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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 710 A PRODUÇÃO DE PERIFERIAS EM CIDADE PEQUENAS: O CASO DE FRUTAL MG ANANDA MARIA GARCIA VEDUVOTO 1 Resumo: O programa do Governo Federal, “Minha Casa, Minha Vida, intensificou a produção do espaço urbano na maior parte das cidades brasileiras, transformando-as em verdadeiros canteiros de obras. O programa em questão estendeu-se para além das metrópoles, cidades grandes e médias, chegando a regiões que ainda não tinham sido alcançadas por este tipo de investimento as cidades pequenas, no interior do país. Em Frutal, município de 53.468 habitantes, situado no Triângulo Mineiro, tem ocorrido de forma intensa a expansão do seu espaço urbano por meio da construção de conjuntos habitacionais e abertura de novos loteamentos. O espraiamento do perímetro urbano se deu, principalmente, em áreas periféricas, que tinham outrora uso agrícola. No que se refere ao acesso e circulação na cidade, grande parte dos moradores dos novos conjuntos habitacionais tem dificuldades para ter acesso aos equipamentos e serviços concentrados no centro, isto em função de uma mobilidade urbana deficitária. As cidades pequenas passam a reproduzir um modelo de urbanização incompleta, assemelhando-se à formação de periferias dos médios e grandes centros urbanos. Diante disso, o objetivo deste trabalho é o de analisar, para além do direito à moradia, o direito a ter e participar da cidade, especialmente pelos cidadãos contemplados pelo “Minha Casa, Minha Vida”. Palavras chave: Cidades pequenas Conjuntos habitacionais Direito à cidade. THE PRODUCTION OF OUTSKIRTS IN SMALL TOWNS: FRUTAL CASE Abstract: The Federal Government Program, "Minha Casa, Minha Vida”, intensified the production of urban space in most Brazilian cities, turning them into real construction sites. This program has extended beyond the large and medium cities, reaching regions that had not yet been reached by this type of investment - small towns, in the countryside. In Frutal, a town of 53,468 inhabitants located in the Triângulo Mineiro, the expansion of urban space through the construction of housing projects and opening of new housing developments has been intense. The spreading of the urban area was mainly in outlying areas which had formerly agricultural use. Concerning the access and circulation in the town, most residents of the new housing developments have difficulties to gain access to equipment and services concentrated in the downtonwn due to a shortage urban mobility. Small towns replicate an incomplete urbanization model, resembling the formation of outskirts in medium and large urban centers. Therefore, the aim of this study is to analyze, beyond the right to housing, the right to have and participate in city´s life, especially by the citizens covered by the "Minha Casa, Minha Vida". Wordkeys: Small towns - Housing developments - Right to housing - Right to the city 1 Mestranda em Geografia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), IGEO Instituto de Geociências. E-mail: [email protected]

A PRODUÇÃO DE PERIFERIAS EM CIDADE PEQUENAS: O … · A PRODUÇÃO DE PERIFERIAS EM CIDADE PEQUENAS: O CASO ... Blog da Raquel Rolnik. Acesso em 04 de mar. de 2015. Disponível

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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A PRODUÇÃO DE PERIFERIAS EM CIDADE PEQUENAS: O CASO DE FRUTAL – MG

ANANDA MARIA GARCIA VEDUVOTO1

Resumo: O programa do Governo Federal, “Minha Casa, Minha Vida, intensificou a produção do espaço urbano na maior parte das cidades brasileiras, transformando-as em verdadeiros canteiros de obras. O programa em questão estendeu-se para além das metrópoles, cidades grandes e médias, chegando a regiões que ainda não tinham sido alcançadas por este tipo de investimento – as cidades pequenas, no interior do país. Em Frutal, município de 53.468 habitantes, situado no Triângulo Mineiro, tem ocorrido de forma intensa a expansão do seu espaço urbano por meio da construção de conjuntos habitacionais e abertura de novos loteamentos. O espraiamento do perímetro urbano se deu, principalmente, em áreas periféricas, que tinham outrora uso agrícola. No que se refere ao acesso e circulação na cidade, grande parte dos moradores dos novos conjuntos habitacionais tem dificuldades para ter acesso aos equipamentos e serviços concentrados no centro, isto em função de uma mobilidade urbana deficitária. As cidades pequenas passam a reproduzir um modelo de urbanização incompleta, assemelhando-se à formação de periferias dos médios e grandes centros urbanos. Diante disso, o objetivo deste trabalho é o de analisar, para além do direito à moradia, o direito a ter e participar da cidade, especialmente pelos cidadãos contemplados pelo “Minha Casa, Minha Vida”. Palavras – chave: Cidades pequenas – Conjuntos habitacionais – Direito à cidade.

