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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 A REGIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA AMÉRICA LATINA: PONTOS, CONTRAPONTOS E UM TERCEIRO OLHAR ENTRE COMPETÊNCIAS E FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA OLIVEIRA, Lilian T. Candia de CECÍLIO, Maria Aparecida Introdução O processo educativo e os sistemas de educação de cada país embora concebidos a partir dos arranjos do Estado-nação, nas últimas décadas são impactados por reformas e adoção de modelos regionais de educação. Embora se tenha como norteamento as peculiaridades da idéia de educação nacional, não se pode deixar de constatar o esforço supranacional e sua correspondente adesão por distintos países e blocos da consonância de interesses explícitos e implícitos na lógica da instituição de determinada tipologia de qualidada para a educação superior ao redor do mundo. Como afirma Dale (2009, p. 873): “[...] Não se trata de um processo ‘passivo’. Existem provas claras de esforços para desenvolver novas formas e modelos de ‘educação’ supranacionais que buscam conscientemente solapar e reconfigurar as formas nacionais de educacao existentes”. Um exemplo dessas reformas ocorreu na Europa, no final da década de 1990, por ocasião da celebração dos 800 anos da Universidade de Sorbonne, na qual foi proposto um processo de europeizaçao dos sistemas de educação superior do continente, uma vez que, as universidades européias registravam vagas ociosoas devido ao insuficiente financiamento por parte do Estado e, de acordo com as lideranças políticas da União Européia, por não corresponder as demandas sociais dos jovens (HORTALE e MORA, 2004), o que os levava a continuar sua formação universitária em países de economia mais estabilizada e com perfis profissionais correspondentes à demandas competitivas de mercado.

A REGIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA … · Empresariais, Enfermaria, Estudos Europeus, História, Ciências da Educação, Física e Química. Essa orientação foi desenvolvida

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A REGIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA AMÉRICA LATINA:

PONTOS, CONTRAPONTOS E UM TERCEIRO OLHAR ENTRE

COMPETÊNCIAS E FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA

OLIVEIRA, Lilian T. Candia de

CECÍLIO, Maria Aparecida

Introdução

O processo educativo e os sistemas de educação de cada país embora concebidos

a partir dos arranjos do Estado-nação, nas últimas décadas são impactados por reformas

e adoção de modelos regionais de educação. Embora se tenha como norteamento as

peculiaridades da idéia de educação nacional, não se pode deixar de constatar o esforço

supranacional e sua correspondente adesão por distintos países e blocos da consonância

de interesses explícitos e implícitos na lógica da instituição de determinada tipologia de

qualidada para a educação superior ao redor do mundo. Como afirma Dale (2009, p.

873): “[...] Não se trata de um processo ‘passivo’. Existem provas claras de esforços

para desenvolver novas formas e modelos de ‘educação’ supranacionais que buscam

conscientemente solapar e reconfigurar as formas nacionais de educacao existentes”.

Um exemplo dessas reformas ocorreu na Europa, no final da década de 1990,

por ocasião da celebração dos 800 anos da Universidade de Sorbonne, na qual foi

proposto um processo de europeizaçao dos sistemas de educação superior do continente,

uma vez que, as universidades européias registravam vagas ociosoas devido ao

insuficiente financiamento por parte do Estado e, de acordo com as lideranças políticas

da União Européia, por não corresponder as demandas sociais dos jovens (HORTALE e

MORA, 2004), o que os levava a continuar sua formação universitária em países de

economia mais estabilizada e com perfis profissionais correspondentes à demandas

competitivas de mercado.

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Desse modo foi inaugurado o Processo de Bolonha, que por meio de estratégias

políticas e medidas organizacionais, consolidou um Espaço Europeu de Ensino Superior

(EEES) transnacional que harmonizou os sistemas de educação superior europeu,

tornando-os coerentes e compatíveis entre si, com currículos e diplomas convergentes

centrados em expectativas e correspondentes competências a serem desenvolvidas no

percurso formativo dos acadêmicos. Um dos objetivos era o de fortalecer o

reconhecimento de qualificações, de modo que essas instituições fossem mais

competitivas internacionalmente e atraissem estudantes de outros países e continentes

para as universidades europeias (PORTUGAL, 2009; DIAS SOBRINHO, 2009;

HORTALE, MORA, 2004).

