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A produção de textos argumentativos e o contexto de produção
Ana Maria Chagas Porto1
Julyely Cortez2
Telma Ferraz Leal3
Resumo: Este artigo teve o objetivo de verificar se as professora da 4ª série vêm trabalhando texto de opinião, analisando também o contexto de produção escolar, verificando se as mesmas explicitam as características dessa espécie de texto e se delimitam claramente as finalidades e destinatários. A metodologia adotada constou da análise de 11 aulas de 6 professoras (5 de escolas públicas e 1 particular). E através dessas análises concluímos que o texto de opinião é trabalhado na escola, mas com diferentes modos de condução e apenas 3 professoras de fato conseguiram propiciar momentos em que os alunos tivessem condições para desenvolver habilidades de argumentação. Palavras chave: contexto de produção, ensino-aprendizagem, texto de opinião.
Consideramos que um dos grandes desafios para o professor de Língua
Portuguesa continua sendo viabilizar o exercício da produção textual escrita ao
aluno, possibilitando-lhe o desencadeamento de um processo que o estimule a
escrever com confiança. No entanto, parece-nos que o aluno não se sente
confiante como produtor de texto quando o comando oferecido é confuso. Ou
seja, quando não contém elementos próprios de uma boa produção de texto.
Mediante o exposto, propomo-nos, com este trabalho, analisar aulas de
produção de textos de opinião e verificar se, de fato, as professoras estão
favorecendo boas situações de produção. Ou melhor, se estão deixando
explícitas: a presença de um interlocutor, a finalidade da produção e as
características do gênero solicitado. Pois, consideramos que, ao escrever um
texto, o autor deve elaborar representações sobre o seu leitor e sobre a
finalidade de escrita. Por isso, vemos o destinatário como sendo essencial no
contexto, visto que o autor sempre espera uma resposta que influencia sua
1Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected]
2 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected]
3 Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas do Ensino – Centro de Educação – UFPE.
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fala. Isto é, o locutor ao falar ou escrever deve levar em consideração o
destinatário, suas informações e opiniões. Dessa forma, a influência de um
olhar do outro determina o enunciado. Além disso, a delimitação do destinatário
demonstra existir uma finalidade social e não apenas escolar da atividade.
Visto isso, consideramos que a importância do estudo está na tentativa de
auxiliar o profissional, refletindo sobre a prática em sala de aula, orientando
como devem ser planejadas aulas de produção de texto desse gênero. Para tal
fim, tivemos como objetivo verificar se as professoras da 4ª série (5 de escola
pública e 1 de escola particular) vêm trabalhando texto de opinião em sala de
aula, analisando também as situações didáticas dessas professoras,
investigando se elas explicitam as características do gênero trabalhado.
Sendo assim, organizamos o artigo, contemplando diferentes aspectos: 1.
“Produção de texto na escola”, fazendo uma retrospectiva de diferentes
concepções de texto; 2. “Texto de opinião: características e contexto de
circulação”, falando especificamente sobre o texto de opinião e a esfera de
circulação do mesmo; 3. “Ensino e aprendizagem de texto de opinião: estudos
anteriores de intervenção sobre o tema”, remetendo a vários estudos sobre o
texto de opinião; 4. “Refletindo sobre o fazer na sala de aula”, mostrando a
nossa metodologia para responder o problema; 5. “Descrição e análise das
aulas”, em que, resumidamente, refletimos sobre o trabalho realizado em sala
de aula.
1. Produção de textos na escola
Concebemos que o processo de produção textual é uma atividade
interacional de sujeitos sociais e que a escola tem uma função de trabalhar as
habilidades dos alunos para que eles sejam bons escritores, capazes de criar
textos com coerência, coesão e que sejam eficazes. No entanto, sabe-se que,
embora seja gratificante para muitos, produzir textos interessantes não é fácil.
E para as crianças a dificuldade é ainda maior, pois muitas vezes a escola e a
família não proporcionam um contato sistemático com bons materiais de leitura
e com adultos leitores, ou com situações que exijam práticas de leitura e de
escrita. Algumas escolas oferecem, ainda hoje, um ensino de redação centrado
no discurso do professor, isto é, o aluno redige para o professor (seu único
3
leitor), tentando responder ao que lhe é pedido: escrever textos a partir de uma
leitura muitas vezes sem intervenções, para provar que sabe escrever textos
com clareza, coesão, coerência, estilo e, antes de tudo, correção gramatical. A
partir disso se tem como conseqüência o discurso dos alunos de que não
sabem escrever e detestam redação.
Visto isso, parece-nos fundamental refletir e levantar questões como:
Como eliminar de alguns alunos essa insegurança e a angústia de escrever?
Como formar um aluno-escritor competente, capaz de reconhecer diferentes
gêneros textuais e de escolher aquele que é apropriado a seus objetivos em
determinada situação?
Considerando que escrever não é uma prática centrada apenas na
codificação, na representação de sons por meio de letra, é necessário que,
desde as séries iniciais, o professor demonstre ao aluno que o ato de escrever
pressupõe algumas decisões, ou seja: O que queremos dizer? Qual é o motivo
da escrita? E quem será o leitor?
Para que isso se efetue, a escola deve promover uma prática constante
de produção de texto na sala de aula, organizada em torno de situações que
permitam lidar com uma grande variedade de textos, com características que
precisam ser aprendidas e desenvolvidas em condições prazerosas de
produção.
Bonini (2002) defende que, embora haja atualmente abordagens de
ensino de produção textual bem delimitadas em termos teóricos, toda
discussão é bastante mesclada e complexa, tanto em se falando do discurso
acadêmico, quanto de aspectos do desenvolvimento histórico da prática
pedagógica. Para este autor existem dois processos de formação contínua: a
discussão acadêmica sobre o assunto e a prática docente na escola, que se
complementam, mas de forma assimétrica. Dessa forma, concebe-se que na
esfera acadêmica existe todo um embasamento teórico complexo, que muitas
vezes, quando se tenta transpor para a prática, esbarra nas dificuldades de
reciclagem dos profissionais, que levam a uma maior dificuldade de
discernimento teórico.
Levando em consideração as palavras desse autor, existe uma
necessidade de explicitarmos as diferentes concepções acerca do tema
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produção de texto desde os anos 60 até hoje e, além disso, expor nosso ponto
de vista em relação ao mesmo. É o que faremos a seguir.
Bonini (2002) ressalta que nos anos 60 havia uma predominância da
teoria tradicional da gramática, apoiada na retórica-clássica. Desta linha de
reflexão, parte o método retórico-lógico. Esse método coloca que a produção
de texto restringe-se à escrita concebida como forma de organizar o
pensamento. Nesse sentido, aprender a escrever requer que o autor coloque
no papel aquilo que ele pensou. Ou ainda, pelo fato da gramática tradicional
estar pautada numa concepção lógica de ensino, os autores vêem a produção
textual como algo diretamente ligado ao raciocínio. Assim, para que se aprenda
a escrever é necessário que se conheça regras gramaticais que, conforme
Bonini, valem mais como fórmulas lógicas do raciocínio que como uma
descrição da língua.
