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A REGULARIZAO FUNDIRIA URBANA COMO CONCRETIZAO DO DIREITO FUNDAMENTAL HABITAO Victor Hugo Fallé Moreira Vaz Mestrado em Direito Ciências Jurídico-Políticas Trabalho realizado sob a orientação da Professora Doutora Luísa Neto PORTO Outubro de 2019

A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA COMO … · empenho do poder público, principalmente dos governos municipais, para o emprego adequado da REURB. ... II.3.1 Instrumentos da Regularização

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A REGULARIZACAO FUNDIARIA URBANA COMO

CONCRETIZACAO DO DIREITO FUNDAMENTAL A

HABITACAO

Victor Hugo Fallé Moreira Vaz

Mestrado em Direito

Ciências Jurídico-Políticas

Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Luísa Neto

PORTO

Outubro de 2019

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RESUMO

O presente trabalho consiste em uma análise da influência da Regularização Fundiária Urbana

(REURB), um instrumento de política urbana brasileiro, essencial para o avanço do direito fundamental

à habitação no Brasil. Inicialmente, é feita a delimitação do conteúdo do direito fundamental à

habitação, sua ligação com o exercício do direito de propriedade e, ainda, a função social que este

direito presta ao interesse coletivo. Também é exposta a conexão entre o direito à habitação e o direito

à cidade, sobretudo quanto ao desenvolvimento equilibrado das funções urbanas (habitação, trabalho,

recreação e circulação). Para compreender o problema do direito à habitação no Brasil, é indispensável

avançar sobre a formação fundiária urbana do país, que resulta em cidades desordenadas e recheadas

de irregularidades no parque imobiliário. Tais irregularidades compreendem variadas naturezas

(jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais) e estão presentes na maior parte dos imóveis brasileiros,

notadamente aqueles situados em ocupações – os núcleos urbanos informais. Em seguida apresenta-se

o instituto da REURB, sua evolução enquanto política urbana e os tratamentos legislativos, que

culminaram no novo sistema de regularização fundiária urbano, através da edição da Lei Federal n.º

13.465/2017. Esta lei é objeto de três Ações Diretas de Inconstitucionalidades, e é a partir dos

argumentos contidos nas ações que se faz uma análise do conteúdo da REURB e sua disposição para

avançar na concretização do direito fundamental à habitação. Ao fim, conclui-se que a regularização

plena dos núcleos urbanos informais leva a melhoria na qualidade de vida dos beneficiários e concede

dignidade às habitações regularizadas, especialmente às de pessoas de baixas rendas, tido por moradias

de natureza social. O exercício da regularização significa o cumprimento de vários princípios e bens-

jurídicos jusfundamentais, tais quais, além do direito à habitação, também os direitos à igualdade, à

cidadania, ao desenvolvimento social, à intimidade e à própria dignidade humana. Falta, contudo,

empenho do poder público, principalmente dos governos municipais, para o emprego adequado da

REURB.

Palavras-chave: direitos fundamentais; direito à habitação; dignidade da pessoa humana;

irregularidades fundiárias urbanas; políticas urbanas; regularização fundiária urbana.

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ABSTRACT

The present work consists in an analysis of the influence from the Urban Land Regularization, a

Brazilian urban political instrument, for the advance of the fundamental right to housing in Brazil.

Firstly, it was done a substance definition of the housing fundamental right, its link with the exercise

of the property right and, yet, the social function that this right gives to the public interest. Also, it is

exposed the conection between the right to housing and the right to city, especially about the balanced

development of the urbans functions (housing, working, leisure and transit). To understand the problem

of the right to housing in Brazil, it is crucial proceed about the urban land development in the country,

what results in disorderly cities and full of irregularities at the housing stock. These irregularities

incorporate lots of things (legal, urban, environmental, and social) and they are at the most of the

Brazilian buildings, mostly those in ocupations – the informal urban centers. Then it was presented the

institute of Urban Land Regularization, its evolution while urban political and the legal treatments, that

culminated in the new sistem of urban land regularization, through the Federal Law 13.465/2017. This

bill is object of three Unconstitutionality Direct Suit, and it is by the arguments in the Suits that have

done the cotent analysis of the Urban Land Regularization and its provision to advance in the

accomplishment of the fundamental right to housing. At the end, it is conclued the whole regularization

of the informal urban centers takes to the better in quality of life of the beneficiaries and gives dignity

to the housing settled, especially to the low-income people, like the social housing. The exercise of the

regularization means the execution of lots of principles and legal assets, which, beyound the right to

housing, also means equality right, citizenship, social development, privacy and the human dignity.

However, it needs the commitment of the public authorities, mainly the city government, to use

properly the Urban Land Regularizaion.

KEY-WORDS: fundamental rights; housing right; human dignity; urban land irregularities; urban

political; urban land regularization

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AGRADECIMENTOS

O fim de um ciclo é sempre momento de reflexão. É a hora em que a reflexão leva à conclusão

de que tudo, e principalmente todos, fizeram o caminho valer a pena. Em grandes ciclos o preço pago

é alto, mas não paga-se sozinho. E é, talvez por isso, que estas conquistas – e estes momentos – tenham

tanto valor.

Sem o sonho pela educação partilhado com minha avó Eliane, certamente eu não teria tanto

interesse pelo conhecimento e pelo direito. Com grande carinho, reconheço os esforços e o apoio da

minha mãe Ana, que além de tudo, é meu elo com Portugal.

Também imprescindíveis o apoio recebido por tantos amigos, sobretudo em épocas de jornada

dupla – e muitas vezes tripla - que tive que lidar, que sem a qual a compreensão e os incentivos, teria

eu percorrido caminhos ainda mais difíceis. Em especial a Flávia, a Mariana, a Christiani e a Flávio,

que tanto me acolheram e me estimularam.

Agradeço, também, à Professora Doutora Luísa Neto, e sua tão grande paciência e disposição

de ajudar no desenvolvimento deste trabalho da melhor maneira. Terei eterna gratidão pela colaboração

com a realização de uma etapa tão importante para mim.

E por fim, mas também pelo início, à Deus, que imprescinde de qualquer outra declaração,

porque É.

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................................ ii ABSTRACT .......................................................................................................................................... iii AGRADECIMENTOS .......................................................................................................................... iv LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS ................................................................................. vi

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 7

I. O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA ............................................................................ 11 I.1. A CONSIDERAÇÃO DA MULTIDIMENSIONALIDADE DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS ..................................................................................................... 11

I.2. O REFLEXO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A CONSIDERAÇÃO DO

MÍNIMO EXISTENCIAL .......................................................................................................... 17

I.3. AS PERSPECTIVAS PARA O MODELO DE ATUAÇÃO ESTATAL ............................ 22

I.4. A PREVISÃO ESPECÍFICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À HABITAÇÃO ............ 24 I.5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ........ 32 I.6. A DEMANDA POR UM DIREITO À CIDADE ................................................................. 34 I.7. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E O PRINCÍPIO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CONTEXTO BRASILEIRO ............................ 37

II. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: A ALTERNATIVA BRASILEIRA PARA O

DESCOMPASSO ENTRE O DESENVOLVIMENTO URBANO E A POLÍTICA FUNDIÁRIA

.............................................................................................................................................................. 40

II.1 A (Des)REGULAÇÃO DOS CENTROS URBANOS BRASILEIROS.............................. 42 II.2 OS MARCOS LEGAIS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA ..................... 46

II.2.1 A Lei 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade ............................................................. 46

II.2.2 MP n.º 459/2009 e Lei Federal n.º 11.977/2009 – Lei Minha Casa Minha Vida .... 48

II.2.3 A MP n.º 759/2016 e a Lei Federal n.º 13.465/2017 ............................................... 51 II.3 O SISTEMA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA BRASILEIRO .............. 52

II.3.1 Instrumentos da Regularização Fundiária ................................................................ 58 II.4. UMA VIA (IN)CONSTITUCIONAL PARA A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO

FUNDAMENTAL À MORADIA? ............................................................................................. 65 II.5. A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL N.º 13.465/2017 DE

UMA PERSPECTIVA JUS-PRINCIPIOLÓGICA .................................................................... 68

II.5.1 As inconstitucionalidades formais ........................................................................... 68

II.5.2 As inconstitucionalidades materiais ......................................................................... 75

CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 88

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LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS

ADI – Ações Diretas de Inconstitucionalidade

CRF – Certidão de Regularização Fundiária

CG – Comentário Geral

CN – Congresso Nacional

CRP – Constituição da República Portuguesa

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

DIAH – Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos

DVAH – Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos

EC – Estatuto da Cidade

FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil

LF – Legitimação Fundiária

LBH – Lei de Bases da Habitação

MP – Medida Provisória

MPF – Ministério Público Federal

ONU – Organização das Nações Unidas

PT – Partido dos Trabalhadores

PDM – Plano Diretor Municipal

PMCMV – Programa Minha Casa, Minha Vida

REURB – Regularização Fundiária Urbana

REURB-E – Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico

REURB-S – Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social

STF – Supremo Tribunal Federal

TCP – Tribunal Constitucional Português

UN-HABITAT - United Nations Organization - HABITAT

ZEIS – Zona Especial de Interesse Social

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INTRODUÇÃO

1.O sentimento de pertencimento que os homens desenvolveram pelos lugares fez

nascer a ideia de lar, que se caracteriza pelo vínculo sentimental com o lugar acolhe,

protege e desenvolve a intimidade familiar. É, também aí, que se faz nascer o direito

fundamental à habitação, cujo o valor está intrínseco à própria dignidade humana. A

moraria, termo assumido aqui como sinônimo de habitação1, se qualifica como um direito

inerente a noção de sociedade, sendo mesmo, um elemento básico à condição de

existência da humanidade.

Não obstante a sua fundamentalidade, o direito à habitação digna é, ainda hoje, de

gozo indisponível para milhões de pessoas mundo afora.2 A questão está imbricada no

cerne da pobreza e exclusão social e se afigura como um dos grandes problemas a ser

resolvido pela humanidade. Para dimensionar o problema, um estudo realizado no ano de

2019 apontou que cerca de 1,3 bilhões de pessoas vivem na pobreza (Índice de Pobreza

Multidimensional3 - no âmbito do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento), dos quais, 46% se encontram abaixo da linha da pobreza extrema.4

No mesmo sentido, dados da Universidade de Yale apontam que 1,6 bilhões de pessoas

vivem em habitações inadequadas, dentre eles, 150 milhões sequer possuem algum tipo

de abrigo ou moradia.5

As cidades do século XXI estão a impor grandes desafios à gestão dos ambientes

urbanos. O rápido e fluídico desenvolvimento tecnológico tem intensificado as dinâmicas

das relações humanas – pessoais, profissionais, sociais, familiares, de vizinhanças, etc.

Os governos estão sendo obrigados a gerir um lugar onde todos (e tudo) estão conectados

1 Este trabalho não faz distinção ao uso dos termos “moradia” e “habitação”, tendo em vista que o âmbito

do trabalho está enquadrado entre os direitos brasileiro, português e internacionais, onde as nomenclaturas

usuais variam, mas o conteúdo é o mesmo. Em outros termos, o direito a moradia é comum nas normas e

na doutrina brasileira, enquanto o direito à habitação é empregado em Portugal e nos textos internacionais.

Portanto, a semelhança do conteúdo impede que este trabalho adote algum rigor semântico para divorciar

as expressões. 2 NOLASCO, Loreci Gottschalk, Direito Fundamental à Moradia, São Paulo, Editora Pillares, 2008. p.

88. 3 O Índice de Pobreza Multidimensional utiliza 10 indicadores para avaliar as condições de pobreza dos

indivíduos: nutrição, baixa mortalidade infantil, anos de escolaridade, crianças matriculadas em escolas,

energia para cozinhar, saneamento, água, eletricidade, moradia digna e renda. É considerado pobre quem é

privado de pelo menos três desses indicadores, e quanto maior o número de indicadores, mais grave é a

situação. 4 Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2019/novos-dados-

desafiam-nocoes-tradicionais-de-riqueza-e-pobreza.html>. Acesso em: 19 de fevereiro de 2019. 5 Disponível em: < https://yaleglobal.yale.edu/content/cities-grow-so-do-numbers-homeless>. Acesso em:

19 de fevereiro de 2019.

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a todo o tempo. As dificuldades de adequação a essa realidade tornam-se ainda mais

difíceis em lugares em que o planejamento urbano não foi bem desenvolvido e, portanto,

os problemas sociais são de matrizes estruturais.

2. Em Portugal, o tema torna-se ainda mais relevante com a recente publicação da

Lei de Bases da Habitação (LBH) – Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro, com entrada em

vigor a 1 de outubro do corrente ano - , que enuncia a universalidade do direito à habitação

e traça os rumos das políticas públicas de habitação e reabilitação urbana, dispensando

ainda tratamento legal ao Programa Nacional de Habitação e ao tratamento da Carta

Municipal de Habitação.

A crise urbana portuguesa está assentada, em grande parte, no abandono de

imóveis, especialmente nos centros urbanos. As causas são múltiplas, mas todas ligadas

ao desenvolvimento inadequado das políticas urbanas, cujo principal exemplo é a política

de congelamento de rendas locatícias, que acabam por descapitalizar os proprietários e

desestimular as reformas e manutenções imobiliárias, causando envelhecimento do

parque habitacional e consequentes perdas de interesses comerciais e residenciais. A

maneira excludente como a moradia social foi tratada, com os bairros sociais, também

levou a altos índices de criminalidade e condições ruins de habitação.6

3.Todavia, a desordem urbana não é exclusividade de Portugal. Há lugares em que

os efeitos sobre a qualidade de vida dos habitantes urbanos são ainda piores, notadamente

em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Neste cenário, o caso do Brasil é

emblemático. O país tem a nona economia mais rica do mundo, com o Produto Interno

Bruto (PIB) em 2018 calculado em 1,93 trilhões de dólares7. Não obstante, estudos

indicam que 33 milhões de brasileiros não possuem casas e outros 24 milhões vivem em

habitações desprovidas de serviços essenciais, como iluminação pública e luz elétrica,

água encanada e esgotamento sanitário, coleta de lixo8.

A falta de controle público fica evidente quando se constata que o aumento

descontrolado de ocupações de baixa renda, sobretudo nas maiores cidades. Dados do

6 Para uma leitura aprofundada das questões que permearam as últimas décadas da pauta urbana em

Portugal, crf. BAPTISTA, Diana de Abreu Alves. Reabilitação Urbana-Poderes da Administração vs.

Garantias dos Particulares. 2013. Acessível na Universidade de Coimbra, Lisboa, Portugal Dissertação de

Mestrado 7 Disponível em:

<https://www.imf.org/external/datamapper/NGDPD@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD/BRA/ITA

>. Acesso em: 02 de fevereiro de 2019. 8 Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/05/03/interna-

brasil,678056/deficit-de-moradias-no-brasil-chega-a-6-3-milhoes-sp-tem-a-maior-defa.shtml>. Acesso

em: 20 de setembro de 2019.

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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que o número de aglomerados

subnormais (as conhecidas favelas) dobrou nos últimos 20 anos, chegando a abrigar um

universo de 11,42 milhões de pessoas em 2010. 9 Os efeitos da moléstia fundiária, é óbvio,

não ficam restritas quadro social, atingem também o setor econômico brasileiro.

4. A doutrina é categórica em afirmar que a maioria dos imóveis brasileiros possui

algum tipo de irregularidade10. No mesmo sentido são os números apresentados pelo

relatório do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC), que indica

que 42% das famílias brasileiras vivem em condições precárias ou, no mínimo,

inadequadas para a moradia, e que o número de pessoas vivendo em assentamentos ilegais

em áreas urbanas chega a 50% de toda a população11.

Neste diapasão, não bastasse a vinculação do direito à habitação com a dignidade

humana, os números expressivos ajudam a dimensionam a realidade vivida por milhões

de pessoas, que sofrerem com a vulnerabilidade resultante dos problemas de moradia e

sua conjugação com a pobreza e a degradação social. Essas enfermidades sociais exigem

do Estado a adoção de medidas que enfrentem o problema, reduzam os efeitos as urbes e

garantam a realização de um estado de bem-estar social.

5. Em todos os casos (no português e no brasileiro) é possível observar que as

causas remontam há algumas décadas de desenvolvimento inadequado e, por isso,

políticas públicas programáticas não são mais suficientes para mudar o panorama atual.

É necessário o uso de medidas curativas, que transformem a realidade dos centros

urbanos. Em Portugal, e a par das normas em matéria de planificação de ordenamento do

território e urbanístico, o caminho encontrado foi o Regime Jurídico da Reabilitação

Urbana (RJRU), instrumento urbanístico criado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009 – nas suas

várias versões modificadas -, que visa a renovação do parque imobiliário, reinserindo os

imóveis, dantes inservíveis, no cumprimento do mister da função social da propriedade.

9 Disponível em:

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/92/cd_2010_aglomerados_subnormais.pdf>.

Acesso em: 03 de fevereiro de 2019. 10 Edésio Fernandes aponta que, embora variável entre diferentes cidades, a irregularidade fundiária urbana

corresponde a algo entre 40% e 70% dos imóveis urbanos brasileiros. FERNANDES, Edésio. Perspectivas

para a renovação das políticas de legalização de favelas no Brasil. in Cadernos IPPUR, vol. xv, n.1,

jan/jun, 2003, p. 35. E João Pedro Lamana Paiva, no mesmo passo, diz que o número de irregularidades

imobiliárias superaria os 60% do parque imobiliário brasileiro. PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião

Extrajudicial é Tema de Palestra no 3º Simpósio de Direito Notarial e Registral do Espírito Santo.