THE PRODUCTION OF OUTSKIRTS IN SMALL TOWNS: FRUTAL CASE Abstract: The Federal Government Program, "Minha Casa, Minha Vida”, intensified the production of urban space in most Brazilian cities, turning them into real construction sites. This program has extended beyond the large and medium cities, reaching regions that had not yet been reached by this type of investment - small towns, in the countryside. In Frutal, a town of 53,468 inhabitants located in the Triângulo Mineiro, the expansion of urban space through the construction of housing projects and opening of new housing developments has been intense. The spreading of the urban area was mainly in outlying areas which had formerly agricultural use. Concerning the access and circulation in the town, most residents of the new housing developments have difficulties to gain access to equipment and services concentrated in the downtonwn due to a shortage urban mobility. Small towns replicate an incomplete urbanization model, resembling the formation of outskirts in medium and large urban centers. Therefore, the aim of this study is to analyze, beyond the right to housing, the right to have and participate in city´s life, especially by the citizens covered by the "Minha Casa, Minha Vida".

Wordkeys: Small towns - Housing developments - Right to housing - Right to the city

1 Mestranda em Geografia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), IGEO – Instituto de

Geociências. E-mail: [email protected]

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1 – Introdução

Este artigo objetiva apresentar alguns dos resultados preliminares de

pesquisa de mestrado em andamento. O intuito do estudo em questão é o de

compreender a produção do espaço urbano vinculada às estratégias de gestão

urbana em Frutal – MG. No entanto, este texto visa analisar e discutir as implicações

e desdobramentos do projeto “Minha Casa, Minha Vida” em Frutal. Isto porque, o

PMCMV, elaborado na gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009

(junto com o PAC – Programa da Aceleração do Crescimento) e ampliado na gestão

da Presidente Dilma Rousseff em 2010, intensificou a produção do espaço urbano

na maior parte das cidades brasileiras, transformando-as em inacabados e

constantes canteiros de obras.

Para que se tenha noção da amplitude do PMCMV, em material de

divulgação bilíngue (portugês/inglês) do Ministério das Cidades2, assinado pela

então Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, exalta-se que houve a

contratação de 1.728.555 unidades habitacionais – no período de março de 2009 a

maio de 2012. Sendo que, 1.005. 128 corresponderam à primeira fase do projeto

(2009 a 2011) e 723. 427 unidades habitacionais foram encomendadas na segunda

fase (2011 a 2014).

No âmbito dos estudos urbanos, muitas foram as pesquisas que

contemplaram o PMCMV como objeto central de suas análises nos últimos cinco

anos. Como mostram os dados explicitados acima, o programa tomou grande

proporção em todo o país. Não só no que se refere à reorganização das cidades,

que foram bombardeadas com novos empreendimentos imobiliários, mas também

pela grande movimentação financeira gerada pelo programa3.

É necessário ressaltar que, para além de um programa federal de crédito

habitacional, a iniciativa do governo federal também teve outras intenções, por conta

2 BRASIL. Programa Minha Casa, Minha Vida. Disponível em

http://www.sedhab.df.gov.br/mapas_sicad/conferencias/programa_minha_casa_minha_vida.pdf. Acesso em 15 mar. 2015 3 Estima-se que foram movimentados 13,6 bilhões de reais somente no que diz respeito aos

mercados de materiais e serviços voltados à construção.

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da acentuada crise financeira mundial. O intuito foi impulsionar o mercado da

construção civil e o setor imobiliário. Consequentemente, houve a movimentação de

grandes somas de dinheiro em todos os níveis deste processo – desde a

disponibilização de créditos ao processo de geração de empregos.

