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A Psicosofia de Lao Tsé, Krishna e Buda segundo a espiritologia

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Trabalho de história oral realizado entre os anos de 2003 e 2008, entrevistando o provável espírito pai Joaquim de Aruanda, através da mediunidade de Firmino José Leite, e outros. O livro encerra a coleção Cultura de Paz e Mediunidade.

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A PSICOSOFIA DE LAO-TSÉ,KRISHNA E BUDA SEGUNDO

A ESPIRITOLOGIA

COLEÇÃO CULTURA DE PAZ E MEDIUNIDADE

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ADILSON MARQUES

2012

A PSICOSOFIA DE LAO-TSÉ,KRISHNA E BUDA SEGUNDO A

ESPIRITOLOGIA

COLEÇÃO CULTURA DE PAZ E MEDIUNIDADE

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© do autor – 2012

Direitos reservados desta ediçãoRiMa Editora

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M357p

Marques, Adilson A psicosofia de Lao-Tsé, Krishna e Buda segundo a espiritologia / Adilson Marques – São Carlos: RiMa Editora, 2012. 84 p. ISBN – 978-85-7656-235-1

1. espiritologia. 2. Lao-Tsé. 3. Krishna. 4. Buda. I. Título. II. Autor.

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COLEÇÃO CULTURA DE PAZ E MEDIUNIDADE

A coleção Cultura de Paz e Mediunidade foi idealizada paradivulgar as sete pesquisas realizadas pelo projeto Homospiritualis,entre os anos de 2001 a 2010. Elas não foram feitas dentro dasUniversidades, porém, utilizaram heurísticas próprias das CiênciasHumanas.

A mediunidade foi inserida no projeto Homospiritualis porvolta de 2001, após a visita de dois médiuns kardecistas ao Cen-tro de Estudos e Vivências Cooperativas e para a Paz, um localonde diferentes atividades eram ofertadas à comunidade e gruposde estudos se reuniam. Com a inserção destes dois novos partici-pantes, a fenomenologia mediúnica se tornou a ferramenta prin-cipal para as pesquisas que abordaram os seguintes temas: aApometria, a Umbanda, as técnicas de desobsessão, as filosofiasorientais etc.

Em 2003, o projeto criou uma ONG para servir de laborató-rio para as pesquisas: a ONG Círculo de São Francisco, encerradaapós a conclusão das mesmas.

Apesar de utilizar a suposta comunicação com os espíritoscomo recurso metodológico, é importante esclarecer que o projetoHomospiritualis não tem nenhuma posição fechada sobre o fenô-meno. Buscando conhecer as interpretações sobre esta manifesta-ção psíquica, encontramos seis diferentes hipóteses:

1. a mediunidade é fraude, charlatanismo;2. a mediunidade é uma patologia mental;3. o médium manifesta durante o transe informações presen-

tes em seu próprio inconsciente;4. o médium manifesta informações presentes no inconsci-

ente coletivo da humanidade;5. o médium é um instrumento do demônio;6. o médium transmite informações de seres incorpóreos, os

espíritos dos mortos.

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Apesar da existência das seis teorias acima e, possivelmente,de outras que não conhecemos, as pesquisas realizadas no projetoHomospiritualis não se preocuparam em teorizar sobre esse as-sunto, concentrando o seu esforço no conteúdo das mensagenstransmitidas pelos médiuns que participaram do projeto. Assim,através da mediunidade coletamos informações e dados que fo-ram interpretados utilizando vários recursos e métodos das pes-quisas qualitativas em Ciências Humanas como a História oral, aPesquisa-ação, a Etnografia, a Mitocrítica etc.

Este campo de pesquisa, original e que abre uma nova pers-pectiva acadêmica, recebeu, de nossa parte, o nome Espiritologiaou Ciências do Espírito.

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SUMÁRIO

Apresentação .................................................................... 9

Introdução ...................................................................... 13

Capítulo 1 – A psicosofia de Lao-Tsé comentadapelos espíritos ............................................................. 16

O não-lutar ....................................................................... 22A não-ação ........................................................................ 24O não-saber ...................................................................... 24O não-desejo .................................................................... 25

Capítulo 2 – A Psicosofia de Krishna comentadapelos espíritos ............................................................. 29

Capítulo 3 – A Psicosofia de Buda comentadapelos espíritos ............................................................. 44

Anexo.............................................................................. 73

Conclusão ....................................................................... 81

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APRESENTAÇÃO

O livro “Evangelho segundo o espiritismo” é considerado umlivro religioso pelos adeptos da Doutrina Espírita. Muitos chegama afirmar que ele é a “bíblia do espiritismo”. Particularmente, nãoconcordo com essa idéia. Em minha opinião, o livro é uma espéciede tratado de “ciências das religiões”, escrito através do métodocriado por Kardec, no século XIX: a coleta de dados através deentrevistas com prováveis espíritos, realizadas em reuniõesmediúnicas organizadas com a finalidade de estudar um tema deinteresse da humanidade através do diálogo com estes “seresincorpóreos”.

Por alguma razão, o método proposto por Kardec deixou deser utilizado em grande parte do movimento espiritista. Hoje pre-domina o que alguns chamam de “espiritismo sem espíritos”. Alémdisso, o livro acima se tornou, realmente, uma espécie de “Bíblia”para alguns setores do movimento espiritista, sobretudo aquelesque tendem a se fechar para o estudo de outros ensinamentosespiritualistas, com medo de manchar a chamada “pureza doutri-nária”.

Porém, o livro nada mais é do que a opinião de alguns espíri-tos entrevistados por Kardec sobre os evangelhos canônicos. E,em nenhum momento, eles afirmam que não podem opinar sobreos evangelhos apócrifos ou, inclusive, sobre os livros sagrados deoutras religiões, inclusive, as não-cristãs.

E isso se tornou evidente, para mim, em 2001, quando des-cobri a comunicação mediúnica. Até aquele momento, não mani-festava nenhum interesse pelo estudo do espiritismo. Minha pai-xão, desde a adolescência, sempre foi os ensinamentos místicosdo Oriente e, por isso mesmo, a primeira coisa que fiz quandodescobri a possibilidade de conversar com os “mortos” foi dialo-gar com eles sobre os ensinamentos de Lao-Tsé, Buda, Krishna eoutros.

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A grande surpresa, nesse processo, foi descobrir que estes pro-váveis seres incorpóreos admiram e respeitam tais ensinamentos,não os interpretando como “errados”, “mistificações” ou incom-patíveis com os ensinamentos cristãos presentes no “Evangelhosegundo o espiritismo”. Dentro de uma visão realmente laica, ouseja, de respeito por todas as manifestações religiosas, foi possívelconstatar que os espíritos são transreligiosos, respeitando todosos movimentos sagrados que ajudam na libertação espiritual doser humano.

E neste livro, que encerra a coleção Cultura de Paz eMediunidade, vamos apresentar a opinião dos espíritos que en-trevistamos sobre os ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda,reunidos, respectivamente, em livros como Tao Te Ching, BhagavadGita e Dharmapada. Futuramente, em outra coleção, pretende-mos apresentar a opinião deles sobre os ensinamentos presentesem alguns evangelhos apócrifos, como é o de Tomé e o de Madalenae também sobre o Eclesiastes, um dos mais interessantes livros doAntigo Testamento, e também sobre o Sermão da Montanha, pro-vavelmente, a essência de todo o ensinamento cristão.

Mas é importante ressaltar também o motivo de chamarmosos ensinamentos de todos estes mestres de Psicosofia (expressãoque estamos usando desde 2003 para representar uma sabedoriaespiritual) e não, como normalmente acontece, de Psicologia oude Filosofia. Com a expressão Psicosofia queremos realçar a di-mensão universal e atemporal destes ensinamentos, ao contráriodo que ocorre com as disciplinas acadêmicas acima. Nesse senti-do, ao utilizarmos a expressão Psicosofia também enfatizamos ocaráter místico (lembrando que misticismo não é superstição) quepossuem, e sempre voltado para a “libertação espiritual” do serhumanizado, ou seja, do espírito preso ao ego.

Além disso, a expressão Psicosofia serve também para distin-guir os ensinamentos destes mestres das religiões criadas por seusdiscípulos ao longo da história da humanidade. Nenhum delescriou religião, no sentido tradicional deste termo, ou seja, pressu-pondo a existência de uma doutrina e de um ritual. Osensinamentos que transmitiram transcendem essa dimensão

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limitadora das religiões e nos faz lembrar que, frequentemente, aespiritualidade não caminha de mãos dadas com as religiões, ape-sar delas merecerem todo o nosso respeito, pois são instrumentosainda necessários nos chamados “mundos de provas e expiações”.

A Psicosofia, portanto, é empírica, construída a partir de ex-periências místicas e transcendentais, como a meditação e outraspráticas espiritualistas. Muitas vezes, a Psicosofia destes mestresse mistura, nas religiões criadas por seus discípulos, com supersti-ções e dogmatismos que vão caducando com o tempo, pois sãoconstruções sócio-culturais que sofrem a ação de Cronos, distan-ciando-se da força arquetípica e agregadora presente noensinamento original.

Assim, a relação entre a Psicosofia e as religiões que se funda-mentam nela pode ser compreendida na paradoxal frase de Lao-Tsé: “quando todo o mundo reconhece o bem, enquanto bem, elese torna o mal”. A religião transforma o ensinamento espiritual,que é algo para ser vivenciado cotidianamente, em algo a ser atin-gido, mediatizado por ela através da doutrina e do rito. Contradi-toriamente, a virtude valorizada no ensinamento original se tornainacessível, se perdendo no meio das abstrações e opiniões diver-gentes. A felicidade, o amor, a fé, a paz interior etc. se tornammenos reais na medida em que são tantos os meios criados (dou-trinas e rituais) para atingi-los, e cada vez mais rebuscados e com-plexos, que nos tornamos “alienados”, ou seja, esquecemos que asvirtudes já estão dentro de nós, só precisando ser despertadas.

Quando passamos a buscá-las fora de nós, nas doutrinas enos ritos religiosos, nossos esforços se concentram nos meios e,como afirmou Lao-Tsé, este caminho não conduz a nada. Ou me-lhor, conduz ao auto-engrandecimento (fortalecimento do Ego) eentra em conflito com o Tao (a fonte real de todo o Bem) e seautodestrói. É por isso que as religiões não são perenes, ao contrá-rio das Psicosofias.

E, em relação à Espiritologia, já apresentamos uma reflexãomais profunda sobre ela no primeiro livro desta coleção. De formaresumida, ela consiste no uso da História Oral para se entrevistar

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prováveis espíritos, através de reuniões mediúnicas organizadaspara essa finalidade. Não temos, obviamente, como afirmar cien-tificamente se são espíritos e não o próprio inconsciente do mé-dium em transe que se manifesta. Pode até mesmo ser o “demô-nio”, como afirmam as religiões neo-pentecostais. Mas o fato éque alguém responde e é este “alguém” que estamos chamando,em tese, de “espírito”.

Durante toda a década da Cultura de Paz (2001-2010) tive-mos a Graça de poder estudar com estes “seres incorpóreos” osensinamentos espirituais de vários mestres. E neste pequeno livrodesejamos compartilhar com todos que amam o saber ou o estudodas coisas divinas, sem apego por particularismo ou exclusivismoreligioso, as reflexões sobre as Psicosofias destes três mestres ori-entais, Lao-Tsé, Krishna e Buda.

São Carlos, 01 de janeiro de 2012

Dia Mundial da Paz

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INTRODUÇÃO

Religião e Ciência almejam a verdade. Porém, ambas partem demétodos distintos para estudar algum fenômeno. De forma geral,o método da Ciência é dedutivo e o da Religião baseado na expe-riência direta de um assunto espiritual. E como a experiência reli-giosa nem sempre é possível de ser reproduzida em laboratório,muitos acreditam que o homem religioso e o homem cientifico seexcluem reciprocamente.

Porém, a experiência mediúnica pode ser uma porta de entra-da para aproximar esses dois campos do saber. Ela pode ser umaexperiência religiosa, pois envolve supostos espíritos e, ao mesmotempo cientifica. E apesar de ela acontecer muitas vezes de formaespontânea e fragmentária, é possível ser observada a partir demétodos que permitam coletar dados e alcançar resultados objeti-vos.

Mas não estou preocupado com o fato mediúnico em si, como objetivo de comprovar a vida após a morte, mas com o conteú-do das mensagens que os médiuns obtêm, seja por meio dapsicografia (escrita), da psicofonia (verbalmente) e outros.

Minha primeira experiência mediúnica aconteceu em 2001,quando dois médiuns kardecistas foram me procurar no antigoCentro de Estudos e Vivências Cooperativas e para a Paz, hojeNúcleo de Animagogia e Práticas Bionergéticas Rosa de Nazaré.Eles disseram que foram até lá porque um espírito havia passadoo meu nome e endereço.

Este espírito se identificava como dr. Felipe. Foi com ele quetive minha primeira experiência em conversar com um supostomorto. Na época, eu estava concluindo o meu doutorado na Fa-culdade de Educação da USP e comecei a idealizar um pós-douto-rado relacionado com mediunidade. Infelizmente, nenhuma ins-tituição de ensino superior que procurei se interessou pelo meu

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projeto de pesquisa, mas, mesmo assim, resolvi levá-lo adiante. Eum dos temas que resolvi pesquisar foi a opinião dos supostosespíritos em relação aos ensinamentos orientalistas, que chamode Psicosofia, particularmente os de Lao-Tsé, Krishna e Buda.

Muitos dos espíritos entrevistados afirmavam trabalhar no cen-tro acima, isto porque lá se realizavam práticas como hatha-yoga,tai-chi-chuan, meditação, entre outras. Ou seja, em tese, seria umlocal “frequentado” por espíritos orientais. As pesquisas envolve-ram vários médiuns, entre os anos de 2003 e 2008. Alguns eramtotalmente inconscientes, ou seja, não se lembravam de nada doque os espíritos falavam durante as entrevistas. Mas alguns eramconscientes e tinham os que preferiam responder as perguntas pormeio da psicografia.

Algumas entrevistas foram filmadas em vídeo, como as doespírito pai Joaquim de Aruanda, que se manifesta através domédium Firmino José Leite. Parte de sua fala sobre os ensinamentosde Buda podem ser acessadas no canal do projeto Homospiritualis,no youtube.

A partir de 2008 comecei a organizar o material coletado efiz com ele algumas palestras, quase sempre em centrosespiritualistas. Poucos são os chamados centros espíritas que acei-tam informações que não estejam já presentes nos livros de Kardec,mesmo que tenham sido obtidas através de espíritos. Estas infor-mações costumam ser classificadas como “não-doutrinárias”. Tam-bém cheguei a postar trechos deste livro em algumas listas de dis-cussão espírita na internet e fui acusado de estar postando textossobre outras doutrinas e não sobre espiritismo.

Porém, apesar dos espíritos responderem questões sobre osensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda, em nenhum momentoeles fizeram críticas à doutrina espírita ou ao cristianismo. Aocontrário, sempre enfatizaram a unidade de todas essas Psicosofias.Assim, compreendi que apesar do assunto espírito e/oumediunidade ser um tema religioso, é preciso partir de uma visãolaica para se estudar algo através da mediunidade, ou seja, daconsulta aos espíritos. Essa é uma necessidade básica para que

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haja um distanciamento em relação ao espiritismo instituído e sepossa dialogar com estes seres de uma forma natural e espontâ-nea, sem a necessidade paranoica de julgar o que é ou não “anti-doutrinário”.

Os temas que foram discutidos nestas reuniões mediúnicasforam tirados de três clássicos da literatura oriental: o Tao Te Ching,de Lao-Tsé; a Bhagavad Gita, poema épico que faz parte doMahabharata e o Darmapada, que reúne alguns dos sermões deBuda, compilados por seu primo Ananda.

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CAPÍTULO 1

A PSICOSOFIA DE LAO-TSÉ

COMENTADA PELOS ESPÍRITOS

No meio espiritista, sobretudo para os que aceitam as comu-nicações de Emmanuel, suposto mentor espiritual de Chico Xavier,acredita-se que a civilização chinesa, em seus primórdios, foi umadas poucas que não foram constituídas por espíritos exilados deCapela. Quando teria iniciado o degredo daqueles espíritos, a ci-vilização chinesa já estava consolidada na Terra, afirma Emmanuel.Mas, mesmo assim, esta civilização também recebeu seus missio-nários, entre eles, Lao-Tsé.

Segundo os historiadores, não há comprovação de sua exis-tência. Alguns chegam a afirmar que o livro Tao Te Ching pode tersido escrito por alguma confraria espiritualista. Outros levantama hipótese de que ele viveu por volta do ano 570 a.C., tendo nas-cido em uma família nobre chinesa.

Com a espiritualidade obtivemos a informação de que eleexistiu e que se tratou realmente de um espírito missionário quepara cá foi enviado para auxiliar na “evolução espiritual da huma-nidade”, particularmente, da civilização chinesa, apesar da uni-versalidade de sua Psicosofia.

A história que cerca o livro também é singular. Afirma-se quepouco antes de abandonar a China para morrer em paz, foi inter-pelado por um guardião que lhe pediu para escrever um resumode seus ensinamentos. Assim teria nascido o Tao Te Ching.

Para este estudo com a espiritualidade, optamos em usar atradução realizada por Huberto Rohden, educador e filósofouniversalista brasileiro. E as reuniões em que perguntas foram for-muladas aos supostos espíritos aconteceram entre os anos de 2003e 2006. As respostas apresentadas a seguir já foram utilizadas tam-

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bém em diferentes cursos de Animagogia, uma proposta educativaque formulamos e cujos princípios básicos são os ensinamentosde Lao-Tsé, Krishna, Buda, Jesus, Espírito Verdade (que, em tese,respondeu as perguntas de Kardec, importantes para a sistemati-zação da Doutrina Espírita) e Mahatma Gandhi.

Como fizemos no livro anterior dessa coleção, após a respos-ta dos espíritos aos nossos questionamentos, apresentamos umbreve comentário à resposta.

Pergunta 01 – O que a espiritualidade pode nos dizer a respeitodo livro Tao Te Ching?

Resposta – A resposta para esta indagação pode ser encontrada em Olivro dos espíritos quando o Espírito Verdade diz a Kardec para estudartodas as doutrinas e filosofias, do passado e do presente. O espiritismoseria apenas a chave para a compreensão dessas sabedorias espirituais,que vocês chamaram de Psicosofia, e que são universais, portanto, que nãoestão vinculadas apenas a uma determinada cultura ou a um determinadotempo histórico. Elas são verdadeiros caminhos para vencer o mundo deprovas e expiações.

Comentário – Podemos constatar o respeito aos ensinamentosde todos os tempos e lugares. E, curiosamente, O livro dos espíri-tos é citado para manifestar o valor do Tao Te Ching. A questãoque fazem referência é a de número 628, na qual o Espírito Verda-de afirma que não há nenhum sistema filosófico antigo, nenhumatradição, nenhuma religião a negligenciar, enfatizando: “nãonegligencieis, portanto, de haurir objetos de estudos nestes mate-riais: eles são muito ricos e podem contribuir poderosamente paraa vossa instrução”. Infelizmente, são muitos os centros espíritasque não seguem essa orientação e, o que é pior, seus coordenado-res classificam quem estuda “outras doutrinas” de “não-doutriná-rios”, como se o estudo fosse uma espécie de heresia que pode, emtese, manchar a “pureza doutrinária” do Espiritismo.

Pergunta 02 – E qual é a melhor tradução deste livro?

Resposta – É aquela que chegar às suas mãos. Todas possuem umafinalidade providencial. O importante, porem, é ler com o coração. Quemler os poemas que compõem o Tao Te Ching com a razão ficará preso à letra

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morta, não compreendendo seu significado profundo. Os maiores proble-mas são de interpretação e não de tradução. Para se recuperar o sentidoprofundo de seus ensinamentos hoje em dia já se fala em laoísmo paradiferenciar a obra de Lao-Tsé das práticas exotéricas e supersticiosas cria-das pelos taoístas ao longo dos milênios.