Registo de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre – Porto Alegre, 27/08/2018. Disponível em:

<http://registrodeimoveis1zona.com.br/?p=2455>. Acesso em 20 de setembro 2019. 11 Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, E/C.12/1/Add.38, para. 35-36, 08/12/1999.

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Ao invés, no caso brasileiro a opção foi pelo instituto da Regularização Fundiária

Urbana, também instrumento de âmbito urbanístico, que pretende regularizar os imóveis

sob quatro aspectos diferentes, notadamente as irregularidades de naturezas jurídica,

urbanística, ambiental e social, também com fins a dar às propriedades imobiliárias o

devido cumprimento da função social.

6.Assim, a questão que nos propomos escalpelizar é a da influência da REURB

para o avanço da concretização do direito fundamental à habitação no Brasil. Antes,

contudo, de ascender ao caso brasileiro, far-se-á necessário delimitar o conteúdo deste

direito, sua relação com o mínimo existencial e a dignidade humana e, também, a

vinculação com o cumprimento da função social da propriedade e, mesmo, das funções

sociais da cidade.

Em seguida, importará avançar sobre a formação fundiária brasileira e as

consequências para o direito à moradia. A evolução da legislação urbanística, sobretudo

no que diz com o instituto da regularização fundiária, até culminar na Lei Federal

13.465/2017, que instituiu o novo sistema de regularização fundiária brasileiro. A lei

provocou grandes mudanças em grande parte do sistema jurídico brasileiro e erigiu-se em

um ambiente político conturbado, factores que certamente influenciaram no ajuizamento

de três Ações Diretas de Inconstitucionalidades, ainda pendentes de julgamento.

A análise dos argumentos contidos nas petições que deram início às ações cria

uma boa oportunidade para analisar-se os efeitos e as implicações do conteúdo normativo

de que a REURB foi dotada. Nesse contexto, diversos temas são enfrentados, tais quais,

as exclusões sociais, as preservações ambientais, a participação popular, as inadequações

jurídicas, a prestação dos serviços sociais básicos, as infraestruturas e as condições de

habitação, etc. O instituto também é avaliado sob a perspectiva de princípios e direitos

jusfundamentais, notadamente os direitos à igualdade, à cidadania, ao desenvolvimento

social, à intimidade e à própria dignidade humana. Em uma última palavra, resta saber se

a lei é, verdadeiramente, inconstitucional ou, do contrário, busca dar cumprimento aos

valores e bens-jurídicos da ordem constitucional social brasileira.

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I. O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

O problema da moradia social12 encontra, em cada país, características próprias

da sociedade em que está inserido. Já o conteúdo do direito fundamental à moradia, muito

embora tenha algo fluídico, em razão da ligação que tem com a moradia social e suas

especificidades, também é dotado de um teor universal, um núcleo duro, que é extraído

de uma ainda mais forte ligação que este direito tem, desta vez com a dignidade da pessoa

humana, que por sua vez, figura como “valor fonte” dos direitos humanos.13

Esse conteúdo comum ao direito fundamental à habitação é o que serve de

premissa para este trabalho e será extraído de uma análise que abranja os principais

documentos internacionais que tratem do tema, bem como da análise do ordenamento

jurídico brasileiro e português. Isso, certamente, levará ao encontro de um conteúdo mais

uniforme e que servirá de base segura para o desenvolvimento da pesquisa.

Por tratar-se de um direito fundamental social, vinculado aos direitos econômicos,

sociais e culturais, que possuem tratamento jurídico diverso de outras faces dos direitos

fundamentais, notadamente os direitos civis e políticos, há proveito na breve passagem

pela contextualização, conteúdo e diferenças entre os regimes dispostos no âmbito

constitucional, com destacável diferença entre a Constituição da República Portuguesa

(CRP) e a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB).

Apesar de ser um tema já estabelecido na doutrina constitucional, o

jusfundamentalismo merece ser contextualizado em virtude da conexa evolução do

tratamento dado pelos textos internacionais ao direito à habitação, sempre a inseri-los nos

documentos que tratavam dos direitos fundamentais sociais. Mas, importa advertir, o

estudo será desenvolvido na extensão do necessário à apreensão adequada do tema, sem

olvidar-se da brevidade que aqui se exige.

I.1. A CONSIDERAÇÃO DA MULTIDIMENSIONALIDADE DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS

12 O termo moradia social é usado neste trabalho para designar habitações ocupadas predominantemente

por pessoas de baixa renda. 13 SANTOS, Paulo Ernani Bergamo. Ocupações Irregulares e Regularização Fundiária. Revista Magister

de Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre, fev./mar. 2012, p. 79.

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É de conhecimento geral entre os juristas que os primeiros direitos ditos

fundamentais foram reivindicados contra o abuso de poder da figura estatal sobre os

cidadãos do século XVIII. Seus valores ensejaram a conquista e o exercício dos direitos

de liberdade – ditos direitos civis e políticos. Iniciou-se a era do liberalismo, que um

século depois encontrou sérios efeitos colaterais sociais. No fim do século XIX, a crise

social gerada pelo modelo estatal liberal evocou discussões que apontaram para a

ineficiência que esse liberalismo clássico apresentava, incapaz de construir uma

sociedade justa, pacífica e solidária.

No início do século XX, surge um outro prisma dos direitos fundamentais, que

abrangem os direitos econômicos, sociais e culturais. São os direitos de igualdade e estão

diretamente ligados à dignidade da pessoa humana. Surge, aqui, uma classificação

polêmica quanto aos direitos fundamentais, que são divididos primeiro em gerações e

depois em dimensões14, dizendo-se que os direitos de liberdade seriam de 1ª dimensão e

os direitos de igualdade os de 2ª dimensão 15.

Em um primeiro momento, a positivação dos direitos sociais em diversas

constituições pelo mundo acabou sendo instrumentalizada de maneira diversa. Em alguns

casos, houve a diferenciação dos regimes jurídicos desses direitos com os direitos de

liberdade, como ocorreu nos artigos 17.º e 18.º da CRP de 1976. No Brasil, diversamente,

a CRFB de 1988 concentrou os direitos sociais e os demais direitos fundamentais no

Título II. Estabeleceu, também, que a eficácia de aplicação imediata das normas

definidoras de direitos e garantias fundamentais (parágrafo 4.º do artigo 5.º da CRFB) e

atribui o status de cláusula pétrea aos direitos e garantias individuais (inciso IV do

parágrafo 4.º do artigo 60.º da CRFB).

14 Parte da doutrina vem defendendo a insuficiência dogmática da expressão “gerações” para categorizar os

direitos fundamentais, por ser incapaz de traduzir a profundidade adequada que o tema requer. Sustentam

que este termo transmite a ideia de uma evolução linear, o que contradiria com a realidade da progressão

da concretização dos direitos fundamentais, caracterizadas pela flutuação em virtude das inconstâncias

socio-político-culturais de cada país e cada época. Não haveria que se falar, portanto, em a evolução gradual

que os termos “gerações” transmite. Também o termo “dimensões” é criticado, sobretudo em face da ideia

de segmentação dos direitos fundamentais, como se pudessem ser separados puramente em um ou outro

critério. Fala-se, pois, que as obrigações omissivas e comissivas marcam a posição estatal em ambos os

direitos, pelo que, seriam, teriam todos uma multidimensionalidade. Cfr. FUHRMANN, Ítalo Roberto.

Revisando a teoria “dimensional” dos direitos fundamentais. Direito & Justiça, v. 39, n. 1, 2013. 15 Existiria, ainda, a 3.ª dimensão dos direitos fundamentais, centrada nos direitos da coletividade e fundada

na solidariedade. Há doutrinadores, liderados por Paulo Bonavides, que defende também a existência de 4.ª

dimensão – direito à democracia direta e os relacionados à bioética - e 5.ª dimensão – direito à paz -, cujos

objetos fogem completamente do escopo deste trabalho e sequer serão analisados. Cfr. BONAVIDES,

Paulo. Curso de direito constitucional, 27ª ed; Malheiros, São Paulo-SP,2012. p. 570 e CUNHA JR.,

Dirley. Curso de direito constitucional. 8ª ed. editora JusPodivm, Salvador - BA. 2014, p. 483.

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Atualmente, contudo, a integração de todos os direitos fundamentais em redes e

conexões inseparáveis, fez como que se chegasse ao entendimento de que a alocação de

dimensões objetivas e subjetivas a várias gerações de direitos não é adequada para bem

classificar os direitos fundamentais. Fala-se, pois, na multidimensionalidade de qualquer

das posições jurídicas ativas fundamentais enquanto sistema harmônio, coerente e

indissociável.16

Ao fim e ao cabo, os direitos fundamentais possuem como traço marcante a

complementariedade e a alternância dos seus níveis de concretização, que oscilam em

função do contexto histórico e da evolução social de cada Estado. A classificação em

dimensões, ressalva-se, ainda é feita por parcela da doutrina, para indicar os direitos que

sejam predominantemente de abstenção ou de necessária prestação por parte do poder

público.

Não obstante as críticas hoje decorrentes da chamada doutrina da dogmática

unitária dos direitos fundamentais, aos direitos sociais, indubitavelmente, prevalece uma

“expectativa positiva”17 na atuação do Estado, direta ou indiretamente, que proporcionem

melhores condições de vida aos mais fracos. São direitos que exigem uma prestação

estatal para, como diz Silva, “realizar a igualização de situações sociais desiguais” 18. Eis

o porquê de serem não raro apelidados – ainda que redutoramente - de direitos de

igualdade.

As constituições contemporâneas elegeram o plus dos direitos sociais como o eixo

de seus sistemas jurídicos.19 Contudo, a incorporação das normas do Estado Social nos

textos constitucionais se deu sem que tenha sido determinado o modo de atuação do

Estado para a concretização desses valores constitucionais. De certo modo, isto se faz

necessário uma vez que a concretização dos direitos fundamentais evolui à medida que a

própria sociedade também se desenvolve. Contudo, incorre-se aqui no inconveniente que

os conteúdos jurídicos indeterminados estão sempre a gerar.20

16 IRIBURE JÚNIOR, Hamilton da Cunha; XAVIER, Gustavo Silva. Multidimensionalidade dos direitos

fundamentais e sua influência no processo. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v.

13, n. 1, 2018, p. 91. 17 QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais: funções, âmbito, conteúdo, questões

interpretativas e problemas de justiciabilidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 7. 18 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 183

e 184. 19 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 9. 20 NUNES DE SOUZA, Sérgio Iglesias. Direito à moradia e de habitação. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p. 119.

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14

Essa indeterminação lança às políticas públicas o papel de estabelecer os níveis

de concretude dos direitos fundamentais sociais. Compete, portanto, aos poderes

legislativos e executivos agir para o avanço destas pautas.21 Diga-se, no entanto, que

apesar de o progresso depender das ações dos entes públicos, uma vez alcançado certo

patamar de concretização desses direitos é vedada adoção de qualquer medida –

comissiva ou omissiva – que provoque o retrocesso.

As variações dos níveis de concretização, todavia, são multifactoriais. Vezes

dependem da disposição orçamentária, vezes do desenvolvimento econômico e cultural

de cada sociedade e, por que não dizer, da eleição das prioridades sociais que integram o

programa de cada governo, constantemente modificadas em razão do princípio da

alternância de poder ou de governo, que por sua vez é ínsito ao próprio Estado

Democrático de Direito.22

Assim, conquanto os direitos de liberdades sejam exigíveis judicialmente, se

tratando, propriamente, de direitos subjetivos, há quem entenda que, no caso dos direitos

fundamentais sociais isso, isso não seja uma regra absoluta. A controvérsia se instala,

justamente, na dificuldade de prestação de todos os direitos fundamentais sociais, por

parte do Estado, a todos os cidadãos – tese que se origina da “teoria da reserva do

possível” 23.

Ao tratar da questão, Cristina Queiroz explica que, neste contexto, direito

subjetivo não se configura como um “domínio da vontade”, ou mesmo como uma

“proteção de um interesse”, mas como uma “posição jurídica”, a compreender uma “dupla

dimensão do conceito de ‘direito fundamental subjetivo, hora como uma liberdade de aão,

positiva e negativa, de facere e de non facere”. E conclui: “é neste caso que a realização

judicial de um direito apresenta-se como uma característica da ‘posição jurídica’.”.24 A

autora conclui, por fim, que os direitos sociais são, inegavelmente, direitos subjetivos.

21 Oswaldo Canela Junior bem define políticas públicas: “Por política estatal – ou políticas públicas –

entende-se o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas.

Trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder

Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado.” Para saber mais: CANELA JUNIOR,

Oswaldo. A efetivação dos Direitos Fundamentais através do processo coletivo: o âmbito de cognição

das políticas públicas pelo Poder Judiciário. Tese de Doutorado USP 2009. 22 ANDRADE, José Carlos Vieira de. O direito ao mínimo de existência condigna como direito

fundamental a prestações estaduais positivas: uma decisão singular do tribunal constitucional.

Jurisprudência Constitucional, v. 1, 2004, p. 4. 23 Reserva do possível é a limitação imposta pela disponibilidade orçamentária estatal, para a concretização

das ações públicas. Mais em CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição, p. 448. 3ª edição, Coimbra: Almedina, 1997, 24 QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais..., ob. cit., p. 139.

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15

Dirley da Cunha Jr, ao defender esse entendimento ao direito brasileiro, justifica

tal posição ao distinguir as realidades existente nos países desenvolvidos, onde o nível de

proteção social é elevado, daquela presente nos países periféricos, portadores de

reconhecidas vulnerabilidades sociais. Em outros termos, nos países ricos os níveis

mínimos de concretização da proteção social são elevados, o que justifica uma

intervenção pontual do judiciário para corrigir os descaminhos.25

Diversamente acontece em países onde a exclusão social atinge uma grande parte

da população, com considerável abandono do poder público, que resulta em uma saúde

pública lastimável e em hospitais sem leito suficiente, além de uma educação de baixo

nível e elevadas taxas de abandono escolar, sem olvidar-se, é claro, da luta contra a fome

e a desnutrição. Tudo isso é um atentado contra aquilo que se quis chamar de dignidade

humana. Ao utilizar o direito comparado, ressalva o autor, países como o Brasil,

portadores dessa realidade de exclusão social, devem procurar amoldar a sua realidade os

institutos jurídicos criados e difundidos em países de primeiro mundo, como é o caso da

Alemanha e de Portugal. É indispensável que sejam feitas as necessárias adaptações26.

Assim, é papel dos tribunais, caso provocados, intervir na aplicação das normas

constitucionais sociais, sobretudo no contexto de um Estado Democrático de Direito.

Diante da omissão dos demais poderes, cabe ao judicial obliterar as iniquidades sociais e

interceder a favor da garantia dos direitos de existência condigna a todos os indivíduos,

tudo em respeito à máxima ordem constitucional. No Brasil, um país que concede tantos

privilégios aos seus políticos, não é razoável deixar de atender ao direito fundamental

social de uma população sofrida e malcuidada.27

Todavia, a resposta não é assim de fácil conclusão. Queiroz, ressalva o papel dos

poderes legislativo e executivo na garantia dos direitos fundamentais sociais, embora

reconheça que “o legislador não é livre na escolha dos fins”, pois “esses ‘fins’

correspondem a ‘valores constitucionais” cuja defesa compete não apenas ao legislador”,

mas aos órgãos de controle, especialmente ao poder judicial. Adverte, todavia, a autora,

que os tribunais não podem agir ex officio, mas quando provocados devem agir para

impedir a não atuação ou atuação arbitrária do legislador.28

25 CUNHA JR., Dirleu da, Curso..., Ob. cit, p. 602. 26 CUNHA JR., Dirley da, Idem, ob. cit., p. 602 e 603. 27 CUNHA JR. Dirley da, Ibidem, ob. cit., p. 604. 28 QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais..., ob. cit., p. 153 e 157.

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16

Ao classificar os direitos fundamentais em status29, também Jellinek defende que

as normas podem prescrever uma conduta negativa (um non facere) ou positiva

(propriamente um facere) para todos os atores sociais – e não apenas o Estado. No

primeiro caso, a norma teria eficácia seria plena, enquanto, enquanto nas obrigações

prestacionais a concretização estender-se-ia ao “máximo possível”.

Essa discussão remete a um ponto de muitos questionamentos, sobretudo em solo

europeu, que diz com a capacidade de sobrevivência do Estado Social frente ao numerário

de obrigações de que está carregado. Nada obstante, importante que se diga que o

problema não está centrado só na Europa. Diversamente, grande parte dos Estados

Constitucionais Sociais suportam algum grau de inefetividade na concretização destes

direitos, sobretudo em países periféricos.30 Ao tratar do tema, Jorge Miranda correlaciona

muitos sinais de alterações sociais globais, que o levam a concluir pela existência de uma

verdadeira crise desse modelo estatal.31

Em seu diagnóstico, Miranda aponta alguns factores que afluem para essas

adversidades, dentre as quais são importantes de citação a demanda excessiva de grupos

sociais, que tem gerado uma cultura de “subsídeodependência”32; o crescimento do

aparelho estatal, a gerar de desperdícios e propiciar gestões públicas incompetentes e

corruptas; o envelhecimento populacional, que causa desequilíbrio financeiro para a

assistência social; a globalização do mercado, em que empresas tem migrado para países

de mão-de-obra barata.