Rolnik4 (2012, p. 14), porém, reitera que a implementação do PMCMV valeu-

se de pretexto econômico e político – ainda que tenha sido promovido como uma

política habitacional. Para a autora, foi “praticada como elemento de dinamização

econômica para enfrentar uma possível crise e gerar empregos, colocando-se de

forma desarticulada com uma política de ordenamento territorial e fundiária [...]”.

Bastos (2012, p. 20) explica que, “a chamada crise financeira de 2007/2008

– ou crise das hipotecas subprime – promoveu a reorganização da propriedade

financeira das principais instituições bancárias e de crédito do mundo globalizado

[...]”. No Brasil este processo se deu de maneira bastante acentuada, capitais da

iniciativa privada, junto de incentivos de disponibilização de crédito do governo

federal, passaram a operar em todo o país, chegando a regiões que ainda não

tinham sido alcançadas por este tipo de investimento. “Avançando sobre as

fronteiras urbanas, ampliando a escala de investimentos e ganhando capilaridade

em Estados e Municípios nunca antes explorados pelos grandes grupos econômicos

de produção de mercadorias imobiliárias” (BASTOS, 2012, p. 20).

Outro processo que foi desencadeado pelo desenvolvimento do PMCMV foi

o aumento significativo do preço das terras urbanas5. O financiamento público,

destinado às construtoras funcionou, de acordo com Rolnik (2012, p. 14), como um

“estímulo à produção habitacional de mercado, se transformou em um enorme

mecanismo de transferência de subsídios públicos, do orçamento estatal, para o

4 ROLNIK, Raquel. 10 Anos do Estatuto da Cidade: Das Lutas pela Reforma Urbana às Cidades

da Copa do Mundo. Blog da Raquel Rolnik. Acesso em 04 de mar. de 2015. Disponível em: https://raquelrolnik.wordpress.com/artigos-e-publicacoes/. 5 “A intervenção governamental por meio do programa MCMV, combinada com um massivo

investimento privado internacional, permitiu uma gigantesca alavancagem no mercado imobiliário brasileiro. Uma das principais consequências do crescimento deste setor foi o aumento do preço dos imóveis (terra e edificações imobilizadas) nas cidades brasileiras. Desde o anúncio oficial do programa, diversas pesquisas e indicadores apontam para uma elevação nos preços das mercadorias imobiliárias, sobretudo nas grandes cidades, superior aos índices de inflação e descolada da variação salarial” (BASTOS, 2012, p. 23).

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preço da terra e dos imóveis [...]”, gerando uma conjuntura de pouco ou nenhum

controle dos processos de especulação imobiliária nas instâncias federais, estaduais

e municipais.

Devido ao aumento significativo do preço da terra urbana, os conjuntos

habitacionais foram construídos, de modo geral, nas periferias6 – onde a terra

urbana tem menor valor. Assim, gerou quantidades significativas de grandes

loteamentos isolados da malha urbana. O objetivo deste trabalho é analisar quais

são os desdobramentos da construção de conjuntos habitacionais em áreas

periféricas, particularmente, em cidades pequenas, que não recebiam, de modo

recorrente, investimentos desta monta.

2 – Do direito à moradia ao direito à cidade: a produção de periferias em

cidades pequenas.

O PMCMV estendeu-se para além das metrópoles, cidades grandes e

médias, chegando a regiões que ainda não tinham sido alcançadas por este tipo de

investimento – as cidades pequenas, no interior do país. Em Frutal, município de

53.468 habitantes, situado no Triângulo Mineiro, cuja população residente urbana

atinge uma soma de 46.086 e a população rural de 7.379, tem ocorrido de forma

intensa a expansão do seu espaço urbano por meio da construção de conjuntos

habitacionais e abertura de novos loteamentos, impulsionados, especialmente, pela

forte atuação do “Minha Casa, Minha Vida”.