Na intenção de sair dessa postura prescritivista, de acordo com o mesmo
autor, nos anos 70 existiu a tentativa de fazer a aplicação do estruturalismo,
especialmente da teoria da comunicação, com ênfase na criatividade. Teve
como conseqüência a inclusão do ensino de Língua Portuguesa na área de
“comunicação e expressão” e a re-introdução da redação nos concursos
vestibulares. No entanto, ao fim dessa década começaram a aparecer novas
propostas de ensino, baseadas nos mecanismos de estruturação de textos
(principalmente coesão e coerência). Instituiu-se nessa fase duas linhas
metodológicas para a produção textual: a textual-comunicativa e textual-
psicolingüística. Na primeira o produtor de textos não é visto mais como
assimilador de regras, mas como alguém que precisa desenvolver uma
capacidade textual, fundamental para que ele seja um comunicador. E a
textual-psicolingüística é um método em que a escritura se caracteriza em
relação à leitura, ambos vistos como processos psicolingüísticos
complementares. Há uma preocupação com os processos de planejamento e
revisão de texto, pois consideram que estes são os momentos mais propícios
para a intervenção didática.
No final da década de 80 começa a se sedimentar a concepção
interacionista, que tem uma perspectiva centrada na autonomia subjetiva do
ato discursivo. Existem duas correntes que convergem para o método
interacionista, ressalta Bonini, que são: a sócio-retórica e a enunciativa. Esta
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última é representada principalmente por Bronckart. Ambas defendem o
trabalho com o texto e com a variedade dos gêneros textuais / discursivos.
Vale ressaltar que a delimitação das datas teve uma intenção de orientar
a reflexão acadêmica mais do que designar estágios de efetivos
deslocamentos das práticas dos professores. Pois, como se sabe, é no final
dos anos 80 que a teoria do texto começou a ser conhecida pelos professores
e a concepção interacionista, apenas no fim dos anos 90. Hoje, a concepção
de texto vem mudando no sentido da perspectiva sócio-interacionista, que é
defendida em nosso estudo.
Assim, baseadas em autores como Bronckart (1999) e Koch (2000),
vemos o texto como sendo uma produção verbal ou escrita ligada a uma idéia
construída pelo autor de forma organizada, que tenha como objetivo passar ao
destinatário um sentido coeso e coerente da mensagem. De acordo com Koch
(2000, p.7):
as teorias sócio-interacionais reconhecem a existência de um sujeito planejador / organizador que, em sua inter-relação com outros sujeitos, vai construir um texto, sob a influência de uma complexa rede de fatores, entre os quais a especificidade da situação, o jogo de imagens recíprocas, as crenças, convicções, atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente) partilhados, as expectativas mútuas, as normas e convenções sócio-culturais.
Dessa forma, a construção de um texto requer uma série de atividades
cognitivo-discursivas, que em seu inter-relacionamento serão responsáveis
pela produção de sentidos. A partir disso, tomamos como norte para tal
discussão o conceito de texto defendido por Bronckart (1999, p. 71). Segundo
ele, “numa primeira acepção, a noção de texto pode ser aplicada a toda e
qualquer produção de linguagem situada, oral ou escrita”. Ou seja, cada texto
estará relacionado ao contexto em que é produzido e ainda cada texto será
construído, respeitando os mecanismos de textualização e enunciativos
destinados a lhe assegurar coerência interna.
Enfim, o texto designa toda unidade de produção verbal, que difunde uma
mensagem organizada e por isso tende a produzir um efeito de coerência em
seu receptor. Além disso, segundo Bronckart (1999, p. 103) “na escola sócio-
histórica, os textos são produtos da atividade de linguagem em funcionamento
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permanente nas formações sociais. Dependendo dos objetivos e interesses
elaboram-se diversas espécies de textos, com características relativamente
estáveis (justificando-se que sejam chamadas de gênero de texto) e que ficam
disponíveis no intertexto como modelos reajustados. Assim, todo texto
elaborado empiricamente, é necessariamente construído com base no modelo
de um ou mais gêneros, isto é, pertence a um ou mais gêneros”. Neste
trabalho, por exemplo, deteremos nossas análises de textos da ordem do
argumentar, mais especificamente textos de opinião, que abordaremos a
seguir.
2. Texto de opinião: características e contexto de circulação
Antes de iniciarmos a discussão sobre texto de opinião, vale ressaltar que
Dolz e Schneuwly (1996), “considerando os contextos de uso, as finalidades e
os tipos textuais dominantes, classificam os gêneros textuais em cinco
agrupamentos: 1. ordem do relatar; 2. ordem do narrar; 3. ordem do expor; 4.
ordem do descrever ações; 5. ordem do argumentar”. Os textos da ordem do
argumentar se relacionam, segundo os autores, “à discussão de problemas
sociais controversos, e tem uma finalidade de levar o aluno a saber sustentar,
refutar, e negociar tomadas de posições” (Dolz e Schneuwly, 1995).
Assim, de acordo com Leal e Roazzi (2003, p. 1), “o discurso é orientado
em direção a determinadas conclusões e necessitamos, para isso, elaborar
estratégias de persuasão”. Dessa forma, na intenção de convencer o
interlocutor é necessário, além de expor argumentos, utilizar estratégias
discursivas (acusações claras ao oponente, insinuações ou, ao contrário,
tomada de distância através do uso das construções impessoais), como
salienta Rodriguez e Kaufman (1995), a fim de articular os argumentos para
defender o ponto de vista.
Camps e Dolz (1995, p. 7, citado por Arias e Rubio, 2002, p:1) colocam
também seus pontos de vistas em relação à argumentação:
Saber argumentar consiste, para todos os atores de uma democracia, a medida fundamental para defender suas idéias, para examinar de maneira crítica as idéias dos outros, para rebater os argumentos de má fé e para resolver muitos conflitos de interesse. Para um jovem, um adolescente, saber argumentar pode ser algo mais importante: constitui
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o meio para canalizar, através de palavras, as diferenças com a família e a sociedade.
Visto isso, ensinar alguém a argumentar é uma tarefa difícil por se tratar
de um assunto que exige do aluno perceber a existência de diversos artifícios
para que ele possa construir um ponto de vista coerente, e que tenha um poder
de persuasão.
