61
2.º CICLO DE ESTUDOS MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS - POLÍTICAS A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES ENQUANTO DEVER PARENTAL, EM ESPECIAL NA ERA DIGITAL Amanda de Cássia Pereira Coutinho Dissertação sob orientação da Prof.ª Doutora Luísa Neto 2019 FACULDADE DE DIREITO

A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

2.º CICLO DE ESTUDOS

MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS - POLÍTICAS

A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES

ENQUANTO DEVER PARENTAL, EM ESPECIAL NA ERA DIGITAL

Amanda de Cássia Pereira Coutinho

Dissertação sob orientação da Prof.ª Doutora Luísa Neto

2019

FACULDADE DE DIREITO

Page 2: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

2

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS 3

RESUMO 4

ABSTRACT 5

LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS 6

INTRODUÇÃO 7

PARTE I - O PODER DEVER NAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS 11

1. A perspetiva histórica da criança na família 11

2. A Lei nº. 61/2008, de 31 de Outubro e o seu reflexo nas responsabilidades parentais

15

PARTE II – EM ESPECIAL, O DIREITO À RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA

PRIVADA DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA 24

1. O princípio do superior interesse da criança na era digital 30

2. A indisponibilidade do direito à imagem 37

3. A suscetibilidade de oposição à exposição por outrem 40

4. A recente atenção da jurisprudência 46

CONCLUSÃO 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 56

ÍNDICE DE JURISPRUDÊNCIA 61

Page 3: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

3

AGRADECIMENTOS

Ao meu avô, que tanto me motivou para chegar até aqui, mas que não houve tempo

suficiente em vida para ver a concretização deste trabalho.

Aos meus pais pelo amor incondicional, incentivo e apoio por todas as vezes que pensei

em desistir.

À minha Orientadora, a Doutora Luísa Neto, pela sua atenção, seu profissionalismo e

seus preciosos ensinamentos fundamentais para a elaboração deste trabalho.

Page 4: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

4

RESUMO

Com o desenvolvimento do Mundo Digital, a tecnologia tem mudado as relações sociais

e juntamente o modo de se exercer as responsabilidades parentais. A vida conectada à Internet

pode trazer muitos benefícios e oportunidades às crianças mas também pode colocá-las em

perigo. Dedicar-se-á análise ao recente e hodierno fenômeno do sharenting à luz da concepção

jurídica atual das responsabilidades parentais e das suas implicações nos direitos de

personalidade, em especial quanto ao direito da reserva da intimidade da vida privada e ao

direito à imagem dos menores. Questiona-se se será legitimidade dos pais, enquanto detentores

das responsabilidades parentais, sobre a partilha de imagens dos seus filhos menores em redes

sociais, ainda que por um grupo limitado de pessoas que eles próprios decidiram partilhar, sem

observar, todavia, o previsto no artigo 1.878.º do Código Civil, id est, não considerando a

opinião do menor de acordo com a sua maturidade? Discute-se ainda a importância dos limites

do Estado, no que toca à sua intervenção neste fenómeno, uma vez que, ao analisar decisões de

tribunais, são notórias as implicações que tais podem ter na vida do menor, quer no presente,

quer no futuro, quando estiver na idade adulta. Assim, focamos a nossa questão no

entendimento dos direitos de personalidade, essencialmente na defesa dos interesses das

crianças em prol de certas práticas serem abusivas. Analisando decisões de tribunais é possível

verificar as implicações que serão trazidas no momento presente à vida do menor ou ainda

futuramente ao alcançar a idade adulta, tendo em vista que a exposição de menores nas redes

sociais podem estar a violar os direitos de personalidade quando não atenderem ao princípio

norteador do superior interesse da criança, o que nos dá fundamentos suficientes para perceber

como abusiva certas práticas. Conclui-se, ad ultimum pela urgência de se adotarem mecanismos

de proteção da privacidade on-line centralizada na criança, para que ao adentrar na vida adulta,

possa conduzir sua vida sem a influência dos rastros digitais que seus pais possam ter deixado

enquanto ainda eram juridicamente incapazes.

Page 5: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

5

ABSTRACT

With the spread of the Internet, smartphones and wireless networks, technology has

changed social relationships and the way parental responsibilities are exercised in the digital

age. Internet connected life can bring many benefits and opportunities for children, but it can

also endanger them. An analysis will be devoted to the recent and current phenomenon of

sharenting in light of the current legal conception of parental responsibilities and their

implications for personality rights, in particular as regards the right to privacy and the right to

image of minors. The question arises whether is it legitimate for parents, as holders of parental

responsibilities, to share an image of their children on social networks, even by a limited group

of people who have themselves decided, without respecting the provisions of article 1.878 of

the Civil Code, id est, not considering opinion according to his maturity? It is also the

importance of discussing the limits of the State's legitimacy to intervene in this phenomenon,

analysing court decisions verifying the implications that will be brought in the present to the

life of the minor or even in the futures as an adult, considering that exposure of children on

social networks may be violating personality rights when they do not meet the guiding principle

of the best interests of the child, which gives us sufficient grounds to perceive as abusive certain

practices. Finally, ad ultimum that children-centered online privacy protection mechanisms are

urgently need so when they become adults, they can lead their lives without the influence of

the digital traces their parents may have left while still legally incapable.

Page 6: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

6

LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

CC - Código Civil

CDC - Convenção sobre os Direitos da Criança

CEDH - Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CPC - Código de Processo Civil

CPP - Código de Processo Penal

CRP - Constituição da República Portuguesa

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

OTM - Organização Tutelar de Menores

RGPD - Regime Geral de Proteção de Dados

RGPTC - Regime Geral do Processo Tutelar Cível

Page 7: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

7

INTRODUÇÃO

1. A presente dissertação de mestrado pretende, sobretudo, destacar os impactos das

novas tecnologias nas relações familiares, apontando problemas jurídicos numa série de

questões relevantes, como os reflexos provocados pela violação da intimidade da vida privada

da criança na Internet por intermédio daqueles que seriam os responsáveis pela sua protecção.

O debate torna-se pertinente numa era em que a partilha de vários momentos da vida

quotidiana, ou até mesmo íntimos, dos filhos menores é feita por apenas um clique na rede

social, em que as manifestações de reações e comentários são exclusivamente para gáudio dos

progenitores que aguardam uma validação externa daqueles que acompanham as suas redes

sociais,1 tornou-se comum.

Dado os factos, constituiu-se assim, o nascimento de um novo fenómeno chamado

sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e

parenting – parentalidade, que surgiu devido à preocupação com a superexposição em que,

máxime os pais, estão a partilhar da vida privada dos seus filhos menores nas redes sociais.

Com o desenvolvimento da Internet, o diálogo e a comunicação tornam-se mais

acessíveis, não fazendo assim a típica frase dos pais “não fales com estranhos” sentido, pois,

são vários os estranhos que podem ter contacto com seus filhos por meio da partilha de uma

simples fotografia, facilitando com que as informações possam facilmente recair nas mãos de

criminosos, a colocar em risco a segurança de todos os membros da família.

2. Assim, o que se traz, de facto, à colação neste trabalho, é avaliar a partir de que

momento o direito à intimidade da vida privada e à imagem da criança possam estar a ser

violados por aqueles a quem incumbe o exercício das responsabilidades parentais, neste caso

específico, na era digital.

3. As configurações quanto ao direito à privacidade não podem continuar a ser restritas

ao tradicional right to be let alone, associando-o, hoje, ao direito à autodeterminação

informativa, ou seja, à possibilidade do indivíduo de controlar as informações que lhe dizem

respeito.

Repara-se que, com o avanço do sharenting, as crianças acabam por crescer com uma

conceção diferente do que seria privacidade, podendo parecer normal para elas que tudo esteja

1 CRUZ, Rossana Martingo - A divulgação da imagem do filho menor nas redes sociais e o superior interesse da

criança – In: Direito e Informação na Sociedade em rede: Atas do IV Colóquio Luso-Brasileiro Direito e

Informação, 2016, p. 291.

Page 8: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

8

sob domínio público, o que faz com que a ideia de privacidade possa vir a desaparecer

rapidamente.2

4. Tratando-se dos contornos da responsabilidade parental, o principal conteúdo deve

corresponder aos interesses que os pais possam ter naquilo que for mais benéfico ao interesse

dos seus filhos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.878.º do Código Civil (CC).

O que nos interessa nesse estudo é a específica situação em que os interesses dos pais

não coincidem com a vontade e o superior interesse do filho quanto à partilha de imagens e

informações nas redes sociais.

Apesar de se reconhecer a importância de se debater quanto aos riscos oriundos das

próprias partilhas que as crianças fazem de si nas redes sociais, debruçar-nos-emos, neste

trabalho, exclusivamente, à análise dos riscos que os pais impõem aos filhos com as suas

publicações.

Nesta senda, a relevante questão a que esta dissertação procurará responder é a seguinte:

ser-lhes-á lícito dispor do direito de personalidade da criança, não obstante a opinião do menor

deva ser considerada de acordo com a sua maturidade, conforme previsto no n.º 2 do artigo

1.878.º do CC? Poderá o Estado admitir/proibir os pais, ou representantes legais, de publicar

fotografias, vídeos ou qualquer outro meio capaz de identificar os menores na Internet?

Tudo pois, os reflexos da Internet não geram impactos apenas nas relações humanas,

mas também no âmbito do Direito, além de que o controlo das informações na era digital

também é efetivado no aspeto temporal. Para Lívia Leal, isto acontece porque a Internet além

de permitir um novo significado de espaço (aproximando quem está distante), ocorre uma

continuidade temporal que transborda a memória humana, de tal modo que uma informação

veiculada há anos atrás possa aparecer acessível a todos permanentemente, podendo ser

resgatada a qualquer momento.3

5. Em termos metodológicos, o presente estudo será desenvolvido numa revisão

bibliográfica, tendo por base referências nacionais e internacionais das temáticas em causa:

responsabilidades parentais, sharenting, direitos de personalidade, máxima, direito à imagem e

o direito à reserva da vida privada. Posteriormente, levantar-se-ão, para discussão, casos reais

2 BROSCH, Anna - When the Child is Born into the Internet: Sharenting as a Growing Trend among Parents on

Facebook, In: The New Educational Review, 2016, p. 233. Disponível em:

<http://www.educationalrev.us.edu.pl/dok/volumes/43/a19.pdf >. Consultado em: 10-10-2019. 3 LEAL, Lívia Teixeira - O Cuidado na era digital: as novas facetas da afetividade no mundo tecnológico e seus

impactos jurídicos – In: Cuidado e Afetividade: projeto Brasil/Portugal – 2016-2017, São Paulo, Atlas, 2017, p.

271.

Page 9: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

9

com o intuito de identificar a legitimidade, ou não, dos pais para a sua exposição. E se esta,

sendo positiva, avaliar se há limites para esta exposição além de verificar se o Estado tem

legitimidade para intervir em caso de sharenting, como também quais seriam os limites para

esta intervenção.

É com o propósito de centrar a nossa investigação, tornando-a tão clara e coerente

quanto possível, que a dividimos em duas partes.

Na primeira parte desta dissertação, serão enquadrados os diversos conceitos e

definições relevantes para análise, à luz do direito português quanto às responsabilidades

parentais e à cabal caracterização da natureza deste poder dever, procurando analisar a

perspetiva histórica da criança na família e a respetiva regulamentação que conduziu essa

transformação. Para tal, incidir-se-á por abordar a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro que fez

importantes alterações em matéria de responsabilidades parentais, cumprindo com um anseio

antigo pela substituição da expressão poder paternal por responsabilidades parentais e o

superior interesse da criança.4

Num momento seguinte, já no âmbito da Parte II, levar-se-á a cabo um estudo acerca do

direito à reserva da vida privada da criança no seio da família, começando por analisar as

consequências em que o fenómeno de sharing pode intervir na eficácia do princípio do superior

interesse da criança. Seguir-se-á, uma análise ainda tanto quanto sucinta da indisponibilidade

do direito à imagem além da suscetibilidade de oposição à exposição por outrem.

Por último, ainda na Parte II, discorrerá quanto à exposição dos menores nas redes

sociais por parte dos progenitores e, para isto, apresentar-se-ão dados estatísticos de relatórios

com a finalidade de demonstrar o atual cenário ocupado pela Internet na sociedade, assim como

na família, para que, finalmente, possa ser abordado de forma específica, o estudo desta

dissertação, com a análise casuística e posicionamento da doutrina.

Importa esclarecer que trataremos de analisar casos em que são os próprios progenitores

a partilharem momentos íntimos das suas crianças e não ao contrário, isto é, casos em que é a

criança que se expõe por livre iniciativa, assim que atinge uma certa “maturidade”.

4 “Ocorre que com a reforma de 2008, não foi apenas o divórcio que mudou [...] Aliás, como decorre do próprio

projeto de lei, que, na exposição dos motivos, declara que a motivação normogenética é conformar a lei com o

casamento na era moderna, assente na liberdade de escolha e igualdade de direitos e de deveres entre cônjuges,

afectividade no centro da relação, plena comunhão de vida, cooperação e apoio mútuo na educação dos filhos”.

Cfr. LANÇA, Hugo Cunha - Cartografia do Direito das Famílias, Crianças e Adolescentes, Lisboa, Edições

Sílabo, 2018, p. 117.

Page 10: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

10

6. Pretende-se, portanto, com a presente dissertação de mestrado, apoiar o avanço na

área em estudo, alertando para possíveis situações de violabilidade dos direitos da criança que

urgem mudanças face ao comportamento da sociedade quanto à exposição da vida privada nas

redes sociais.

Ex positis, trata-se de um campo cuja problemática tende a crescer em razão de estarmos

num mundo cada vez mais conectado.

Page 11: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

11

PARTE I - O PODER DEVER NAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS

1. A perspetiva histórica da criança na família

Considerando que a vida privada e familiar tem mais influência na história do que as

batalhas e os castelos normalmente narrados e destacados pelos historiadores5, torna-se

pertinente analisar a modificação da conceção de criança no núcleo familiar, perante as

inúmeras transformações sociais que a humanidade já atravessou. Ultrapassamos a cabal

soberania do pater para então chegarmos à presente noção de igualdade dos progenitores quanto

aos deveres de proteção, educação e assistência aos filhos.

Na verdade, pode dizer-se que “sempre que uma criança contesta o sistema familiar em

que vive, altera as relações com os pais ou desafia o processo de socialização, está a mudar o

mundo”.6 O que vemos ainda é que apesar das crianças constituírem cerca de metade da

sociedade humana, viveram, ao longo da história e até há pouco tempo, numa condição de

silêncio e de esquecimento, dado que “o padrão violento dos adultos na relação com as crianças

não foi registado pelos historiadores haja vista que a história foi, durante muito tempo,

considerada como o registo dos factos públicos e não da vida privada”.7

Inicia-se a compulsão de elementos por volta do ano de 450 a.C., quando vigorava a Lei

das XII Tábuas, fonte de direito romano. Dela derivava o patria potestas, que equivalia ao

poder do pai sobre os filhos, onde a sua derivação mais extrema era o jus vitae necisque, que

se materializava no direito de vida e no direito de morte dos pais sobre os seus filhos.8 Os filhos

podiam, por exemplo, ser objeto de um negócio jurídico como a compra e venda, ou a locação,

podendo também o pater-familias dispor de forma livre sobre os bens dos filhos.9 Tratava-se

de uma verdadeira soberania familiar, de cunho absoluto e perpétuo, à qual não punham termo

nem a maioridade do filho, nem o seu casamento.10

Durante os séculos XII e XIII, foram concebidos por teólogos e canonistas, modelos da

sociedade perfeita, onde era atribuído ao pai um direito absoluto sobre a família no chamado

5 SOTTOMAYOR - Maria Clara, Temas de Direito das Crianças. Coimbra, Almedina, 2016. pp. 17-18.

6 Idem, ob. cit., p. 18.

7 Ibidem, p. 17.

8 MONTEIRO, A. Reis - Direitos da Criança: Era uma vez..., Coimbra, Almedina, 2010. p. 17.

9 RODRIGUES, Hugo Manuel Leite - Questões de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades

Parentais, Coimbra, Coimbra Editora, 2011. p. 17. 10

MOREIRA, Sónia - A Autonomia do menor no exercício dos seus direitos. In Revista: Scientia Ivurídica. Tomo

L, n.º 291, Setembro-Dezembro, 2001, pp. 159 - 194, p. 162.

Page 12: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

12

patria potesta. Neste contexto, a família assume-se como instituição divina11: a religião não

formava a família, mas ditava as suas regras e estabelecia o direito. Juridicamente, a sociedade

familiar era uma associação religiosa e não uma associação natural.12 Por um lado, serviria de

instrumento à Igreja, por outro estaria também ao serviço do Estado, como instrumento de

controlo da sociedade em geral. Já a educação dos filhos, consubstanciava um dos fins do

casamento.13

Neste contexto, a criança estava ao arbítrio paterno, pessoa que por exemplo, poderia

aplicar sanções, privação de recursos, ou mesmo aplicação de castigos corporais ou morais. 14

Simili modo, a prática do infanticídio era comum e atingia sobretudo crianças que eram tidas

como ilegítimas, as do sexo feminino e aquelas se sofressem de alguma deformação física.15

Somente na Idade Média,16 o infanticídio passou a ser mal visto e alvo de censura pelos

seguidores do Cristianismo,17 sendo aqui pela primeira vez indicada a preocupação com a

criança e consequentemente abordado pela primeira vez o direito da criança à vida.18

Já no período entre os séculos XIV a XVI, com o surgimento do humanismo

renascentista desenvolvido na Europa, inicia-se o processo de reconhecimento da consideração

da criança como um ser com especificidades em relação aos adultos, evidenciando-se uma

perceção humanista da infância.19 Nota-se esta especificidade, através do surgimento de

vestuário específico só para as crianças, no facto de estas começarem a serem retratadas nas

pinturas e na preocupação pela educação e escolaridade.

