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1 II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006 Documento apresentado para discussão

A Produção de Estatísticas Sobre Pessoas Com Deficiência

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Bom artigo sobre como são produzidas as estatísticas de pessoas com deficiência. Aponta para problemática teórica e metodológica com destaque para segunda.

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II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais,

Econômicas e Territoriais

Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006

Documento apresentado para discussão

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A PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS

SOBRE PESSOAS COM DEFICIENCIAS**

Ruy Laurenti**

Introdução Para falar sobre “estatística sobre pessoas com deficiências“, ou melhor, “estatísticas sobre deficiências” seria interessante fazer um resumo histórico sobre o início do processo de contabilizar os agravos à saúde que se iniciou com a contagem de mortes, segundo vários aspectos ou características e prosseguiu com as estatísticas de doenças (estatísticas de morbidade) e, muito mais recente no tempo, a contabilização ou estatística de deficiências. Como comenta Swaroop no seu livro Estatísticas Sanitárias: “O importante é que a maioria desses fatos se podem medir... Se diz, e com razão, que quando você pode medir aquilo que você está interessado e que se pode expressá-lo em números, sabe-se alguma coisa sobre isso; porém quando não se pode medir ou expressar em números, seu conhecimento é precário e insatisfatório”. Atualmente temos excelentes ferramentas para medir mortalidade e morbidade bastante utilizadas há muito tempo, como se verá resumidamente, a seguir. Entretanto, as estatísticas sobre deficiências é muito, mas muito mais recente, no tempo e o instrumento para mensuração está começando a ser utilizado.

* Apresentado em 22.08.2006 na V Conferência nacional de Estatística – CONFEST – IBGE, Rio de

Janeiro. ** Professor Titular, Faculdade de Saúde Pública da USP e Diretor do Centro Colaborador da OMS Para a

Família de Classificação de Uso em Saúde.

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Estatística de Mortalidade e Morbidade Pode-se dizer que as estatísticas de mortalidade, da maneira como conhecemos hoje começou com John Graunt na publicação “Natural and Political Observations Made Upon the Bills of Mortality”, em 1662. Eu costumo dizer que tudo o que fazemos hoje a respeito de estatística de mortalidade é uma repetição, um pouco mais sofisticada, do que fez Graut em 1662. Graunt apresentou as causas de morte em 83 categorias e isso foi o embrião de uma classificação de causas de mortes. A partir daí, em alguns países europeus, começou a haver a preocupação com a elaboração de uma classificação de causas de morte para a produção de estatísticas. Havia a necessidade de comparar as estatísticas de causas de morte, daí haver a necessidade de existir uma classificação de causas de morte de uso internacional. Trabalhou-se muito para isso durante os séculos XVIII e XIX, porém, somente em 1891, o “Instituto Internacional de Estatística”, em Viena criou uma Comissão para elaborar uma “Classificação internacional de Causas de Morte”, sendo que, em 1893, aprovou-se a proposta. Nascia assim, a “Classificação Internacional de Causas de Morte”, que teve sua primeira revisão em 1900 seguindo-se revisões decenais. Até a 5ª Revisão, de 1938, eram classificações de causas de morte. Isto é, somente apareciam as doenças que eram causas de morte, portanto, não era uma classificação de doenças propriamente dita. Essa somente apareceu após a criação da OMS que assumiu a responsabilidade pelas revisões e a 6ª revisão de 1948 passou a ser a “Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Morte”. Essa revisão apresentava 1010 categorias, enquanto a anterior (5ª Revisão) tinha apenas 200, isto é, apenas as causas de morte. A atual revisão, a 10ª Revisão ou como é conhecida, a CID-10, tem, em torno de 2.600 categorias e subcategorias é o nome é mais abrangente “Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde”. Isto é, contém todas as doenças e os motivos de consulta ou contato com serviços de saúde, não