Percebemos até o momento um movimento significativo de reformas nas

universidades adotando-se os modelos regionais de educação, com ênfase nas

competências e atendimento as demandas de mercado, porém, de acordo com Dale

(2009) para além de simples reformas, trata-se de um novo modelo de governança

global, em que se adota o regionalismo como estratégia política, mas sempre na lógica

de atendimento as demandas de mercado.

A concepção de educação nos últimos 50 anos foi norteada como sendo o

pesadelo destrutivo da relação mercado e moralidade. Essa concepção mobilizava as

populações contra os perigos do mercado, as advertiam e protegiam por meio de um

conjunto de valores contra as características destrutivas do mercado. Contudo, “Hoje em

dia, essa orientação para o significado da educação está nitidamente ameaçada em

vários lugares [...] que se situam incontestavelmente na versão do sonho liberal da

relação entre mercados e moralidade, em razão de seus pressupostos neoliberais”

(DALE, 2009, p. 875 grifos do autor).

Sobre o contexto de uma interregionalização por adesão e ao mesmo tempo

induzida por conta de abertura de novos mercados e eixos ideológicos, a presente

pesquisa propicia, a partir da literatura especializada e documentos referenciais, uma

problematização sobre os impactos do apoio da União Europeia quanto à Educação

Superior, mais precisamente por conta do Projeto Alfa Tuning América Latina e a

possibilidade de um terceiro olhar para a compreensão e encaminhamentos dessa

discussão, recortando-se as categorias competências e cidadania como dimensões

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recorrentes, inclusive na realidade da universidade brasileira. Para tanto levantamos o

seguinte questionamento: entre pontos e contrapontos, que terceiro olhar é possível para

a compreensão e problematização de impactos da europeização da educação superior na

América Latina em relação ao desenvolvimento profissional por competências e a

formação para a cidadania? Nesse sentido, o objetivo da pesquisa em andamento é

analisar os impactos que a europeização da educação superior na América Latina tem

desencadeado quanto ao desenvolvimento profissional por competência e a formação

para a cidadania para além dos pontos e contrapontos identificados na literatura nacional

e internacional.

Para a área educacional esse estudo desencadeia o aprofundamento da validade

ou não de simetrias inter-regionais, as fragilidades centradas no dedutivíssimo, no

sincretismo e até processos de alienação, ao mesmo tempo, propiciará elementos para

maior reflexão epistemológica de realidades e necessidades concretas da educação

superior na América Latina e em particular da brasileira.

Assim, para os limites deste estudo, inicialmente discutimos a implementação do

Processo de Bolonha, bem como, a organização e desenvolvimento do Projeto Alpha

Tuning na América Latina e, num segundo momento, problematizamos a formação para

a cidadania nesse contexto de reformas da universidade brasileira. Por último,

apresentamos as considerações finais.

Processo de Bolonha, Projeto Alpha Tuning e América Latina: primeiras

aproximações

Na implantação do Processo de Bolonha algumas instituições dos países

signatários, acordaram e elaboraram uma estratégia para a redefinição dos currílos a

partir de um ponto comum, baseada em competências, que ficou denominado Projeto

Tuning. Universidades da America-latina acompanhando o norteamento do Tuning

europeu ao final da década de 1990 e mais enfaticamente a partir de 2004 aderem à tal

organização espontaneamente e orientados pela União Européia desenvolvem um

correspondete ao Tuning Europeu, denominado Projeto Alpha Tuning America-Latina

com o mesmo propóstito de atendimento as demandas de mercado no contexto de

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blocos econômicos, que foi apresentado ao bloco europeu no intuito de alinhar as

propostas e ideias de trabalho com o Europeu (EIRÓ; CATANI, 2011). Estava nesse

sentido patenteado a incursão interregional da inculcação do modelo europeu e

financiado pela União Européia em proposta de contrapartida.

