A PRÁTICA DA CARIDADE NA “FRATERNIDADE DOS POBRES DE JESUS CRISTO” A PARTIR DE Mt 25,31-46

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    FACULDADE MISSIONEIRA DO PARANÁCURSO DE TEOLOGIA 

    KEPHAS FILHO DAS SANTAS CHAGAS

    A PRÁTICA DA CARIDADE NA “FRATERNIDADE DOSPOBRES DE JESUS CRISTO” À LUZ DE Mt 25,31-46

    CASCAVEL2014 

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    KEPHAS FILHO DAS SANTAS CHAGAS

    A PRÁTICA DA CARIDADE NA “FRATERNIDADE DOSPOBRES DE JESUS CRISTO” À LUZ DE Mt 25,31-46

    Trabalho de Conclusão de Cursoapresentado ao Curso de Teologia daFaculdade Missioneira do Paraná -FAMIPAR, como requisito parcial àobtenção do título de Bacharel emTeologia.

    Orientadora: Profª. Dra. EleniraAparecida Cunha Moreira.

    CASCAVEL2014 

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    KEPHAS FILHO DAS SANTAS CHAGAS

    A PRÁTICA DA CARIDADE NA “FRATERNIDADE DOSPOBRES DE JESUS CRISTO” À LUZ DE Mt 25,31-46

    Trabalho de Conclusão de Cursoaprovado com nota __________, em

     ______ de _____________ de _______,como requisito parcial à obtenção dotítulo de Bacharel em Teologia eaprovado pela seguinte bancaexaminadora:

     __________________________________________________Professora Dr. Elenira Ap. Cunha Moreira –  FAMIPAR

    Presidente

     __________________________________________________Professor Me. Luiz Carlos Franzener –  FAMIPAR

    1º Leitor

     __________________________________________________Professor Dr. Lademir Renato Petrich –  FAMIPAR

    2º Leitor

    CASCAVEL

    2014 

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    A todos os pobres, filhos e filhas prediletos de

    Deus, razão de ser de nossa Fraternidade e da

    minha consagração. 

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeço ao Deus que me viu, ouviu e desceu ao meu encontro, dando a minha vida

    novo sentido, ensinando-me a olhar ao meu redor e reconhecer em cada irmão e irmã

    necessitado a presença de seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor.

    Agradeço a minha mãe e toda a minha família, que me indicaram o caminho a Deus e

    colocaram em mim as primeiras sementes da caridade, ensinando-me a nunca reter, mas

    sempre doar, afinal é “dando que se recebe”. 

    Agradeço ao meu Pai e fundador, Pe. Gilson Sobreiro que sempre me permitiu beber

    do seu coração fundacional, fonte do nosso carisma. Formou-me, educou-me, e ensinou-me a

    amar os pobres e por eles dar a vida. À minha co-fundadora, Ir. Serva, que sempre cuidou de

    mim e da minha vocação como uma mãe. Aos meus irmãos e irmãs de todas as horas que com

    seu exemplo cotidiano de amor a Jesus e serviço aos pobres me incentivaram a continuar

    nesse “Caminho”. De modo especial, àqueles que comigo moraram ao longo desses anos de

    formação.

    Agradeço a todos os amigos (as), benfeitores (as), professores (as), leigos (as) e

    sacerdotes que me ajudaram, incentivaram e me ensinaram ao longo desse período de

    formação intelectual e humana, não só com palavras, mas, sobretudo com a vida. Minha

    gratidão a D. Mauro Aparecido dos Santos, Arcebispo Metropolitano de Cascavel, por sua

     presença paterna junto a mim. De maneira especial, agradeço aos meus “pais intelectuais”,

    Prof.ª Elenira Aparecida Cunha Moreira e Prof.° Lademir Renato Petrich, que incutiram em

    mim o amor pela Sagrada Escritura e pela Teologia.

    Agradeço de maneira muito especial a todos os Filhos Prediletos de nossa

    comunidade, principalmente aqueles que passaram pela Fratérnitas São Paulo da Cruz

    (Cascavel-PR) ao longo desses quatro anos de curso. Com vocês eu fiz a mais alta Teologia.

    Descobri quem é Deus e quem sou eu. Deus é tudo e eu sou nada! Muito Obrigado pelo vosso

    testemunho de luta e perseverança diária. Vocês me ensinam e me impelem à santidade.

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    “O Pobre é a obra!” 

    (Pe. Gilson Sobreiro)

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    RESUMO

    Os pobres nos seus múltiplos rostos são escolhidos por Deus e possuem um lugar especialtanto na Sagrada Escritura como na Tradição da Igreja. O Antigo Testamento já indica aidentificação entre Deus e os pequeninos. Deus, ao escolher Israel para ser seu povo, indica o

     perfil de seus escolhidos: os pobres. Deus vê o seu povo oprimido, o ouve e desce paralibertá-lo. No Novo Testamento essa identificação fica ainda mais manifesta com aencarnação do Filho de Deus que veio para aqueles que estavam perdidos. Seja nosEvangelhos ou nos demais escritos neotestamentários, essa escolha de Deus torna-se evidentea todo àqueles que os leem com atenção. Nos escritos dos Padres da Igreja e na vida dos

    Santos e Santas que se dedicaram à caridade confirma-se a ideia de que o bem feito ao pobredestina-se a Deus. A perícope de Mt 25,31-46 denota a importância do pobre, quando este éelevado à categoria de irmão do Senhor e torna-se critério de separação entre os “salvos e os“condenados” no juízo final. “Vinde, benditos de meu Pai [...]. Pois tive fome e me destes decomer . Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e mevestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me. [...] Em verdade vos digo: cada vezque o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,31-46). A

     prática da caridade salva, tanto quem a pratica como quem a recebe. A Fraternidade dosPobres de Jesus Cristo fundada em 2001 pelo Pe. Gilson Sobreiro tem como resumo do seucarisma a frase “Jesus todo e todo de Jesus”. Esse carisma tem no serviço aos pobres e na

     prática da caridade, a segurança do real seguimento a Jesus Cristo e a garantia de estar

    vivendo de acordo com o Evangelho. A caridade feita aos pobres torna-se critério de salvação,uma vez que só o amor salva, e o amor não comporta troca, mas doação total e entrega semlimites.

    PALAVRAS-CHAVE: Caridade. Pobres. Salvação. Fraternidade dos Pobres de Jesus Cristo.Evangelho de Mateus

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    RESUMEN

    Los pobres en sus múltiples rostros son elegidos por Dios y poseen un lugar especial tanto enla Sagrada Escritura como en la Tradición de la Iglesia. El Antiguo Testamento ya indica laidentificación entre Dios y los pequeñitos. Dios, al elegir Israel para ser su pueblo, indica el

     perfil de sus elegidos: los pobres. Dios ve su pueblo oprimido, lo oye y baja para libertarlo.En el Nuevo Testamento esa identificación queda aún más manifiesta con la encarnación delHijo de Dios que vino para aquellos que estaban perdidos. Sea en los Evangelios o en losdemás escritos neo testamentarios, esa elección de Dios se torna evidente a todo aquellos quelos leen con atención. En los escritos de los sacerdotes de la Iglesia y en la vida de los Santos

    y Vírgenes que se dedicaron a la caridad se confirma la idea de que el bien hecho al pobre sedestina a Dios. La pericope de Mt 25, 31-46 denota la importancia del pobre, cuando éste eselevado a la categoría de hermano del Señor y se torna criterio de separación entre los “salvosy los condenados” en el juicio final. “Venid, benditos de mi Padre [...]. Pues tuve hambre y  me disteis de comer. Tuve sed y me disteis de beber. Fui forastero y me recogisteis. Estuvedesnudo y me vestisteis, enfermo y me visitasteis, en la cárcel y vinisteis a mí. [...]De ciertoos digo que en cuanto no lo hicisteis a uno de estos más pequeños, tampoco a mí lo hicisteis”(Mt 25, 31-46). La práctica de la caridad salva, tanto quien la práctica como quien la recibe.La Fraternidad de los Pobres de Jesús Cristo fundada en 2001 por el sacerdote GilsonSobreiro tiene como resumen de su carisma la frase “Jesús todo y todo de Jesús”. Ese carismatiene en el servicio a los pobres y en la práctica de la caridad, la seguridad del real

    seguimiento a Jesús Cristo y la garantía de estar viviendo de acuerdo con el Evangelio. Lacaridad hecha a los pobres se torna criterio de salvación, una vez que solo el amor salva, y elamor no comporta cambio, pero donación total y entrega sin límites.

    PALABRAS CLAVE: Caridad. Pobres. Salvación. Fraternidad de los Pobres de Jesús Cristo.Evangelio de Mateo

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09

    1 OS POBRES NO EVANGELHO DE MATEUS .............................................................. 11

    1.1 A ETIMOLOGIA DOS TERMOS ................................................................................ 111.1.1 O termo pt ōchós: pobre ........................................................................................... 111.1.2 O termo elachistós: o mais insignificante ................................................................... 13 

    1.2 O CONTEXTO SOCIAL E LITERÁRIO DE MATEUS ............................................. 141.3 O ROSTO DOS POBRES ............................................................................................. 18

    1.3.1 Quem tem fome e sede ........................................................................................... 191.3.2 Quem é estrangeiro e está nú ........................................................................................ 20 1.3.3 Quem está doente e preso .............................................................................................. 21 

    2 OS PEQUENINOS SÃO IRMÃOS DO SENHOR ........................................................... 23

    2.1 JESUS SE IDENTIFICA COM OS POBRES ............................................................... 262.2 A CARIDADE COMO AÇÃO SALVÍFICA ................................................................ 29

    2.2.1 A Caridade salva quem a pratica .................................................................................. 32 2.2.2 A Caridade salva quem a recebe...................................................................................36 

    3 A CARIDADE PARA OS “POBRES DE JESUS CRISTO” .......................................... 38

    3.1 O NOVO ROSTO DOS POBRES ................................................................................. 383.1.1 Pessoas que vivem nas ruas ................................................................................... 403.1.2 Os dependentes químicos e alcoólicos ................................................................... 41

    3.2 A “FRATERNIDADE DOS POBRES DE JESUS CRISTO” ...................................... 433.2.1 O fundador ............................................................................................................. 433.2.2 A fundação do Instituto .......................................................................................... 443.2.3 O carisma ............................................................................................................... 463.2.4 A espiritualidade .................................................................................................... 483.2.5 A missão ................................................................................................................. 49

    3.3 A PRÁTICA DA CARIDADE COMO SEGUIMENTO REAL A JESUS CRISTO ... 51

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 55

    REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58

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    INTRODUÇÃO

    O estudo da Sagrada Escritura é como beber numa fonte de água pura e cristalina, que

    em vez de saciar a sede a faz crescer cada vez mais. Quanto mais se bebe, mais sede se têm e

    mais se quer beber. É o próprio Deus que vai se revelando sem, porém, deixar-se conhecer por

    completo.