Comentário – Como salientamos na introdução deste livro, aPsicosofia tem um fundamento universal. Porém, com frequência,ela se mistura com superstições, rituais e outras necessidades doego, ou seja, do ser humanizado. O mesmo aconteceu com osensinamentos de Lao-Tsé nas mãos de muitos taoístas. Porém, porser um ensinamento universal, o Tao Te Ching se mantém sempreatual, enquanto os rituais, panacéias e outros produtos culturaisdo taoísmo têm seus momentos de apogeu e crise, como acontececom todas as produções religiosas. A compreensão espiritual dospoemas é praticamente impossível se não usarmos a intuição. Mui-tas vezes, ao lermos os poemas, parece que estamos diante de umacontradição. Porém, os ensinamentos de Lao-Tsé estão transitandopelos dois pólos arquetípicos e complementares: o Yin e o Yang.Independentemente da tradução, a mente intuitiva é capaz deacessar a dimensão numinosa, a essência espiritual desta Psicosofia.

Pergunta 03 – O Teo Te Ching teria sido um livro inspirado pelaespiritualidade?

Resposta – Obviamente. Nenhum livro é escrito sem a interferência daespiritualidade. Porém, como há várias moradas no reino de Deus, existemvários tipos de espíritos intuindo os escritores. Cabe a cada um escolher acompanhia que vai querer ao seu lado, uma vez que os iguais se atraem.

E Lao-Tsé foi a personalidade vivenciada por um espírito de muita Luz eque foi convidado para a missão que realizou na China. E no caso do TaoTe Ching podemos afirmar que foram também espíritos superiores queintuíram Lao-Tsé na hora de confeccionar seus belos poemas universalistas.

A China foi uma das grandes civilizações do passado que não precisou dosexilados de Capela para se desenvolver. Ao contrário do Egito para ondeforam encarnar os espíritos mais evoluídos, entre os exilados, e do povojudeu, onde encarnou os espíritos exilados mais orgulhosos e fanáticos, a

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China contou com o amparo da espiritualidade, mas sem precisar do “em-purrão” que os exilados empreenderam em outros povos.

Mesmo assim, o Tao Te Ching foi um dos primeiros manuais que servirampara orientar a evolução dos espíritos, inclusive de muitos exilados de Ca-pela, que começavam aqui uma nova aventura reencarnatória.Gradativamente, os ensinamentos ali registrados chegavam até outros po-vos, através do intercâmbio cultural, influenciando outros missionários,apesar dos chineses terem criado uma civilização extremamente fechada. Oimportante é que, o que Deus quer deve ser. Quando um ensinamentoprecisa chegar a um determinado lugar, ele chega, não importa como.

Comentário – Segundo Edgard Armont e outros estudiosos, hácerca de 10 mil anos atrás, teria acontecido um exílio de espíritosrebeldes para a Terra. Estes espíritos não estavam em condiçõesde continuar “evoluindo” naquele outro sistema solar e passarama encarnar na Terra. Acredita-se que tais espíritos não eram evolu-ídos moralmente, apenas intelectualmente. A presença deles naTerra teria proporcionado a mudança que os antropólogos apon-tam entre o período paleolítico e o neolítico, com a domesticaçãodos animais, o surgimento da agricultura e outros avançostecnológicos e culturais. E como os iguais se atraem, os espíritosafirmam que, mesmo entre os capelinos, havia diferençasevolutivas, de forma que os mais “evoluídos” entre eles foramencarnar, primeiramente, no Egito. Por sua vez, os mais “orgulho-sos e fanatizados”, começaram sua aventura encarnatória na Ter-ra no meio do povo judeu. Mas é importante salientar que a res-posta acima não manifesta preconceito étnico-racial, uma vez queos espíritos, em tese, encarnam em todas as raças, etnias e, inclu-sive, gênero. Por exemplo, o mesmo espírito poderia, em umaencarnação, nascer no Egito como mulher e, na seguinte, comoum homem judeu.

No caso da China, apesar de ser um ensinamento ético, oconfucionismo, talvez a principal escola filosófica rival ao taoismode Lao-Tsé, e que chegou a ser considerada a religião oficial daChina durante muito tempo, não consegue aceitar a espontanei-dade e não se abre para uma vida simples baseada nos fluxos danatureza. O Tao Te Ching, nesse sentido, vem sempre lembrar o

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ser humano da necessidade de se voltar para a verdadeira vida, ado espírito, relativizando a necessidade do controle exterior, doEstado forte e presente na vida cotidiana da população etc. Mes-mo com toda a burocratização e excessos de rituais, as coisas invi-síveis nunca deixam de existir.

Pergunta 04 – E qual foi a proposta espiritual do livro, uma vezque os poemas muitas vezes parecem não ter sentido?

Resposta – Ao longo dos 81 poemas que o compõem, o Tao Te Ching afirmaque o ser humano não está preparado para compreender a natureza intrínsecade Deus. A razão humana não é suficiente para realizar essa proeza. E issotambém foi dito para Kardec, em meados do século XIX. Os espíritos disserampara Kardec que falta ao encarnado um sentido para compreender a naturezaintrínseca de Deus, exatamente o que afirma o Tao Te Ching.

Além disso, o livro de Lao-Tsé traça um roteiro, através das virtudes neleanunciadas, para o “regresso ao lar”, ou seja, para que o espírito eternovolte para os braços de Deus, de onde saiu. Tais virtudes seriam a “não-ação”, o “não-lutar”, o “não-saber” e o “não-desejo”, todos também ensi-nados pelo cristianismo, apesar de nem todos os que se dizem cristãos teremessa compreensão. Ao longo do tempo, estas virtudes foram interpretadasde forma errônea, perdendo seu sentido espiritual e orientando diferentespráticas religiosas desvinculadas da proposta original, como frequentementeacontece até hoje com todos os ensinamentos, por exemplo, com os de Budae de Jesus, no passado, e com os do Espírito Verdade, atualmente.

Comentário – O Livro dos Espíritos, apesar de trazer como infor-mação que Deus seria a inteligência suprema e a causa primáriade todas as coisas, na questão 10 afirma que não temos comocompreender a natureza íntima de Deus. Nesse sentido, os espíri-tos entrevistados por Kardec sugerem que devemos aceitar queDeus existe e não nos preocupar com nenhum sistema. De certaforma, é a visão de Buda e de Lao-Tsé. Ainda segundo este último,qualquer reflexão sobre o Tao, seja ela sistemática, ativa,contemplativa etc. isola o indivíduo dessa força oculta de toda avida e de toda verdade. E as quatro virtudes, em síntese, vão alémda visão ética de Confúcio, da idéia de que devemos tratar osoutros da forma como gostaríamos que os outros nos tratasse.Essa idéia ainda pressupõe uma concepção particular de Bem que

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gostaríamos de impor aos outros. Lao-Tsé acredita no Bem que játrazemos dentro de nós e que pode ser vivenciado plenamentequando não elaboramos conscientemente metas para a nossa evo-lução. Assim, ao parar de racionalizar, de fazer planos etc. come-çaríamos, realmente, a nos “elevar”. E isso aconteceria natural-mente, sem nos aperceber do processo.

As quatro virtudes formam um programa prático que revela umasimplicidade Franciscana, destituída de doutrinas, rituais e qual-quer tipo de busca exterior, como podemos compreender em umdos ensinamentos de Chuang Tzu, um dos que mais compreen-deu e viveu a Psicosofia de Lao-Tsé: “você só encontrará a felicida-de quando parar de procurá-la”.

Pergunta 05 – Vocês poderiam comentar um pouco mais sobre aconcepção de Deus segundo o Tao Te Ching?

Resposta – A palavra Tao já existia no vocabulário chinês, mas não coma concepção dada a ela no Tao Te Ching. Em muitos contextos, ela pode sertraduzida como “caminho”, mas não neste livro. No Tao Te Ching a tra-dução mais adequada seria Deus. Traduzir a expressão como “caminho”não é suficiente para abarcar todo o significado profundo proposto no texto.O caminho é a prática das virtudes.

Várias passagens podem ser pesquisadas para que vocês compreendam quea referência feita é a Deus, que para os espíritas é a Inteligência Supremae a causa primária de todas as coisas. Assim, temos diversas passagensque nos fornecem indícios precisos, como nos poemas 14 e 32. Portanto,tudo que pode ser compreendido pelo ser humano não é o Tao. O Tao estáalém das formas e das compreensões humanas. Mas é possível entrar emunião com o inominável e invisível Tao através da vivência das quatrovirtudes que estão presentes no poema, todos universais e atemporais.

A prática destas virtudes é a vivência do Tao, ou seja, é o caminho para anossa realização espiritual. E estes poemas deixam claro que o Tao precedee produziu tudo o que há entre o Céu e a Terra, em outras palavras, o Taoé a causa primária de todas as coisas.

Comentário – A visão de Lao-Tsé, como salientamos, é muitodiferente daquela adotada por Confúcio. A própria “realizaçãoespiritual” se não for feita de forma desinteressada e espontânea

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não é a vivência do Tao, mas apenas outra forma de ilusão. E asquatro virtudes, como veremos abaixo, não são regras de compor-tamento. Elas são atitudes, ou seja, ações sentimentais que diferen-ciam o “sábio” dos outros, mesmo quando as ações exteriores deambos sejam as mesmas: o coração do “sábio” está centrado no Taoe não em si mesmo. Assim, quem vive com o coração centrado noTao, abandona a necessidade de querer compreender, julgar ou cri-ticar, pois o que hoje é “bom”, amanhã pode ser considerado “mau”.E aquilo que, por um ponto de vista, é considerado “certo”; poroutro, é considerado “errado”. Com o coração centrado no Tao, osábio simplesmente deixa o Tao operar nele e através dele.

E Deus, neste caso, não seria aquela concepção com a qual estamosacostumados: a de um senhor que pune ou premia de acordo como seu humor. Como afirma o espírito que respondeu a pergunta,não temos como explicar Deus, é preciso apenas saber que eleexiste e é a causa primária de todas as coisas, assim como o Taopara Lao-Tsé.

Pergunta 6 – E o que a espiritualidade pode dizer a respeito das4 virtudes, segundo o Tao Te Ching?

Resposta – Todas elas são direcionadas pelo coração e não pela razão,isso deve ficar claro. Entender cada virtude sem praticá-la não é suficiente.E sua prática se resume ao amor incondicional. Mas esta prática é interiore não exterior. Aparentar vivenciar uma determinada virtude não passade um comportamento meramente formal. No poema 27 temos uma alu-são de como é viver a vida humanizada pela ação do Espírito e não apenasna formalidade do ato exterior.

Comentário – a partir desse momento, os espíritos vão abordarcada uma das virtudes. Faremos nosso comentário após a apre-sentação delas.

O NÃO-LUTAR

A primeira virtude anunciada no livro é o “não-lutar”. Se pensarmos queo sentimento que nutre a Terra em seu estágio de provas e expiações é oegoísmo, podemos compreender que o natural é o ser humano agir commotivações egoístas. Portanto, nossa atitude natural diante dos outros e

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da natureza é a de “lutar” para defender nossas verdades, nossos pontosde vista, nossos valores...

Dentro dessa perspectiva, “não-lutar” significa deixar de responder àsagressões alheias com a mesma face. “Não-lutar” significa dar a outraface à vida, conforme Jesus também ensinou. Ou seja, da mesma formaque a moeda possui sempre duas faces, se alguém vem para cima de vocêcom ódio, colocar em prática o “não-lutar” é dar a ele a outra face: o amor.

O “não-lutar” é exatamente isso. As pessoas agem inconscientemente moti-vadas pelo ódio, pelo orgulho, pela vaidade etc. Todas essas atitudes afas-tam o ser humano do Tao, de Deus. E a prática do “não-lutar” é inverteresse ciclo. É dando sempre a outra face que se pratica o “não-lutar”. Édando amor para todos, inclusive para aqueles que nos ofendem. A oraçãode São Francisco também diz a mesma coisa: perdoar sem ser perdoado,compreender mesmo não sendo compreendido... Esse é o sentido do “não-lutar”. Não importa o que o outro fez ou falou, cabe aquele que diz seguiros ensinamentos de Lao-Tsé ser sempre amoroso. Mas ser amoroso nãoquer dizer ser bobo ou “bonzinho”. Em algumas situações é necessário serenérgico, porém agindo amorosamente e não com ódio. Foi assim que Jesusexpulsou os vendedores do templo. Ele precisou ser enérgico, mas, interior-mente, agiu com a bondade pura de seu coração.

Para uma pessoa que não compreenda o seu significado profundo, “não-lutar” passa uma impressão de passividade, de aceitação de tudo o que nosacontece. Mas, ao contrário, ela exige muita ação, sobretudo interior. Umavez que a nossa tendência como ser humano é a de reagir às agressões domundo de provas e expiações com a revolta, com o desejo de vingança oucom o ódio, é preciso ser muito forte para “não-lutar”.

Por isso o “não-lutar” é uma virtude. Independentemente de qual for suaação exterior, ele é praticado sempre que agimos com paciência, somos in-dulgentes e colocamos em prática o perdão das ofensas. Aliás, no séculoXX, Mahatma Gandhi afirmou que o perdão é a arma dos fortes, já queos fracos não sabem perdoar.

Enfim, para que possamos falar das outras virtudes, vocês sabem o que é acaridade segundo a Doutrina Espírita? Está em O Livro dos Espíritos: éser benevolente, indulgente e perdoar. Ou seja, ser caridoso é praticar o“não-lutar”.

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A NÃO-AÇÃO

A segunda virtude presente no Tao Te Ching é a “não-ação”. Ela é idênti-ca à primeira, porém, não aborda a forma sábia de reagir à ação alheia.Agora, Lao-Tsé nos ensina como devemos agir. Em outras palavras, comodeve ser a nossa iniciativa.

Como salientamos, a tendência do ser humano é agir motivado pelo egoís-mo, o sentimento que nutre os mundos de provas e expiações. Enquantofizermos isso, não viveremos Deus dentro de nós. Porém, quando tomarmosconsciência e, voluntariamente, passarmos a agir de forma naturalmenteamorosa, estaremos colocando em prática a “não-ação”.

Em suma, “não-agir” não é ficar inativo, não fazer nada. Não é ficar debraços cruzados deixando a vida nos levar, mas deixar de pautar a nossaexistência pelo sentimento básico que move a humanidade: o egoísmo.

Não foi por acaso que o Espírito Verdade ensinou Kardec que o maior dosmales da humanidade é justamente o egoísmo. É esse sentimento que preci-sa ser atacado pela raiz e a prática da “não-ação” visa exatamente esseobjetivo. E essa mudança é interior e não exterior. Não adianta fingirparticipar de um ato amoroso enquanto a atitude, a ação sentimental, nãofor amorosa. Até dar um prato de comida para quem precisa pode ser umaação egoísta. Tudo depende da intenção que está por trás de cada ato.

“Não-ação” também traz em si o sentido profundo da palavra abnegação.Nos poemas 13 e 24 encontramos o lirismo de Lao-Tsé exaltando o cami-nho para vencermos as tribulações das vicissitudes humanas e pautarmosnossa existência pela renúncia ao egoísmo, o que significa agir no teatro davida humanizada com desinteresse e humildade.

É por isso que a “não-ação” não pode ser confundida com sujeição à pobre-za ou à servidão. A “não-ação” é sempre interior e não exterior como pode-mos contemplar no poema 67. E ela nos ajuda a ser desapegados na pros-peridade e também pacientes na adversidade.

O NÃO-SABER

A terceira virtude é o “não-saber”. Será que Lao-Tsé queria que todosparassem de estudar ou que se confinassem na ignorância? Obviamenteque não. Acontece que o saber, conforme organizado na Terra, estimula o

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orgulho, a vaidade, a pompa dos títulos acadêmicos e outras coisas queafastam as pessoas de Deus. Lembremos que conhecimento não é sinônimode sabedoria. E Lao-Tsé está se referindo ao conhecimento que mata oespírito por estar limitado apenas à apreensão dos sentidos e à menteconsciente. O conhecimento que nos afasta do Tao é apresentado no poema12 e é ele que precisa ser transcendido. Daí Lao-Tsé ensinar a importânciado “não-saber”.

Para quem quiser viver Deus em seu coração, ele recomenda a prática do“não-saber”. E qual seria o saber que realiza o Tao? Seriam todos quetornam a pessoa mais humilde, mais tolerante, mais amorosa. O sábioestá consciente do seguinte fato: tudo aquilo que percebemos não é o Real.Tudo o que percebemos é manifestação do Tao, mas o importante são asforças que se ocultam por trás dos fenômenos captados pelos sentidos erefletidos pela mente consciente. É por isso que ele afirma que os conheci-mentos humanos não são capazes de atingir a natureza real das coisas,mas são fortes para criar orgulho e vaidade naquele que acha que sabealguma coisa. Não é à toa que encontramos também no Eclesiastes a se-guinte afirmação: “aquele que aumenta sua ciência aumenta sua dor”. Ea essência do “não–saber” pode ser lida no poema 6 quando ele nos exortaa praticar o verdadeiro saber: “o que torna simples o coração”.

O NÃO-DESEJO

E a quarta e última virtude é o “não-desejo”. E Lao-Tsé afirma que nin-guém consegue viver sem desejar. Desejar é algo inerente ao ser humano.Porém, deixando-se guiar pelo instinto, cada um só terá desejos egoístas.Por isso ele ensina o “não-desejo” que nada mais é do que canalizar odesejo para um único objetivo: realizar o Tao, ou seja, vivenciar Deuscotidianamente.

E para fazer isso o roteiro já foi apresentado acima; está na prática dasdemais virtudes: o “não-lutar”, a “não-ação” e o “não-saber”.

Podemos ver que a essência do Tao Te Ching não se choca com osensinamentos de Jesus. Aliás, as quatro virtudes acima estão sempre pre-sentes nos ensinamentos do mestre Galileu.

Como em todas as religiões, o problema é quando o ensinamento deixa deser vivido e em seu lugar os discípulos criam infinitos rituais e dogmas. Os

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ensinamentos presentes no Tao Te Ching são universalistas e atemporais.O livro é um roteiro seguro para quem pretende vencer o mundo de provase expiações. E foi com esse intuito que ele foi escrito.

E como disse Jesus, “seja feita a Vossa vontade”. Ao falar assim estava nosestimulando para a libertação do desejo de conquistar os tesouros que a traçarói, os ladrões roubam e a ferrugem consome. Os objetos de nossos desejos sãocomo miragens que nunca nos satisfazem. Quando conquistamos aquilo quedesejamos, nossa satisfação dura pouco e logo passamos a desejar outracoisa, nos envolvendo em um ciclo vicioso que nos traz apenas sofrimento,ansiedade e preocupação. Mesmo assim, o “não–desejo” não quer dizer quevamos conseguir ficar sem desejar, já que isto é impossível. Mas podemosfazer com que os nossos desejos sejam canalizados para que sejam os mesmosque o do Tao. Em suma, que seja feita a Vossa vontade e não a nossa.

Em outras palavras, o “não-desejo” não quer dizer apatia e nem resigna-ção, no sentido de aceitação passiva de tudo o que acontece, mas umacompreensão ativa de que somente recebemos o que necessitamos e merece-mos, naquele determinado momento de nossa vida humanizada, em fun-ção do que plantamos no passado. Não há decepção quando se pratica o“não-desejo”. Além disso, a simplicidade de coração nos faz amar tudoaquilo que nos acontece ou que faz parte do nosso destino, pois temos acerteza de que não há uma só circunstância, prazerosa ou não, que nãopossua um ensinamento superior para aprendermos.

A prática do “não-desejo” nos leva a agradecer tudo o que o Tao nos dá.Ao compreender que não se vive das circunstâncias materiais, mas daessência que se oculta por trás delas, o nosso único desejo passa a ser abusca por nossa realização espiritual, o que é feito quando praticamos asdemais virtudes, que estão inteiramente integradas.