Assim, vê-se a necessidade de colocar os alunos em situações reais para
que tenham a oportunidade de compreender os argumentos dos discursos
sociais orais e escritos e poder também ter um ponto de vista, argumentando
sobre ele. Logo, a escrita surge como sendo fundamental para melhorar as
estratégias argumentativas, uma vez que ao escrever o autor lê e relê seu
texto, tomando consciência dos recursos utilizados para persuadir e rebater os
argumentos do leitor.
Perguntamos então: Que elementos são essenciais para que o texto
argumentativo tenha clareza e poder argumentativo capaz de convencer o
interlocutor? E como o professor pode conduzir uma aula a fim de que os
alunos elaborem textos com esta intenção?
Na verdade, uma pessoa quando inserida num contexto de comunicação
em que deseja convencer seu interlocutor vai utilizar diferentes idéias ou
premissas, que articuladas formam argumentos ligados ao ponto de vista.
De acordo com Leal e Roazzi (2003, p. 1), “a ligação entre as premissas e
o ponto de vista seria realizada a partir dos movimentos de justificação das
premissas e da refutação de possíveis objeções a elas”. Toulmin (1958) tenta
detalhar os elementos constituintes da argumentação, defendendo que a
argumentação simples seria composta de ponto de vista, dados e justificativa;
ao passo que a argumentação elaborada teria, ainda, a justificação da
justificação, a modalização, e a contra-argumentação. Tal configuração é
apontada também por Andriessen, Coirier, Roos, Passerault e Bert-Erboul,
(1996). No entanto, Leal e Roazzi defendem uma perspectiva que vai de
encontro à de Toulmin, pois eles acham necessário pensar na situação
argumentativa e adequar as estratégias às finalidades de produção. Ou melhor,
a argumentação está intrinsecamente ligada ao contexto de produção.
Concluímos, portanto, que, para esses autores, os textos são simples ou
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elaborados não em função dos componentes que eles contenham e sim em
função das estratégias construídas na situação específica de interação.
Nesse sentido, se levarmos em consideração nossas observações
cotidianas, nos deparamos com crianças que utilizam uma série de argumentos
para conseguirem seus objetivos, tendo em conta as refutações ou
contestações de seus interlocutores. Assim, diante da situação em que se
encontra, uma pessoa fortalece seu argumento, acrescentando justificativa da
justificativa, ou enfraquece tal justificativa ao utilizar contra-argumentos.
Em relação à justificação, esta é percebida quando o escritor, ao colocar
sua opinião, utiliza-se de valores, crenças, a fim de influenciar o seu leitor. Para
que o argumento seja aprovado o autor apresenta a justificação e deixa
lacunas para eventuais discussões. Souza (2003, p. 78) enfatiza que “o locutor
procura seduzir (convencer) seu interlocutor, por meio de argumentos – ora
distanciando-se do discurso, ora modalizando-o”. E diz que uma das mais
importantes operações de negociação é a contra-argumentação: “Essa deve
formar-se de uma estrutura complexa (ter pelo menos dois argumentos ligados
entre si por uma relação de contradição ou concessão), que demonstre os
traços de negociação” (Souza, 2003, p.78). A autora ainda chama a atenção
para o fato de que esse elemento de negociação está relacionado não apenas
com a posição do locutor, mas também do interlocutor que tem um papel de
confrontar com a idéia do autor.
Assim, contra-argumentação é uma idéia que tem a função de reduzir a
possibilidade de aceitação de um ponto de vista. Leitão e Almeida (2000, citado
por Leal, 2004, p. 46) falam a respeito desse fenômeno: “estes enunciados
consistem tipicamente em idéias que poderiam dar sustentação a uma posição
contrária à do proponente (demonstram que posições alternativas são
defensáveis), dúvidas quanto à veracidade de idéias com as quais o
proponente justifica sua posição (questionam a aceitabilidade das premissas de
um argumento), ou dúvidas quanto à relevância de uma idéia em relação ao
ponto de vista que esta supostamente justifica”.
Neste estudo, enfocamos a escrita de textos de opinião por alunos das
séries iniciais. Texto de opinião, tal como vem sendo concebido em diferentes
estudos, são textos predominantemente argumentativos, com estrutura híbrida
quanto ao gênero adotado, em que diante de uma situação com dilema o
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emissor ou autor do texto defende suas idéias através de justificativas,
podendo acrescentar justificativa da justificativa e possíveis restrições e
refutações, a fim dar consistência a sua colocação. Nesse caso, estamos
falando de um texto eminentemente escolar, denominado, muitas vezes, de
redação escolar, já que a escola é um ambiente propício para ensinar ao aluno
a construir pontos de vistas tanto na oralidade como na escrita, a fim de que se
coloquem em diferentes momentos assumindo posicionamentos. Fora das
escolas, os textos em que as pessoas emitem opinião são de diferentes
gêneros: carta de reclamação, carta do leitor, resenha crítica, artigo de opinião,
dentre outros.
3. Ensino e aprendizagem de texto de opinião: estudos anteriores sobre o
tema
O texto de opinião, conforme discutido acima, é predominantemente
argumentativo e integra a classificação de textos da ordem do argumentar
(Schneuwly, 1995). Dentre os textos da ordem do argumentar, pode-se citar:
carta de leitor, carta de reclamação, debate regrado, assembléia, resenha
critica, discurso político, artigo de opinião, texto de opinião, que é nosso foco
de investigação.
Nesse momento, faremos uma breve reflexão sobre a aprendizagem
desse último gênero textual em sala de aula, a partir de alguns estudos. Arias e
Rubio (2002), levando em consideração a importância do texto argumentativo
escrito, realizaram uma análise do desenvolvimento de uma seqüência didática
para ensinar a argumentar por escrito. Esta seqüência foi desenvolvida em
duas escolas da cidade de Tandil, na Argentina: a EGB nº 42 com alunos de 9
anos, sobre o tema “Cubia Villera” e a EGB nº 34 com alunos de 8 anos,
acerca dos “Reality shows”. O propósito didático foi produzir textos
argumentativos escritos para aprender a argumentar por escrito suas próprias
idéias e para melhorar a compreensão das idéias dos outros. Em relação ao
propósito comunicativo, este foi escrever um texto de características
argumentativas para comunicar a outros, em duas diferentes situações: no
trabalho sobre “Cubia Villera” o comando dado foi que os alunos produzissem
um texto argumentativo para ser publicado no periódico escolar, no trabalho
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sobre os “reality shows”. O propósito era escrever um artigo de opinião, que foi
publicado num diário de circulação local. Tais situações levaram os alunos a
realizar uma experiência de leitura e escrita num contexto real, o que os
obrigava a adequarem os textos aos seus destinatários. Segundo as autoras,
ambos os grupos tiveram a oportunidade de interagir com outros textos, ou
seja, foram levados em consideração outros pontos de vista para
redimensionar o do leitor. No entanto, as autoras chamaram atenção para
seleção do tema. “Reality shows” era polêmico, pois no momento de
concretização do projeto, estava na mídia. No caso do tema “Cumbia Vilera”,
estas letras não criavam nenhum conflito aos alunos, mas para professora sim,
é por isso que o tema dá inicio à abertura do problema. Dessa forma, o tema
“Reality shows” causou questionamentos entre os alunos, pois estavam
vivenciando isto no momento, enquanto o outro tema precisou da intervenção
da professora para suscita o debate, pois os alunos não demonstraram
contradições. Houve um momento de produção de borrões individuais, no qual
os alunos tiveram a oportunidade de colocar seus próprios argumentos, mas as
autoras perceberam a impossibilidade deles de se distanciarem de suas
próprias opiniões, evidenciando o uso constante da 1ª pessoa; os comentários
subjetivos.