É facto que o discurso do elevado endividamento por parte dos Estados tem sido

recorrente nas últimas décadas, especialmente no caso dos Estados de característica

29 Quatro são os status possíveis: passivo, ativo, negativo e positivo. Em linhas gerais, o primeiro é a relação

de subordinação dos indivíduos ao Estado. O segundo garante ao cidadão o direito de participação nas

decisões políticas. O aspecto negativo é espaço de liberdade que o cidadão dispõe frente a atuação estatal.

E, por fim, o status positivo trata do direito de o cidadão exigir prestações estatais. AGRA, Walber de

Moura. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.206 e 207; Cfr.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos

significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual. Brasília, vol. 2, n. 13, junho/1999. 30 SARLET, Ingo Wolfgang. Breves Notas Sobre o Regime Jurídico-Constitucional dos Direitos Sociais

Na Condição de Direitos Fundamentais, com Ênfase na "Aplicabilidade Imediata"das Normas de

Direitos Fundamentais e na sua Articulação com o Assim Chamado Mínimo Existencial. In Estudos

em Homenagem ao Prof. Dr. JJ Gomes Canotilho/ Org Fernando Alves Correia. Vol 3. Coimbra: Coimbra,

2012, p.883 - 887. 31 MIRANDA, Jorge. Os novos paradigmas do Estado social. In: XXXVII CONGRESSO NACIONAL

DE PROCURADORES DE ESTADO, 2011, Belo Horizonte. Conferência. Lisboa: Icjp, 2011, p. 8 e 9.

Disponível em: <https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1116-2433.pdf>.. Acesso em: 14 de julho de

2019. 32 Termo usado por Jorge Miranda para transmitir a ideia de uma sociedade viciada em subsídios e outros

auxílios estatais, o que sobrecarregaria o Estado e levaria ao desestimulo ao desenvolvimento dessas

pessoas.

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assistencialista-social, que estão limitados pela alocação de recursos na manutenção dos

níveis prestacionais. O futuro do Estado Social, como até então concebido, passa,

portanto, pela resposta a essas novas demandas, que tem posto em risco, inclusive, a

manutenção dos níveis sociais já conquistados.

Uma possível resposta para esses anseios seria o deslocamento da intervenção

estatal para um modelo no qual a atuação pública esteja atrás da iniciativa privada, com

as funções de garantias subsidiárias, ou mesmo, reguladora. Este tema, todavia, será

objeto de maiores profundidades em outro ponto do trabalho. O tema merece será melhor

discutido em tópico próprio.

A ligação entre o aumento da concretização dos direitos fundamentais sociais e a

redução das desigualdades sociais é íntima. Todavia, a impossibilidade de concretização

integral, por parte do Estado, de todos esses direitos leva a outro ponto de funda

importância: como definir seguramente qual o limite de atuação mínima pode-se exigir

do poder público?

A resposta passa consideração de direitos subjetivos do cidadão apenas aquilo que

esteja conectado ao chamado mínimo da existência condigna, ou mínimo existencial, a

fim de preservar o equilíbrio fiscal, e a viabilidade e o manejo das opções políticas de

alternados governos, dentro de um Estado Democrático. Outra vez, estar-se diante de um

conteúdo “aberto” no “tempo”33.

Robert Alexy concorda com a ideia de que os direitos fundamentais sociais

mínimos são definitivos e, portanto, postuláveis em juízo. Assevera que, no entanto, estes

direitos possuem natureza principiológica, que exige o uso dos critérios de ponderação

no caso concreto, a fim de se avaliar o contexto que cerca o direito dito violado e os

valores que busca-se garantir dentro de uma ordem constitucional.34 A avaliação, como

não poderia deixar de ser, deve ser pautada pelo princípio da proporcionalidade.35

I.2. O REFLEXO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A

CONSIDERAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL

33 QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais..., ob. cit., p. 151 e 152. 34 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,

1993, p. 494-495. 35 SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos.

In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentos,

judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 567.

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Apesar de exsurgido na década de 1950, o conceito de “mínimo da existência

condigna” tomou lugar na doutrina constitucional nas últimas décadas, em virtude na

necessidade de se encontrar o ponto de equilíbrio para as obrigações prestacionais a que

o Estado Social está obrigado.

Ingo Sarlet o qualifica como o direito a um conjunto de prestações estatais que

garanta a todos os indivíduos as condições mínimas para viverem com dignidade. 36 O

autor conta que o surgimento desse instituto deu-se na Alemanha, em 1953, por meio da

doutrina de Otto Bachof. No ano seguinte, o reconhecimento deste direito veio por meio

do Tribunal Federal Administrativo Alemão e, duas décadas mais adiante, pelo Tribunal

Constitucional Federal Alemão.

A doutrina alemã do segundo pós-guerra posicionou o mínimo existencial dentro

do conceito da existência condigna e, assim, a integrar o conteúdo essencial do próprio

Estado Democrático de Direito. Nada obstante, o conceito que trata do mínimo da

existência condigna exige, também, um conteúdo aberto, que tome em conta as

circunstâncias sociais, econômicas e pessoais dos casos in concreto.37 O conceito de

mínimo existencial, portanto, será um reflexo um reflexo dos valores e da concretização

que os direitos sociais têm em cada sociedade.38

A impossibilidade de determinar-se com precisão o conteúdo do mínimo

existencial não impede, todavia, de se identificar-se algum direito que componha o núcleo

essencial desse instituto. Sarlet39 situa esses direitos em uma “zona de certeza positiva”,

de íntima ligação com a dignidade da pessoa humana. Dentre esses direitos estão o direito

à vida, à integridade física, à saúde, à educação e, também, à moradia.

O autor ressalva, ainda, que o mínimo existencial não está restrito ao conjunto de

prestações suficientes para assegurar tão somente a existência humana. A isso nomeia-se

36 SARLET, Ingo Wolfgang; ZOCKUN, Carolina Zancaner. Notas sobre o mínimo existencial e sua

interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos sociais.

Revista de Investigações Constitucionais, v. 3, n. 2, 2016., p.116 a 120.

37 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial

e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.).

Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.

20. 38 BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.197-198. 39 Para o Autor, é possível falar em “zonas de certeza positiva”, para os direitos que indubitavelmente

integram o conteúdo essencial do mínimo existencial, bem como “zonas de certeza negativa”, em que o

direito em questão certamente não faz parte deste núcleo e, ainda, existem os que situam-se na “zona de

penumbra”, autoexplicativo. SARLET, Ingo Wolfgang, Notas sobre o mínimo existencial..., Ob. cit., p.

122.

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de mínimo vital. O mínimo de existência condigna, por outro lado, está diretamente ligado

ao grande valor da dignidade humana, que deve fazer parte das condições de vida de todos

os indivíduos, muito superior à ideia de garantia de mera sobrevivência dos indivíduos.40

Watanabe propõe a classificação destes direitos fundamentais sociais, a fim de

extrair-se a sua exigibilidade em juízo. Três são as possibilidades: (i) os que compõem o

núcleo duro da dignidade humana e formam o mínimo existencial serão sempre passíveis

de judicialização, sem que seja oponível a reserva do possível; (ii) Os que não fazem parte

do conceito de mínimo existencial, mas possuem densidade normativa suficiente para

serem exigidos judicialmente, limitados, porém, a reserva do possível; (iii) e, por fim, os

demais direitos fundamentais sociais, de cunho programático, que dependem

exclusivamente da mediação legislativa e executiva.41

Seguindo este entendimento, existiria uma verdadeira imposição constitucional

para que o Estado promova os direitos fundamentais sociais, naquilo que compõe o

chamado “mínimo de existência condigna”.42 A garantia deste conteúdo essencial

significa a garantia do próprio direito à vida, visto o postulado de que viver sobrepõe o

ato de existir, exigindo a plenitude de uma vida digna.

Ana Paula de Barcellos atenta para a dificuldade em determinar-se o conceito do

princípio da dignidade humana43, visto ser de conteúdo aberto. Ressalta, todavia, que

haverá sempre um valor uníssono em matéria de direitos fundamentais, pois é inegável

que o homem jamais terá dignidade sem comida, sem vestes, sem educação básica, sem

saúde, sem moradia, sem liberdade – de locomoção, de ação, de direitos. Estes, ainda que

40 SARLET, Ingo Wolfgang, Notas sobre o mínimo existencial..., Ob. cit., p. 123 e 124. 41 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas, mínimo existencial e demais Direitos

Fundamentais imediatamente judicializáveis. Revista de Processo | vol. 193 | p. 13 | Mar / 2011 |

DTR\2011\1234. p. 7 42 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre o mínimo existencial e sua interpretação pelo STF, ob.cit., p.

131. 43 Importa apontar as diferenças existentes entra o “mínimo de exigência condigna” e a “dignidade

humana”. Enquanto esta é um conjunto de princípios e valores supremos, a nortear todo o ordenamento

jurídico e exigir uma vida de bem-estar para todos os indivíduos, o primeiro pode ser definido como o

conjunto de todos os direitos que precisam ser exercidos para garantir essa realização digna da condição

humana. Assim, a primeira estaria inserida no âmbito da segunda, sem que possa dizer-se tratarem-se da

mesma coisa. Sarlet assim aduz: ““temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva

de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da

comunidade, implicando, neste sentido, é o complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a

pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as

condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação

ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres

humanos” SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na

Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p.62

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hora direito de liberdade e hora de igualdade, certamente, devem ser garantidos pelo

Estado.44

A autora advoga, inclusive, na tese de que as normas constitucionais que tratam

dos direitos inerentes a dignidade humana superariam a condição de princípios, e tornar-

se-iam, verdadeiramente, regras constitucionais.45 Nas demais normais fundamentais

sociais, contudo, sem a existência do “selo” do mínimo existencial, restaria ao judiciário

manejar os efeitos negativo, interpretativo e proibitivo de retrocesso, mais uma vez em

respeito ao princípio da democracia e do pluralismo político-cultural.

Em Portugal, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Português (TCP),

embora marcadamente restritiva, construiu, ao longo de décadas, uma posição de ser o

direito ao mínimo de existência condigna um direito fundamental, passível de

judicialização.46 Neste sentido, Vieira de Andrade aponta os Acórdãos n.ºs 232/9147 e

177/0248 para destacar a evolução do tema, que culminou no paradigmático Acórdão n.º

509/0249, decisão que assentou de vez essa posição da corte, ao declarar existir verdadeira

44 BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana

na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 221, p. 159-188, jul. 2000.

Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47588>. Acesso em: 03 de

junho de 2019. 45 BARCELLOS, Ana Paula de. Eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade

da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 304-305, 46 Nas palavras de Vieira de Andrade “de facto, na última década, o TC alicerçara progressivamente este

direito, afirmando, primeiro, a garantia do mínimo de sobrevivência como fundamento de restrições

legislativas a outros direitos, e, depois, a existência de um direito subjetivo ao mínimo de sobrevivência

condigna como limite negativo do poder estadual de execução patrimonial – o direito a não ser privado

desse mínimo.” VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. O “Direito ao Mínimo de Existência Condigna”

como Direito Fundamental a Prestações Estaduais Positivas - Uma Decisão Singular do Tribunal

Constitucional. Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n. 509/02. Jurisprudência

Constitucional, n. 1, 2004. p. 21. 47 “O Acordão n.º 232/91 considerou justificada a imposição às seguradoras da atualização das pensões por

morte causada por acidente de trabalho, apesar da eficácia retrospectiva de tal imposição, com fundamento

na garantia de um mínimo de sobrevivência decorrente do princípio do respeito incondicional da dignidade

da pessoa humana – não se afirmava ainda um direito subjetivo e interpretava-se uma lei ordinária

impositiva.”. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Idem, ob. cit.. 48 Depois do Acórdão 232/91, “o Tribunal proferiu uma série de decisões, relativas à impenhorabilidade de

certos rendimentos, designadamente de prestações sociais, série que culmina, na sequência de vários

processos de fiscalização concreta, na declaração, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 177/2002,

da inconstitucionalidade do artigo 824.º do Código de Processo Civil, por se entender que a penhora de

rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional ‘afeta sempre de forma inaceitável a satisfação das

necessidades do executado e seu agregado familiar’.”. VIEIRA DE ANDRADE, ibidem, Ob. cit.. 49 Jorge Miranda e José de Melo Alexandrino contam que “Em processo de fiscalização preventiva, o

Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade de um decreto da Assembleia da

República que revogava o rendimento mínimo garantido (criado por um Governo socialista em 1996),

substituído por um “rendimento social de inserção”. O novo regime reconhecia a titularidade do rendimento

social de inserção apenas às pessoas com idade igual ou superior a 25 anos, ao passo que o regime anterior

reconhecia o direito à prestação do rendimento mínimo aos indivíduos com idade igual ou superior a 18

anos. Na sequência da pronúncia do Tribunal Constitucional, o decreto do Parlamento foi reformulado,

vindo então a ser publicada a Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio – posteriormente alterada pela Lei n.º 45/2005,

de 29 de Agosto. MIRANDA, Jorge; ALEXANDRINO, José de Melo. As Grandes Decisões dos

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21

obrigação estatal de garantia do mínimo para a existência condigna. Neste julgamento,

restou concretamente vedado a retirada de direitos, pelo legislador, que esvazie o

conteúdo essencial dos direitos sociais garantidos constitucionalmente.50

É notável a proteção que o instrumento da judicialização exerce para defesa dos

direitos sociais, especialmente no que se refere ao mínimo existencial de pessoas em

situação de vulnerabilidade, em violação direta ao princípio da dignidade da pessoa

humana. Contudo, para além do que se viu sobre a liberdade de conformação do

legislador, não se pode perder de vista também os reflexos que reiteradas decisões

judiciais que determinem uma prestação estatal podem causar.

Este é um indicador claro de que a via judicial não é o meio mais efetivo de

avançar na concretização dos direitos sociais. 51 Assim, é destacável a preocupação

suscitada pelo TCP, no Acórdão n.º 509/02, quanto a exigência de rigorosa adstrição ao

conteúdo do que seja, de facto, minimamente indispensável. Esta é uma decorrência direta

do princípio democrático, que possibilita o exercício do pluralismo e da alternância

democrática, mas também do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, de onde

decorre a ideia de Estado de direito democrático.52

Nada obstante todos os valores constitucionais tratados, a intervenção judicial na

prestação dos direitos sociais gera o risco, também, de provocar o desequilíbrio na

repartição dos recursos públicos, o que certamente compromete a fruição de outros

direitos fundamentais, por outros grupos sociais, com graves consequências a todos o

sistema jusfundamental.

Isto porque os acessos individuais aos tribunais provocam a realocação das verbas

públicas sem qualquer planejamento, de modo curativo, com tendências a destinar-se

parcelas significativas de recursos para uma quantidade reduzida de pessoas. O resultado

é, naturalmente, o desequilíbrio das finanças públicas. Nesse diapasão, Daniel Hachem

aponta que o acesso ao poder judiciário, apesar de parecer igualitário, gera uma verdadeira

desigualdade material.53

Tribunais Constitucionais Europeus, p. 2. Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-

content/uploads/2014/12/Miranda-Jorge-Alexandrino-Jose-de-Melo-Grandes-decisoes-dos-Tribunais-

Constitucionais-Europeus.pdf.> Acesso em: 04 de setembro de 2019. 50 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. O direito ao mínimo..., Ob. cit.. 51 DE OLIVEIRA, Thiago Ferraz. DE SOUSA LOPES, Maísa. A reserva do possível e o mínimo existencial

na efetivação dos Direitos Sociais. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 3, n. 1, 2016, p. 169 52 MIRANDA, Jorge. As Grandes Decisões..., ob. cit.. p. 4 e 5. 53 HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e

judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais. A&C – Revista de Direito Administrativo

& Constitucional, Belo Horizonte, vol. 15, n. 59, jan./mar. 2015., p. 66.

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22

De facto, o mecanismo de judicialização de demandas sociais, afinal, não é

comumente utilizado pelos indivíduos mais pobres, que dispõem de poucos recursos para

socorrer-se da tutela jurisdicional o que, portanto, acaba por comprometer a efetividade

da prestação desses direitos essenciais às classes de baixa renda. O autor brasileiro aponta

ser mais plausível a regulamentação de caminhos administrativos que forneçam um meio

efetivo para as reivindicações individuais acerca dos direitos sociais54, sempre norteadas

pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade que apresentem os casos

concretos.55

I.3. AS PERSPECTIVAS PARA O MODELO DE ATUAÇÃO ESTATAL

A complexidade que a figura estatal assume no mundo contemporâneo é tão

grande que, por vezes, chega-se a esquecer que essa ficção jurídica existe para permitir

ao homem ascender, com a possibilidade de “crescimento em plenitude de cada um dos

seus membros, chamados a colaborar de modo estável para a realização do bem comum,

sob o impulso da sua tensão natural para a verdade e para o bem”.56

A comunidade política tem o dever de ofertar ao cidadão, nessa busca pelo bem

comum, um ambiente verdadeiramente humano, favorável ao real exercício dos ditos

direitos do homem. Os factos históricos não negam que, onde há uma falta de atuação

adequada dos poderes públicos, o resultado é o aumento do desequilíbrio

socioeconômico-cultural, a tornar iníquos os direitos e deveres valorados pela

sociedade57.