É por isso que encontramos a caridade na essência do “não-lutar” e da“não-ação” e a humildade e a simplicidade na prática do “não-saber”.Colocar tais virtudes em prática passa a ser o nosso único desejo, comoensina Lao-Tsé no poema 57. Quando os espíritos dizem que fora dacaridade não há salvação, estimulam o “não-desejo”. Ou seja, buscamestimular o espírita a pautar sua vida por um único desejo: a prática daverdadeira caridade (ser benevolente, indulgente e perdoar). Quando asquatro virtudes são colocadas em prática, viver para o espírito ou para oTao deixa de ser uma crença consoladora, tornando-se uma certeza

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indestrutível. Liberto do orgulho e dos tentáculos do egoísmo, a pessoa setorna de fato humilde. Ao chegarmos a esse ponto, podemos dizer que ocaminho, que começou com um pequeno passo, foi, finalmente, percorrido.

Comentário – São muitos os ensinamentos apresentados acima,mas vou começar pela compreensão da impermanência das coi-sas. Os ensinamentos de Lao-Tsé valorizam a aceitação de tudo oque acontece de bom grado, pois tudo que vem do Tao é “bom”. Aluz não existiria sem as trevas, o dentro sem o fora, o alto sem obaixo, o vazio sem a forma etc. E tudo o que acontece ou existeserve para exercitar o que, de fato é importante, por exemplo: apaciência, o desapego, a gratidão etc. Apesar dos inúmeros mos-teiros e eremitérios taoistas, Lao-Tsé não defende o isolamento davida profana. Ao contrário, é dentro dela que o sábio deve vivercom o coração ligado no Tao. Ou seja, observando como ele operana natureza e imitando-o, fazendo o que precisa ser feito, massem fadiga; e sendo útil aos outros, de forma indiscriminada euniversal, sem ressentimento ou discriminação.

Apesar de não encontrarmos reflexões que nos levem a pensar naideia de destino ou fatalidade, nos ensinamentos de Lao-Tsé en-contramos certa analogia com a distinção que existe na línguafrancesa entre as palavras destin e destinée. A primeira se refere aalgo programado para acontecer e a segunda se refere ao comopodemos nos relacionar com o que acontece. Ou seja, podemosusar o que acontece para crescermos ou não. Por exemplo, imagi-nemos um jogo de cartas. Ao distribuir as cartas, um jogadorinexperiente pode pegar as melhores enquanto um jogador maishábil pega as “cartas fracas”. Vamos dizer que essa distribuiçãoseja o destino. Porém, enquanto um recebeu do destino uma “mãoboa” e não sabe o que fazer com ela, o outro recebeu apenas “lixo”e mesmo assim consegue “virar o jogo”. Poderíamos pensar aindano resultado de um instrumento perfeito, com as melhores cordase sonoridade, na mão de um musicista medíocre; nada de agradá-vel será produzido. Porém, um virtuoso violonista é capaz de criaruma bela e melodiosa harmonia mesmo tendo em suas mãos uminstrumento faltando cordas.

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Assim, ser flexível, frugal, desprendido e tranquilo são caracterís-ticas do sábio. E, por isso, ao invés de se preocupar com o queacontece, o taoista vai procurar agir ou reagir diante daquela situ-ação ou fato sem se desligar do Tao: com espontaneidade, man-tendo seu coração sereno e a mente em paz diante de qualquercircunstancia “positiva” ou “negativa”, desapegando-se do que jápassou e não sofrendo ou se angustiando com o desejo de quererque as coisas sejam diferentes do que realmente são.

E no que se refere às virtudes, é importante ressaltar que o contex-to em que aparecem no Tao Te King é bem diferente da visãoconfucionista, voltada para a reforma ou transformação da socie-dade. As virtudes ensinadas por Lao-Tsé servem para reconectar oser humano à simplicidade do Tao, que age sem alarde e sem exi-gir “direitos autorais”. Esse agir desinteressado e benevolente estána essência das virtudes apresentadas acima e rompem com adicotomia presente em algumas práticas psicoterapêuticas contem-porâneas que discutem tipologias comportamentais, classificandoas pessoas em “ativas” e “reativas”. Nestas práticas, considera-se ocomportamento “ativo” como o mais adequado e o comportamen-to “reativo” como algo negativo e que deve ser superado. Porém,como vimos nos ensinamentos sobre o “não-lutar” e a “não-ação”,o importante seria o agir ou o reagir de forma desinteressada ebenevolente, em outras palavras, com o Tao no coração. O agir ou oreagir com egoísmo só afastaria o ser humano do Tao.

E toda essa reflexão parte de uma constatação fácil de compreen-der, mas difícil de colocar em prática: a ideia de que todos nóssomos espíritos sem mácula. Porém, coberta pelas névoas da pai-xão e dos desejos, a maioria das pessoas (espíritos encarnados)passa a vida inteira inconsciente desta realidade. As virtudes ensi-nadas por Lao-Tsé visam redescobrir o tesouro oculto e adormeci-do dentro de cada um e viver a vida humanizada à sua Luz, por-tanto, com equanimidade, serenidade e alegria, não importando oque aconteça.

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CAPÍTULO 2

A PSICOSOFIA DE KRISHNA

EXPLICADA PELOS ESPÍRITOS

A Bhagavad Gita é um pequeno poema, dividido em 18 par-tes, que apresenta, basicamente, quatro grandes ensinamentos:

1. a fé plena em Deus, a inteligência suprema e causa primá-ria de todas as coisas;

2. a lei inexorável do carma regendo todas as nossas ações;3. as três possíveis atitudes humanas diante de qualquer fato; e4. a maneira para libertar-se da roda das encarnações

(samsara), fazendo exatamente o que precisa ser feito, mes-mo que seja lutar em uma guerra e destruir o exército rival.

Para compreender a Psicosofia de Krishna é preciso levar emconsideração o que na Antiguidade se chamava de sapiência e quese processa intuitivamente. Ela produz sabedoria e não conheci-mento, como faz a ciência, uma ação humana fundamentada nointelecto racionalista e em métodos dedutivos. Para muitos, aBhagavad Gita não passa de uma grande “bobagem mística”. Maspara quem aprecia o sabor da sabedoria universal, é um deleitepara a alma que se reencontra, mesmo que seja através dos ele-mentos do próprio ego.

A racionalidade instrumental, que utilizando a própria refe-rência da Bhagavad Gita poderia ser chamada de “rajas”, não écapaz de compreender que o “correto-agir”, ou seja, a maneira de serelacionar com o mundo fenomênico de forma a se libertar dosamsara (ou seja, da roda das encarnações) não está no que é feito,mas no como aquilo foi feito. Por exemplo, parece uma contradiçãoo fato de Arjuna ser incitado por Krishna a lutar e a matar os seuspróprios parentes em uma sangrenta guerra para alcançar sua liber-tação espiritual. Porém, esta será alcançada se ele conseguir agir deforma desinteressada, sem apego ou aversão, sem ódio em seu cora-

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ção e sem se prender aos frutos desse ato material. Ou seja, libertar-se do samsara é passar por uma porta para lá de estreita.

E esse é o desafio de Arjuna, um guerreiro que se encontraentristecido e pensa em desistir de lutar, se entregando ao exércitorival quando descobre que este é formado por seus próprios paren-tes. E, imerso na angústia, implora a Krishna que o ensine o quedeve ou não fazer. E assim tem inicio a Psicosofia de Krishna, ensi-nando ao jovem guerreiro que por mais que tente fugir de sua mis-são, sua natureza interior o impele a agir. E mostrando sua faceterrífica, Krishna mostra a Arjuna que Ele já derrotou o exercitorival e que as mãos do guerreiro serão apenas os instrumentos paraque a ação carmática ocorra. Ou seja, a guerra vai acontecer dequalquer jeito, uma vez que Deus seria a causa primária de todas ascoisas, inclusive das desagradáveis para a ótica humana. Mas Arjunatem o livre-arbítrio para escolher a atitude, ou seja, a ação senti-mental ou interior. Ele pode agir com sabedoria, libertando-se dosamsara, ou não, permanecendo preso à roda das encarnações.

Particularmente, acredito que há muita semelhança entre aPsicosofia de Krishna e a do Espírito Verdade, que fundamenta adoutrina espírita. E é sobre essa possível relação que conversamoscom alguns espíritos em reuniões mediúnicas criadas para esseobjetivo na antiga ONG Círculo de São Francisco, entre os anosde 2003 e 2006.

Pergunta 01 – Vários ensinamentos que estão em O Livro dosEspíritos são similares aos que aparecem na Bhagavad Gita,porém, quase todos os livros espíritas reforçam que o espiritis-mo seria uma filosofia cristã, considerando o espiritismo a “ter-ceira revelação” cósmica, menosprezando, assim, todoensinamento milenar do Oriente, isso não seria um equivoco?

Resposta – se pensarmos com a mentalidade do século XXI, sim; mas noséculo XIX a Europa ainda estava descobrindo as riquezas espirituais doOriente. Mesmo na época de Jesus, muitos dos ensinamentos que ele trans-mitiu e que chegaram até os dias de hoje também são similares aos queaparecem em livros como a Bhagavad Gita, o Tao Te Ching e outros. Eisto porque são ensinamentos universais, transmitidos por verdadeirosavatares, ou seja, enviados de Deus.

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No século XIX, o espiritismo veio trazer um novo alento ao movimentocristão, introduzindo de forma mais enfática a ideia da reencarnação erevalorizando positivamente a mediunidade. Não estranhem se daqui aalguns séculos o Livro dos Espíritos esteja fazendo parte da Bíblia. Osvários livros que compõem a Bíblia foram escritos ao longo do tempo. Dostextos de Moises até o Novo Testamento passaram-se milênios. Assim,quando a ciência comprovar a existência da vida após a morte, a realidadeda comunicação mediúnica e a reencarnação, o movimento cristão sofreráuma grande transformação e o livro de Kardec será lido com outro olhar eaí vocês vão entender porque o espiritismo é considerado a “terceira revela-ção” dentro do movimento cristão, que se inicia com a reforma protestantee tem no mediunismo do século XIX e XX o seu auge. Porém, dentro deuma perspectiva mais ampla, ou mais universalista, obviamente que nãose pode negar a importância e o valor dos ensinamentos orientais, princi-palmente estes que compõem a Bhagavad Gita.

Comentário – O movimento espírita, de forma geral, considera oespiritismo como sendo o “cristianismo redivivo”. Um ex-presi-dente da Federação Espírita Brasileira chegou a escrever que o“espiritismo não é mais uma religião, mas a religião”. Infelizmen-te, essa visão dogmática e exclusivista impede uma compreensãomais holística ou transreligiosa, compreendendo que todos osensinamentos espirituais (Psicosofias) se complementam e que amaior parte dos ensinamentos que compõem a doutrina espíritaesta presente não só no Novo Testamento, mas também, entreoutros, nos ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda. Particular-mente, de todos os ensinamentos espíritas, o único que me pareceoriginal é a afirmação de que antes de encarnar o espírito escolheum gênero de provas, informação que aparece na questão 258 eseguintes de O livro dos Espíritos.

Pergunta 02 – Alguns autores dizem que a Bhagavad Gita estápara o Mahabaratha assim como o Sermão da Montanha estápara a Bíblia. Essa comparação é correta?

Resposta – Sim, estes dois textos formam a essência dos ensinamentosvédicos e cristãos, respectivamente. E os ensinamentos são os mesmos, focandona superação das verdades criadas pelo ego, portanto, das verdades ilusó-rias que prendem o espírito à roda das encarnações até que ele adquira a

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sabedoria que liberta. Podemos inserir neste rol também o Tao Te Ching,de Lao-Tsé.

Comentário – Huberto Rohden, pensador brasileiro criador dafilosofia univérsica também enxerga semelhanças entre os três tex-tos, demonstrando a unidade e o valor universal e atemporal des-tas três grandes Psicosofias. Da mesma forma que a Bíblia não foiescrita de uma única vez, mas reúne diferentes livros escritos emépocas diferentes, muitos até contraditórios, o mesmo aconteceucom o épico Mahabharata. Porém, a essência do cristianismo estáno Sermão da Montanha que guarda muita semelhança com osensinamentos abaixo, presentes no capítulo 04, versículos de 18 a22, da Bhagavad Gita:

18. Quem age sem perder o repouso interno, e quem vê ativi-dade na inatividade – este é um sábio, quer ativo, quer inativo,sempre realiza o seu dever e age corretamente.

19. O seu trabalho é livre da maldição do egoísmo; o seu desejode recompensa foi consumido no fogo do conhecimento sagra-do – este é um santo, porque santo é o espírito que o anima.

20. Não se compraz em nenhum fruto do seu trabalho nem seapega a objeto algum da natureza; habita, sempre sereno, napaz do seu eu, porque sabe que não é ele que age, mesmoquando realiza alguma obra.

21. Não espera lucro e nem receia perda; vive todo em si mes-mo, senhor dos seus sentimentos e pensamentos, enquantoage, rei no reino da alma.

22. Habita puro no meio dos impuros; aceita com serenidadetodos os acontecimentos; nenhuma adversidade o abate, ne-nhuma prosperidade o exalta; ele é sempre o mesmo.

No texto acima e no Sermão da Montanha, não encontramos umainfinidade de fatos ou de informações, mas ensinamentos univer-sais que originam uma verdadeira Psicosofia inspirada pela sapiên-cia divina e que ciência humana nenhuma é capaz de compreenderracionalmente, pois a singeleza e “pobreza de espírito” da BhagavadGita e do Sermão da Montanha ferem a lógica do ego humano.

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Pergunta 03 – A grande polêmica que envolve a Bhagavad Gitaestá no fato de Krishna estimular Arjuna a lutar e derrotar seusinimigos, no caso, seus próprios parentes. Para alguns, este fatomostraria uma apologia da violência e não da paz. Outros, pen-sando nisso, não aceitam a leitura literal, afirmando que se tra-ta de uma simbologia, de um diálogo figurado entre o ego, re-presentado por Arjuna, e o Espírito, representado por Krishna.Assim a ênfase seria a luta contra o ego, ferindo-o, matando-o.Qual das duas é a correta?

Resposta – as duas interpretações são corretas. Podemos tomar o texto deforma figurada, entendendo como um diálogo libertador entre o ego e oEspírito, mas também no sentido literal, desde que compreendamos o textocomo um todo, não parando em um parágrafo específico.

Quando Krishna diz para Arjuna lutar e derrotar os seus inimigos, elecontextualiza a questão, mostrando que a atitude é que importa e não o fatoem si. E esse mesmo ensinamento é ensinado para Kardec, quando o EspíritoVerdade afirma que Deus julga a intenção e não os fatos (questão 747 eoutras de O Livro dos Espíritos). Além disso, Krishna ensina a lei do carma,mostrando que cada um precisa passar por determinadas situações e queDeus é a causa primária de todas as coisas, inclusive das terríficas.

Ele mostra para Arjuna que os inimigos já foram mortos e que os braços doguerreiro são apenas os instrumentos (“O meu poder já derrotou o inimi-go – seja o teu braço apenas o instrumento do meu poder” – capítulo 11,versículo 34) que utilizará para realizar a ação carmática daquele grupo.

Porém, após ensinar sobre a fatalidade, ou seja, de que ninguém consegueficar sem agir, pois todos são compelidos para fazer o que precisa ser feito,Krishna vai ensinar a Arjuna qual deve ser a atitude correta, já que, dofato em si, ele não tem como escapar por ser um guerreiro e agir de acordocom sua natureza interior guerreira.

E vocês podem encontrar o mesmo ensinamento em O Livro dos Espíritos,no resumo teórico da motivação das ações do homem, no capítulo X, dolivro III. Aqui, é possível notar que Kardec compreendeu que o livre-arbí-trio foi exercido antes da encarnação e que existe a fatalidade, não comoacaso ou questão de sorte ou azar. A fatalidade está nos acontecimentosque se apresentam, mas jamais nos atos da vida moral. Assim, é na esco-lha da atitude com a qual vai lutar que está o livre-arbítrio de Arjuna. Ele

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não tem como fugir do combate; sua própria natureza o levará a lutar e, nocaso, exterminar o exército rival.

Aqui também podemos encontrar relação com os ensinamentos do EspíritoVerdade. Como ensina Kardec, é na morte que estamos absolutamente sub-metidos à fatalidade, pois não temos como fugir do gênero de morte que deveinterromper uma encarnação. Assim, seja por prova ou expiação, os parentesde Arjuna precisavam morrer em um combate. Portanto, eles não têm comoescapar dessa fatalidade. E a guerra, como também explica o Espírito Verda-de, é necessária para o progresso e para a liberdade humana (questão 742 eseguintes de O Livro dos Espíritos). Um dia ela acabará sobre a Terra, masenquanto for necessária, fará parte dos objetivos da Providência.

Comentário – No capítulo 01 do livro, encontramos Arjuna an-gustiado e sofrendo por não querer lutar. Ele diz que prefere mor-rer a matar seus parentes. Nesse momento, podemos dizer queArjuna ainda pensa como ser humano e não como um Espíritoeterno. No capítulo 02, Krishna vai mostrar a ele que o Espíritonão morre e não é afetado pela matéria e ensina, nos capítulosseguintes, que o verdadeiro sábio age sempre com equanimidade,sem perder a paz interior e sem apego ou aversão a absolutamentenada do que acontece no mundo fenomênico, e faz o que tem quefazer sem se prender aos frutos de sua ação.

Os versículos de 12 a 15 e os de 22 a 27, do segundo capítulo, sãoelucidativos a esse respeito:

12. Nunca houve tempo em que eu não existisse, nem tu, nemalgum desses príncipes – nem jamais haverá tempo em quealgum de nós deixe de existir em seu Ser real.13. O verdadeiro Ser vive sempre. Assim como a alma incor-porada experimenta infância, maturidade e velhice dentro domesmo corpo, assim passa também de corpo a corpo – sabemos iluminados e não se entristecem.14. Quando os sentidos estão identificados com objetos sen-sórios, experimentam sensações de calor e de frio, de prazer ede sofrimento – estas coisas vêm e vão; são temporárias porsua própria natureza. Suporta-as com paciência!15. Mas quem permanece sereno e imperturbável no meio doprazer e do sofrimento, somente esse é que atinge a imortalidade.

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22. Assim como o homem se despoja de uma roupa gasta eveste roupa nova, assim também a alma incorporada se despo-ja de corpos gastos e veste corpos novos.23. Armas não ferem o Eu, fogo não o queima, águas não omolham, ventos não o ressecam.24. O Eu não pode ser ferido nem queimado; não pode sermolhado nem ressecado – ele é imortal; não se move nem émovido, e permeia todas as coisas – o Eu é eterno.25. Para além dos sentidos, para além da mente, para alémdos efeitos da dualidade habita o Eu. Pelo que, sabendo quetal é o Eu, por que te entregas à tristeza ó Arjuna?26. Se o ego está sujeito às vicissitudes de nascer e morrer,nem por isto deves entristecer-te, ó Arjuna.27. Inevitável é a morte para os que nascem; todo morrer éum nascer – pelo que, não deves entristecer-te por causa doinevitável.

Procurando ensinar a Arjuna a diferença entre o Espírito e o ego,Krishna demonstra que não há motivo para sofrer, pois somente oego se alimenta dos frutos doces e azedos da árvore da vida, ouseja, passa por vicissitudes. E, entre os capítulos 07 e 13, demons-tra a lei de causa e efeito em ação, ensinando que Deus é a causaprimária de todas as coisas, tanto das “boas” como das “más”, das“criações” e das “destruições”. Enfim, nada aconteceria sem a per-missão de Deus, inclusive as guerras. Tudo estaria em Deus. Masnão se trata de uma visão panteísta, que confunde Deus com acriação, mas uma concepção “panenteísta”, ou seja, que Deus,por sua onipresença estaria em todas as coisas, mas, ao mesmotempo, não se confunde com as coisas criadas, transcendendo-as,como podemos compreender na fala de Krishna no versículo 12,do capítulo 07:

12. Entende que de Mim procedem todas as coisas – consciência,energia e matéria; Eu não estou nelas, mas elas estão em Mim.

Mahatama Gandhi, considerado por muitos o hindu mais cristãodo século XX, também costumava dizer que Deus estava tanto nobisturi de um médico que salva uma vida, como na arma de um

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bandido que tira a vida de alguém. E, apesar do médico usar seubisturi e o bandido a sua arma com objetivos distintos, quem, defato, salvaria ou tiraria uma vida seria sempre Deus. Tendo essasapiência foi capaz de perdoar e pediu aos hindus que perdoassemo que atirou nele, pois sabia que ele foi apenas o instrumento parao seu desencarne, na hora certa e da forma como tinha que ser.