6 Tendo em vista da quantidade e diversidade do que se chama de “periferia” no Brasil, o intuito

desde trabalho foi o de observar como ocorreu a construção de conjuntos habitacionais (casas populares) em lugares distantes do centro urbano (áreas periféricas). Especialmente em cidades pequenas, com a ampliação do Programa “Minha casa, Minha vida”, do Governo Federal. Spósito (2004) apoiada em Santos (1981), explica que “analisando, também, as formas de extensão territorial urbana e se referindo especificamente às cidades subdesenvolvidas,

Santos (1981:187-202) afirmava

que o livre jogo da especulação é responsável pelo deslocamento do habitai popular para a periferia, fazendo com que dentro da cidade, a acessibilidade aos diferentes serviços, mais concentrados na área central, varie em função das rendas de cada grupo social, gerando "cidades justa-postas", mal vinculadas entre si, dentro da própria cidade. Destacando esses traços, Santos já definia a periferia não apenas do ponto de vista morfológico, mas mostrava seu menor grau de coesão ou participação na estruturação urbana e lhe atribuía um conteúdo social muito peculiar, quando tratava das cidades localizadas em países subdesenvolvidos.

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Frutal está sofrendo alterações importantes em seus espaços urbano e rural.

Tanto no que concerne a estabelecimentos de ensino e aprendizagem, quanto no

que se refere a uma maior diversificação dos setores produtivos da economia. As

alterações citadas devem-se, essencialmente, à instalação da Universidade do

Estado de Minas Gerais (UEMG), em 2004; à abertura da FAF (Faculdade de

Frutal), em 2005; à construção do Centro UNESCO–HidroEX e ao início da

implantação da Cidade das Águas, em 2009. Além disso, alterações significativas

ocorreram no campo, com a instalação das usinas de açúcar e álcool (Usina

Cerradão: em 2006: Usina Frutal: em 2008).

Além disso, a intervenção do programa do governo federal “Minha Casa,

Minha Vida” tem contribuído significativamente para o espraiamento do tecido

urbano de Frutal. Os conjuntos habitacionais Faixa I e os empreendimentos

habitacionais Faixa II foram construídos, em sua maioria, em áreas rurais que

sofreram o processo de urbanização. As paisagens rurais são transformadas em

paisagens urbanas, de modo que é possível identificar características da zona rural

(como pastagens, cercas e porteiras) ao lado de grandes conjuntos habitacionais.

Há dois desdobramentos do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Frutal. O

principal critério de seleção das famílias que serão atendidas pelo programa é a

renda. As unidades habitacionais Faixa I e Faixa II são distintas, dentre outras

características, em estrutura (interna e externa), tamanho dos lotes, valor da

prestação e o tempo de financiamento dos imóveis. Isto porque as unidades

habitacionais Faixa I são subsidias pelo FAR (Fundo de Arrendamento Residencial)

e recebem subsídio do orçamento geral da união. Os conjuntos habitacionais Faixa I

são destinados à população com renda familiar mensal inferior a R$ 1.600,00.

No caso dos empreendimentos da Faixa 1, a demanda é inteiramente indicada pelos governos locais. A construtora é remunerada pela execução do projeto diretamente pelo FAR, não se sujeitando ao risco de inadimplência dos beneficiários e não exercendo qualquer atribuição relacionada à comercialização dos imóveis. (ROLNIK et al., 2015, p.130)

E, também, as habitações Faixa II, para as famílias com renda mensal entre

R$ 1.600,00 a R$ 3. 100,00. De acordo com a Caixa Econômica Federal, Frutal não

recebeu empreendimentos Faixa III (de 3.100,01 a 5.000,00 reais).

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As condições são bem diferentes no caso dos empreendimentos destinados à Faixa 2 e à Faixa 3, que integram o chamado "mercado popular". Nesses casos, a construtora figura como incorporadora da operação, responsabilizando-se pela comercialização das unidades. Os beneficiários celebram contratos de compra e venda diretamente com a construtora, recebendo financiamento para a compra das unidades. O financiamento é concedido pela CAIXA com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). (ROLNIK et al., 2015, p.130)

Em Frutal, de acordo com informações fornecidas pela Secretaria de

Promoção Humana7, foram construídos cinco loteamentos Faixa I: Waldemar Marchi

I (384 casas), Flamboyant (354 casas), Waldemar Marchi II (364 casas), Waldemar

Marchi segunda etapa (304 casas). E o Moron, ainda em fase de construção, que

abrigará 447 casas – totalizando, na modalidade Faixa I, a construção de 1.853

unidades habitacionais.