Assim, em tempos de crise do modelo de Estado Social, discussões sobre as

formas de atuação estão sempre em voga, sobretudo em busca de uma maior eficácia para

as garantias exortadas pelo plano constitucional social. Como alternativa ao modelo

clássico da prestação direta e exclusiva dos serviços públicos pelo ente público, aparece

a ideia de uma transferência dessas responsabilidades para os atores privados, sem que

isso importe em uma cisão, mas no desenvolvimento de uma rede de cooperação entre os

setores, voltados para o interesso público.

54 HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação..., ob. cit., p. 67. 55 TRINDADE, Antônio César; LEAL, Rogério Gesta. As dimensões da reserva do possível e suas

implicações na efetivação dos Direitos Fundamentais sociais. Unoesc International Legal Seminar,

Chapecó, v. 2, n. 1, p.381-393, 2013. Disponível em:

<http://editora.unoesc.edu.br/index.php/uils/article/view/4033/2176>. Acesso em: 16 de agosto de 2019. 56 CATÓLICA, Igreja. Compêndio da doutrina social da Igreja. Cascais: Principia, 2005. p. 135. 57 CATÓLICA, Igreja, Idem, ob. cit., p. 137

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Aquele entendimento contido no welfare state, onde cabe ao Estado ser o agente

promotor dos principais serviços públicos, deixando para a atuação privada apenas as

áreas consideradas não essenciais às políticas públicas, é possivelmente a causa dos

Estados superendividados e incapazes de acompanhar as inovações técnicas da

tecnologia, que resulta na incapacidade de suprir os anseios de uma sociedade que evolui

em uma rapidez assustadora. O mundo já não é o mesmo e o institutos jurídicos estão

demandando revisões cada vez constantes.

As críticas ao modelo de prestações público-exclusivistas, aliás, evidenciam dois

graves problemas. Num primeiro momento, observa-se que Estado Social se transformou,

nas palavras de Fernando Adão da Fonseca, em um “sorvedor de recursos, burocrático e

centralizador, que paralelamente mata a inovação e o progresso”, e é incapaz de entregar

aos cidadãos o gozo dos direitos de que são titulares.58

A outra questão está ligada à incruenta redução da liberdade de autoafirmação dos

indivíduos. Ora, a liberdade de escolha é um valor essencial em uma sociedade

democrática, e é certo que cabe ao setor público fornecer as condições para o seu disfrute

e desenvolvimento. Este, aliás, é um dos principais deveres da ordem jurídica, sobretudo

das políticas estatais. Ao tomar para si a exclusividade prestacional de certos direitos

sociais, o Estado amputa a concorrência, enfraquece a capacidade de os cidadãos gerarem

riquezas e, ao fim e ao cabo, impede-os de exercer suas individualidades.59

Ao buscar uma via diferente, afinal o liberalismo clássico já se mostrou um

modelo inadequado para resolver os problemas sociais, Adão da Fonseca propõe um

modelo de atuação subsidiaria – ou de garantia – por parte do Estado. Essa ideia, embora

não seja uma novidade, tem angariado muitos adeptos, justamente em função dos

problemas vividos pelo Estado de tudo executor. Neste sentido, o autor defende a

continuidade do Estado Social, mas, na impossibilidade de prestação direta e exclusiva,

o Estado deve oportunizar à iniciativa privada a prestação desses serviços, com vistas aos

ganhos de qualidade e eficiência.

Efetivamente, em decorrência dessa reconfiguração de posições, os entes

governamentais desempenhariam uma posição intermediária, largando mão da prestação

direta para assumir a função ora de regulador dos particulares prestadores de serviço de

58 FONSECA, Fernando Adão da; GARANTIA, Estado. o Estado Social do Século XXI”. Nova

Cidadania, n. 31, p.27 e 28. 59 PINTO, Mário (2010). Estado e sociedade: Estado arbitrário, ou Estado subsidiário? Revista

Interdisciplinar sobre o Desenvolvimento Humano, nº.1. 7-13.

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repercussão econômica aos interesses gerais, ora como um garantidor das necessidades

pontuais que surjam no contexto social sob alguma deficiência na prestação privada.60

Essa é uma alternativa importante para a continuidade do Estado Social. E é

necessário que se diga que, por esta via, não se retira a incumbência do Estado de suprir

as necessidades essenciais dos indivíduos. O que se altera são as funções de execução e

operacionalização, que passam à esfera dos atores privados, mas a permanecer a cargo do

Estado assegurar o cumprimento do interesse público preestabelecido, seus objetivos e

suas finalidades. Paulo Augusto de Oliveira arremata bem a questão ao dizer que “há aqui

uma incumbência pública traduzida em garantir resultados e já não em produzir

resultados”.61

I.4. A PREVISÃO ESPECÍFICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À

HABITAÇÃO

O gozo de uma habitação plena é, indiscutivelmente, um dos conteúdos mínimos

para a aferição da garantia da dignidade da pessoa humana. A moradia plena, todavia, vai

muito além da garantia de um ambiente físico, isto é, muito mais do que ter um teto para

abrigar-se. A plenitude desse direito supõe a existência de rede de infraestrutura urbana

capaz de satisfazer as necessidades básicas de seus habitantes.

Esgotamento sanitário, água encanada, energia elétrica, iluminação e transporte

públicos, coletas de lixo, vias urbanizadas, parques e praças, atividades comerciais,

serviços públicos de saúde62 e educação e equilíbrio ambiental são, seguramente, itens

que precisam ser atendidos para poder-se falar em direito à moradia digna.63 Direito este

que tem papel fundamental na salvaguarda de diversos valores constitucionais, v.g. a

60 DE OLIVEIRA, Paulo Augusto. O Estado regulador e garantidor em tempos de crise e o direito

administrativo da regulação. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 3, n. 1, 2016, p. 168. 61 DE OLIVEIRA, Paulo Augusto. Idem, ob. e loc. cits.. 62 SARLET destaca que em relação à moradia, enquanto elemento essencial ao bem-estar físico, mental e

social dos indivíduos, devem ser aplicados os “princípios de saúde na habitação”, elaborados pela

Organização Mundial da Saúde, que aponta o factor ambiental como um dos mais influentes para o

desenvolvimento de doenças epidemiológicas. Dito de outro modo, as condições de habitação e de vida

inadequadas e deficientes estão sempre associadas às mais altas taxas de mortalidade e morbidade.

SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito

de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Revista Direito e Democracia, p.327-383, 2009, p. 344. 63 COSTA, Beatriz Souza e VENÂNCIO, Stephanie Rodrigues. A função social da cidade e o direito à

morada digna como pressupostos do desenvolvimento urbano sustentável. Revista Direito Ambiental e

Sociedade, v. 6, n. 2, 2016, p. 125.

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preservação da intimidade e da família, a proteção ao meio ambiente e ao patrimônio

cultural, a garantia da integridade física e da própria vida humana64.

Indo além, em busca de dar maior densidade ao direito fundamental à moradia, é

indispensável que se extraia esse conteúdo, não apenas dos textos constitucionais, mas

também dos documentos internacionais de direitos humanos, que sempre teve no direito

à habitação um de seus elementos mais básicos. A positivação o direito à habitação no

âmbito dos direitos humanos foi inaugurada na Declaração Universal dos Direitos

Humanos65, em 1948, que assim dispôs no artigo 25.º, n.º1:

“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua

família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados

médicos e os serviços sociais indispensáveis , e direito à segurança em caso de

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos

meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”.

Classificado inicialmente como um direito econômico, social e cultural, isto é,

eminentemente de natureza prestacional por parte do Estado, o direito à moradia se insere

hoje, também, na ordem dos direitos civis e políticos. Essa dupla natureza é observada

pelas previsões constantes no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos -

artigo 17.º, n.º 166 - e no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais - artigo 11.º, n.º 167.

A previsão nos três documentos mais importantes a nível de direito humanos

demonstra a elevada consideração dada ao direito à habitação no âmbito internacional. O

direito à habitação, aliás, está presente em um sem número de outros documentos de

expressão internacional. Letícia Marques Osório apresenta uma lista vasta, que merece a

reprodução: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de

64 VILLAR, Paola Mavropoulos Beekhuizen. O Direito Fundamental à Habitação e o Direito do

Urbanismo: uma análise do direito português e do direito brasileiro, p. 45, Disponível em:

<https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/29919/1/O%20direito%20fundamental%20a%20habitacao

%20e%20o%20direito%20do%20urbanismo.pdf >. Acesso em: 25 de abril de 2019. 65 Acesso disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>.

Acesso em: 28 de abril de 2019. 66 Artigo 17.º - 1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada,

em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e

reputação. 67 Artigo 11.º - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de

vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas,

assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas

apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial

da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

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Discriminação Racial68, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher69, Convenção Internacional sobre os Direitos da

Criança70, Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os

Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias71 e a Convenção Relativa ao

Estatuto dos Refugiados72.73

A confluência do direito à habitação com temas jurídicos tão variados quanto os

expressos nos documentos citados acima, exalta essa natureza indivisível e a

complementar de que são dotados os direitos fundamentais. O “Relator Especial sobre a

habitação adequada como elemento integrante do direito a um nível de vida adequado e

sobre o direito de não discriminação a esse respeito”74, Miloon Kothari, destaca que só

haverá que se falar em respeito aos direitos humanos quando houver garantia de uma

moradia digna para cada indivíduo. Isto, é claro, exige uma atuação ampla por parte dos

Estados.75

68 Artigo V: De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2.º, os Estados-Partes

comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito

de cada um à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica,

principalmente no gozo dos seguintes direitos; (...) e) direitos econômicos, sociais e culturais,

principalmente: (...) III) direito à habitação; 69 Artigo 14.º/2: Os Estados-Partes adotarão todas as medias apropriadas para eliminar a discriminação

contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres,

que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular as segurar-lhes-ão o

direito a: (...) h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas da habitação, dos

serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações. 70 Artigo 27.º/3: Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades,

adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar

efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio,

especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação. 71 Artigo 43.º/1. Os trabalhadores migrantes beneficiam de tratamento igual ao que é concedido aos

nacionais do Estado de emprego em matéria de: d) Acesso à habitação, incluindo os programas de habitação

social, e protecção contra a exploração em matéria de arrendamento; Disponível em:

<https://www.oas.org/dil/port/1990%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20Internacional%20sobre%20a%2

0Protec%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Direitos%20de%20Todos%20os%20Trabalhadores%20Migrant

es%20e%20suas%20Fam%C3%ADlias,%20a%20resolu%C3%A7%C3%A3o%2045-

158%20de%2018%20de%20dezembro%20de%201990.pdf>. Acesso em: 13 de setembro de 2019. 72 Artigo 21.º – Alojamento - No que concerne ao alojamento, os Estados Contratantes darão, na medida

em que esta questão seja regulada por leis ou regulamentos ou seja submetida ao controle das autoridades

públicas, aos refugiados que residam regularmente no seu território, tratamento tão favorável quanto

possível e, em todo caso, tratamento não menos favorável do que o que é dado, nas mesmas circunstâncias,

aos estrangeiros em geral. Disponível em:

<https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Re

fugiados.pdf>. Acesso em: 13 de setembro de 2019. 73 OSÓRIO, Leticia Marques. O direito à moradia como direito humano. Direito à moradia adequada:

o que é, para quem serve, como defender e efetivar. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 41. 74 Nossa tradução. 75 KOTHARI, Miloon. Informe del relator especial sobre vivienda adecuada como parte del derecho

a un nivel de vida adecuado, y sobre el derecho a la no discriminación. Comité para la Eliminación de

la Discriminación Racial (CERD) – Perú, 2003.

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Outro documento que aprofunda o conteúdo do direito à habitação é o Comentário

Geral (CG) nº 4, da CDESC da ONU (Organização das Nações Unidas) 76, que estabelece

um extenso um rol dos elementos sem os quais não é possível garantir haver dignidade

na morada:

a) Segurança jurídica da posse, independentemente de sua natureza e origem;

b) Disponibilidade de materiais e infraestrutura, que garantam acesso a serviços

de saúde, segurança, comodidade e nutrição e, ainda, à recursos naturais, água

potável, energia elétrica, aquecimento e iluminação, armazenamento adequado de

alimentos, esgotamento sanitário e serviços emergenciais;

c) Modicidade dos Custos, para que os gastos com as habitações sejam adequados

às rendas familiares, que não comprometa a satisfação de outras necessidades de

vida;

d) Habitabilidade da moradia, que resguarde os moradores de todas as exposições

climáticas, bem como das mais diversas enfermidades;

e) Acessibilidade para as moradias, tanto no tocante à facilidade de acesso para

deficientes de todas as ordens, quanto a maior proteção de pessoas em situações

de vulnerabilidade, como os idosos, as crianças, as vítimas de desastres naturais e

etc.;

f) Localização que permita acesso a empregos, serviços de saúde, escolas e outros

serviços sociais, a ter-se em conta os imóveis sem áreas urbanas e rurais;

g) Preservação da cultura, tanto na observância dos materiais empregados nas

construções quanto nas expressões de identidades e diversidades culturais.

Ainda no plano internacional, cabe mencionar as Agendas Habitat I (1976) e II

(1996), que se constituem como conferências promovidas pela ONU para tratar do

problema dos assentamentos humanos no mundo.77 Esses eventos deram ensejo,

76 Comentário Geral n.º 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:

<http://www.derechos.org/nizkor/ley/doc/obgen1.html#El%20derecho>. Acesso em 14 de fereveiro de

2019. 77 IMPARATO, Ellade; SAULE JR, Nelson. Regularização fundiária de terras da União. ROLNIK, R.

et al. Regularização fundiária–conceitos e diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p.101 e

102.

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respectivamente, à Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos78 (DVAH)

e à Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos79 (DIAH).

A agenda Habitat I consignou na redação da DVAH que a moradia adequada é um

direito básico da pessoa humana, enquanto a Agenda Habitat II inseriu no texto da DIAH

uma completa descrição do conteúdo e extensão do direito à moradia, traçando

responsabilidades de ordens gerais e específicas aos Estados-partes.80 Também a Carta

de Direitos Fundamentais da União Europeia, aprovada pelo Conselho Europeu de Nice,

no ano 2000, dispõe sobre a necessidade de auxílio à habitação, no âmbito da assistência

social, para as pessoas que não possuam recursos suficientes.

No contexto constitucional lusitano, o ordenamento prevê o direito à moradia no

o artigo 65.º81 , que trata do tema “habitação e urbanismo”, no artigo 70.º, n.º 1, “c”82-

que estabelece a proteção ao jovem para o acesso à moradia, e no artigo 72.º, n.º 183 – que

trata do direito dos idosos a uma moradia que os permita conviver em família e em

sociedade.

Já no direito brasileiro, pode-se dizer que, embora a Constituição da República

Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 seja reconhecida como a constituição cidadã, com

forte vertente social, quando de sua promulgação, o direito à moradia não foi inserido de

maneira expressa no rol de direitos fundamentais. Foi necessária a posterior alteração

78 HABITAT, I. UN-HABITAT. Conferência das Nações para Assentamentos Humanos. Declaração de

Vancouver para Assentamentos Humanos. Vancouver. Canadá, 1976. 79 HABITAT II. UM-HABITAT. Conferência das Nações para Assentamentos Humanos. Declaração de

Istambul para Assentamentos Humanos. Istambul. Turquia, 1996. 80 VILLAR, Paola Mayropoulos Beekhuizen. O direito fundamental..., Ob. cit., p. 44. 81Artigo 65.º/1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em

condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 2. Para

assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação

inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a

existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com

as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c)

Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou

arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a

resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a

autoconstrução. 3. O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível

com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria. 4. O Estado, as regiões autónomas e as

autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente

através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao

urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de

utilidade pública urbanística. 5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos

de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território. 82 Artigo 70.º/1 CRP: Os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos,

sociais e culturais, nomeadamente: c) No acesso à habitação; 83 Artigo 72.º/1 CRP: As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e

convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento

ou a marginalização social.

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constitucional, por meio da Emenda Constitucional nº 26/2000, para a inclusão desse

direito no rol dos direitos sociais do artigo 6.º84.

Em que pese dessa ausência de previsão constitucional original, Sarlet85 afirma

que o direito à moradia sempre fez parte do sistema constitucional, por estar inserido no

amplo conceito a dignidade humana, esta sim, expressamente prevista no artigo 1.º, III

CRFB. Estaria, portanto, desde sempre, materialmente albergado pela proteção

constitucional sobre os direitos fundamentais.86

Sarlet robustece essa ideia ao enumerar as previsões do direito à moradia em

outras passagens do texto constitucional, v.g., o artigo 23.º, inciso IX - que trata da

competência programas de construção e requalificação habitacional87, artigo 7.º, inciso

IV – inclui a moradia como elemento de necessidades dentre os quais o salário mínimo

deveria cobrir88, e, ainda, o artigo 5.º, inciso XXIII89, o artigo 170.º, inciso III90 e 182.º,

parágrafo 2.º91- que submetem o desfrute da propriedade aos limites da função social.

A dupla natureza positivo-negativa, que marca a posição jurídica estatal para os

direitos fundamentais sociais, também é uma característica do direito fundamental à

moradia. Manifestamente, na sua concepção negativa, a abstenção do Estado – e, dos

demais particulares -, se reflete, v.g., na garantida de inviolabilidade da intimidade do lar,

84 Artigo 6.º da CRFB: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência

aos desamparados, na forma desta Constituição. 85 SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a

respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Revista Direito e Democracia, 2009, p. 343. 86 Artigo 1.º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios

e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a

dignidade da pessoa humana; 87 Artigo 23.º da CRFB: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios: IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais

e de saneamento básico; 88 Artigo 7.º da CRFB: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria

de sua condição social: IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a

suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,

vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder

aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; 89 Artigo 5.º, XXIII da CRFB: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá

a sua função social; 90 Artigo 170.º, III da CRFB: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados

os seguintes princípios: III - função social da propriedade; 91 Artigo 182.º, parágrafo 2.º da CRFB: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. parágrafo 2º A

propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da

cidade expressas no plano diretor.