Surgem também neste período, os jogos e os brinquedos, tendo em conta que a linha

filosófica utilizada na época focava atenção na infância, como corolário da perceção da criança

enquanto ser dotado de especificidades em relação ao adulto.

11

CAMPOS, Diogo Leite de - Lições de Direito da Família, 3.ª ed., rev., Coimbra, Almedina, 2016, p. 84. 12

AMIN, Andréia Rodrigues [et al] - Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos,

10.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2017, p. 48. 13

CAMPOS, Diogo Leite de - Lições de Direito [...], ob. cit., p. 84. 14

MONTEIRO, A. Reis - Direitos da Criança [...], ob. cit., p. 13. 15

MONTEIRO, A. Reis, idem, ob. cit., p. 15-16. 16

Entre os séculos V d.C. à XV d.C. 17

CAMPOS, Diogo Leite de - Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2.ª ed., rev., Coimbra, Almedina,

2001, p. 27. 18

Nesta época que se reduziu o infanticídio de filhos legítimos, mantendo-se, contudo, até ao século XIX a prática

de infanticídio quanto a filhos ilegítimos. Cfr. DE MAUSE, Lloyd - La evolución de la infancia. In DE MAUSE,

Lloyd - Historia de la infancia. Tradução espanhola de MARTÍNEZ, María Dolores López. 1.ª ed. Nova Iorque:

The Psychohistory Press, 1974, pp. 15 - 92, p. 47. A saber mais, foi por meio de diversos concílios, que a Igreja

foi outorgando certa proteção aos menores prevendo e aplicando penas corporais e espirituais para os pais que

abandonavam ou expunham seus filhos. 19

MONTEIRO, A. Reis - Direitos da Criança ..., ob. cit., p. 20.

Page 13: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

13

Foi na idade Moderna que a infância recebeu atenção do filósofo John Locke20, que

entendia o poder paternal como algo substituível, no sentido em que se trata de uma autoridade

limitada face à igualde de todos os seres humanos e liberdade que lhes assiste.21 Este autor foi

o primeiro a lançar pedras para a construção do conceito de menoridade e a encontrar no

interesse do filho a justificação para os poderes-deveres dos pais, fundando os seus direitos na

sua qualidade humana.22

Para Locke, a relação entre pais e filhos é abordada através da noção de poder de

domínio dos pais e a submissão dos filhos, sendo recusado às crianças o “estado de igualdade

perfeita” de que beneficiam todos os seres humanos, pois “os seus pais possuem uma espécie

de poder e de jurisdição sobre elas 23, negando às crianças a capacidade de exercer uma vontade

própria, a ser dever dos pais ditar-lhes o que fazer e regular as suas ações durante a

menoridade.24

Diferentemente, o filósofo Jean-Jacques Rousseau, consagrou a necessidade de se

deixar amadurecer a infância nas crianças, ao que lhe subjazia a ideia de distinção da infância

sendo esta uma fase para a humanização, considerando a criança como uma pessoa distinta dos

adultos, portadora de características especiais e, portanto, necessitada de uma maior proteção.25

Somente com a Revolução Francesa, surgiram os ideais que clamavam pela liberdade e

pela valorização do indivíduo. Dá-se a abolição do patria potestas, que, porém, acaba por

regressar no Código Civil de Napoleão, embora com uma formulação mais ténue.26 Apesar

deste contexto de libertação e afirmação dos direitos individuais, continuar-se-á a verificar, no

que à família concerne, uma “imunidade de facto” aquando da violação de direitos dos seus

membros.27

20

Filósofo inglês, 1632-170. 21

MONTEIRO, A. Reis - Direitos da Criança: Era uma vez... [...], ob. cit., p. 24. 22

MARTINS, Rosa - Responsabilidades parentais no séc. XXI: a tensão entre o direito de participação da criança

e a função educativa dos pais. Lex Familiae – In: Revista Portuguesa de Direito da Família. Ano 5. Julho-

Dezembro 2008, n.º 10, pp. 25 - 40, p. 28-29. 23

LOCKE, John - Segundo Tratado do Governo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 79. 24

LOCKE, John, idem, ob. cit., p. 81. 25

MARTINS, Rosa - Responsabilidades parentais no séc. XXI: a tensão entre o direito de participação da criança

e a função educativa dos pais. Lex Familiae – In: Revista Portuguesa de Direito da Família. Ano 5 -

julho/dezembro 2008, n.º 10, pp. 25 - 40, pp. 28-29. 26

MONTEIRO, A. Reis - Direitos da Criança [...], ob. cit., p. 26. 27

PINHEIRO, Jorge Duarte - A tutela da personalidade da criança na relação com os pais”. In: Scientia Iuridica

– In: Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXIV, n.º 338 – Maio-Agosto, 2015, p. 250.

Page 14: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

14

Embora a família continuasse a ser dominada pelo chefe de família, o século XIX

representa um período de transição.28 Inicia-se, nesta época, a progressiva intervenção dos

Estados na ótica de proteção da infância, quer através da ingerência nas questões de poder

paternal, quer no domínio da regulamentação do trabalho infantil, fenómeno que se agrava com

a industrialização.29

Com a Revolução Industrial, tornou-se recorrente a exploração de trabalho infantil nas

fábricas, no desempenho de funções repetitivas e exaustivas,30 onde a criança passa a ser

privada de uma infância e do convívio familiar, para ser vista como instrumento de

produtividade industrial, exercendo atividade como um pequeno adulto.

Na mesma época, nascia o primeiro Código Civil Português de 1867, em que a

maioridade se atingia aos 21 anos31. O trabalho infantil era legalizado para menores de 10 anos

em fábricas, desde que tivessem instrução primária e compleição robusta conforme previsão do

Regulamento de 16 de março de 1893. Ou seja, a autonomia dos jovens para administrarem sua

pessoa e os seus bens era cerceada, mas em contrapartida, podiam ser usados desde a infância

como instrumentos de lucro das fábricas e de sustento das famílias.32

Foi diante deste contexto que, apenas no século passado, se começa a verificar uma

preocupação pela salvaguarda da infância, com o surgimento de sociedades protetoras da

infância, a organização de fóruns, simpósios, debates e congressos com vista à consagração da

criança como sujeito de direitos. Dessa forma, o século XX é visto como o Século da Criança,

após a adoção da Declaração dos Direitos da Criança, em 1959.

No entanto, somente com a Convenção dos Direitos da Criança (CDC) adotada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas a 20 de novembro de 1989, e ratificada por Portugal a 21

de setembro de 1990, é que se reconhece como criança todo ser humano com menos de 18 anos

, exceto nos casos em que a lei nacional confere a maioridade mais cedo, com previsão no

Código Civil no artigo 122.º. Além disso, a CDC traz o dever conferido aos Estados Partes em

favorecer a elaboração de princípios orientadores adequados à proteção da criança contra a

informação e documentos prejudicais ao seu bem-estar, conforme previsto na alínea e) do artigo

17.º.

28

CAMPOS, Diogo Leite de - Lições de Direito [...], ob. cit., p. 86. 29

MONTEIRO, A. Reis - Direitos da Criança [...], ob. cit., p. 27. 30

MARTINS, Rosa - Responsabilidades parentais no séc. XXI [...], ob. cit., p. 29. 31

Artigo 311.º: “A epocha da maioriade é assignada, sem distinção de sexo aos vinte e um annos completos. O

maior fica habilitado para dispor livremente de sua pessoa e bens”. 32

SOTTOMAYOR, Maria Clara, Temas de Direito [...], ob. cit., p. 25.

Page 15: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

15

2. A Lei nº. 61/2008, de 31 de Outubro e o seu reflexo nas responsabilidades

parentais

No que a Portugal diz respeito, em 1867, após ter sido aprovado e votado pelas Cortes,

entrou em vigor o primeiro Código Civil, também denominado de Código de Seabra.33 Norteou-

se por uma desigualdade entre pai e mãe, de modo que o marido era o chefe da família e a mãe

somente era ouvida nos casos em que pesavam o interesse dos filhos.

O Código Civil de 1867, partindo da incapacidade relativa da mulher casada, atribuía

apenas ao pai a titularidade pelo exercício do poder paternal, reservando à mãe o papel de mera

colaboradora do marido. As mães, como dizia a lei, participavam do poder paternal e deviam

ser ouvidas em tudo que tivesse a ver com os interesses dos filhos.34

O Código de Seabra também diferenciava os filhos legítimos dos ilegítimos, fruto da

mentalidade da época e, ainda que o artigo 166.º do referido diploma estabelecesse que os filhos

ilegítimos estavam sujeitos ao poder paternal da mesma forma que os legítimos.35

Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, nada se modificou, : continuávamos

ainda com o ideal de pater familias, mantendo assim o homem uma posição de supremacia face

a mulher. A mulher cuidava dos filhos, era ouvida em assuntos respeitantes ao filho, mas a

vontade imperante era do chefe de família, sendo à mulher atribuídas funções do marido apenas

quando este se encontrasse impossibilitado.36

Segundo Joana Gomes Salazar, apesar do Código Civil, no essencial, ter acolhido as

regras que presidiam à regulamentação do instituto do poder paternal do Código anterior, não

deixou, porém, de reorientar o entendimento do instituto através de um novo tratamento

sistemático.37

O poder paternal passa, com o Código Civil de 1966, a ser perspetivado pela lei civil

como um dos efeitos da relação jurídico-familiar de filiação, pertencendo portanto, ao conjunto

33

Em 1845 foi constituída uma comissão com intuito de elaborar e redigir os códigos Civil e Penal. Apesar de ter

elaborado com sucesso o Código Penal de 1852, a comissão “não cumpriu o seu mandato quanto ao Civil”, motivo

pelo qual, em 08 de agosto de 1850, é chamado a redigir um projecto de Código de Civil o desembargador da

Relação do Porto, António Luis de Seabra”, que o apresentou em 1858. A partir deste momento é então nomeada

uma subcomissão, de que faziam parte o próprio Seabra, Vicente Ferrer, Alexandre Herculando e José Júlio de

Oliveira Pinto, com a incumbência de dar ao projecto a sua redação definitiva. 34

AMARAL, Jorge Augusto Pais de - Direito da Família e das Sucessões, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2015, p.

233. 35

RODRIGUES, Hugo Manuel Leite - Questões de Particular Importância [...], ob. cit., p. 18. 36

RODRIGUES, Hugo Manuel, idem, ob. cit., p. 19. 37

SALAZAR, Joana Gomes - O superior interesse da criança e as novas formas de guarda, Lisboa, Universidade

Católica Editora, 201, p. 56

Page 16: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

16

mais extenso dos efeitos da relação entre pais e filhos.38 Foi a partir de então que a titularidade

do exercício do poder paternal passou a pertencer a ambos os progenitores, apesar de haver

funções específicas para cada um.39

Com a substituição da antiga Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1933 para

a então entrada em vigor da CRP de 1976, houve significativas modificações ao Código Civil

em 1977, tendo em conta que então algumas regras passaram a estar em desconformidade com

a Lei Maior 40. Apenas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro,

foi pela primeira introduzido no ordenamento jurídico português, o princípio da igualdade entre

cônjuges de forma geral como também nas relações familiares, diga-se em relação também aos

filhos.

Para Eduardo Sá, as transformações oriundas da nova Constituição da República de

1976 e, consequentemente, a Reforma do Código Civil de 1977, trouxeram uma conceção de

família diferente: “o modelo da pequena família”, formada de aspeto igualitário e democrático,

pautada na afetividade, solidariedade, respeito e auxílio mútuos, geradores de direitos e

obrigações de ambas as partes.41

Um relevante avanço trazido em conjunto, foi a introdução do princípio da participação

no qual prevê que os filhos devem obediência aos pais. Porém, de acordo com a maturidade dos

filhos, os pais devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e

reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida, conforme previsto no n.º 2 do artigo

1878.º, do CC em vigor.

Com a Constituição de 1976 e a consequente reforma do Código Civil de 1977, o poder

paternal passa a ser definido como um feixe de poderes funcionais atribuído pela ordem jurídica

aos pais para que eles possam desempenhar a sua função de cuidar dos filhos, protegendo-os e

promovendo a sua autonomia e independência.42

Finalmente, consagra-se a partir de então, em conformidade com o disposto nos n.os 3,5

e 6 do artigo 36.º, a igualdade entre os cônjuges, o que pressupõe que o poder dever quanto à

educação e manutenção dos filhos passe a ser exercido por qualquer um dos progenitores,

garantindo também a inseparabilidade dos filhos, exceto quando não cumpram os seus deveres

38

SALAZAR, Joana Gomes, idem, ob. cit., p. 56. 39

AMARAL, Jorge Augusto Pais de - Direito da Família [...], ob. cit., p. 234. 40

O Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro introduz alterações no Código Civil Português, em especial o

Livro IV – Direito da Família. 41

SÁ, Eduardo - O Poder Paternal, Volume Comemorativo dos 10 anos do curso de pós-graduação de menores

– prof. Doutor F. M. Pereira Coelho, org. Guilherme de Oliveira, Coimbra, Editora Coimbra, 2008, p. 65. 42

SALAZAR, Joana Gomes, O Superior interesse [...], ob. cit., pp. 185-192.

Page 17: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

17

fundamentais para com eles. Para além deste, temos o artigo 67.º, enquanto princípio geral e

norteador quanto à proteção da família como elemento fundamental da sociedade.

Para Jacinto Bastos, o poder paternal é a autoridade pessoal e patrimonial que a ordem

jurídica atribui aos pais relativamente ao filho menor, no exclusivo interesse deste, na medida

necessária a prover à guarda e educação do menor e ainda à direção dos seus interesses

económicos.43 Para o referido autor, o poder paternal não se apresenta como estando em

oposição à ideia da reciprocidade igualitária da família moderna, porque a sua necessidade

surge exatamente da existência de uma desigualdade, objetiva e substancial, gerada pela

imaturidade do menor, para tratar adequadamente dos seus interesses pessoais e económicos, a

qual é suprida pelos poderes de representação e de administração atribuídos pelos pais.44

A Recomendação n.º R (84) 4, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa

a 28 de fevereiro de 1984, optara pela utilização da expressão responsabilidades parentais e

define-a como conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e

material do filho, designadamente tomando conta da pessoa do filho, mantendo relações

pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e

administração dos seus bens.

De modo similar, a CDC, adota também o princípio de que ambos os pais têm

responsabilidade comum na vida e no desenvolvimento da criança, e que constitui

responsabilidade prioritária a educação e o bem-estar global da criança conforme o n.º 1 do

artigo 18.º e n.º 2 do artigo 27.º.

De forma idêntica também a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da

Criança, celebrada pelo Conselho da Europa a 25 de janeiro de 2016, utilizou a expressão

responsabilidades parentais a propósito da titularidade exercício dos poderes-deveres que

integram o poder paternal, de acordo com o n.º 3 do artigo 3.º, alínea b) do artigo 2.º, n.º 1 do

artigo 4.º e alínea a) do artigo 6.º da Convenção.45

Assim, quando o legislador português acolheu a designação de responsabilidades

parentais, aparentemente, aderiu a esta denominação internacionalmente adotada e que

representa, simbolicamente, um deslocamento do eixo do conceito da vertente das faculdades

43

BASTOS, Jacinto Fernandes Rodrigues - Notas ao Código Civil, vol. VII, Lisboa, Almedina, 2002, p. 104. 44

BASTOS, Jacinto Fernandes Rodrigues, idem, ob. cit., p. 104. 45

FIALHO, António José - Guia Prático do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, 2.ª edição, CEJ,

Lisboa, 2013, p. 67. Disponível em:

<http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/guia_pratico_divorcio_responsabilidades_parentais.pdf>.

Consultado em: 10-10-2019.

Page 18: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

18

para a vertente das obrigações.46 Trata-se, portanto, de um poder irrenunciável, conforme artigo

1882.º do CC, e intransmissível, inter vivos e mortis causa.

A Lei nº. 61/2008 de 31 de Outubro, n.os 1 e 2 do artigo 3.º, introduziram um anseio

antigo de que as epígrafes da Secção II e da sua Subsecção IV do capítulo II do Título III do

Livro IV do Código Civil fossem alteradas respetivamente para “responsabilidades parentais”

e “exercício das responsabilidades parentais”. Foi este diploma legal que veio introduzir

alterações ao regime jurídico do divórcio e as suas consequências para os filhos, como também

substituir a anterior expressão “poder paternal” pela expressão “responsabilidade parental”,

mudança de designação motivada, segundo o legislador, pela desadequação de um modelo

implícito que apontava para o sentido de posse, num tempo em que se reconhece, cada vez

mais, a criança como um sujeito de direitos.47

Para Jorge Duarte Pinheiro, a substituição da expressão não é, no entanto, isenta de

crítica, resultando em equívoco e duplicação de termos. Equívoco, pois a palavra parental, no

português jurídico, é o que diz respeito a parentes, a pessoas unidas por um vínculo decorrente

de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor em comum, visto

que as responsabilidades parentais são, originariamente, exercidas apenas por certos parentes,

neste caso, os pais, parentes da linha reta ascendente. 48

Para Rosa Martins, esta expressão ajuda a transmitir melhor o modelo democrático de

família atualmente em vigor, em que a relação entre pais e filhos é baseada no afeto, respeito

mútuo e particular atenção à necessidade de autonomia própria do filho enquanto ser em

desenvolvimento, sem descurar a atividade de direcção e supervisão da educação e formação

do filho no contexto de uma relação interativa e dialética. 49

Antes da alteração da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, o artigo 1878.º tinha como

título “conteúdo do poder paternal”. O poder paternal, tal como agora as responsabilidades

parentais, sempre foi entendido segundo uma conceção filiocêntrica, o fulcro das finalidades

visadas situa-se na pessoa do filho. 50

Ocorre, todavia, que a alteração de epígrafes e designação dispôs sobre alteração da

secção II e da subsecção IV, do capítulo II do título III do livro IV do Código Civil, não sendo

46

LEAL, Teresa Ana [et al] - Poder paternal e responsabilidades parentais, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2010, p.