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necessariamente doenças (Exemplo: doador de sangue, transplante de cabelo, exame médico geral, exame cardiológico, entre numerosos outros). Esta classificação é de uso internacional obrigatório para a produção de estatísticas de mortalidade por causas (segundo sexo, idade, profissão, local de residência etc. etc.). Em morbidade é utilizada por numerosos países, porém, não existem publicações rotineiras para finalidades epidemiológicas ou administrativas como no caso das estatísticas de mortalidade. No Brasil o DATUSUS publica as estatísticas de causas de internações nos hospitais do SUS ou a ele conveniados; é o SIH ou Sistema de Internações Hospitalares com 11 a 12 milhões de internações/ano. Estatísticas de Deficiências Deficiências (motoras, auditivas, psicológicas, visuais etc.) sempre existiram. Atualmente seu número é bastante expressivo e aumenta cada vez mais. Porque isso ocorre? Por várias razões, entre as quais, o avanço cientifico tecnológico com a criação de novos aparelhos, máquinas etc. que proporcionam o surgimento de novos fatores de risco para lesões, traumatismos, alterações auditivas, visuais, entre outros. Por outro lado, esse mesmo avanço científico-tecnológico criou novo arsenal terapêutico médico-cirurgião o que favoreceu a sobrevida em numerosissímos casos, freqüentemente com seqüelas para o resto da vida. A preocupação em mensurar esses casos levou a OMS a elaborar uma classificação à semelhança do que foi feito para causas de morte e doenças. Assim surgiu a “Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (Handicaps)” que tem como subtítulo “Um Manual de Classificação das Conseqüências das Doençcas”, aprovada pela OMS em 1976 a título experimental e publicada em 1980. Da “Introdução” desta classificação reproduzimos o que se segue:

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“As doenças espontâneas curáveis, susceptíveis de prevenção ou de cura, constituem apenas parte do espectro da morbidade. De fato, do próprio sucesso das medidas de controle destas doenças, resultou uma importância crescente para um conjunto residual de situações que esta categoria não inclui. Neste conjunto incluem-se lesões de origem traumática, deficiências em determinados órgãos sensoriais, atraso mental e doenças mental, bem como, as cardíacas, acidentes vasculares cerebrais, bronquite e artrite. Em alguns países, são as perturbações deste tipo de que ocupam o lugar principal da morbidade e merecem particular relevo como causas de incapacidade. Para estas perturbações torna-se muito útil um código de manifestações que identifique as solicitações que possam ser feitas a diversos tipos de serviços, embora só raramente possa servir como meio para indicar as alterações verificadas no estado do indivíduo, após contato com o sistema de cuidados de saúde. As dificuldades surgem devido às limitações do modelo médico de doença. A questão nuclear radica no conceito de doença que, simbolicamente, se pode ilustrar no esquema seqüencial seguinte:

Etiologia → Patologia → Manifestação A CID baseia-se neste modelo, sendo as componentes da seqüência, diversa e isoladamente identificadas dentro da classificação. Este modelo não consegue, porém, refletir toda a gama de problemas que levam as pessoas a contatar com um sistema de cuidados de saúde. Torna-se, pois, necessário examinar as razões desse contato.” “Embora, na prática diária, o modelo médico de doença, acima retratado, constitua um instrumento muito eficiente de abordar as perturbações que podem prevenir ou curar — sendo a desaparição dos efeitos da doença o corolário do tratamento de sua causa — trata-se de um modelo incompleto por não tomar em devida consideração as conseqüências da doença. Sendo principalmente estas últimas as que perturbam a vida cotidiana, torna-se necessário um quadro referencial que permita compreender estes fenômenos, sobretudo no que se refere à perturbações crônicas e evolutivas ou irreversíveis. É, pois conveniente estabelecer um encadeamento de fenômenos ligados à doença inicial, que se pode figurar do seguinte modo: Doença → deficiência → incapacidade → desvantagem (handicap)

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Como exemplo pode-se ter como doença a paralisia infantil (poliomielite) que leva a uma deficiência que é a paralisia dos membros inferiores e que leva a incapacidade para andar e tem como desvantagem a possibilidade da não participação em atividades da à vida social. Essa classificação foi usada experimentalmente durante toda década de 80 do século passado e apresentava três partes “Classificação das Deficiências”, “Classificação das Incapacidades” e “Classificação das Desvantagens”, cada uma delas com categorias (códigos) e algumas com subcategorias. Ela foi utilizada experimentalmente em vários países e surgiram muitas propostas para mudanças, surgindo a “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde”, (CIF) muito mais abrangente que a anterior, visto que, não apenas trata das deficiências e incapacidades, porém, da funcionalidade em cada caso, assim como, deixa de utilizar o termo “desvantagem”, substituindo-o por “participação”. A CIF não é, como a classificação anterior, uma classificação de “conseqüências da doença”, porém, tornou-se uma classificação das “componentes da doença”, isto é, identificar os componentes da saúde, ao passo que “conseqüência” focaliza ou indica o impacto que se segue a uma doença ou outra condição de saúde. Os objetivos da CIF são:

• Fornecer uma base científica para conseqüências de condições ou estados de saúde.