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na garantia de manutenção das acessões físicas e, ainda, na garantia de manutenção da

posse dos ocupantes.

A manutenção da posse, aliás, é um dos pontos mais altos, com forte apelo contra

os despejos forçados92. Essa preocupação fica evidente no CG n.º 7 do CDESC93, onde

resta estabelecido que “os despejos forçados constituem uma grave violação aos direitos

humanos”. Letícia Marques Osório, endossando defesa dos despejos, aduz que são

situações demasiadamente complexas e estão interligados a diversos fenômenos,

sobretudo em situações de conflitos econômico-sociais.94

Estas contendas são comuns em grandes deslocamentos forçado de pessoas, seja

por ações de seus pares (em situações de conflitos armados, disputa por terras e êxodos

em massa), ou mesmo, por ações estatais (opressões políticas, desapropriações forçadas,

venda de terrenos públicos à investidores privados e etc). Osório cita ainda outras

circunstâncias que, sob as escusas do desenvolvimento, ensejam os desapossamentos

ilegais, v.g., projetos de urbanização, embelezamento das cidades, obras para grandes

eventos esportivos ou de infraestrutura urbana e, ainda, no âmbito de programas de

regularização fundiária mal planejados.

Tais efeitos, para lá de nefastos, foram objeto de graves advertências no âmbito

da UN-HABITAT95, conferência realizada na cidade de Nairóbi, no Quênia, em 2004. A

conferência apontou que há uma tendência maior de ocorrência dos despejos forçados em

cidades com os menores índices de desenvolvimento, especialmente sob o uso da

violência. Os grupos mais vulneráveis, como mulheres e crianças, são os que mais sofrem,

sobretudo quando em situações de pobreza, que após a expulsão costumam tornar-se

ainda maior.96

92 O conceito de despejos forçados é definido no parágrafo n.º 3 do CG n.º 7 como: “a remoção permanente

ou temporária de pessoas, famílias e/ou comunidades de suas moradias e/ou das terras que ocupam, contra

a sua vontade e sem oferecer-lhes meios apropriados de proteção legal ou de outra índole, nem

permite-lhes seu acesso a elas. Entretanto, à proibição de despejos forçados não se aplicam àqueles

efetuados legalmente e em acordo com as disposições dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos. 93 Comentário Geral n.º 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:

<http://www.derechos.org/nizkor/ley/doc/obgen1.html#vivienda>. Acesso em 15 de fevereiro de 2019. 94 OSÓRIO, Leticia Marques. O direito à moradia...., Ob. cit, p. 58 95 O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-HABITAT) é uma agência

especializada da ONU voltada para a promoção de cidades mais sociais e ambientalmente sustentáveis, de

modo que todos os seus habitantes possam dispor de uma habitação adequada. Foi criada em 1978, na

sequência da primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, a Agenda Habitat

I. A sede da UM-HABITAT é em Nairóbi, Quênia. 96 UM-Habitat, Urban Indicators Guidelines: Monitoring the Habitat Agenda and the Millenium

Development Goals. Nairobi, 2004, p. 50.

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Tudo isso evidencia o dever de atuação do Estado. E, em que pese não ser

plausível afirmar que ao ente estatal é dada a obrigação de fornecer uma habitação para

cada um de seus moradores, é-lhe atribuído a responsabilidade pela promoção das

condições o gozo pleno deste direito. Isso engloba, o respeito aos direitos de liberdades

vinculados à habitação, dentre os quais, além da citada proteção contra os despejos,

também o gozo de um lar inviolável, a manutenção das acessões físicas do imóvel, a

segurança pública, e, ainda, os instrumentos jurídicos que permitam o restabelecimento

dos direitos eventualmente violados.97

A conduta do Estado abarca, também, ações comissivas, sobretudo as de cunho

legislativo. Um bom exemplo disso é a necessidade de uma lei que regulamente as

locações, com a finalidade de equilibrar a relação do proprietário com o locatário, para

que haja o cumprimento da função social do contrato e da propriedade – conteúdos que

serão tratados mais adiante.

Outras ações nos aponta Ingo Wolfgang Sarlet, v.g., a realização de investimentos

públicos, o fomento do setor da construção civil (que cria emprego, movimenta setor

básicos da economia e amplia o parque habitacional) e, ainda, a criação de facilidades

para o acesso dos mais pobres a financiamentos e subsídios imobiliários. O autor fala

ainda da necessidade de criar-se programas sociais para acolher pessoas desprovidas de

lares em abrigos e, até mesmo, a oferta de casas populares a certos grupos mais

vulnerados.98

Para além de encabeçar as atuações de planejamento e desenvolvimento social

ligada ao direito à moradia, ao Estado também cabe o dever de agir curativamente. Isto é,

incumbe reverter certos estados de coisas, notadamente situações em que a dignidade

humana passa ao largo, e que sem uma intervenção pública o cenário permanece em

perpetuidade. Neste contexto estão inseridas as políticas de regularização fundiária, que

tem por escopo retirar da informalidade sistêmica urbana a parcela de pessoas excluídas

da sociedade.

A regularização fundiária, pois, é um instrumento jurídico-urbanístico que se

assenta em vários princípios constitucionais, especialmente o direito fundamental à

moradia, à justiça social, à função social da propriedade e das cidades, e à própria

dignidade humana, fundamento maior do Estado democrático de direito.

97 OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à Cidade Como Direito Humano Coletivo.., Belo Horizonte: Del

Rey, 2006, p. 59. 98 SARLET, Ingo Wolfgang. 2009. ob.cit., p.37 e 38.

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Dentre estes valores constitucionais, as funções sociais da propriedade e da cidade

merecem atenção, em virtude da mudança de paradigma que o Estado de bem-estar social

provoca, ao inverter a lógica de servidão entre as pessoas e as coisas. Aos titulares

dominiais não é mais permitido o uso indistinto (ou, caso se queira, o desuso inadvertido)

dos bens imóveis, em prejuízo da coletividade. Hoje o patrimônio privado deve contribuir

com a realização dos valores da solidariedade e plenitude social.99

I.5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA

PROPRIEDADE

Sabe-se que a mudança do Estado liberal para o Estado social acabou por refletir

num movimento de constitucionalização de todo o ordenamento jurídico, que atingiu a

propriedade e a ideia de direito absoluto que esta dispunha até então. Tal movimento, no

contexto do direito civil, resultou inserção do homem como figura central dos valores

constitucionais, em detrimento do patrimonialismo que dominada essa posição.100 Sob a

ótica do Estado democrático de direito, cabe à propriedade o múnus público de ser usada

à luz dos princípios da igualdade e da solidariedade.101 Eis o conteúdo da função social

da propriedade102.

O princípio da função social é, nas palavras de Adilson Abreu Dallari, “a ideia

central que confere coerência e racionalidade ao sistema de atos normativos e

administrativos que visam à organização conveniente dos espaços habitáveis”. É,

portanto, dentro do sistema constitucional social, o elemento central das políticas urbanas.

99 COSTA, Beatriz Souza; VENÂNCIO, Stephanie Rodrigues. A função social da cidade e o direito à

moradia digna como pressupostos do desenvolvimento urbano sustentável. Revista Direito Ambiental e

Sociedade, v. 6, n. 2, 2016, p. 118 100 LIMA, Carolina Silva; SOUSA, Luana Pereira. A constitucionalização do direito civil como garantia de

eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Caderno Virtual, v. 1, n. 36, 2016, p. 3. 101 RANGEL, Helano Márcio Vieira; DA SILVA, Jacilene Vieira. O direito fundamental à moradia como

mínimo existencial, e a sua efetivação à luz do Estatuto da Cidade. Veredas do Direito, v. 6, 2009, p. 59. 102 Imparato e Saule Júnior afirmam que “Falar em função social da propriedade, desde que a noção foi

positivada pela Constituição de Weimar, é sempre mostrar que os poderes do proprietário estão limitados

e que são legítimas as intervenções legislativas que impõem esses limites. Quer dizer também que, além

dos limites, existem imposições positivas e negativas a cargo do proprietário. Em suma, a função social é

uma constrição ao poder de propriedade e um limite ao seu exercício. Ou seja, seu exercício deve se dar

para a obtenção das finalidades previstas pelo legislador”. IMPARATO, Ellade; SAULE JR, Nelson.

Regularização fundiária de terras da União. ROLNIK, R. et al. Regularização fundiária–conceitos e

diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p. 110.

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Assim, todos os instrumentos jurídicos e urbanísticos, as leis, as políticas públicas, foram,

e são, desenvolvidos em congruência com a função social da propriedade.103

Celso Antônio Bandeira de Mello, com a intenção de conferir maior densidade ao

conceito de função social da propriedade, dividiu-o em duas acepções. A primeira

corresponderia ao efetivo compromisso imposto à propriedade, para que sirva ao

desenvolvimento produtivo e econômico, sem que isso signifique um descuido com as

regras da ordem urbanística, especialmente às de zoneamento urbanístico104. Este aspecto

está diretamente ligado ao aspecto financeiro dos bens imobiliários.105

Na segunda acepção, Bandeira de Mello sustenta que a função social da

propriedade deve ser posta à serviço do bem-estar coletivo e da justiça social. Em outros

termos, o patrimônio imobiliário de uma cidade tem de trabalhar para projetar uma

sociedade menos desigual, que permita ampliar as oportunidades de vida plena aos seus

cidadãos. Não é suficiente, pois, que o bem esteja sendo efetivamente usado e satisfaça o

critério da produtividade econômica, mas o seu produto deve estar, também, alinhado

com um projeto de sociedade que favoreça o avanço social.106 Isso vale para os imóveis

públicos e privados.107

A importância do respeito da função social encontra ressonância, também, na

jurisprudência. Chamado a tratar do tema, o Tribunal Constitucional Português, ao julgar

o Acordão 421/09108, reconheceu não ser inconstitucional o instrumento de política

urbana da “venda forçada” dos imóveis que não estejam a cumprir sua função social. Tal

instrumento foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, que trata do Regime Jurídico de

Reabilitação Urbana. O caso é paradigmático, justamente, por ter, o TCP, que se dignar

103 DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana (art. 4º). In: Estatuto da Cidade

(comentários à Lei Federal 10.257/2001). DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 75. 104 José Afonso da Silva define zoneamento como “a repartição do território municipal à vista da destinação

da terra, do uso do solo ou das características arquitetônicas. Sob o primeiro aspecto, cuidar-se-á de dividir

o território do Município em zona urbana, zonas urbanizáveis, zonas de expansão urbana e zona rural.

Quanto ao segundo, tratar-se-á de dividir o território do Município em zonas de uso – o que consubstancia

o zoneamento de uso ou funcional (residencial, industrial, comercial, misto, etc.). Relativamente ao terceiro,

cogitar-se-á de fixar as características que as construções deverão ter em cada zona (zonemaneto

arquitetônico) – o que tem aplicação especial nas zonas de proteção histórica. SILVA, José Afonso da.

Direito Urbanístico Brasileiro. 8ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2018. p.241 e 242 105 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito

público. Revista de Direito Público, v. 84, p.39-45, 1987. 106 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Idem, ob. e loc. cit.. 107 SANTIN, Janaína Rigo; COMIRAN, Rafaela. Direito urbanístico e regularização fundiária. Revista de

Direito da Cidade, v. 10, n. 3, p.1595-1621, 2018, p.1605 a 1611. 108 Acórdão 421/2009 do TCP. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/

20090421.html>. Acesso em: 10 de setembro de 2019.

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de compatibilizar os valores e bens constitucionais ligados ao direito de propriedade e à

função social que esta detém.

O TCP, em uma fundamentação extensa, entendeu que o sistema constitucional

português admite a perda da propriedade em nome do interesse público e que, no caso em

questão, o incumprimento inadvertido do dever de manutenção do bem imóvel, a gerar

danos sociais graves, exige intervenção estatal para pacificar a questão. A perda da

propriedade, neste caso, teria consequências menos gravosas que o mau provocado pelo

abandono imobiliário.109 O caso merecerá maior reflexão, no capítulo seguinte.

Um outro instituto jurídico de âmbito constitucional, guarda, também importância

para a gestão da política urbana110. Trata-se das nominadas funções sociais da cidade, que

se constitui pelo desfrute de todos os usos que as cidades tem a ofertar aos cidadãos. Em

uma palavra, o gozo de uma habitação e oportunidade de trabalho dignos, a facilidade de

locomoção e o deleite de atividades de lazer.111 Esse conjunto de elementos que formam

as funções sociais da cidade serão melhor tratadas adiante.

I.6. A DEMANDA POR UM DIREITO À CIDADE

Fonte de grandes esperanças, as cidades112 comportam um nível de exigências

públicas cada vez mais complexas, impondo aos agentes públicos a gestão de variadas

109 TERRA, Diana Maria dos Santos (2012). O Novo Paradigma da Reabilitação Urbana em Portugal. Porto,

Portugal; 2012 Dissertação de mestrado 110 José dos Santos Carvalho Filho define a política urbana como “o conjunto de estratégias e ações do

Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado, necessárias à constituição,

preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades”.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5ª ed. São Paulo. Atlas,

2013. p. 17. 111 ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. “Subcomissão da Questão Urbana e Transporte”. In:

BACKES, Ana Luiza, AZEVEDO, Débora Bithiat de e ARAÚJO, José Cordeiro de (orgs.). Audiências

públicas na Assembleia Nacional Constituinte: a sociedade na tribuna. Brasília: Câmara dos Deputados,

Edições Câmara, 2009, p.378 e 379. 112 O conceito de cidade assume diversas acepções. Sob a ótica da sociologia urbana, Cidade é “uma

situação humana”, “uma organização geral da sociedade”, “um centro de consumo em massa”, “uma

multiplicidade dialética de sistemas”. Perante o critério demográfico, cidade é “uma comunidade de

dimensões e densidade populacional consideráveis, abrangendo uma variedade de especialista não-

agrícolas, nela incluída a elite culta”. Do ponto de vista econômico, a cidade pode ser entendida como

“forma de assentamento de população especialmente apropriada para fomentar o comércio, o artesanato e

o negócio, o cultivo dos valores espirituais e o exercício do poder público”. Em que pese todos esses

conceitos, o Brasil adota o conceito legal de cidade como sinônimo de município. Isto é, “um núcleo urbano

qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e

simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. Finalmente, para o estudo

urbanístico, a cidade precisa ter dois elementos essenciais: “as unidades edilícias – conjunto de edificações

em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais,

industriais ou intelectuais”; e “os equipamentos públicos – bens públicos e sociais criados para servis às

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responsabilidades. Essa conjuntura faz do ambiente urbano um verdadeiro catalisador das

forças sociais. Em outros termos, a multiplicidade de interesses dentro de espaço da urbe

gera uma força tal que amplifica os efeitos das ações sobre os grupos sociais. Hora estes

se manifestam de maneira positiva – gerando melhora das vivências urbanas, e hora acaba

por criar determinados ambientes de exclusão social – de espaços, de relações humanas,

de oferta de serviços públicos.

Delina Santos Azevedo classifica a cidade como “direito transindividual e difuso,

a todos os habitantes e usuários da cidade, que merecem viver num ambiente sadio, limpo,

livre e belo”, e arremata que o direito à cidade sustentável engloba vários outros direitos,

a exemplo dos direitos à moradia, ao lazer ao desenvolvimento sustentável, ao trabalho,

ao transporte público, etc.113

A Carta Europeia de Salvaguarda dos Direitos Humanos na Cidade114, assinada

em Saint-Denis, na França, em 2000, define o ambiente urbano como um espaço de

titularidade coletiva, onde o exercício da solidariedade é um dever e as condições para as

realizações políticas, sociais e ecológicas são um direito essencial de todos os

indivíduos.115 Noutro documento, desta vez na Carta Mundial pelo Direito à Cidade116,

houve uma melhor estruturação dos seus conceitos, v.g., a definição de espaço urbano

como um direito coletivo, que deve permitir a liberdade de autodeterminação na busca

por um padrão de vida adequado.

O texto deste documento consagrou ainda outros princípios, v.g., o exercício pleno

da cidadania e gestão democrática da cidade; a função social da cidade117 e da propriedade

urbana; a igualdade e a não discriminação; a proteção especial de grupos e pessoas em

unidades edilícias e destinados á satisfação das necessidade de que os habitantes não podem prover-se

diretamente e por sua conta”. Ob Cit., p. 24 a 26 113 AZEVEDO, Delina Santos. Direito à Cidade Ambientalmente Sustentável e Dignidade da Pessoa

Humana. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013, p.