Assim, neste item propomos problematizar a implementação do Projeto Alfa

Tuning América Latina com destaque para o Brasil, entendendo, de acordo com Dale

(2004, p. 436) que “a globalização é um conjunto de dispositivos político-econômicos

para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema

capitalista, mais do que qualquer outro conjunto de valores”. Para esse autor, a adesão

ao processo globalizado “é veiculada através da pressão econômica e da percepção do

interesse nacional próprio” (ibid. idem).

Nesse sentido, países latino-americanos representados por ministros da educação

e interlocutores, signatários do Relatório Final do Projeto Alfa-Tuning delineado para as

universidades Latino-americanas (2004-2007), cujo desdobramento fora financiado pela

União Europeia, tinham por certo que a adesão ao mesmo, à luz do que vinha

acontecendo com o Espaço Europeu de Educação Superior (EEES), se configuraria

como “[...] um instrumento a favor da equivalência de diplomação e da facilitação da

mobilidade estudantil e profissional”. (EIRÓ; CATANI, 2011, p. 117). A questão que

se segue a essa é como isso seria possível, considerando a distinção de realidades e o

ausentamento de um Espaço Latinoamericano de Educação Superior? Como formação

centrada em expectativas e competências, no âmbito da América Latina seria

correspondente ou aproximativa do Projeto Tuning Europeu?

Beneitone et. al. (2007) destaca que na Europa, o Projeto Tuning determinou

referenciais comuns quanto ao escopo das competências genéricas e específicas de base

disciplinar centrados em áreas temáticas, destacando-se as de Matemáticas, Geologia,

Empresariais, Enfermaria, Estudos Europeus, História, Ciências da Educação, Física e

Química. Essa orientação foi desenvolvida por uma metodologia de trabalho,

organizada em quatro eixos, por meio da colaboração de distintas equipes dos países

representados na U.E.: a) competências genéricas, b) competências disciplinarias

específicas, c) o papel do sistema ECTS (Sistema Europeu de Transferência de

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Créditos) como sistema de acumulação, d) função da aprendizagem, docência, avaliação

e rendimento em relação à garantia da qualidade.

Passados os trâmites iniciais, no ano de 1999, a Declaração de Bolonha foi

finalizada e diversos países (inclusive fora do continente europeu) tornaram-se

signatários (27 países europeus: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre,

Dinamarca, Eslovênia, Eslováquia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia,

Holanda, Hungria, Inglaterra, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta,

Polônia, Portugal, República Tcheca, Romênia, Suécia. E vinte e dois países não

pertencentes à União Europeia - Albânia, Andorra, Armênia, Azerbaijão, Bósnia-

Herzegovina, Cazaquistão, Croácia, Federação Russa, Geórgia, Islândia, Liechenstein,

Macedônia, Moldávia, Montenegro, Noruega, República da Macedônia, Santa Sé,

Sérvia-Montenegro, Suíça, Turquia, Ucrânia, Vaticano). Tal adesão deu origem ao

Processo de Bolonha, cujos referenciais centrado nos quatro eixos anteriormente citados

deveriam ser observados e avaliados a cada dois anos num espaço de um decênio. Dias

Sobrinho (2005, p. 186) destaca que, introjetada à dimensão ideológica, estava posta a

ideia ou ideário de que cidadania europeia deveria ser ampliada, isto é, “[...] de que

todos os europeus compartilham valores e pertencem a espaços culturais e sociais

comuns (...)”.