    Desde as suas primeiras páginas, a Bíblia apresenta um Deus que se encanta com o

     pobre, com o pequeno, com o menos favorecido. A opção de Deus torna-se evidente à medidaque a sua revelação progressiva vai se dando à humanidade. O ápice desta revelação acontece

    na Pessoa do Filho que se encarna e torna-se pobre, para na sua pobreza enriquecer muitos.

    “Com efeito conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo, que por causa de vós se

    fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua pobreza” (2Cor 8,9).

    Deus escolheu o pobre! Tem por ele um amor preferencial. Não excludente! No

    Evangelho de Mateus, o pobre é elevado à categoria de “irmão  do Senhor” e a caridade feita 

    ao pequenino é critério de salvação: “Vinde benditos de meu Pai! [...] Cada vez que o fizestesa um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,34.40).

    O objeto deste estudo é uma pesquisa exegética teológica da perícope de Mt 25,31-46

    relacionando-a com o carisma da Fraternidade dos “Pobres de Jesus Cristo”, fundada em

    2001, pelo então recém ordenado, Pe. Gilson Sobreiro.

    Como a caridade feita aos pobres se torna critério de seguimento a Jesus Cristo na

    Fraternidade dos “Pobres de Jesus Cristo”, segundo a perícope de Mt 25,31-46? Essa pergunta

    norteia o desenvolvimento do trabalho que se utilizou de diversas fontes bibliográficas, de

    cunho exegético, teológico e pastoral.

    A Fraternidade dos “Pobres de Jesus Cristo” tem como principais destinatários de sua

    missão os “ pobres nos seus múltiplos rostos”. Mas quem são esses pobres? Como servi-los?

    Por que servi-los? Essas e outras questões fazem-se ouvir entre os membros desta

    Fraternidade. Esse trabalho oferece aos membros deste instituto um estudo acerca da perícope

    de Mateus, esclarecendo elementos textuais e demonstrando como a identificação entre Deus

    e os pobres foi se evidenciando não apenas na Sagrada Escritura, mas também na história da

    Igreja.

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    1 OS POBRES NO EVANGELHO DE MATEUS

    1.1 A ETIMOLOGIA DOS TERMOS

    Este trabalho é um estudo da perícope do Evangelho de Mt 25,31-46. No entanto, para

    aprofundá-la exige-se, em primeiro lugar, uma explanação acerca de dois termos chaves:

     pt ōchós e elachistos. Ambos os termos fazem-se necessários para a compreensão da perícope

    e de sua aplicação prática na vivência da Fraternidade dos Pobres de Jesus Cristo.Apesar do termo pt ōchós não aparecer na perícope em questão, ele é importante, uma

    vez que os pequeninos (elachistos) nomeados no texto estão dentro desta classe social. Já o

    termo elachistos  é de cunho teológico e será de grande importância para o desenvolvimento

    deste estudo.

    1.1.1 O termo pt ōchós: pobre 

    Atualmente ao se falar em pobre, muitas imagens vêm à mente. No mínimo duas

    categorias se impõem: “ pobre material”  e/ou “ pobre em espírito”. No dicionário de língua

     portuguesa, o verbete “ pobre” tem vários significados, mas sempre ligados à condição social e

    econômica.1  Vale dizer que o termo pobre em português deriva do latim  pauper , ou seja,

    aquele que produz pouco.2 

     Na Bíblia, diversos são os termos usados e com diferentes significados, mantendo,

     porém o cunho socioeconômico.

     No grego bíblico,  pt ōchós é utilizado para definir “mendigo”, com sentido de “total

    dependência da sociedade”, ou ainda, dependente da ajuda de estranhos. Deste termo derivam

    outros importantes termos como  ptōcheuō , “mendigar ”, “viver a vida de mendigo”, “ser

    indigente”; ptōcheia , “atividade de mendigo”, “mendicância”, “indigência”, “ pobreza”.3 

    1 Cf. POBRE. In: BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. 6. ed. São Paulo:Lisa, 1992, p. 522. 2  Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia. [Tradução: Benôni Lemos]. São Paulo: Paulinas,1991, p. 11-12.3 Cf. POBRE. In: BROWN, Colin. O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. SãoPaulo: Vida Nova, 2000, p. 566.

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    Por onze vezes, na septuaginta,  pt ōchós  traduz ‘ebiôn  (hebraico), que é utilizado na

    Bíblia hebraica por 61 vezes, e significa “aquele que estende a mão”, “que pede”, “ pedinte”. É

    a palavra hebraica mais próxima do termo grego pt ōchós.4 “Esse é o pobre no sentido material

    do termo. É alguém que pode ter perdido a terra de seus ancestrais (Ex 23,11). Pode ser

    alguém que caiu no estado de pedinte (Dt 15,7.9.11)”5.

     Pt ōchós  também traduz dal (22 vezes) que significa “ baixo”, “fraco”, “ pobre”,

    “magro”. Esse termo é utilizado principalmente em Amós que apresenta o “fraco é esmagado

    sobre o pó da terra”  (Am 2,7), bem como nos Salmos 72,13; 82,3; 113,1 e em Provérbios

    19,4,17; 28,3.8.15.  Dal  significando “fraco” passa a ser usado para as classes sociais mais

     baixas como os “camponeses”, os “ pobres”, “necessitados”, “sem importância”.6 

    O termo rāš , “necessitado”, “ pobre”, usado por onze vezes no sentido socialeconômico, às vezes é traduzido por penes (Cf. 2Sm 12,3).7 

    O termo mais traduzido por  ptōchós  é ‘ānî   (37 vezes) que significa “oprimido”,

    “ pobre”, “humilde”, “modesto”. Contudo, ‘anawîm, depois do exílio expressa uma categoria

    religiosa-espiritual, que se reúnem nas sinagogas para ouvir a leitura da Lei. Os justos são os

     pobres, e os ímpios são os ricos, passando assim ‘anaw  a designar “humilde”, “ justo”,

    “ piedoso”.8 

    Os anawims são pessoas desprovidas de bens, que formam uma categoria que confiano Senhor, uma vez que são oprimidos. Além disso, são piedosos, observantes e humildes.9 

     No Novo Testamento o termo ptōchós ocorre 34 vezes, normalmente nos Evangelhos

    (24 vezes), ptōcheia (pobreza) aparece 3 vezes e ptōcheuō (mendigar) somente em 2Cor 8,9.10 

    Colin Brown diz que nas bem aventuranças, relatadas por Mateus,  ptōchós ganha um

    cunho espiritual, trazendo em sua composição o contexto do Antigo Testamento, onde o pobre

    é aquele que, na aflição confia em Deus.11 

    Jesus é o Messias dos pobres

    12

    , consagrado pela unção para lhes trazer a Boa-Nova(Cf. Mt 11,5, Lc 4,18). Ele é o pobre “que assume o sofrimento e retoma a prece de todos os

    4 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 12. 5  'EBYÔN. In: HARRIS, R. Laird et al. Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento.[Tradução: Márcio Loureiro Redondo et. al]. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 4.6 Cf. POBRE. In: BROWN, Colin. O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento,  p. 566.7 Idem.8 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia, p.12. Rinaldo Fabris diz que: De uma raiz semítica ostermos 'anî  e 'anaw são confundidos pelos copistas. A raiz comum é anah que quer dizer "responder", que indicaa atitude de quem não ousa perguntar diante do senhor, do poderoso e grande, mas somente responder. Este é o'anî : aquele que está curvo, submetido. Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia, p.12.9 Idem.10 Cf. POBRE. In: BROWN, Colin. O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento,  p. 568.11 Idem, p. 569.

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    Pobres de Javé” (Cf. Mt 27,35.43.46; Sl 22)13. O termo ptōchós aparece 5 vezes no Evangelho

    de Mateus.

    É preciso destacar ainda a diferença entre  penes (ou  pénetes) e  ptōchós, sendo que o

     primeiro refere-se aos relativamente pobres, ou seja, àqueles que tinham que trabalhar

    arduamente para conseguir o mínimo necessário para si e sua família para sobreviverem. Já o

    segundo, eram os absolutamente pobres ( ptochoí ) que não possuíam nem o necessário para

    viver. Estes dependem da ajuda de outros para ter o indispensável à vida, conseguindo-o

    muitas vezes pela mendicância. Eram normalmente os mendigos, as viúvas, os órfãos e os

    doentes crônicos como cegos, paralíticos e leprosos.14 

    1.1.2 O termo elachistos: o mais insignificante

     Na perícope em questão (Mt 25,31-46), comumente chamada de parábola do Juízo

    Final, Mateus utiliza-se do termo grego elachistos  para se referir aos pobres.  Elachistos 

    aparece no Novo Testamento 11 vezes em sentidos diferentes. É um superlativo do termo

    mikrós, que significa “pequeno”, “menor”, ou seja, elachistos  significa “o menor”, “o mais

    insignificante”.15 

    Johan Konings afirma que os “pequenos”, em Mateus, são, na verdade, diversascategorias de desprotegidos. Nessa classificação encontram-se os enviados de Jesus (Mt

    10,40-42) e os fracos na fé (Mt 18,6.10.14). Deve-se destacar o fato de que em Mt 25, 31-46,

    o evangelista utilizou o termo elachistoi (menor) e não mikroi (pequeno).16 

    Em Mateus, elachistoi, termo raro, aparece no capítulo 2,6 citando Mq 5,1 e em 5,19.