116, apud, MURAKAMI, Rodrigo Canevassi; SILVA, Juvêncio Borges. A construção da cidadania a partir

da regularização fundiária. Anais do V Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 5,

out., 2017, p. 244. Disponível em:

<http://www9.unaerp.br/revistas/index.php/cbpcc/article/view/964/935>. Acesso em: 29 de abril de 2019. 114 Carta Europeia de Salvaguarda dos Direitos Humanos na Cidade. Disponível em:

<http://213.58.212.214/media/pdf/PDF20120723150310287.pdf >. Acesso em: 30 de abril de 2019. 115 FROTA, Henrique Botelho. A função social da posse como parâmetro para tratamento dos conflitos

fundiários urbanos. Revista FIDES, v. 6, n. 1, 2015. p. 43. 116 Carta Mundial pelo Direito à Cidade, artigo II: princípios e fundamentos estratégicos do direito à cidade.

disponível em: <http://www.polis.org.br/uploads/709/709.pdf>. Acesso em: 30 de abril de 2019. 117 Vicente Amadei qualifica a função social da cidade como “a relação (referência) da cidade ao bem

comum, que exige atenção ao aproveitamento racional dos espaços urbanos, adequada oferta de

infraestrutura (equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços) e ordenação dos espaços

urbanos no foco do interesse público”. AMADEI, Vicente de Abreu; PEDROSO, Alberto Gentil de

Almeida; MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros. Primeiras Impressões sobre a Lei nº

13.465/2017. Associação dos Registradores de São Paulo - ARISP. 2018. 26 e 27.

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situação de vulnerabilidade; o compromisso social do setor privado; o impulso à

economia solidária e, finalmente, as políticas impositivas e progressivas.

Originalmente, o conceito da função social, ou melhor, das funções sociais da

cidade fora estabelecido no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado

na capital grega, em 1933 e deu origem à designada Carta de Atenas118. Na oportunidade

foram estabelecidas as quatro funções essenciais do ambiente urbano: a habitação, o

trabalho, a circulação e a recreação. Esta carta considerou a cidade como, propriamente,

um organismo, cujo o desenvolvimento deve acontecer sob um aspecto funcional, isto é,

a serviço das necessidades do homem.

A antiguidade do documento e a intensa transformação sofridas pelas urbes nas

últimas décadas fez com que o Conselho Europeu de Arquitetura reconhecesse a

necessidade de atualização daquela Carta, sobretudo com o objetivo de pensar as cidades

do século XXI. A revisão aconteceu em Lisboa, no ano de 2003, e ficou conhecida como

a Nova Carta de Atenas119, também chamada de “Carta Constitucional de Atenas 2003 –

A visão das Cidades para o século XXI”.

Esse novo escrito propôs o ideal de um lugar conectado e instantâneo, capaz de

interligar os pequenos e grandes centros urbanos e, também, as zonas rurais adjacentes ao

contínuo das urbes. Neste sentido, o foco deve ser a integração de pessoas e comunidades

com vistas à solução dos problemas de acessibilidade, educação, saúde e demais bens

sociais. O documento incita, ainda, à formação de novas estruturas sociais e econômicas

que reduzam a exclusão, a pobreza, o desemprego e a criminalidade.120

O alcance destas realizações passa, necessariamente, pela elaboração e gestão de

uma política urbana que integre a pluralidade de interesses forças urbanas. Para isso, é

necessário planejar o ambiente urbano com vistas à redução dos desequilíbrios sociais e

dos impactos ambientais, por meio do controle do uso adequado do solo e da propriedade

imobiliária, tanto as públicas quanto as de natureza privada.121

118 Carta de Atenas. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20

Atenas%201933.pdf>. Acesso em: 30 de abril de 2019. 119 Nova Carta de Atenas. Disponível em: <https://paginas.fe.up.pt/construcao2004/c2004/docs/SAT_02_

carta%20atenas.pdf>. Acesso em: 30 de abril de 2019. 120 GARCIAS, Carlos Mello; BERNARDI, Jorge Luiz. As funções sociais da cidade. Revista Direitos

Fundamentais & Democracia, v. 4, n. 4, 2008, p. 4. 121 RODRIGUES, Arlete Moysés. Estatuto da Cidade: função social da cidade e da propriedade. Alguns

aspectos sobre população urbana e espaço. Cadernos Metrópole, n. 12, 2004, p. 12.

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I.7. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E O

PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CONTEXTO

BRASILEIRO

No Brasil, a desordem fundiária, sobretudo nos principais centros regionais

urbanos, é um dos maiores problemas que o país tem enfrentado. Apontado como o país

mais desigual do mundo pela pesquisa sobre a desigualdade mundial, divulgada em

2018122, o estudo mostrou em que 27% da riqueza brasileira está concentrada em 1% da

população. No ambiente urbano, isso se traduz em locais paupérrimos, degradados e, até

mesmo, em condições de indigências.

A busca do Brasil por uma solução passa pelo uso de um instituto (a regularização

fundiária) que se assenta, justamente, nas normas constitucionais que prescrevem o dever

de servidão aos fins sociais de que a propriedade é dotada. A Constituição República

Federativa do Brasil de 1988 deu um tratamento destacado à função social da propriedade.

A inserção, pela CRFB, da relação “propriedade-função social”, no contexto da

política urbana brasileira sofreu uma importante influência dos movimentos da sociedade

civil organizada, no âmbito de alguns municípios, sobretudo em capitais regionais, tal

como aconteceu em Recife-PE123 e Belo Horizonte-MG124. As pautas locais foram o

primeiro passo de uma onda que culminou no capítulo II, da política urbana, no título VII

da Constituição Federal de 1988.

O texto constitucional, apesar de suscinto, estabeleceu bases importantes para o

desenvolvimento da matéria, e deixou para a lei ordinária a regulamentação da matéria.

Tal legislação só foi devidamente editada 13 anos mais tarde, por meio da publicação da

Lei Federal n.º 10.257/2001. Após anos de intensas disputas políticas no Congresso

Nacional brasileiro, a lei, autodenominada de Estatuto da Cidade (EC), pode ser considera

o grande marco da política urbana no Brasil.

122 World Inequality report 2018. Disponível em: <https://wir2018.wid.world/files/download/wir2018-full-

report-english.pdf>. Acesso em: 16 de setembro de 2019. 123 Sobre a evolução da política urbanística no Recife, Cfr. MIRANDA, Lívia; MORAES, Demóstenes. O

Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis) do Recife: democratização

da gestão e planejamento participativo. Coleção Habitare: Habitação social nas metrópoles brasileiras: uma

avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São

Paulo no final do século XX, p.414-435. Porto Alegre: IPPUR, 2007. 124 Sobre a evolução da política urbanística em Belo Horizonte, Cfr. FERNANDES, Edésio. ‘A

regularização de favelas: o caso de Belo Horizonte. Direito urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

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O EC mistura conteúdos do urbanismo125 e do próprio direito urbanístico126, e é

considerada a primeira legislação a dispor, adequadamente, sobre a ordenação e o

desenvolvimento das cidades brasileiras, com vistas ao cumprimento dos mandamentos

constitucionais estabelecidos nos artigos 182.º e 183.º da CRFB, sobre a política urbana.

Quando a política urbana de certo município é inexistente ou ineficiente há,

também, o alargamento da desigualdade social. Mas qual das situações é causa e qual é

efeito? Ou parece mais que há, aí, uma relação mútua de influência, de um lado as

políticas públicas que ignoram as parcelas sociais mais empobrecidas, e do outro, a

produção informal de moradias, que enseja a formação de núcleos urbanos informais dos

mais variados tipos, com destaque para as “comunidades” e/ou “favelas”.

As cidades extraem do urbanismo uma ordem jurídica tal que, quando bem

operada, é capaz de equilibrar as forças que agem sobre o ambiente urbano, sobretudo por

meio do controle da ocupação e do uso dos espaços urbanos e acabam por criar ambientes

mais equilibrados, de maior bem-estar social. São cidades assim, dotadas de intervenções

urbanísticas bem desenvolvidas, que são capazes de proporcionar, em última escala, as

realizações pessoais, materiais e espirituais dos seus moradores.

Importa ressalvar que não se está aqui a exortar a constituição um mundo perfeito,

onde todos os problemas sociais são aniquilados tão somente por ocasião de políticas

urbanas eficientes. A dinâmica dos problemas sociais respeita uma multiplicidade de

causas que torna os problemas urbanos de difícil solução e requerem medidas de longo

prazo, especialmente quando o tema é o avanço de direitos fundamentais sociais.

O que se exalta, todavia, é que uma cidade que avança sob a orientação de um

planejamento e desenvolvimento urbano bem gerido e executado, é capaz de balancear

os efeitos socioeconômico sobre seus espaços. E estará, certamente, mais próximo da

125 O urbanismo pode ser entendido como ciência – que visa desenvolver o conhecimento doutrinário sobre

o melhor desenvolvimento urbano; ou técnica – que são as regras de expressão executiva da matéria. José

Afonso da Silva dispõe que o urbanismo já nasceu, em certa medida, com um caráter corretivo, pois

“correlaciona-se com a cidade industrial, como instrumento de correção dos desequilíbrios urbanos,

nascidos na urbanização e agravados com a chamada ‘explosão urbana’ do nosso tempo”. SILVA, José

Afonso da, Direito Urbanístico..., Ob. cit. p. 27 a 31 126 Também o direito urbanístico apresenta uma face dupla, vezes técnica e vezes científica. No primeiro

caso, o escopo é a estruturação física dos espaços urbanos, ocasião em que o direito urbanístico estabelece

uma série de regras, instrumentos e procedimentos para regulação da regulação da atividade urbanística no

territorial municipal, abarcando os âmbitos urbano e rural, em ambientes naturais ou criados. Assim, são

normas urbanísticas as que tratam do planejamento urbano, do uso e ocupação do solo, de áreas de interesse

especial – cultural, paisagístico e etc., de regras da atividade edilícia e de instrumentos de intervenção

urbanística. Já o aspecto científico do direito urbanístico é a sua expressão doutrinária, e tem a missão de

expor, interpretar e sistematizar essas normais e princípios reguladores da atividade urbanística, oferecendo

caminhos para o avanço da matéria. SILVA, José Afonso da, idem, ob. cit. p. 37 e 38.

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justiça social almejada pelos mandamentos constitucionais. Assim, tem-se que o uso do

urbanismo para a ordenação do uso e ocupação do solo reduz os inconvenientes urbanos

e equilibra a convivência social.

No Brasil, as normas constitucionais que abraçam os princípios da função social

da propriedade e da cidade foram consagradas pela Constituição Federal de 1988, nos

artigos 5.º, XXIII; 170.º, III; e 182.º, parágrafo2 - função social da propriedade – e no

artigo 182.º - funções sociais da cidade. No cenário infraconstitucional, o Estatuto da

Cidade (EC) as lançou ao patamar de diretrizes essenciais para a política urbana,

conforme enunciado em seu artigo 2.º.

A CRFB, ao instituir as funções sociais da cidade e da propriedade no topo do

sistema das políticas urbanas, pretendeu a construção uma sociedade justa, solidaria e

integrada. Isso, não duvide, passa pela garantia de uma moradia digna para todos os

indivíduos, independente da classe na qual estejam inseridos.

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II. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: A ALTERNATIVA BRASILEIRA PARA

O DESCOMPASSO ENTRE O DESENVOLVIMENTO URBANO E A

POLÍTICA FUNDIÁRIA

A acelerada urbanização por que passaram os centros urbanos no início do século

XX é, certamente, a causa mais influente para o surgimento dos problemas urbanos,

sobretudo em face da desordem que tomou a maioria das cidades127. A urbanização128

passa a ser a dinâmica que comanda as lógicas do ato de morar no pós-revolução

industrial, resultante da (e na) transformação econômica mundial.129

Nos países em desenvolvimento, esses efeitos foram ainda mais danosos, já que a

forte pressão gerada pelo crescimento econômico encontrou países sem infraestrutura e

planejamentos, econômico e social, adequados.130 Um dos resultados desse cenário foi a

suburbanização131 das cidades, que atingiu principalmente a população proveniente da

migração rural e da imigração provocada pelas duas grandes guerras.132

Essas ocupações periféricas se desenvolveram sem qualquer controle público, e

passaram de casas a vilas, a bairros e, até mesmo, a cidades desordenadas e sem respeito

a qualquer padrão urbanístico – tanto em termos arquitetônicos, quanto, e mais

especialmente, ao modelo de uso e ocupação do solo urbano. O que se viu ao longo desse

processo nos países em desenvolvimento foi uma eclosão de ocupações irregulares, que

tomaram proporções de um problema complexo e custoso de se solucionar.

O modelo de desenvolvimento e gestão dos ambientes urbanos foram assentados

na concentração de renda, propriedade e poder, que geram a informalidade nas relações

desenvolvidas pelas classes desprivilegiadas, notadamente nas relações laborais e na

127 Citando o caso de São Paulo: SALLES, Venício Antônio de Paula. Regularização fundiária: questões

enfrentadas pelos grandes centros urbanos e dificuldades procedimentais na implementação das

metas para a melhor organização das cidades. ROLNIK, Raquel [et al.] Regularização Fundiária

Sustentável–Conceitos e diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p. 131. 128 José Afonso da Silva conceitua urbanização como “um crescimento populacional urbano superior ao

observado no âmbito rural, marcado pela desordem na formação dos assentamentos e seus consequentes

problemas sociais, notadamente a carência de habitação e emprego, os problemas de higiene e saneamento

básico, além da alteração desordenada da forma de utilização do solo e da paisagem urbana.” SILVA, José

Afonso da. Direito Urbanístico..., Ob. Cit., p. 26 e 27. 129 IMPARATO, Ellade; SAULE JR, Nelson. Regularização fundiária de terras da União. ROLNIK, R.

et al. Regularização fundiária–conceitos e diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p. 101. 130 SANTOS, Paulo Ernani Bergamo. Ocupações Irregulares..., Ob. cit., p. 78. 131 A suburbanização é um processo de crescimento dos limites das cidades para além dos seus centros

urbanos. Provoca uma descentralização de pessoas, residências, indústrias, comércios e etc. Surge, daí, os

subúrbios, ou áreas suburbanas, comumente caracterizados por situações de exclusão social e pobreza

extrema. 132 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1597 e 1598.

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forma de ocupação da terra urbana. Esse modelo também acaba por provocar a

despreocupação e a degradação do (e com) o meio ambiente natureza e, ainda, a criação

de espaços privatistas, excludentes e segregacionista.133

Quando ausente o Estado, abre-se espaço para o alargamento da influência de

outras forças, v.g., a criminalidade, o poder econômico e etc. No caso das cidades

brasileiras, a atuação dessas forças ajudou a formar espaços de segregação, que se

expressam por limitações físicas e, mesmo, através de barreiras invisíveis. As cidades

tornaram-se palco de um antagonismo social, que se manifesta na repartição maniqueísta

das pessoas em ricos e pobres, brancos e negros, operários e empresários, bairros

superdesenvolvidos e favelas sem serviços básicos. Tamanha segregação faz as pessoas

esquecerem que todos são essencialmente humanos.

Para enfrentar esses problemas, o Direito precisa interagir com outras áreas,

principalmente os setores político e econômico, e a ciência do urbanismo134 - de onde

resulta o próprio direito urbanístico135. O combate aos efeitos da urbanização é feito por

meio da urbanificação, que se caracteriza pela ação deliberada do poder público, com o

objetivo de corrigir os efeitos provocados pela urbanização, a partir de uma planificação

do adequado desenvolvimento das áreas urbanas. O escopo da urbanificação é o equilíbrio

na distribuição da ocupação desses espaços, por meio do desenvolvimento e aplicação de

um padrão estético e, sobretudo, funcional, do parque imobiliário.136

A urbanização deve ter sempre em vista as funções básicas das cidades (habitar,

trabalhar, recrear e circular), que são a essencial da sociedade e meios de realização

integral do homem.137 E o desenvolvimento da urbanização, chamado de atividade

urbanística, se estabelece através de etapas preordenadas voltadas ao planejamento, às

133 OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à Cidade Como Direito Humano Coletivo, ob cit., p. 195. 134 Hely Lopes Meirelles diz que o urbanismo se qualifica como “um conjunto de medidas estatais

destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem

na comunidade”. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 17a ed. São Paulo. Malheiros.

2014. p. 533, 135 Daniela Libório diz que o “direito urbanístico é um produto das transformações sociais que vêm

ocorrendo nos últimos tempos. Consiste em oferecer instrumentos normativos ao Poder Público, a fim de

que possa atuar no meio social e no domínio privado para ordenar a realidade diante do interesse coletivo,

com integral respeito ao princípio da legalidade. Seu objeto se amplia, até incluir toda forma de

sistematização do território, com o pressuposto essencial e inderrogável de uma convivência sã e ordenada

de grupos de indivíduos”. DI SARNO, Daniela Libório. Elementos de Direito Urbanístico. Barueri:

Manole, 2004, p. 31. 136 SILVA, José Afondo da. Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 26 e 27. 137 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1599.

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políticas de solo, às intervenções urbanificadoras e aos regramentos do exercício do

direito de edificação dos particulares.138

No caso do Brasil, onde o problema da irregularidade atinge, como se viu, a maior

parte dos imóveis, um dos caminhos encontrados para encarar o problema foi o instituto

da Regularização Fundiária Urbana (REURB)139. Em um primeiro momento, à luz da Lei

Federal n.º 11.977/2009, o sistema de regularização fundiária urbana existente era dotado

de muitos entraves jurídicos e precisou passar por uma reformulação legal, que veio por

meio da Lei Federal n.º 13.465/2017. A revogação completa da lei anterior e a criação de

um novo sistema de REURB foi instituído com a missão de ampliar a efetividade do

instituto.