Além da fatalidade nos atos materiais, Krishna ensina a Arjunaque ninguém vive sem agir, pois a própria natureza interna decada um nos compele a agir. E, nos capítulos finais, do 14 ao 17,apresenta as três atitudes que podem motivar nossos atos: “sattva”,“rajas” e “tamas”. Após compreender todo o ensinamento e seintegrar à consciência de Krishna, no capítulo 18, encerrando olivro, Arjuna finalmente decide cumprir sua missão:

73. Tudo compreendi, Senhor dos céus! Desertou de mim atristeza; tua graça iluminou o meu coração e transfigurou aminha alma. Dissiparam-se as dúvidas; resplandece clara averdade – e farei o que o teu verbo me mandou.

Pergunta 04 – Seria possível nos explicar a diferença entre astrês atitudes ensinadas por Krishna: sattva, rajas e tamas? Háalgum ensinamento similar na doutrina espírita?

Resposta – Podemos dizer que se integra a Deus o que supera as três,portanto, estando para além do “bem” e do “mal”, do “vício” e da “virtu-de”. Essas três atitudes demonstram estágios diferentes de evolução e osábio é aquele que consegue compreender que ninguém pode agir diferente-mente de sua natureza. Você não pode esperar de um espírito que estáiniciando suas encarnações como ser humano que tenha os mesmos interes-ses e desejos daquele espírito experiente, que já passou por muitasencarnações. Por isso, de forma geral, nas primeiras encarnações do Espí-rito em um mundo de provas e expiações, que é aquele onde funciona a leido carma, ou seja, onde cada um colhe o que semeia, sua natureza pode serchamada de “tamas”. Quem tem essa natureza fundamenta suas açõesapenas na busca do prazer sensorial. No plano religioso, é apegado àssuperstições. Todas as ações desse Espírito ignorante, que está dando osseus primeiros passos rumo a sua purificação são motivadas por “tamas”.

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Depois de várias encarnações, quase todas compulsórias; de muitas vicissi-tudes positivas e negativas, mas sempre pautadas pela inexorável lei decausa e efeito; começa a despertar a consciência deste Espírito. Neste estágio,podemos dizer que a natureza dele agora é outra e pode ser identificada como“rajas”. O intelecto já começa a se desenvolver e ele já faz escolhas racionais.Ele já consegue pesar suas ações e, em alguns casos, começa a praticar o“bem”, mas de forma interessada, pensando apenas nos benefícios que pode-rá adquirir com a sua ação, que pode ser um retorno material ou até mesmoespiritual, como uma melhor condição no mundo espiritual. Vejam a questão897 de O Livro dos espíritos. Estamos diante do mesmo ensinamento:

Questão 897 – aquele que faz o bem, não em vista de umarecompensa sobre a Terra, mas na esperança de que lhe serálevado em conta na outra vida, e que sua posição ali será tantomelhor, é repreensível, e esse pensamento lhe prejudica o adian-tamento?Resposta – É preciso fazer o bem por caridade, quer dizer,com desinteresse.

E quem faz o bem por caridade, por desinteresse é aquele que já possui aterceira natureza apresentada por Krishna: “sattva”. Das três, podemosdizer que esta é a mais “evoluída”, é a mais espiritual, pois a pessoa jáconsegue agir desinteressadamente. Não espera nada em troca. A pessoaque age motivada por sua natureza “sattva” distingue o “bem” e o “mal”,o “certo” e o “errado” e escolheu o lado em que vai atuar. Mas estamosfalando de atitude, de ação interior ou sentimental e não de comportamen-to. Por exemplo, quando Jesus expulsou os vendedores do templo agiu deforma enérgica, assustando a todos. Porém, interiormente, agiu através desua natureza “sattva”, tendo plena consciência de estar servindo a Deus eamando aqueles vendedores, que só seriam tocados ou despertados por umaação mais enérgica e enfática.

Não seria passando a mão na cabeça dos vendedores que o problema aliseria resolvido. O caso de Arjuna é similar. Se ele lutar motivado por“tamas”, sua motivação será o ódio e/ou a ignorância; se lutar motivadopor “rajás”, sua motivação será conseguir algum benefício material ouespiritual. Mas se lutar motivado por “sattva”, será um mero instrumentonas mãos de Deus, o “servo inútil” como se refere Jesus.

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E por que dissemos inicialmente que as três naturezas devem ser supera-das? Por que é muito comum encontrar pessoas cujo ego lhes diz que possu-em natureza “sattva” julgando e classificando como “errados” os que esta-riam nas outras naturezas, não entendendo ainda que a natureza não dásaltos e ninguém pode agir contrariando sua natureza interior. Essa é umaartimanha do ego para ludibriar aqueles que acham que são “evoluídos”.Mas quem supera as três naturezas é capaz de amar incondicionalmente ejamais vai esperar que alguém que age motivado por “tamas” faça algodiferente daquilo que sua natureza está apta a realizar. Além disso, a açãode todos é guiada sempre por Deus, pois como o Espírito Verdade ensinana questão 964, Deus tem leis que regulam todas as nossas ações e quan-do as violamos, sofremos as consequências delas. É assim que a lei docarma funciona. Portanto, sempre vamos colher o que semeamos. Colhen-do os frutos do egoísmo, cada espírito vai lapidando sua alma eterna esuperando cada estágio até integrar-se plenamente em Deus, encontrando-se para além do “bem” e do “mal”, do “certo” e do “errado”, servindoapenas como instrumento da Vontade divina, como meros “servos inúteis”.

E quais seriam os ensinamentos do Espírito Verdade que abordam essetema? São vários, mas vamos nos concentrar naqueles presentes nas ques-tões 655, 672, 736 e 745:

Questão 655 – é repreensível praticar uma religião à qual não secrê no fundo de sua alma, quando se faz isso por respeito huma-no, e para não escandalizar aqueles que pensam de outra forma?Resposta – A intenção, nisso como em muitas outras coisas, éa regra. Aquele que não tem em vista senão o respeito às cren-ças alheias, não faz mal. Ele faz melhor do que aquele que asridicularizasse, porque faltaria à caridade. Mas aquele que apratica por interesse e ambição é desprezível aos olhos de Deuse dos homens. Deus não pode ter por agradáveis aqueles queaparentam se humilhar diante dele apenas para atrair a apro-vação dos homens.

Questão 672 – A oferenda que se faz a Deus de frutos da Terratem mais mérito aos seus olhos que o sacrifício de animais?Resposta – Eu já vos respondi dizendo que Deus julgava aintenção e que o fato tinha pouca importância para ele. (...)Repito que a intenção é tudo e o fato nada.

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Questão 736 – Os povos que possuem em excesso o escrúpu-lo relativo à destruição dos animais têm um mérito particular?Resposta – é um excesso num sentimento louvável por si mes-mo, mas que se torna abusivo e cujo mérito é neutralizadopelo abuso de bens de outras espécies. Há entre eles mais demedo supersticioso do que verdadeira bondade.

Questão 745 – quem pensar daquele que suscita a guerra emseu proveito?Resposta – este é o verdadeiro culpado e precisará de muitasexistências para expiar todos os homicídios dos quais foi acausa, porque responderá pelo homem, cada um deles, ao qualcausou a morte para satisfazer sua ambição.

Na questão 655, temos um exemplo de ação motivada pela natureza “rajas”.A pessoa pratica uma determinada religião por interesse e ambição. Já naquestão 672, o Espírito Verdade volta a ressaltar que o importante é aintenção. E isso vale para qualquer atividade. Por sua vez, na questão 736,a verdadeira bondade pelos animais é de natureza “sattva”, mas, no casocomentado, é o medo supersticioso que leva ao excrúpulo relativo à destruiçãodos animais, logo, a natureza presente nesta ação é “tamas”.

Por fim, temos a questão 745 que tem muita relação com o tema discutidona Bhagavad Gita. Ao contrário de Arjuna que resolve lutar sem ambi-ção, apenas para ser o instrumento de Deus, ou seja, ser o instrumentocarmático da destruição do exército rival, no exemplo acima alguém suscitauma guerra para satisfazer sua própria ambição. Ele também será instru-mento, pois sua ação será guiada por Deus, mas ele se compromete com alei do carma, precisando de várias encarnações para expiar, como afirma oEspírito Verdade. No caso, sua ação pode ter como base uma natureza“tamas”, se motivada pelo ódio por outro grupo étnico, por exemplo; oucomo “rajas”, se age pensando nos benefícios econômicos ou políticos quepoderá alcançar com a guerra.

Comentário – Uma frase muito comum no meio espiritista é “forada caridade não há salvação”. Ela sempre me incomodou, pois,apesar de O livro dos espíritos ensinar que a caridade não temrelação com a esmola e que o ser caridoso é aquele que é benevo-lente, indulgente e que perdoa todas as ofensas, fazendo o “bem”

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desinteressadamente, ela me parece uma frase típica da natureza“rajas”. Ou seja, a pessoa, com o desejo de se salvar, vai procurarser caridoso. Suas ações são calculadas para obter um resultado: a“salvação”.

E muitas vezes não é nem a vontade de ser salvo, mas o alívio deuma dor de cabeça ou de qualquer outro mal-estar. É o que mui-tos passistas comentam. Dizem que só frequentam um centro es-pírita e trabalham com o “passe” para não sentirem dor, para nãopassarem mal, pois alguém disse que se não fizessem isso, sofreri-am. Assim, buscam algo em troca para fazer o “bem”. Mas comodisse o espírito na resposta acima, não devemos julgar, pois nin-guém é capaz de agir de forma diferente àquela manifestada porsua natureza interior. Porém, constatar um fato e tirar dele algumproveito, não é julgamento.

E quando compreendemos que nos mundos de provas e expiaçõescomo ainda é a Terra encarnam espíritos dos mais variados estági-os evolutivos, mas que todos são instrumentos de Deus, conse-guimos viver com equanimidade, não sofrendo nem nos momen-tos de atribulações e nem ficando eufórico naqueles que nos sãoagradáveis.

Quanto à fatalidade nos atos materiais, Krishna revela o futuropara Arjuna, mostrando que os seus inimigos já foram mortos porEle e que a mão de Arjuna só será o instrumento. Enfim, podemosentender nesse poema épico que os Espíritos que estavam encar-nados como seus parentes precisavam, pela lei de causa e efeito,desencarnar lutando. E mesmo que Arjuna tentasse fugir da luta,sua natureza de guerreiro o levaria a agir. E sua intenção inicial denão-agir é tão negativa quanto a ação interessada, que se prendeaos frutos do trabalho. Somente quando Arjuna compreende oensinamento de Krishna, aceita lutar e realizar sua missão sendoum instrumento consciente da ação de Deus.

E no que se refere ao estudo das atitudes, podemos dizer queaquele que possui a natureza “tamas”, tem mais probabilidade de“fazer o mal pelo mal”, ou seja, ser escolhido para ser o instru-mento de uma ação carmática negativa, pois vive apenas para sua

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própria satisfação sensorial. Vamos dizer que seja o caso de ummotorista que, por mais campanhas educativas realizadas, insisteem dirigir embriagado e corre o risco de ser escolhido para provo-car um acidente necessário para o desencarne de alguns Espíritos.

Por outro lado, até aquele que age segundo sua natureza “rajas”,ou seja, calculando o ganho que vai ter com determinados atos,também será um instrumento. Eu me lembro de quando estava nagraduação e fiz vários cursos sobre questão ambiental. Neles, eracomum encontrar professores dizendo que esta área seria a quemais daria dinheiro no século XXI. Muitos não estavam nem aípara a preservação ou conservação ambiental; a preocupação eraapenas com o dinheiro que poderiam ganhar criando tecnologiasmenos impactantes, prestando assessoria para prefeituras etc. Nesteexemplo, mesmo que a natureza da ação seja “rajas”, ou seja, inte-ressada, a ação dessas pessoas será guiada por Deus para que hajaa preservação do que deve ser preservado.

Outro fenômeno que possui natureza “rajas” é o Marketing soci-al. A empresa faz alguma ajuda social para obter benefícios, sejapagar menos impostos ou passar uma imagem de “boazinha” paraa sociedade e com isso ganhar mais clientes etc. Enfim, até aqueleque age através de sua natureza “rajas” pode ser o escolhido para“fazer o bem através do mal”, ou seja, pode ser o instrumentoescolhido para criar algo benéfico para a sociedade ou para curaruma pessoa que mereça ter uma enfermidade tratada, mesmo queaja com a intenção de receber determinados benefícios, nem queseja o de ser “salvo” espiritualmente.

Por fim, quem já possui uma natureza “sattva” tende a ser o esco-lhido para “fazer o bem pelo bem”, mesmo que este “bem” sejalutar em uma guerra sangrenta e ser o instrumento para odesencarne de vários espíritos, como no caso de Arjuna. O impor-tante é que a pessoa que possui a natureza “sattva” é semprecompelida a servir de forma desinteressada e benevolente.

Existe uma história taoísta muito interessante a respeito da bene-volência. Confúcio estava fazendo uma preleção sobre a benevo-lência quando Lao-Tsé se aproxima bêbado e começa a fazer pa-

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lhaçada, atrapalhando sua palestra. Confúcio se revolta e com ódioparte para cima daquele para agredi-lo. Nesse momento Lao-Tsécomenta que a benevolência deve ser colocada em prática em todasas circunstâncias, inclusive com aqueles que pensam de forma dife-rente ou não fazem o que achamos certo. Nesse momento, Confúciopercebe que caiu em mais uma das armadilhas do mestre taoista, aoficar com ódio das traquinices daquele sábio chinês.

Por isso não adianta sair dizendo que se possui uma natureza“Sattva”, que é uma pessoa “evoluída” etc. Normalmente, quemafirma isso são os que mais estão presos às artimanhas do ego.Para estar integrado em Deus é preciso se colocar acima da “virtu-de” e do “vício”, do “bem” e do “mal”. Aquele que afirma ter umanatureza “sattva”, mas que ainda costuma julgar como “errados”quem comete assassinatos, estupros e outras ações não virtuosas,ainda não é tão benevolente como imagina, pois ainda precisacompreender que até aqueles que ele julga como “errados” agemde acordo com a sua natureza interior e também são instrumen-tos da justiça divina, pois suas ações também são guiadas pela leide causa e efeito, mesmo que pelas leis humanas tenham que irpara a cadeia. E no caso de ter que ser enérgico com alguém, queessa ação seja, interiormente, também amorosa e desinteressada.

E para quem se preocupa com a justiça, reproduzo a fala de umExu em um trabalho mediúnico, “O que hoje estupra, amanhã éestuprado e assim a roda do carma gira até o espírito aprender afazer ao outro apenas o que ele gostaria que o outro fizesse a ele”.E a justiça divina sempre é acompanhada pela misericórdia divi-na, como em um fato narrado por uma ex-trabalhadora do proje-to Homospiritualis. Ela trabalha como terapeuta ocupacional emum hospital em uma cidade do interior do estado de São Paulo,quase divisa com Minas Gerais, e é médium vidente. Em certodia, deu entrada no hospital uma criança de três anos de idadecom o corpo quase todo queimado. Ela ficou revoltada e pensou:“como Deus permite que uma criança sofra desse jeito!” E nahora a vidência dela se abriu e ela passou a ver um navio carrega-do de escravos e um homem que devia ser um feitor maltratandoe chegando a jogar no mar os doentes. Ela percebeu que o Espírito

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que animava a criança queimada era o mesmo que no passadoagia com ódio e crueldade com os negros trazidos para o Brasil.Com essa compreensão, parou de julgar Deus e se restringiu aoseu trabalho, procurando tratar com amor e carinho aquela crian-ça queimada.

Apesar de ter que expiar os “erros” do passado, a misericórdiadivina não abandonou este Espírito que, por estar agora ligado aocorpo de uma criança inocente, recebeu todo o amor necessáriopara aliviar sua dor.

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CAPÍTULO 3

A PSICOSOFIA DE BUDA

EXPLICADA PELOS ESPÍRITOS

Neste capítulo vamos apresentar a opinião dos espíritos queentrevistamos, entre os anos de 2005 e 2008, constituindo um di-álogo muito rico sobre os ensinamentos espirituais de Buda. Asentrevistas versaram sobre o livro Darmapada, que reúne os ser-mões curtos de Buda e é considerado o mais conhecido e importan-te documento sobre o darma, ou seja, os ensinamentos para a supe-ração do sofrimento e a vivência da felicidade plena ainda na Terra.

Segundo Fernando C. Garcia, tradutor do livro do páli para oportuguês, Buda revolucionou os costumes de sua época. Nãovalorizou a hierarquia das castas, ressaltando que são as boas açõesque importam e não o nascimento. Também contestou o valordos sacrifícios e os rituais de purificação praticados pelos brâmanes(sacerdotes), afirmando que cada um deve se purificar através darenovação de sua própria mente.

Buda viveu, segundo os historiadores do budismo, 80 anos esua busca espiritual teve início aos 29 anos de idade, quando aban-donou a família e o luxo do palácio real para levar uma vida deasceta, fato que durou 6 anos. Com o seu “despertar”, intuiu queos dois extremos não eram capazes de acabar com o sofrimento epassou a ensinar o caminho do meio, composto por oito nobrescaminhos, que, além de acabar com o sofrimento, ainda em vida,seriam importantes para deixar a roda das encarnações (samsara).

O caminho ensinado por Buda é prático e não especulativo.Não pode ser chamado de religião e não se fundamenta na fé. Aessência de sua Psicosofia está em compreender a lei do carma,que considera uma lei natural, e não está fundamentada em atos,mas em intenções. A intenção precede o sentir ou o agir, portanto,os atos já seriam frutos do carma e não o carma em si. Em suma,

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o carma, para Buda, é a somatória das atitudes mentais. O domí-nio da mente seria o caminho para o dominar e, consequentemente,acabar com o sofrimento.

Muitos afirmam que o budismo seria ateu, mas há indíciosque Buda acreditava em Deus, mas não necessariamente comoum homem autoritário e punitivo, que distribui castigos e benessesde acordo com o seu humor. Pela meditação, parece que ele reco-nheceu a existência de Deus e dos espíritos, mas não se preocu-pou com isso, nem mesmo em relacionar-se com eles. Sua metaera pragmática, ensinar o caminho para quem tivesse interesse emlibertar-se do samsara e do sofrimento.

Buda chegou a afirmar que havia uma grande diferença entreo que ensinava e o que realmente sabia. O que ele ensinava eraalgo como algumas folhas em sua mão. Mas o que ele sabia seassemelhava as folhas em uma árvore. Por isso, o fato de acreditarque para se libertar do sofrimento não é necessário acreditar naexistência de Deus, não significa que ele fosse ateu. Para ele, asespeculações religiosas não tornam as pessoas mais felizes, daí suaênfase apenas na prática do darma, ou seja, vivendo neste mundosem apegos ou aversões, e acolhendo os frutos do carma com pazinterior. Em suma, participar no cenário da vida humanizada coma consciência desperta.

Os espíritos com quem conversamos nos mostraram a grandesemelhança entre os ensinamentos de Buda, contidos no Darmapadae os ensinamentos do Espírito Verdade, presentes em O livro dosespíritos, principalmente, no capítulo XII, do livro três, como noitem chamado “caracteres do homem de bem” e, também, no livroquatro, no item “Felicidade e Infelicidade relativas”.

Pergunta 01 – Em sua opinião, qual é a essência dos ensinamentos deBuda e por que ela seria universal e atemporal?

Resposta – A essência de seu ensinamento é que podemos viver plena-mente felizes e sem condicionar a nossa felicidade a nada que aconteça nomundo. Muitos interpretam que ele só fala no sofrimento, como se fosse umensinamento negativista. Ao contrário, ele vai demonstrar empiricamentecomo podemos vivenciar a vida humanizada do espírito sem perder a paz

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interior. Em seu primeiro sermão abordou as “quatro nobres verdades”, funda-mentais para compreender e colocar em prática todo o seu ensinamento, elivrar-se do sofrimento. E esse caminho pode ser praticado por qualquer pessoa,em qualquer contexto cultural e época, pelo menos nos “mundos de provas eexpiações”. Ele seria universal para o contexto espiritual em que estamos inse-ridos no momento e não necessariamente para os mundos já regenerados.

