma situação até então inexistente, um novo estado,

179BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.16 180SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001, p.105 181MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.147 182GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.157

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gerando igualmente efeitos ex tunc, criando efeitos materiais e processuais, fazendo

coisa julgada material e formal.183

Observa-se, que no entendimento dos autores citados, a sentença

homologatória de transação gera, pelo menos, eficácia de coisa julgada material,

obstando a instauração de nova ação penal contra o autor do fato, no caso de

descumprimento do acordo.

“Institutos como coisa julgada, preclusão e litispendência não foram

suprimidos nem pela Constituição Federal (art.98,I), nem pela legislação ordinária

que disciplina os Juizados Especiais Criminais [...]”.184

Este é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, especificamente da

5ª e 6ª turma, que contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal como se

verificará no próximo sub-item:

HABEAS CORPUS. TRANSAÇÃO PENAL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. DESCUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. QUEBRA DA RES JUDICATA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Segundo a orientação dominante nesta Corte, uma vez homologada por sentença a transação penal, o descumprimento da prestação acordada não gera a reabertura da persecutio criminis, porquanto inviável a quebra da coisa julgada material . Por isso, o oferecimento da denúncia e o procedimento daí resultante se afiguram incorretos, cabendo o reconhecimento do constrangimento ilegal.Ordem concedida para anular a ação penal. (grifo nosso)185

Para os doutrinadores e Tribunais que adotam esta corrente, a sentença

homologatória, como toda a sentença criminal, produz eficácia de coisa julgada,

portanto, não se pode discutir, na esfera criminal o ius puniendi pelos mesmos fatos,

sob pena de infração da imutabilidade das decisões judiciais. Ademais, não faz parte

do direito processual brasileiro o fato de sentenças aplicadoras de sanções criminais

não serem alcançadas pelo instituto da coisa julgada.186

183BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.20 184BITTENCOURT, César Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais : Análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2 ed, rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p.19. 185BRASIL. Superior Tribunal Federal. HC-28057, SP, 2003/0062191-4-STJ-5ª Turma- Rel Ministro José Arnaldo da Fonseca. 04.03.2004- Diário da justiça 05/04/2004 p. 286-RJTAMG vol. 95 p. 368. 186GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais Lei 9.099/95 : abordagem crítica.3 ed rev.atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009,p.145

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2.1.6.3 Possibilidade do oferecimento da denúncia por descumprimento da

Transação Penal

Este posicionamento é defendido pela minoria dos doutrinadores, porém é o

adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

Para Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, a sanção decorrente

da Transação Penal é de índole especial, sendo desprovida de reconhecimento de

culpabilidade e de conteúdo de reprovação, assim, não gera reincidência, folhas de

antecedentes e título executivo civil. O consenso implica na convergência de

vontades entre o Ministério Público que deixa de instaurar a ação penal, e o autor do

fato, que se submete a uma pena de multa ou algumas regras de adequação de

conduta, que adimplidas, motivarão a extinção da punibilidade. No caso de seu

descumprimento, enseja o oferecimento da denúncia ou a adoção de procedimento

preparatório para este desiderato, retornando-se ao status quo ante.187

Neste sentido, para esta corrente, a Transação Penal não tem por objeto

imediato a não punição do infrator, mas a não propositura de uma ação penal,

evitando-se, de maneira secundária os efeitos daí resultantes. Assim, o caso de

inadimplemento do acordo não pode redundar em imediata aplicação de pena, mas

sim no objeto da transação, o processo penal. Por uma questão de coerência, a

sentença homologatória da transação não faz coisa julgada material, mas tão

somente formal, funcionando como instrumento de controle jurisdicional da

legalidade do acordo encetado.188

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, através do acompanhamento do

voto do Rel. Ministro Marco Aurélio no Hábeas Corpus 79.572-2-GO, julgado em

22.02.2000, com publicação no diário de justiça em 29.02.2002, impediu a imediata

conversão da pena restritiva de direito em pena privativa de liberdade por

descumprimento do acordado, porém admitiu a possibilidade de oferecimento da

denúncia, eis que o descumprimento do termo da transação consiste na declaração

de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, não se esgotando

187DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Juizados Especiais Criminais: Comentários Lei 9.099 de 26/09/95. Rio de Janeiro: Aide Editora e Comércio de livros, 1996, p.65-66 188DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Juizados Especiais Criminais: Comentários Lei 9.099 de 26/09/95. Rio de Janeiro: Aide Editora e Comércio de livros, 1996, p.65-66

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a pretensão punitiva do Estado, podendo o Ministério Público optar pelo

oferecimento da denúncia. Observe-se:

RANSAÇÃO. JUIZADOS ESPECIAIS. PENA RESTRITIVA DE DIREITO. CONVERSÃO. PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DE LIBERDADE. DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente da transação, em pena privativa do exercício de liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade do Ministério Público vir a requerer a instauração de inquérito ou instauração da ação penal, ofertando a denúncia.189

No referido acórdão, o Ministro Marco Aurélio justifica sua posição atribuindo

força de título executivo judicial à sentença homologatória da Transação Penal,

ficando esta submetida a cláusula resolutiva estampada pelo descumprimento do

acordado, conforme enunciado 21, proclamado no 4º Encontro dos Coordenadores

dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais realizado no Rio de Janeiro que assim

dispõe:

O inadimplemento do avençado na Transação Penal, pelo autor do fato, importa em desconstituição do acordo e, após, cientificado o autor do fato e seu defensor, determina a remessa dos autos ao Ministério Público190

Assim, diante do inadimplemento do autor do fato, a Transação Penal não

surte seus efeitos, sendo desconstituído o acordado, retornando-se ao estado

anterior, não se esgotando o ius puniendi estatal, permitindo ao Ministério Público

persecução criminal através do oferecimento da denúncia.

Os adeptos da corrente que sustenta o início da ação penal em caso de

descumprimento da transação penal, a qual se filia este trabalho, não vêem coisa

julgada material na decisão homologatória e, sim, perda de sua eficácia pelo

descumprimento do acordo, retornando seu estado ao anterior.

Oportuna a lição de Pontes de Miranda:

Se os efeitos da declaração de vontade dependem do adimplemento da contraprestação ou a declaração de vontade, prestada pelo Estado, não compôs o negócio jurídico, por ser necessário que outra declaração de vontade ou algum ato de credor seria emitido, ou a declaração de vontade só tem os efeitos obrigacionais ou reais após contraprestação. Esses pormenores não importam no que concerne

189 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus n.795772, GOIÁS, GO – Relator Min. Marco Aurélio. Decisão:22.02.2000. publ.Diário da justiça 29.02.2002 (unânime) 190 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus n.795772, GOIÁS, GO – Relator Min. Marco Aurélio. Decisão:22.02.2000. publ. Diário da justiça 29.02.2002 (unânime)

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à rescindibilidade da sentença que presta a declaração. Se, depois, de ser contraprestada a declaração que se fazia mister e o prazo para ser contraprestada precluiu, tudo se passa como a respeito da oferta a que se não seguiu aceitação: o negócio jurídico bilateral não se concluiu 191

Com base na citação anterior, a perda da eficácia se dá pelo descumprimento

total ou parcial do transacionado, já que somente o cumprimento integral significa

adimplemento da obrigação e determina a extinção do poder de punir estatal,

gerando eficácia na coisa julgada material.

191 MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil , tomo VI. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p.582

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3. DETRAÇÃO PENAL E SUA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO

OFERICIMENTO DA DENÚNCIA PELO DESCUMPRIMENTO

PARCIAL DA TRANSAÇÃO PENAL, SOB PENA DE BIS IN IDEM.