• Estabelecer uma linguagem comum para melhorar as

comunicações.

• Permitir a comparação de dados entre: Países Disciplinas de cuidados de saúde Serviços Tempos

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• Fornecer um esquema de codificação sistemático para sistemas de informação em saúde.

As aplicações da CIF, não se resumem apenas ao setor saúde, muito pelo contrário, suas aplicações são variadas e, entre elas têm-se:

• Setor da Saúde • Seguridade Social • Setor da Educação • Setor do Trabalho • Setor de Economia e Desenvolvimento • Legislação e Direito • Outras...

A CIF apresenta três partes distintas, a saber, uma que trata das Funções e Estruturas do Corpo, outra referente a Atividades e Participação que trata da capacidade e do desempenho do indivíduo. A terceira parte refere-se a Fatores Ambientais que classifica as barreiras e os facilitadores para as atividades e participação. Cada uma dessas partes é dividida em capítulos e cada um desses é constituído por categorias e subcategorias, isto é, os códigos. É preciso lembrar que qualquer deficiência pode ser classificada pela CID-10. Assim, por exemplo, se for uma tetraplegia te o código G82.5 e se desejar informar que isso foi devido a uma lesão cervical e o código é S12.9. Se a codificação for para causa de morte, nesse exemplo, ter-se-á uma causa externa que pode ser qualquer tipo de acidente ou mesmo uma violência e a CID-10 tem para cada caso específico um código próprio. Esse mesmo caso pela CIF terá os seguintes códigos, baseando-se na história e outras circunstâncias. Assim, o indivíduo é tetraplégico como resultado de uma lesão cervical grave e não pode realizar os movimentos básicos necessários (b730.3 e s120.3) para dirigir um carro comum (d475.1). Entretanto, com veículo adaptado (e120.4) ele

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pode dirigir de modo seguro (d475.14). Infelizmente uma lei em seu país o proibi de dirigir veículos (e540.4). Pelo exemplo acima tem-se o seguinte:

• Se morrer receberá um único código pela CID que é a causa básica. No caso um código para o tipo de acidente ou violência. Suponha-se que fosse um atropelamento por carro em via pública: V03.1

• Se for internado receberá um código para o diagnóstico principal ou motivo de internação, que é a lesão cervical S12.9

• Para avaliar incapacidade e funcionalidade receberá seis códigos b730.3; s120.3; d4765.4; e120.4; d475.14 e e540.4;

É fácil de perceber que é difícil usar a CIF para a produção de estatísticas rotineiras a partir de uma população de deficientes, como se faz para elaborar estatísticas de mortalidade a partir de uma população de óbitos ou estatísticas de causas de hospitalização a partir de uma população de internações. Ela, entretanto, é muito importante para avaliação e acompanhamento de casos pelos serviços de saúde, para caracterização de casos pela Seguridade Social, pelo Setor Educação, Medicina de Trabalho, para Legislação e vários outros usos. A CIF é muito útil, importante e mesmo necessária, para uniformizar a caracterização de casos em “surveys” específicas ou como parte de censos demográficos. Em 2003 a Divisão de Estatísticas das Nações Unidas divulgou a publicação “The collection and dissemination of United Nations Statistics Division: Proposals for the future” (ESA/STAT/AC.91/6). Esta publicação apresenta vários aspectos referentes a coleta de dados sobre deficiências/incapacidade, justificativas para a coleta e disseminação internacional sobre estas estatísticas, entre outros. Apresenta um “Questionário sobre Estatística de Deficiências”, bem com outro questionário “Informações Relacionadas a Questões sobre Deficiências Inquiridas nos Censos ou Inquéritos”.

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A publicação, quanto à definições sobre incapacidades aponta o uso da CIF que serve para classificar ou caracterizar as limitações de atividades, restrição na participação, e vários outros aspectos incluídos na própria CIF. O uso da CIF, para produção de estatísticas sobre deficiências/incapacidades está se tornado mandatório pela OMS e Nações Unidas. Entre as vantagens uma se destaca que é a possibilidade de comparações intra e internacionais. A CIF foi traduzida do português pelo “Centro Colaborador da OMS Para a Família de Classificações de uso em Saúde” (Centro Brasileiro de Classificação de Doenças) da Faculdade de Saúde Pública da USP.