Como é possível observar na figura abaixo, o Residencial Waldemar Marchi

(2ª etapa) não pertence à malha urbana de Frutal, reforçando um padrão periférico

de construção das habitações de baixa renda de cidades de médio/grande porte. Os

conjuntos habitacionais destoam da forma morfológica da cidade já constituída, pois

não há “urbano” ao redor das casas. Torna evidente, portanto, a segregação

socioespacial gerada por este tipo de empreendimento. Rolnik et al. (2015, p. 131)

explica que,

Embora alguns assumam um papel mais ativo no planejamento da oferta de habitação popular e na alocação de terrenos para essa finalidade, o programa consolida um modelo em que a oferta de habitação se transforma fundamentalmente num negócio, sendo orientada por uma lógica em que a maximização dos ganhos das empresas se torna a principal condicionante do modo como os terrenos são escolhidos e de como os projetos são elaborados. No caso da Faixa 1, a margem de lucro das empresas na produção de um empreendimento é determinada fundamentalmente por fatores como o custo de produção das unidades, o valor do terreno e o custo de infraestrutura e fundações demandado em função das características da gleba e sua localização.

7 A Secretaria de Promoção Humana, da Prefeitura Municipal, é responsável por desenvolver todas

as atividades de assistência social no município. Dentre outras iniciativas, esta Secretaria ficou responsável por fazer a triagem da população que tem interesse em participar do processo de seleção do “Minha Casa, Minha Vida” Faixa I.

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Figura 1: Residencial Waldemar Marchi (2ª etapa). Fonte: News Alô Frutal8

Em cidades pequenas, diferentemente das cidades médias e grandes, alguns

serviços, principalmente os bancários, são alocados de forma pontual no espaço

urbano. Em Frutal, as agências bancárias estão situadas no centro da cidade e há

apenas uma sede de cada banco no município, dificultando a criação de outras

centralidades. Ainda que em bairros mais antigos e já constituídos haja melhor

diversificação e variação dos tipos de comércio – como padarias, pequenos

mercados, farmácias e lojas –, os moradores precisam ir ao centro para resolver

questões do cotidiano.

Sendo assim, a acelerada expansão do espaço urbano em cidades pequenas,

condicionada pela construção em série das unidades habitacionais, esbarra em

questões essenciais. Citamos como exemplo, o acesso aos equipamentos e

serviços de uso coletivo, concentrados, predominantemente, no centro da cidade. O

8 NEWS ALÔ FRUTAL. “Presidenta Dilma e prefeito Mauri vão inaugurar o maior programa

habitacional da história”. Disponível em: http://alofrutal.com.br/news/presidenta-dilma-e-prefeito-mauri-vao-inaugurar-o-maior-programa-habitacional-da-historia/. Acesso em: 20 jun. 2015.

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mesmo ocorre com a mobilidade urbana, precária e ineficiente, que torna restrita a

movimentação dos moradores dos novos conjuntos pela cidade.

Além de atualizar a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano em 2012,

nota-se que não houve investimentos em programas e políticas de mobilidade

urbana ou de ampliação da rede de equipamentos e serviços públicos por parte da

gestão pública municipal.

Figura 02: Conjuntos habitacionais “Minha Casa, Minha Vida” situados em áreas periféricas.

Fonte: Prefeitura Municipal de Frutal. Org. VEDUVOTO, Ananda (2015).

É preciso destacar que, além dos conjuntos habitacionais Faixa I, em Frutal,

foram construídas, em média, 2.000 unidades habitacionais Faixa II. De acordo com

informações fornecidas por agentes do mercado imobiliário, a Prefeitura Municipal

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se responsabiliza apenas pela fiscalização dos empreendimentos. Fica a cargo das

construtoras fornecerem toda a infraestrutura, assim como a construção e venda das

unidades, por meio da Caixa Econômica Federal.

No que se refere à localização, a maior parte dos loteamentos, assim como os

de Faixa I, foram construídos em áreas rurais que passaram pelo processo de

urbanização. Ou seja, às margens do perímetro urbano. As construtoras reclamam a

valorização do preço da terra e evidenciam que todo o processo de construção das

unidades habitacionais Faixa II é gerido pela iniciativa privada.

Nesse sentido, é necessário perceber que embora o direito à moradia esteja

sendo parcialmente atendido, negou-se à população dos novos conjuntos o direito à

cidade. Rolnik (2015)9 ressalta que “como as casas são produzidas pelo mercado é

ele quem define qual vai ser a localização dos empreendimentos e ela é sempre a

pior possível, onde não tem cidade”.