A tentativa de colocar resumidamente uma proposição de situação
didática é a de colocar também que não existe uma fórmula de ensinar
argumentação escrita. No entanto, existe uma necessidade de contemplar a
produção para destinatários reais, que sejam selecionados temas polêmicos,
se consultem fontes diversas, seja feito um momento prévio de discussão em
que o professor, às vezes, coordena ou assume uma posição de acordo com a
opinião da maioria, proporcionando o discurso de possíveis argumentos a favor
e contra, se hierarquizem as idéias e que por fim haja o momento de escrita,
reescrita e leitura dos outros. Em suma, o ensino de argumentação não
acontece de uma hora para outra, mas requer estratégias didáticas do
professor.
Um outro trabalho realizado por Leal e Porto (2004), com 42 crianças de
3ª e 4ª séries de uma escola da rede Municipal do Recife, ressalta a
importância da condução do professor na sala de aula. Tais autoras
concluíram, a partir de análises e comparação dos textos desses alunos e dos
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relatórios de aulas em que as crianças produziram seus textos, que elas foram
capazes de elaborar textos de opinião utilizando articuladores lógicos. No
entanto, o comando oferecido pela docente foi essencial para que os alunos
produzissem textos em que existissem um ponto de vista com justificativas e
contra-argumentação. Por isso, levantaram a hipótese de que as situações de
produção influenciaram as estratégias discursivas adotadas pelas crianças,
tanto em relação aos modelos textuais adotados quanto em relação aos
articuladores lógicos utilizados.
Consideramos, portanto, como Perelman (2001), que existe uma
necessidade de trabalhar com textos argumentativos desde idades prematuras.
Pois, a competência argumentativa oral que as crianças têm é adquirida nos
diversos contextos em que são colocadas ao interagir com o interlocutor. Ou
seja, elas são impulsionadas a terem e defenderem um ponto de vista, a fim de
conseguirem algo. No entanto, “é necessário que seja a escola a que
estabeleça o ponto entre esses espaços comunicativos coloquiais, familiares,
informais e outras situações de maior formalidade, que exigem níveis de
argumentação e registros diferentes” (Perelman, 2001, p. 33), pois, a
competência argumentativa oral da criança não necessariamente garante que
ela esteja preparada para escrever textos com qualidade.
Por tal motivo, Dolz (1993, citado por Perelman, 2001, p.33) diz que a
inter-relação da criança com o interlocutor é muito importante para haver a
construção de um argumento, porém:
o ato de escrever não se dá na relação que se produz no diálogo oral onde o reajuste está garantido pela presença e atuação do interlocutor. Para elaborar um monólogo argumentativo escrito é necessário ir mais além da improvisação e da resposta imediata própria de uma atividade comunicativa espontânea. É imprescindível, além disso, tanto a planificação da sucessão dos argumentos como a coordenação de diferentes pontos de vista.
Um outro estudo que achamos importante enfatizar é o de Souza (2003),
por acreditarmos que esta autora consegue passar ao leitor um ponto de vista
claro sobre o assunto estudado. Ela realizou um trabalho que teve como
objetivos principais expor uma prática de letramento escolar em que a
diversidade de gêneros foi levada em consideração nas propostas de
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atividades de leitura e produção de textos, inserindo, na proposta, a leitura /
escrita de texto de opinião. Analisaram, ainda, longitudinalmente, durante dois
anos, a produção de textos de três crianças, da pré-escola à primeira série do
ensino fundamental, interpretando seus progressos em relação à internalização
da dimensão argumentativa e da dimensão lingüístico-discursiva desse gênero.
A autora levantou a hipótese de que quando as crianças têm oportunidade de
lidar com uma diversidade de gêneros textuais, através de leitura e produção,
dentre eles o texto de opinião, elas têm condições de internalizar os elementos
dos gêneros trabalhados e depois, através das produções, podem exteriorizá-
los.
Esta pesquisa foi realizada numa escola da região periférica de Goiânia,
que atende alunos desde a pré-escola até o ensino médio. Foram escolhidas
40 crianças, que estavam distribuídas em duas classes, bastante heterogêneas
entre si, tanto em relação à idade, que variava de cinco anos e seis meses até
sete anos, quanto aos conhecimentos de leitura e escrita. Fez parte da
pesquisa uma professora que, junto à autora, trabalhou de forma ativa,
planejando, executando, avaliando as atividades didáticas, bem como
analisando os dados de sua classe. Foram trabalhados diversos gêneros,
dentre eles o texto de opinião. Os alunos tiveram a oportunidade de fazer
diversas leituras, tendo cuidado de trocar os livros entre os colegas. A leitura
em classe ora acontecia individualmente, ora era socializada. Havia uma
preocupação das professoras em ler também individualmente com as crianças,
principalmente com aquelas que não sabiam ler convencionalmente,
estimulando as estratégias de leitura. Na segunda forma de leitura, a
socializada, as professoras liam para o grupo-classe ou as crianças liam para
os colegas ou ainda a criança lia com o colega vizinho o mesmo livro. Dessa
forma, as pesquisadoras estavam interessadas em fazer com que
paralelamente à atividade de escrita, as crianças aprendessem a argumentar
para convencer alguém ou defender seu ponto de vista.
No que se refere ao trabalho com texto de opinião, inicialmente
fundamentou-se em temas de histórias da literatura infantil. No entanto, depois
de alguns estudos como os de Dolz (1995ª, 1995b, 1996, s/d e s/d) e
Schneuwly (1998), por exemplo, estas autoras tomaram outros rumos.