13. 47

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-10-2011, Processo: 626/09.7TMCBR.C1, Relator: REGINA

ROSA. Disponível em: <www.dgsi.pt>. Consultado em: 11-05-2019. 48

PINHEIRO, Jorge Duarte - Estudos de Direito da Família das Crianças. AAFDL, 2015, p. 331. 49

MARTINS, Rosa – Menoridade - (In)capacidade e Cuidado Parental. Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 227. 50

AMARAL, Jorge Augusto Pais de - Direito da Família [...], ob. cit., p. 231.

Page 19: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

19

citadas substituições nominais em outros Livros do Código Civil, como no caso do Livro I

acerca da matéria relativa a incapacidades, como também em outros diplomas legais a citar, a

Organização Tutelar de menores (OTM), Decreto Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro.

Para Helena Gomes de Melo [et al], os conceitos de poder paternal e responsabilidades

parentais são internacionalmente usados como sinónimos, tratando-se de mera preferência

terminológica, podendo-se concluir que a norma deve ser interpretada latamente: todas as todas

as referências ao poder paternal devem passar a ler-se como referidas a responsabilidades

parentais.51

A responsabilidade parental enquadra-se num preceito de irrenunciabilidade conforme

o que se encontra previsto no artigo 1882.º do CC, isto é, os pais não podem renunciar as

responsabilidades parentais nem qualquer dos poderes-deveres que lhes são conferidos, no

sentido em que se trata de um poder e mesmo de uma proibição com sentido de interesse público

e ordem pública.

No caso de incumprimento, por parte de um dos progenitores, de alguma das

responsabilidades parentais, pode o outro requerer ao tribunal, as diligências necessárias para

o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa e em indemnização a favor da

criança, do querentes ou de ambos, com base no artigo 41.º do Regime Geral do Processo

Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015.52

Além da substituição da expressão “poder paternal” pela “responsabilidades parentais”,

foi introduzido também o exercício em comum de tais responsabilidades, quer nos casos em

que os progenitores nunca tenham vivido juntos, quer nos casos em que vivam em união de

facto, mas não tenham declarado que o exercício paternal devia ser exercido em comum. Foi

posto termo também na presunção que havia onde o poder paternal pertencia ao cônjuge com

quem estivesse a guarda do filho, presumindo-se sempre a mãe.53

Na constância do casamento, a titularidade do poder paternal pertence a ambos os pais,

é o que está em epígrafe no artigo 1901.º do Código Civil. Ocorre, entretanto, que mesmo

cabendo titularidade do poder a ambos, pode ser que apenas a um deles pertença o seu exercício.

Outra questão sanada com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, é a

da distinção entre as questões de particular importância na vida do menor, que são exercidas

51

MELO, Helena Gomes de [et al.] - Poder paternal e responsabilidades paternais. 2.ª ed., Quid Juris, 2010, p. 13. 52

AMARAL, Jorge Augusto Pais de - Direito da Família [...], ob. cit., p. 233. 53

AMARAL, Jorge Augusto Pais de, idem, ob. cit., p. 234.

Page 20: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

20

por ambos os progenitores, e as questões relativas aos atos correntes da vida do menor, que

cabem àquele progenitor com quem o filho reside habitualmente.

Antes da reforma, o exercício das responsabilidades parentais cabia a ambos os

progenitores quando: na constância do casamento (n.º1 do artigo 1901.º); se, tendo cessado a

vida em comum, tivessem os progenitores chegado a acordo homologado por sentença, sobre o

exercício conjunto do poder paternal (n.º 1 do artigo 1905.º, n.º2 do artigo 1906.º e artigo

1.909.º); e também nos casos em que os progenitores vivam em união de facto, se tivessem

declarado, perante o funcionário do registo civil, a sua vontade de que o poder paternal fosse

exercido por ambos (n.º 3 do artigo 1.911.º).

Com a nova lei, introduz-se a regra segundo a qual as responsabilidades parentais

relativas às questões de particular importância na vida do filho são exercidas simultaneamente

pelos progenitores conforme encontramos nos artigos 1.906.º, 1.911.º e 1.912.º.

No entanto, deparamo-nos com os casos de exceções em que as responsabilidades

parentais são exercidas apenas por um dos progenitores, nos casos, a saber: nas situações em

que se verifica impedimento de um dos pais (artigo 1.903.º); havendo morte de um dos

progenitores (artigo 1.904.º); e também, nos casos em que a filiação se encontra estabelecida

apenas enquanto a um dos progenitores, divórcio, separação judicial de pessoas e bens,

declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal pode decidir a quem caberá

exercer as responsabilidades parentais, em harmonia com o interesse do menor, promovendo e

aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto e de

partilha de responsabilidade entre eles (n.º 7 do artigo 1.906º).

Tratando-se de casos onde os progenitores coabitam, estes devem exercer

conjuntamente as responsabilidades parentais, id est, independente de serem casados ou

viverem em união de facto, estes deverão decidir, de comum acordo, todas as questões que

dizem respeito à vida do menor, quer seja situações de particular importância, quer seja

situações da vida corrente do filho. Porém, não havendo acordo quanto às questões de particular

importância, deve, o tribunal, decidir em conformidade com o que dispõem os artigos 34.º e

seguintes do RGPTC.

Importante destacar que o n.º 3 do artigo 1.901.º, já prevê, de forma sublime, que quando

não for possível alcançar a conciliação necessária, o tribunal ouvirá o filho antes de decidir,

salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.54

54

Antes desta referida última alteração legislativa, o menor só seria ouvido quando tivesse atingido a idade mínima

de 14 anos. A partir de então, com a nova lei, não há qualquer referência mínima de idade para o menor ser ouvido.

Page 21: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

21

Na prática do exercício das responsabilidades parentais por um dos pais, presume-se

que este agiu de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento

de ambos os progenitores ou se trate de ato de particular importância, com a atenção de que a

falta de acordo não é oponível a terceiro de boa-fé (n.º 1 do artigo 1.092.º, e n.º 1 do artigo

1.911.º). Estes casos são compreensíveis dado que, os atos da vida do filho são numerosos e

sabe-se que, muitas vezes, pela situação da família moderna, torna-se inviável reunir

constantemente com o intuito de obter acordos, por isso entende-se que a lei presumiu a

existência de acordos.

Sabemos, porém, que a presunção da existência de acordos, não irá recair sobre todos

os atos que integram o exercício das responsabilidades parentais, ressalvando-se os casos em

que a lei exija expressamente o consentimento de ambos os progenitores. A exemplo, citamos

o n.º 2 do artigo 16.º do Código de Processo Civil (CPC), que prevê a necessidade do acordo

de ambos para a propositura de ações, e o artigo 18.º, também do mesmo diploma, quanto aos

casos em que se verifica desacordo dos pais na representação do menor acerca da conveniência

de intentar ação.

Partimos neste momento, no que diz respeito aos atos de particular importância da vida

do filho. Para Jorge Augusto Pais de Amaral, trata-se de um conceito indeterminado. No

entanto, para a qualificação de qualquer ato como sendo de particular importância deve optar-

se por um critério objetivo em vez de lhe dar importância subjetiva que lhe é atribuída por um

dos progenitores.55 Id est, trata-se de questões que pertencem ao núcleo essencial dos direitos

que são reconhecidos às crianças, conforme previsto na exposição de motivos dos trabalhos

preparatórios do projeto de Lei n.º 61/2008.

Tratando-se de progenitores divorciados, que deixaram de viver juntos ou que nunca

moraram juntos, o exercício das responsabilidade parentais relativas a atos da vida corrente do

filho, cabe ao progenitor com quem ele resida habitualmente, ou ao progenitor com quem ele

se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não

deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo

progenitor com quem o filho reside habitualmente. (n.º 3 do artigo 1.906.º, n.º 2 do artigo

1.911.º e n.º1 do artigo 1.912.º.)

Salientamos ainda que, em caso de urgência manifesta, o legislador permite que

qualquer um dos progenitores possa agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo

55

AMARAL, Jorge Augusto Pais de - Direito da Família [...], ob. cit., p. 236.

Page 22: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

22

que possível, como resulta da redação do n.º1 do artigo 1.906.º. Tratam-se de acontecimentos

inusuais, onde os dois progenitores estarão a cooperar à volta dos assuntos que têm um interesse

relevante para a vida do filho, dado que impor o exercício conjunto implicaria frequentes

comunicações dos progenitores, algum dramatismo na sua resolução, maiores conflitos, mais

incidentes de incumprimento, que em nada beneficiaria a criança, pelo contrário.56 Tudo

porque, parece subjazer que o exercício das responsabilidades, juntamente com os deveres,

condizem a uma atribuição igualitária do exercício de ambos os progenitores, ou seja, a sua

existência pauta-se no interesse do menor e não dos seus progenitores.

É assim que as responsabilidades parentais devem portanto, ser entendidas num

contexto adequado, como poderes-deveres funcionais que devem ser exercidos altruisticamente

no interesse do filho, em harmonia com a função do Direito, consubstanciada no objetivo

primacial de proteção e salvaguarda do superior interesse da criança que nada mais é verdadeira

razão de ser, o critério e o limite daquelas responsabilidades. 57

O artigo 18.º da CDC, prevê que cabe aos pais a principal responsabilidade comum de

educar a criança, e o Estado deve ajudá-los a exercer esta responsabilidade, devendo o Estado

conceder uma ajuda apropriada aos pais na educação dos filhos.

Até ao momento tratamos de precauções apresentadas quanto ao exercício das

responsabilidades parentais no que diz respeito ao superior interesse da criança em relação a

ambos os progenitores. Entretanto, ensejamos uma breve análise se o Estado poderia/deveria

intervir no exercício das responsabilidades parentais, e se assim sendo, qual seria o limite dessa

intervenção.

Para Joyceane de Menezes, embora não haja no âmbito do Direito de Família um limite

estrito a definido entre o público e o privado, tal direito diz respeito à vida relacional entre os

que compõem a unidade familiar, dentre interesses e valores pelos membros da família

compartilhados, motivando decisões e projetos comuns, pertinentes à administração da família,

ao planeamento familiar, à educação dos filhos e à vida doméstica. A família corresponde a um

espaço de convivência, protegido contra as ingerências externas arbitrárias, onde não caberia

56

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-10-2011, Processo n.º 626/097TMCBR.C1, Relator:

REGINA ROSA. Disponível em: <www.dgsi.pt>. Consultado em: 02-10-2019. 57

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-04-2012, Processo n.º 612/09.7TMFAR.E1, Relator: MARIA

ALEXANDRA M. SANTO. Disponível em www.dgsi.pt

Page 23: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

23

ao Estado intervir, em razão aos muros que cercam o lar, na qual a ideia de privacidade está em

oposição à vida pública.58

A nosso ver, a intervenção do Estado perpassa por situações complexas que recaem no

princípio da dignidade da pessoa humana face à proteção da liberdade individual, autonomia

da vida privada e familiar além do princípio da intervenção mínima do Estado, muito importante

para que não haja ingerências do arbitrárias, a fim de manter a separação entre o público e o

privado, garantindo assim, o livre desenvolvimento da personalidade, que é o objetivo principal

das responsabilidades parentais.

Para Renata Multedo59, não cabe ao Estado interferências quanto à autodeterminação

da família, por se tratar de um espaço de livre desenvolvimento da personalidade, não podendo

ser alvo de nenhuma intervenção legislativa ou judicial que esvazie o seu sentido. Entretanto,

pondera a possibilidade de haver intervenção na vida privada familiar com intuito de assegurar,

no caso concreto, a primazia de um interesse maior, nesta circunstâncias, sendo possível para

proteger o superior interesse da criança.

E é este o travejamento que nos serve de parâmetro para a nossa análise hoc casu.

58

MENEZES, Joyceane Bezerra de - A família e o direito de personalidade: cláusula geral de tutela na promoção

da autonomia e da vida privada, in Revista Direito UNIFACS, 2013, p. 15. Disponível em:

<https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/5456>. Consultado em: 10-08-2019. 59

MULTEDO, Renata Vilela - Liberdade e Família – Limites para intervenção do Estado nas relações conjugais

e parentais, Rio de Janeiro, Editora Processo, 2017, p. 51.

Page 24: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

24

PARTE II – EM ESPECIAL, O DIREITO À RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA

PRIVADA DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA

Num mundo cada vez mais interligado com a sociedade da informação sem barreiras,

que além de disponibilizar notícias aos utilizadores também permite comunicação em tempo

real entre as pessoas, traz consigo dificuldades para distinguirmos o que seria objeto da

privacidade humana, com aquilo que, por vontade própria, as pessoas tornam público. Acontece

que, quando se trata de publicações relacionadas diretamente com a esfera da vida privada e

familiar, muitos pais acabam por ameaçar o direito de privacidade dos seus filhos menores,

dispondo nos media imagens e vídeos de momentos íntimos da criança sem refletir no que, a

longo prazo, tais exposições podem causar prejuízos a vida dos seus filhos.

A noção de vida privada surge no período do Estado Liberal, século XVII e correspondia

a um aspeto do status social da burguesia, onde a intimidade estava relacionada ao direito que

aqueles tinham à propriedade, ao contrato e em intromissões físicas na propriedade das pessoas.

No entanto, foi apenas no final do século XVIII e início do século XIX, com o

desenvolvimento industrial, que a reserva da vida privada passa a ser relacionada com a

dignidade da pessoa humana e não com o direito à propriedade. O aprimoramento das técnicas

e da ciência começam a pôr em risco a vida privada das pessoas, e a privacidade passa a ser

vista como algo inerente à condição humana, como uma necessidade intrínseca do indivíduo.

Dentro da esfera jurídica, a primeira alusão ao direito à privacidade, reporta-se à obra

do juiz Thomas Cooley, em 1880, quando sob o título A treatise on the law of torts utilizou a

expressão “right to be let alone” – o direito de ser deixado só. Contudo, Cooley não relacionou

a expressão com o sentido de privacy, tratando apenas sobre responsabilidade civil (torts)60.

Assim sendo, só em 1890, que surgiram os primeiros autores a defenderem a reserva da vida

privada como algo que carecia de uma proteção jurídica. Samuel D. Warren e Louis D.

Brandeis61, advogados norte-americanos, publicaram um artigo jurídico na revista Harvard

Law Review intitulado The Right to Privacy - O direito à privacidade, onde defenderam a

existência do direito a ser deixado só, ou seja, o direito de ser deixado em paz e não ter a

privacidade devassada por outros, independentes sejam esses de origem privada, institucional

ou estatal, no exercício das mais diversas atividades62. O estudo, aparentemente, importava-se,

60

Thomas Cooley utiliza pela primeira vez a expressão to be let alone ao afirmar que: “The right to one´s person

may be said to be a right of complete immunity: it to be let alone”. COOLEY, Thomas McIntyre - A treatise on

the law of torts, Chicago, Callaghan, 1880, p. 29. 61

WARREN, Samuel D., BRANDEIS, Louis D. - The right to privacy, Harvard Law Review, Vol. IV, 1890. 62

CORREIA, Victor, Sobre a privacidade, Sinapis Editores, 2016, p. 64.

Page 25: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

25

com a necessidade de estabelecer um limite jurídico para intromissões da imprensa na vida

privada.63 Contudo, há várias indagações quanto às razões que os levaram a escrever a

respeito da privacy. Para alguns estudiosos, tratou-se de uma resposta ao sensacionalismo

utilizado pela mídia na época, enquanto que, para outros, especulou-se tratar de uma reação

direta contra os abusos cometidos pela imprensa face à família de Warren, que era considerada

uma das famílias mais influentes na sociedade de Boston no final do século XIX. Qualquer que

seja a real motivação, não se pode negar a grande importância do artigo no âmbito da commum

law.64

Na Europa, a ideia de privacidade, surge no final do século XIX, com o término na 2ª

Guerra Mundial e o avanço das telecomunicações, entretanto, sem acompanhar o entendimento

anglo-americana de privacy 65. Não se pretendia um direito de isolamento absoluto, mas sim,

uma proteção jurídica relacionada com a dignidade da pessoa humana. Nas palavras de

Oliveira Ascensão, na sua matriz europeia torna-se diferente por ser um direito prevalentemente

defensivo, que coexiste com vários outros da mesma índole como os direitos à inviolabilidade

do domicílio, ao sigilo de correspondência, à imagem [...].66

Quanto a Portugal, o direito à privacidade está relacionado com a proteção de mais de

um prisma, não envolvendo apenas a relação do indivíduo com outras pessoas, mas também

associado à sua vida em sentido mais amplo, como a proteção da sua imagem, dos seus escritos,

das suas opiniões pessoais que a depender do seu próprio desejo, pode ser resguardado livre da

curiosidade alheia.

Na senda da lição de Heinrich Hubmann, também Oliveira Ascenção, entende existirem

três tipos de privacidade que precisam de ser respeitadas, e são denominadas de três esferas: a

individual, a privada e a secreta. 67De acordo com o autor, a esfera individual está relacionada

63

Warren e Brandeis consideram a proteção do privacy uma necessidade ao escreverem que: “The intensity and

complexity of life, attendant upon advancing civilization, have rendered necessary some retreat from the world,

and man, under the refining influence of culture, has become more sensitive to publicity, so that solitude and

privacy have become more essential to the individual; but modern enterprise and invention have, through

invasions upon his privacy, subjected him to mental pain and distress, far greater than could be inflicted by mere

bodily injury” WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. - The right to [...], ob. cit., p. 196. 64

WAGNER, Wienczyslaw J. - Le “droit a l’intimité” aux Etats-Unis. Revue Internationale de Droit Comparé,

v. 17, n. 2, p. 365- 376, abr./jun. 1965. p. 366). 65

Torna-se oportuno mencionar ainda, que o termo anglo americano “privacy”, não corresponde a palavra

“privacidade” em tradução literal para a língua portuguesa. Após a publicação do artigo de Warren e Brandeis, e

seguidamente com as primeiras decisões acerca do assunto, o privacy revela assumir uma vocação para diversos

direitos de personalidade, não apenas ao direito à privacidade. 66

ASCENSÃO, José de Oliveira - A reserva da intimidade da vida privada e familiar, In Revista da Faculdade

de Direito da universidade de Lisboa, Vol. XLIII – n.º 1, Coimbra Editora, 2002, p. 15. 67

ASCENSÃO, José de Oliveira - Direito Civil, Teoria Geral, Vol. I (Introdução as Pessoas, os Bens) 2.ª ed.,

Coimbra Editora, 2000, pp. 123 e ss.