3.1 DETRAÇÃO PENAL

3.1.1 Histórico

O Direito Penal que vigorou no Brasil no período do descobrimento até a

independência, tinha como fonte formal o livro V das Ordenações do Reino. Este

esteve presente nas Ordenações Afonsinas, em 1521, quando passaram a vigorar

as Ordenações Manuelinas, estando também presente, durante o reinado de Felipe

II, da Espanha, em Portugal, com a restauração da Monarquia, as Ordenações

Filipinas permaneceram em vigência até a sanção do Código Criminal do Império em

16/12/1830. Observa-se a inexistência de qualquer vestígio do instituto de Detração

neste período.192

Durante a vigência do Código Criminal do Império do Brasil, percebe-se que

nas disposições do artigo 37, Capítulo II, do referido Código Repressor, existe uma

proibição ao reconhecimento do instituto, igualmente ao Código Penal dos Estados

Unidos do Brasil, no artigo 68 e seus parágrafos, previstos no Decreto nº 847 de 11

de outubro de 1890193.

Com o Código Penal de 1940, através do Decreto Lei nº 2848, de 07 de

dezembro de 1940, pelo artigo 34, verifica-se o primeiro momento legal do instituto.

Percebe-se que o referido dispositivo não previa a contagem de tempo para a prisão

administrativa e não aplicava o instituto às Medidas de Segurança, exigindo

inovações.194

192ANDREOLA, Gotardo Antonio. Detração Penal. Centro de Pós Graduação, Itajaí, UNIVALI, 1993, p.10 193ANDREOLA, Gotardo Antonio. Detração Penal. Centro de Pós Graduação, Itajaí, UNIVALI, 1993, p.10 194DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604

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Assim, este projeto do novo Código Penal, que teria vigência a contar de 01

de julho de 1974, não chegou a entrar em vigor, haja vista, que o decreto lei 1004

teve sustada sua eficácia, uma vez que o artigo 32, parágrafo único, do referido

dispositivo permitia a detração da pena no caso de excesso de tempo, reconhecido

em decisão judicial irrecorrível, no cumprimento de pena por outro crime, desde a

decisão seja posterior ao mesmo.195

Segundo Mirabete:

Evidentemente, deve-se negar à detração a contagem de tempo de recolhimento quando o crime é praticado posteriormente à prisão provisória, não se admitindo que se estabeleça uma espécie de conta corrente de créditos e débitos do criminoso.196

Esta posição repete-se no entendimento de Guilherme Nucci, observe-se:

Consoante entendimento majoritário, o nosso ordenamento jurídico não veda expressamente a aplicação do instituto de detração utilizando-se período de prisão cautelar referente a outro feito. Não se exige o nexo processual, ou seja, é lícito descontar o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade o período que o condenado esteve preso preventivamente outro processo. A única ressalva a ser feita e a seguinte: a detração apenas será viável nos autos de execução penal de processo referente a crime praticado anteriormente àquele pelo qual o condenado foi preso cautelarmente, sob pena de se estar criando uma espécie de saldo credor em favor do reeducando, o que evidentemente não se pode admitir.197

Finalmente, com a reforma penal, através da lei 7.209, de 13 de julho de

1984, que modificou a parte geral do Diploma Repressivo, o instituto obteve a

denominação de DETRAÇÃO, sob o seguinte teor contido no artigo 42, caput, do

Código Penal de 1940, senão vejamos:

Artigo.42-Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. 198

Texto que continua em vigência até a presente data.

195ANDREOLA, Gotardo Antonio. Detração Penal. Centro de Pós Graduação, Itajaí, UNIVALI, 1993, p.10 196MIRABETE, Julio Fabrinni. Código Penal Interpretado . 6 ed. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, p.383 197NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.360 198GRECO. Rogério. Código Penal Comentado . Niterói-RJ. Impetus, 2008, p.177

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3.1.2 Conceito

A Detração Penal consiste no abatimento de pena privativa de liberdade e de

medida de segurança, do tempo que o sentenciado sofreu prisão cautelar,

administrativa ou internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou

mesmo em outro estabelecimento similar.199

Segundo Rogério Greco, é muito comum a prisão provisória ocorrer antes do

trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo assim razoável, “que aquele

que estava preso, aguardando julgamento, se ao final vier a ser condenado, esse

período em que foi privado de sua liberdade deva ser descontado quando do

cumprimento de sua pena.” 200

Bittencourt considera que esse “período anterior à sentença penal

condenatória é tido como pena ou medida de segurança efetivamente cumpridas.”201

Igualmente aos autores anteriormente citados, Mirabete tem por objeto da

detração, o tempo de prisão provisória ou medida de segurança em que o

sentenciado esteve recolhido anteriormente à sentença transitada em julgado,

contudo, mediante ao entendimento de que a lei 9.714/98 que deu nova redação ao

artigo 44 do CP do Código Penal, permitindo o tempo da pena restritiva de direito na

fase de conversão, entende ser possível à aplicação da Detração Penal as mesmas

por medida de eqüidade, eis que existe omissão no texto legal.202

Passa-se então, a conceituação das prisões provisórias, administrativas,

medida de segurança e penas restritivas de direito, objeto do próximo tópico.

3.1.3 Tipos de Prisões e Medidas de Segurança que p ermitem a Detração Penal 3.1.3.1 Prisão Provisória Segundo Luiz Regis Prado:

199DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral . 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604 200GRECO. Rogério. Código Penal Comentado . Niterói-RJ. Impetus, 2008, p.177 201BITTENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado .4 ed. atual, São Paulo, 2007, p.166 202MIRABETE, Julio Fabrinni. Código Penal Interpretado . 6 ed. reimpr.São Paulo:Atlas, 2007, p.383

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A prisão provisória mencionada pela lei é a prisão processual, ou seja, a prisão que pode ocorrer previamente à sentença condenatória irrecorrível. Esse termo – “prisão provisória” deve ser interpretado de modo amplo, abarcando todas as medidas cautelares de restrição de liberdade. Engloba, pois, a prisão em flagrante, temporária, a prisão preventiva e também a prisão decorrente de sentença de pronúncia e de decisão condenatória recorrível.203

René Ariel Dotti compreende prisão provisória, utilizando-se da interpretação

extensiva dada à norma, como “todas as modalidades de privação de liberdade

antes da sentença condenatória transitada em julgado”. Algumas delas com

natureza cautelar, outras não, mais sem nenhuma restrição para aplicação do

instituto.204

Paulo José da Costa Junior, observa, que o anterior artigo 34 do Código

Penal autorizava a detração do tempo correspondente a prisão preventiva, bem

como da prisão provisória, sendo que o dispositivo atual em vigência, modificado

pela Lei 7.209, de 1984 fez alusão somente, à Detração Penal da prisão provisória.

Assim, pugna pela interpretação extensiva em sentido amplo do dispositivo, eis que

se o legislador estendeu o cômputo do cumprimento à prisão administrativa e à

Medida de Segurança.205

Observe-se seu ensinamento:

O anterior artigo 34 do Código Penal autorizava expressamente a detração, quer do tempo correspondente à prisão preventiva, quer do correspondente a prisão provisória. A Lei 7.209, de 1984, aludiu apenas a detração do tempo da prisão provisória. Semelhante restrição poderia, numa interpretação gramatical do texto, levar o aplicador da lei penal entender que o tempo referente a prisão preventiva não pudesse mais ser descontado da pena privativa de liberdade a ser cumprida. A mens legis não deve ter sido esta. Se o legislador estendeu ao cômputo o tempo cumprido em medida de segurança e da prisão administrativa, não iria restringir neste ponto, a detração. Dever-se-á emprestar à expressão “prisão provisória” um significado amplo, de molde a abarcar todas as modalidades de prisão cautelar: tanto a prisão provisória decorrente de flagrância ou da pronúncia, quanto a prisão preventiva.”206

203PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.203 204DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604 205COSTA JUNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado . 9 ed. ver. Ampl. Atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007, 160 206COSTA JR, Paulo José da. Código Penal Comentado . 9 ed. ver. Ampl. Atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007, 160