Começaram, então, a aproveitar fatos reais, que aconteciam no dia-a-dia e
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sobre os quais as crianças tinham condições de opinar. Logo, havia a leitura de
textos e interpretações que incitassem desacordo de opiniões. Como não havia
uma diversidade de textos que levassem a discussões instigantes na sala de
aula, as professoras criaram textos para tal fim. Os temas foram bem
diversificados, como: o direito das crianças de irem à escola; outros direitos da
criança; será que todas as crianças ganham ovos de páscoa?; O perigo do
açúcar em nossa alimentação; opinião a respeito do filho que mente para os
pais, dentre outros. Enfim, foram trabalhados 32 textos de opinião, produzidos
de setembro de 1996 a dezembro de 1997. Em média cada criança produziu 20
a 25 textos, sem falar de outros gêneros. A situação de produção baseava-se
em discussão sobre o tema, resgatando conhecimentos das crianças,
ressaltando pontos positivos e negativos da questão. Após a leitura coletiva e
individual, as crianças eram orientadas para a produção de textos que
variavam entre produções coletivas e individuais.
No que se refere à análise dos dados, as professoras selecionaram 20
produções elaboradas por três crianças, para construírem o corpus da
pesquisa. Em relação à dimensão argumentativa, foram analisados os textos
tomando como base as operações de justificação e de negociação, na
perspectiva de Goldier (1996). Ou melhor, nas palavras desse autor foram
analisadas: a tomada de posição ou tese, que se refere aos segmentos do
discurso que indicam o posicionamento do sujeito em relação a determinada
questão; as operações de justificação e de negociação, que dizem respeito aos
argumentos. Na justificação não foi levado em consideração o destinatário,
apenas procuraram identificar que argumentos eram suficientes para o autor
defender o ponto de vista e na negociação foi levado em consideração o
destinatário, identificando as operações neles envolvidas: contra-
argumentação, modalização e restrição ou concessão. E, por fim a conclusão,
de acordo com Goldier, era avaliada quanto ao estabelecimento de relações
entre tomada de posição e os argumentos.
Ao se tratar da produção de texto de opinião, pode-se dizer que não foi
encontrada uma evolução linear, ou melhor, as crianças para adquirirem um
elemento argumentativo não necessariamente tiveram que passar por um
anterior a este. É assim que Goldier (1996) pensa e Souza (2003, p.175)
confirma:
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Talvez pelo fato de sempre trabalharmos os textos de forma coletiva, como já relatamos na metodologia, a criança foi interagindo, na oralidade, com esse tipo de texto, mesmo sem ter domínio da leitura e da escrita. Por essa razão, ao começar a escrever com legibilidade, elabora textos com operação de justificação, como verificamos nas produções das crianças ainda na pré-escola. Percebemos que, desde o início, a criança usa a tomada de posição e argumentos para justificá-la, ou seja, emprega os elementos mínimos que configuram a operação de justificação. Mas, nem sempre a conclusão confirma a tomada de opinião; pelo contrário, às vezes é formulada contrariamente à posição inicial e escrita de forma incompleta e incoerente.
Em resumo, a autora concluiu que a produção do texto de opinião, na
escola, está subordinada às condições de produção de texto em sentido mais
amplo (temas polêmicos, destinatário real, orientação oral no momento da
produção, objetivo claro e interessante), como salientam Dolz (1995) e
Chartrand (1995), sem esquecer das influências das atividades individuais e
coletivas. Logo, a produção de texto acontece de uma forma articulada, ou
seja, a discussão anterior deve estar intrinsecamente ligada ao contexto de
produção posterior, seja ele individual ou coletivo.
Enfim, devemos enfatizar que a professora deve dispor de uma série de
atividades para que seu aluno adquira a habilidade de argumentar. Dessa
forma, Chantrand (1995, citado por Souza, 2003) destaca alguns pontos, tais
como: 1. leitura preparada de textos argumentativos variados (para que os
alunos tenham acesso a vários pontos de vista); 2. observação e identificação
de componentes comunicacionais e enunciativos; 3. comparação de textos e
identificação de suas características próprias (para que os alunos
compreendam as características do gênero); 4. hipóteses explicativas dessas
características – exploração da noção de gênero de texto (porque cada gênero
tem suas especificidades); 5. estudos sistemáticos de certas determinações
lingüísticas, textuais ou discursivas, características dos textos
predominantemente argumentativos; 6. apreciação e avaliação dos textos lidos.
4. Refletindo sobre o fazer das professoras na sala de aula
15
Diante do nosso objetivo, analisar aulas de professoras da 4ª série,
verificando como as mesmas trabalham o texto de opinião em sala de aula,
adotamos uma metodologia que visou dividir em grupos as professoras
analisadas, de forma que tivemos oportunidade de verificar diferentes
estratégias para se trabalhar com o gênero textual citado no âmbito escolar.
É interessante ressaltar que os dados dessa pesquisa foram coletados
por bolsistas4 de um projeto de pesquisa e extensão coordenado por
professoras da UFPE, no ano de 2001.5
Durante o ano de 2001 foram realizadas observações em sala de aula
em 4 escolas, sendo 3 públicas e 1 particular da Região Metropolitana do
Recife. Dentre as 37 professoras observadas (210 aulas), apenas 11
realizaram, em alguma aula, atividades de produção de textos de opinião.
Dessas 11 professoras, foram analisados relatórios de 86 aulas
observadas. Identificamos 22 aulas em que elas orientaram a escrita de um
texto em que os alunos precisassem defender um ponto de vista. Nesta
pesquisa preferimos nos deter a 6 professoras, de 4ª série. As outras cinco
professoras eram de níveis de escolaridades diversos. Selecionamos, dessa
forma, um total de 11 relatórios de aulas, Na Tabela 1 (anexo 1), estão a
quantidade de aulas observadas no total e a quantidade de aulas em que elas
solicitaram a escrita de algum texto em que houvesse a defesa de opinião.
O grupo amostral dessa pesquisa constituiu-se, portanto, de seis
professoras de 4ª série, pertencentes a 3 escolas públicas e 1 particular da
Região Metropolitana do Recife, com um total de 11 aulas de textos de opinião.
Iniciamos a análise dos dados, resumindo cada aula das professoras,
realizando análise detalhada dessas aulas e organizando os dados em uma
tabela (anexo 2), fazendo síntese das aulas de cada professora quanto ao
contexto de produção (finalidade, destinatário, gênero textual e suporte textual,
através da reflexão sobre os comandos das atividades); quanto às atividades
que antecederam a escrita (leitura de texto, natureza da discussão, proposição
4 Uma das autoras desse artigo atua no projeto de pesquisa e foi responsável por observações em sala de
aula. 5Este projeto (GEFOPE) tinha uma perspectiva de formação continuada, coordenado por Telma F. Leal e
Gilda Guimarães, e mensalmente havia encontro pedagógico, no qual reuniam, as professoras, as bolsistas
e as coordenadoras, que discutiam questões relativas à produção de textos escritos. Além disso, as
bolsistas acompanhavam as professoras semanalmente observando as aulas, gravando-as, e transcrevendo
em relatórios, que constituem um arquivo de dados sobre produção de textos e organização do trabalho
pedagógico.