– E quais seriam essas “quatro nobres verdades”?

Resposta – A primeira é que o sofrimento existe; isso não pode ser nega-do. A segunda é a consciência das raízes do sofrimento. A terceira é que osofrimento pode deixar de ser gerado quando cortamos essas raízes e, aquarta, é percorrer o caminho que conduz ao fim de todo sofrimento. Quandocompreendemos e colocamos em prática as quatro nobres verdades, acabamas percepções individualistas e passamos a viver feliz, sem condicionarnossa felicidade a nada que gera sofrimento.

– mas isso não seria uma utopia? Como colocar em prática es-sas verdades?

Resposta – o primeiro passo é constatar que se sofre e compreender quefelicidade não é prazer nem euforia. O ser humanizado confunde felicidadecom prazer, por isso quando tem algum desejo realizado acredita que ficoufeliz, mas apenas obteve uma satisfação individual, sentiu um prazer mo-mentâneo. A felicidade é sempre Universal e é vivenciada quando noslibertamos das verdades criadas pelos “cinco agregados”, que são as formasmateriais, as sensações, as percepções criadas pelos sentidos, as formaçõesmentais (pensamentos) e a memória (consciência). Pense em um torcedorde futebol eufórico com a vitória do seu time. Vocês chamam isso de felici-dade, mas para ele sentir prazer o torcedor do time derrotado sentiudesprazer. O sentimento que ele teve ao ver o time ser campeão não éuniversal, pois depende do sentimento de desprazer de outro ser humanizado.A alegria contém a semente da tristeza, o prazer contém a semente dodesprazer. Mas, a felicidade, enquanto um estado de paz interior ou comorealização plena do nirvana, está além dessas dicotomias humanas.

Comentário – No primeiro sermão atribuído a Buda, facilmenteachado na internet, ele aborda as “quatro nobres verdades” e oscinco “candas”, que o espírito entrevistado chamou de “agrega-dos”. Mas, ao contrário de algumas correntes budistas que não

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acreditam em uma essência anímica, ou seja, na existência do Es-pírito ou de uma individualidade que sobreviva à morte, afirman-do que acreditar nessa possibilidade é uma ilusão criada pelo quarto“canda”, o provável Espírito que entrevistamos, afirma que osagregados formam o ego, uma espécie de consciência provisóriaque não pertence ao Espírito eterno, à individualidade, mas que oilude enquanto se encontra encarnado. Ou seja, o nosso entrevis-tado apresenta uma interpretação mais próxima da visão hinduístae espírita e não daquela mais comum no movimento budista queacredita que o carma renasce em outro corpo, mas não o Espírito.

Porém, no que se refere às quatro nobres verdades, o nosso entre-vistado não questiona a interpretação corrente no movimentobudista que consiste, primeiramente, em aceitar que o sofrimentoexiste, mas que não é eterno, como pensa o bramanismo. Em se-guida, compreende como ele aparece: através dos desejos. E nosversos do Darmapada, Buda não se refere somente ao desejo porcoisas materiais, poder, riqueza, pessoas, prazeres sensuais, mastambém por ideias, pontos de vista, teorias, crenças etc. Em suma,o sofrimento tem raízes no apego e também na aversão pelos bensmateriais, sentimentais e culturais.

É importante ressaltar que o apego e a aversão são faces de umamesma moeda. Se apegar ou manifestar aversão aos bens materi-ais, por exemplo, causa sofrimento. Vou dar um exemplo, recente-mente em uma lista de discussão espiritista na internet, posteium vídeo em que o preto-velho pai Joaquim de Aruanda comentasobre as raízes do sofrimento e uma pessoa comentou que Jesusera mais “evoluído” do que Buda porque este aceitava convitepara pernoitar em castelos enquanto Jesus não. E eu respondi queBuda ensinava a não ter apego e nem aversão a nada. Assim, dor-mir em uma praça com a cabeça sobre uma pedra ou em um caste-lo em uma cama feita de ouro tinha o mesmo valor. O importanteseria manter a equanimidade diante das situações favoráveis oudesfavoráveis. Se ele demonstrasse aversão à riqueza, não acei-tando um convite para dormir em um castelo, seria igual aos asce-tas com os quais conviveu durante seis anos e percebeu que aatitude extrema de fugir do mundo também não era o caminhopara se libertar do sofrimento e do samsara.

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Mas é importante sempre ressaltar que o importante não é o atoem si, mas o desejo (a intenção), pois ele seria o responsável pelapermanência no samsara, vivenciando ciclos de nascimentos emortes. Não ter apego ou aversão é não desejar nada, mas aceitarde bom grado tudo o que o carma trouxer na forma de aconteci-mentos ou atos. Mantendo a equanimidade diante dos fatos eprocurando sempre ser benevolente com todos os seres sencientesnão haveria mais “carmas” e a necessidade de renascimentos.

Porém, como já foi salientado acima, para alguns movimentos bu-distas, como é o caso da escola Theravada, não existe o “espírito”ou uma individualidade que reencarna. Essa ideia, presente nohinduísmo, seria fruto do quarto canda (formações mentais). Paraestas escolas budistas o que renasce é o carma, fruto da vontade,das intenções e do desejo. Essa força energética que moveria o mundonão seria destruída com a morte do corpo físico e renasceria emoutro corpo. Uma imagem que a escola Theravada utiliza para ex-plicar essa interpretação é a de uma vela que está se consumindopelo calor da chama. Se aproximarmos esta do pavio de outra velaintacta, o pavio vai se acender e terá inicio um novo processo, coma vela passando a derreter. Nesta imagem, não podemos dizer queuma vela é fruto da anterior, porém, a segunda, foi acesa com amesma chama que queimava a outra. A chama é que teve origemna anterior, podendo-se dizer que herdou o carma da outra.

Através desta imagem, a escola Theravada ensina que cada velarepresentaria um corpo físico e o carma seria a “chama” que migrade uma para outra vela. Ou seja, o carma (somatória das atitudesmentais) é que migraria entre corpos que morrem e nascem, sem anecessidade de existir uma individualidade, um espírito eterno ouuma alma como acreditamos no Ocidente. Porém, outras escolasbudistas aceitam a existência do espírito e chegam a afirmar queeste pode, inclusive, encarnar em mais de um corpo ao mesmotempo, como aparece no filme o pequeno Buda, dirigido porBernardo Bertolucci, em que a espírito de um antigo lama tibetanoreencarna em três crianças simultaneamente.

A interpretação poderia ser outra se pensássemos a chama da velacomo sendo uma alma que traz o registro carmático impregnado

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nela e que, ao migrar de um para outro corpo, colhe asconsequências boas, más ou neutras das intenções anteriores. Ouseja, a chama da vela também poderia representar uma individua-lidade que luta para se purificar do ego. Neste caso, existiria areencarnação de espíritos e não uma simples transmigração docarma, como ensina a escola Theravada.

Porém, esta questão já faz parte das especulações das quais o Budanão queria se envolver. Talvez, por isso, não aprofundou o assun-to porque, Independentemente de existir uma individualidade queencarna ou apenas a transmigração do carma entre corpos, o im-portante, em seus ensinamentos, é que os acontecimentos sempreseriam justos, com cada um colhendo no presente o que plantouno passado e, ao mesmo tempo, tendo a oportunidade de escolhero que semear para a sua próxima colheita. Assim, tanto os queacreditam na existência de uma individualidade e os que não acre-ditam não precisariam se engalfinhar, restringindo-se à prática dodarma.

Particularmente, acho pouco provável que Buda não acreditassena existência de uma individualidade que pré-existe e sobrevive àmorte física. E isso vai ficando cada vez mais evidente quando, naterceira nobre verdade, encontramos o ensinamento sobre o quedeve ser feito para cortar o sofrimento pela raiz: para Buda bastaextinguir o desejo, o ódio e a ilusão. Este processo seria necessáriopara alcançar a felicidade suprema, ou seja, o nirvana, ainda emvida. A ilusão seria criada pelos cinco candas ou atributos do ego,segundo Buda e também na opinião do Espírito que entrevista-mos. Porém, para este, como já abordamos acima, a felicidade e acapacidade de amar seriam atributos da individualidade e nãocriação do ego.

Podemos dizer que as palavras felicidade e amor sejam criaçõesdo ego, assim como as interpretações do que seja felicidade e amor.Mas o sentimento vivido, ao qual as palavras acima se referem,seria experimentado pelo Espírito, pela individualidade. Por isso,ao extinguir os atributos do ego, secariam todos os desejosegocêntricos, ódios e ilusões, e o Espírito passaria a viver sua exis-tência humanizada apenas através da energia que vem de sua es-

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sência, daí a possibilidade de uma vivência de amor incondicionale de felicidade plena ainda sob o efeito da encarnação ouhumanização do Espírito.

Fica difícil compreender de onde viria essa felicidade plena se nãoaceitarmos a existência de um Eu, de uma individualidade, aindamais quando Buda afirma “(o nirvana) é atingindo pelos sábiosdentro de si mesmos”. Com base nesta frase de Buda, presente noDarmapada, mesmo que se acredite que a mente não passe deuma ilusão é preciso compreender que, acima dela, existe algocapaz de controlá-la. Ou seja, é necessário existir uma individuali-dade para acontecer o processo acima, de atingir o nirvana dentrode si mesma.

A concepção de carma sem a existência de uma individualidadeque possa controlar a mente (esta sim fruto dos candas e, portan-to, criadora de ilusões) lembra muito as teorias da neurociênciacontemporânea para quem o cérebro é o criador de tudo, do sofri-mento, da felicidade, da paz, dos pensamentos, das revoltas, daalma, da mente etc. E, com a morte física, com a decomposição docérebro, tudo terminaria. A única diferença entre elas é que nainterpretação de algumas escolas budistas o carma, enquanto umaenergia, permanece existindo após a morte e migrando para umnovo corpo em formação. Mas, nos dois casos, a impressão é queestá se tomando o efeito pela causa, justamente pela necessidadeque estes cientistas e alguns budistas têm de negar a existência deuma individualidade que, em tese, pode permanecer existindo apósa morte e que teria como atributos a vontade, o pensamento, acapacidade de expressar amor, ser feliz e ter Fé em uma força su-perior e causa primária de todas as coisas.

Podemos dizer que essa necessidade de negar a existência de umaindividualidade também é criação do quarto canda (formaçõesmentais) e, portanto, também ilusória. Se não há provas ainda daexistência de uma individualidade que sobreviva à morte física,também não há de sua não-existência.

Mas, se a felicidade suprema que Buda diz ter atingido em vidanão for a expressão pura de uma individualidade que se libertoude todas as ilusões criadas pelo ego, quem seria capaz de limitar

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os desejos e vencer a tentação de sentir ódio ou libertar-se dailusão criada pela mente?

A não aceitação de uma individualidade acontece quando ela seconfunde com a mente. Está é fruto dos candas e ilude o Espírito,a individualidade encarnada, e que está além de qualquer com-preensão racional. Para se atingir os objetivos de Buda, a menteprecisa ser controlada. Mas, sem a existência dessa individualida-de o projeto de Buda se desmancha no ar.

O Espírito que entrevistamos apontou alguns capítulos de O livrodos espíritos que trazem ensinamentos similares aos de Buda. Eneles podemos perceber também a necessidade de uma instânciasuperior, além da mente. Por exemplo, na questão 926 e seguintesde O livro dos espíritos, quando o suposto Espírito Verdade afir-ma para Kardec que aquele que limita seus desejos e não invejaninguém se poupa de decepções e que o sofrimento está por todaa parte, inclusive nas classes sociais mais abastardas. Além disso,diz que os sofrimentos morais ou da alma são mais torturantes,como o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avare-za, a inveja, o ciúme e todas as paixões humanas. Nesse sentido,podemos entender que a mente cria os desejos, mas é o espíritoiludido por tais criações que sofre com o orgulho ferido, a ambi-ção frustrada etc.

Se não existisse uma individualidade com força suficiente paratentar limitar os desejos criados pelos candas e não invejar os ou-tros, como esse processo poderia ser feito? Quem pode controlar amente, se não existir nada além dela? Neste caso, teríamos queaceitar a ideia do acaso regendo a vida. Assim, por acaso, um dei-xa de invejar e outro não; por acaso um freia seus desejos porsupérfluos e outros não. E o mesmo princípio vale para oensinamento budista, cujo objetivo é deixar de manifestar desejo,ódio e ilusão. Sem uma individualidade presente neste processo,poderíamos dizer que a proposta budista também seria uma ilu-são criada pelo canda formação mental e que não haveria como selibertar do sofrimento e nem do samsara, pois o sofrimento e osamsara também seriam ilusórios processos criados pelo quartocanda, derrocando a primeira nobre verdade que diz que o sofri-

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mento existe. De certa forma, é essa ideia que encontramos nosutra do coração.

Similar ao discurso budista, na questão 933 de O livro dos espíri-tos, o Espírito Verdade diz textualmente:

“com a inveja e o ciúme, não há calma e nem repouso possívelpara aquele que está atacado desse mal: os objetos de sua co-biça, de seu ódio, de seu despeito, se levantam diante delecomo fantasmas que não lhe dão nenhuma trégua e o perse-guem até no sono. Os invejosos e os ciumentos estão numestado de febre contínua. Portanto, está aí uma situação dese-jável e não compreendeis que, com suas paixões, o homemcriou para si suplícios voluntários.”

A vontade de criar ou se libertar desses suplícios voluntários pres-supõe uma individualidade com livre-arbítrio, se não nos atos,pelo menos na intencionalidade. E comentando a resposta acima,do Espírito Verdade, Kardec se manifesta usando expressões quepoderiam muito bem ter saído da boca de um budista:

“frequentemente, o homem não é infeliz senão pela importân-cia que liga às coisas deste mundo. É a vaidade, a ambição e acupidez frustradas que fazem sua infelicidade. Se ele se colocaacima do circulo estreito da vida material, se eleva seus pensa-mentos até o infinito, que é a sua destinação, as vicissitudesda Humanidade lhe parecem, então, mesquinhas e pueris, comoas tristezas de uma criança que se aflige com a perda de umbrinquedo que representava a sua felicidade suprema.

Aquele que não vê felicidade senão na satisfação do orgulho edos apetites grosseiros, é infeliz quando não os pode satisfa-zer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é felizcom o que os outros olham como calamidade.”

Por fim, a quarta nobre verdade, que seria a prática do caminhodo meio, evitando os dois extremos e, dessa forma, não produzin-do mais a necessidade de novos renascimentos, também parecepressupor uma individualidade que tenha vontade para realizaresse caminho. Pois, se nem um extremo, o da busca da felicidadenos prazeres sensoriais e nem o outro, manifestado na mortifica-

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ção do corpo, acabam com o sofrimento, quem vai percorrer ocaminho do meio?

Buda, antes de se “iluminar” vivenciou os dois extremos, como prín-cipe e depois como asceta e concluiu que o caminho do meio con-siste em vivenciar nossa existência sem apegos e sem aversões, nãomanifestando desejos egocêntricos, ódios e liberto de toda e qual-quer ilusão criada pelos cinco candas. Logo, alguém tem que percor-rer esse caminho e esse alguém tem que ser real e não mais umacriação ilusória de um canda. Provavelmente, Buda acreditava naexistência do Espírito e que este poderia alcançar um estado deplena paz e felicidade ainda encarnado, libertando-se das verdadesilusórias criadas pelos candas, mas seus discípulos, principalmenteda escola Theravada, ao afirmarem que não existe uma individuali-dade sobrevivente à morte, apenas a transmigração do carma, nosdeixa com uma inquietação: quem poderia, então, percorrer o “ca-minho do meio”, que é formado por oito nobres caminhos? E pormais nobre que seja o agir desinteressado, será que alguém buscariaviver uma existência pautada em uma ética e em valores positivos,procurando se libertar de apegos escravizantes sabendo que não vaicolher os frutos de suas boas ou más intenções, pois estas serãoherdadas por alguém que vai nascer movido pela força do acaso?

Pergunta 02 – como podemos entender espiritualmente os oitonobres caminhos, que formariam o chamado “caminho do meio”?

Resposta – Para uma compreensão universal deles, e usando as referên-cias que vocês têm, podemos dizer o seguinte:

1 – Compreensão correta – significa compreender que Deus é a causaprimária de todas as coisas, atuando na vida de todos os seus filhos atra-vés da lei do carma. Mas não estamos falando da concepção de Deus comoum carrasco que pune e castiga e nem de um ser egocêntrico que dá prêmiospara os seus queridinhos. Por ser apenas bondade e amor, criou a Leinatural do carma que processa de forma inexorável as colheitas de cadaum de acordo, apenas, com o que foi semeado. Deus não precisa estaracompanhando de perto os passos de cada um de seus filhos, mas age apartir das leis naturais que criou. Por isso, nesse exato segundo você está,ao mesmo tempo, colhendo o que plantou no passado e semeando o que vai

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colher no futuro. Não falo em atos, mas em sentimentos. O sentimentoemanado neste exato momento vai determinar o retorno dele no futuro.

Assim, podemos dizer que a compreensão correta também significa aceitarque somente o presente é real e este deve ser vivenciado com sabedoria ecompaixão diante de qualquer vicissitude ou ser humanizado, não impor-tando se ele foi a vítima ou o algoz.

2 – Pensamento correto – hoje está mais popularizado o valor do pensa-mento positivo. Hoje sabemos que o pensamento é criador de realidades.Assim, o pensamento correto é aquele que vai a favor de um fluxo energéticoe não contra. E aqueles que têm a compreensão correta vão pensar na paze não na violência; no valor positivo da honestidade e não no negativo dadesonestidade. Mesmo a pessoa que foca sua vida lutando contra a violên-cia, achando que está fazendo algo correto, inconscientemente alimentamais violência no mundo. O foco de seu pensamento é a violência, nãoimporta se você é a favor ou contra. Por isso, pensar corretamente é pensarna paz, na harmonia, na saúde, na benevolência, pensando sempre emfazer ao outro aquilo que você gostaria que o outro fizesse para você. É darsem esperar receber; é perdoar sem esperar ser perdoado.

3 – Palavra correta – Se o pensamento tem energia, o que dizer dapalavra expressada. Jesus já dizia que o problema não é o que entra, maso que sai da boca do homem, referindo-se ao poder criador ou destruidordas palavras. Uma palavra pode ser muito mais ferina do que uma agres-são física. Por isso, quem tem uma compreensão correta e pensa correta-mente, também vai se expressar corretamente, usando sempre palavrasafetuais, positivas, que unam e não que separem; e que ajudem a resolverpacificamente os conflitos. Por mais “errada” que seja a ação do outro, nãoo critique, não o julgue, não expresse palavras com energias negativas sobrea pessoa. Fazer isso é como jogar mais lenha na fogueira. Todo o mal temorigem no egoísmo e só é eliminado pelo amor, que deve se expressar naforma de pensamentos ou de palavras corretas.

4 – Ação correta – Dentro dessa mesma linha interpretativa, agir corre-tamente é ser sempre amoroso, benevolente, perdoar as ofensas, ter empatiae compaixão por todos, amigos ou inimigos, vítimas ou algozes. Como sem-pre salientamos, estamos falando na atitude, pois mesmo uma ação enérgi-ca exterior pode ser praticada com amor no coração. E a nossa ação temque ser aquela que o outro merece receber. Eu não posso dar uma pedra

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para quem merece receber uma flor, mas posso ter a intenção de dar umaflor para todos, mesmo que eu não consiga, porque naquele momento apessoa precisava receber uma pedra e por isso outro foi o instrumento paralevar a pedra até ela. Porém, independentemente do carma te trazer umapedra ou uma flor, você sempre terá a liberdade para dar uma utilidadepara aquilo que receber.

5 – Meio de vida correto – Já abordamos indiretamente a questão noitem anterior ao falarmos sobre a intenção de levar flores para todos, mes-mo sem saber quem merece ou não recebê-las. Esse é o meio de vida correto.É como devemos pautar todos os atos de nossa existência.