    Em Mt 11,11 e 13,32 aparece o termo mikroteros, comparativo ao termo mikroi, sendo assim

    equivalente ao termo elachistoi que é um superlativo.17 

    Segundo Xabier Pikaza, os textos que apresentam o termo “elachistos” no Evangelhode Mateus referem-se a: Belém, a “não-mais” insignificante [elachistos] das cidades (Mt 2,6),

    12 Uma vez que os pobres eram os destinatários da missão do messias segundo as profecias de Isaías 26,19;29,18; 35,5-6; 61,1.13 POBRES. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et al. Vocabulário de Teologia Bíblica. [Tradução: Simão Voigt].Petrópolis: Vozes, 1972, p. 784.14  Cf. STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo:  os

     primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. [Tradução: Nélio Schneider]. SãoPaulo: Paulus, 2004, p.113-114.15  Cf. ELACHISTOS. In: BALZ, Horst. Diccionario Exegético del Nuevo Testamento.  [Traducido:

    Constantino Ruiz-Garrido]. Salamanca: Sigueme, 1996, p. 1302.16 Cf. KONINGS, Johan. Quem é quem na “Par á bola do último juízo” (Mt 25, 31-46)? Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 10 n. 22, p. 394. (367-402), 1978.17 Idem, p. 395.

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     pois agora é o lugar do surgimento do Messias; os menores [elachistos] mandamentos (Mt

    5,19), que não devem ser menosprezados, pois julgarão o homem; os mais pequeninos

    [elachistos] que são elevados à categoria de irmãos do Senhor (Mt 25,31-46).18 

    A esse respeito, afirma Konings:

    Finalmente, podemos dizer que os mínimos são aqueles que não são caracterizados por algum valor que recebessem de si mesmos. Seu valor, recebem gratuitamente, deDeus. Os elakhistoi não são uma determinada categoria de cristãos. São antes os“sem categoria”, os insignificantes, que não exercem nenhuma atração e não

     prometem nenhuma compensação. São famintos e nus, enfermos e prisioneiros “nãoqualificados”. Não são as massas politizáveis. São os que não servem pra nada. Não

     podem nada retribuir e por isso garantem a gratuidade da misericórdia. Estamisericórdia gratuita é que Deus escolheu como critério do Juízo, pois, perante oinsignificante mostramos sem disfarces quem de fato somos... E também, aos quenão têm nada de si mesmos, o “executivo” de Deus lhe pode dar plenamente e sem

    interferência de auto-suficiência, a dignidade de serem seus irmãos.19 

    Xabier Pikaza conclui que “a pequenez como lugar de referência salvadora não se

    encontra nos mandamentos da Lei, nem nas cidades de Israel, mas nos homens; a pequenez

    salvadora é própria do faminto e do sedento, do necessitado”20.

    1.2 O CONTEXTO SOCIAL E LITERÁRIO DE MATEUS

    Para que se possa compreender a perícope em estudo (Mt 25,31-46), faz-se necessário

    apresentar, ainda que em linhas gerais, o contexto social e literário do Evangelho de Mateus.

    A comunidade de Mateus parece solidamente organizada, do mesmo modo das

    comunidades judaicas das quais ela se originou. Formada por um núcleo de discípulos, a

    comunidade deve ser para judeus e pagãos que estão ao seu redor, um testemunho verdadeiro

    do Reino dos Céus.21 

    Warren Carter afirma que os Evangelhos são uma forma de legitimar uma identidade e

    um estilo de vida, ou seja, sua função primeira não é informar, mas formar uma comunidade

    de discípulos de Jesus.22 

    O Evangelho nasce em uma comunidade estabelecida num centro urbano. O local de

    origem onde foi escrito não se pode afirmar com certeza. Fala-se em Jerusalém, Palestina,

    18 Cf. PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46): Juicio de Diosy compromisso histórico em Mateo. Salamanca: Sigueme, 1984, p. 307. 19 KONI NGS, Johan. Quem é quem na “Parábola do último juízo” (Mt 25, 31-46)?, p. 394.20 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 307.21 Cf. J. AUNEAU et al. Evangelhos sinóticos e Ato dos Apóstolos. [Tradução: M. Cecília de M. Duprat]. SãoPaulo: Paulinas, 1985, p. 174.22 Cf. CARTER, Warren. O Evangelho de Mateus: comentário sociopolítico e religioso a partir das margens.São Paulo: Paulus, 2002,  p. 23-24. 

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    Cesaréia Marítima, Séforis ou Tiberíades na Galiléia, Pella na Transjordânia, ou Síria.23 

    Carmona afirma que “a opinião mais em voga considera que o Evangelho de Mateus teve sua

    origem na Igreja de Antioquia”24.

    Algumas características evidenciam esse local como a chamada comunidade de

    Mateus. A atividade de Jesus na Síria aparece somente em Mateus (Cf. Mt 4,21). Antioquia é

    o lugar onde floresciam as tradições gregas. Inácio de Antioquia em suas cartas alude ao

    material que se encontra apenas neste Evangelho. Em Mateus está presente uma síntese de

    Marcos e da fonte Q, material esse que se encontrava em Antioquia. A Igreja de Mateus era

    organizada com ministérios de profetas e mestres, ministérios estes presentes em Antioquia

    segundo At 13,1. Com isso, conclui Carmona: “O texto de Mateus e a história da Igreja de

    Antioquia se explicam e se iluminam reciprocamente”25.Ao observar a Igreja de Mateus é possível ver claramente um apego à lei de Moisés,

    que prescreve até a observância dos menores mandamentos. “Em verdade vos digo, até que

     passe o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja

    realizado. Aquele, portanto, que violar um só desses menores mandamentos e ensinar os

    homens a fazerem o mesmo, será chamado o menor no Reino dos Céus” (Mt 5,18-19). Mas,

    ao mesmo tempo, encontra-se também um anúncio que supera a observância legalista da lei

    (Cf. Mt 12,7), propondo até certa superação da mesma (Cf. Mt 5,31-32.38-39), o que proporciona clara abertura do cristianismo aos pagãos.26  “E este Evangelho do Reino será

     proclamado no mundo inteiro, como testemunho para todas as nações” (Mt 24,14)27.

    Barbaglio explica esses dois pontos contrastantes com a probabilidade da comunidade

    mateana estar dividida em dois grupos, onde um é judeu-cristão, com rígidos observantes da

    lei, e outro formado por cristãos mais abertos. O autor do Evangelho seria o mediador entre os

    dois grupos, contestando os observadores rígidos da lei. Por outro lado, se opõe também aos

    cristãos de origem anomista, que queriam anular o AT e aos cristãos carismáticos que se

    23 Carter apresenta os autores defensores das diversas possibilidades de lugares onde o Evangelho possa ter sidoescrito: ALLEN: Jerusalém e Palestina; VIVIANO: Cesaréia Marítima; OVERMAN: Séforis ou Tiberíades(Galiléia); SLINGERLAND: Pella na Transjordânia; SALDARINE: Síria. Cf. CARTER, Warren. O Evangelhode Mateus,  p. 34.24  MONASTERIO, Benedito Aguine; CARMONA, Antonio Rodriguez. Evangelhos Sinóticos e Atos dosApóstolos. 5. ed. São Paulo: Ave Maria, 2012, p. 254. Entre os autores usados nesta pesquisa, a maioria opta porAntioquia, como X. Pikaza, Antonio Rodriguez Carmona e Warren Carter.25 Idem.26 Cf. BARBAGLIO, Giuseppe; FABRIS, Rinaldo; MAGGIONO, Bruno. Os Evangelhos. [Tradução: JaldemirVitorio et al] São Paulo: Loyola, 1990. v. 1, p. 40.27 BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. [Tradução de Gilberto da Silva Gorgulhos (Coord.)]. 4. imp. ver.amp. São Paulo, Paulus, 2002. 2206 p. Esta versão será utilizada para todas as citações Bíblicas, sendo que ascitação serão feitas no corpo do texto. 

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    vangloriavam de manifestações extraordinárias como curas, milagres, exorcismos, que Jesus

    operava, mas não viviam na prática os ensinamentos de Jesus.28  Mateus apresenta em seu

    Evangelho um caminho inaugurado por Jesus que tem como base o Antigo Testamento e suas

     promessas, porém, iluminado pela Boa-Nova que servirá para todo homem que deseja viver

    de maneira nova, em comunidade.29 

    O autor do Evangelho possui um estilo próprio. Apesar de anônimo30, tratava-se de um

    cristão convertido do judaísmo, como mostram as diversas expressões semíticas utilizadas ao

    longo do texto. Barbaglio apresenta as mais comuns: “Reino dos céus em vez de Reino de

    Deus, Pai nosso (meu) que estás nos céus, cumprir a lei (5,17), a lei os profetas (7,12; 22,40),

    a casa de Israel (15,24), nem um jota, nem um ponto da lei (16,19 e 18,18), a carne e o sangue

    e as portas dos infernos (16,17-18), ligar e desligar (16,19 e 18,18)”31.Provavelmente era alguém responsável pela comunidade, conhecedor das Escrituras,

    que levava a sério a práxis cristã, ou seja, uma ideia coerente com as palavras do Senhor. Em

    seus escritos, Jesus não só ensina, mas se apresenta como modelo a ser seguido. A Igreja,

    comunidade dos discípulos, segue a Cristo e deve ser o lugar da prática do amor.32 

    Pikaza escreve sobre três planos de leitura do Evangelho. O primeiro que apresenta os

    cincos grandes discursos de Mateus, lembrando o livro do Pentateuco, que compilam os

    sermões e transmitem a mensagem de Jesus. Esse plano é chamado de leitura discursiva. Osegundo, chamado de leitura narrativa, acentua os três momentos do caminho de Jesus, que

    tem como marco a frase “Então Jesus começou...” (4,14; 16,21). O primeiro momento marca

    o surgimento de Jesus como Messias esperado: “Livro da origem de Jesus Cristo, filho de

    Davi, filho de Abraão”  (Mt 1,1); o segundo, a ação de Jesus como pregador que anuncia o

    Reino; o terceiro abre o caminho para a entrega de sua vida que culmina na morte e

    ressurreição. O terceiro plano, leitura sinótica ou referencial, Pikaza chama de unidade de

    aliança, que propõe a leitura do Evangelho na ótica da aliança entre Deus e os homens.

    33

      No campo socioeconômico parece que a comunidade de Mateus está inserida em um

    verdadeiro conflito, onde opção religiosa e economia estão intrinsecamente ligadas. Paulo

    Roberto Garcia afirma que: “ para a comunidade de Mateus, a opção pelo Reino tem como

    28 Cf. BARBAGLIO, Giuseppe; FABRIS, Rinaldo; MAGGIONO, Bruno. Os Evangelhos, p. 40.29 Cf. PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 269-270.30 Uma tradição que remonta a Pápias, conforme o testemunho transmitido por Eusébio (HE 3,39,16), atribui o

     primeiro Evangelho ao apóstolo Mateus. A maioria dos autores não dá crédito a essa informação e considera queo autor é um judeu-cristão (alguns poucos afirmam que é um pagão-cristão) desconhecido. Cf. MONASTERIO,

    Benedito Aguine; CARMONA, Antonio Rodriguez. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 257.31 BARBAGLIO, Giuseppe; FABRIS, Rinaldo; MAGGIONO, Bruno. Os Evangelhos, p. 43.32 Cf. Idem, p. 43-44.33 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 237.