Lefebvre (2001) explica que o espaço urbano pressupõe a existência de

encontros, coexistência das diferenças e dos conhecimentos, diferentes modos de

vida, confrontos ideológicos e políticos.10 Características que são perdidas com a

construção dos loteamentos (isolados e distantes do centro da cidade), pois a

realidade urbana é dissipada: as ruas, as praças, monumentos, espaços de

encontros e, até mesmo, os bares, cafés, restaurantes e comércios.

Se antes tínhamos um problema grave de déficit de moradia, agora, teremos

um grande entrave no que se refere ao acesso à cidade. Ainda que historicamente o

centro das cidades seja o “lugar” dos ricos e a periferia “o espaço” dos pobres, em

cidades pequenas, esta condição foi sumariamente acirrada com a construção dos

conjuntos habitacionais. Reproduz-se a condição de segregação socioespacial das

médias/grandes cidades e metrópoles. Destaca-se a falta de planejamento prévio

para atender a demanda dos novos bairros, ainda que tenham sido construídos por

demandas do próprio Estado. “Então a gente tinha os sem-casa e agora nós

estamos criando os “sem-cidade”” (ROLNIK, 2015). 9 Cf. BRASIL DE FATO. “Antes tínhamos os sem-casa, agora estamos criando os „sem-cidade‟”.

Acesso em 15 mar. 2015. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/31184#.VOc95Yw5uJU.facebook. 10

De acordo com Henri Lefebvre (2001, p. 25): “A consciência social vai deixar pouco a pouco de se referir à produção para se centralizar em torno da cotidianidade, do consumo”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados coletados pela pesquisa, até o momento, permitem concluir que o

espraiamento do perímetro urbano se deu, principalmente, em áreas periféricas, que

tinham outrora uso agrícola. Os loteamentos, em geral, são distantes do centro da

cidade, onde estão concentrados os principais equipamentos e serviços de uso

coletivo. Dessa forma, as cidades pequenas passam a reproduzir um modelo de

urbanização incompleta, assemelhando-se à formação das periferias dos médios e

grandes centros urbanos.

Analisando a construção de subúrbios na Paris do século XIX, Lefebvre

identifica um processo que, em certa medida, propicia a leitura crítica da construção

dos conjuntos habitacionais implantados pelo PMCMV. Isto se deu com

a construção de habitats,11 do tipo “pavilhão”, que se espraiou ao redor da capital

francesa. As comunidades suburbanas foram ampliadas de maneira desordenada.

Os espaços vazios foram preenchidos pelos grandes loteamentos e conjuntos

habitacionais. A análise do autor, embora relacionada a outro contexto, permanece

esclarecedora:

Como Engels previra, a questão da moradia, ainda que agravada, politicamente desempenha apenas um papel menor. Os grupos e partidos de esquerda contentam-se em reclamar “mais casas”. Por outro lado, não é um pensamento urbanístico que dirige as iniciativas dos organismos públicos e semipúblicos, é simplesmente o projeto de fornecer moradias o mais rápido possível pelo menor custo possível. Os novos conjuntos serão marcados por uma característica funcional e abstrata: o conceito de habitat levado à sua forma pura pela burocracia estatal (LEFEBVRE, 2001, p. 26).

Nesse sentido, é preciso salientar que os cidadãos ganham e perdem ao

mesmo tempo. Embora tenham sido contemplados com a construção de moradias e

tenham se estabelecido nas tão “estimadas” casas próprias, deixam de participar da

11

Lefebvre (2001, p.23) diferencia os conceitos habitar e habitat. Para o autor o habitat é fruto de uma estratégia política e ideológica, que suprime o habitar. Em suas palavras: “Até então, “habitar” era participar de uma vida social, de uma comunidade, aldeia ou cidade. A vida urbana detinha, entre outras, essa qualidade, esse atributo. Ela deixava habitar, permitia que os citadinos-cidadãos habitassem”.

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cidade e da vida urbana. Ainda utilizando as ideias de Lefebvre (2001), embora a

realidade urbana seja mutilada e dissociada, e os problemas administrativos cada

vez mais difíceis de serem resolvidos, é necessário dizer que tais dilemas nos

inserem diretamente na cidade real.

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