É preciso ter em mente que todos nós, antes de mais uma encarnação,escolhemos um gênero de provas, assim, o meio de vida correto é aquele quenos leva a vivenciar nossas provações sempre com honestidade, verdade,humildade, caridade e não vendo aquele que foi o escolhido para ser oinstrumento de um carma negativo como “inimigo”, mas como um grandeamigo que Deus colocou em nosso caminho para nos exercitar no Bem.

6 – Esforço correto – Este se resume em canalizar todos os nossos desejosegocêntricos para apenas um desejo: o de integrar-se plenamente a Deus, ainteligência suprema e causa primária de todas as coisas. Ou seja, viverplenamente feliz nossa atual aventura encarnatória. Por isso, mesmo queem algum momento a dor seja necessária ou faça parte de nossas prova-ções, o sofrimento é sempre opcional. Podemos passar por qualquer vicissi-tude ou prova escolhida voluntariamente antes da encarnação com a pazplena em nosso coração. Ou seja, sempre com equanimidade. Esse deve sero nosso esforço correto.

7 – Correta reflexão – Consiste em sempre orar e vigiar. Mas não fala-mos em vigiar a vida alheia, mas os próprios pensamentos e sentimentospara não ser surpreendido pelos cinco candas (agregados) que formam oego. Com a correta reflexão não vamos sofrer quando algo desagradávelacontece, e nem ficar eufórico nos momentos de prosperidade. É precisolembrar sempre que as formas materiais não tem substancialidade e sãoimpermanentes, e que são realidades ilusórias as sensações, as percepções eas formações mentais que infernizam nossa vida como espíritos humanizados.

8 – correta introspecção – Compreendendo e colocando em prática, naforma de atitudes, os 7 nobres caminhos acima, o último representa o

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controle pleno da mente, de forma que a pessoa é capaz de agir sempre comequanimidade, sabedoria e compaixão diante de qualquer criatura virtuo-sa ou viciosa, nobre ou delinquente, em toda e qualquer circunstancia,agradável ou desagradável.

Comentário – Como salientamos, para Buda, o carma é adquiridoatravés da intenção e os atos já são frutos do carma. As intençõespodem ser boas, más ou neutras. Essa concepção é bem diferentedaquela normalmente presente em romances espíritas e no sensocomum, que associa o carma com punição por maus atos. Nessesentido, para Buda, o carma não pode ser pensado como expiaçãoou punição por maus atos e nem um prêmio por atos bons.

E apesar do carma ser pensado como uma lei natural, quem seriao criador desta lei? E o fato de Buda não falar em Deus, nãosignifica que ele fosse ateu ou desconsiderasse a existência de umacausa primária. Acontece que ele era pragmático e não se interes-sava por especulações filosóficas ou metafísicas. Porém, é um errochamar o budismo de ateu ou de materialista.

A preocupação de Buda foi encontrar o caminho para superar osofrimento, algo visto como inevitável, principalmente, pelobramanismo. Além disso, acreditava na possibilidade de viver ple-namente feliz no aqui e agora, desde que o coração não fosse palcode desejos egocêntricos, ódio e ilusões. E Buda propôs um caminhoque pode ser percorrido por qualquer pessoa, pois é baseado naexperiência e não na abstração e racionalização. E não importa qualseja a religião, a casta ou qualquer outra diferenciação sócio-cultu-ral, todos podem experimentá-lo. Como ensina o darmapada: osofrimento segue aquele que age ou fala com uma mente impura ea alegria segue o que age ou fala com a mente pura. E o ódio nãocessa o ódio, por isso, quem abriga sentimentos negativos, afirman-do “ele me insultou, ele me feriu, ele me derrotou”, não conseguecalar o ódio dentro de si. Por isso, é importante saber lidar com assituações desagradáveis. A sabedoria consiste em ser vigilante comos próprios pensamentos e sentimentos.

E nesse sentido, quando o espírito comunicante que entrevista-mos disse que a compreensão correta significa aceitar que Deus éa causa primária de todas as coisas, está afirmando que Deus –

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que não sabemos o que é e como age – é o responsável pela lei docarma, a base fundamental para se entender a Psicosofia de Budae colocá-la em prática, dominando a mente e os sentidos.

E podemos notar, também, como os oito aspectos que formam ocaminho do meio estão presentes também nos capítulos 12 e 13de O livro dos espíritos. Quem ler com atenção e sem preconceitoesses dois capítulos notará que todo o ensinamento de Buda estáali contido e que ressaltam, também, o papel da intenção. A ques-tão 894, por exemplo, aborda o que na Terra ainda é exceção: oagir espontâneo, liberto das más intenções. E afirma também quea felicidade é dominante nos mundos onde todos agem motiva-dos apenas por boas intenções. Porém, na Terra, “o verdadeirodesinteresse é uma coisa tão rara que é admirado como um fenô-meno quando ele se apresenta” (questão 895).

E ao falar que o esforço correto significa canalizar nossos desejospara um único, o de integrar-se a Deus, está afirmando que parase libertar do sofrimento basta seguir as leis naturais que regem avida na Terra. Fazendo isso, acaba o sofrimento. E no caso dacorreta reflexão, encontramos na questão 903, um ensinamentosimilar. Diz o Espírito Verdade:

“antes de fazer aos outros uma censura de suas imperfeições,vede se não se pode dizer a mesma coisa de vós. Esforçai-vos,portanto, em ter as qualidades opostas aos defeitos que criticaisnos outros, esse é o meio de vos tornardes superiores. Se oscensurais por serem avarentos, sede generosos; por serem orgu-lhos, sede humildes e modestos; por serem duros, sede dóceis;por agirem com baixeza, sede grandes em todas as vossa ações...”

Podemos notar que o espírito Verdade fala sempre em atitudes enão, necessariamente, em atos. O ensinamento acima é similar aode Buda, no capítulo IV da darmapada, quando fala para não nospreocuparmos com as imperfeições dos outros, mas se não estamossendo iguais aos que criticamos. A vigilância deve ser exercitadapara apontar os nossos defeitos e corrigi-los, e não os dos outros.Por isso, o sábio seria comparado a uma flor de lótus que nasce nolodo. Mesmo entre cegos e infelizes, o sábio pode viver radiante e

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se tornar uma flor atraente, cheia de cor e perfume e agir atravésde suas boas palavras e ações.

Outras similitudes entre os ensinamentos dos espíritos para Kardece os de Buda, presentes no Darmapada, podem ser vistas na ques-tão 913, que afirma ser o egoísmo a causa de todo o mal e que onosso foco deve ser o de extirpá-lo pela raiz e também na questão926, na qual encontramos a afirmação que os males deste mundoestão em razão das necessidades fictícias que criamos para nós.Assim, aquele que sabe limitar seus desejos e vê sem inveja o queestá acima de si, poupa-se a muitas decepções nesta vida.

Percorrer o Caminho do Meio não é fácil. Mas quem consegue aban-donar os dois extremos está na senda certa para atingir o Nirvana,ou seja, uma existência de paz, com sabedoria e felicidade. Por isso,só sofre quem vivencia sua encarnação a partir dos extremos (devo-ção aos prazeres sensuais ou à austeridade extrema).

Pergunta 03 – Apesar dos Oito nobres caminhos focarem sem-pre na atitude, ou seja, na ação sentimental, uma vez que o atoseria fruto da Lei do carma, Buda também não fala em atosquando se refere às 5 virtudes: Não destruir a vida; não roubar;não cometer adultério; não mentir e não intoxicar-se com bebi-das ou drogas?

Resposta – Se focarmos com mais atenção nestas cinco virtudes, podemosdizer que aqui também a ênfase é na atitude e não no ato. Vou explicar. Porexemplo, um espírito pode pedir como prova vencer a tentação de mentir oude ser um viciado em bebidas alcoólicas. Se o pedido dele for aceito, eleprecisa nascer com um ego, uma programação genética ou crescer em umambiente que estimule a tentação que ele precisa vencer. E Deus sabendo seele vai vencer ou não, e quando será essa vitória, vai utilizá-lo também comoinstrumento para as provações dos outros. Ou seja, enquanto ele for propen-so a mentir, vai enganar aquele que tem merecimento negativo para serenganado. A ação dele não pode afetar o gênero de provas de outro espíritohumanizado. E o espírito que passa por esse tipo de provação, ao ouvir que éerrado matar, enganar etc. terá um estímulo para vencer a sua prova.

A misericórdia divina age dessa forma. Ela não afasta a prova de nin-guém, mas traz elementos que podem ajudar a superá-la. Assim, mesmo

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que pareça que Buda esteja falando de atos, continua falando em atitudes:ter a vontade e a intenção de não matar ou de não mentir para fortalecero espírito e esse vencer o ego, programado, justamente, para fazer o contrá-rio: ter vontade de matar ou de mentir. Mas é preciso nunca se esquecer da“compreensão correta” que, como dissemos, é compreender que Deus é acausa primária de todas as coisas, agindo através da Lei do carma. Por-tanto, ninguém será enganado se não merecer, se não tiver que “expiar” ofato de ter enganado outros no passado.

Comentário – Sendo a lei do carma uma lei universal inexorável,ela não depende da fé para acontecer. Cada um sempre vai colhero que plantou, daí a importância em viver o presente, sem preocu-pação com o passado ou com o futuro. O que somos hoje é frutodo que fomos ontem e o que seremos amanhã depende do queformos hoje. E a doutrina espírita traz um novo elemento paraesse debate: o ensinamento que diz que antes de encarnar o Espí-rito escolhe um gênero de provas. Ou seja, além de possíveis“carmas de vidas passadas”, os fatos também acontecem na vidahumanizada de um espírito em função das escolhas que fez antesde encarnar.

E o espírito comunicante aponta uma diferença importante entre aindividualidade e o ego. Este, normalmente, é criado como umaespécie de espelho invertido. Ou seja, se o Espírito pede uma provapara vencer o vício, o seu ego precisa estimular o vício para que aprova possa acontecer. Assim, o vício pode estar determinado nacarga genética, como afirmam os cientistas, ser estimulado por umobsessor etc., mas o fato é que o Espírito está vivenciando a provaque, em tese, escolheu antes de encarnar. Assim, se ele for maisforte que a matéria e as tentações programadas em seu ego, venceráa prova. Caso contrário, vai constatar, ao desencarnar, que aindanão é tão forte como imaginava ser e pede uma nova encarnação.

Os atos como “frutos do carma”, ou seja, das intenções podemmudar conforme estas mudam. Aquele que hoje mente, rouba oupratica outras ações que a sociedade não considera virtuosa, podedeixar de praticá-los quando o ego é controlado pelo Espírito, masenquanto este foi o servo daquele, dificilmente as intenções po-sitivas vão predominar sobre as negativas e o sofrimento será o

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resultado dessa escolha e a permanência na roda das encarnaçõesinevitável.

Pergunta 04 – Para conseguir se manter no caminho do meio,Buda recomenda a prática meditativa. Mas a meditação nãopode também ser uma forma de fuga?

Resposta – No ocidente, a meditação costuma ser pensada como umdescanso para a mente, para relaxar ou para se acessar informaçõestranscendentais. Não podemos dizer que tais concepções sejam erradas ouque não tenham valor. Mas, para Buda, o objetivo da meditação seriauma ferramenta útil para libertar-se dos desejos criados pelo ego, vencer ailusão dos 5 agregados e, o mais importante, libertar-se do ódio guardadono coração. Alcançando essa meta, é possível libertar-se também do samsara(roda das encarnações), vivenciando com paz interior a vida humanizada,com todas as suas vicissitudes, positivas ou negativas. É preciso lembrarque Buda afirma ser importante não ter apego e nem aversão ao prazer,por isso não seria contrário ao uso da meditação para esse fim. Mas oimportante é tentar manter-se no caminho do meio.

Não é errado sentir prazer com a meditação, mas sofrer quando não sesente prazer meditando. Quando isso acontece, ela virou uma muleta.Para Buda, a busca do prazer ou a fuga do desprazer não são caminhosque levam para o nirvana. O importante é viver em paz, tendo ou nãoprazer, seja de qual tipo for. Se apegar ao prazer ou ter aversão a ele écausa, na certa, de sofrimento.

Comentário – A meditação abordada por Buda ficou conhecidacom o nome de Vipassana e há várias escolas que ensinam a técni-ca. O seu objetivo é o controle da mente. Esta meditação visa aautotransformação através da auto-observação. Afirma a tradiçãobudista que ela deve ser ensinada de graça para quem desejar aprendê-la. Com a prática da meditação Vipassana busca-se alcançar uma menteequilibrada, cheia de amor e compaixão. A prática meditativa é acom-panhada pelo estudo de pelo menos dois sutras: o sutra da perfeiçãoda sabedoria e o sutra do diamante, que podem ser facilmente encon-trados na internet, com diferentes interpretações.

Mas é importante salientar que para Buda nós já trazemos dentrode nós a semente da iluminação e depende apenas de nosso pró-

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prio esforço fazê-la germinar e florescer. E, apesar do condiciona-mento dos fenômenos, a capacidade de respeitar ou de ser tole-rante com todas as formas de vida é um atributo de nosso livre-arbítrio. Podemos criar a paz e a harmonia sobre a Terra, mesmosabendo que as formas materiais não possuem substancialidade enão são permanentes. Em suma, é possível enxergar e viver umaunidade na diversidade.

E a prática da meditação Vipassana não visa fugir da realidade,mas ajudar o praticante a construir o seu próprio destino, no sen-tido de viver suas próprias experiências e tomar suas próprias de-cisões, sem precisar de um mestre ou guru. Não há mandamentosna Psicosofia de Buda, apenas um ponto de partida, mostrandoque os frutos das intenções positivas, negativas ou neutras afetamnaturalmente nosso destino, mas a escolha é sempre individual.Assim, procura valorizar o que podemos chamar de liberdade comresponsabilidade.

A meditação é uma prática universal no sentido de poder ser prati-cada por pessoas de qualquer religião, casta, classe social, etnia,raça etc. Ela não ameaça nenhuma cultura, ao contrário, se adaptaa elas. Não é preciso se aculturar para colher os seus benefícios. Apessoa que a pratica corretamente vai compreender, gradativamente,que é responsável por tudo que lhe acontece e que não é vítima deum destino cego e nem de um Deus irado que pune ou distribuiprêmios a seu bel-prazer, e de acordo com o seu humor.

Por mais paradoxal que possa parecer, a meditação não visa man-ter o praticante prisioneiro de seus pensamentos, vagando porintuições vagas. Ao contrário, visa despertá-lo para que possa vi-ver plenamente sua vida humanizada, consolidando o darma navivência cotidiana, no contato com a realidade vivida. Osensinamentos devem ser experimentados, mesmo sabendo que asformas materiais, as sensações, as percepções e as formações men-tais são “ilusórias” ou impermanentes.

Ao invés de fugir do mundo, a prática meditativa ajuda o prati-cante a viver mais alegre, saudável, com paz interior etc. no meiodas tribulações da vida, com suas vicissitudes positivas e negati-

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vas. A prática meditativa permite se abrir ao fluxo transformadorda vida, permite se capacitar para vivenciar esse fluxo de transfor-mações constantes, sem apegos ou aversões, pois não é a transito-riedade da vida que nos faz sofrer, mas o sentimento de possepelas coisas matérias, por pessoas ou até mesmo por ideias, dou-trinas e religiões.

Pergunta 05 – podemos falar agora um pouco sobre os cincoagregados ou candas que formam o ego?

Resposta – As formas materiais fazem parte dos instrumentos que Deusutiliza para realizar as provas que os Espíritos solicitaram antes de encarnar(questão 258 de O livro dos espíritos). As formas materiais é o primeiroagregado. Não somos donos de nada, e Deus nos empresta estes recursosenquanto forem úteis para as nossas provas. Por isso, quem se apega àsformas das coisas sofre. É do apego que nasce o sentimento de posse e todoo julgamento que fazemos.

Por isso é preciso compreender que a forma que a matéria possui é sempreperfeita para a provação dos espíritos encarnados. Quando aceitamos isso,deixamos de sofrer ou de ver coisas feias ou bonitas, certas ou erradas. Épreciso se desligar da forma para enxergar a essência. E como já diz aciência da Terra, a matéria é uma ilusão criada dentro do cérebro de vocês.

E o segundo agregado é formado pelas sensações. Por sensações Buda en-tendia também todos os sentimentos que o ser humanizado nutre pelascoisas, pelas formas materiais, pelos acontecimentos e pelas pessoas. Assensações levam ao sofrimento porque não aceitamos que cada ser é diferen-te. Queremos que o outro seja uma cópia perfeita de nós mesmos e como issoé impossível, sofremos.

Aprender a respeitar o direito de cada um ser da forma que quiser vai noslibertar do sofrimento. Isso não vai fazer com que deixemos de sentir, masconhecendo nossas sensações podemos evitar dar vazão às sensações indivi-dualistas, aceitando que as diferenças entre os seres é também o fruto daação de Deus. Ou seja, é preciso aceitar a “vontade” de Deus, compreen-dendo que tudo ocorre, ocorreu e ocorrerá por Sua vontade, pois não caiuma folha de uma árvore sem que Ele a faça cair.

E isso nos leva a compreender qual deve ser a “percepção correta”. É aque-la que aceita que toda ação de Deus é sempre Justa e amorosa, pois Ele

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sempre dá a cada espírito o que precisa e merece. Somente quando compre-endemos que todos os atos são direcionados por Deus para recebermos o queprecisamos e merecemos em cada momento de nossa existência é que noslibertamos do individualismo. Sofremos enquanto achamos que comanda-mos os nossos próprios atos e que podemos mudar os dos outros.

E o quarto agregado são as formações mentais. E sofremos quando acredi-tamos que qualquer coisa no Universo pode acontecer independentementeda Inteligência Suprema. A “reforma íntima” que vocês tanto falam nãoacontece enquanto se acreditar na possibilidade de agir individualmente,esquecendo-se de que é necessário ser guiado por um amor sublime para quenão haja desequilíbrio na balança universal. E o quinto agregado é aconsciência ou a memória, que registra e arquiva as formas materiais, assensações, as percepções e as formações mentais, fazendo a pessoa sofrerquando acontece algo que ela não concorda ou aceita.

Tudo no Universo é interdependente e Deus é a causa primária de todas ascoisas. Você não tem como se libertar dos cinco agregados, mas pode viversua existência humanizada dentro da realidade universal quando compre-ende que todas as ações são comandadas por Deus. É por causa dessecomando que existe sobre o planeta uma Justiça Perfeita e um Amor Subli-me. Só quem não fez ainda sua reforma íntima acredita que vive em ummundo injusto e mal, e por isso sofre. Quem vive na realidade universalpode viver feliz e em paz, mesmo que em sua vida humanizada aconteçamferimentos ou vicissitudes negativas.

O papel da “reforma íntima” é esse: deixar de acreditar nos cinco agrega-dos ainda na carne. Esse é o sentido também do termo “renascer de novo”.Muitos desencarnados permanecem presos aos cinco agregados por algumtempo, mas depois se libertam para planejar uma nova aventuraencarnatória, mas para vencer a prova e não precisar mais reencarnar, énecessário libertar-se deles ainda na carne.

Por isso, ninguém faz a reforma íntima alterando as formas, as sensações,as percepções ou as formações mentais, pois elas dependem do ego criadopara cada espírito humanizado. Temos que aceitar que o ego já traz nele asformas, as sensações, as percepções e as formações mentais necessárias parasua provação. O ego começa a ser preparado após as escolhas das provas.Por isso, os cinco agregados são interdependentes.

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Muitos não conseguem fazer a reforma íntima porque o desejo é mudar os“cinco agregados” e, como não conseguem, passam a lamentar.

Entendam que a reforma íntima consiste em abandonar, ainda na carne,a consciência individualizada (egoísta) para viver sua vida humanizadacom a consciência universalista. E para isso acontecer, Deus cria umaprova a cada segundo de sua existência. Até mesmo uma dor de cabeçapode ser uma prova criada por Deus. Preso a uma consciência individua-lista, você vai acreditar que ela é o resultado de um problema no fígado,pois na visão individualista não há a presença de Deus. E você faz a suareforma íntima quando inclui a premissa “Deus fez”. Obviamente que Elenão fez isso para te castigar, mas como um alerta, para mostrar que assuas percepções não são ainda universalizadas.