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    consequência inevitável a pobreza material” 34. Ele continua: “Uma história peculiar que olha

    esse tema por outro viés é a história do jovem rico (Mt 19,16-22). Esse jovem é um fariseu,

    rico, que não quer abandonar seus bens e ficar pobre para seguir Jesus”35. Já Carter afirma que

    “a antiga opinião de que as comunidades do cristianismo primitivo eram constituídas quase

    exclusivamente de miseráveis sociais e econômicos não parece sustentável”36. Parece que a

    comunidade era uma amostra da sociedade: complexa e diversa.

    A sociedade da época era composta por uma classe de elite e uma não-elite, segundo

    Carter. A elite era composta de um governador indicado por Roma, que comandava as

    legiões, recolhia os impostos e mantinha a ordem pública. Abaixo dele estava a elite

    governante, aliados a Roma. Entre esses, destacam-se os latifundiários, cujas riquezas

     provinham do controle da terra e matérias-primas. Essa elite era auxiliada pelos sacerdotes,magistrados, coletores de impostos, burocratas, escriturários, educadores, juízes e soldados.

    Todo esse grupo era sustentado economicamente pelas taxas, juros e aluguéis, além de rendas

    obtidas de negócios e comércio.37 

    “Ao redor e abaixo da elite vivia a não-elite, a maioria da população. A não-elite

    incluía livres, libertos e escravos”38. Esse grupo composto de pequenos mercadores, artesãos e

    operários, sustentavam a elite com seu estilo de vida.

    O nível inferior da sociedade era composto pelos marginais involuntários, impuros, eos indesejáveis sendo eles: diaristas, indigentes, alguns escravos, os que dependiam de

    esmolas, mulheres sem sustento familiar, os enfermos e os mutilados fisicamente, criminosos,

     bandidos e prostitutas, etc.39 

    Parece que esse grupo torna-se o destinatário da missão de Jesus, e por assim dizer,

    dos seus discípulos. “Com efeito, eu não vim chamar os justos, mas pecadores” (Mt 9,12).

    A perícope estudada neste trabalho encontra-se no último grande discurso de Jesus,

    apresentado por Mateus. Konings diz que “a perícope 25,31-46 constitui-se, portanto, em‘última palavra’ do ensinamento de Jesus. O conteúdo corresponde obviamente a este lugar de

    destaque: tem função conclusiva para o conjunto do ensinamento de Jesus”40.

    34 GARCIA, Paulo Roberto. Também sobrevivência e solidariedade: a comunidade de Mateus. Caminhando, v.7, n. 1, 2002, p. 38-51. [Edição on-line, 2009], p. 43.35 GARCIA, Paulo Roberto. Também sobrevivência e solidariedade: a comunidade de Mateus. Caminhando, p.43.36 CARTER, Warren. O Evangelho de Mateus, p. 50.37 Cf. Idem, p. 39.38 CARTER, Warren. O Evangelho de Mateus, p. 39.39 Cf. Idem.40 KONINGS, Johan. Quem é quem na “Parábola do último juízo” (Mt 25, 31-46)?, p. 379.

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    Apesar de chamada de parábola do juízo final, o texto não se enquadra no gênero de

     parábola. De matéria particular, ele está dentro do chamado discurso apocalíptico, ou ainda,

    escatológico. Não se separa do contexto anterior (Mt 24) uma vez que, de certa forma,

    mantém o mesmo tema, mas ao mesmo tempo difere quanto ao gênero literário e ao conteúdo.

    Konings diz que a conexão entre a descrição do juízo e o texto que a precede é a surpresa

    diante do critério do juízo, ou seja, a caridade, e a destinação escatológica dos julgados:

    herança ou condenação.41 

    Carter introduz o texto do juízo final (Mt 25,31-46) com essas palavras:

    O discurso escatológico dos dois capítulos culmina com uma cena de julgamento.Depois da tribulação prolongada ou aflições escatológicas (24,3-26), a chegada

    esperada, atrasada e gloriosa do Filho do Homem (24,48; 25,5.19) acontece (24,27-31.37.39.44). Acompanhado por anjos (24,31.36), ele executa o julgamento

     justificando os justos (24,45-47; 25,10.19-23) e castigando os maus e desprevenidos(24,40-41.48-51; 25,11-12.24-30).42 

    O mesmo autor apresenta ainda, que cenas de julgamentos são presentes nos escritos

    apocalípticos, trazendo elementos comuns entre eles como: juiz majestoso, anjos, grupo de

     pessoas a serem julgadas, recompensas para os justos e castigo para os maus, etc. Segundo

    Carter, os julgamentos sempre favorecem os desvalidos, colocando Deus em favor dos

    oprimidos, com a intenção de que as cenas animem e encorajem a minoria oprimida que deve

     permanecer fiel aos propósitos de Deus. A literatura apocalíptica anunciava a intervenção de

    Deus na história sofrida do povo.43 

    1.3 O ROSTO DOS POBRES

    Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiroe me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-

    me. Então os justos lhe responderão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e tealimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos forasteiro e terecolhemos ou nu e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e fomoste ver? Ao que lhes responderá o rei: Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes aum desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. (Mt 25, 35-40)

    Entre os exegetas há uma grande discussão sobre quem seriam os “mais pequeninos” 

    citados na perícope acima. Alguns vão identificá-los com os cristãos, defendendo que estes

    41 Cf. KONINGS, Johan. Quem é quem na “Parábola do último juízo” (Mt 25, 31-46)?, p. 379-381.42 CARTER, Warren. O Evangelho de Mateus, p. 609.43 Cf. Idem.

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    estão em situação de miséria por causa das perseguições sofridas no cristianismo primitivo.44 

    Outros autores defendem que esses pequeninos são pobres no sentido estrito da palavra, como

    dito anteriormente, os  ptōchós, ou seja, mendigos, necessitados, pedintes, aqueles que estão

    em condições de miséria.45 

    Dar de comer, dar de beber, acolher o estrangeiro, vestir o nu, visitar o doente e o

     preso. Essas ações, chamadas de práticas de misericórdia corporais não são novidades de

    Mateus, mas, possuem certa tradição bíblica como se pode ver em Isaías que falando sobre o

    verdadeiro jejum questiona: “ Não consiste em repartir o teu pão com o faminto, em recolheres

    em tua casa os pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu e em não te esconderes

    daquele que é tua carne?” (Is 58,7)46.

    1.3.1 Quem tem fome e sede

     No Evangelho de Mateus pode-se notar a preocupação de Jesus em alimentar os

    famintos. Em Mt 12,1-8 permite que seus discípulos se alimentem das espigas, mesmo sendo

    um sábado, apelando para o exemplo de Davi que comeu dos pães da proposição quando

    estavam com fome (Cf. 1Sm 21,2-7). Por duas vezes no Evangelho narra-se a multiplicação

    dos pães (Mt 14,13-21 e 15,32-39). Em ambas as passagens, aparece a preocupação com afome da multidão, uma vez expressada pelos discípulos e outra pelo próprio Jesus que se

    compadece dos famintos. Carter afirma que saciar a fome é “um ato que contraria a

    malversação e a ganância da elite”47.

    X. Pikaza afirma que em Mt 25,31-46 a fome é situada em um plano material. “Jesus,

    o faminto (Cf. Mt 4,2), que quis alimentar messianicamente os necessitados (Mt 14,13-21)

    assume o lugar de todos os que têm fome no mundo e buscam, pedem, alimento”48.

    44 Para Gewalt, o texto tratava, na fase pré-mateana, do julgamento dos não-cristãos segundo o critério de seurelacionamento com os cristãos, refletindo a auto compreensão da comunidade mateana como seita de eleitos; naredação mateana, o texto é interpretado como juízo para recompensa ou condenação dos próprios cristãos,refletindo uma auto compreensão do tipo "igreja". Para Lambrecht trata-se de uma parábola jesuana de teor geral- amor versus legalismo - interpretada num sentido restritivo pelo redator mateano, tendo em vista a missão dos"pequenos" missionários entre os ethnê. Típico é o acréscimo redacional de "irmãos meus" no v. 40, num sentidoeclesial. E conforme Wilckens trata-se de um tema judaico, revolucionariamente radicalizado por Jesus,deixando Deus declarar os necessitados "irmãos seus". A experiência missionária dos Apóstolos serviu de

     paradigma para esta fusão do ético e do teocêntrico. Cf. KONINGS, Johan. Quem é quem na “Parábola doúltimo juízo” (Mt 25, 31-46)?, p. 378.45 Entre eles X. Pikaza, Borkamm, Trilling, Frankemolle, e o próprio Konings. Cf. PIKAZA, Xabier. Hermanos

    de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 87.46 Pode-se ver ainda em Jó 22,6-7; Ez 18,5-9; Tb 4,16-17; Eclo 7,32-36.47 CARTER, Warren. O Evangelho de Mateus, p. 613.48 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 212.

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    Fome e sede são características dos absolutamente pobres, ou seja, dos  ptochoí .

    Ekkehard W. Stegemann afirma que o pão escuro e o óleo de oliva eram os principais

    alimentos dos pobres, que quando possível consumiam verduras ou ovos. Diz ainda que os

     pobres que passavam fome provavelmente invejavam os escravos, uma vez que esses eram

    alimentados pelos seus senhores.49 

    “Dar de beber ao sedento é uma resposta de acolhida para os discípulos quando

    conduzem sua missão (10,42)”50. Dar um copo de água é motivo para ser recompensado no

    Reino de Deus. Também o povo do deserto reclamou a Moisés: “Dá-nos água para beber ” (Ex

    17,2). Este feriu a pedra para satisfazer os peregrinos, dando prova da presença de Deus no

    meio deles. Dar de beber a quem tem sede, em nome do Senhor, é provar a sua presença.

    Segundo Pikaza, “a tradição oriental, bíblica e o cristianismo primitivo (Cf. Ignácio,Esmirna 6,2) indicam que dar de beber ao sedento constitui um ato de serviço básico em favor

    do necessitado”51.