Page 26: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

26

com todos os elementos capazes de identificar a pessoa. Ou seja, “qualquer informação, de

qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa

a uma pessoa singular identificada ou identificável” 68, conforme definido no artigo 3.º, alínea

a) da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, Lei da Proteção de Dados Pessoais. A esfera privada,

corresponde a uma parcela da vida resguardada de todo o conhecimento àqueles que não

integrem a vida familiar, conforme proteção constitucional prevista no n.º1 do artigo 26.º. Por

fim, a esfera secreta é composta por aspetos mais pessoais, isolados, fechados à consciência.69

Dentro de um sistema tripartido, de modo similar a Oliveira Ascenção, temos a doutrina

alemã que utiliza um sistema baseado em três esferas de privacidade: a vida pública que nos

remete à existência da vida em coletividade; a vida privada que corresponde à partilha apenas

com um grupo restrito de pessoas, podendo ser família ou amigos, e a vida íntima que seria

tudo aquilo que deveria ser desconhecido a outras pessoas.70

Para o Tribunal Constitucional Alemão, o direito à reserva da vida privada equipara-se

a uma autodeterminação, pela qual se abrange o direito do ser humano em fazer escolhas

essenciais no que diz respeito à sua intimidade, comportando também o direito ao segredo,

tendo em conta que a divulgação intempestiva de factos próprios do sujeito seja de molde a

ameaçar o exercício efetivo de outras liberdades.71

Acontece, no entanto, que o entendimento não é pacífico. Para Pedro Pais de

Vasconcelos, os limites de privacidade de certa pessoa, não serão os mesmos em relação a outra,

e acrescenta que entre o íntimo e o público, haverá uma escala progressiva e gradual que não

pode ser resumida a três esferas, obedecendo a critérios totalmente subjetivos e relacionados ao

caso concreto.72

Em termos internacionais expressos, foi somente em 1948, com a Declaração Universal

dos Direitos do Homem que, pela primeira vez, se reconhece a defesa pelo direito à privacidade,

ao afirmar no artigo 12.º que: “[N]inguém sofrerá intromissão arbitrária na sua vida privada, na

sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação.

Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei”.

68

ASCENSÃO, José de Oliveira, idem, ob. cit., p. 123 ss. 69

ASCENSÃO, José de Oliveira, ibidem, ob. cit., p. 123 ss. 70

CABRAL, Rita Amaral - O direito à intimidade da vida privada, Estudos em Memória do Professor Doutor

Paulo Cunha, Universidade de Lisboa, Lisboa, 1989, p. 398 e ss. 71

NETO, Luísa - Novos Direitos. Ou novo(s) objeto(s) para o Direito?, Porto: UPorto, 2010, p. 67. 72

VASCONCELOS, Pedro Pais de - Direito de Personalidade, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 80 e ss.

Page 27: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

27

Posteriormente, a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais, em 1950, determina no seu n.º 1 do artigo 8.º que: “Toda pessoa tem

direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência”.

Por fim, o Pacto Internacional relativo aos direitos civis e políticos, em 1966, declara

no seu artigo 17.º que: “Ninguém será objeto de intromissões arbitrárias ou ilegais na sua vida

privada, na sua família, no seu domicílio, ou na sua correspondência, nem de ataques ilegais à

sua honra e à sua reputação. Toda a pessoa tem direito à proteção da lei contra tais intromissões

ou tais atentados”.

A CDC também aborda a questão e dispõe no n.º 1 do artigo 16.º que: “Nenhuma criança

pode ser sujeita a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu

domicílio ou correspondência, nem a ofensas ilegais à sua honra e reputação”. No entanto o que

se verifica, na maioria das vezes, é a ampla e excessiva divulgação, por parte dos progenitores,

de imagens dos menores, não resultando de qualquer preocupação com o dever de proteção e

segurança dos seus filhos, que se encontram a seu cargo.

Sabe-se que é cada vez mais difícil resguardarmos o direito à privacidade, visto que a

vida privada é, como refere Luísa Neto, o conjunto de atividades, situações, atitudes ou

comportamentos individuais, que não têm relação com a vida pública, que estão desta

separados, e que estão estritamente ligados à vida individual e familiar da pessoa, são expostas

pelos próprios membros do núcleo familiar, a quem caberia serem os responsáveis do resguardo

da vida íntima.73

O direito à reserva da intimidade da vida privada, tem previsão constitucional no título

II, capítulo I sobre os direitos, liberdades e garantias pessoais, respetivamente no artigo 26.º,

n.º 1, que corresponde ao direito do ser humano, se assim o querendo, através de um critério

facultativo, conservar na esfera não pública e reservada todos os dados pessoais que pertençam

à sua vida privada e familiar, dispondo deste como titular do direito, impedir o acesso, emprego

e revelação de seus dados, em moldes que não tenham sido por si previamente autorizados e,

simultaneamente, beneficiando de um direito ao conhecimento, retificação, atualização e

eliminação dos respetivos dados pessoais informatizados.74

O Código Civil estabelece no n.º 1 do artigo 80.º, que é dever de todos guardar a reserva

quanto à intimidade da vida privada de outrem. Note-se que este artigo, preocupa-se com os

73

NETO, Luísa - Novos Direitos [...], ob. cit., pp. 66 e 67. 74

MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui - Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª ed., Coimbra editora,

2010, p. 620.

Page 28: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

28

factos que são compartilhados com uma pessoa, mas que não dá o direito a esta em tornar

público à terceiros os pormenores íntimos da vida de quem assim querendo os compartilhou.

A título de exemplo, existem os casos do sigilo do padre quanto àquilo que lhe foi

confessado por um fiel ou ainda nos casos dos médicos que são regidos ao sigilo face à proteção

das informações de saúde de um determinado paciente. De modo semelhante, trazemos a

importância de que exista também o mesmo dever nas relações familiares entre os seus

membros, ou seja, deve haver discrição e sigilo para que os factos que componham a intimidade

não venham a ser expostos fora do núcleo familiar, tendo em conta que pais e filhos têm o dever

de se respeitarem mutuamente, conforme disposto no n.º 1 do artigo 1.874.º do CC.

Além do respeito mútuo, é dever dos pais zelar pela segurança dos filhos, como disposto

no n.º 1 do artigo 1.878.º e, deste modo, o que pode traduzir também, que lhes cabe não só

averiguar o modo de utilização da internet pelas crianças, mas como também zelar pela suas

próprias condutas para que não violem o direito que lhes caberia assegurar.

Quanto a isso, Maria de Moraes afirma que a proteção garantida nos dias atuais, é

insuficiente, posto que a tutela do direito à privacidade continua a passar por novos e grandes

desafios.75 Perante o desenvolvimento tecnológico, máxime o crescimento de possibilidades de

sua violação provenientes da difusão da Internet, não podendo ser vista apenas para

salvaguardar o sigilo íntimo da pessoa, mas deve-se expandir com intuito de proteger os dados

pessoais diante das diversas possibilidades de violação trazidas pela ciência e tecnologia

contemporânea.76

Interrogamo-nos também, quanto à proteção dos direitos de personalidade dos menores,

por parte dos pais, sobretudo, quanto ao direito à imagem do menor, face ao crescimento das

partilhas de imagens e vídeos nos espaços cibernéticos publicados pelos próprios progenitores

a quem caberia o resguardo da privacidade dos filhos. A partilha de momentos vividos numa

rede social, e a consequente espera de likes, ainda que por um grupo restrito de pessoas, satisfaz

apenas o desejo daquele que publica, neste caso, um desejo de aprovação dos pais que, muitas

vezes, se diverge do superior interesse da criança.

Nesse sentido, o que pretendemos averiguar centra-se nas possíveis medidas cabíveis

quando o detentor da obrigação de salvaguardar o superior interesse do menor, é aquele que

75

MORAES, Maria Celina Bodin de - Na medida da pessoa humana, Estudos de Direito Civil Constitucional,

ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2010, p.57 76

MORAES, Maria Celina Bodin de – idem, ob. cit., p.57.

Page 29: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

29

divulga fotografias ou vídeos nas redes sociais, revelando momentos íntimos da vida da criança,

estando, dessa forma, a violar sobretudo, o direito à imagem e a reserva da vida privada desta.

Com isto, fortalecemos o entendimento que crianças e jovens devem ser vistas como

titulares de direitos e não serem tratadas como pertença dos pais, não sendo dignas de opinarem

sobre os seus próprios interesses e vontades, onde os adultos em jogo, detentores das

responsabilidades parentais, não conseguem prever o quanto isso a longo prazo possa ser

ameaçador e vir a custar muito caro na vida dos menores.

As políticas de segurança e privacidade nas redes sociais passam despercebidas na

grande maioria das vezes, por parte dos progenitores, que não se apercebem que podem estar a

favorecer o uso indevido dos dados e informações dos menores, afetando, dessa forma, o futuro

dessas crianças. Futuro esse, ainda incerto dado que ainda não sabemos, ou nunca saberemos

onde a tecnologia poderá ser capaz de chegar e destruir com o direito do ser humano de ser

deixado em paz.

Nesse contexto, para Stefano Rodotà cada vez mais se torna frágil uma definição para

“privacidade”, assim como o “direito a ser deixado só”, posto que “decaem em prol de

definições cujo centro da gravidade é representado pela possibilidade de cada um controlar o

uso das informações que lhe dizem respeito” 77. Ou seja, para o autor, na atual sociedade da

informação, a privacidade surge como a possibilidade de uma pessoa conhecer, controlar,

endereçar, interromper o fluxo das informações com ela relacionadas. Por outras palavras, o

direito de manter o controlo sobre as próprias informações, cabendo àquele que titulariza o

direito à privacidade, interromper o fluxo das informações com ele relacionadas, como também

exigir a circulação controlada de suas informações.78

Por fim, os pais possuem um papel muito significativo neste processo. Cabendo-lhes

resguardar as crianças e promoverem um ambiente capaz de favorecer um desenvolvimento

saudável para a personalidade destas, com respeito a dignidade da pessoa humana, tendo em

vista que o meio social onde se encontra, influenciará sua forma de ver o mundo, inclusive no

que diz respeito ao entendimento de privacidade.

77

RODOTÀ, Stefano - A vida na sociedade de vigilância – a privacidade hoje, Organização, seleção e

apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes, Tradução Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda, Rio de

Janeiro, 2008, p. 24. 78

RODOTÀ, Stefano - A vida na sociedade ..., ob. cit., pp.92-93.

Page 30: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

30

1. O princípio do superior interesse da criança na era digital

Num cenário atual, onde somos bombardeados de informações a cada instante pelo

inimaginável e crescente desenvolvimento digital, torna-se possível receber, transmitir e

analisar de modo bastante célere e eficiente uma gama infinita de informações. Com base nos

relatórios da Global Digital em janeiro de 201979, sendo um dos estudos mais abrangentes e

atualizados do mundo digital, das organizações We are Social e Hootsuite, com base nas

informações sobre o uso das principais plataformas sociais do mundo em mais de 230 países e

território ao redor do mundo, demonstram o grande crescimento da utilização da internet pelos

mais diversos setores da sociedade, revelando que já são mais de 4,39 bilhões de utilizadores

da internet, o que corresponde a mais de metade da população mundial.

Grande parte desse crescimento deve-se ao impulso dos smartphones e planos de dados

acessíveis, o que permite às pessoas estarem ligadas de onde quer que estejam, comprovando

pelos dados colhidos que os telemóveis são a escolha preferida dos utilizadores para se

manterem conectadas.

Quanto ao número de utilizadores, também nos deparamos com o aumento do uso das

redes sociais através dos dispositivos móveis. Em janeiro 2019 mais de 3,26 bilhões de pessoas

já dispunham de algum perfil nas redes sociais, o que significa um crescimento de mais de 297

milhões de novos usuários, representando um aumento de 10% maior se comparado com o ano

anterior. Constatou-se ainda que os usuários da Internet estão crescendo no mundo todo a uma

taxa de mais de 11 novos usuários por segundo, o que resulta em um total impressionante de

um milhão de novos usuários por dia conectados na Internet.

Aliás, não só houve o aumento de pessoas com acesso à internet, como também houve

um aumento, nos últimos anos, quanto à quantidade de tempo que as pessoas gastam

navegando, sendo, em 2019, 06 horas e 42 minutos, em média, por dia online, o que

corresponde a cerca de um terço dos seus dias conectadas. As plataformas de media e redes

sociais, mais utilizadas no mundo, segundo o referido relatório, são Youtube (o segundo sítio

mais visitado do mundo), Facebook (ocupa o ranking do 3º sítio mais visitado do mundo.) e

79

WEARESOCIAL. Digital 2019: Global Internet Use Accelerates. Disponível em:

<https://wearesocial.com/blog/2019/01/digital-2019-global-internet-use-accelerates>. Consultado em: 03-10-

2019.

Page 31: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

31

Instagram (ocupa o 10.º lugar no ranking com 895 milhões de usuários ativos em todo

mundo).80

Outro dado bastante interessante, divulgado pelos relatórios publicados em abril de

2019, ainda pela Global Digital 2019, Q2 Global Digital Statshot 81, que demonstram a

diminuição de mais de 3% do número de usuários do Instagram entre 13 e 17 anos entre outubro

de 2018 e janeiro de 2019, enquanto que todos os outros grupos etários apresentarem um

crescimento de mais de 4% durante o mesmo período. O que provoca uma certa especulação

relativamente à rede social que esta faixa etária estará a usar. Na nossa opinião, traz o alerta

para o aceleramento da inovação que o setor digital é capaz de promover num curto período.

Observamos que, enquanto os adultos criam os seus perfis em redes sociais, as crianças já estão

à frente a alçar novas experiências virtuais noutras plataformas inutilizadas pela maioria dos

adultos.

Cristiana Dias e Olivia do Couto definem redes sociais como ambientes virtuais onde

as pessoas se relacionam instituindo uma forma de sociabilidade que se encontra ligada à

própria formulação e circulação do conhecimento82. Ou seja, a partilha não é só de

conhecimentos, mas também um local onde as pessoas podem trocar experiências através de

publicações e comentários sobre os mais diversos assuntos variando de economia, política,

moda, religião, como também, partilha sobre a sua vida, rotina, família, hobbies, emprego, o

que fizeram e o que irão fazer.83

Muitas vezes torna-se até mesmo possível que a exposição do quotidiano, como dicas

sobre moda, maquiagem, viagens, culinária, etc. seja uma fonte de rendimento, como no caso

dos canais no Youtube, uma plataforma de compartilhamento de vídeos, que de acordo como

referido Relatório, ocupa o segundo lugar no ranking dos sítios mais visitados no mundo, onde

as visualizações e a conquistas de seguidores podem ser fonte de rendimento aos denominados

youtubers que, diante da exibição de anúncios nos seus vídeos, redirecionamento do público

para sítios de venda on-line, patrocínios para utilização de determinadas marcas e produtos,

conseguem, por vezes, ganhar valores bem atrativos. Em Portugal, o youtuber mais conhecido

80

WEARESOCIAL. Digital 2019: Global Internet Use Accelerates. Disponível em:

<https://wearesocial.com/blog/2019/01/digital-2019-global-internet-use-accelerates>. Consultado em: 03-10-

2019. 81

Idem 82

DIAS, Cristiane, COUTO, Olivia Ferreira do – As redes sociais na divulgação e formação do sujeito do

conhecimento: compartilhamento e produção através da circulação de ideais, in Linguagem em (Discurso),

Tubarão, SC, v. 11, n.º 3, pp. 631-648, set/dez 2011, p. 636. 83

DIAS, Cristiane, COUTO, Olivia Ferreira do, idem, ob. cit., p 636.

Page 32: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

32

e com maior faturamento chama-se Paulo Borges de 23 anos, conhecido como Wuant, que

segundo a Socialblade, com base nas estimativas de visualizações no canal, consegue por mês

faturar entre 4,2 mil a 67,4 mil euros.84

Acontece que, não raras vezes, os youtubers não expõe somente e a si próprios, mas

também as suas famílias, designadamente, os filhos, partilhando rotinas da maternidade,

paternidade, da convivência e do dia-a-dia dos seus filhos, como os lugares que frequentam,

estudam, atividades desportivas que praticam, hábitos alimentares e de saúde.

Em se tratando de Instagram, atentamos as chamadas Insta Mums que são mulheres que

partilham sobre seu dia-a-dia e dos seus filhos, revelando suas suas experiências e aventuras

acerca da maternidade. Atualmente em Portugal as Insta Mums, segundo a revista portuguesa

Delas online, mais conhecidas são Carolina Patrocínio e Carolina Deslandes, com 734mil e

586mil seguidores respectivamente. Cfr. Joana Cabrita, “Insta Mums”: as mães portuguesas

que todos querem seguir.85 Segundo o sítio do jornal britânico Independent, em uma reportagem

de Olivia Petter, relata que as Insta Mums estão sendo criticadas por auto-promoção vergonhosa

de seus filhos o que para alguns críticos, as mães utilizam as contas tentando transformar a

maternidade em uma mercadoria.86

Para tanto, o fenómeno de partilha pelos pais de fotos dos seus filhos nas redes sociais

ganhou nome próprio, o chamado sharenting que, de acordo com o dicionário Collins,

corresponde a prática dos pais em partilhar informações e imagens dos filhos nas redes sociais

de maneira abundante e detalhada.