Em outras palavras, o que quero dizer é que a sensação física “dor decabeça” não é oriunda de um mal físico. Deus programou para você asensação “dor de cabeça” sempre que o seu nervosismo, o seu desgosto ou asua chateação atingir certo limite. É por isso que as dores físicas são frutosdas percepções individualistas. Mudando a forma de encarar a vida,universalizando-se, é possível evitar a dor. E é isso também que Budaensina. Ou seja, os sentimentos ou as sensações que podem causar dor(nervosismo, desgosto etc.) são essências que você aplicou a determinadosacontecimentos, pessoas ou objetos. E Deus, com as suas leis, faz com que oindividualismo reflita em uma dor física como um aviso para você alterara essência que está aplicando às coisas.

– pode se dizer, então, que a dor é inevitável, mas o sofrimentoé opcional?

Resposta – tristeza, desgosto, angústia mental, perturbação... são formasde sofrimento. O ser humanizado sofre porque passou por um desgosto. E issosempre acontece quando os seus anseios individuais não são contentados.Quando acontece algo que você não queria que acontecesse, reage com umadessas sensações. Por isso, aquele que não consegue atingir aquilo que plane-jou sofre. Da mesma forma, aquele que se encontra com quem não gosta,sofre. Mas se Deus é a causa primária de todas as coisas, nossa liberdadeestá em conviver sao lado dos nossos “inimigos” sofrendo ou com felicidade.

Comentário – para quem está acostumado com os textos budis-tas, as expressões do espírito que respondeu essa pergunta pare-

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cem chocantes. Ele fala muito em Deus, o que é raro nos textosbudistas, e não utiliza as expressões usuais do budismo. Porém,uma leitura mais profunda nos revela que ele não distorce osensinamentos de Buda.

O sofrimento, segundo Buda, é visto em três aspectos:

1. o sofrimento ligado ao nascimento, à morte, à velhice; porestarmos ligados às pessoas ou situações desagradáveis ou porestarmos distantes das pessoas ou situações agradáveis etc.

2. O sofrimento por causa das mudanças que acontecem nomundo, pois nada é permanente e com muita frequênciamuda para o seu oposto. Ou seja, são as vicissitudes.

3. o sofrimento resultante do sancara, ou seja, o conjunto doscandas, chamado pelo espírito de agregados do ego.

A realidade, porém, segundo Buda, seria impermanente (anicca) esem substancialidade (anatta). E o que chamamos de individuali-dade seria composta por cinco candas, uma combinação de fenô-menos físicos e mentais. Para algumas escolas budistas, eliminan-do-se estes componentes não existiria mais nada, nem espírito,nem alma, nem ego etc.

Porém, a visão do espírito comunicante é diferente, e nem poderiaser diferente, caso contrário ele não existiria, seria uma “ilusão”.Na opinião desse espírito, os agregados formariam o ego. Este simseria impermanente e sem substancialidade. E para encarnar, o es-pírito, enquanto uma individualidade, precisaria se ligar a um ego,uma espécie de consciência ilusória que começaria a ser criada apartir do momento que a individualidade escolhe um gênero deprovas para vivenciar na Terra. Assim o ego teria aspectos físicos(um corpo masculino ou feminino, gordo ou magro etc.) e tambémmentais (sensações, percepções, formações mentais etc.).

Neste caso, ao retirar o ego encontraríamos o espírito que, segun-do o Espírito Verdade, na questão 23 de O livro dos espíritos,“não é uma coisa palpável, para vós ele não é nada; mas para nósé alguma coisa. Sabei bem: o nada é coisa nenhuma, e o nada nãoexiste.”

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Mas como já dissemos, não temos evidências de que Buda nãoacreditava na existência dos espíritos ou se não pretendia entrarem uma discussão metafísica sem fim. Ele mesmo dizia, como jásalientamos, que sabia muito mais do que ensinava. Assim, podeser uma visão reducionista de algumas escolas budistas a afirma-ção de que não existe uma individualidade, assunto que já co-mentamos acima.

Voltando aos candas, Buda relacionou cinco: o da matéria, o dassensações, o das percepções, o das elaborações mentais e o daconsciência, que seria a soma dos quatro anteriores. Os cinco,como um grupo, Buda chamou de sancara, e por ser o sancara oque nos mantém ligados à existência, é também causa de sofri-mento. Nesse sentido, ser impaciente com o sofrimento não oelimina, apenas o torna mais agudo.

Pergunta 06 – os agregados do ego seriam as raízes do sofrimen-to, segundo o Buda?

Resposta – Não. As raízes do sofrimento consistem em três situações bási-cas da vida nas quais os cinco agregados espelham o nosso individualismo.Sempre que nossa ação é baseada em uma de suas raízes, há sofrimento.

A primeira raiz é a contrariedade. Toda vez que nos sentimos contrariadocom algum acontecimento, com alguma pessoa ou com algum objeto, sofre-mos. Ou seja, os nossos conceitos individualistas não foram contemplados.Sempre que você estabelece uma forma determinada para as coisas aconte-cerem, corre o risco de sofrer, pois o risco de ser contrariado aumenta. Porisso, se quer parar de sofrer liberte-se do achar que na vida carnal existe ocerto e o errado. Por exemplo, vocês acham que a reforma íntima consisteem não condenar o outro que possui uma escala diferenciada de valor. Masainda acham que ele está “errado” ou que é “inferior”. A reforma íntimaconsiste em ser feliz mesmo nos momentos de contrariedade.

Aquele que age amorosamente sobre tudo, dá a cada um a igualdade de serdiferente dele. Esse é o caminho para eliminar a raiz contrariedade quenutre o nosso sofrimento.

E a segunda raiz que traz sofrimento para o ser humano é o sofrimento dosoutros. Vocês acreditam que se solidarizar com o outro é passar pelos mes-mos sentimentos que ele está passando e sofrer junto. Quem age assim,

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dissemina mais sofrimento pelo planeta. Compartilhar a dor do outro sernão leva à felicidade, mas prende o outro ainda mais na infelicidade.

Quando alguém sofre, seu corpo está encharcado desse sentimento que real-ça o seu individualismo e Deus cria uma doença para ajudar a mudar orumo de sua vida. E nós, frente àquele que sofre, devemos emanar amor.Esse é o sentimento universal que pode ajudar o outro a eliminar os seusindividualismos, mostrando a ele que pode existir felicidade, mesmo quan-do os seus conceitos são contrariados.

E a terceira raiz do sofrimento é o medo. E quanto menos Fé em Deus,maior é o medo. Fé é confiança e entrega absoluta a Deus. Todos os mestresafirmaram que para alcançar a felicidade absoluta é necessário confiar eentregar sua vida na mão de Deus.

Não é errado sentir medo, é apenas um indicio de que ainda não estãoextintas as verdades relativas, individualistas. Por isso, mesmo vocês queestão tentando fazer a reforma intima sentem medo.

Assim, sem eliminar as raízes do sofrimento não é possível elevar-se espiri-tualmente. Esse deve ser o trabalho da reforma íntima. Não é mudando omundo exterior que ela acontece, mas mudando interiormente, deixando-sede se contrariar com o mundo, mantendo-se sempre feliz. E você não preci-sa deixar de amparar o outro, só não precisa sofrer com o sofrimento dele,aceitando que a sua vida e a dele são guiadas por Deus.

Percebam que para se fazer a reforma íntima é preciso acabar com asraízes do sofrimento, o que é feito quando deixamos de se apegar aos cincoagregados.

– Jesus venceu os cinco agregados, ou seja, vivenciou sua exis-tência com consciência universal?

Resposta – Jesus sempre afirmou que apenas cumpria o desejo do Pai,logo, ele tinha consciência universal. Além disso, sempre alertou para nãoolharmos o cisco no olho dos outros, mas sim o graveto que se encontra emnossos próprios olhos. Ele demonstrou com o seu exemplo como é realizar areforma íntima, ou seja, comprender a vida com os cinco agregados, masdentro da verdade absoluta das coisas. E somente quem consegue fazer issoé capaz de amar o seu inimigo.

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Na verdade, aquele que você chama de inimigo é o seu verdadeiro amigo.Deus o colocou ao seu lado para você fazer a sua reforma íntima e não adele. E isso não se faz somente não reagindo, mas não acusando sofrimen-to, não gerando formações mentais (pensamentos) que condenam os atospraticados.

Todo sofrimento fere a Lei de Deus. Sofrer já é quebrar o mandamentodivino, pois só sofremos quando deixamos de amar a Deus acima do queestá acontecendo. Aquele que ama estará sempre feliz. A reforma íntimaacontece quando manifestamos amor por Deus e pelo próximo. Por isso,toda reação que expresse sofrimento não conduz à elevação espiritual. Porisso não basta apenas se resignar. Se resignar é como fazer a poda em umaárvore. Para acabar com o sofrimento é preciso arrancar as “raízes dosofrimento”, como Buda ensinou.

Comentário – como dissemos, para algumas escolas budistas oEu, enquanto uma individualidade, é uma ilusão. Nesse sentido,acreditar que após a morte viveríamos como alma, espírito etc.seria uma ilusão criada pelo quarto canda. Apesar de não concor-dar com essa posição, o espírito comunicante em sua resposta va-loriza a libertação do que chamou de atributos do ego para que sepossa viver sem sofrer com o sofrimento alheio, sem medo e semsofrer com as contrariedades.

Aceitando a ideia de Deus enquanto causa primária de todas ascoisas, agindo através da lei do carma, e que o espírito antes deencarnar escolhe um gênero de provas, o espírito, em sua respos-ta, apresenta o ego como um agregado do qual precisaríamos noslibertar ou dominar. E, quanto mais o ego vai sendo dominadopelo Espírito, mais livre e feliz vai sendo a vida humanizada des-te ser. Além disso, libertando-se do ego (ou de suas verdades),mas aumentaria a capacidade de compaixão e de interesse pelobem do próximo, uma vez que estes valores seriam atributos doEspírito, e que estavam apenas adormecidos. Quanto mais o Es-pírito se liberta do ego, menos limitado e mais amplitude mentalpassaria a ter, conseguindo agir com equanimidade em qualquersituação.

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Pergunta 07 – e a questão do sofrimento relacionado com omedo na morte. Buda aborda essa questão?

Resposta – Buda ensina que a elevação espiritual é como uma viagemque fazemos saindo do porto da “ignorância” com destino ao porto da“sabedoria”. O trajeto é feito através do mar do “conhecimento” sobre obarco do “ensinamento”. Porém, é necessário ao se atingir o porto da “sa-bedoria” abandonar o barco.

Poucos fazem isso, e passam a adorar o ensinamento, criando idolatria.Em todas as religiões isso acontece. O verdadeiro sábio, como vocês jáestudaram em Lao-Tsé, abandona a cultura para vivenciar os ensinamentoscom simplicidade e humildade.

Vocês consideram como sábios aqueles que possuem grande cultura, muitoconhecimento. Mas isso é ilusão. Não adianta navegar pelo mar do “co-nhecimento”, dentro do barco do “ensinamento”, e não descer em nenhumporto. Quem age assim, não pertence mais ao porto da “ignorância”, masainda não vive no da “sabedoria”. Quem age assim, ainda se move pelasoberba. O que desejam é serem louvados e não promover sua reformaíntima. Ou seja, são como as tumbas caiadas por fora, mas podres pordentro, como Jesus salientou.

E porque essas pessoas agem assim? Por causa das quatro âncoras e dosquatro elos. E é deles que provém o medo da morte.

– E quais são essas âncoras?

Vamos falar sobre elas agora. A primeira ancora é a vontade de “ganhar”e o medo de “perder”. Quem age sempre buscando “ganhar”, mesmo queseja em campeonato de cuspe a distância, não conseguirá jamais viver noporto da “sabedoria”.

E a segunda âncora é o desejo de alcançar o “prazer” e o medo do“desprazer”. O prazer é uma satisfação pessoal. Por isso, o verdadeirosábio não procura se satisfazer, nem tem medo da insatisfação. Para eletudo é felicidade, pois vive em harmonia com o universo, acolhendo de bomgrado tudo aquilo que Deus lhe dá.

A terceira âncora é a busca do “elogio” e o medo da “crítica”. O pseudo-sábio alcança prazer quando é elogiado e as críticas que recebe ferem suasoberba. Por isso, os pseudo-sábios se preocupam com o elogio e temem a

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critica, pois essa retiraria dele a posição de sábio. Paradoxalmente, o seruniversalista deve se preocupa apenas com sua própria elevação. Ele nãodá a mínima para aquilo que os demais “pensam” dele. O importantepara quem atingiu o “porto da sabedoria” é viver permanentemente emcontato com a fonte universal, com Deus. Os sábios vivem para Deusenquanto os pseudo-sábios vivem para se satisfazer.

E isso nos leva até a quarta âncora: a busca de “fama” e o medo da“infâmia”. Aquele que vive para servir a Deus não se preocupa se os atosserão reconhecidos pelos outros ou não. Quem atingiu o “porto da sabedo-ria” sabe que todo mérito pertence a Deus.

Quem ainda não chegou ao “porto da sabedoria” acredita que seus conhe-cimentos são verdades absolutas e não aceita contradições. É por isso queos pseudo-sábios querem sempre se impor pela força, desacreditando aqueleque o difamou.

O sábio é aquele que não se impressiona com conhecimentos opostos ao quejá possui. Seu papel não é o de combater as novas informações, mas de seaproximar de Deus. Sabendo que todo novo ensinamento é uma nova ver-dade relativa, vai usá-la para se aproximar um pouco mais da verdadeabsoluta do universo.

Aquele que briga por conhecimentos, não está defendendo suas “ideias”,mas a si mesmo. Se não se mantiver como “o culto”, perderá sua fama,acabarão os elogios que inflam o ego e deixará de ganhar, não sentido maiso prazer em se achar superior aos demais.

O sábio, ao contrário, é aquele que sabe que não tem nada a perder, poistudo que possui lhe foi dado por Deus. Ele não alcança o desprazer, poisvive plenamente na felicidade universal (a bem-aventurança prometidapor Jesus) que só é alcançada pelos puros de coração. O sábio é aquele quereconhece que suas verdades são relativas e que apenas Deus possui averdade absoluta das coisas. E, assim, não tem medo da infâmia.

Mas para chegar à condição de sábio e não temer a morte é preciso quebraros quatro elos que prendem o ser humano às quatro âncoras acima. E esseselos estão descritos no sutra Anguttara Nikaya IV.184 – Abhaya Sutta.São eles: o apego aos prazeres sensuais, o apego pelo corpo físico, o egoísmoe a descrença no dharma, o ensinamento de Buda.

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Comentário – como já salientamos, segundo os ensinamentos deBuda, as formas materiais são impermanentes e não possuemsubstancialidade, algo que parece ser confirmado atualmente pelachamada ciência quântica. Enfim, na essência, tudo o que chama-mos de matéria não passa de energia. Porém, são as percepções,através dos sentidos, que criam as sensações e as emoções basea-das em algo que não é real, como acontece quando assistimos aum filme e nos emocionamos com as histórias dos personagens.Portanto, sentir frio ou calor, medo, raiva etc. são sensações eemoções que sentimos por acreditar nas percepções que nos che-gam do mundo exterior, mas que são “ilusórias”, pois foram cria-das dentro de nós, no cérebro, a partir das diferentes ondas sono-ras, visuais, olfativas etc. captadas pelos sentidos. Do “lado defora” podemos dizer que só existem ondas energéticas das maisvariadas vibrações.

E, por causa das sensações e emoções, criamos também pensa-mentos ilusórios, ou seja, irreais, pois se estruturam em fatos cujaexistência é uma “sombra”, como no mito da caverna de Platão.Desconhecendo a Realidade, passamos a julgar, a criticar e a con-denar algo que não está, de fato, acontecendo. São como mira-gens que só existem em nossa mente. Ao fazer isso, deixamos deamar universalmente, além de deixarmos escapar o que temos demais sagrado em nossa alma: a felicidade.

Além disso, passamos a ter medo da morte, por ser algo desconhe-cido, uma vez que só lidamos com a morte do outro. Para osespiritualistas, de uma forma geral, ou seja, os que acreditam naexistência de uma individualidade que sobrevive a morte física, nãodeveria existir o medo da morte. Porem, iludidos pelos “cinco agre-gados”, manifestamos ódio, raiva etc. e nos tornamos infelizes, so-frendo quando alguém morre e temendo nossa própria morte.

Por fim, devido à memória, nos apegamos às formas, às percep-ções, às sensações, aos pensamentos do passado, esquecendo-sede viver plenamente o presente. Nos apegamos a um passado quenão mais existe e sofremos ao remoer as sensações e emoções quejá se foram, sobretudo quando relacionadas aos entes queridosque morreram, ou pautamos a nossa vida por projeções de um

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futuro que pode não acontecer e que nos leva a sofrer por anteci-pação, a chamada pré-ocupação.

Daí a necessidade de se libertar dos “cinco agregados” para viver-mos de forma amorosa e feliz nossa existência humanizada, e issose faz não acreditando neles. Mas, além dos cinco agregados, exis-tem as quatro âncoras que o espírito salientou em sua resposta (avontade de ganhar e o medo de perder; buscar o prazer e o medodo desprazer, a busca por elogio e o medo da crítica e, por fim, abusca pela fama e o medo da infâmia). E os quatro elos que oespírito afirmou prender o ser humano a essas âncoras estão des-critas no sutra Anguttara Nikaya IV.184 – Abhaya Sutta, que podeser acessado, na internet, através do endereço http://www.acessoaoinsight.net/sutta/ANIV.184.php.

Quem, em tese, liberta-se desses “elos”, não teria porque temer amorte e estaria em paz diante dessa inevitável realidade, da qualninguém escapará, mais cedo ou mais tarde.

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ANEXO

O texto a seguir é parte de uma palestra realizada pelo espíri-to Pai Joaquim de Aruanda, através da mediunidade de FirminoJosé Leite. Nele é feito um comentário ao sutra Buda AnguttaraNikaya V.161 – Aghatapativinaya Sutta, e foi retirado no site domovimento Espiritualismo Ecumênico Universal, mantido pelomédium: www.meeu.com.br.

A obra realizada pelo médium/espírito foi tema do primeirolivro desta coleção, chamado “História Oral, Imaginário e Transcen-dentalismo: mitocrítica dos ensinamentos do espírito pai Joaquimde Aruanda”.

Resolvemos colocar este texto como anexo para mostrar ainterpretação que o espírito, que realiza frequentemente palestraspela internet, faz de um sutra budista.

Existem cinco maneiras para subjugar a raiva, através das quaisquando a raiva surge em um bhikkhu ele deveria destruí-la com-pletamente. Quais cinco?

Ter raiva é sofrer. O ser humano que sente raiva de outro entra numprocesso de angústia e amargura que extermina a sua paz interior. Porisso, Buda, aquele que propõe o alcançar a paz interior como realização daelevação espiritual, nos ensina como vencer a raiva. Vamos analisar o seudiscurso sobre o assunto a partir da visão do EEU (Espiritualismo EcumênicoUniversal). Mas antes, precisamos falar um pouco sobre raiva.

A raiva é uma contrariedade forte, violenta. Toda vez que um ser humanose contraria fortemente com as palavras ou atitudes de outra pessoa elasente raiva desta. Por isso, precisamos conversar um pouco sobre contrari-edades para entendermos melhor o assunto.

O que é uma contrariedade? Toda vez que um ser humano age ou falapalavras que contrarie as verdades de outro ser, este se sente contrariado.Na verdade, não foi ele quem foi contrariado, mas as opiniões dele. Sercontrariado é estar exposto a opiniões e ações que não concordamos, ouseja, que para nós não se constituem em uma verdade ou realidade.

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Existem muitas contrariedades que o ser humano não liga. São coisas depequenas montas que acontecem no dia a dia e que ferem nossos conceitos.Mas, por não representarem aparentemente uma afronta grande, não li-gamos para elas. É aí é que começa o equívoco do ser humano.