Tais valores e espaços passaram a ser de interesse de países latino-americanos,

dentre eles o Brasil, que se tornou signatário e partícipes do Relatório Final do Projeto

Alfa-Tuning América Latina (Beneitone et. al., 2007). Os países latinoamericanos que

participaram dessa elaboração foram Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa

Rica, Cuba, Equador, El Salvador,, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá,

Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Estes propuseram no

Projeto competências desejáveis na formação do universitário para a universidade na

AL e que foram incorporadas ao Relatório:

• Competências Instrumentais: habilidades de desempenho relacionadas

com as capacidades cognitivas, metodológicas, tecnológicas;

• Competências Interpessoais: habilidades de desempenho relacionadas com

a capacidade de um bom relacionamento social e cooperação;

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• Competências Sistêmicas: habilidades de desempenho relacionadas à visão

de conjunto e à capacidade de gerir um projeto na sua totalidade;

• Competências Específicas: habilidades vinculadas a uma titulação, o que

requer identidade e consistência social e profissional ao perfil formativo

(BENEITONE et. al., 2007).

No Projeto Tuning, é perceptível o vínculo entre as demandas do processo

produtivo e a formação profissional em nível superior. Assim, a universidade estrutura-

se no intuito de alcançar os resultados por meio da competitividade, no atendimento a

lógica empresarial, de mercado e seus clientes, ao que Catani e Oliveira (2002, p. 24)

expõem que o trabalho acadêmico e a própria universidade atuam sob a égide da

racionalidade econômica, fazendo com que somente tenham “[...] relevância econômica

e social quando formam profissionais aptos às necessidades atuais do mercado de

trabalho e quando pesquisam, geram ou potencializam os conhecimentos, as técnicas e

os instrumentos de produção e serviços que possibilitam a ampliação do capital”.

Nesse sentido, o Tuning “propõe-se a elaborar currículos baseados em

competências e a determinar pontos de referência para as competências genéricas e

específicas de cada disciplina de cada curso universitário” (EIRÓ; CATANI, 2011, p.

111). O objetivo é reestruturar e revitalizar os currículos, para tornar o estudante parte

integrante e ativa de uma tipologia de aprendizado, a partir da Pedagogia por

Competências com parâmetros comuns de equivalência e objetivos, que se tornam

referência, mas que permite flexibilidade e autonomia, para a elaboração e avaliação dos

planos de estudo.

O projeto Tuning é desenvolvido em quatro Linhas articuladas: a) definição das

competências acadêmicas genéricas para todas as graduações; b) definição das

competências específicas para cada graduação; c) utilização do sistema europeu de

créditos (ECTS) como estratégia de acumulação e transferência; e d) definição dos

métodos de ensino, aprendizagem e avaliação. A competência, por sua vez é dividida

em: Competências Instrumentais (capacidade cognitiva, metodológica, tecnológica);

Interpessoal (capacidade de bom relacionamento social e cooperação); Sistêmica (visão

de conjunto/ gerir projeto); Específica (vinculada a titulação profissional). Assim,

propõem-se pontos comuns para as competências genéricas e específicas para cada

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disciplina da graduação e mestrado em: administração, educação, geologia, história,

matemática, física e química (EIRÓ; CATANI, 2011).

O Projeto Tuning América Latina contempla os mesmos pontos de referência,

compreensão e confluência acima apresentados, a exceção se dá por conta do

ausentamento no Mercosul de um Espaço Latino-Americano de Educação Superior, a

exemplo do Europeu. O projeto teve início abrangendo 62 universidades, no ano de

2009 esse número sobe para 190 instituições de 19 países da América Latina que se

tornaram partícipes do Projeto (NOBRE, 2009).

Para Eiró e Catani (2011) o Projeto Tuning América Latina tem como eixo

norteador o desencadeamento de reformas educacionais para o atendimento das

demandas de mercado, embora haja o predomínio no discurso ideológico de unificação

do bloco latino-americano. Tal afirmativa, torna possível, nesse sentido, o predomínio

mercadológico no processo educativo universitário.

Para Mészáros (2008, p. 27) “[...] uma mudança educacional radical às margens

corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente

ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa”. O processo emancipatório

na educação, incluso a universidade, somente é possível com a ruptura com a lógica

capitalista que submete o trabalho como atividade humana, contudo não realizadora.