Anne LongField, Alta Comissária para a Infância da Inglaterra, em novembro de 2018,

publicou no relatório Who Knows What About Me?87 que, em média, do nascimento até aos 13

anos de idade, os pais já publicaram cerca de 1300 fotos e vídeos dos seus filhos nas redes

sociais. E acrescenta a necessidade de se parar e pensar no que isso possa vir a significar para

84

SOCIALBLADE. Youtube stats summary. Disponível em: <https://socialblade.com/youtube/user/imwuant>.

Consultado em: 05-09-2019. 85 DELAS. ‘Insta mums’: as mães portuguesas que todas querem seguir. 27-07-2018. Disponível em:

<https://www.delas.pt/insta-mums-as-maes-portuguesas-que-todas-querem-seguir/>. Consultado em: 05-10-

2019. 86

INDEPENDENT. Instagram mums are being criticised for shameless 'self-promotion'. 05-09-2017. Disponível

em: <https://www.independent.co.uk/life-style/health-and-families/instagram-mums-self-promotion-photos-

children-parenting-perfect-a7930396.html>. Consultado em: 03-10-2019. 87

CHILDRENSCOMMISSIONER. Who knows what about me? Novembro/2018. Disponível em:

<https://www.childrenscommissioner.gov.uk/wp-content/uploads/2018/11/cco-who-knows-what-about-me.pdf>.

Consultado em: 03-10-2019.

Page 33: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

33

a vida das crianças no momento presente, mas também como isso poderá impactar as suas vidas

futuras como adultos.

De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de segurança informática AVG,

em 2010, com a participação de 2,2 mil mães de 7 países europeus e 3 da América, demonstra

que a presença da criança está cada vez mais cedo no ciberespaço. Segundo o estudo, 23% das

crianças estão presentes na Internet antes mesmo do nascimento, pelas publicações dos seus

pais das imagens de ultrassom durante a gestação. Pouco tempo depois, o número mais que

triplica, 81% já está na internet antes de chegar aos 06 meses, e mais, 5% dos bebes até dois

anos já têm um perfil próprio numa rede social.88

Em novembro e dezembro de 2014, uma Pesquisa Nacional de Saúde da Criança do

Hospital Infantil CS Mott,89 em Michigan, conduzida pela GfK Custom Research perguntou a

uma amostra nacional de pais de crianças de 0 a 4 anos sobre os benefícios e preocupações

relacionadas com a partilha de informações sobre a parentalidade nos media. Os pais

consideram que estes meios fazem com que eles não se sintam sozinhos (72%), aprendem o

que não fazer (70%), recebem conselhos de pais mais experientes (67%) e que ajudam a

preocuparem-se menos (62%).

É interessante também fazer notar que cerca de dois terços dos pais entrevistados

demonstraram preocupação com alguém descobrir informações privadas sobre o seu filho

(68%), ou partilhar fotos do seu filho (67%), enquanto que 52% demonstraram preocupação

com o facto de que o filho pode sentir-se envergonhado do que eles compartilharam nos media

e redes sociais quando atingirem a fase adulta. Ainda, 74% admitem que conhecem outro pai

que partilhou informações consideradas excessivas sobre os filhos nas redes sociais. Referiram,

por exemplo, situações embaraçosas (56%), informações que poderiam facilitar a localização

da criança (51%) ou mesmo a partilha de fotos inapropriadas (27%).

Sendo assim, não se torna difícil perceber que se trata de um fenómeno universal, que

perpassa pela esfera individual dos pais mas que recai na proteção dos filhos menores, que

acabam por não ter direito de escolha, se querem ou não estar expostos nas redes sociais, mas

que contudo, poderão sofrer as consequências do atos que não escolheram expor.

88

ELMUNDO. El 81% de los bebés tiene presencia en redes sociales antes de los seis meses. Disponível em:

<https://www.elmundo.es/tecnologia/2019/08/13/5d529161fdddff74ac8b45d2.html>. Consultado em: 05-09-

2019. 89

MOTTPOLL. Parents on social media: Likes and dislikes of sharenting. 16-03-2015. Disponível em:

<https://mottpoll.org/reports-surveys/parents-social-media-likes-and-dislikes-sharenting>. Consultado em: 04-

10-2019.

Page 34: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

34

Diante dos factos expostos, torna-se necessário analisar as implicações do fenómeno

sharenting para a vida das crianças, dado que de acordo com o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, é

garantido que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Tal

garantia decorre também do que se encontra exposto no Preâmbulo da Convenção sobre os

Direitos da Criança, do reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis.

Apesar da Declaração de Genebra de 1924 ser o primeiro documento a garantir uma

proteção especial às crianças, foi somente em 1989, que a CDC, ratificada pelo Estado

português em 1990, que houve o reconhecimento da capacidade de autodeterminação e o direito

de participação da criança, o que lhes garante o direito de exprimirem livremente a sua opinião

sobre questões que lhe digam respeito, e de verem essa opinião sendo levada em consideração

conforme previsto no artigo 12.º.

Alem disso, o artigo 3.º da CDC consagra o princípio do superior interesse da criança,

pelo qual ratifica o entendimento de que todas as decisões que afetem as crianças,

primordialmente, devam ter em conta o seu superior interesse. Quer essas decisões sejam

administrativas ou judiciais, legislação, políticas ou programas, independentemente de se tratar

de instituições públicas ou privadas, cabendo ao Estado tomar medidas para efetivar tais

direitos.

Trata-se de um marco histórico mundial na proteção da criança, que a partir desse

momento passa a ser vista desvinculada do poder parental, para ser vista através de um conjunto

de direito-deveres próprios, pelos quais os pais assumem as responsabilidades de zelar, educar,

respeitar as suas decisões de acordo com seu desenvolvimento mental, psíquico, intelectual,

com interesse finalístico de promover o bem-estar físico e psíquico das crianças.

Ao conceber de forma inovadora direitos não antes previstos, a CDC, trouxe consigo

um caráter pedagógico, com intenção educativa, visando, a longo prazo, uma mudança de

mentalidade da sociedade. Entretanto, segundo Maria Clara Sottomayor,90 o que se vê na prática

é um direito ao respeito pela autonomia sem tutela, que se encontra à disposição dos próprios

pais que, subjetivamente, opinam de acordo com as suas próprias convicções.

Para João Botelho,91 o interesse do menor está diretamente relacionado com o tipo de

projecto de sociedade, ligado diretamente a uma noção cultural com um sistema de referências

vigentes em cada momento e na sociedade em que o menor se insere. Desta forma, a afirmação

90

SOTTOMAYOR, Maria Clara - Temas de Direito [...], ob. cit., p. 50. 91

BOTELHO, João – Regulação das Responsabilidades Parentais. Ed. Nova Causa, 2019 P. 14 e 15.

Page 35: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

35

leva-nos a debruçar-nos sobre o crescimento do cibermundo e de uma sociedade que precisa de

se projetar ao momento tecnológico em que se encontra.

A superexposição dos menores nas redes sociais, podem ocasionar traumas psicológicos

que irão refletir na vida adulta dessas crianças, muitas vezes podendo levar a graves distúrbios

emocionais tendo em vista que as partilhas de suas imagens durante a infância possam a remeter

a situações de bullying, constrangimento e vergonha que repercutirão diretamente para o resto

de suas vidas.

Não se pode esquecer que a partilha de fotos e informações pessoais da vida privada da

criança gera um rasto digital que irá acompanhar a criança para o resto da sua vida, podendo

até mesmo nalgum momento futuro interagir para a criação da sua biografia, tornando-se

claramente impossível, posteriormente, impedir a sua difusão. Tudo pois, a eficácia do

comando delete está a cada dia mais limitada, quando uma vez publicada, torna-se difícil

posteriormente tentar excluir fotos, vídeos ou até mesmo comentários sobre o que é postado,

sendo impossível manter o controlo sobre eles.

Para Stacey Steinberg, com a partilha de informações por parte dos pais nas redes

sociais, torna-se possível que nalgumas crianças possam se sentirem constrangidas, tendo em

vista que muitas vezes os progenitores não se atentam que as fotos publicadas possam estar a

expor a criança em situações embaraçosas.92

Sabemos que as responsabilidades parentais se baseiam sobretudo no superior interesse

da criança, cabendo aos progenitores nortearem suas decisões sempre pautados neste princípio.

Desta forma, é-lhes impossível permitir, fiscalizar, autorizar ou, até mesmo, proibir

relacionamentos e convivências virtuais dos filhos menores desde que estes apresentem perigo.

Contudo, não se pode esquecer que, apesar de deverem obediência aos pais, é importante que

seja levada em consideração a opinião do menor de acordo com sua maturidade, conforme

disposto no n.º 2 do artigo 1.878.º do CC.

A maior parte da doutrina entende que o interesse da criança é um conceito

indeterminado, na medida em que carece de um preenchimento valorativo, e o que se vê na

prática, são interpretações subjetivas que decorrem dos interesses dos adultos quanto às suas

92

STEINBERG, Stacey B. – Sharenting: Children´s Privacy in the Age of Social Media, 2017. UF Law Faculty

Publications, 2017, p. 854. Disponível em:

<https://scholarship.law.ufl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1796&context=facultypub>. Consultado em: 03-10-

2019.

Page 36: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

36

próprias interpretações sobre o que seria melhor para as crianças, de acordo com as suas

convicções pessoais e ideologias.93

Contudo, hoje o Direito abre-se a uma nova necessidade de proteção dos menores, num

mundo através da internet, notícias e informações pessoais rapidamente podem ser vistas e

compartilhadas no toque das mãos, não sendo importante apenas que os pais fiscalizem as

condutas dos menores nas redes sociais, como também devem abdicar de inserir imagens dos

seus filhos sem que os mesmos sejam consultados, informados e, nos casos em que a capacidade

de discernimento não esteja completamente desenvolvida, contenham a divulgação.

Conforme reafirma Rosa Martins, “o poder atribuído pela lei a uma pessoa cujo

exercício se encontra vinculado ao interesse de uma outra, não pode ser exercido se, quando e

como o seu titular quiser, mas antes terá de ser exercido pelo modo exigido pela sua função”.94

O que vemos na maioria das vezes é a coisificação das crianças, como meras propriedades dos

pais, nos fazendo ver um mundo pela perspetiva do superior interesse dos adultos e não das

crianças com deveria ser plausível.

Acrescentando ao nosso entendimento, Jorge Duarte Pinheiro complementa que: “os

adultos são bem-intencionados. Contudo, aqueles que se designam a si próprios “maiores de

idade” quantas vezes não olham para as crianças como seres menores, como brinquedos que

animam o universo da gente crescida?”.95 Se os pais se encontram vinculados ao superior

interesse do menor, e se as partilhas de imagens e da intimidade não se compatibilizam para o

crescimento saudável, não nos restam dúvidas de que medidas necessitam ser tomadas pelos

legisladores para que momentos da intimidade possam ser preservados, estando em causa, não

apenas, a violação do direito à imagem, como também ao direito a reserva da intimidade da

vida privada e familiar do menor.

Hugo Tavares enfatiza que as consequências de uma exposição capaz de gerar

cyberbullying, pode ocasionar a instabilidade psicológica, baixa autoestima, diminuição do

rendimento académico, e incapacidade de socialização das vítimas que tendem a isolar-se,

podendo estas consequências prolongarem-se pela idade adulta, tendo até mesmo sendo

descritos casos de suicídio associados.96

93

SOTTOMAYOR - Maria Clara, Temas de Direito [...], ob. cit., p. 50. 94

MARTINS, Rosa - Menoridade, (In)capacidade e Cuidado [...], ob. cit., p. 189. 95

PINHEIRO, José Duarte - Estudos de Direito da Família [...], ob. cit., p. 326. 96

TAVARES, Hugo, Cyberbulling na adolescência. In: Nascer e Crescer. Revista de Pediatria do Centro Hospital

do Porto, vol. XXI, n.º 3, 2012, p. 174-177. Disponível em:

<http://www.scielo.mec.pt/pdf/nas/v21n3/v21n3a16.pdf>. Consultado em: 05-10-2019.

Page 37: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

37

2. A indisponibilidade do direito à imagem

A consagração dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, mais precisamente os

direitos de personalidade, encontram-se previstos no artigo 26.º da CRP. Este reconhece a todos

o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à

cidadania, ao bom nome e à reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida

privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (n.º 1).

A personalidade jurídica que é adquirida por toda e qualquer pessoa com o nascimento

completo e com vida (n.º 1 do artigo 66.º do CC), simultaneamente implica também a qualidade

dos indivíduos em serem classificados como sujeitos de direitos dentro das relações jurídicas.

O n.º 1 do artigo 70.º do CC, dispõe sobre a tutela contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de

ofensa à personalidade física ou moral. O que garante que, além de serem direitos absolutos,

visto que são oponíveis a todas as pessoas, também se apresentam como

inalienáveis/intransmissíveis, uma vez que não podem ser cedidos, e irrenunciáveis dado que

não se pode renunciar ao direito, apenas ao seu exercício.

Além disso, os direitos de personalidade são ainda imprescritíveis (n.º 1 do artigo 298.º

do CC), o que garante ao titular exercer o seu direito ainda que tardio ou a simples omissão não

prejudica a sua eficácia, e extrapatrimoniais, ou seja, embora a lesão possa ter dano patrimonial

gerador de indemnização pecuniária, os direitos de personalidade não têm, em si, um valor

pecuniário.

Superada a definição dos direitos de personalidade, o problema que trazemos a análise,

prende-se com a averiguação dos direitos de personalidade do menor quando estes podem ser

colocados em situações de risco, não por si, mas pelos seus progenitores no já mencionado

sharenting. Por mais que possa parecer comum, verifica-se um fenómeno bastante complexo,

trazendo a indagação se há legitimidade dos pais para exporem os seus filhos dado que as

responsabilidades parentais, não existem para retirar dos menores direitos de personalidades

para que sejam devolvidos à idade adulta, mas sim, trata-se de direitos que nascem com os

indivíduos e morrem com eles.

Antes de prosseguirmos para os direitos de personalidade específicos em questão, é

pertinente mencionar que os direitos fundamentais não são expressões sinônimas. Enquanto

que os direitos fundamentais propõem-se a evitar intromissões ilegítimas do Estado na esfera

dos cidadãos, os direitos de personalidade, em contrapartida, visam proteger a pessoa de

intromissões ilegítimas de outras pessoas.

Page 38: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

38

Note-se que não significa dizer que o Estado não tenha o dever de respeitar os direitos

de personalidade do cidadão, mas pelo contrário, por ser direitos que tendem a coincidir, ao

respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos, o Estado acaba por respeitar os direitos de

personalidade.

Com o grande avanço da tecnologia, além da facilidade de capturar fotografias e

divulgar informações, não estamos mais a frente somente da proteção da imagem por si só. Para

Maria de Moraes, além de proteger a “imagem-retrato” do sujeito, protege-se também a

“imagem-atributo”, que corresponde ao conjunto de características que decorrem perante o

comportamento das pessoas, de modo a recompor a sua representação no meio social.97

Por essa razão, facilmente se identifica a necessidade de proteger a imagem do

indivíduo, evitando que a reprodução, circulação e partilha desta seja capaz de causar

transtornos à pessoa, ou simplesmente pelo respeito à vontade que a sua imagem não seja

divulgada.

Tratando-se de previsão constitucional, o direito das crianças encontra-se previsto no

capítulo dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, precisamente no artigo 69.º do

Código Civil. Todavia, conforme previsto no artigo 17.º do CC, constituem direitos

fundamentais análogos aos direitos fundamentais, liberdades e garantias, ou seja, e nas

situações em que houver conflito com os direitos dos pais, deve prevalecer sobre estes o direito

da criança.

Apesar do Código Civil Português não ter uma definição de direito de personalidades,

o artigo 79.º prevê o direito à imagem apresentando-o como um direito absoluto, pelo qual

garante que o retrato de uma pessoa não possa ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio

sem o seu consentimento (n.º 1). Excecionalmente não será necessário o seu consentimento

quando a sua notoriedade assim o justificar (n.º 2). Entretanto, ainda assim, o seu retrato não

poderá ser reproduzido se do facto resultar um prejuízo para a honra, reputação ou simples

decoro da pessoa retratada (n.º 3), e, no caso de imagens de menores, é sabido que a divulgação

deverá sempre ser requerida aos pais para que autorizem, por escrito, a divulgação.

Para Rui Medeiros e António Cortês, com exceção dos espaços públicos e as naturais

limitações ligadas às figuras, cada pessoa pode autodefinir a possibilidade de utilização, ou não,

dos registos, por fotografia ou filme, da sua imagem 98. É dentro deste viés que ficamos com a

indagação se as crianças, não seriam pessoas de direitos desprotegidas da sua própria imagem

97

MORAES, Maria Celina Bodin de - Na medida da pessoa ..., ob. cit., p. 136. 98

MORAES, Maria Celina Bodin de, idem, ob. cit., p. 618.

Page 39: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

39

tendo em conta que muitas vezes é publicado, pelos pais, algo sem levar em consideração, o

psicológico, emocional e até mesmo futuramente a repercussão dos dados partilhados. Contudo,

estamos a tratar da exposição daquelas ditas como “desconhecidas”, mas que ainda assim são

alvo de exposição dos pais em perfis públicos, disponibilizando a quem quiser, momentos

particulares como refeições, dança, descontração, tolices ou, até mesmo, inconvenientes, por

exemplo, os filhos a tomarem banho, a fazerem xixi, sujos de comida, feridas após uma queda,

etc.