Para avaliar a capacidade da nova lei em alcançar esses fins, é importante entender

o desenvolvimento da estrutura fundiária brasileira, antes de ascender à REURB, seu

conteúdo, objetivos, estrutura administrativa, e, claro, sua ressonância constitucional. Ao

percorrer este caminho, será necessário transitar, em certos momentos, pelos factos da

vida política brasileira, visto que a contextualização histórico-social é fundamental para

a compreensão ampla do tema.

II.1 A (DES)REGULAÇÃO DOS CENTROS URBANOS BRASILEIROS

Hoje, ter a maioria dos imóveis em estado de irregularidade é um cenário

preocupante para o Brasil.140 Mas a história mostra como a falta da adopção de políticas

públicas está no cerne desta questão. O início remete ao fim do século XIX, com as

primeiras mudanças nas estruturas das cidades, causadas pelo fim do regime escravocrata.

Os negros foram postos à margem da sociedade e formaram diversas ocupações sob

condições degradantes. Mas, como conta Gabriel Blanco, foi a partir da década de 1930,

com a industrialização da economia brasileira, que se inicia um logo e expressivo êxodo

rural.141

138 SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 31 a 34. 139 Regularização fundiária pode ser entendida como o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas,

ambientais e sociais que tem por objetivo à regularização dos núcleos urbanos informais. 140 Edésio Fernandes aponta que, embora variável entre diferentes cidades, a irregularidade fundiária urbana

corresponde a algo entre 40% e 70% dos imóveis urbanos brasileiros. FERNANDES, Edésio.

Perspectivas..., ob. cit., p. 35. 141 BLANCO, G. Breve histórico e comentários sobre a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (LeiFederal

nº 6766/79). In: SAULE JR, at. al., A perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão

da lei de parcelamento do solo. São Paulo: Polis, 2008. p. 32.

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O rápido e contínuo adensamento gerou forte demanda por moradias e provocou

uma ocupação desordenada dos solos urbanos municipais. Para dimensionar a questão,

observe-se que em 1930, apensar 31,23% da população brasileira morava em áreas

urbanas.142 Em 1950 esse número era de 36%. Em 1970, esse valor já representava 56%

e três décadas depois os centros urbanos já reunião 81% das pessoas.143

A realidade vivida nas cidades nestes anos, contudo, passou ao largo dos desejos

sonhados pelos habitantes das urbes. Esses centros urbanos não dotavam de infraestrutura

adequada para suportar aquele crescimento populacional e as políticas urbanas sequer

existiam no ordenamento municipal. Aliás, nem se considerava a matéria urbanística na

pauta política.144 O resultado dessa combinação, que durou por décadas, foi o grave

desequilíbrio econômico-social, este sim, como visto anteriormente, um dos maiores

problema do Brasil. Pode-se dizer, inclusive, que houve uma falha de omissão do direito

brasileiro, que não foi capaz de acompanhar a evolução e a acelerada dinâmica da vida

urbana.

O crescimento populacional, portanto, deu-se por décadas sem que qualquer lei

urbanística tenha sido editada. Nesse “escuro” jurídico-urbanístico, as cidades foram se

desenvolvendo de qualquer maneira, com a ocupação desordenada do território e a

periferização dos centros comerciais. Só no fim da década de 70 deu-se cabo desta inercia,

com a edição da Lei Federal nº 6.766/79, até hoje me vigor e que tem por finalidade

regular o parcelamento do solo urbano145 e a respectiva ampliação do tecido urbano.

Daí em diante, o parcelamento do solo deveria dar-se sempre sobre uma das

formas citadas. A grande maioria, em verdade, se deu por loteamentos, em virtude da

necessidade de instalação de infraestrutura urbana. Todavia, o parcelamento pelas vias do

loteamento dispunha da obrigação legal de o loteador destinar 30% da área do terreno

para doar ao ente público (ruas, praças e locais de integração da malha urbana.146

142 SANTOS, Ob. cit, fev./mar. 2012, p. 77. 143 ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. Subcomissão da questão urbana e transporte. p. 378 144 COLBEICH, Samanta Amaral. Os avanços da regularização fundiária com o advento da lei federal nº

11.977/09. Revista Magister do Direito Ambiental e Urbanístico, nº 56 – out/nov/2014. p. 82. 145 Parcelamento, segundo o artigo 2.º da lei federal n.º 6.677/79 é a divisão da gleba em lotes, que poderá

se dar através do desmembramento – quando os lotes resultantes possuem acesso ao logradouro público e

já dispõe da infraestrutura urbana básica; ou parcelamento – quando houve a necessidade de implementação

de infraestrutura urbana, como canalização de água e esgoto, abertura de vias, iluminação pública e

fornecimento de energia elétrica para os lotes, etc. 146 BLANCO, G. Breve histórico e comentários sobre a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (LeiFederal

nº 6766/79). In: SAULE JR, at. al., A perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão

da lei de parcelamento do solo. São Paulo: Polis, 2008. p. 32.

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Depois da Lei Federal n.º 6.677/1979, um novo período de inércia acometeu o

legislador brasileiro, que somente veio a editar outra norma urbanística federal de 22 anos

mais tarde, com a promulgação da Lei 10.257/2001, autodenominada Estatuto da Cidade,

que veio 13 anos após a Constituição Brasileira de 1988, com a missão de regulamentar

o capítulo constitucional sobre a política urbana, contido nos artigos 182.º e 183.º.147

O texto constitucional, que serviu de diretriz para os desenvolvimentos urbanos,

estabeleceu a importância do direcionamento que deve ser dado à propriedade imobiliária,

voltando-a para a promoção do bem-estar coletivo – nomeadamente o princípio da função

social da propriedade. Ditos artigos constitucionais foram além, e previram alguns

mecanismos de controle do Estado sobre o cumprimento desse dever social.148

Nota-se, pois, que a irregularidade fundiária urbana é um fenômeno estrutural, e

como tal, requer a formulação de diretrizes e estratégias específicas e interligadas, por

parte do Poder Público, longe de uma política isolada de regularização fundiária.149

Edésio Fernandes ressalta a necessidade de desenvolvimento de relações

intergovernamentais e, dispõe que sem uma união social, advinda de parcerias entres os

setores estatal, privado, comunitário e voluntário, não será possível produzir os avanços

que as cidades demandam.150

Outra observação que se destaca é o facto de as irregularidades imobiliárias de

natureza jurídica estarem presentes nos imóveis de todas as classes. Parte dessas

irregularidades estão ligadas ao sistema registral brasileiro, que caro e burocrático,

provoca um alto índice de irregularidades registrais. As normas urbanísticas são outro

factor de grande impacto nas irregularidades jurídicas existentes, pois traçam padrões

arquitetônicos elitistas, caros e irreais, que as moradias sociais são incapazes de

satisfazer.151

Um outro factor que contribui com a exclusão urbana é a concentração dos

investimentos públicos em áreas urbanas nobres, sem observância de princípios

constitucionais básicos, como a justiça social, a igualdade e a razoabilidade – este último

147 AFONSIN, Betânia. O significado do Estatuto da Cidade para os processos de regularização fundiária

no Brasil. Regularização fundiária sustentável – conceitos e diretrizes / Raquel Rolnik [et al.]. – Brasília :

Ministério das Cidades, 2007.. p. 70. 148 Os incisos I a III, do parágrafo 4.º, do artigo 182.º da CRFB estabeleceram a possibilidade de aplicação

de aumentos progressivos do imposto incidente sobre a propriedade imobiliária – Imposto Predial e

Territorial Urbano (IPTU), o parcelamento do solo e a edificação compulsórios e, em última escala, a

decretação da desapropriação-sanção, com necessária indenização por meio de títulos da dívida pública

federal resgatáveis em, ao menos, 10 anos. 149 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p.1607. 150 FERNANDES, Edésio, Perspectivas..., ob. cit., p. 37. 151 FERNANDES, Edésio, Idem, ob. cit., p. 36.

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em inobservância dos critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade.152 O

problema assume dimensões vultuosas, afinal, o investimento em intervenções que

corrijam distorções sociais dessa natureza são de elevados custos associados.

E ainda mais caro é o preço pago pela sociedade em geral, e em especial aos

indivíduos que moram em locais de baixa renda, cujo os reflexos são a exclusão social, a

segregação de espaços, o meio ambiente desiquilibrado, as condições de habitação e,

naturalmente, condições indignas de vida. O direito fundamental à habitação é duramente

atingido pelos efeitos da pobreza, que acabam por gerar episódios de pessoas sem lares

ou abrigos, em total indigência, e, também, por provocar precariedades e informalidades

no uso e ocupação do solo, as chamadas “moradias extralegais”.153

As expressões dessa realidade são vistas em todas as partes, em forma de favelas,

loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, loteamentos clandestinos154, cortiços,

casas de fundo ou “puxadinhos”, casas sobre lajes, e até mesmo de ocupações de áreas

públicas, tais quais, pontes, viadutos, marquises, beiras de rios ou em imóveis públicos

abandonados. Outras sequelas sociais, também associadas a esses problemas, são os

péssimos níveis de educação155 e de condições de saúde.156

Mas os efeitos sociais e baixa qualidade de vida dessas pessoas não são os únicos

resultados perversos. Os reflexos econômicos sobre essa população também são

ingratos157, pois os espaços superpopulosos geram, naturalmente, a inflação dos preços

das vivendas, sobretudo na modalidade de arrendamento, que representam a maior

parcela dos orçamentos familiares dessas classes.158 O tamanho dos problemas exige um

enfrentamento firme pelo Poder Público, em todos os níveis federados.159

Portanto, o texto do EC veio para servir, propriamente, como uma lei de bases das

políticas urbanas brasileiras, e o fez através de uma melhor discriminação dos objetivos

152 FERNANDES, Edésio. Regularização de assentamentos informais: o grande desafio dos municípios, da

sociedade e dos juristas brasileiros. Revista Direito e Democracia, v. 3, n. 2, 2002, p. 20. 153 MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à Moradia. São Paulo: Atlas S.A, 2012, p. 165. 154 Loteamentos clandestinos são aqueles em que o loteamento sequer foi registrado, portanto, o lote não

está individualizado na matrícula tabular. Já loteamentos irregulares são aqueles que apesar de terem sido

registrados, estão em desacordos com o ordenamento jurídico. 155 PISA (Programme for International Student Assessment). Disponível em:

<http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-results-in-focus.pdf>. Acesso em: 26 de março de 2019. 156 O Brasil está atrás de países sul-americanos como Argentina e Chile e, também, de países emergentes

como China e Russia. Fonte: WORLD HEALTH ORGANIZATION. World health statistics 2016:

monitoring health for the SDGs sustainable development goals. World Health Organization, 2016. 157 COLBEICH, Samanta Amaral. Os avanços da regularização fundiária com o advento da lei federal nº

11.977/09. Revista Magister do Direito Ambiental e Urbanístico, nº 56 – out/nov/2014. p. 82. 158 FERNANDES, Edésio, Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil: uma Introdução. In Direito

Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000., p.20. 159 FERNANDES, Edésio. Idem, ob. e loc. cit..

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e dos instrumentos do controle e gestão urbana, do estabelecimento dos princípios, das

ações voltadas para as realidades de cada cidade e, sobretudo, da atribuição do papel

protagonista aos entes públicos municipais160, dando cumprimento ao mandamento

constitucional de serem estes os titulares das políticas urbanas.161

II.2 OS MARCOS LEGAIS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

Falar dos marcos legais da regularização fundiária brasileira é falar quase

completamente sobre a história do próprio ordenamento urbanístico brasileiro. Esse tem

sido apontado como um importante caminho pelo legislador brasileiro, ainda que padeça

de uma regulamentação mais bem assentada, como será observado. O tema, como não

poderia ser diferente quando estão em jogo tantos interesses políticos e sociais, é dotado

de muitas controvérsias, sobretudo no cenário político.

É isso o que se extrai das entrelinhas do ambiente político brasileiro, primeiro na

década de 90, que resultou na edição do Estatuto da Cidade, depois nos avanços dos anos

2000, que deu origem à primeira legislação sobre regulação fundiária no Brasil, a Lei

Federal n.º 11.977/2009, e, por fim, o conturbado estado de coisas em que a Lei Federal

n.º 13.465/2017 nasceu, marcadamente após o segundo impeachment presidencial da

história brasileira. Buscar-se-á, adiante, cruzar pela estrada da narrativa dos

acontecimentos, sob a luz da isenção partidária.

II.2.1 A Lei 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade

O período anterior à vigência do Estatuto da Cidade, como dito, foi de escuridão

no desenvolvimento urbano, pois além de não disporem de recursos financeiros e

aparelhos administrativos adequados, também não existia a regulação dos instrumentos

jurídicos criados pela Constituição de 1988.162 Esse cenário começou a se alterar após o

referido Estatuto, mas levou um certo tempo para que os municípios entendessem a

extensão dos conteúdos trazidos e passassem a utilizá-los nas próprias políticas públicas.

Para ilustrar, entre os anos de 2001 e 2006, apenas cerca de dois mil municípios editaram

160 SILVA, José Borzacchiello da. O Estatuto da Cidade e a reforma urbana no Brasil. São Paulo: Revista

GEOUSP, n.º 10, 2001, p. 13. 161 CORRALO, Giovani da Silva. Curso de Direito Municipal. São Paulo. Atlas 2011. p. 245. 162 BASSUL, José Roberto. Estatuto da Cidade: a construção de uma lei. O Estatuto da Cidade

comentado. São Paulo: MCidades, 2010, p. 71.

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seus Planos Diretores Municipais (PDM)163, de um universo de 5.571 municípios à

época.164

Criado para dar cumprimento ao artigo 182.º da CRBF165, o maior contributo do

EC foi ter regulado diversos instrumentos166 indispensáveis à ordem urbana, das mais

variadas naturezas: jurídicos e políticos, tributários e financeiros, de planejamento, de

urbanismo e ambientais167. Por mandamento constitucional, coube ao Estatuto da Cidade

definir os termos do cumprimento do princípio da função social no uso da propriedade,

que, por sua vez, é o núcleo de todo o desenvolvimento urbano brasileiro e de fundamental

importância para a concretização de muitos outros princípios basilares, sobretudo o

Estado Democrático de Direito.

Ao todo foram previstos 34 instrumentos de políticas municipais no rol do artigo

4º do Estatuto da Cidade. A regulação, contudo, se deu para apenas 11 deles, dentre os

quais merecem destaque: Plano Diretor Municipal; Imposto Predial e Territorial Urbano

progressivo no tempo (Artigo 7.º); desapropriação com pagamento em títulos da dívida

pública (Artigo 8.º); Concessão do Direito Real de Uso (Artigo 4.º, parágrafo 2º e 48.º);

parcelamento, edificação e utilização do imóvel compulsoriamente (Artigo 5.º e 6.º);

usucapião especial de imóvel urbano (Artigo 9.º a 14.º);

A ferramenta da Concessão do Uso Especial para fins de Moradia estava

originalmente contida na lei e foi vetada pelo Presidente à época, sob a justificativa de

estar mal estabelecida e a promessa de edição de uma Medida Provisória (MP) que

tratasse do assunto. Daí a origem da MP n.º 2.220/01, que contém a regulamentação deste

instituto e está vigente até os dias atuais. Outra questão relevante de observação é a

ausência de regulação para o instrumento da Regularização Fundiária Urbana.

163 Tal como em Portugal, o Plano Diretor Municipal brasileiro é o instrumento do planejamento e

desenvolvimento urbano do município, chamada Lei Orgânica, e que, em virtude da reconhecida dinâmica

urbana, que tudo altera ao passar do tempo, precisa ser revisada decenalmente. 164 BONDUKI, Nabil. Avanços, limitações e desafios da política habitacional do governo Lula: direito à

habitação em oposição ao direito à cidade. Direito à moradia adequada: o que é, para quem serve, como

defender e efetivar. Belo Horizonte: Fórum, 2014.. p. 305 165 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1597. 166 Os instrumentos da política urbana são classificados por José Afonso da Silva em “de planejamento”

(Planos Diretores Municipais, Planos de REURB, etc), “de uso e ocupação do solo” (loteamento,

zoneamento, etc), “de controle da atividade edilícia” (outorga onerosa do direito de construir, etc), e os “de

regularização fundiária” (legitimação de posse, Legitimação Fundiária, etc). SILVA, José Afonso da,

Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 46. 167 DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana (artigo 4.º). In: Estatuto da Cidade

(comentários à Lei Federal 10.257/2001). DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). São

Paulo: Malheiros, p.72-86, 2002.

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II.2.2 MP n.º 459/2009 e Lei Federal n.º 11.977/2009 – Lei Minha Casa

Minha Vida

Depois do EC, o Brasil viu se desenvolver um movimento pelo avanço das pautas

urbanas. Nabil Bonduki, ao analisar o período dos governos do ex-presidente Lula168,

entre 2003 e 2009, apontou como os factos que ajudam nesta conclusão, v.g., a criação

do Ministério das Cidades (2003) e a formulação de uma nova política habitacional

(2004), que culminou na criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social -

FNHIS (2006). Com um cenário econômico mundial de crescimento histórico, a forte

injeção de capital estrangeiro, acompanhada de um largo investimento do governo

federal169 teve como resultado o crescimento da área da construção civil170, tanto voltada

para a infraestrutura nacional, como também para o setor habitacional.171

No auge do desempenho econômico desse setor, adveio a crise da economia

mundial, em 2008, com a quebra de grandes bancos americanos e o consequente abalos

econômicos em vários países. A fim de evitar os reflexos deste evento na economia

brasileira, o governo federal buscou aumentar o investimento público, sobretudo nesse

setor da construção civil, com a finalidade de manter a economia brasileira em alta

produção. Foi criado, então, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), maior

programa habitacional do país, que destinou grandes recursos e promoveu obras de

infraestrutura e a produção de unidades habitacionais, com foco nas baixas rendas.172

Esse programa foi instituído pela Presidente da República, à época, por meio da

Medida Provisória n.º 459/2009, convertida pelo Congresso Nacional (CN) na Lei Federal

n.º 11.977/2009, alcunhada de Lei Minha Casa Minha Vida, que, além de tratar das

normas do PMCMV, também continha um capítulo dedicado à REURB e foi a primeira

legislação à desenvolver o tema.