    1.3.2 Quem é estrangeiro e está nu

    “O Xénos, (exilado, estrangeiro), é um homem de outro povo, que tendo outra cultura,

    religião, costumes, por uma ou outra causa, habita em terra estranha”52

    .A figura do estrangeiro tem destaque no mundo bíblico, porque também o povo de

    Israel foi estrangeiro na terra do Egito, atraindo sobre si o olhar e a ação libertadora de Deus.

    Por ter vivido nessa condição é que o povo de Israel não pode oprimir o estrangeiro: “ Não

    afligirás o estrangeiro nem o oprimido, pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito” 

    (Ex 22,20).

    Pikaza indica que os estrangeiros são considerados pelo povo de Israel como os

    “alejados  de Dios”  [separados de Deus], ou seja, não tem Deus e, por isso, devem sercombatidos. Em Mt 25,31-46 há uma inversão: o estrangeiro passa a ser um representante de

    Jesus. Essa inversão indica a superação do nacionalismo e de uma religião fechada.53 

    Em relação ao nu, de grande valia é a contribuição de Stegemann ao tratar do vestuário

    dos pobres:

    49  Cf. STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo:  os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo, p. 116.50 CARTER, Warren. O Evangelho de Mateus, p. 613.51 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 212.52 Idem, p. 213.53 Cf. Idem.

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    O vestuário era um bem precioso que a pessoa sempre levava consigo (quem tinhaduas túnicas, vestia uma sobre a outra) ou até guardava num cofre. Ao que parece, a

     posse de duas túnicas ainda distinguia, entre a gente humilde, os melhores situadosdaqueles mais pobres. Indicativo disso é a conclamação de João Batista ao povosimples: "Quem possuir duas túnicas, dê uma ao que não tem" (Lc 3,11).

    O manto representava algo tão precioso para os pobres que podia servir de penhor(Mt 5,40) ou também ser roubado (Lc 6,29). Quem não vestisse um mantoevidenciava com isso que era extremamente pobre e/ou se encontrava fora dos

     parâmetros normais, como, por exemplo, o possuído em Lc 8,27. O termo "nu"( gymnós) designa, nesse contexto, pessoas que não vestiam o manto, trajando apenasa túnica ou alguns farrapos. Em todo caso essa condição manifesta um status socialmais baixo.54 

    O termo  gymnós, não indica somente uma nudez física, mas a pobreza. Balz traduz

     gymnós de Mt 25, 33.36.38.39.40 por “mal vestido”.55 Ou, seja, o nu não poderia participar

    normalmente da comunidade, assumindo assim, um lugar inferior. Pikaza conclui que “vestiro nu é mais do que dar-lhe roupas, mas é oferecer-lhe educação, comunidade e bens,

    capacitação para superar sua pobreza e marginalização”56. 

    1.3.3 Quem está doente e preso

    O termo usado em Mt 25,31-46 para doente é asthenes que significa débil, enfermo. O

    mesmo termo é usado também por Mateus com significado específico de debilidade corporal

    (Mt 10,8).57 

    Estes enfermos fazem parte do grupo dos marginalizados pela sociedade, os  ptochoi.

    Dentre eles destacam-se os cegos, paralíticos e leprosos.58  Os leprosos, por exemplo, são

    expulsos da comunidade israelita, vivem separados e excluídos da sociedade. Eram

    considerados pessoas impuras.59 

     No Evangelho de Mateus, Jesus por quinze vezes realiza curas (Cf. 4,24; 8,7; 8,16;

    9,7; 9,29; 9,35; 12,13; 12,22; 14,14; 14,34; 15,31; 17,16; 19,2; 20,34), sendo que oito delas

    são relacionadas a enfermidades excludentes. Em Mateus, Jesus cumpre a profecia de Is 53,4,

    que diz: “E no entanto, eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, nossas dores que ele

    carregava”.

    54 STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo, p. 115-116.55  Cf. GYMNOS. In: BALZ, Horst. Diccionario exegetico del Nuevo Testamento.  [Traducido: ConstantinoRuiz-Garrido]. Salamanca: Sigueme, 1996, p. 804.56 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 214.57 Cf. DEBILIDADE, In: BALZ, Horst. Diccionário teológico del Nuevo Testamento, p. 10.58 Cf. STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo, p. 114.59 Cf. BARBAGLIO, Giuseppe; FABRIS, Rinaldo; MAGGIONO, Bruno. Os Evangelhos, p. 153.

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    A ordem de visitar os cativos, presente em Mt 25,31-46 não se encontra nas listas de

    obras caritativas do Antigo Testamento. Em Is 58,6-7 encontra-se a ordem para libertar os

    cativos, ordem esta que se repetirá no capítulo 61 de Isaías e em Lc 4,18. Em Mateus essa

    ordem não aparece, dando lugar à visita aos cativos. Pikaza aponta que a intenção de Mateus é

    diferente do profeta, dizendo inclusive que em Mateus encontra-se uma novidade que é a

    abertura para todos.60 

    Pikaza ainda acrescenta que “dentro do Império Romano, no princípio da Igreja, era

    impossível libertar os cativos; contudo, era possível e necessário visitá-los, levando-lhes

     presença humana e alimento”61. Ivoni Reimer diz que essa prática era não só importante, mas

    vital, uma vez que os presos não recebiam alimentação na prisão, e cita o historiador T.

    Mommsen que “fala da situação como sendo de miséria horrível, e que só após Constantinohavia uma verba estatal destinada para o cuidado das pessoas encarceradas”62.

    Sobre os presos de Mt 25,31-46, Ney Brasil afirma:

    Quem são estes “pequeninos” –   famintos, sedentos, forasteiros, nus, doentes, presos? Seriam só os cristãos, “os que creem em mim” (explicação que encontramosem Mt 18,6, mas não aqui)? Não. O credor da nossa prática, da nossa ajuda, équalquer ser humano que se encontre em situações-limites, no nosso caso, os presos,simplesmente pelo fato de serem presos, de estarem na prisão, mesmo se por umdelito cometido, da mesma forma quem está com fome, ou sede, ou sem teto, ou semroupa ou doente, deve ser socorrido independentemente de ser “merecedor”, ou não,de socorro.63 

    Essa ideia ganha força com a recomendação do autor da carta aos Hebreus: “Lembrai-

    vos dos prisioneiros, como se vós fôsseis prisioneiros com eles, e dos que são maltratados,

     pois também vós tendes um corpo!” (Hb 13,3).

    60 Cf. PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 210.61 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 215.62 REIMER, Ivoni, Richter (Org.). Economia no mundo bíblico: enfoques sociais, históricos e teológicos. SãoLeopoldo: Sinodal, 2006, p. 205.63  PEREIRA, Ney Brasil. Os presos, auto-excluídos?: Eu estava na prisão, e viestes a mim! (Mt 25,36).Pastoral Carcerária. Disponível em: . Acesso em: 12de maio de 2014 às 14h00min. 

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    2 OS PEQUENINOS SÃO IRMÃOS DO SENHOR

    A identificação de Deus com os pequenos parece ser um elemento presente no

    decorrer de toda a Sagrada Escritura. Já no Antigo Testamento destaca-se a iniciativa de Deus

    que vê e ouve o seu povo que está no Egito:

    Iahweh disse: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a

    fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dosamorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus”. (Ex 3, 7-8)

    Deus se coloca aqui como defensor dos oprimidos, ou seja, dos ‘anawîm, que se

    encontram em situação deplorável. O livro do Êxodo diz que os israelitas eram obrigados ao

    trabalho, e os fiscais egípcios tinham a função de tornar dura e amarga suas vidas (Cf. Ex 1, 8-

    13). Aquilo que já era duro, fica pior quando o faraó manda matar todo recém-nascido do

    sexo masculino.64 

    Moisés, o salvo das águas, vai receber de Deus a missão de libertar os pobres e

    oprimidos. Deus vê e se solidariza com os pobres. “Deus não é neutro, mas está a favor dos

     pobres e dos oprimidos, dos 'anawîm. Então a solidariedade de Deus se torna ativa”65. Deus

    toma partido, escolhe o povo para si, chamando “meu povo”, lhe fazendo promessas.

    A experiência de libertação do povo de Israel, que estava oprimido no Egito, favorece

    o estabelecimento de leis bíblicas em favor dos pobres, fundando o “direito do pobre”:

     Não afligirás o estrangeiro nem o oprimido, pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito. Não afligireis nenhuma viúva ou órfão. Se o afligires e ele gritar amim, escutarei seu grito; minha ira se acenderá e vos farei perecer pela espada:vossas mulheres ficarão viúvas e vossos filhos órfãos. Se emprestares dinheiro a umcompatriota, ao indigente que está em teu meio, não agirás com ele como credor queimpõe juros. Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antesdo pôr do sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que sedeitaria? Se clamar a mim eu o ouvirei, porque sou compassivo. (Ex 22,20-25)

    64 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 61.65 FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 61.

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    Com o advento da monarquia, os problemas de desigualdade entre ricos e pobres

    torna-se ainda maior, quase que obrigando o surgimento de profetas para denunciarem as

    injustiças sociais presentes tanto no Reino do Norte como no Sul.

     Na monarquia, a economia mudou daquela de trocas para uma que empregavadinheiro, e muitos agricultores passaram a depender financeiramente dos homens dacidade. Este empobrecimento de uma larga faixa da população era ressentido, nãosomente como problema social, mas também como problema religioso, pois erafruto da quebra da Lei divina. E os profetas do século VIII a.C., em especial,atacavam em nome de Javé esta injustiça social, mormente a opressão dosagricultores e dos pobres, ameaçando com o juízo divino os ricos que eram osculpados.66 

     No reino de Israel, destaca-se Amós, profeta no Norte, que graças a seu olhar crítico

     para problemas econômico-administrativos, denuncia o grande contraste que há entre os ricos

    que constroem palácios e residências luxuosas, na Samaria, enquanto uma massa de

    miseráveis tem “suas cabeças esmagadas sobre o pó da terra” (Cf. Am 2,7).67 Ele continua:

    Ouvi isso, vós que esmagais o indigente e quereis eliminar os pobres da terra, vósque dizeis: “Quando passará a lua nova, para que possamos vender o grão, e osábado, para que possamos vender o trigo, para diminuirmos o efá, aumentarmos ossiclos e falsificarmos as balanças enganadoras, para comprarmos o fraco comdinheiro e o indigente por um par de sandálias e para vendermos o resto do trigo?”