É inquestionável que crianças possam ser figuras públicas, e certamente temos milhares

no mundo todo que já não se encontram no anonimato antes mesmo de seu nascimento, que são

os casos das crianças pertencentes as famílias reais, celebridades ou mesmo que desenvolvam

a vida artística. Contudo, apesar de estarem sob os holofotes, estes apenas têm razão de ser em

locais públicos, reservando-lhes a reserva da intimidade da vida privada familiar.

Para Paulo Mota Pinto, a privacidade consistiria no direito do indivíduo se subtrair à

atenção dos outros, em impedir o acesso a si próprio ou em obstar à tomada de conhecimento

ou à divulgação pessoal. Por outro lado, contrapondo-se fundamentalmente ao interesse em

conhecer e em divulgar informação, e ao interesse em ter acesso ou controlar os movimentos

do indivíduo 99. E nos indagamos: não teriam as crianças o igual dever de subtrair-se da atenção

a terceiros a quem os pais a expõem? E mais, nos casos de violação, teriam mesmo a elas a

quem recorrer e serem ouvidas?

Entendemos que, ainda que as fotos partilhadas pelos pais possam ser aprazíveis, não

sabemos se, quando essa criança se tornar adulta, poderá ser constrangedor ou não tudo que já

foi exposto sobre ela mesmo que não tenha intenção aparentemente vexatórias. As mesmas

fotografias podem ser frutos de vergonha, constrangimento e incómodo, entretanto o que de

facto não podemos é prever o futuro resultado dessas exposições.

Por fim, o direito à imagem, corresponde ao direito de que não sejam registadas ou

divulgadas imagens da pessoa sem o seu consentimento, o que confere o direito à “reserva e a

transitoriedade” da palavra falada e da imagem pessoal, conforme aponta Jorge Miranda e Rui

Medeiros, fazendo garantir a autonomia na disponibilidade da imagem independente de estar

ou não, de forma direta, em causa o bom nome e a reputação das pessoas e independentemente,

se estar a recair na vida privada ou familiar da pessoa.100

99

PINTO, Paulo Mota - O Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, In Boletim da Faculdade de

Direito de Coimbra, Coimbra, v. 69, 1993, pp. 508-509. 100

MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa ..., ob. cit., p. 618.

Page 40: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

40

3. A suscetibilidade de oposição à exposição por outrem

Antes da reforma do Código Civil de 1977, o artigo 1.884.º, hoje revogado, previa que

os pais tinham poder de corrigir, moderadamente, os filhos nas suas faltas, o que nos remete à

ideia de que os pais eram autorizados a dar “palmadas” como meio de correção para assim

efetivarem as suas obrigações de prepararem as crianças para a vida adulta. Apesar da

revogação do artigo mencionado, não podemos dizer que hoje são proibidos os castigos físicos

leves, mas sim, o que acreditamos é que com a omissão da expressão “correções moderadas”,

fica clara a mens legislatoris quanto à proteção e respeito aos menores, o que nos revela ser um

grande avanço para o reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos nas relações

familiares.

Importante mencionar, que o artigo 1.874.º do CC, acerca dos princípios gerais das

responsabilidades parentais, prevê que pais e filhos devem-se mutuamente respeito. Dessa

forma, traz uma importante significação para o entendimento de que o poder que é dado aos

pais sobre seus os filhos para que os representem, não é inteiramente livre. Existe um controlo

do Estado para que os pais não ultrapassem limites que podem causar prejuízo aos menores,

trazendo-nos uma grande revolução no modo de se perceber as relações entre pais e filhos. Com

isto, pretende-se uma transformação na mentalidade dos adultos, tendo em conta a ideia de que

apenas os filhos tinham o dever de respeitar os pais, verificando-se, agora com a nova redação,

um dever de respeito mútuo.

Na verdade, o fundamento das responsabilidades parentais está na proteção da esfera

patrimonial e pessoal do menor, já que presume-se que, pela falta de experiência de vida,

necessitam a observância de seus interesses por quem possa ter maturidade e conhecimento

suficiente para auxiliá-los na defesa de seus próprios interesses. Id est, a responsabilidade

parental é um um poder atribuído cujo exercício é funcionalizado ao interesse do menor, que

se encontra numa posição de igual dignidade à dos pais, devendo-se mutuamente respeito,

auxílio e assistência conforme disposto no n.º1 do artigo 1.874.º do CC101. Acrescenta ainda

que, apesar das responsabilidades parentais constituírem um grupo de poderes e deveres, deve

101

SOTTOMAYOR, Maria Clara - Liberdade de opção da criança ou poder do progenitor? – Comentário ao

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 31 de Outubro de 2007, In Lex Familiae, ano 5, n.º 9

(Janeiro/Junho de 2008), Coimbra Editora, p. 55, também, MARTINS, Rosa – Poder Paternal vs Autonomia da

Criança e do Adolescente?, in Lex Familiae, ano 1, n.º 1, Coimbra Editora, 2004, p. 65.

Page 41: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

41

ser entendido, teoricamente, que “os deveres dos progenitores devem estar antes dos seus

poderes”.102

Não trata-se apenas de representação nas relações jurídicas, mas também de cuidados

em geral, propiciando um crescimento capaz de provocar uma progressiva liberdade e

autonomia do menor para organização da sua própria vida. (n.º 2 do artigo 1.878.º do CC).

É importante pontuar, todavia, que o artigo 1.901.º determina que nos casos de

divergência dos progenitores quanto aos assuntos de particular importância na vida do menor,

estes devem pedir a intervenção do tribunal (n.º 1). E, tratando-se de um menor que já tenha 14

anos de idade, este deve ser ouvido pelo juiz, para dar a sua opinião, a não ser que haja

circunstâncias ponderosas que o desaconselhem (n.º 2).

Atualmente, o Código Civil prevê outras manifestações quanto ao respeito pela

individualidade pessoal dos menores, como previsto no artigo 1.886.º quanto ao poder atribuído

aos jovens, completados 16 anos, para decidirem livremente a sua opção religiosa; no n.º 2,

artigo 1.931.º onde prevê que a partir dos catorze anos o menor deve ser ouvido antes de

proceder a nomeação de um tutor; artigo 1.984.º, alínea a) quanto à audição dos filhos adotantes

maiores de 12 anos, assim como o direito do adotando maior de 12 anos prestar consentimento

para adoção conforme n.º 1 do artigo 1.981.º, n.º 1, alínea a).

Fora do Código Civil, é importante citar nesta procura pelo direito da criança tendo em

vista o seu superior interesse, o Decreto-Lei n.º 73/84, de 02 de Março, portaria n.º 52/85, de

26 de Janeiro, Regulamento das consultas de Planeamento Familiar a Centros de Atendimento

para Jovens, quanto ao regime do acesso às consultas de educação sexual e de planeamento

familiar, diplomas que vieram fortalecer o respeito à autonomia do menor, ao confirmar que os

menores poderiam frequentar consultas sem autorização dos pais, por se tratar de medidas

importantes para um desenvolvimento saudável à vida adulta. Outra importante alteração que

merece destaque, encontra-se no n.º 3 do artigo 38.º do código penal, quanto ao consentimento

eficaz prestado por quem tiver mais de dezasseis anos e possuir discernimento necessário para

avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta, assim como também o n.º 5 do

artigo 142.º, n.º 5, que retira do âmbito do poder paternal a decisão de consentir numa

interrupção da gravidez nos casos em que se trata de uma menor que já tenha dezasseis anos.

102

BOLIEIRO, Helena, GUERRA, Paulo - A criança e a família – Uma questão de direito(s), uma visão prática

dos principais institutos do direito da família e das crianças e jovens, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p.

177.

Page 42: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

42

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), entende que as relações familiares

constituem dados pessoais e que devem também serem protegidos. De acordo com a Lei n.º

67/98, de 26 de outubro, atualmente revogada pela Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto, definia

dados pessoais como qualquer informação de qualquer natureza, independente do respetivo

suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável,

conforme artigo 3.º, alínea a) do revogado diploma. Estranhamente, a Lei n.º 58/2019, de 08 de

Agosto, não traz nenhum artigo que contenha definição de dados pessoais, contudo, face a isto,

acreditamos que cabe neste caso, o mesmo entendimento anteriormente proferido pelo

legislador.103

De acordo com a consideração n.º 38 do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados

(RGPD) n.º 2016/679, de 27 de abril de 2016, “as crianças merecem proteção especial quanto

aos seus dados pessoais [...] essa proteção específica deverá aplicar-se nomeadamente, à

utilização de dados pessoais de crianças para efeitos de comercialização ou de criação de perfis

de personalidade ou de utilizador [...]. O consentimento do titular das responsabilidades

parentais não deverá ser necessário no contexto de serviços preventivos ou de aconselhamento

oferecidos diretamente a uma criança”. Oportuno mencionar também que, de acordo com o

artigo 8.º do RGPD, quando as condições aplicáveis ao consentimento de crianças em relação

aos serviços da sociedade da informação, prevê que a oferta de serviços da sociedade da

informação só será lícita às crianças se elas tiverem, no mínimo, 16 anos, caso contrário, é

necessário consentimento ou autorização dos representantes legais do menor; podendo os

Estados-Membros dispor quanto à idade, desde que não inferior a 13 anos.

O mesmo entendimento foi acolhido pela Lei de Proteção de Dados, Lei n.º 58/2019, de

08 de Agosto, no artigo 16.º, entretanto quanto ao consentimento de menores, o legislador optou

pela utilização da idade mínima de 13 anos de idade completos (n.º 1), e nos casos em que a

criança tenha idade inferior a 13 anos, o tratamento só será lícito se dado o consentimentos dos

detentores das responsabilidades parentais e, de preferência, com recurso a meios de

autenticação segura (n.º 2).

Para Luís Lingnau da Silveira, o tratamento de dados pessoais relativo a certo titular, e

que face a este se apresente como legítimo, não pode integrar dados respeitantes a terceiro

(mesmo que familiar daquele), salvo se este último consentir inequivocamente 104, entretanto

103

De mesmo modo que o artigo 4.º do RGPD define como dados pessoais, informação relativa a uma pessoa

singular identificada ou identificável [...], não trazendo em sua redação referências diretas a som e imagem. 104

SILVEIRA, Luís da - Comemoração dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, em

AA.VV, Vol. 1, Direito da Família e das Sucessões, p. 863

Page 43: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

43

importante observar todavia, que proteção de dados relacionados à família, está

consequentemente em tela o próprio direito de reserva da vida privada e familiar conforme

designado pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem no artigo 8.º.

Nos termos da atual conceção quanto aos direitos da criança, não se pode esquecer que

mesmo se tratando de crianças sem capacidade de discernimento para reivindicar os seus

próprios direitos, as crianças necessitam de ser vistas como “um sujeito autónomo de direitos,

com especificidades resultantes das características das fases próprias do seu

desenvolvimento”.105

Para Guilherme de Oliveira, “neste nosso tempo, rápido e implacável, os menores vão

continuar a ser os pequenos peões que se arriscam, diariamente, nas veredas perigosas que os

adultos e a Família lhes reservam, distraidamente” .106 Observando as palavras do autor, é

inquestionável o urgir da necessidade do entendimento que a criança não é o prolongamento da

personalidade dos seus pais, mas sim, outra pessoa, que carrega personalidade e anseios

próprios.

Ora, mas como saber se a exposição mediática, publicação de fotos e vídeos íntimos

está a causar-lhes sofrimento em vez de entretenimento, se muitas vezes esta criança sequer foi

ouvida, e ainda assim, precisa de continuar a ser mantida calada dentro da mesma relação

afetiva com as pessoas de referência que fazem a partilha da sua vida, ou melhor, expõem,

postam e dispõe da sua vida privada, sem indagações, pareceres psicológicos ou conhecimento

de danos traumáticos que a exposição possa vir a desenvolver?

Concluímos, assim, que seria incompreensível que uma lei, de acordo com a maturidade

e discernimento da criança, pudesse, em determinadas situações conforme já mencionadas

anteriormente, possibilitar que a criança fosse ouvida nos processos que lhe dizem respeito;

serem arroladas como testemunhas seja em processo civil (artigo 495.º do CPC) ou penal (artigo

349.º do CPP), mas entretanto serem vedadas de consentir sobre a partilha da sua própria

imagem e informações da vida privada.

Destarte, não se pode deixar de parabenizar o legislador português pela sensibilidade e

razoabilidade ao salvaguardar a possibilidade da criança, ao longo de sua infância, poder

desempenhar um papel ativo no que diz respeito à sua própria vida.

105

LEANDRO, Armando - Protecção dos direitos das crianças em Portugal, em AA.VV., Direitos das crianças,

Coimbra, Coimbra editora, 2004, p. 102. 106

OLIVEIRA, Guilherme de - Temas de Direito de Família, 2.ª ed. Coimbra ed., 2001. p. 303.

Page 44: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

44

Em Espanha, o artigo 9.º da Ley Organica 1/1996 de Protección Jurídica del Menor, de

15 de Janeiro, prevê o direito da criança em ser ouvida e escutada, sem discriminação com base

na incapacidade ou qualquer outra circunstância, quer seja no ambiente familiar, quer seja em

qualquer procedimento administrativo, judicial, ou de mediação em que seja afetado e que leve

a uma decisão que afete a sua esfera pessoal, familiar, ou social, tendo em consideração a sua

opinião, a depender da idade e maturidade, devendo para tanto, receber as informações que lhe

permitam exercer o seu direito em linguagem compreensível, em formatos acessíveis e

adaptados às suas circunstâncias. Importante ressaltar que apesar do n. 1 do artigo

supramencionado não faz qualquer referência a limite mínimo de idade, o n.º 2, estabelece a

presunção de maturidade alcançados aos 12 anos, não obstante que, antes dessa idade, a

capacidade de discernimento do menor possa ser avaliado por pessoa especializada, tendo em

vista o desenvolvimento evolutivo da criança e a sua capacidade de entender e avaliar a questão

específica a ser abordada no caso, solução esta que não podemos deixar de tecer elogios.

Quanto ao legislador francês, também optou por não fazer referência à idade, entretanto,

o artigo 338-1 do Código de Processo Civil, não nos remete com clareza ao dispor que cabe ao

titular do exercício da autoridade parental pelo tutor, pessoa ou serviço a quem a criança foi

confiada. Informar a mesma do seu direito de ser ouvida e assistida por um advogado em todos

os processos que lhe dizem respeito. O artigo 338-2 do mesmo diploma, prevê ainda que o

pedido de audiência possa ser apresentado ao juiz pelo menor, não necessitando, para isso, de

qualquer forma, sendo a recusa da audição do menor só ser possível se for baseada na falta de

discernimento ou quanto o fato de que o processo não dizer a respeito do menor, conforme o

artigo do mesmo código.

No que ao Código Civil Italiano diz respeito, o artigo 315 bis, reconhece o direito ao

menor que atingiu doze anos de ser ouvido, como também àquele com idade inferior mas que

se encontre capaz de discernimento nos assuntos que lhe dizem respeito. Contudo, não podemos

deixar de demonstrar dúvidas quanto às exceções previstas no artigo 336 bis, do mesmo código,

onde o menor não será ouvido nos casos em que a escuta contrarie o seu interesse, ou seja,

manifestamente supérflua à sua audição.

Não podemos deixar de tecer a nossa crítica ao legislador brasileiro quanto a

discriminação da criança em razão da idade imposta pela Lei n.º 8.069, de 13 de Julho de 1990

que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e rececionado pelo Código

Civil Brasileiro de 2002, pelo qual prevê no inciso III do artigo 1.740 do CC que a opinião do

menor só será ouvida se este já contar com doze anos de idade, ainda que o §1.º do artigo 28 do

Page 45: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

45

ECA dispõe que sempre que possível, a criança ou adolescente será previamente ouvido/a por

uma equipa interprofissional, de modo a respeitar o seu estágio de desenvolvimento e grau de

compreensão sobre as implicações da medida, e terá à sua opinião devidamente considerada.

Assim sendo, no direito brasileiro, apenas aos adolescentes107 serão facultados as

garantias processuais do inciso III do artigo 111 do ECA, o direito de ser ouvido pessoalmente

pela autoridade competente.

Não entendemos ser coerente pressupor que a criança necessite de uma faixa etária

mínima para que assim possa ser ouvida a respeito dos atos relacionados com a sua própria

vida. Tornando-se confuso perceber que esta somente teria capacidade de se movimentar na

esfera jurídica com discernimento suficiente para outros atos previstos na lei, e não teria

maturidade suficiente para determinar autonomamente e a salvaguardar os seus outros

interesses108 quando omissa a faixa etária na lei.

Apesar disso, importa-nos perceber a partir de que momento poderia ser tido em conta

o consentimento do menor visto que, apesar da lei e doutrina aludirem à “maturidade” como

um momento decisivo em que o menor adquire as suas faculdades mentais capazes de atuar por

si mesmo,109 seria necessário que houvesse uma delimitação da idade e verificar em que

circunstância será essa maturidade conquistada e percebida. Algo ainda muito nebuloso perante

a doutrina quanto à fixação de uma idade mínima, contudo resta-nos uma certeza: sempre que

possível, deve ser ouvida a opinião do menor pelos pais quanto à partilha das imagens na

internet.

107

O direito brasileiro distingue crianças e adolescentes foi faixa etária. Conforme previsto no artigo 2.º do

ECA, são consideradas crianças a pessoa até doze anos incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito

anos de idade. 108

BARBOSA, Mafalda Miranda - Breves reflexões em torno do art. 127.º do Código Civil, In BFD, vol. XC,

Tomo II, 2014, p. 695. 109

MARTINS, Rosa - Poder Paternal vs Autonomia da Criança e do Adolescente?, In Lex Familiae, ano 1, n.º 1,

Coimbra Editora, 2004, p. 73.