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Entende-se, portanto, que a prisão provisória “são todas as formas de prisão

cautelar previstas no processo penal: a) prisão temporária; b) prisão preventiva; c)

prisão em decorrência de flagrância; d) prisão decorrente da pronúncia; e) prisão em

virtude de sentença condenatória recorrível; f) prisão para extradição.207

3.1.3.2 Prisão Administrativa

A prisão administrativa consiste na solicitação de autoridade administrativa,

devidamente fundamentada ao órgão judiciário, pugnando pela decretação da prisão

a outrem. Os exemplos deste tipo de prisão são a do estrangeiro em procedimentos

de deportação, expulsão, ou extradição; a prisão administrativa na seara militar; a

prisão contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto

nacional; prisão de remissos ou omissos em entrar para cofres públicos com os

dinheiros a seu cargo, entre outros.208

Observa-se que esta espécie de prisão não pode mais ser decretada por ato

de ofício da autoridade administrativa, eis que a Súmula 280 do Superior Tribunal de

Justiça confirmou a revogação do artigo 35 do Decreto Lei 7.661 de 1945, o qual

estabelecia a prisão administrativa, com fulcro no artigo 5º, inciso LXI e LXVII da

CRFB/1988.209

Porém há entendimento diverso e oriundo do Supremo Tribunal Federal, no

sentido de admitir, ainda, esta modalidade de prisão, no caso de imposição por

autoridade judiciária, desde que devidamente fundamentada.210

207NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.359 208PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.203 209COSTA JR, Paulo José da. Código Penal Comentado . 9 ed. ver. Ampl. Atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007, 160 210210DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604

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3.1.3.3 Medida de Segurança ou Internação Hospitalar

O Código Penal, em sua redação original, não aplicava o instituto da Detração

Penal à Medida de Segurança.211 Com as inovações trazidas a baila pela Lei nº

7.209/84, de igual modo, passou a computar-se o tempo durante o qual encontrava -

se internado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou em outro

estabelecimento da espécie.212

É certo que o levantamento da Medida de Segurança não depende do

decurso de tempo, mas sim, das condições do agente, porém, também se

demonstra acertado que o internamento aplicado em caráter provisório deve ser

considerado para a contagem do prazo mínimo determinado à perícia de

avaliação.213

Neste norte, o desconto deve ser feito no prazo mínimo de internação ou

tratamento ambulatorial, estipulado como de 1 a 3 anos, conforme artigo 97,§1º do

Código Penal. Logo, o entendimento majoritário da doutrina segue no sentido de que

a regra da Detração Penal em relação à Medida de Segurança se justifica para

contar o tempo para a realização obrigatória do exame de averiguação de

periculosidade ao termo do prazo mínimo.214

Observe-se o entendimento de DOTTI sobre o tema:

Com efeito, diz o §1º do artigo 97 do Código Penal que a internação ou tratamento ambulatorial terão tempo determinado enquanto persistir a periculosidade. O prazo mínimo a ser determinado varia entre 1 a 3 anos. A perícia de verificação de periculosidade deverá ser realizada no prazo mínimo a ser fixado pelo juiz e repetida de ano em ano ou quando determinar o juiz da execução. Embora tal determinação possa ocorrer em qualquer tempo, ainda no prazo mínimo de duração da medida de segurança, (LEP, art.176), a regra ora em estudo se justifica para o efeito de se computar o tempo de internamento provisório no prazo mínimo de exame obrigatório de averiguação de periculosidade.215

211DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604 212PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.203 213DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604 214NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.359 215DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.604

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70

Observa Prado, que se sobrevier doença mental ou perturbação da saúde

mental quando do curso da execução da pena privativa de liberdade, o Juiz, a

requerimento do Ministério Público ou autoridade administrativa, poderá determinar

a substituição da pena por Medida de Segurança, entretanto, neste caso, o tempo

de internação será regulado pelos dispositivos relativos à Medida de Segurança,

previstos no artigo 97,§1º do Código Penal.216

3.1.3.4 Penas Restritivas de Direito

As penas restritivas de direito estão previstas no artigo 43 e incisos no Código

Penal. As referidas penas são tidas como autônomas, eis que inadmissível sua

cumulação com a pena privativa de liberdade. São substitutivas destas últimas, eis

que para sua aplicação, exige-se em uma etapa preliminar, a fixação do quantum

correspondente à privação da liberdade, para depois promover sua conversão em

pena restritiva de direito, quando possível. No caso dos Juizados Especiais

Criminais, objeto deste estudo, as penas restritivas de direito tem natureza

alternativa, pois são aplicadas independentemente da fixação de pena privativa de

liberdade.217

Segundo Delmanto, o descumprimento injustificado da pena restritiva de

direito enseja sua conversão em privativa de liberdade, assim, deve-se descontar-se

para este cálculo, o tempo cumprido das penas restritivas de direito.218

Mirabete relembra oportunamente, que o dispositivo referente à detração

penal foi omisso quanto às penas restritivas de direito, contudo, a omissão foi

suprida com a Lei nº 9.714/98, que propiciou uma nova redação ao artigo 44, do

216 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.203 217 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.205 218 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.152

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71

Código Penal, permitindo o desconto do tempo cumprido da pena restritiva de

direito, no caso de conversão a pena restritiva de liberdade,219

Assim, considera-se comprovado, que diante da omissão do legislador quanto

à aplicação do instituto de Detração Penal, nas penas restritivas de direito, tanto o

entendimento doutrinário como jurisprudencial, giram no sentido da admissão da

interpretação analógica do dispositivo, permitindo sua aplicação as sanções acima

mencionadas, consistentes na limitação de fim de semana e prestação de serviços a

comunidade, bem como às interdições temporárias de direitos.220

3.1.4 Detração e Nexo Processual

O artigo 42 do Código Penal é omisso quanto à possibilidade de detração

penal da pena ou medida de segurança de um processo do tempo cumprido no

outro. Neste caminho surgem três correntes: a) àquela que entende que é

necessário que o tempo de prisão ou medida de segurança cumprida

provisoriamente, tem que ser referente ao mesmo processo para admitir a Detração

Penal; b) àquela que possui o entendimento de que não é necessário que o tempo

de prisão provisória se refira ao mesmo fato ou processo, admitindo a detração

penal, no caso de que o crime que tenha a pena detraída tenha sido cometido

anteriormente a absolvição ou extinção de punibilidade do outro; c) e aquela, que

entende que independentemente do crime ser referente ao mesmo processo ou não,

havendo o réu sido submetido à medida de segurança ou prisão provisória, sendo

posteriormente absolvido ou tendo extinta sua punibilidade, o tempo que esteve

preso cautelarmente deve ser abatido da sentença condenatória de processo

posterior ou anterior, ao julgado. Assim, passa-se a explicação de cada uma das

correntes nos próximos subitens.221

219MIRABETE, Julio Fabrinni. Código Penal Interpretado . 6 ed. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, p.383 220BITTENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado . 4 ed. atual, São Paulo, 2007, p.166 221DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.152

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3.1.4.1 Necessidade de nexo causal entre o fato criminoso, a prisão provisória

decretada e a pena aplicada

Segundo Nucci, este entendimento é a posição majoritária, uma vez que

combinado o artigo 42, caput, e 34, caput, ambos do Código Penal, mais o artigo

672, caput, do CPP, chega-se a concluir que a prisão computável na duração da

pena deve relacionar-se com o fato que é objeto da condenação.222

Observe-se o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal que

caminha neste sentido:

A prisão computável na duração da pena deve se relacionar com o fato que é objeto da condenação. Aplicação dos artigos 34 do Código Penal e 672 do CPP. (STF-RHC 48.178-SP, 2ª Turma, Rel. Eloy da Rocha, 20.03.1971)223

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por seu Relator José Cândido

de Carvalho Filho, em 26.10.1992, no Habeas Corpus 2.184-2 – SP ratificou o

entendimento no sentido da necessidade de existência do nexo causal entre a prisão

provisória e a pena privativa de liberdade, senão vejamos:

O melhor entendimento da doutrina e da jurisprudência firma-se na necessidade de que haja nexo de causalidade entre a prisão provisória e a pena privativa de liberdade. (STJ-RHC 2.184-SP, 6ª Turma, Rel. José Cândido de Carvalho Filho, 26.10.1992).224

Mirabete possui este mesmo posicionamento. Porém, admite a prisão

ocorrida no processo, embora por crime conexo ou contingente, sendo negada a

detração por outro processo em que o réu foi absolvido ou em que se decretou a

extinção de punibilidade. Observe-se:

Em orientação restrita, entende-se que deva ser computada apenas a prisão provisória relacionada com o fato que é objeto da condenação, admitindo-se também a prisão ocorrida no processo, embora por outro crime conexo, sendo negada a detração pela prisão por outro processo em que o preso foi absolvido ou em que se decretou a extinção de punibilidade.225

222NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.360 223NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.360 224NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.360 225MIRABETE, Julio Fabrinni. Código Penal Interpretado . 6 ed. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, p.383

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Observe-se que a situação apresentada acima, se adapta perfeitamente ao

objeto deste trabalho científico, o qual o sentenciado cumpriu parcialmente o

transacionado, sendo remetido ao julgamento pelo mesmo fato devido ao

oferecimento da denúncia por descumprimento parcial da transação acertada,

mesmo que em procedimento processual diverso, sendo passível de aplicação de

Detração Penal.

Concluindo-se este item, Delmanto considera superado e inaceitável este tipo

de entendimento, eis que o artigo 111 da Lei de Execução Penal, admite

expressamente a detração penal no mesmo processo como em processos distintos,

devendo ser aplicada a detração para condenações proferidas por crimes cometidos

anteriormente, o que será o objeto do tópico abaixo.226

3.1.4.2 Desnecessidade de nexo causal entre o fato criminoso, a prisão provisória

decretada e a pena aplicada

Esta corrente é defendida por Luiz Regis Prado, entre outros. Consiste na

desnecessidade do nexo causal entre o motivo da prisão provisória e a sanção penal

imposta ao condenado, admitindo a detração por prisão em outro processo, desde

que a prática deste delito, em virtude do qual o condenado cumprirá pena tenha sido

anterior à sua prisão.227

Neste sentido, navega o entendimento jurisprudencial da 5ª turma do Superior

Tribunal de Justiça, observe-se:

É admissível a detração do tempo de prisão processual ordenado em outro processo em que o sentenciado foi absolvido ou declarada a extinção de sua punibilidade, desde que a data do cometimento do crime de que se trata a execução seja anterior ao período pleiteado. (STJ - Resp 711054/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, D.J 14.05.2007, p.375)228

226DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro/RJ: Renovar, 2007, p.152 227PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.203 228GRECO. Rogério. Código Penal Comentado . Niterói-RJ. Impetus, 2008, p.178

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Segundo DOTTI, o período de prisão provisória por fato diverso do que

resultou a condenação, deve ser abatido da pena imposta em outro crime, ainda que

o mesmo não esteja sendo apurado no mesmo processo. Respalda tal

entendimento, na regra que se extrai do artigo 111 da Lei de Execução Penal que

admite a detração, quando houver condenação por mais de um crime no mesmo

processo ou processo diverso no caso de unificação das penas.229

Prado frisa que a interpretação do artigo 111 da Lei de Execução Penal, bem

como o artigo 42, caput do Código Penal, devem corroborar com a supressão do

parágrafo único do artigo 42 do Código Penal, que dispunha que devia-se computar

no desconto da sentença condenatória por outro crime, o tempo indevidamente

cumprido, relativo à condenação por crime posterior, invalidada em sentença

irrecorrível. Salienta que a atitude do legislador em aplicar a detração somente a

sentenças condenatórias por crimes cometidos anteriormente, é evidente. Caso

contrário, estaria se estabelecendo uma espécie de conta corrente em favor do

condenado, que, absolvido no primeiro processo, ficaria com um crédito contra o

Estado, a ser usado para impunidade de posteriores infrações.230

Neste sentido, a observação de Paulo José da Costa Junior:

A nova Parte Geral do Código parece ter adotado este entendimento, o de aceitar a detração somente por crime anteriormente cometido. Tanto que o parágrafo único, que constava no Anteprojeto, foi extirpado do texto definitivo. O parágrafo achava-se vazado nos seguintes termos: ‘Computa-se, igualmente, o tempo indevidamente cumprido, relativo à condenação por crime posterior, invalidada em decisão judicial irrecorrível.’ Se o legislador pretendesse que fosse feita a detração, por crime cometido posteriormente, teria conservado o dispositivo. Andou bem em eliminá-lo. Admitir a detração em semelhante hipótese seria reconhecer um crédito penal do réu, em confronto com o Estado, o que é inadmissível e absurdo. 231

Observe-se o entendimento jurisprudencial sobre o tema:

Para a detração, é necessário que o tempo de encarceramento provisório, isto é, período anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, seja referente ao mesmo feito, ou que seja referente a outro processo, mas desde que o fato delituoso tenha sido praticado em data anterior a prisão. O artigo 42 do CP determina que seja computado na pena privativa de liberdade o tempo de prisão

229DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.605 230PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal : doutrina, jurisprudência selecionada, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 4 ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.203 231COSTA JR, Paulo José da. Código Penal Comentado . 9 ed. ver. Ampl. Atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007, 161

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provisória; por óbvio refere-se ao recolhimento cautelar em razão do fato que culminará na privação da liberdade. O artigo 111 da LEP trata, como se pode observar, de condenações que sobrevenham no curso da execução penal. Portanto, não há previsão legal em nosso ordenamento jurídico que sustente a citada conta corrente de penas. (TJSP - Ag 333.664-3, 3ª Câmara, Rel. Luiz Pantaleão, D.J 27.08.2002)232

Diante do exposto, verifica-se que a jurisprudência e a doutrina mais liberal,

têm admitido a detração por prisão ocorrida em outro processo, desde que por crime

cometido anteriormente.233

3.1.4.3 Da desnecessidade de existência do nexo causal entre o fato, a prisão

provisória decretada e a pena plicada, bem como da anterioridade e posterioridade

do crime noticiado

Esta posição é defendida por parte minoritária da doutrina e jurisprudência.

Alguns doutrinadores não acolhem a objeção fundamentada de que na hipótese do

artigo 111 da Lei de Execução Penal, haveria um tipo de saldo credor do condenado

para com o Estado, relativamente à condenação futura, por absolvição de crime

praticado anteriormente.234 Logo, se a imputação sobre o fato anterior foi julgada

improcedente, por falta de justa causa ou outra fundamentação, ou se antes da

denúncia, o inquérito policial foi arquivado pela demonstração de inocência ou outra

causa diversa, a prisão cautelar caracteriza-se como erro judiciário, obrigando o

Estado a indenizar o ofendido, conforme artigo 5º, inciso LXXV, da CRFB/88.235

Comunga deste entendimento, Paulo José Costa Júnior, o qual entende ser

preferível admitir o instituto em qualquer possibilidade do que o Estado ficar devendo

a liberdade a quem dela foi privado, sem justa causa, qualquer que seja o motivo da

prisão. Veja-se:

Parte da jurisprudência entendeu eqüitativo creditar ao réu a prisão efetiva, por ser preferível sacrificar a pureza dos princípios teóricos a

232NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.360 233BITTENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado . 4 ed. atual, São Paulo, 2007, p.166 234DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.605 235DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. ver.atual São Paulo: Forense, 2005, p.605

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fazer um homem pagar por infração que se apurou não existir. Entendemos, com Eliezer Rosa, que a detração deverá ser concedida, em todas as hipóteses referidas. ‘A liberdade da pessoa humana é de tal importância no Estado democrático que tem que ser creditada a qualquer um o tempo durante o qual esteve dela privado por ordem da autoridade [...]’ ‘O Estado não pode ficar devendo a liberdade a quem dela foi privado sem justa causa, qualquer que seja o motivo da prisão’.236

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já se pronunciou neste sentido,

vejamos:

Cidadão foi preso sem razão alguma. Após, é preso regularmente. Que fazer? Remeter o cidadão ao juízo cível, perpetuar-lhe o dano sem motivo algum ou conceder-lhe a detração? Ora, se a opção do agravante for a detração não vejo razão para a negativa. É repor a injustiça e bem: a paga é feita com a mesma moeda. Não me preocupa na espécie, cerca de 30 dias em mais de 35 anos de prisão – a retórica da conta corrente porque efeito prático algum se faz presente. [...]. Desde meu olhar, a prisão injusta - sempre e sempre- deve ser recuperada pelo cidadão. E a detração é a maneira apropriada pelo sistema. (TJRS – Ag 700007426133, 5ª Câmara Criminal, Rel. Amilton Bueno de Carvalho, d.j 10.12.2003).237

Fundamento que não pode ser descartado na confrontação da Lei de

Execução Penal com a CRFB/88. Passe-se no próximo item, a discutir-se a relação

da Detração Penal como o Bis in Idem.