     Não esquecerei nenhuma de suas ações. (Am 8, 4-7)

    Amós denuncia as diversas ações pecaminosas em detrimento dos pobres e anuncia a

    intervenção de Deus em favor destes que são oprimidos, humildes e miseráveis (Cf. Am 4, 2-

    3).

     No reino de Judá, em Jerusalém a situação não é muito diferente. Mas dessa vez é a

    voz de Isaías (740 a.C) que se levanta denunciando a corrupção dos magistrados e dos

     políticos, daqueles que gastam no luxo o dinheiro injusto (Cf. Is 5,11-12).68 

    Jorge Pixley comenta Isaías dizendo:

    Entre os grandes profetas de Israel e de Judá o único que era da capital foi Isaías deJerusalém. [...] Ele também denuncia que os que governam são assassinos e gostamdo suborno (Is 1, 21-26), que não atendem os casos das viúvas e dos órfãos (Is 10, 1-4). Reconhece também o problema denunciado por Miquéias de que os latifundiáriosestão ficando com a terra toda e por isso Javé fará com que elas não produzamembora sejam trabalhadas (Is 5, 8-10). Devido ao juízo de Javé, o país ficará comoum bosque que foi devastado (Is 6, 11-13). Contudo, Isaías espera que Javé fará

    66 POBRE. In: BROWN, Colin. O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento,  p. 567.67 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia, p. 77.68 Idem, p. 79.

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    surgir um rei justo que defenda a causa dos pobres (Is 11, 1-9). Quer dizer, esperauma sociedade de classes sem exploração!69 

    Jeremias em sua profecia, um século depois, vai defender o estrangeiro, o órfão e a

    viúva, uma vez que essas categorias protegidas pelos textos legislativos tornam-se critério

     para medir a fidelidade à Aliança (Cf. Jr 22,1-5).

    Miquéias, por sua vez, denuncia a situação dos pobres no ambiente rural. Mais

    incisivo que Isaías, Miquéias descreve a opressão dos pobres nesses termos:

    Ouvi, pois, isto, chefes da casa de Jacó e dirigentes da casa de Israel, vós queexecrais o direito, que torceis o que é direito, vós que edificais Sião com o sangue eJerusalém com injustiça; seus chefes julgam por suborno, seus sacerdotes decidem

     por salário e seus profetas vaticinam por dinheiro (Mq 3, 9-11).

    Em Miquéias e também em Sofonias os pobres se tornam destinatários da missão do

    Messias. Os pobres tendem a se identificar com os justos, uma vez que em sua aflição

    confiam em Deus. Fabris afirma que “esse processo de espiritualização (do pobre) é

    testemunhado nos Salmos, nos quais há uma interligação entre pobre esmagado, o miserável e

    o justo”70. O pobre se torna o crente. Nesse sentido Miquéias anuncia as promessas aos

     pobres: “ Naquele dia - oráculo do Senhor - reunirei os estropiados, congregarei os dispersos e

    os que maltratei” (Mq 4,6). Essas imagens refletem o povo do Exílio, que agora passa a ser o

    destinatário do Reino.71 

    Também nos textos sapienciais a figura do pobre está presente. No livro dos Salmos,

    como já foi dito, ele se confunde com o humilde, o justo, o crente. É aquele que confia sua

    causa ao Senhor, por isso é justo. Deus, por sua vez, se inclina para ouvir a sua oração, o seu

    clamor. “É verdade que não ouvimos aí apenas as queixas dos indigentes, mas também a

     prece dos perseguidos, dos infelizes, dos aflitos: todos esses fazem parte da família dos pobres

    e os salmos nos revelam sua alma comum” (Sl 9-10; 22,25; 69)72.Os pobres, nos Salmos, não o são somente de cunho material. Para traduzir ‘anaw, os

    gregos usaram ptochos (indigente), penes (pobre necessitado) e também prays que traz a ideia

    de um homem “manso”, “quieto”, mesmo na provação.73 

    69  PIXLEY, Jorge; BOFF, Clodovis. Opção pelos pobres: experiência de Deus e justiça. 2. ed. Petrópolis:Vozes, 1987, p. 64.70 FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia, p. 84.71 Cf. Idem, p. 84-85.72 POBRES. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et al. Vocabulário de Teologia Bíblica. [Tradução: Simão Voigt].Petrópolis: Vozes, 1972, p. 783.73 Cf. Idem.

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    “Os que sofrem e rezam com tais sentimentos bem merecem o nome de ‘Pobres de

    Javé’ (Sl 74,19; 149,4); são objeto de seu amor benevolente (Cf. Is 49,13; 66,2) e constituem

    as primícias do ‘ povo humilde e modesto’ (Sf 3,12s), da ‘Igreja dos pobres’ que o Messias

    reunirá”74.

    Diferente dos profetas, os autores sapienciais, colocam a questão dos pobres não como

    resultado da iniquidade dos poderosos, mas como um efeito de sorte na vida. “Antes, a

     pobreza muitas vezes é fruto da preguiça”75. O rico, por sua vez, deve dar esmola para se

    tornar justo diante de Deus. “A esmola é um elemento essencial da verdadeira piedade bíblica

    (Tb 4,7-11; Ecl 3,30 - 4,6)”76.

    Há um certo paradoxo nos textos sapienciais, onde o pobre aparece, não poucas vezes,

    como castigado por seus crimes, enquanto os ricos também são rechaçados. O ideal parecenão ser rico nem pobre (Cf. Pr 30,8s).77 

    Durante o tempo do Exílio acontece uma notável mudança no conceito de “ pobreza”.

    M. Stenzel diz que: “ pobreza (anawah) agora se identifica com humildade e entrega a Deus.

    [...] Os pobres são agora os piedosos que estão frente a frente com os impiedosos poderosos e

    ricos”78.

    2.1 JESUS SE IDENTIFICA COM OS POBRES

     No Novo Testamento, a opção de Deus pelos pobres se explica, a princípio, pela

    “descida” de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Ele é o Emanuel –   “Deus conosco” (Cf. Mt

    1,23), que veio para salvar o seu povo. O anúncio do anjo diz: “Não temais! Eis que vos

    anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o

    Cristo-Senhor, na cidade de Davi” (Lc 2,10).

    O resumo apresentado por Müller no Dicionário Bíblico-Teológico, quando trata dosverbetes pobreza/riqueza, demonstra bem a relação entre Deus e os pobres no Novo

    Testamento.

    Segundo o NT, Deus está decididamente ao lado dos pobres e necessitados. Quem peca contra eles, age contra Deus, que quer a vida de todos. Desde que Deus no seuFilho Jesus Cristo assumiu a pobreza humana, o pobre é imagem de Deus e exige a

    74 POBRES. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et al. Vocabulário de Teologia Bíblica, p. 783.75 FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 87.76 POBRES. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et al. Vocabulário de Teologia Bíblica, p. 783.77 Cf. Idem.78 POBREZA. In: BAUER, JOHANNES B. Dicionário de Teologia Bíblica: Juízo-Zêlo. [Tradução: HelmuthAlfredo Simon] 3. ed. v. 2. São Paulo: Loyola, 1983, p. 872.

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    Também no episódio do jovem rico, percebe-se a identificação de Jesus com os

     pequeninos, os pobres. “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?” (Mt 19,16). Depois

    de indicar a vivência dos mandamentos, e da insistência do jovem (que pergunta “que me falta

    ainda?”), Jesus diz: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis e dá aos pobres, e terás

    um tesouro nos céus” (Mt 19,21).

     Na lógica do Evangelho dar os bens aos pobres não é um conselho, nem uma doação

    do supérfluo, mas a condição para seguir Jesus e entrar no Reino de Deus. Para Jesus deve-se

    colocar a serviço dos pobres não só os bens, mas também a vida como gesto de amor pela

    libertação deles.

    A perícope de Mt 25,31-46 é por excelência a identificação entre Jesus, o Filho do

    Homem e os pequeninos  –   pobres. “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). 

     No grego os elákhistoi (pequenos) tornam-se os adelphôn mou (irmãos meus). Pikaza

    diz que este ponto concede um valor profundo a todo o texto: “os pequenos, a quem se deve

    oferecer um gesto de serviço, são mais que mendigos esquecidos pelo mundo; são parte do

    mistério do Filho do Homem, são sua família, seus irmãos”84.

    Acerca dessa passagem, os comentaristas são praticamente unânimes em destacar a

    identificação do Filho do Homem com os pequenos, do rei e juiz com os pobres. Barbaglioassinala: “Ao invés, parece original a indicação de que a ajuda prestada ou recusa da ao pobre

    é ajuda prestada ou recusada ao próprio Jesus. De fato, nos necessitados encontra-se o Filho

    do Homem. Entre eles existe uma misteriosa solidariedade. Eles são os seus irmãos”85.

    Dupont afirma que o “Juiz Soberano considera os infelizes como seus irmãos: tudo o

    que se fizer por eles será como se tivesse sido feito a ele mesmo, o Senhor”. E pergunta: “Será

     preciso dizer algo mais claro do que isto para que se chegue a entender que existe realmente o

    dever de ajudar a toda sorte de pobres que existe?”

    86

    .Konings, a esse respeito, escreve que a designação “irmãos meus” significa uma

    dignidade que Jesus concede aos necessitados, uma vez que estes não a possuíam

     previamente.87 E acrescenta:

    É porque os necessitados não têm qualificação alguma, também não a de “irmãos”no sentido eclesial, que a misericórdia exercida a eles é gratuita e, por isto, conforme

    84 PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los mas pequenos (Mt 25, 31-46), p. 318.85 BARBAGLIO, Giuseppe; FABRIS, Rinaldo; MAGGIONO, Bruno. Os Evangelhos, p. 371.86 DUPONT, J. et al. A pobreza evangélica. [Tradução: Clemente Raphael Mahl]. São Paulo: Paulinas, 1976, p.41.87 Cf. KONINGS, Johan. Quem é quem na “Parábola do último juízo” (Mt 25, 31-46)?, p. 396.