Page 46: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

46

4. A recente atenção da jurisprudência

Perante todo o exposto, pretendemos mostrar a rapidez com que o sharenting se tem

propagado mundialmente e que, embora tenha recebido muitas críticas, o fenómeno encontra-

se cercado de complexidade cuja opinião/entendimento dependerá de como àquelas que se

sentirem prejudicados, ou não, irão manifestar no caso concreto face aos seus progenitores.

Em França, no dia 02 de Setembro de 2014,110 o Tribunal de Apelação de Aix-en-

Provence, julgou o pedido de um dos progenitores separado, para a remoção de uma conta do

Facebook aberta pela mãe do seu filho de sete anos. A mãe alegara que a conta tinha sido criada

para que o menor pudesse jogar no tablet. Contudo, os magistrados decidiram aceitar o pedido

do pai e ordenaram que a mãe fechasse a conta dentro de um prazo de dez dias após a sentença

e, passado este período, sob pena de prisão. A decisão foi proferida em conformidade com a

jurisprudência já estabelecida, a incluir uma sentença do Tribunal de Apelação de Agen, de 16

de maio de 2013,111 que ainda que sem ordenar o cancelamento de um perfil em determinada

rede social, consideraram que a abertura de um perfil no Facebook pela mãe, em nome da sua

filha de 10 anos de idade, provavelmente, estaria a colocá-la em perigo.

Noutro julgamento, no dia 25 de junho de 2015,112 o Tribunal de Versailhes concedeu

favorável o pedido de um pai para que sua ex-esposa parasse de publicar fotos do seu filho de

apenas quatro anos, como também excluísse os comentários e fotografias já publicadas do

menor na sua conta do Facebook. O Tribunal ordenou que a mãe parasse de publicar qualquer

informação referente à criança sem a devida autorização do pai além de excluir o conteúdo

conforme o pedido. O Tribunal declarou ainda que a publicação de fotos da criança e

comentários relacionados a ela no site do Facebook, não se trata de um ato comum, mas que

exige o acordo de ambos os pais (tradução nossa).

Coincidentemente a 25 de junho de 2015, o Tribunal da Relação de Évora, num acórdão

relatado pelo Desembargador Bernardo Domingos, constitui uma esperançosa resposta quanto

à proteção do direito à imagem dos menores em Portugal. De forma inédita, entre todos os

tribunais portugueses de segunda instância, determinou que os pais de uma menor de 12 anos

de idade deveriam “abster de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a

110

CA Aix-En-Provence, 6e ch. C, 02 Septembre 2014, n.º 13/19371, JurisData 2014-019786. 111

CA Agen, ch. mat. 1, 16 Mai 2013, n.º 11/01886, JurisData n.º 2013-009716. 112

CA Versailles, 2e ch. Sect. 1, 25 Juin 2015, n.º 13/08348, JurisData n.º 2015-015861.

Page 47: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

47

filha nas redes sociais”.113 Trata-se de um assunto que detém grande repercussão na opinião

pública face à indagação se os pais, enquanto detentores das responsabilidades parentais,

poderiam ou não serem proibidos de publicarem fotos dos seus filhos menores nas redes sociais,

ainda que perante um grupo restrito de pessoas, sem que estivessem a violar os direitos de

personalidade dos seus filhos.

Mas, trazemos a indagação: tratando-se de publicações que causem desconforto, perigo

ou até mesmo cyberbullying,114 poderia o Estado aplicar medidas tendo em conta a existência

do princípio da intervenção mínima do Estado na família? É certo que o Estado não tem o

condão de impor paradigmas do que seria certo ou errado para a educação dos filhos, porém

incumbe-lhe cooperar com os pais para educação, conforme disposto na alínea c) do artigo 67.º

da CRP.

Outra questão importante quanto ao acórdão, refere-se ao facto de ter sido uma decisão

proferida em sede de recurso num processo de regulação provisória do exercício das

responsabilidades parentais referente à filha menor, que em nada versava sobre condutas

inadequadas dos pais quanto à exposição da menor. Assim, neste caso, entendemos que ainda

que seja uma apelação interposta proferida no âmbito de um processo acerca da regulação das

responsabilidades parentais, o tribunal tem o dever de proteger a criança, visto que esta é a parte

mais fraca dentro da família.115

Entende-se ainda que por se tratar de um processo de jurisdição voluntária, possibilita

ao tribunal ser livre para conhecer sobre outros factos que não sejam levados pelas partes ao

seu conhecimento (n.º 2 do artigo 986.º do CPC), além de não ter que estar sujeito a critérios

de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente

e oportuna (artigo 987.º do CPC).

Note-se que, apesar de “conveniente e oportuna” (artigo 987.º do CPC), não poderá

corresponder ao livre critério do(s) julgador(es) a valer de casuísmo e baseando-se em critérios

113

Acórdão de 25.06.2015, Proc. n.º 789/13.7TMSTB-B.E1, Relator Bernardo Domingos. Disponível em:

<https://www.dgsi.pt>. Consultado em: 04-05-2019. 114

Expressão proveniente da língua inglesa, é definida por Hugo Tavares como um ato hostil repetido e deliberado

de ameaça e ofensa (denegrir, humilhar), feito através de tecnologias da informação (telemóveis, internet, etc.),

implicando necessariamente que o provocador/abusador e a vítima sejam menores de 18 anos, caso contrário,

envolvendo maiores de idade passa ser denominado assédio de menores. Cfr. TAVARES, Hugo, Cyberbulling na

adolescência ..., ob. cit., p. 174. 115

SOTTOMAYOR, Maria Clara - Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de

Divórcio, 5.ª ed., Porto, Almedina, 2011, p. 31.

Page 48: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

48

subjetivos,116 é necessário que a decisão seja fundada em princípios regulatórios, doutrina e

jurisprudência a que no caso em questão refere-se à proteção da imagem e à reserva da vida

privada da criança.

É verdade que a situação que nos propomos a análisar e a seguinte decisão proferida

pelo tribunal, deve ser uma conduta dita como habitual aos pais em abster os menores de certas

exposições. Isto porque, não caberia a lógica de que os progenitores que não estivessem

intentado ações ao tribunal para regulação das responsabilidades parentais, não estariam

proibidos de publicações dos menores, tendo em vista que não há decisão de um tribunal que

os proíba expressamente.

Se àqueles pais que nunca tiveram intervenção de um tribunal, não tivessem que

resguardar a imagem dos menores, certamente estaríamos diante de uma violação do princípio

da igualdade conforme o artigo 13.º da CRP. Os perigos causados pelo sharenting estão

presentes, independentemente, de estarmos a falar de filhos de pais casados, divorciados ou que

vivem em união de facto.

Posteriormente, a 09 de fevereiro de 2017,117 o Tribunal de Apelação de Paris, numa

solicitação feita pela progenitora, decretou a proibição de publicar fotografias, em qualquer

meio, da vida quotidiana dos seus filhos sem o consentimento do outro progenitor.

A solicitação partiu da mãe dos menores, com idades de 09 e 06 anos à data do

julgamento, num processo de divórcio, alegando que o pai publicara na sua conta do Facebook

várias fotografias dos menores. O Tribunal declara que a proibição se faz necessária a fim de

“respeitar o exercício conjunto da autoridade parental, que exige o consentimento de ambos

os pais quanto às decisões a serem tomadas com vistas ao interesse da criança”, o que

demonstra a preocupação do Tribunal com o perigo que o excesso do uso das redes sociais

pelos pais podem causar ao expor fotografias das crianças. Em consonância com o artigo n.º

371-1 do CC francês, conforme já citado anteriormente.118 Afirma o entendimento que a difusão

de uma fotografia do filho menor sem o consentimento do outro pai seria, na legislação

francesa, contrária ao interesse da criança. O que, decerto, discordamos, na medida em que, por

vezes, a importância da audição da criança quanto ao incómodo da sua exposição pode ser

adversa à perceção de ambos os pais.

116

MARQUES, J. P. Remédio - Acção Declarativa à luz do Código Revisto, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora,

2008, pp. 109 e ss. 117

CA Paris, Pôle 3, chambre 4, 9février 2017, n.º 15/13956. 118

Cfr. Parte I, n.º 2. Sobre Responsabilidade Parental.

Page 49: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

49

De modo similar, vemos a decisão do dia 23 de dezembro de 2017119, referente ao

processo n.º 39913/20015, onde o Tribunal de Roma, decidiu obrigar uma mãe a remover as

fotos do seu filho de 16 anos da rede social, como também a condenou a um pagamento de uma

multa pecuniária ao filho. A decisão faz parte de um processo complexo, no qual um juiz de

primeira instância designou um tutor face à suspensão das responsabilidades parentais de ambos

os progenitores.

Apesar de estarem presentes outras questões em causa, atentamos para a partilha de

fotos e informações pessoais do menor por parte da mãe em redes sociais, especificamente

Facebook e Instagram. Contudo, o que chama atenção neste caso, está nas oitivas feitas ao

menor pelo juiz, onde ele se manifesta a respeito das publicações feitas pela sua genitora,

alegando que fica “aborrecido com o facto de que ele passa como se estivesse doente e que os

seus colegas são cientes do que é publicado na web sobre ele 120” (tradução nossa). Acrescenta

ainda, quanto ao seu desejo de estudar nos Estados Unidos: “para ter mais oportunidades de

emprego...quero ter a vida de um garoto normal... que esperança eu tenho na Itália, onde todos

conhecem a minha história... o que posso fazer como zelador?” (tradução nossa). Ao se referir

à mãe, indaga o menor: “de acordo com ela, uma pessoa que diz que ama pode escrever essas

coisas” (tradução nossa) refere-se, ao mostrar as capturas de ecrã das páginas sociais pelas quais

a mãe teria incluído fotos da família e detalhes de disputas legais.

Com base nos factos, em maio de 2017, o juiz determinou que a mãe removesse

informações e fotos do menor, reiterando a decisão anterior que ordenava que a mãe parasse de

publicar os dados pessoais do menor além de remover os já publicados. Contudo, a mesma

incumpriu a decisão, conduzindo para uma aplicação coercitiva indireta, de acordo com artigo

614.º bis do Código de Processo Civil Italiano, que determina o pagamento de uma multa em

caso de descumprimento da decisão. Além de se basear no artigo 96.º da Lei n.º 633/1941 sobre

os direitos autorais italianos, que prevê que o retrato de uma pessoa não pode ser exibido,

reproduzido ou colocado no mercado sem o seu consentimento, salvo em algumas exceções.

Importante retratar, além disso, que se trata de um menor de 16 anos, em que a lei

italiana atribui ampla margem de autodeterminação. Entretanto, ao relatarmos as situações de

menores sem capacidades de discernimento, onde um dos pais discorda da publicação, a

119

ALTALEX. Tribunal de Roma. Processo n° 39913/20015. Disponível em:

<https://www.altalex.com/~/media/altalex/allegati/2018/allegati%20free/tribunale_roma_ordinanza_23_dicembr

e_2017%20pdf.pdf>. Consultado em: 03-10-2019. 120

Idem

Page 50: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

50

jurisprudência italiana orienta-se pelo entendimento por descartar a foto, dado que conforme o

Código Civil Italiano, o consentimento deve ser de ambos os progenitores.

É oportuno refletir de outro modo, que as publicações podem trazer perigos aos filhos,

mas também, muitos pais partilham momentos dos filhos com um intuito positivo de

demonstração de afeto, felicidade ou mesmo para diminuir distâncias entre familiares a amigos

[...], podendo, em alguns casos, tratarem até de uma questão de demonstração de orgulho dos

pais para mostrar o crescimento de um filho.121

Sabemos que o que, de facto deve ser levado em consideração primeiramente, seria a

utilização do bom senso por parte dos progenitores em não revelar fotografias e vídeos nas

redes sociais que possam por em risco a segurança dos menores. Contudo, o que vemos

acontecer demasiadamente são, na verdade, o crescente número de pais que, por negligência ou

vaidade, expõem os menores de forma desnecessária.

Ainda não há casos no Brasil, como já vistos nos países citados anteriormente,

entretanto a advogada de direito digital Alessandra Borelli, acredita que em um futuro próximo

se venha a ter casos semelhantes, porém ainda é impossível prever como a justiça brasileira

atuará.122 Atualmente a violação do direto à imagem é passível de pagamento de indemnização

até mesmo chegar a penalidade de seis anos de prisão.

Todavia, o que vemos é que os tribunais não se encontram com um entendimento

pacífico sobre o assunto, apesar de se pautarem no superior interesse do menor. Vemos que o

Estado não se encontra, e nem deve, estar numa posição de autoridade com fins de ditar aquilo

que os pais possam compreender como melhor para a educação dos seus filhos, mas sim,

resguardar os menores para o seu superior interesse quando estiverem ameaçados.

Simili modo, que em um futuro próximo possamos a vir a ter filhos que se sintam

incomodados com a exposição indevida dos pais durante a infância, pode ser também que para

maioria isto não represente um problema.

Apesar não termos uma significativa demanda de menores nos tribunais a reivindicarem

à proteção da privacidade no que diz respeito a exposição pelos pais nas redes sociais,

acreditamos que num futuro muito próximo possamos vir a ser surpreendidos, visto que as

121

OBSERVADOR. Publica as fotos dos seus filhos nas redes sociais? Talvez não devesse. 12-07-2015.

Disponível em: <http://observador.pt/2015/07/12/publica-fotos-dos-seus-filhos-nas-redes-sociais-talvez-nao-

devesse/>. Consultado em: 02-10-2019. 122

REVISTA CRESCER. Privacidade das crianças na Internet: quem deixou você postar isso? 12-06-2018.

Disponível em: <https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Comportamento/noticia/2018/06/quem-deixou-voce-

postar-isso.html>. Consultado em: 03-10-2019.

Page 51: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

51

gerações expostas aos media, podem, hoje, ainda ser demasiado jovens para tomarem medidas

legais contra os seus progenitores, porém, por se tratarem de direitos de personalidade e sendo

esses imprescritíveis poderão, facilmente, serem reivindicados quando atingirem a vida adulta.

Vejamos o caso de um filho de figuras públicas. A título de exemplo, tomemos um casal

de Bloggers que partilham a sua vida íntima nas redes sociais. Para ambos os progenitores pode

ser normal dispor as suas vidas privadas na medida em que são remunerados por patrocinadores

e empresas pela ampla divulgação. E o menor? Não teria o direito de abster a sua vida, em

detrimento das prendas, ter que vestir as roupas que foram oferecidas e a privacidade da sua

vida, já que ambos os pais concordam primeiramente com a sua própria exposição e,

consequentemente, com a dos seus descendentes? Entramos nesse ponto para a reflexão que,

no caso concreto, também estamos perante a possibilidade de casos em que o superior interesse

da criança não se coadune com o interesse dos pais.

Tratando-se da partilha de imagens dos menores e, certos de que não há nenhuma

legislação portuguesa que proíba, expressamente, os progenitores de tal prática, no entanto,

posicionamo-nos pelo entendimento de que não seria necessário a criação de uma lei específica

para que se pudesse ser conferida a tutela do direito à imagem nas redes sociais, dado que os

artigos 79.º e 80.º já do CC já os garante, tendo em conta, coibirem a difusão,123 independente

de onde ela ocorrer, inclusive na Internet (entendimento nosso).

A título de exemplo, analisamos uma determinada situação em que seja selecionado um

mecanismo capaz de delimitar um grupo restrito de pessoas para visualizarem determinada

imagem nas redes sociais. Não estariam do mesmo modo os progenitores a violarem o direito

à imagem do filho? Na nossa opinião, primeiramente, o mais importante faz alusão ao bom-

senso e proporcionalidade quanto ao uso das imagens respeitantes o filho, atitude que seria

muito pertinente por parte dos pais para que se evitasse uma possível divulgação sem

precedentes. Em seguida, adotar um regime jurídico para cada tipo de definição de privacidade

nas redes sociais, traria dificuldades quanto a sua própria delimitação, ou seja, criaríamos

embaraços em provar à data das publicações e se as opções de privacidade estavam restritas ou

acessíveis a todos na altura dos factos.

É de suma importância que a divulgação das imagens e informações levem em

consideração a proteção e o superior interesse do menor, onde a construção do conteúdo deva

123

Com exceção nos casos de criança desaparecida onde é admitido que ocorra a divulgação da sua imagem desde

que, para isso, haja o consentimento de ambos os pais, por entender que se trata de atos existenciais graves e raros

que pertencem ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças, competindo sempre a decisão de

publicar a ambos os pais. Cfr. BOLIEIRO, Helena, GUERRA, Paulo – A criança e a família ..., ob. cit., p. 177.

Page 52: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

52

ponderar a sua autonomia, a exemplo de impedir que ocorra a partilha quando o menor se

manifesta contrariamente a sua exposição, práticas a ridicularizá-lo, em poses sensuais ou

mesmo que exposição à hostilização. Tudo pois, uma vez publicados, facilmente poderão ser

reproduzidos, inclusive para fins criminosos. Id est, uma vez publicadas somos incapazes de

medir o alcance que essas publicações terão.

Em suma, conforme Anne LongField, no relatório Who Knows What About Me?, não

sabemos ainda quais serão as consequências do sharenting para a vida das crianças, mas, de

facto, o que sabemos é que o fenómeno tende só a aumentar. 124 Acontece que, atualmente,

muitos empregadores, antes de contratarem funcionários, analisam as redes sociais dos

candidatos em processos de seleção, com o intuito de obter mais informações sobre eles.

Atentamos ao facto de que as informações e dados partilhados durante a infância podem conter

rastros que influenciarão também à vida profissional, podendo gerar constrangimentos e

traumas no local de trabalho. Todavia, é preciso que os pais parem para pensar no que tal pode

vir a significar para a vida delas no presente e como isso pode impactar as suas vidas futuras

quando adultas. Quanto aos Estados, cabe-lhes monitorarem a situação e fortalecer legislações

de proteção de dados, com vista a uma proteção genuína das crianças. E aos pais, falta por vezes

a sensibidade e o bom senso para verificarem se a partilha está direcionada para o superior

interesse da criança, ou se não advém, exclusivamente, de um interesse pessoal deles.