3.1.5 Detração Penal e Bis in Idem

Neste item, será abordado o conceito de coisa julgada e detração penal

relacionado com o bis in idem, além da possibilidade de aplicação da detração penal

às penas restritivas de direito, prisão cautelar e medidas de segurança.

Segundo Ada Pelegrinni Grinover, o conceito de coisa julgada para com o

direito penal é:

[...] o comando emergente de uma sentença. Não se identifica com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis,

236COSTA JR, Paulo José da. Código Penal Comentado . 9 ed. ver. Ampl. Atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007, 161 237NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.361

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além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato.238

A coisa julgada pode ser formal ou material. Formal quando fica limitada ao

processo que com ela se encerra. Material quando transcende nos seus efeitos para

atingir processo posterior sobre o mesmo litígio. Criam - se vínculos e limitações de

natureza processual e material que impedem o bis in idem, ou seja, o reexame do

mérito da questão decidida em outro processo perante as mesmas partes.239

O fundamento da coisa julgada repousa exatamente na necessidade que tem

o Estado de garantir a todos os indivíduos (partes ou não no processo) que os

conflitos que foram objeto de julgamento e, portanto, de apreciação pelo Estado,

terão um fim com a decisão judicial de forma a não mais se admitir discussão.240

O fundamento do instituto da autoridade da coisa julgada está na necessidade

de aplicar e assegurar a ordem jurídica estabelecida pelas leis do Estado. Trata-se

de um garantismo penal do acusado de que as questões decididas pelo juiz, em sua

sentença, não poderão ser revistas, salvo se for em benefício do réu, através da

revisão criminal.241

No âmbito de proteção à coisa julgada, surge a vedação do bis in idem no

artigo 8º, inciso IV, da Convenção Americana de Direitos Humanos, o que foi

recepcionado no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

Segundo Mongenout:

O princípio representa uma garantia ao acusado que tenha sido absolvido ou condenado por sentença transitada em julgado. Não poderá o Estado deduzir uma pretensão punitiva que tenha por objeto o mesmo fato, contra o mesmo acusado [...].242

O Código Penal, em dois dispositivos da parte geral, adotou expressamente o

princípio do nom bis in idem, utilizando como remédio jurídico o instituto da detração

penal.

238GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais : Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002, p.86 239BONFIM, Eduardo Mongenout. Curso de Processo Penal . 2 ed.São Paulo. Saraiva: 2007, p.59 240LIMA, Marcellus Polastri (coord). Juizados Especiais Criminais : na forma das leis nº 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.137 241BONFIM, Eduardo Mongenout. Curso de Processo Penal . 2 ed.São Paulo. Saraiva: 2007, p.82 242BONFIM, Eduardo Mongenout. Curso de Processo Penal . 2 ed.São Paulo. Saraiva: 2007, p.59

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O primeiro deles é o artigo 8º, que possibilita a atenuação ou desconto da

pena cumprida no estrangeiro da pena imposta no Brasil pelo mesmo fato. Evita-se

assim, a dupla punição - bis in idem.243

O segundo dispositivo a vedar a dupla punição e o artigo 42, que prevê a

detração, consistindo na possibilidade de se descontar na pena ou na medida de

segurança, o tempo de prisão ou de internação que o condenado cumpriu

provisoriamente, seja no Brasil ou no estrangeiro.244

Dotti, em singular explicação, diz quanto à finalidade do instituto245:

[...] há um princípio clássico de justiça segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. A detração penal visa impedir que o Estado abuse do poder-dever de punir, sujeitando o responsável pelo fato punível a uma fração desnecessária da pena sempre que houver a perda de liberdade ou a internação em etapas anteriores à sentença condenatória [...].

“O ponto determinante está em impedir a dupla punição do Estado, pouco

importando se a pena for privativa ou não de liberdade, já que a questão não gira na

qualidade da sanção e sim na sua existência.”.246 O dispositivo penal fez menção

somente ao abatimento da prisão cautelar e tempo de internação da pena privativa

de liberdade e medida de segurança, nada prevendo quanto à detração da pena

restritiva de direito ou pecuniária do tempo de prisão provisória.247 O próprio

doutrinador entende esta omissão legal como inexplicável, e aponta a solução para

este caso, o reconhecimento da Detração Penal, por medida de equidade, senão

vejamos:

[...] deve-se reconhecer a detração nessa hipótese por medida de eqüidade. Assim, se esteve o sentenciado preso preventivamente por três meses, tal prazo deve ser descontado, por exemplo, dos quatro meses de limitação de fim de semana ou de prestação de serviços à comunidade que lhe forem aplicados à pena privativa de liberdade. Solução diversa implica em tratamento mais severo para os que, por suas condições pessoais, merecem da lei o tratamento mais benigno da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.248

243PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico Penal e Constituição . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.238 244DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro/RJ: Renovar, 2007, p.152 245DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal , Parte Geral, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 604/605 246MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 263 247MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 264 248MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 264

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A doutrina é unânime a indicar a possibilidade de detração penal para as

penas restritivas de direito. Por isto cita a prestação de serviços à comunidade,

limitação de finais de semana e interdição temporárias de direito, únicas a

substituírem a pena privativa de liberdade pelo mesmo tempo de sua duração.249A

lacuna legal do artigo 42 do Código Penal admite analogia, ou seja, a norma penal

que prevê situação semelhante aplica-se ao caso não previsto, é a analogia in

bonam partem, que vem para impedir a dupla punição pelo mesmo fato criminoso.250

O que se aplica perfeitamente ao trabalho científico desenvolvido até o momento.

3.1.6 A possibilidade de aplicação da Detração Pena l, no caso de denúncia

deflagrada por descumprimento parcial da Transação Penal

Como demonstrado ao longo deste trabalho científico, não obstante aos

diversos entendimentos sobre a natureza jurídica da sentença da Transação Penal,

o posicionamento majoritário do STF é que a mesma consiste em uma sentença

homologatória, decorrente de uma prestação jurisdicional, porém, o seu

descumprimento, mesmo que parcial, enseja a possibilidade de deflagração de

denúncia por parte do Ministério Público, eis que o descumprimento em si, é uma

cláusula resolúvel do acordo firmado entre as partes, e assim, a coisa julgada perde

a eficácia, voltando o processo ao seu estado anterior, ou seja, permitindo uma nova

prestação jurisdicional pelo mesmo fato.251

Neste viés, o Estado estaria cometendo o bis in idem, eis que após uma

sentença transitada em julgado, estaria submetendo o réu a novo julgamento pelo

mesmo fato, aplicando uma nova sanção ao condenado, haja vista, que conforme o

objeto deste trabalho, a sanção foi cumprida parcialmente. Observe-se o

entendimento de Bonfim:

O princípio representa uma garantia ao acusado que tenha sido absolvido ou condenado por sentença transitada em julgado. Não