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    à vontade do Senhor. Mas este mesmo Senhor outorga aos necessitados a dignidadede serem seus representantes e, neste sentido seus “irmãos”, ou seja , pessoasintimamente ligadas a ele. Não porque eles são membros da Igreja, mas porquecomo necessitados eles nos são recomendados pelo Filho do Homem, eles recebemdo[sic] título de “irmãos”.88 

    Pikaza chega a afirmar que na relação de Jesus com os pobres transparece uma

    “reavaliação da sacralidade”. Diz ele: “Onde o judaísmo ambiental havia sacralizado o

    sábado, como sinal de fidelidade a Deus e de experiência religiosa, Jesus preferiu suscitar um

    novo fundamento: o cuidado dos pobres, a libertação dos oprimidos”89.

    A relação de Jesus com os pobres no Novo Testamento se comprova ainda com muitos

    outros textos.90 

    2.2 CARIDADE COMO AÇÃO SALVÍFICA

    A preocupação com os pobres não se limitou ao Novo Testamento, mas se prolongou

    ao longo da história da Igreja. A caridade feita a eles torna-se pouco a pouco em ação

    salvífica e, por assim dizer, em seguimento a Cristo.

    Essa relação pobreza-salvação permanece ao longo dos séculos nos ensinamentos da

    Igreja. Desde a doutrina dos Santos Padres, no magistério ao longo dos séculos, até a prática

    apresentada na vida dos santos, o pobre sempre foi sinal de salvação.91 

    A Doutrina dos Doze Apóstolos (Didaqué - 70-90), diz: “ Não rejeite o necessitado.

    Compartilhe tudo com seu irmão e não diga que as coisas são apenas suas. Se vocês estão

    unidos nas coisas imortais, tanto mais estarão nas coisas perecíveis (Cf. At 4,32; Hb

    13,16)”92.

    É possível notar que o seguimento a Cristo está vinculado em fazer o bem aos mais

    necessitados. Os textos dos Padres da Igreja indicam bem essa realidade.

    88 KONINGS, Johan. Quem é quem na “Parábola do último juízo” (Mt 25, 31-46)?, p. 396.89 Pikaza se fundamenta no capítulo 12 de Mateus, onde Jesus se opõe aos fariseus quanto à observância doSábado em detrimento da vida dos pobres. PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y servidores de los maspequenos (Mt 25, 31-46), p. 371-372.90 Este trabalho se limita aos textos de Mateus por causa dos seus objetivos. Apesar de outros textos do NT

    serem retomados ao decorrer dos capítulos seguintes.91 Cf. GALILEIA, Segundo. O caminho da espiritualidade: visão atual da renovação cristã. [Tradução: ÁlvaroCunha]. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 203.92 DIDAQUÉ. [Tradução: Ivo Storniolo]. 17. ed. São Paulo: Paulus, 2010, p. 15.

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    São Basílio um dos padres da Igreja que com mais ênfase defendeu os pobres, diz:

    “‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, porque tive fome e não me destes de

    comer...’ Vede que não acusa aí o ladrão, mas se condena o que não quer dar do seu” 98.

    Santo Ambrósio também é contundente na defesa dos pobres:

    O que dás ao necessitado é de proveito também para ti mesmo. O que diminui o teucapital cresce em proveito teu. O Pão que dás ao pobre alimenta-te a ti. Pois quem secompadece do necessitado cultiva-se a si mesmo com os frutos de sua humanidade.A misericórdia semeia-se na terra e germina no céu. Planta-se no pobre multiplica-seem Deus... Porque não dás ao pobre o teu, mas devolves o dele. Pois o que é comume foi criado para uso de todos, o estás usurpando só para ti. A terra é de todos, não sódos ricos. Mas são muito mais os que não gozam dela do que os que a desfrutam.Por isso, ao jejuar, não dás gratuitamente o que não deves, mas pagas uma dívida...99 

    São João Crisóstomo, que nasceu em Antioquia100, em diversos de seus sermões

    defende a caridade feita aos pobres e critica duramente os ricos, quando estes se envergonham

    de compartilhar e conviver com os pobres. Relembra o exemplo de Cristo que se identifica

    com eles, e diz: “Se nos envergonharmos de quem Cristo não se envergonha, nos

    envergonharemos do próprio Cristo envergonhando-nos de seus amigos. Por favor: convida a

    comer coxos e mendigos, porque através deles, vem Cristo; não através dos convidados

    ricos”101. 

    Em outra passagem, pregando sobre o livro do Gênesis, refere-se ao texto de Mt

    25,31-46 dizendo:

    O Senhor e criador do universo diz: “Tive fome e não me deste de comer”. Quecoração não se comoveria com essa palavra, ainda que fosse de pedra? Teu Senhoranda por aí morto de fome, e tu dando-te à gula. E o terrível é que, deste modo, tutranquilamente o desprezas apesar do pouco que te pede: um pedaço de pão paramatar a fome. Ele anda por aí tremendo de frio e tu te vestes de seda e não te dignasolhá-lo nem lhe demonstrar compaixão, mas passas ao largo sem dó nenhum... Quenão seja todo o nosso afã acumular riquezas a todo custo e mais do que ninguém.

    Pensemos também em administrá-los bem, remediando a miséria dos necessitados, para não perder esses outros bens que não mudam e duram para sempre.102 

    98 BASÍLIO. Comentário a Mateus 25,31-46 em http://www.veritatis.com.br/conheca-mais/7071-sobre-caridade- pobreza-e-justica-social. Acesso em 10/05/14 às 19h00 min.99 FAUS, José Ignacio Gonzáles. Vigários de Cristo: os pobres na teologia e espiritualidade cristãs. Antologiacomentada. [Tradução: João Rezende Costa]. São Paulo: Paulus, 1996, p. 58.100 Neste trabalho optou-se pela teoria de que o Evangelho de Mateus foi escrito na comunidade de Antioquia,

     por isso, a importância dos textos de São João Crisóstomo, uma vez que pertencem ao mesmo ambiente doEvangelho.101 FAUS, José Ignacio Gonzáles. Vigários de Cristo, p. 27.102 Homilia 50 sobre o Gênesis In: FAUS, José Ignacio Gonzáles. Vigários de Cristo, p. 26.

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     Na Liturgia das Horas encontra-se uma das homilias de Crisóstomo relacionada à

    caridade feita aos pobres, como feita ao próprio Cristo. Para ele, Jesus está tão presente na

    Eucaristia quanto nos pobres103:

    Queres honrar o corpo de Cristo? Não o desprezes quando nu; não o honres aquicom vestes de seda e abandones fora no frio e na nudez o aflito. Pois aquele quedisse: Isto é o meu corpo (Mt 26,26) e confirmou com o ato a palavra, é o mesmoque falou: Tu me viste faminto e não me alimentaste (Cf. Mt 25,35); e: O que nãofizeste a um destes mais pequeninos, não o fizeste a mim (Cf. Mt 25,45). Este nãotem necessidade de vestes, mas de corações puros, aquele, porém, precisa de grandecuidado. [...] Pensa também isto a respeito de Cristo, quando errante e peregrinovagueia sem teto. Não o recebes como hóspede, mas ornas o pavimento, as paredes eos capitéis das colunas, prendes com cadeias de prata as lâmpadas, e a ele, preso emgrilhões no cárcere, nem sequer te atreves a vê-lo. Torno a dizer que não proíbo taisadornos, mas que com eles haja também cuidado pelos outros. Ou melhor, exorto aque se faça isto em primeiro lugar. Daquilo, se alguém não o faz, jamais é acusado;isto, porém, se alguém o negligencia, provoca-lhe a geena e fogo inextinguível,suplício com os demônios. Por conseguinte, enquanto adornas a casa, não desprezeso irmão aflito, pois ele é mais precioso que o templo.104 

    São Pedro Crisólogo entre 406-450, apresenta a relação de Cristo com o pobre nesses

    termos:

    Peçamos, pois, irmãos, para que o Senhor nos conceda entender o que deve serentendido aqui, e porque se pode falar de “entender o necessitado e o   pobre”.Compreender que no pobre está desnudo o mesmo que veste os céus, que no faminto

     passa fome a saciedade de toda as coisas, que no sedento padece sede a fonte das

    fontes, como não há de ser grande? Como não há de ser magnifico compreender quevenha larga pobreza para aquele a quem o céu é estreito, ou que padeça necessidadeno indigente aquele que enriquece o mundo, ou que busque um pedaço de pão oucom copo de água aquele que é doador de todas as coisas, e que Deus se abaixe tanto

     por amor ao pobre que já não simplesmente está presente no pobre, mas ele própriose faz pobre? Aquele a quem Deus concede compreender isso, é este que entende o

     pobre.105 

    Com esse panorama geral do período da patrística, é notável a compreensão da

    identificação entre Jesus e os mais necessitados. Para esses autores fazer o bem ao próximo,

     principalmente ao pobre, é fazê-lo a Cristo.

    2.2.1. A Caridade salva quem a pratica

    Inúmeros homens e mulheres ao longo da história da Igreja alcançaram as glórias dos

    altares justamente por causa de uma vida dedicada à caridade.

    103 São João Crisóstomo está fazendo discursos pastorais sem preocupação com a doutrina da presença real de

    Jesus na Eucaristia, mas antes, deseja inserir em seus ouvintes a prática da caridade.104  JOÃO CRISÓSTOMO. Das Homilias sobre Mateus. In: Liturgia das Horas. Tomo IV. Sábado da 21ªSemana do Tempo Comum. São Paulo: Paulus, 1999, p. 155-156.105 FAUS, José Ignacio Gonzáles. Vigários de Cristo, p. 64.

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    Já no texto de Mt 25,31-46 pode-se notar que o critério usado para separar as ovelhas

    dos cabritos não é a prática religiosa, mas a prática da caridade. “Vinde benditos de meu Pai,

     porque tive fome e me destes de comer [..]. Afastai-vos de mim malditos, porque tive fome e

    não me destes de comer...” (Mt 25,31-46).106 

     Na Antiguidade, encontra-se o testemunho dos padres citados anteriormente, quer seja

     por seus discursos e escritos, ou por suas práticas caridosas, deixando um legado a ser

    seguido. Um exemplo a ser citado é o de São Martinho que com um golpe de espada cortou o

    seu capote para dar metade a um mendigo.107 

     Na Idade Média, pode-se encontrar uma continuidade doutrinal em relação à patrística.