Esse processo emancipatório está diretamente ligado a formação para o exercício da

cidadania, conforme problematizamos a seguir.

Projeto Alfa Tuning e formação para a cidadania na universidade brasileira

Nesse momento, faz-se necessário destacar a relação do Projeto Alfa Tuning

América Latina e a formação para o exercício da cidadania conforme preconizado pela

legislação nacional. Assim, iniciamos nossa reflexão, expondo que a influência de

unificação da universidade Europeia, não se restringiu apenas a América Latina,

inspirou também outros continentes na reorganização da educação superior. O influxo

nas políticas educacionais ocorre porque as regulamentações em nível nacional são de

alguma forma, para mais ou para menos, “moldados e delimitados por forças

supranacionais, assim como por forças político-econômicas nacionais” (DALE, 2004, p.

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441). O fator mercadológico supranacional influencia diretamente os Estados, assim, a

“globalização tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas

educativos nacionais” (Ibid., Idem) como pode perceptível nos seguintes arranjos

educacionais supranacionais já implementados no Brasil:

Propostas de convergência dos sistemas de educação superior da Europa,

América Latina e Caribe estabelecida na Declaração de Florianópolis;

Tratado de Amizade Brasil-Portugal (Decreto n. 3.927, 19/09/2001), que

prevê “Cooperação no Domínio do Ensino e da Pesquisa”, como o

“Reconhecimento de Graus e Títulos Acadêmicos e de Títulos de

Especialização”, obtidos em instituições de ensino superior nos dois

países (BRASIL, Decreto n. 3.927/2001);

As medidas propostas pelo SEM - Setor Educacional do Mercosul

(Mercado Comum do Sul - bloco de integração entre os países Argentina,

Brasil, Paraguai, Uruguai, e Venezuela) no intuito de estabelecer entre os

países signatários o reconhecimento de títulos entre instituições/países, a

mobilidade estudantil e a cooperação interinstitucional (MERCOSUL

EDUCACIONAL, 2009);

O projeto de criação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-

Brasileira (UniLAB) com objetivos semelhantes ao do Processo de

Bolonha;

A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) a ser

instituída nas regiões fronteiriças “[...] para o intercâmbio acadêmico e a

cooperação solidária com países integrantes do Mercosul e com os

demais países da América Latina” (BRASIL, Lei n. 12.189/2010);

A Universidade Federal da Integração Amazônica (UNIAM) – com sede

em Santarém (PA) localizada na parte central da Amazônia nos arredores

do estado do Amapá, Amazonas e Mato Grosso, na fronteira com Guiana

e Suriname propicia a cooperação internacional nas atividades de

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pesquisa, formação de profissionais e extensão por meio de uma rede

multi-institucional que agrega os estados da Amazônia Brasileira e os

países-membros da Organização do Tratado da Cooperação Amazônica:

Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e

Venezuela. Propõe-se, juntamente com as demais universidades da

região, constituir-se num projeto de integração pan-amazônica (UNIAM,

2009).

Podemos inferir com o exposto, que o processo de globalização ou em nosso

caso regionalização da educação “implica especialmente forças económicas operando

supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao

mesmo tempo que reconstroem as relações entre as nações” (DALE, 2004, p. 426). No

que tange a reconstrução das relações entre as nações, no Brasil, por exemplo, outro tipo

de reforma para as universidades, num prisma mais geral, trata-se da Universidade Nova

que propõe uma estrutura curricular que se assemelhe ao modelo adotado nos Estados

Unidos e ao Processo de Bolonha. Para Arruda (2009) esse modelo propicia uma

formação geral antes da graduação e formação científica antecedendo a pós-graduação1.