249 BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940) . Artigo 55, caput do Código Penal Brasileiro de 1940. Lex: vade mecum, 6 ed. São Paulo: Saraiva,2008 250 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.441 251 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus n.795772 – GO - Decisão: 22.02.2000. publ.Diário da justiça em 29.02.2002(unânime)

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poderá o Estado deduzir uma pretensão punitiva que tenha por objeto o mesmo fato, contra o mesmo acusado [...]252

Importa dizer, que o réu está sendo submetido ao julgamento pelo mesmo

fato, e não pelo crime de desobediência pelo descumprimento da sentença, uma vez

que de acordo com o acórdão prolatado pelo STF no HC 84976/SP, o

descumprimento da Transação Penal não enseja a propositura de nova ação penal

para o crime de desobediência, previsto no artigo 330, caput do CP, mas sim, o

retorno do processo ao seu estado anterior, permitindo o oferecimento da denúncia

pelo mesmo fato ao Ministério Público, bem como a possibilidade de recebimento

pelo MM. Juiz de Direito. Vejamos:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE CONTRA IDOSO. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO-CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO-COMETIMENTO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória. Não há que se cogitar, portanto, da propositura de nova ação criminal, desta feita por ofensa ao art. 330 do CP. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal pelo crime de desobediência.253

Salienta-se, que o Supremo Tribunal Federal, no HC 79577-GO, foi omisso

quanto ao procedimento exigido para a pena cumprida parcialmente pelo acusado.

Assim, uma vez que a lacuna do artigo 42, caput, do CP permite analogia, a

interpretação deve ser feita in bonna partem, aplicando-se a norma penal a caso

semelhante e não previsto, impedindo a dupla punição pelo mesmo fato.254

Neste norte, como remédio jurídico a ser aplicado no caso em tela, surge a

Detração Penal, prevista no artigo 42, caput, e artigo 8º, caput, do Código Penal,

bem como no artigo 111, da Lei nº 7.210/84, conhecida como Lei da Execução

Penal, cabendo para qualquer efetiva privação ao direito de liberdade imposta antes

da pena definitivamente fixada, devido a preponderância do caráter aflitivo da

medida e não a sua natureza penal, administrativa ou civil. Neste sentido vem o

entendimento do doutrinador Alberto Silva Franco:

252BONFIM, Eduardo Mongenout. Curso de Processo Penal . 2 ed.São Paulo: Saraiva, 2007, p.82 253BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus n. HC 84976, SÃO PAULO, Rel Min. Carlos Britto, Diário da justiça . 20.09.2005 – publ. 23.03.2007 254BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.441

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Conclui-se que qualquer efetiva privação ao direito de liberdade imposta antes do cumprimento da pena definitivamente fixada deve ser considerada para os fins de detração penal. Importa o caráter aflitivo da medida e não sua natureza penal, administrativa ou civil.255

Para o referido autor, a detração penal consiste na operação aritmética, por

meio da qual é computada, no tempo de duração da condenação definitiva, a

parcela temporal correspondente à concreta aplicação de uma medida cautelar

pessoal ou à efetiva internação em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico. O

seu fundamento reside na atuação do princípio da eqüidade e a vedação do bis in

idem, pois assim, o legislador evita a dupla punição pelo mesmo fato, bem como a

punição excessiva, àquela quem vai além do necessário à prevenção ou repressão

do delito.256

No caso em tela, embora em procedimentos distintos, é claro o julgamento do

autor pelo mesmo fato. Assim, caso a nova denúncia resulte em condenação, será

aplicada uma nova sanção penal pelo mesmo evento criminoso, cumprindo o

primeiro requisito da aplicação da Detração Penal, que consiste no nexo causal

entre o cumprimento de prisão cautelar, o fato criminoso, e a pena aplicada.257

Este é o entendimento da corrente majoritária do STF, verifique-se:

A prisão computável na duração da pena deve relacionar-se com o fato que é objeto da condenação. Aplicação dos artigos 34 do Código Penal e 672 do CPP (RHC 48.718-SP-2ª turma-Rel Eloy da Rocha, 26.03.1971)258

Segundo Nucci, embora antigo o acórdão, é o entendimento majoritário

admitido atualmente.259

Salienta-se que no caso de absolvição resultante da denúncia deflagrada por

descumprimento parcial da Transação Penal, segundo a outra corrente existente, a

pena poderia ser abatida da condenação posterior do réu, desde que o evento

criminoso seja anterior àquele o qual o réu foi sentenciado a cumprir a pena restritiva

255FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação . 8 ed. ampl e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.280 256FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação . 8 ed. ampl e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.279 257 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.359 258 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.360 259 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.361

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de direito, mesmo em processo diverso, cabendo a aplicação da Detração Penal,

também neste caso.260

Frise-se o entendimento jurisprudencial da 2ª Turma do STJ:

É verdade que a jurisprudência da Suprema Corte tem sido marcadamente contrária a hipótese de se creditar ao réu qualquer tempo de encarceramento anterior à prática do crime que deu origem a condenação atual (RT 578/432), mas, por outro lado, tem-se admitido que a detração pode ser concedida se se trata de pena por outro crime cometido anteriormente.(HC-71797-SP, 2ª Turma, Rel. Néri da Silveira, 31.10.1994, v.u, RTJ 156/158.)261

Conclui-se, que referente ao primeiro requisito de nexo processual para

aplicação da Detração Penal, tanto considerando a situação em tela como

processos distintos ou processos idênticos, inexistem restrições para aplicação do

referido instituto.

Em se tratando do segundo requisito, ou seja, a possibilidade da aplicação da

Detração Penal, as penas restritivas de direito, como visto anteriormente, devido a

omissão do artigo 42, caput do CP, bem como da própria lei 9.099/95 que regula os

Juizados Especiais, a doutrina e jurisprudência defendem a interpretação extensiva

do instituto in bonna partem, suprindo a lacuna legislativa por analogia, impedindo a

violação ao princípio clássico de justiça segundo o qual ninguém pode ser punido

duas vezes pelo mesmo fato.262 A interpretação analógica se faz necessária, haja

vista, que se na pena mais grave a ser cumprida (privativa de liberdade) incide a

detração, não havendo razão para excluí-las das que as substituem (restritivas de

direito).263

Observe-se a lição de Alberto Franco:

O texto do artigo 42 do CP não se referiu as penas restritivas de direito, parecendo indicar com isso que, em relação a esta espécie penal, a detração não teria cabimento. Tal entendimento com tudo seria rigoroso em demasia. Se a detração é admitida em relação a uma espécie de pena mais gravosa, como é a pena privativa de liberdade, não há motivo para que não o seja no que tange a uma sanção penal mais branda como as penas restritivas de direito. Desta forma, se o condenado a pena restritiva de direito esteve anteriormente preso, em virtude de medida cautelar, poderá se

260 PRADO, Luis Régis. Comentários ao Código Penal . 4 ed. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.203 261 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado . 9 ed ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.361 262DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal , Parte Geral, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 604/605 263 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.238

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abater do tempo de duração da pena imposta o tempo correspondente a cautela que lhe foi aplicada. Cuida-se no caso, de aplicação do princípio da analogia in bonna partem que é consagrado no Direito Penal.264

Diante da omissão da norma material e processual, a analogia, por meio da

interpretação in bonam partem, surgem hipóteses de aplicação da detração penal às

varias situações de prisões provisórias, na área civil, penal e administrativa,

demonstrando a interpretação extensiva do dispositivo, confirmando a possibilidade

de uso de instituto nas penas restritivas de direito.265

A prisão civil, decretada contra o devedor de alimentos ou depositário infiel,

enquadra-se como uma das hipóteses apresentadas acima, como modalidade de

prisão provisória. Assim, na execução da sentença condenatória pelo crime de

abandono material (CP, art.244) ou de apropriação indébita (CP, art.168), deve ser

abatido o tempo em que o réu sofreu a prisão civil decorrente do mesmo fato.266

Frisa-se o entendimento de Delmanto:

Por analogia in bonam partem, e para não haver tratamento diferenciado entre duas prisões que tem natureza semelhante, admite-se a possibilidade de que o tempo cumprido de prisão civil (devedor de alimentos e depositário infiel) possa ser descontado por crime cometido anteriormente à efetivação da prisão civil [...]267

Delmanto entende pela possibilidade de aplicação da detração penal até

mesmo no sursis. Segundo o doutrinador, antes da Reforma Penal de 1984, não se

admitia o abatimento no Sursis, pois o mesmo era considerado suspensão e não

execução de pena. Porém, atualmente, a Lei de Execução Penal o considera como

forma de execução e não um incidente processual, logo, permite-se a aplicação da

detração do período de prova cumprido pelo beneficiado, especialmente quanto ao

primeiro ano de prazo, onde fica submetido à prestação de serviços a comunidade

ou limitação de final de semana (art.78, § 1º), quer em caso de revogação, quer em

264 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação . 8 ed. ampl e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.282 265COSTA JUNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado . 9 ed. ver. Ampl. Atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007, 161 266 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 606 267 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.238

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outra condenação por crime anterior. O entendimento doutrinário segue a orientação

de Delmanto, embora a jurisprudência ainda não o esteja admitindo.268

Salienta-se que esta situação assemelha-se com o objeto deste estudo, e

comprova a possibilidade de aplicação da Detração Penal no estudo em tela, sem

existência de qualquer restrição.

Outra possibilidade consiste na aplicação do instituto da detração na

prescrição. Por analogia à regra do artigo 113 do CP, que manda contar a

prescrição, em caso de fuga, pelo restante da pena, entende-se cabível computar no

prazo prescricional, o tempo em que o acusado esteve preso provisoriamente. Caso

contrário, estaria se promovendo em face do preso provisório solto pelo juiz,

tratamento pior do que se dá para quem foi conservado em custódia e fugiu.269

Já o posicionamento jurisprudencial, entende cabível a detração penal, entre

outras situações, para a prisão albergue e prisão domiciliar, bem como para a prisão

cumprida de forma irregular, senão vejamos:

Prisão Domiciliar: Ainda que não haja sido irregularmente concedida, ela deve ser abatida da pena final (STF, RF 258/314). O tempo de prisão domiciliar efetivamente cumprida em regime domiciliar deve ser computado na pena privativa de liberdade (STJ, HC 11225-CE, DJU 2.05.2000, p.153)270

E ainda,

Prisão Albergue: Também se desconta a prisão albergue ainda que irregular. (TJSC-RT 530/401)

De acordo com Delmanto, quem está preso neste regime também faz jus à

aplicação da Detração Penal, haja vista, que o mesmo é considerado como

cumprimento de pena para todos os efeitos legais.271

No caso do cumprimento de pena de forma irregular, o STJ possui o

posicionamento que não cabe ao réu arcar com o ônus da irregularidade produzida

por determinação judicial, sendo a aplicação da detração penal, medida imperativa

que se impõe. Verifique-se:

Em sendo a sanção prisional cumprida em parte, de forma irregular, permanecendo no fórum, nele trabalhando e dormindo, não cabe ao

268DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.152 269DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.152 270DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.153 271DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.153

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réu suportar o ônus da irregularidade produzida por determinação judicial, não havendo como deixar de computar tal tempo de efetivo cumprimento prisional. (STJ – HC 10.389/MG, j. 07.12.2001, DJU 13.08.2001, p.268, in RBCCr 37/314)272

Diante do exposto, uma vez que existe omissão do artigo 42, caput, do CP e

da lei 9.099/95 que regula os Juizados Especiais Criminais, quanto à aplicação da

Detração Penal, entende-se que a mesma deve ser suprida por analogia, utilizando-

se da interpretação in bonam partem, impedindo que o condenado ou autor do fato,

seja punido duas vezes pelo mesmo fato, haja vista, que como demonstrado ao

longo desta pesquisa científica, salvo engano, inexistem quaisquer motivos que

restrinjam a possibilidade da aplicação da Detração Penal ao caso estudo.

3.1.7 Da impossibilidade de aplicação da Detração P enal no caso de deflagrada

denúncia por descumprimento parcial da Transação Pe nal de pena de multa

Entende-se pela impossibilidade de aplicação da detração penal em caso de

descumprimento de pena de multa cumulada ou não com as penas restritivas de

direito, pela inexistência de parâmetros legais para sua conversão.273

Segundo Mirabete, a conversão da pena de multa em pena restritiva de direito

é inviável, mesmo que admitida no artigo 85 da Lei 9.099/95. Para o doutrinador, o

artigo mencionado refere-se a possibilidade desta conversão “nos termos previstos

em lei”, ocorre porém, que não há na lei penal geral ou especial dispositivo que

preveja a conversão da pena pecuniária em restritiva de direito. Assim, esta

conversão é uma medida inconstitucional diante do princípio da reserva legal

previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da CF, e constante no artigo 1º do Código Penal,

eis que não prevendo a lei o quantun da pena restritiva de direito aplicável no caso

de não pagamento da multa, cria-se uma incerteza para o condenado a respeito do

tempo de restrição de direitos, ficando a mesma indeterminada em seu limite

máximo, ferindo o princípio da legalidade mencionado, que proíbe a cominação,

272 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.153 273GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.217

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aplicação e execução de penas indeterminadas no seu limite de duração, tornando o

artigo 85, da lei 9.099/95 inoperante.274

Observe-se o posicionamento do Tribunal da Alçada Criminal de São Paulo:

TACRiM-SP:Em se tratando de transação penal realizada em sede de Juizado Especial Criminal, é inadmissível a conversão da pena de multa não paga em restritiva de direitos, já que inexiste no Código Penal ou na legislação correlata qualquer previsão ensejando a referida conversão, restando esvaziada, assim e ao menos por ora, a ressalva inserida no artigo 85 da lei 9.099/95: nos termos da lei.(RJDTACRIM 37/253)275

Ressalta-se que a impossibilidade da conversão se aplica por analogia, ao

caso de descumprimento parcial da transação penal, em que foi acordada a pena de

multa. No caso de oferecida a denúncia pelo Ministério Público, resultando em

condenação, não haveria parâmetros para aplicação da Detração Penal, uma vez

que não se tem como computar o quantum da pena restritiva equivaleria a pena

pecuniária, ficando prejudicada a utilização do instituto.

Importa-se dizer que grande parte da jurisprudência STJ e doutrina,

contrariando o HC 79577-GO julgado pelo STF, entende- se pela impossibilidade de

oferecimento de denúncia por descumprimento no caso da pena de multa, veja-se:

Homologada a transação penal, a recusa em cumprir a obrigação pecuniária não autoriza a conversão em pena restritiva de direito ou privativa de liberdade, pois tal sentença foi homologatória gerando eficácia de coisa julgada formal e material. O valor deve ser inscrito na dívida ativa da União, onde sua execução obedecerá a critérios próprios, conforme se depreende da leitura do artigo 85 da lei 9.099/95 c/c artigo 51, do CP (STJ – 9.853-SP RT 772/549)276

E ainda,

Transação penal – Homologação – Sentença de natureza condenatória que gera eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal – Inadimplemento da pena de multa imposta na transação penal que impõe aplicação conjugada do artigo 85 da Lei nº 9.099/95 com o artigo 51 do CP, com a conseqüente inscrição como dívida ativa a fim de que seja executada pelas vias próprias. (STJ – RT 768/542)277

274 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.245 275MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.245 276DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro/RJ: Renovar, 2007, p.179 277MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais : comentários, jurisprudência e legislação. 5 ed.São Paulo:Atlas, 2002, p.244

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Com o advento da Lei 9.268/96, que alterou o dispositivo do artigo 51 do CP,

estipulando que a multa será considerada dívida de valor, surgiram na jurisprudência

e na doutrina, correntes diversas que quanto ao caráter na pena de multa e quanto a

competência para execução.278

Para Delmanto, a corrente majoritária entende que, apesar da pena

pecuniária ser considerada dívida de valor, que não paga, deverá ser executada

pelas normas relativas pela legislação relativa à execução fiscal (lei nº 6.830/80).