124

CHILDRENSCOMMISSIONER. LONGFIELD, Who Knows What About Me? 2018. Disponível em:

<https://www.childrenscommissioner.gov.uk/wp-content/uploads/2018/11/cco-who-knows-what-about-

me.pdf.>. Consultado em: 06-10-2019.

Page 53: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

53

CONCLUSÃO

1. Verificamos ao longo da história que, durante muitos séculos, a criança era vista como

um ser irracional subordinada ao pater potestas, indigna de qualquer direito. Somente na Idade

Moderna, se inicia o reconhecimento de uma ideia da infância pela qual hoje compreendemos.

A construção da imagem da criança para ser vista como sujeito de direitos e não como

mero objeto dos pais, caminha por um longo percurso e quando, comparada ao decorrer dos

séculos, trata-se de uma vitória recente conquistada com a Declaração dos Direitos da Criança

em 1959, motivando que o século XX possa vir a ser reconhecido como o Século da Criança.

Com tais avanços no reconhecimento da singularidade da infância, é possível notar que

a criança passa a ser vista como um ser humano que detém capacidades psicológicas,

emocionais e físicas próprias, lhes são reconhecidas a inocência, é-lhes assegurada uma

proteção jurídica necessária. Em contrapartida, sem que se possa passar despercebido que a

maturidade passa por um processo gradativo, obrigando que a lei possa acompanhar tal

desenvolvimento na esfera da capacidade jurídica da criança.

A Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro que, apesar de versar sobre alterações do regime

jurídico do divórcio, trouxe relevante avanço ao direito da criança ao modificar a expressão

“poder paternal” para “responsabilidades parentais”. Dessa forma, pretende salvaguardar o

princípio do superior interesse da criança aferindo, para tal, o conhecimento do seu meio, do

seu estado de desenvolvimento como também das suas necessidades.

Constata-se que o superior interesse da criança demanda de critérios subjetivos, com

vista a procurar uma solução que melhor satisfaça esse interesse.

Face à observação da crescente partilha de fotos dos filhos por parte dos pais nas redes

sociais, esse fenómeno já tem definição própria, sendo conhecido como sharing que começa a

ser analisado pela doutrina em razão dos direitos que possam a vir ser violados. Trata-se de um

assunto novo e complexo, gerador de muita discussão e angústia que, embora desconheçamos

as consequências, tudo dependerá de como a sociedade definirá privacidade, no futuro.

Acreditamos que ao partilharem amplamente as fotos dos seus filhos nas redes sociais,

os pais não refletem que podem estar a causar algum prejuízo à criança, devendo preocuparem-

se com os perigos que a partilha pode causar, a exemplo da chegada das imagens às redes

Page 54: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

54

internacionais de produtores, comerciantes e colecionadores de imagens infantis com conteúdo

sexual, muitas vezes ligado ao crime organizado.125

2. Atualmente, muitas crianças já possuem identidade digital, face à superexposição

conduzida pelos seus progenitores, o que pode vir a ocasionar uma série de constrangimentos

e incómodos. Dessa forma, a qualquer momento poderão entender que as suas vidas privadas

estão a ser expostas indevidamente pelos pais. Em contrapartida, consideramos que pode não

representar nenhum constrangimento, dado que a privacidade não dispõe da mesma perspetiva

para todos.

É imprescindível que o consentimento da criança seja analisado, sobre critérios de

maturidade e idade, quanto à capacidade de auferirem discernimento acerca dos assuntos

diretamente ligados à sua própria vida.

Os pais até podem direcionar a educação dos filhos, no entanto, a personalidade do

menor é formada pelas suas próprias experiências de vida, não cabendo aos pais escrever essa

história. Ou talvez sim. Pode ser que, no futuro, os filhos possam queixar-se pela ausência de

uma vida digital ativa que os possibilite recordar momentos da sua infância. O que de facto não

podemos prever, nem determinar como será a autonomia da criança e a sua perceção sobre a

privacidade.

Apesar de tudo, a partilha excessiva, por parte dos pais, nas redes sociais gera

importantes preocupações e o estado atual da arte no direito da criança leva-nos a concluir, com

base no superior interesse da criança, a eficácia normativa. Posto isto, compreendemos que os

direitos à personalidade da criança, máxima direito à reserva da intimidade da vida privada e

direito à imagem, poderão ser violados se a exposição não atender ao interesse do menor, e nem

estabelecida pelo exercício das responsabilidades parentais.

3. Neste desiderato, em se tratando de menores, não percebemos como solução o facto

de proibir, negar ou sancionar os pais pelas partilhas de fotos e informações dos menores no

ciberespaço. Mas sim, de ser levado em consideração o objetivo da partilha a fim conscientizá-

los do dever que lhes cabem de salvaguardarem os interesses dos seus filhos, de forma cautelosa

e sensata no ciberespaço, de modo que sempre seja avaliada cada situação in concreto.

Entendemos não se tratar de um impedimento absoluto, mas sim que a partilha seja

possível desde que o menor não seja identificado, ou se assim sendo, seja comprovado sua

maturidade capaz de consentir de forma livre e esclarecida a divulgação.

125

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25-06-2015, Processo n.º 789/13.7TMSTB-B.E1, Relator:

BERNARDO DOMINGOS. Disponível em: <https://www.dgsi.pt>.

Page 55: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

55

Todavia, se é discutível que a imagem publicada ou divulgada não reflete o superior

interesse da criança, logo devemos concluir que os pais devem abster-se da divulgação, salvo

em situações em que a exibição possa ser justificada.

Page 56: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTALEX. Tribunal de Roma. Processo n° 39913/20015. Disponível em:

<https://www.altalex.com/~/media/altalex/allegati/2018/allegati%20free/tribunale_roma_ordi

nanza_23_dicembre_2017%20pdf.pdf>. Consultado em: 03-10-2019.

ASCENSÃO, José de Oliveira, A reserva da intimidade da vida privada e familiar, Revista da

Faculdade de Direito da universidade de Lisboa, Vol. XLIII – n.º 1, Coimbra Editora, 2002, p.

15.

ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. I (Introdução as Pessoas, os

Bens) 2.ª ed., Coimbra Editora, 2000.

AMARAL, Jorge Augusto Pais de, Direito da Família e das Sucessões, 2.ª ed., Coimbra,

Almedina, 2015.

AMIN, Andréia Rodrigues et al, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

Teóricos e práticos, 10.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2017.

BARBOSA, Mafalda Miranda – Breves reflexões em torno do Art. 127.º do Código Civil, in

BFD, vol. XC, Tomo II, 2014.

BASTOS, Jacinto Fernandes Rodrigues – Notas ao Código Civil, Vol. VII, Lisboa, Almedina,

2002.

BOLIEIRO, Helena, GUERRA, Paulo – A criança e a família – uma questão de direito(s), uma

visão prática dos principais institutos do direito da família e das crianças e jovens, 2.ª ed.,

Coimbra, Coimbra Editora, 2014.

BOTELHO, João – Regulação das Responsabilidades Parentais, ed. Nova Causa, 2019.

BROSCH, Anna – When the Child is Born into the Internet: Sharenting as a Growing Trend

among Parents on Facebook, in The New Educational Review, 2016.

CABRAL, Rita – O direito à intimidade da vida privada – in Estudos em Memória do

Professor Doutor Paulo Cunha, Universidade de Lisboa, Lisboa, 1989.

CAMPOS, Diogo Leite de – Lições de Direito da Família, 3.ª ed. rev., Coimbra, Almedina,

2016.

CAMPOS, Diogo Leite de – Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2.ª ed., rev.,

Coimbra, Almedina, 2001.

Page 57: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

57

CHILDRENSCOMMISSIONER. Who knows what about me? Novembro/2018. Disponível

em: <https://www.childrenscommissioner.gov.uk/wp-content/uploads/2018/11/cco-who-

knows-what-about-me.pdf>. Consultado em: 03-10-2019.

COOLEY, Thomas McIntyre – A treatise on the law of torts, Chicago, Callaghan, 1880.

CORREIA, Victor – Sobre a privacidade, Sinapis Editores, 2016.

CORDEIRO, António Menzes – Tratado de Direito Civil I – Parte Geral, Tomo III (pessoas),

Coimbra, Almedina, 2004.

CRUZ, Rossana Martingo – A divulgação da imagem do filho menor nas redes sociais e o

superior interesse da criança – in Direito e Informação na Sociedade em rede: Atas do IV

Colóquio Luso-Brasileiro Direito e Informação, 2016.

DELAS. ‘Insta mums’: as mães portuguesas que todas querem seguir. 27-07-2018. Disponível

em: <https://www.delas.pt/insta-mums-as-maes-portuguesas-que-todas-querem-seguir/>.

Consultado em 05-10-2019.

DE MAUSE, Lloyd – La evolución de la Infancia. 1.ª ed. Nova Iorque: The Psychohistory Pres,

1974.

DIAS, Cristiane, COUTO, Olivia Ferreira do – As redes sociais na divulgação e formação do

sujeito do conhecimento: compartilhamento e produção através da circulação de ideais, in

Linguagem em (Discurso), Tubarão, SC, v. 11, n.º 3, pp. 631-648, set/dez 2011.

ELMUNDO. El 81% de los bebés tiene presencia en redes sociales antes de los seis meses.

Disponível em:

<https://www.elmundo.es/tecnologia/2019/08/13/5d529161fdddff74ac8b45d2.html>.

Consultado em: 05-09-2019.

FIALHO, António José - Guia Prático do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, 2.ª

edição, CEJ, Lisboa, 2013.

INDEPENDENT. Instagram mums are being criticised for shameless 'self-promotion'. 05-09-

2017. Disponível em: <https://www.independent.co.uk/life-style/health-and-

families/instagram-mums-self-promotion-photos-children-parenting-perfect-a7930396.html>.

Consultado em: 03-10-2019.

LANÇA, Hugo Cunha – Cartografia do Direito das Famílias, Crianças e Adolescentes,

Edições Sílabo, Lisboa, 2018.

Page 58: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

58

LEAL, Lívia Teixeira – O Cuidado na era digital: as novas facetas da afetividade no mundo

tecnológico e seus impactos jurídicos – in Cuidado e Afetividade: projeto Brasil/Portugal.

2016/2017, São Paulo, Atlas.

LEAL, Ana Teresa et al- Poder paternal e responsabilidades parentais, 2.ª ed., Lisboa, Quid

Juris, 2010.

LEANDRO, Armando – Protecção dos direitos das crianças em Portugal, in AA.VV., Direitos

das Crianças, Coimbra, Coimbra Editora, 2004.

LOCKE, John, Segundo Tratado do Governo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

MARQUES, J. P. – Remédio, Acção Declativa à luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra,

Coimbra Editora, 2011.

MARTINS, Rosa – Menoridade, (In)capacidade e Cuidado Parental. Coimbra, Coimbra

Editora, 2008.

MARTINS, Rosa – Poder Paternal vs Autonomia da Criança e do Adolescente?, in Lex

Familiae, ano 1, n.º 1, Coimbra Editora, 2004.

MARTINS, Rosa – Responsabilidades parentais no séc. XXI: a tensão entre o direito de

participação da criança e a função educativa dos pais, Lex Familiae in Revista Portuguesa de

Direito da Família, ano 5, Julho-Dezembro, 2008.

MELO, Helena Gomes de et al - Poder paternal e responsabilidades parentais, 2.ª ed.,

Lisboa, Quid Juris, 2010.

MENEZES, Joyceane Bezerra de – A família e o direito de personalidade: cláusula geral de

tutela na promoção da autonomia e da vida privada, in Revista Direito UNIFACS, 2013.

MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed.,

Coimbra, Coimbra Editora, 2010.

MONTEIRO, A. Reis – Direito da Criança: Era uma vez..., Coimbra, Almedina, 2010.

MORAES, Maria Celina Bodin de – Na medida da pessoa humana, Estudos de Direito Civil

Constitucional, ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2010.

MOREIRA, Sónia – A autonomia do menor no exercício de seus direitos, in Revista: Scientia

Iurídica, Tomo L, n.º291, Setembro-Dezembro, 2001.

Page 59: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

59

MOTTPOLL. Parents on social media: Likes and dislikes of sharenting. 16-03-2015.

Disponível em: <https://mottpoll.org/reports-surveys/parents-social-media-likes-and-dislikes-

sharenting>. Consultado em: 04-10-2019.

MULTEDO, Renata Vilela – Liberdade e Família – Limites para intervenção do Estado nas

relações conjugais e parentais, Rio de Janeiro, Editora Processo, 2017.

NETO, Luísa – Novos Direitos. Ou novo(s) objeto(s) para o Direito?. Porto: Uporto, 2010.

NETO, Luísa – O Direito Fundamental à Disposição sobre o Próprio Corpo, Coimbra,

Coimbra Editora, 2004.

OBSERVADOR. Publica as fotos dos seus filhos nas redes sociais. Talvez não devesse. 12-

07-2015. Disponível em: <http://observador.pt/2015/07/12/publica-fotos-dos-seus-filhos-nas-

redes-sociais-talvez-nao-devesse/>. Consultado em: 02-10-2019.

OLIVEIRA, Guilherme de – Temas de Direito de Família, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora,

2011.

PINHEIRO, Jorge Duarte – A tutela da personalidade da criança na relação com os pais, in

Revista Iurídica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXIV, n.º338,

Maio-Agosto, 2015.

PINHEIRO, Jorge Duarte – Estudos de Direito da Família e das Crianças, Lisboa, AAFDL,

2015.

PINTO, Paulo Mota – O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, in Boletim da

Faculdade de Direito de Coimbra, v. 69, 1993.

REVISTA CRESCER. Privacidade das crianças na Internet: quem deixou você postar isso?

12-06-2018. Disponível em:

<https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Comportamento/noticia/2018/06/quem-deixou-

voce-postar-isso.html>. Consultado em: 03-10-2019.

RODOTÀ, Stefano – A vida na sociedade de vigilância – a privacidade hoje, Organização,

seleção e apresentação de Maria Celina Bodin de Moraes, Tradução Danilo Doneda e Luciana

Cabral Doneda, Rio de Janeiro, 2008.

RODRIGUES, Hugo Manuel Leite - Questões de Particular Importância no Exercício das

Responsabilidades Parentais, Coimbra, Coimbra Editora, 2011.

Page 60: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

60

SÁ, Eduardo – O Poder Paternal, Volume Comemorativo dos 10 anos do curso de pós-

graduação de menores, Prof.º Doutor F. M. Pereira Coelho, org. Guilherme de Oliveira,

Coimbra, Editora Coimbra, 2008.

SALAZAR, Joana Gomes – O superior interesse da criança e as novas formas de guarda,

Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011.

SILVEIRA, Luís da – Comemoração dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma

de 1977, in AA.VV.,vol. 1, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra, Coimbra Editora.

SOCIALBLADE. Youtube stats summary. Disponível em:

<https://socialblade.com/youtube/user/imwuant>. Consultado em: 05-09-2019.

SOTTOMAYOR, Maria Clara – Liberdade de opção da criança ou poder do progenitor? –

Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 31 de Outubro de 2007, in Lex

Familiae, ano 5, n.º 9, Janeiro-Junho, Coimbra Editora, 2008.

SOTTOMAYOR, Maria Clara – Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos

Casos de Divórcio, 5.ª ed., Porto, Almedina, 2011.

SOTTOMAYOR, Maria Clara – Temas de Direito das Crianças, Coimbra, Almedina, 2016.

STEINBERG, Stacey B. – Sharenting: Children´s Privacy in the Age of Social Media, 2017.

UF Law Faculty Publications, 2017, p. 854. Disponível em:

<https://scholarship.law.ufl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1796&context=facultypub>.

Consultado em: 03-10-2019.

TAVARES, Hugo – Cyberbulling na adolescência. Nascer e Crescer. In: Revista de Pediatria

do Centro Hospital do Porto, vol. XXI, n.º 3, 2012, p. 174-177.

VASCONCELOS, Pedro Pais de – Teoria Geral de Direito Civil, 8.ª. ed., Almedina, 2018.

VASCONCELOS, Pedro Pais de – Direito de Personalidade, Coimbra, Almedina, 2006.

WARREN, Samuel D., Brandeis, Louis D. – The Right to privacy, in Harvard Law Review,

Vol. IV, 1890.

WAGNER, Wienczyslaw J. – Le “droit a l´intimité” aux Etats-Unis. In Revue Internationale

de Droit Comparé, v. 7, n.º 2, April-June, 1965.

WEARESOCIAL. Digital 2019: Global Internet Use Accelerates. Disponível em:

<https://wearesocial.com/blog/2019/01/digital-2019-global-internet-use-accelerates>.

Consultado em: 03-10-2019.

Page 61: A PROTEÇÃO DA RESERVA DA VIDA PRIVADA DE MENORES … · sharing, com origem na língua inglesa, que decorre da junção da palavra share - partilhar e parenting – parentalidade,

61

ÍNDICE DE JURISPRUDÊNCIA

Tribunal da Relação de Coimbra

Acórdão de 18-10-2011, Processo n.º 626/09.7TMCBRC.C1, Relator Regina Rosa.

Tribunal da Relação de Évora

Acórdão de 11-04-2012, Processo n.º 612/097TMFAR.E1, Relator: Maria Alexandra M.

Santo.

Acórdão de 25-06-2015, Processo n.º 789/13.7TMS, Relator: Bernardo Domingos.

Tribunal da Relação de Coimbra

Acórdão de 18-10-2011, Processo n.º 626/09.7TMCBRC.C1, Relator Regina Rosa.

Tribunal da Relação de Évora

Acórdão de 11-04-2012, Processo n.º 612/097TMFAR.E1, Relator: Maria Alexandra M.

Santo.

Acórdão de 25-06-2015, Processo n.º 789/13.7TMS, Relator: Bernardo Domingos.