16
do dilema...); e quanto às estratégias de mediação da professora durante a
atividade. Por fim, agrupamos as professoras quanto aos aspectos
considerados nas análises.
5. Descrição e análise das aulas
Como já dissemos, no ano de 2001 foram observadas 210 aulas de 37
professoras. Em 22 aulas de 11 professoras houve produção de textos de
opinião. Ou seja, 29,7% das professoras realizaram aulas em que os alunos
produziram textos de opinião. Foram totalizadas 22 aulas desse tipo, o que
representa 10,4% das aulas observadas. Isso contraria a idéia de que não se
trabalha texto de opinião na escola.
Vê-se, portanto, que as professoras realizam aulas para produção dessa
espécie de texto. Porém, perguntamos: Como elas vêm conduzindo essas
aulas?
A fim de responder a essa pergunta, analisamos aulas de cinco
professoras de 4ª série de escolas públicas que realizaram atividade de
produção de texto de opinião (Professoras 1, 2, 3, 4, 5) e uma professora de 4a
série de uma escola particular.
Visto isso, apresentaremos, inicialmente, de forma resumida, as análises
de cada professora, e, posteriormente, faremos uma retomada das tendências
mais freqüentes, com a intenção de deixar mais claras as nossas conclusões.
Professora 1
Foram analisadas duas aulas dessa professora. Na primeira ela explorou
as partes do jornal de diferentes Estados, fez questionamentos prévios sobre a
importância de se ler jornais e pediu que os alunos produzissem um texto
dando a opinião sobre o jornal para ser lido pela turma: “Agora eu quero saber
a opinião de vocês. A opinião de cada um de vocês a respeito do jornal. Qual é
a importância do jornal para as pessoas? Para a sociedade? Por que o jornal é
importante? Se você acha que é importante...” Após isso, houve uma leitura
individual entre os colegas e socialização de alguns textos. Na segunda aula, a
professora despertou alguns conhecimentos prévios sobre camisa pintada e
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grafitada, fez a leitura de dois textos (um condenando e outro defendendo a
grafitagem) e pediu que em dupla ou em grupos de quatro alunos escrevessem
um texto dando a opinião sobre grafitagem, assumindo o ponto de vista de uma
das autoras: “você vai dizer se você concorda, você vai defender uma das
posições”. No momento da explicitação do comando, a professora fez
retomada do texto lido.
Ressaltamos que em ambas as aulas foram abordadas temas atuais, que
possibilitaram dilemas reais, de forma que os alunos deveriam assumir uma
posição para defender. A partir das proposições, verificamos que nas duas
aulas a professora indicou finalidades reais para a escrita. Ou seja,
paralelamente aos objetivos didáticos de aprender a escrever, havia uma outra
finalidade. Os destinatários foram delimitados apenas na primeira aula (colegas
da turma), e houve uma posterior socialização, enquanto que na segunda a
mesma não explicitou e apenas recolheu os textos. A professora delimitou o
suporte textual - folha destacada - em ambas as aulas. As atividades prévias
foram boas, pois nos dois momentos ela disponibilizou material para leitura e
questionamentos que facilitaram aos alunos colocarem seus pontos de vistas.
Em suma as aulas foram boas, com mediações e envolvimento dos alunos.
Professora 2
Esta professora também realizou duas aulas, sendo que na primeira
entregou dicionários aos alunos, fez uma discussão sobre a guerra entre EUA
e Talibã, mostrou o globo indicando a localização dos dois lugares e solicitou
que os alunos produzissem uma carta, dando a opinião, para Osama Bin Laden
ou Bush para sugerir soluções para a guerra: “Você vai pegar uma folha e vai
escrever ... você vai escolher o seu título e vai escrever como se fosse uma
pessoa que tivesse o poder de chegar, ler e conversar com os dois e fazer com
que eles ... mostrar ... vocês vão mostrar que é ruim e ... se eles fizerem desse
jeito. E depois vocês vão mostrar que o caminho seria o outro. Aí você ... se
pudesse opinar, dar a sua opinião, como você faria, como você conversaria
com os dois líderes? Qual é o conselho que você daria a eles. Qual a sua
opinião nessa questão...”
18
Já na segunda, a mesma começou dando o comando, fazendo alguns
questionamentos prévios para levar os alunos a refletirem sobre a feira de
conhecimentos e no segundo momento pediu que eles produzissem um texto,
no qual deveriam colocar a opinião sobre como é participar da feira: “Vocês vão
escrever. Dar sua opinião. Vejam bem. Vocês vão tirar uma folha, colocar
cabeçalho, botar o seu nome e vão escrever um texto sobre o que é a feira de
conhecimento pra vocês. Se você gosta de fazer, se você gosta de pesquisar,
se você acha interessante. Se você gosta do dia da feira, daquele movimento
que vocês vêem. Lembra do ano passado?”
A partir das análises, podemos dizer que houve delimitação de dilemas
nas duas aulas. A finalidade de produção, na primeira aula, foi imaginária, pois
os alunos deveriam escrever para Bush ou Bin Laden, sugerindo idéias para
acabar com a guerra. E por isso, nesta aula, o destinatário também foi
imaginário, pois os alunos deveriam escrever para a professora, o observador e
alunos de outras salas como se estivessem escrevendo para líderes de outros
países, ou seja, imaginários. Em relação à segunda aula a finalidade foi real,
pois os alunos deveriam opinar sobre a feira de conhecimento e iriam ter uma
avaliação. Sendo assim, os destinatários foram a própria professora e o
observador. Dessa forma, o suporte textual adequou-se aos objetivos da
professora, pois na primeira aula foi papel destacado, quando outros alunos
iriam ler, e na segunda aula, folha do caderno, mas a professora indicou que a
produção seria para nota. Houve delimitação do gênero, em ambas as aulas,
quando a professora pediu a opinião. De todas as professoras analisadas, essa
foi a única que delimitou um gênero textual de circulação social (carta). As
atividades que antecederam a escrita estimularam a tomada de pontos de
vistas e justificativas, porém, ela deveria ter feito outros questionamentos para
os alunos melhor estruturarem um texto de opinião. A mediação foi boa e vale
ressaltar que ela enfocou recursos lingüísticos: paragrafação, ortografia, que de
certa forma serviram para orientar as crianças na escrita.
Professora 3
Foram observadas duas aulas de texto de opinião dessa professora. Na
primeira ela fez um ditado, uma tarefa de separação de sílabas. Depois pediu
19
que os alunos lessem sozinhos diferentes histórias e deu o comando: “a escrita
deverá ser em forma de prosa, vocês já sabem a diferença entre poesia e
prosa. Vocês vão fazer como se fosse uma conversa. Vão dar sua opinião, que
final você daria; você pode dar outro final; como você faria?”. Neste comando,
pareceu que finalizar uma história era a mesma coisa que dar uma opinião.