Qualquer contrariedade, por menor que seja – não guardar as coisas ondese acha certo que elas estejam, um pequeno atraso, uma palavra mal colo-cada – fica marcada na memória do ser humano. Não existe momento emque somos contrariados que a marca não fique guardada. Por isso, toda equalquer contrariedade precisa ser trabalhada, precisa ser curada. Se não,o acúmulo delas pode levar à raiva.

A raiva surge, então, do acúmulo de contrariedades que vamos tendo nodia a dia com determinadas pessoas. A cada vez que não trabalhamos acontrariedade ela vai gerando marcas em nossa memória e, quando vemos,aquilo que era apenas uma contrariedade virou uma raiva. Mas, nãopara por aí.

A raiva pode transformar-se em ódio. A raiva surge do acúmulo de contra-riedades, mas quando ela aparece, as contrariedades não cessam. Pelocontrário: tornamo-nos mais intransigentes com aquela pessoa e por issovamos observando cada vez mais as contrariedades e plantando-as emnossa memória. É através deste processo que a raiva se transforma emódio. Ou seja, o ódio, sensação que leva o ser humano a vivenciar umgrande sofrimento, começa nas pequenas contrariedades do dia a dia.

Por isso, neste trabalho, quando analisarmos os ensinamentos de Budanão estaremos nos referindo diretamente à raiva, mas buscando usar o queele ensina para vencer as pequenas contrariedades do dia a dia.

Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve desen-volver a boa vontade para com aquela pessoa. Dessa forma, araiva por aquela pessoa deve ser subjugada.

“Desenvolver a boa vontade para com aquela pessoa”: o que quer dizerisso? Vamos conversar sobre o tema.

As contrariedades surgem quando há um desacordo entre o que cada umdos envolvidos num relacionamento acha verdade ou certo. Ela existe por-que a verdade ou o certo do outro contraria a sua verdade ou seu certo.Mas, o que é o nosso certo ou verdadeiro?

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Cada ser humano é exposto diariamente a centenas de informações. Estasinformações são analisadas pela mente a partir de conceitos pré-existentesna memória. Cada vez que uma informação se coaduna com o conceito queestá na memória ela é considerada certa ou verdadeira. Mas, como seformam os conceitos pré-existentes na memória?

Somos o resultado do meio que vivemos. A cultura de cada povo, região,cidade, bairro ou mesmo núcleo familiar possui um grupamento específico deinformações às quais dá o valor de verdade e certo. Acontece que estesgrupamentos diferem entre si. Nos países ocidentais, por exemplo, a culturaafirma que só se pode ter uma esposa, nos árabes ela já é diferente: o homempode ter mais mulheres. Entre os jovens, atitudes irresponsáveis são conside-radas como atos perfeitos, entre os mais velhos isso já não acontece.

Quem está certo? Todos os dois... O certo e o errado não são absolutos, ouseja, não servem para todos e não permanecem por toda a existência semmudanças. Na verdade, a avaliação de certo ou errado aos conselhos, de-pende do momento da existência de cada um ou do grupo social onde sevive. Na verdade, ela é relativa, ou seja, depende de cada um.

Por isso cada um tem o direito de achar certo e verdadeiro aquilo que acharnaquele momento. Não se pode criar um estatuto rígido que sirva paratodos ao mesmo tempo. É fundamentado neste conhecimento sobre a relati-vidade da avaliação de certo e errado que Buda ensina que devemos terboa vontade com todos.

Você tem o direito de ter o seu padrão de certo e verdadeiro, mas o outrotambém o tem. Querer impor ao outro o que aquilo é verdade para você sóleva à contrariedade. Isso porque o outro não vive a sua vida, ou seja, nãovivencia a existência dele com os mesmos valores que você.

Aliás, aproveitando que estamos falando com espiritualistas, exigir do pró-ximo que ele tenha as mesmas avaliações que você é querer retirar dele olivre-arbítrio. Acreditamos que Deus deu a cada um o direito de livreoptar por qualquer coisa. Exigimos para nós este direito, mas não o esten-demos ao próximo. Escolher um padrão próprio de certo e verdadeiro é oexercício do livre-arbítrio que se foi dado por Deus a cada um não pode serretirado por ninguém. Este é o caminho da boa vontade que Buda ensinaque leva ao fim da contrariedade e com isso evita a existência da raiva e doódio: dar ao outro o direito de exercer o seu próprio livre-arbítrio.

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Quando alguém faz ou pensa coisa diferente de você, ao invés de se contra-riar, diga: ‘ele tem o direito de fazer ou pensar aquilo que achar melhorpara ele’. Este é o exercício da boa vontade.

Concedendo ao próximo este direito não existirá contrariedade, apesar decontinuar existindo a não similitude entre o que você e o outro acham certoou verdadeiro.

Desenvolver a boa vontade com o outro não é acreditar no que ele acreditaou fazer o que ele faz, mas apenas dar ao próximo o direito de ser diferentede você. Isso leva ao fim da contrariedade, da raiva e do ódio. Leva ao fimdo seu sofrimento.

Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve desen-volver a compaixão para com aquela pessoa. Dessa forma, araiva por aquela pessoa deve ser subjugada.

Compaixão é algo muito diferente daquilo que nós humanos imaginamosque deva ser. Acreditamos que ter compaixão por uma pessoa é sofrer atristeza que ela está sentindo. Isso não é realidade.

Quem sofre não consegue transmitir o que ele mais precisa no momento desofrimento: alegria! Quem está sofrendo precisa ser animado, fortalecido,para poder sair do estado de espírito que se encontra. Como animar al-guém se o animador também está desanimado?

Costumamos dizer que sofrer é como alimentar-se de um alimento que nãogostamos. Jiló, por exemplo. Quem está sofrendo está ingerindo uma porçãode jiló e precisa de alguém que coloque em seu prato algo que o ajude adeglutir aquele alimento. Ao invés disso, quando vivemos o momento com acompaixão como entendemos, colocamos mais jiló em seu prato, ou seja,aumentamos o sofrimento daquele que já está sofrendo.

Ter compaixão pode ser definido como ter a consciência do sofrimento quepode causar a si ou ao outro. Quem sente verdadeiramente compaixão pelopróximo, ao invés de sofrer junto com ele, busca animá-lo com felicidade ealegria para não aumentar o seu sofrer. É esta compaixão que Buda ensina.

Quem sente contrariedade com a palavra ou ação do outro e tenta corrigi-lo aumenta o sofrer do próximo. Mesmo que a contrariedade não gere abriga ou discussão, apenas a tentativa de corrigi-lo já traz embutida em si

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uma acusação, uma crítica. Esta por si só já traz sofrimento a quem estásendo criticado.

Portanto, para vencer a contrariedade que acaba levando à raiva, tenhacompaixão do outro: pense no sofrimento que irá causar ao próximo com suacrítica. Para isso, lembre-se: ele tem o direito de ter o seu certo e verdadeiro.

Mesmo que você saiba que o padrão de certo ou errado leve aquele serhumano mais tarde a sofrer, não o faça sofrer agora. Evite discordar dopróximo para não fazê-lo sofrer...

Um dos instrumentos ensinados pelo Espiritualismo Ecumênico Universalpara isso é ‘a doação da razão’. Sempre que discordamos de alguma coisaque alguém acredita buscamos debater o assunto para poder ao fim ficarcom a razão. Mas, será que isso é importante?

Ter a razão significa vencer a discussão. Quem dá a última palavra achasempre que conseguiu dobrar o próximo e impôs aquilo que acreditava.Mas, para que você quer vencer? Para poder gabar-se de estar certo? Qualo preço que você paga por isso? Será que vale a pena expor-se a arquivarcontrariedades que futuramente lhe levarão à raiva ou ao ódio? Quem vaisofrer no final das contas? Você mesmo...

Portanto, por compaixão, ou seja, por consciência do sofrimento que podecausar àquela pessoa agora e a você no futuro, doe a razão.

Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve desen-volver a equanimidade para com aquela pessoa. Dessa forma, araiva por aquela pessoa deve ser subjugada.

Equanimidade quer dizer igualdade de ânimo, ou seja, sentir apenas umacoisa por uma pessoa, não importa o que esteja se vivendo.

Buda ensina que devemos ter apenas um sentimento com relação às pessoas,pois isso acaba com a contrariedade e estanca a possibilidade de sofrermosmais tarde. Que sentimento é esse? Aquele que já nutrimos por aquela pessoa.

Os seres humanos afirmam que gostam, amam ou têm amizade por al-guém, mas na verdade eles só nutrem estes sentimentos quando os outrosatendem os anseios e expectativas deles. Se em determinado momento aoutra pessoa, num mínimo detalhe, entra em contradição com aquilo queeles acreditam ou acham certo, todo este sentimento extingue-se.

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Quem ama, o faz o tempo inteiro e não apenas nos momentos em que opróximo satisfaz seus conceitos. Quem gosta, gosta o tempo inteiro e nãoapenas quando o outro está de acordo com suas verdades. Quem tem ami-zade é sempre amigo do outro, mesmo quando este não possui tudo aquiloque nós temos. Se a emoção não permanece, isso quer dizer, então, que elanão existe realmente.

Gostar, amar e ter amizade por uma pessoa não devem ser emoções quetenhamos por alguém apenas quando ela nos satisfaz. Quem vive dessejeito, além de não ter realmente estes sentimentos pelo outro, está expondo-se ao risco de em qualquer contrariedade decepcionar-se com o próximo ecom isso buscar o seu próprio sofrimento.

Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele não deveempenhar a sua mente ou dar atenção para aquela pessoa. Des-sa forma, a raiva por aquela pessoa deve ser subjugada.

Grande conselho de Buda: não empenhar a sua mente e dar atenção àpessoa que nos causa contrariedade.

Existe um ditado que diz: Deus deu uma vida para cada pessoa, para quecada um tome conta da sua. Ao invés disso, vivemos empenhando nossamente para prestar atenção na vida dos outros. Isso causa sofrimento.

Todos somos diferentes. Não existem duas pessoas que acreditem ou dêem ovalor de certo em mesmo gênero, número e grau a um mesmo conceito. Porisso, quando ficamos atentos aos outros, certamente vamos descobrir con-trariedades entre o que ela acha, pensa e faz com o que achamos, pensamose fazemos. Por isso, o melhor é cada um tomar conta apenas de si mesmo.

Cristo nos ensinou: Você repara o cisco nos olhos dos outros, mas não vê atrave que está no seu olho. Somos naturalmente juízes do mundo. Vivemosconstantemente observando as ações e crenças dos outros e comparando-ascom as nossas. Isso causa sofrimento...

Para não sofrer é preciso que nos mantenhamos constantemente focados emnós mesmos e demos aos outros a liberdade de ser, estar e fazer o que bementender.

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Quando surge a raiva em relação a uma pessoa, ele deve dirigiros seus pensamentos para o fato de que aquela pessoa é o pro-duto do carma dela: ‘Esse venerável é o agente do seu carma,herdeiro do seu carma, nascido do seu carma, atado ao seu carmae dependente do seu carma. Qualquer carma que ele faça, parao bem ou para o mal, disso ele será o herdeiro. Dessa forma, araiva por aquela pessoa deve ser subjugada.

Carma é algo que os seres humanos entendem muito pouco. Por nossatendência a crer no pecado, no mal e nas suas consequências, achamos queo carma é o castigo que cada um recebe por suas ações negativas, mas issonão é verdade. Carma é a consequência natural de uma ação, seja ela umacondenação ou premiação.

O Universo é regido pela lei da causa e efeito, ou seja, a cada movimentonosso, geramos uma ação como efeito do que foi feito. Isso é o carma: o efeitode uma causa. O carma é o motor que movimenta o Universo. Sem ele,tudo seria estático, pois o que hoje foi gerado não teria uma reação e comisso o Universo permaneceria estático.

Quando Buda nos afirma que a outra pessoa – as suas crenças e conceitos– são o produto do carma dela, quer dizer que o que ela acredita é a reaçãoao que ela viveu em momento anterior. Se uma pessoa, por exemplo, temmedo de velocidade, pode ter certeza que isso é uma reação a um perigo ouacidente que esta pessoa já sofreu em um momento passado quando estavase deslocando em alta velocidade. Se você não tem este medo, é sinal de quenunca vivenciou uma ação desse tipo. Não ter o medo, portanto, é o seucarma, enquanto que o dela é tê-lo.

Vivenciando a vida a partir dessa verdade, podemos encarar as contrari-edades de uma forma simples – diferença das vivências das pessoas – aoinvés de imaginar que o outro está errado. Quem não entende que os con-ceitos de uma pessoa são o carma da sua vivência na vida, vive contraria-do com o que ela acha certo ou acredita como verdade.

Para estes, Buda faz um alerta neste trecho: Qualquer ação que se faça,para o bem ou para o mal, disso você será o herdeiro. A lei do carma – areação a uma ação – é inexorável. A certeza de que cada ação gera sempreuma reação nos transforma em herdeiro daquilo que fazemos.

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Já nos ensinava Salomão: Quem semeia vento, colhe tempestade. Se vocêanda pelo mundo com sua mente atenta aos conceitos do outro, colherácontrariedade e com isso sofrerá. Não por castigo ou penalidade, mas comojusta consequência da sua própria ação.

Essas são as cinco maneiras para subjugar a raiva, através dasquais quando a raiva surge em um bhikkhu, ele deveria destruí-la completamente.

Desenvolvendo a boa vontade, a verdadeira compaixão e a equanimidadepelos outros, mantendo a sua atenção na sua própria vida, ao invés decuidar das dos outros e compreendendo que a vida é uma sucessão decarmas, ou seja, de consequências de ações anteriores, evita-se as contrarie-dades e com isso extingue-se a possibilidade da raiva, do ódio e do sofri-mento.

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CONCLUSÃO

Com este livro encerramos a coleção Cultura de Paz eMediunidade. De 2003 a 2008, através de vários médiuns, muitosprováveis espíritos foram entrevistados. E o livro é publicado nomesmo ano em que completo 20 anos de experiência com a Histó-ria Oral, iniciada no Grupo Abaçaí Cultura e Arte, na cidade de SãoPaulo. Da experiência em coletar depoimentos sobre cultura popu-lar, alimentação e outras informações através desta metodologiaqualitativa das ciências humanas, acabei, em 2001, tendo a ideiade entrevistar os “espíritos”, após conhecer dois médiuns kardecistasna cidade de São Carlos. Dois anos foram necessários para organi-zar as primeiras reuniões e começar as pesquisas.

Ingenuamente, imaginei que teria o apoio das Universidadesbrasileiras para fazer as pesquisas, uma vez que estava propondoum método para coletar informações: organizar reuniõesmediúnicas e entrevistar os prováveis espíritos sobre vários assun-tos de interesse da humanidade, como fez Kardec no século XIX,antes do movimento espírita se institucionar e virar um movi-mento sócio-religioso, porém, sem preocupação em descobrir quemestava respondendo. Cientificamente não temos como saber sequem responde é um espírito, ou seja, a alma de um morto; umdemônio, como afirmam as religiões neo-pentecostais ou até mes-mo o inconsciente do próprio médium. Mas alguém responde e oobjetivo das pesquisas era trabalhar com as respostas, com o con-teúdo das mensagens.

No caso das entrevistas com o espírito pai Joaquim deAruanda, que se manifesta através do médium Firmino José Leite,todas foram gravadas em vídeo e contabilizaram cerca de 30 ho-ras de gravação. No youtube, no canal homospiritualis, o interes-sado pode ver vários vídeos. E sobre os ensinamentos de Buda, navisão deste espírito, há duas séries:

1. do porto da ignorância ao porto da sabedoria:http://youtu.be/Il9pjjAT_lw

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2. as quatro âncoras:http://www.youtube.com/watch?v=YzY9g5T4TO0

Em 2010, iniciamos a organização desse material e, com oauxílio do projeto Homospiritualis, foi possível organizar sete li-vros, entre eles, este que apresenta a opinião dos espíritos sobreos ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda.

E esse enfoque que acabamos criando foi denominadoEspiritologia para diferenciar do espiritismo, o movimento sócio-religioso que se considera cristão e que é avesso aos ensinamentosorientalistas, considerados “não-doutrinários”.

Mas a Espiritologia não se preocupa com doutrina e nemcom proselitismo. Ela é empírica e científica, consistindo apenas ena prática da História Oral com os supostos espíritos. E, da mes-ma forma que se deve respeitar o depoimento de um “encarna-do”, o mesmo deve ser realizado com o depoimento de um “mor-to”.

Vou dar um exemplo. Recentemente, um amigo médiumpsicografou um livro com mensagens sobre animais no mundoespiritual. O centro espírita onde ele fez as psicografias enviou osoriginais para uma editora espírita que resolveu publicar o livro,mas fez várias mudanças, retirando as informações que os edito-res consideraram “não-doutrinárias” ou seja, que não se coaduna-vam com os ensinamentos organizados por Kardec. Quando omédium viu as mudanças não aceitou, pois queria que o livrofosse publicado do jeito que o suposto espírito escreveu. Porém, aeditora afirmou que só publicaria com as mudanças propostas noconteúdo nas mensagens. Como o centro espírita desejava a pu-blicação do livro, aceitou as mudanças. O médium, por sua vez,não concordou e pediu para o seu nome não sair no livro, colocan-do no lugar um pseudônimo.

Esse fato não acontece na Espiritologia. O que o médium/espírito diz vale com discurso e não em relação com alguma dou-trina já instituída. Como a proposta da Espiritologia é ouvir paracompreender, ou seja, sua proposta é mais acadêmica do que dou-

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trinária, todas as opiniões são importantes e são estudadas, mes-mo que elas não defendam ou legitimem uma determinada dou-trina religiosa.

Muitos budistas que viram os vídeos de pai Joaquim nainternet, por exemplo, criticaram sua interpretação sobre osensinamentos de Buda, uma vez que ele faz muita relação à Deus,a Jesus e ao espiritismo; por outro lado, muitos espíritas o classifi-caram de zombeteiro e mistificador. Não preciso nem dizer que osevangélicos o chamam frequentemente de demônio. Porém, nocaso da Espiritologia, o depoimento dele é tão importante quantoao de algum lama ou dirigente de centro espírita. Não estamospreocupados em dizer se ele está certo ou errado, mas a sua inter-pretação de um texto sagrado tem valor em si mesmo, concorde-mos ou não com ele. O que podemos fazer é compará-lo com o deoutros intérpretes dos mesmos textos.

Em suma, a Espiritologia não legitima o espiritismo, apenas éum método de pesquisa que se baseia em entrevistas com supos-tos espíritos, realizadas com a presença de médiuns em reuniõesorganizadas para esse fim. Obviamente, o processo pressupõe aaceitação do médium/espírito pra participar da pesquisa. Algunsaceitam falar, mas não que sejam gravados. Outros preferem que aentrevista seja feita por psicografia. Outros não querem que seusnomes sejam revelados. Enfim, é preciso respeitar cada partici-pante.

E no caso particular deste livro, será que estes mestres, cujasPsicosofias foram aqui discutidas, viveram em vão? Obviamenteque não. São milhões de pessoas espalhadas pelo mundo que hámilênios pautam suas vidas pelos ensinamentos que eles deixa-ram. Podemos dizer que hoje o acervo cultural e histórico que foigerado a partir do culto e do respeito a esses ensinamentos é umpatrimônio da humanidade. E, o que é muito importante, emvários aspectos eles podem ser complementares.

Enfim, com esta modesta pesquisa esperamos ter demonstra-do como a religiosidade pode ser um campo de estudo científico.E uma das ferramentas para isso é a mediunidade, não aquela

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usada para fins doutrinários ou proselitismo, como se alguma reli-gião fosse a dona dos espíritos, mas como um recurso para ouviros depoimentos dos “seres incorpóreos” que se manifestam, emtese, através de médiuns.

E as mesmas perguntas podem ser formuladas para outrosprováveis espíritos, em outras regiões do planeta e as respostascomparadas, uma vez que os espíritos se manifestam em todos oslocais, independentemente da classe social do médium ou, reli-gião, gênero etc.

Encerrando essa coleção de livros, quero aqui agradecer a to-dos os espíritos, médiuns e demais pessoas que ajudaram a tornarconcreta esta pesquisa.

A semente foi, portanto, semeada. Se germinar será graças avontade de Deus.