    São incontáveis os testemunhos de homens e mulheres que, abdicando de tudo, dedicaram-se

    à prática da caridade e do serviço aos pobres.A partir do século IV, difunde-se do Oriente para o Ocidente uma forma de ajuda aos

    necessitados chamada diaconia, que consistia em fazer uma lista dos mais pobres, chamada

    matrícula, a quem se ofereciam refeições diárias. Os matriculários são chamados de “os

     pobres de Cristo”, ou da Igreja. As casas que os acolhiam, denominadas  xenodochia  ou

    hospitalia são sustentadas pelas diversas Igrejas particulares e seus respectivos bispos. Entre

    elas destacam-se os mosteiros beneditinos que destinavam uma parte de sua renda para a

    caridade.108

      Nesse período, também conhecido como Alta Idade Média, destacam-se homens como

    Beda, o venerável (674-754); São Pedro Damião (1007-1072), Santo Anselmo de Cantuária

    (1033-1109); Pedro Abelardo (1079-1142) e São Bernardo de Claraval (1091-1153) por

    defender o valor divino do pobre, fazendo ecoar a tradição patrística.109 

    “Do fim do séc. XI ao começo do séc. XIII o f enômeno da pobreza como privação dos

     bens fundamentais para a subsistência assume dimensão social considerável, por causa das

    calamidades naturais em conexão com a expansão demográfica”

    110

    . Com isso as formastradicionais de assistência não conseguem atender à alta demanda, além da crise nas

    instituições eclesiais que estão em grande parte corrompidas. Todo esse cenário abre caminho

     para as diversas reformas seja nas instituições monásticas, (como o mosteiro de Cluny, a

    106 Cf. GALILEIA, Segundo. O caminho da espiritualidade, p. 206.107  Cf. MOLLAT, Michel. Os pobres na Idade Média.  [Tradução: Heloisa Jahn]. Rio de Janeiro: Campus,

    1989, p. 23.108 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 144-145.109 Cf. FAUS, José Ignacio Gonzáles. Vigários de Cristo, p. 77-110.110 FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia, p. 145.

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    reforma Cisterciense, os Cartuxos, o movimento Cátaro) ou através da nova forma de vida das

    chamadas ordens mendicantes.111 

    Destaca-se dentre as ordens mendicantes o Franciscanismo, que na busca de Francisco

    de Assis por viver o Evangelho tal qual foi escrito, tem por primeiro desejo servir os mais

     pobres, e dentre esses, os leprosos.

    O Senhor deu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência assim: comoestivesse em pecado, parecia-me demasiadamente amargo ver leprosos. E o próprioSenhor me conduziu entre eles e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles,aquilo que me parecia amargo, converteu-se em doçura da alma e do corpo; e emseguida, detive-me por um pouco e saí do mundo (Test 1-3).112 

    O amor a Cristo leva Francisco aos pobres e faz compreender que precisava vencer-sea si mesmo para reconhecer a vontade de Deus.

    Dentre todas as monstruosas desgraças do mundo Francisco sentia um horror natural pelos leprosos. Certo dia, cavalgando perto de Assis, encontrou-se com um deles.Mas, embora fosse assaltado por um grande desgosto e horror, para não quebrar o

     juramento de fidelidade, como quem transgride uma ordem dada, apeou e correu para beijá-lo. Quando o leproso lhe estendeu a mão como que para receber umacoisa, recebeu dinheiro com um beijo. Montando logo no cavalo e olhando para cá e

     para lá, apesar de estar em campo aberto e livre de qualquer obstáculo, não viu maiso leproso. Cheio de admiração e alegria por causa disso, poucos dias depois tratou

    de fazer algo semelhante (2Cel 9,9-13). 113 

    E aquilo que Francisco faz, outros começam a fazer por causa de seu testemunho. A

    fraternidade de Francisco que defendia a pobreza como estilo de vida, torna-se uma “fábrica

    de santos” também por causa da prática da caridade, inspirada no Evangelho. 

    Já na Idade Moderna, em meio ao debate entre reformadores e contra reformadores

    acerca da prática da esmola, da mendicância e vagabundagem, desenvolvem-se inúmeras

    iniciativas chamadas de “serviço aos pobres”. Dentre elas destaca-se a missão de São Vicente

    de Paulo (1585-1660). Ele reúne em sua obra a evangelização dos pobres e o serviço humilde

    e desinteressado a eles. Junto com Luísa de Marillac, funda em 1634, a congregação das

    “filhas da Caridade”, que tem como traço distintivo o serviço aos pobres. Nesse modelo

    surgem diversas congregações como as canossianas de Madalena Gabriela de Canossa, para a

    111 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 145-147.112 TEIXEIRA, Celso Marcio (Org). Fontes franciscanas e clarianas. [Tradução: Celso Marcio et al.]. Rio deJaneiro: Vozes, 2008, p. 188. 113 Idem, p. 307.

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    instrução de moças pobres, as “Irmãs da Caridade” fundadas por Bartolomeu Capitanio, e as

    “Irmãs da Misericórdia”, de Carlo Step e Vicenza Poloni.114 

    Rinaldo Fabris cita ainda diversas iniciativas que vão nesta mesma linha:

    Essas iniciativas se situam no leito da tradição de acolhida e cuidados dos pobres,doentes e deserdados, como a do português João de Deus (1495-1550), chamado“ pai dos pobres”, fundador da ordem dos “Fatebenefratelli” para a assistência dosenfermos; analogamente podem ser mencionadas as obras seguintes: de JerônimoEmiliani (1486-1537), fundador dos “somascos”; de Caetano de Tiene (1480-1547),que, com G. Pedro Carafa, bispo de Chieti e, depois, Paulo IV, funda os “teatinos”,uma congregação de clérigos regulares para a assistência dos pobres nos hospitais ea domicilio; de Camilo de Lellis (1550-1614), fundador dos “ministros dosenfermos”  (1586). Em 1530, em Milão, Antonio Maria Zaccaria (1502-1535)

     promove o nascimento da "congregação de São Paulo", chamada dos “ barnabitas”,da igreja de são Barnabé (1545), para a instrução da juventude e para as missões

     para o povo. Mas o promotor das primeiras escolas populares para os pobres naItália é José de Calasans (1556-1648). Em 1597 abre ele em Roma, no Trastêvere, a

     primeira escola gratuita para os pobres, e em 1617 funda a congregação dos“clérigos regulares da mãe de Deus das escolas pias” (Scolopi). Para a instrução dasmoças pobres, em 1535, Ângela Merici (1474-1540) funda o primeiro institutosecular feminino, chamado “Companhia das humildes de Santa Úrsula” (ursulinas),que teve várias imitações e ramificações. Essa floração de obras de assistência aos

     pobres, de atendimento aos doentes e para a instrução de rapazes e moças pobres seinsere bem no clima da reforma católica tridentina. Carlos Borromeu se faz

     promotor e animador de várias instituições de assistência e atendimento aos pobresem Milão, como o fora o bispo Gian Matteo Giberti (1495-1543) na diocese deVerona.115 

    Pode-se notar que os diversos exemplos citados dedicaram suas vidas para assistir aos

    mais necessitados e serem para eles a presença de Cristo, recebendo em troca o cumprimento

    da promessa: “Vinde benditos de meu Pai, para o Reino que vos foi preparado desde toda a

    eternidade” (Cf. Mt 25,31-46).

    O Papa Francisco em uma de suas Audiências Gerais se pronunciou da seguinte

    forma:

    Além da nova Lei, Jesus confia-nos inclusive o «protocolo», de acordo com o qualseremos julgados. No fim do mundo nós seremos julgados. E quais serão as

     perguntas que nos farão lá? Quais serão as interrogações? Qual é o protocolosegundo o qual o Juiz nos julgará? É aquele que encontramos no capítulo 25 doEvangelho de Mateus. [...] Não teremos títulos, créditos ou privilégios para aduzir.O Senhor reconhecer-nos-á se, por nossa vez, O tivermos reconhecido no pobre, nofaminto, no indigente, no marginalizado, nos que sofrem, em quem está sozinho...Este é um dos critérios fundamentais de averiguação da nossa vida cristã, com oqual Jesus nos convida a confrontar-nos cada dia. Leio as Bem-Aventuranças e

     penso como deve ser a minha vida cristã, e depois faço o exame de consciência com

    114 Cf. FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 154.115 FABRIS, Rinaldo. A opção pelos pobres na Bíblia,  p. 154.

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    este capítulo 25 de Mateus. Cada dia: fiz isso, fiz aquilo... Isto far-nos-á bem! Sãogestos simples, mas concretos.116 

    A caridade feita aos mais necessitados será o critério de julgamento para os cristãos.

    Será o “vestibular do céu”, uma vez que, aqueles que reconhecerem nos mais necessitados a

     presença de Jesus, serão chamados de benditos.

    2.2.2 A Caridade salva quem a recebe

    É preciso destacar que a prática da caridade não é, nem pode ser somente um

    elemento de barganha para ganhar o ingresso na eternidade. Ela se faz necessária

     principalmente por se dirigir a uma pessoa (ou um grupo) concreta, que, não poucas vezes,

    encontrando-se em condições sub-humanas, precisam de ajuda para poder continuar vivendo.

    Os pequeninos, que são elevados à categoria de irmãos do Senhor, no texto de Mt 25,

    31-46 vivem em situações de miséria, como a fome, a sede, a nudez, o exílio, a prisão, a

    doença, etc. Situações essas que exigem dos cristãos atitudes práticas de misericórdia, que

     possam oferecer vida àqueles que têm a sua ameaçada.

    Pikaza afirma que a misericórdia é a grande força redentora de Jesus. Segundo ele,

    Jesus vai em busca dos homens que se encontram perdidos como ovelhas sem pastor. Sentesuas entranhas se revolverem (compaixão) e cheio de piedade oferece e anuncia o seu 

    Reino.117 E concluí dizendo: “Para Mateus Jesus é a expressão da misericórdia”118.

    Também ao longo da história da Igreja os diversos pobres lembrados pelos Santos

    Padres, ou defendidos pelos homens e mulheres que dedicaram a vida em favor deles ao longo

    dos séculos, eram pessoas abandonadas à própria sorte, muitas delas morrendo de fome e/ou

    frio.

    De acordo com Segundo Galilea, o pobre não é somente um oprimido ou necessitadosocial, mas alguém que precisa também de conversão.119 Continua ele:

    A evangelização dos necessitados e oprimidos não consiste somente emconscientizá-los, em acompanhá-los em sua promoção e libertação humana, emtrabalhar pela justiça e pelos direitos dos mais fracos. [...] Mas a evangelização nomundo dos pobres também é um chamado igualmente urgen