Para Dale (2009), nos modelos nacionais de educação existe a predominância da

relação entre Estado e cidadão, já nos modelos regionais, ocorre uma distinção na

concepção de cidadania. Ao recorrer a Jenson (2007 apud DALE, 2009), Dale explica a

complexa relação entre cidadania, Estado, mercado, família e comunidade. Expõe que,

cidadania seria uma resposta do Estado à necessidade de bem-estar, mas que é possível

produzir bem-estar por meio do mercado, dos familiares, da comunidade e Estado, a

partir do princípio de igualdade entre cidadãos. Cidadania, sendo resposta, é também

atendimento a uma determinada demanda, que por sua vez, integrou a agenda e tornou-

1De acordo com Santos e Almeida filho (2008) tal reforma ocorreria, por meio da modalidade intitulada de Bacharelado Interdisciplinar, em que a formação seria possível em três ciclos: a pré-graduação, a graduação e pós-graduação, com duração de seis semestres, totalizando 2.400 horas; e duas etapas primeiro, formação geral que possibilite a aquisição de competências e habilidades para compreensão crítica da realidade natural, social e cultural, e o segundo momento de formação específica, que propicie competências e habilidades sobre um determinado campo teórico ou teórico-prático. Com seiscentas e 1.200 horas, respectivamente (AZEVEDO; CATANI; LIMA, 2008; SANTOS, ALMEIDA FILHO, 2008).

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se política. Obviamente, que sendo resposta derivou-se da iniciativa – provavelmente

veemente - dos cidadãos no requerimento de tal política.

O que está em jogo, para além do mosaico de significados de cidadania – que

retomaremos em seguida - é a produção de bem-estar que deveria ser propiciada pelo

Estado, sendo de forma alternativa suprida por mercado, família ou comunidade. Assim,

se os modelos regionais não estiverem diretamente ligados a produção de bem-estar

Estatal “[...] não é possível nem desejável - pois é potencialmente enganador- vê-los

como relacionados à cidadania [desse modo] não deveriam ser vistas como formas de

cidadania, porém como meios alternativos de produção de bem-estar” (p. 876, grifos do

autor).

O termo meios alternativos pode ser utilizado para identificar os distintos e

antagônicos significados para o termo cidadania. Embora haja a permanência do verbete

cidadania, a sua efetivação, não se revela como tal. Dentre o mosaico de significados,

destacamos cidadania enquanto valor econômico, gnosiológico e ético-político

(OLIVEIRA, 2014). No primeiro caso, tem-se o predomínio do fator mercadológico,

por isso mesmo, o cidadão é tratado como um cliente, um consumidor de serviços

Estatais, com destaque para duas principais características a reificação (tudo que tem

valor sentimental, religioso, ético, etc. se transforma em uma coisa a ser produzida,

comercializada e consumida por um mercado) e o individualismo e delineada pelos

eixos da reestruturação produtiva ou como diz Mészáros (2006, 2008) pelo

sociometabolismo do capital.

Nesse tipo de cidadania, o cidadão por não possuir “[...] outra propriedade senão

sua força de trabalho torna-se necessariamente, em todas as condições sociais e

culturais, um escravo daqueles que se apropriaram das condições objetivas do trabalho”.

(MARX, 2012, p. 24-25). Se o predomínio mercadológico impera, obviamente, o

investimento nas políticas sociais desconsidera o princípio da equidade, o que ocasiona

inevitavelmente a perpetuação da desigualdade. Conforme destacado por Azevedo por

não considerar a desigualdade, os desiguais nos aspectos “sociais, culturais e

econômicas, tiverem menos oportunidades de estudos e de aquisição de conhecimento,

continuarão a receber desigualmente conteúdos e capital cultural, internalizando menos

dispositivos (habitus) relacionados à ciência e ao saber” (AZEVEDO, 2013, p. 140).