Após essa leitura, ela deu o seguinte comando: “agora, para não perder o
embalo, vocês leram, agora vocês vão escrever ... Vocês sabem o que vão
escrever? Vão escrever uma dissertação argumentativa, é uma redação onde
vocês vão dar sua opinião e vão dizer o porque. Vocês vão argumentar, vão
dizer o porquê”. Indicou o interlocutor, professores da UFPE, mas só porque
um aluno perguntou. Quando os alunos terminaram e entregaram a produção,
ela finalizou a aula.
Na segunda aula a professora perguntou o que seria um texto informativo
e fez uma leitura, discutindo sobre a importância desse texto. Perguntou a
diferença entre história e lenda. Leu duas lendas e falou das diferenças
culturais. Falou de músicas, literatura, adivinhações, parlendas, superstições.
Explicou três provérbios (“quem tudo quer, tudo perde” “pau que nasce torto,
morre torto” “de grão em grão a galinha enche o papo”) e disse: “Vocês vão
escolher o que vão fazer. Uma dissertação, um texto dando a opinião ou uma
história. Vão lembrar de alguma coisa que vocês viram. É individual.”
A partir dessa descrição concluímos que na primeira aula não houve um
dilema e a explicitação do gênero ficou comprometida, devido ao comando
dúbio e confuso, pois parecia que dar um final à história era a mesma coisa
que dar a opinião. Por isso, não conseguimos identificar a finalidade de
produção. As atividades que antecederam nada contribuíram, pois os alunos
leram individualmente as histórias e não houve discussões acerca do texto.
Na segunda aula achamos que o dilema também não foi estabelecido e a
finalidade não foi explicitada, pois, apesar da professora ter dado a opção dos
alunos escolherem o que escrever (dissertação, texto de opinião, história), o
comando foi confuso, porque as atividades que antecederam foram apenas de
explicação dos provérbios, não contribuindo para a compreensão da estrutura
do texto de opinião.
Em relação aos destinatários, estes, na primeira aula, foram os
professores da UFPE e na segunda ela não identificou. Assim, em ambas as
20
aulas ela não explicitou para os alunos uma estrutura bem elaborada do texto
de opinião. A mediação foi em grande grupo e por fim não deu um retorno
sobre os textos aos alunos.
Professora 4
Esta professora fez três aulas referentes a texto de opinião. Na primeira
houve uma leitura da história “O arco-íris” e uma posterior produção de texto,
no qual os alunos deveriam imaginar que eram arco-íris e deveriam dizer e dar
a opinião sobre o que eles veriam quando estivessem subindo. O comando
dado foi o seguinte: “vocês vão imaginar que o arco-íris voltou pro céu e que
vocês é ... estivessem subindo. Fossem o arco-íris. Agora todo mundo vai se
sentir como um arco-íris e que o que será que você ia ver quando estivesse
subindo ao céu? Aí cada um vai dizer a sua idéia, né? Cada um vai dizer o que
ia ver como se fosse o arco-íris, cada um vai dar a sua opinião, né?” Depois a
professora perguntou quem já havia terminado a produção e pediu para que os
alunos lessem. Fez o mesmo questionamento para que os alunos
respondessem oralmente. Na medida que respondiam, ela escrevia no quadro.
Ainda nesta aula a professora solicitou a produção de outro texto: “A pipa e o
arco-íris. Era uma vez um menino que viu um...”, porém não deu tempo e os
alunos ficaram para escrever em outro momento.
Na segunda aula houve um trabalho em equipe, e cada grupo recebeu um
tema diferente para a produção: (1) escrever o planejamento de um passeio;
(2) falar sobre o desenho; (3) dizer a opinião sobre o texto lido, que teve o
seguinte comando: “Leia o texto e fale o que você achou desse texto. Sua
opinião sobre o texto, se gostou, do que fala. Tem relação com o quê? Aí você
vai falar. Coloquem o nome de vocês.”
E por fim a terceira aula, na qual ela fez uma leitura de uma música e
pediu que eles produzissem um texto de opinião, cujo tema foi: “retrospectiva
2001”. O comando foi: “Eu queria que vocês fizessem uma retrospectiva desse
ano, as coisas positivas e negativas...O título é „Retrospectiva 2001‟. O que
vocês acharam de bom e de ruim esse ano. Vão dizer o que vocês gostaram.
Vocês vão dar a opinião sobre esse ano de 2001, se foi bom...Você faz e no
final diz se gostou ou não. Você pode dar outro título”.
21
Ao analisar a professora, achamos que na primeira aula, o tema escolhido
não gerou conflito, de forma que estabelecesse um dilema. Houve um
comando confuso, pois a professora deu a entender que descrever uma
situação era a mesma coisa que dar opinião. Nem o destinatário nem o suporte
textual foram explicitados. Na segunda aula também não houve indicação clara
do tema. A finalidade era opinar sobre o texto lido, sem que, no entanto,
fossem discutidos os parâmetros de avaliação ou o objetivo da tarefa. Os
destinatários não foram explicitados. Na terceira aula, a finalidade foi real, pois
os alunos deveriam opinar sobre o ano 2001. Apenas nesta aula a professora
explicitou o gênero. Vale ressaltar que os destinatários não foram colocados.
Além disso, em relação às atividades que antecederam a escrita, acreditamos
que não favoreceram a construção de dilemas. Na primeira aula, em que houve
a leitura de um texto em grande grupo, ela não explorou questionamentos que
levassem os alunos a terem pontos de vistas diferentes, que pudessem ser
refutados. Na segunda aula, houve uma discussão entre os grupos dos alunos,
o que favoreceu a tomada de consciência acerca do ponto de vista do outro.
Na terceira aula foi a leitura de uma música, mas sem intervenções.
Professora 5
Foi analisada apenas uma aula desta professora. A seguinte aula teve
início com a professora dizendo que os alunos iriam escrever sobre a paz, pois
eles já haviam discutido o tema em outra aula e, segundo ela, já tinham
conhecimento suficiente para produzirem um bom texto. Ela então deu o
comando:” A gente vai escrever um texto e vai dar a opinião da gente dizendo
por que vocês acham que o mundo tá tão violento, o que é que falta pra gente
viver em paz? Será que a paz começa no outro ou começa na gente?”
Após este comando, ela lembrou que eles deveriam terminar a atividade
antes do recreio, pois entregariam à observadora.