Salienta-se, que a pena de multa não perdeu seu caráter penal, mantendo íntegros

todos os efeitos decorrentes da condenação, logo, a atribuição para promover sua

execução continua sendo do Ministério Público através da Vara de execução

penal.279

Para Dotti, com a alteração do artigo 51 do CP pela lei nº 9.268/96, a multa

será considerada como dívida de valor. Assim, o Ministério Público perdeu a

legitimidade para promover a execução devendo ser esta exercida pela Fazenda

Pública, posicionamento da 2ª Turma do STJ, através do rel. Min. Adhemar Maciel,

no Resp nº 189.653-SP, julgado em 09.10.1998, publicado em 1.2.1999 que assim

dispõe:

A luz do novo artigo 51 do Código Penal, a multa imposta em sentença penal condenatória é considerada dívida de valor, devendo ser cobrada segundo a Lei nº 6.830/80. Por essa razão, será inscrita em dívida ativa e será reclamada via execução fiscal, movida pela Fazenda Pública, falecendo legitimidade ativa ao Ministério Público. (STJ – 2ª Turma – Rel. Adhemar Maciel – Resp nº 189.653 – SP, j. 09.10.1998, publ. 01.02.1999)280

Para Grinover, o descumprimento da pena de multa não enseja a conversão

da mesma em restritiva de direito por falta de previsão legal, estipulando o quantum

que poderia ser abatido. Porém, admite esta conversão desde que feita no ato do

oferecimento da Transação Penal pelo Ministério Público como alternativa em face

do possível descumprimento. Observa que esta solução prevista em lei traria maior

278 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.177 279DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado . 7 ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.178 280 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 606

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eficácia em torno da pena de multa, constituindo-se num forte motivo para que o

autor do fato pague o valor fixado em decisão, evitando a conversão. 281

Sustenta que no caso de aplicação de pena de multa sem cumulação com

pena restritiva de direito, por previsão no artigo 98, inciso I, da CF c/c com o artigo 1º

e 60 da Lei nº 9.099/95, sua competência para execução caberia ao Juizado

Especial Criminal. Para a doutrinadora, a lei nº 9.268/96 não se coaduna com as

penas aplicadas no Juizado Especial Criminal, haja vista, que sanções devem ser

mantidas em sigilo, não sendo cabível sua publicidade decorrente da inscrição em

dívida ativa, logo, no caso de descumprimento do acordo, cabe ao Ministério Público

a cobrança de sua execução através do Juizado.282

Diante do exposto, não obstante as inúmeras divergências quanto à

competência para execução, entende-se pela não possibilidade de aplicação do

instituto da Detração Penal às penas de multa, uma vez que devido a omissão

legislativa, é impossível estipular o quanto equivaleria a pena restritiva de direito

com referência a pena pecuniária, o que independe da competência executória.

281 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.217 282 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995.3 ed. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2002, p.214

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CONCLUSÃO

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, em seu

artigo 98, instituiu um novo modelo de Justiça Criminal e a Lei dos Juizados

Especiais Criminais, 9.099/95, daí decorrente, apresentou significativas e profundas

mudanças no panorama processual e penal, com instrumentos e ritos novos, até

então desconhecidos em nossa legislação.

O Princípio da Dignidade Humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Carta

Constitucional de 1988, é o norte de atuação do legislador e aplicador do direito e

dele decorrem diversos outros princípios, reguladores do sistema penal. A mínima

intervenção, a fragmentariedade do direito penal, deve ser observada

continuamente, para que este ramo do direito não sirva unicamente como meio de

exclusão social. A Lei dos Juizados Especiais Criminais, neste ponto, veio em total

sintonia com os princípios nominados e a transação penal apresenta-se, hoje, dentro

do nosso ordenamento jurídico, como a mais importante forma de despenalizar, sem

descriminalizar.

Salienta-se que a Lei dos Juizados Especiais deu maior importância a

participação da vítima, visando à reparação de sua lesão de maneira célere, e sua

participação na aplicação da sanção ao infrator, retirando sua função de mero

expectador da demanda.

Ademais, foi possível observar que a Transação Penal trata-se de uma

prestação jurisdicional, homologada por juiz togado, consistente em título judicial

para sua execução, o que acarreta dificuldades em especificar as conseqüências do

seu descumprimento parcial injustificado, principalmente, sob a possibilidade de

deflagração ou não da denúncia, devido aos diversos entendimentos quanto à

natureza jurídica desta decisão.

Após os diversos apontamentos sob este tópico realizados neste trabalho

científico, concluiu-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no HC

92577-GO, que permite o oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público,

no caso de descumprimento da Transação Penal acertada é o mais coerente, eis

que o descumprimento do acordo trata - se de cláusula resolúvel da avença firmada,

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gerando ineficácia a coisa julgada devido a desconstituição do título, retornando o

processo ao estado anterior, propiciando o julgamento pelo mesmo fato.

Porém o referido acórdão foi omisso quanto ao que fazer com a pena paga

parcialmente pelo autor do fato, o que acarreta no bis in idem por parte do Estado,

eis que além de estar julgando novamente um fato em houve prestação jurisdicional,

estará aplicando nova sanção sem a redução da pena paga parcialmente pelo

infrator, quando ainda cumpria a Transação Penal.

Neste panorama, surge como remédio jurídico, o instituto da Detração Penal,

eis que como exaustivamente demonstrado, tanto o Código Penal como a Lei nº

9.099/95 são omissos quanto à sua aplicação, devendo neste caso, à interpretação

ser feita in bona partem, de forma extensiva, eis que não existem impedimentos que

obstem ou restrinjam sua utilização no objeto deste estudo.

Importa-se dizer, que qualquer efetiva privação ao direito de liberdade

imposta antes do cumprimento da pena definitivamente fixada deve ser computada

para os fins de detração penal, pois se considera o caráter aflitivo da medida e não

sua natureza penal. Logo, uma vez que o instituto é admitido em prisões civis,

administrativas e medida de segurança, entre outros, não cabe ao legislador agir

preconceituosamente com as penas restritivas de direito, haja vista, que aceita-se

sua aplicação em delitos mais graves, como exemplo, na substituição das penas

restritivas de liberdade por penas alternativas.

Já a impossibilidade de aplicação da Detração Penal reside nas penas

pecuniárias, haja vista, que não há na lei penal geral ou especial dispositivo que

preveja a conversão da pena pecuniária em restritiva de direito. Portanto, esta

conversão é uma medida inconstitucional diante do princípio da reserva legal

previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da CF, e constante no artigo 1º do Código Penal,

eis que não prevendo a lei o quantum da pena restritiva de direito aplicável no caso

de não pagamento da multa, cria-se uma incerteza para o condenado a respeito do

tempo de restrição de direitos, ficando a mesma indeterminada em seu limite

máximo, ferindo o princípio da legalidade mencionado, que proíbe a cominação,

aplicação e execução de penas indeterminadas no seu limite de duração, tornando o

artigo 85, da lei 9.099/95 inoperante. Logo, entende-se impedida sua utilização neste

caso.

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Por fim, entende-se que as limitações da Lei 9.099/95 devem ser supridas por

alterações legislativas e, enquanto estas não se produzem, cabe a doutrina e

jurisprudência a interpretação dos institutos.

Assim, a lei nova deve solucionar os conflitos hoje existentes não só quanto

aos efeitos pelo descumprimento da transação penal, mas também na possibilidade

de detração penal pelo cumprimento parcial da pena, em respeito ao princípio nom

bis in idem e, por conseqüência, a dignidade da pessoa humana.

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