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Já na cidadania enquanto valor gnosiológico o objetivo é a disseminação de

conhecimentos com a adoção da passividade acrítica, ou seja, refere-se a um tipo de

formação que não possibilita o questionamento sobre os limites do movimento

socioeconômico e cultural delineado no cotidiano capitalista. Enquanto valor ético-

político, a cidadania traz intrínseca a participação crítica e o cidadão como sujeito capaz

de, a partir de sua intervenção consciente, forjar seu destino histórico. Na atualidade

tem-se legalmente preconizado a possibilidade de participação, por meio dos direitos

que garantem a liberdade civil, política e social, porém, na concretude das relações

sociais, essa possibilidade de participação nem sempre pode ser efetivada, pois, “[...] Só

tem acesso efetivamente àquilo que está expresso nas leis [...] uma minoria que, pelo

privilégio econômico que dispõe, consegue efetivar aquilo que as determinações legais

garantem abstratamente” (MARTINS, 2000, p. 11).

Para superar a situação abstrata de existência dos direitos, que não se materializam

efetivamente, tem-se a necessidade de disseminação de conhecimentos de formas de

intervenção na vida social e do acesso aos mecanismos institucionais que possibilitam a

efetiva participação e a consequente efetivação dos direitos. Desse modo o conceito de

cidadania “[...] não é um estado psíquico e mental de um indivíduo que conhece seus

direitos e deveres e nem, muito menos, uma relação particular do indivíduo que

consome serviços do Estado” (MARTINS, 2000, p. 13). A cidadania perpassa os

direitos civis, políticos e sociais articulados com a posse dos bens materiais, simbólicos

e sociais, que está diretamente ligado ao princípio de equidade e justiça social destacado

por Azevedo (2013).

Esses muitos significados da cidadania nos remetem novamente a afirmação de

Dale: nos modelos regionais de educação ocorre uma mutação na concepção de

cidadania por não haver a relação Estado/cidadão. Desde a Constituição Federal (1988)

e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) e

demais normativas dela decorrentes, cabe a política educacional o preparo dos cidadãos

para o exercício da cidadania, o que nos remete a um terceiro olhar possível

considerando a adesão do Brasil e países da América Latina à organização da União

Europeia, materializado pelo Projeto Alfa Tuning América Latina que estabelece uma

educação por meio de competências e indução à uma tipologia desejada de cidadania.

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Para Krawczyk (2008, p. 44), existe é uma tênue tentativa de integração universitária

latino-americana “de cima para baixo” para uma também tentativa de adequação ao

modelo europeu. Aponta Pena-Veja (2009) que as dimensões do diálogo e cooperação

serão elementos determinantes para a efetividade de integração da educação superior

latino-americana, o que ainda está por se constituir, e nessa integração há que se pensar

a formação para a cidadania.

Considerações finais

Esse estudo intentou discutir a implementação do Projeto Alfa Tuning America

Latina - com destaque para o Brasil - relacionando-o à formação para a cidadania, a

partir da análise dos pontos e contrapontos identificados na literatura nacional e

internacional que problematizam a adesão ao Projeto mencionado, uma vez que o

processo de educação superior supranacional ou regional influi diretamente na

distribuição da política educacional formal, considerando-a como parte integrante do

processo de formação para a cidadania. A política de educação de acordo com a

normativa legal brasileira tem como objetivo a formação para um tipo determinado de

cidadania, contudo, a mesma é diretamente influenciada em todas as etapas (definição,

formulação, transmissão e avaliação) pelo poderio supranacional. A questão do

financiamento e regulação do Projeto de reformas nas universidades pela União

Europeia nos leva a questionar como isso afeta a formação do cidadão, por meio do

processo educativo, de indivíduos e coletividades.

Já é possível perceber um movimento no terreno das reformas nas universidades

no sentido de integração regional. Se a integração configura-se no plano abstrato, o

movimento e as reformas são tangíveis o que afeta diretamente a formação do cidadão

que deve ser delineada a partir das prerrogativas legais, ou seja, a formação para a

cidadania enquanto valor ético político, que pressupõe participação direta dos cidadão

em todas as instâncias decisórias no processo democrático, contudo, até o momento a

formação para a cidadania predominante na implementação do Projeto Alfa Tuning

América Latina, conforme destacado pela literatura, refere-se a cidadania enquanto

valor econômico.

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Referências

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