Os alunos iniciaram a produção, mas ainda estavam perdidos quanto ao
que era para ser feito. Então tentaram copiar o que havia sobre a paz em
cartazes colados na parede. Na medida que os alunos iam escrevendo, a
professora, que circulava pela sala, e a observadora perceberam que eles não
escreviam textos de opinião e sim, histórias. Então a professora chama a
22
atenção da turma, dando este exemplo: “Quando a gente assiste uma novela
que não gosta, a gente não dá opinião? Essa novela foi tão ruim por isso, isso
e isso. Vocês estão contando uma história, narrando um fato. Qual é a opinião
de vocês? Até agora, pelos textos que a gente leu, não tem nenhum dando
opinião.” A aula encerra sem que os alunos tivessem produzido texto de
opinião.
O que se pode perceber nesta aula é que a professora explicitou o tempo
todo que se tratava de uma produção de texto de opinião, o fato é que ela
poderia ter informado sobre a estrutura deste gênero, isto facilitaria a produção.
Ela poderia ainda ter falado sobre a necessidade de defender um ponto de
vista, de ter argumentos, mas o tema proposto, apesar de já ter sido trabalhado
em outros momentos, não ocasionou um dilema. Quanto ao destinatário, a
professora foi clara ao dizer que era para ser entregue à observadora, porém
não deu um objetivo à atividade, não permitiu um momento de reflexão de
leitura para a turma ou discussão com o grupo classe.
Houve uma tentativa de delimitar a finalidade. O tema era atual e fácil de
conduzir, porém pedir que os alunos argumentassem sobre a paz pode ter sido
confuso, visto que é difícil existir controvérsias.
Professora 6
Esta professora fez apenas uma aula com o referente gênero, na qual
começou chamando atenção para a paragrafação. Pediu que formassem
grupos e disse: “Nós vamos discutir o que nós achamos do fechamento do
tema em nossa feira de conhecimentos”. Indicou como suporte textual uma
transparência e deu o seguinte comando: “O objetivo da gente é perceber a
importância dos parágrafos. O que eles garantem no texto? Vocês vão
escrever sobre o que vocês acham. Vocês vão discutir no grupo de vocês.
Vocês vão construir um texto dando a opinião de vocês sobre aquele momento
da feira do conhecimento...”. Os alunos demonstraram dúvidas, pois não
sabiam se era para escrever sobre a feira de conhecimento ou paragrafação e
a professora repetiu o comando. Quando os alunos terminaram a produção, a
aula foi finalizada.
23
Ao analisar esta aula, concluímos que houve um dilema, pois os alunos
deveriam avaliar o momento da feira de conhecimento, se eles acharam bom
ou ruim. Portanto, a finalidade da produção foi real, importante para a esfera
escolar, já que fica mais claro para os alunos visualizarem a situação e dar
seus pontos de vistas. Vale ressaltar que a mestra deu muita ênfase no
recurso lingüístico da paragrafação. Devido a essa prioridade, a professora
terminou deixando de lado a estrutura do texto de opinião. Os destinatários
seriam os próprios colegas da sala, já que apresentariam em transparências.
Contudo, ao finalizarem a produção, não houve socialização. Em relação às
atividades prévias, percebemos que a mesma possibilitou uma discussão em
pequenos grupos, o que poderia provocar os alunos a colocarem pontos de
vistas com justificativas e contra-argumentos.
6. O que realmente as professoras estão fazendo?
Hoje, pode-se dizer que as professoras vêm adotando uma perspectiva de
trabalhar produções de textos nas escolas, visto que saber escrever bons
textos é fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem da criança.
Especificamente o trabalho com o gênero texto de opinião serve como
facilitador para a construção de tomadas de consciência dos alunos, quando
estes aprendem a estruturar bons textos, argumentando seu pontos de vistas
para convencer o interlocutor.
Concluímos, portanto, conforme já dizemos neste artigo, que esse gênero
é trabalhado nas escolas. Mas, como ele vem sendo trabalhado? Foi outra
pergunta que elaboramos. Após descrevermos resumidamente as aulas das
professoras observadas em 2001, fizemos um agrupamento levando em
consideração os perfis de cada uma. Então, a partir das análises, concluímos a
existência de três grupos de professoras: (1) professoras cujas aulas tiveram
comandos confusos e não havia, de fato, um tema que gerasse um texto de
opinião (professora 3); (2) professoras em cujas aulas oscilou entre aulas
confusas e aulas em que havia uma tentativa de delimitar o tema e a finalidade,
de forma que gerasse um texto de opinião, mas em que não havia realmente
um dilema em que os alunos se envolvessem num confronto de idéias,
(professoras: 4 e 5); (3) professoras em cujas aulas havia um dilema real a ser
24
discutido pelos alunos, embora as finalidades, algumas vezes, tenham sido
imaginárias, e também propiciaram condições prévias para os alunos
elaborarem bons textos com argumentos consistentes (professoras: 1, 2 e 6).
Dito isso, concluímos que o texto de opinião é trabalhado na escola, mas
com diferentes modos de condução e apenas as professoras do grupo 3, de
fato conseguiram propiciar momentos em os alunos tivessem condições para
desenvolver habilidades de argumentação.
De acordo com Souza (2003) a produção de texto depende das condições
de produção. Dessa forma, enfatizamos a importância de escolha de temas
polêmicos, que facilitem dilemas, de forma que os alunos possam argumentar
tomando para si a idéia do outro e da necessidade dos destinatários reais, para
que possam antecipar prováveis pontos de vista, restringindo e refutando-os. A
finalidade também deve ser colocada pela professora, seja real ou imaginária,
a fim de que incentive os alunos a produzirem textos que julguem serem
capazes de atingir os objetivos propostos. E existe ainda a necessidade de
explicitar o suporte textual, para que haja confirmação da pessoa para quem
estão escrevendo, mobilizando-o para a produção, sem esquecer também da
importância da explicitação do gênero na hora do comando. Este é
fundamental para os alunos cumprirem com a finalidade de produção proposta
pela professora.
Além desses aspectos, perguntamo-nos: Como deveriam ser as
atividades prévias para que os alunos soubessem estruturar o modelo textual?
Diferentes atividades prévias podem ser pensadas, tais como: 1. leitura de
diferentes textos argumentativos, com o objetivo dos alunos terem acesso a
vários pontos de vista; 2. comparação de textos e identificação de suas
características próprias, a fim de que os alunos percebam as características do
gênero; 3. exploração da idéia de gênero de texto, pois cada gênero tem suas
especificidades; 4. estudos sistemáticos de certas determinações lingüísticas,
textuais ou discursivas, características dos textos argumentativos; 5. análise
crítica dos textos lidos.
Por fim, salientamos a necessidade de desenvolvermos projetos de
formação continuada com os professores a fim de auxilia-los a desenvolver
todas essas estratégias didáticas aqui discutidas.