168 BONDUKI, Nabil, Avanços..., Ob. cit., p. 305. 169 Em 2002 o investimento do governo federal em empresas privadas da construção civil foi de 8 bilhões

de reais. Em 2008 esse número já era de 42 bilhões. BONDUKI, Nabil, idem, Ob. cit., p. 308 e 309. 170 O setor da construção civil tem grande impacto socioeconômico em um país, pois além de produzir

habitação e infraestrutura, movimenta setores de variadas áreas. Permite o emprego de pessoas de pouca

qualificação técnica, até profissionais de alto gabarito. Tem alta geração de tributos e demanda a aquisição

de maquinários pesados e materiais de insumo em grandes quantidades. TEIXEIRA, Luciene Pires; DE

CARVALHO, Fátima Marília Andrade. A construção civil como instrumento do desenvolvimento da

economia brasileira. Revista Paranaense de Desenvolvimento, n. 109, p.9-26, 2005. 171 SOARES, Christiane Julia Ferreira. DIREITO À MORADIA E POLÍTICAS PÚBLICAS

HABITACIONAIS: uma crítica da atuação do Estado na efetivação do direito

fundamental. Dissertações do Programa de Mestrado em Direito, v. 4, n. 1, 2017, p. 55. 172 BONDUKI, Nabil, Avanços..., Ob. cit., p. 310 e 311.

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Contudo essa mistura de uma política de produção habitacional com programas

de regularização fundiária foi equivocada. As políticas que contemplam estas duas áreas

são instrumentalizadas de modo diverso, visto que a produção habitacional depende quase

que majoritariamente do mercado privado, enquanto às políticas de regularização

fundiária requerem uma promoção eminentemente pública municipal.

Todavia, a atenção foi concentrada na ampliação do parque habitacional,

notadamente em virtude do volume financeiro posto em forma de linhas de crédito para

a construção de novas unidades e a ausência de recursos destinados à programas de

REURB. Tal política pública foi, todavia, a incapacidade de reduzir o déficit habitacional

para a baixa renda173 e levou à supervalorização dos centros urbanos, em virtude do

mercado aquecido.174

E foi incapaz, também, de produzir melhoria das condições de vida das moradias

de natureza social175. A informalidade que toma conta dos bairros, favelas e ocupações

irregulares gera a exclusão dessas pessoas da proteção social, pois esses lugares acabam

por não receber qualquer tipo de investimento ou serviço públicos. E essa realidade não

pode ser transformada apenas através da construção de novas habitações, mas alicerçada

em uma política intervencionista, curativa176, de mobilização social.177

Apesar das críticas, a Lei Federal n.º 11.977/2009 contribuiu para despertar, nos

municípios, a atenção para a via que a regularização fundiária urbana abre para o alcance

dessas transformações, capazes de gerar soluções de grandes impactos sociais. Em uma

só palavra, é a ferramenta e uma rota factível para o enfrentamento da questão dos

assentamentos irregulares.178

173 Bonduki aponta que cerca de 2 milhões de habitações foram produzidas no âmbito do PMCMV. Todavia,

a maioria das unidades foi produzida para a classe média. Além disso, o autor aponta que o aquecimento

imobiliário levou à elevação do preço do solo urbano, o que dificultou o acesso das pessoas de baixa renda.

BONDUKI, Nabil, Avanços..., ob. cit., p. 307. 174 SOARES, Christiane Julia Ferreira. DIREITO À MORADIA..., Ob. cit., p. 56. 175 Gouveia e Ribeiro apontam que o PMCMV falhou quando não criou estímulos para que as construções

fossem concentradas nos centros urbanos, o que fez com que as unidades fossem deslocadas para locais

periféricos e sem infraestrutura urbana. Isso, além de deslocar as pessoas de baixa renda para morarem em

locais de difícil acesso, sem infraestrutura básica (como água encanada, energia elétrica e coleta de lixo),

provocou também a necessidade de ampliação da malha urbana, com a consequente extensão dos serviços

públicos e a elevação dos gastos municipais. GOUVÊA, Denise de Campos; RIBEIRO, Sandra Bernardes.

A política nacional de regularização fundiária: programa papel passado – avanços e desafios. In:

FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. (coords.). Direito à moradia adequada: o que é, para

quem serve, como defender e efetivar. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p.247-260. 176 Vicente Abreu Amadei afirma que a teologia da regularização fundiária é a transformação do irregular

em regular. Trata-se, pois, de um remédio, uma atividade curativa. AMADEI, Vicente de Abreu, Primeiras

Impressões..., Ob. cit., p. 19. 177 FERNANDES, Edésio, Perspectivas..., ob. cit., p. 37. 178 COLBEICH, Samanta Amaral. Os avanços da regularização fundiária com o advento da Lei Federal

n.º 11.977/09. p. 91-97.

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A lei trouxe relevantes avanços no aspecto teórico, fornecendo conceitos legais

importantes, v.g., as definições de regularização fundiária, de área urbana consolidada179,

de assentamentos irregulares180, além de ter estabelecido alguns objetivos para os

processos de REURB, que, como orienta Alberto Gentil de Almeida Pedroso, “são

apresentados pelo legislador como verdadeiras normas-princípios do microssistema

(fundiário), ante o alto grau de caráter orientativo das regras”.181

Criou, ainda, importantes instrumentos jurídico-urbanísticos182, v.g., a

demarcação urbanística e a legitimação de posse, além de ter criado o procedimento

administrativo pelo qual se desenvolvem as regularizações fundiárias urbanas – divididas

em interesse social (REURB-S) e os demais, chamados genericamente de “interesse

específico” (REURB-E). O tema será melhor desenvolvido, mais à frente.

Mas esses procedimentos estruturados pela lei encontraram, na prática, vários

entraves e deficiências, que impediram um avanço mais acentuado da matéria nos

municípios. Um dos principais erros foi, sem dúvidas, a alocação da tramitação do

procedimento nos cartórios de registros imobiliários.183 Estes, enquanto pessoas privadas

delegatárias de serviço público, formados por escolas jurídicas extremamente

burocráticas e sem o real interesse pelo tema, fatalmente não se afiguraram bons os

promotores dos procedimentos.

A lei também falhou e deixar de estabelecer prazos para a realização dos atos, o

que levou à inefetividade dos processos, à multiplicação dos núcleos urbanos informais,

ao aumento da desigualdade social, da violência, ao caos na circulação de pessoas, à

expansão horizontal do perímetro urbano e ao crescente gasto público. A política nacional

de regularização fundiária, até então, era uma mera declaração de intenções e os

179 Artigo 47.º: Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:

II – área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta)

habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes

equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento

sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta

e manejo de resíduos sólidos. 180 Artigo 47.º: Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se: VI –

assentamentos irregulares: ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em

áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia; 181 AMADEI, Vicente de Abreu, Primeiras Impressões..., Ob. cit., p. 42. 182 Para ver todos os instrumentos que podem ser empregados no âmbito de um processo de regularização

fundiária urbana, Crf. SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1613. 183 SALLES, Venício Antônio de Paula. Regularização fundiária: questões enfrentadas pelos grandes

centros urbanos e dificuldades procedimentais na implementação das metas para a melhor

organização das cidades. ROLNIK, Raquel [et al.] Regularização Fundiária Sustentável–Conceitos e

diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p.155 a 165.

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programas existentes, cheios de travas, não produziram efeitos significativos para

alteração dessas realidades brasileiras.184

Com o intuito de modificar em grande parte o sistema existente, o presidente da

República, à época, editou a MP n.º 759/2016. Aqui, cabe o destaque para o facto de que

todas as leis sobre a matéria fundiária urbana se originaram de medidas provisórias185,

que são normas legais criadas pelo presidente da república, excepcionalmente, desde que

preenchidos os critérios de urgência e relevância da matéria tratada. Portanto, sempre

houve o entendimento que a intervenção nas irregularidades fundiárias era um problema

grave e que exigia intervenção pública, que nunca veio por meio de uma legislação

amplamente discutida, em indefensável inércia do legislador brasileiro.186

II.2.3 A MP n.º 759/2016 e a Lei Federal n.º 13.465/2017

Inicialmente editada como a Medida Provisória n.º 759/2016, e profundamente

modificada no processo de conversão que tramitou no Congresso Nacional, a Lei Federal

n.º 13.465/2017 revogou todos o capítulo que tratava da REURB na Lei Federal n.º

11.977/2009187 e instituiu um novo sistema de regularização fundiária. Usou, diga-se,

parte do conteúdo da lei anterior, mas a nova lei foi além, modificando todo o

procedimento administrativo, retirando amarras e criando novos instrumentos jurídicos,

v.g. o direito real de laje, a Legitimação Fundiária (LF), a arrecadação de imóvel

abandonado, o condomínio urbano simples e o condomínio de lotes.188

A Lei n.º 13.465/2017 provocou muitas mudanças no ordenamento jurídico

brasileiro, ao alterar vinte leis federais, tanto de natureza civilista, quanto pública. Isso

gerou uma forte reação de variadas doutrinas, que no afã de entender o alcance das

184 FERNANDES, Edésio. Princípios, bases e desafios de uma política nacional de apoio à regularização

fundiária sustentável. Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade. Belo Horizonte:

Fórum, 2004, p 313. 185 A primeira lei sobre regularização fundiária, a lei federal n.º 11.977/2009, originou-se da MP n.º

459/2009. Posteriormente, a lei federal n.º 12.424/2011, que alterou a lei anterior e mexeu nas normas da

regularização fundiária, originou-se da MP n.º 514. Por último, a lei 13.465/2017, atualmente em vigor,

originou-se da MP n.º 759/2009. 186 FERNANDES, Edésio. Princípios, bases e desafios de uma política nacional de apoio à

regularização fundiária sustentável. In: Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade.

Diretrizes, instrumentos e processos de gestão. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (orgs.). Belo

Horizonte: Fórum, 2004, p. 319 187 Para mais detalhes sobre a relação entre a Lei Federal 11.977/2009 e a Lei Federal n.º 13.465/2017, Cfr.

PINTO, Victor Carvalho. A regularização fundiária urbana na lei 13.465/2017, 2017b. 2013. Disponível

em: <https://www.linkedin.com/pulse/regulariza%C3%A7%C3%A3o-fundi%C3%A1ria-urbana-plv-

122017-decorrente-carvalho-pinto/?trk=mp-reader-card>. Acesso em: 20 de maio de 2019. 188 AMADEI, Vicente de Abreu, Primeiras Impressões..., Ob. cit., p. 15.

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modificações, acabaram por produzir opiniões fragmentadas, umas favoráveis e outras

contrárias às alterações. A nova lei foi, ainda, objeto de três Ações Diretas de

Inconstitucionalidade (ADI), ainda pendentes de serem julgadas, mas que serão objeto de

análise, na parte final deste capítulo.

Aliado ao cenário doutrinário ruidoso causado pelas novidades da lei, também

existia na época um delicado momento político no Brasil, que acabara de passar pelo

segundo impeachment de um Presidente da República, e com uma investigação policial

que desmontou bilionários esquemas de corrupção, atingindo os principais políticos do

país, de todos os grupos políticos. Não bastasse isso, a economia brasileira estava em

recessão e com desemprego crescente.

O vice-presidente, ao assumir o cargo de chefe do executivo sem qualquer apoio

popular189, implementou diversas medidas políticas com a justificativa de dar estímulos

econômicos. Dentre as medidas adotadas esteva a Medida Provisória n.º 759/2016, que já

nasceu sob o peso de um governo sem legitimidade popular. Eis aí, talvez, o grande

propulsor da maioria das críticas, sobretudo advindas de vários movimentos sociais, que

parecem soar mais como um ataque político, do que jurídico, à lei.

II.3 O SISTEMA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

BRASILEIRO

A Lei Federal n.º 13.465/2017 disciplinou não apenas da regularização fundiária

urbana, mas também a rural e no âmbito da Amazônia Legal e, ainda, tratou do

procedimento para a alienação de bens imóveis da União. O objeto deste estudo, contudo,

está adstrito à REURB.

Pois bem.

Para destacar a importância da regularização fundiária urbana para o avanço das

melhorias urbanas, Vicente de Abreu Amadei traça um panorama completo dos motivos

que justificam o uso amplo do instituto. O autor aponta razões históricas, sociológicas,

189 A avaliação do governo do presidente Michel Temer mostrou a maior reprovação já registrada para o

chefe do executivo federal. Os índices mostraram uma aprovação de apenas 7% dos entrevistados, e a

reprovação superou os 70%. A margem de erro da pesquisa é de 2%, conforme divulgado pelo Instituto de

Pesquisa Datafolha. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/06/1896143-

somente-7-aprovam-governo-temer.shtml >. Acesso em: 25 de julho de 2019.

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econômicas, jurídicas e, até mesmo, antropológicas e culturais, destacando, como “ultima

ratio”, o bem comum.190

Viu-se que o sistema de regularização fundiária regido pela lei anterior era

ineficiente. Para mudar este panorama, a lei precisou alterar mais de vinte legislações,

tudo com a finalidade de criar um sistema coeso e efetivo. Isso aponta para uma visão

mais realista das normas, sobretudo quando encara as situações de consolidação das

irregularidades. O que se viu, diante dessa reforma legal, foi a concepção de um

“detalhado, sofisticado e inovador plexo de normas e institutos jurídicos”.191

Em outros termos, a lei cria critérios que avaliem a possibilidade ou não de

reversão do estado de coisas das ocupações irregulares. Caso a irreversibilidade seja

constata, a lei, em atenção aos princípios da proteção social e da máxima efetividade dos

direitos fundamentais, opta por privilegiar a regularização, em detrimento de bens

jurídicos de menor expressão.

Isso fica evidente, por exemplo, no caso da autorização de regularização de

imóveis que não atendem ao padrão arquitetônico contido no PDM. Ora, a inclusão social

é um bem constitucional de maior importância do que padrões estéticos. A análise de

todas essas conformações terá lugar mais à frente.

Objetivamente, a regularização fundiária é defina no artigo 9.º da lei n.º

13.465/2017 como o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que

tem por objetivo à regularização dos núcleos urbanos informais192, transformando a

realidade de exclusão quase completa da ordem jurídica urbana em proteção social e,

também, à titulação de seus ocupantes.193

O conjunto de melhorias de que cuidam às regularizações fundiárias urbanas – de

natureza social, jurídica, urbanísticas e ambiental, é o que nomina-se regularização plena

190 AMADEI, Vicente de Abreu, Primeiras Impressões..., Ob. cit., p. 20 e 21. 191 MAFFINI, Rafael. A Lei 13.465/2017 (Lei de Regularização Fundiária Rural e Urbana) e do Direito

Administrativo. Revista de Direito Imobiliário, v. 83, ano 40, São Paulo: Ed. RT, jul-dez. 2017, p. 465 192 Núcleo urbano é defino no artigo 11.º, inciso I da lei n.º 13.465/2017 como “assentamento humano, com

uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de

parcelamento prevista na Lei 5.868, de 12.12.1972, independentemente da propriedade do solo”. O inciso

II do mesmo artigo diz que núcleo urbano informal é “aquele clandestino, irregular ou no qual não foi

possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente

à época de sua implantação ou regularização”. E, por último, o inciso III define núcleo urbano informal

consolidado como “aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das

edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras

circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”. 193 GODOY, Fernando. A regularização fundiária urbana de acordo com a Lei 13.465/2017: uma tentativa

de inserir a cidade informal dentro da cidade formal. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n. 83,

jul./dez. 2017. p. 460.

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dos núcleos urbanos informais.194 Significa dizer que não basta a mera titulação dos

beneficiários, é necessário promover intervenções físicas que garantam uma melhoria real

na qualidade do ambiente em que estão inseridos esses espaço. Uma observação relevante

é de que a melhora do aspecto social acaba por ser uma consequência natural da satisfação

dos demais aspectos – jurídicos, ambientais e urbanísticos.

Chame-se a atenção, também, para a troca da expressão “assentamentos

irregulares”, contida na lei anterior, para “núcleos urbanos informais”. Isso se deu com

um ganho das situações abrangidas, que além das ocupações de irregularidades

urbanísticas, passam a englobar, também, os loteamentos clandestinos e os imóveis que,

embora cumpram as normas urbanísticas, esteja sem a titulação dos ocupantes.195

Aliás, é com a finalidade de abranger todas as situações de informalidades urbanas

que a lei autoriza a implantação dos processos de REURB em núcleos urbanos também

localizados em áreas rurais. Isto é, a regularização das ocupações poderá ser feita sem a

necessidade de inclusão formal do espaço no perímetro urbano (através de lei municipal),

exigindo-se, apenas, que os locais possuam características urbanas e estejam em situação

de irreversibilidade.

O que se encontra aqui em jogo, por um lado, é a suscetibilidade do controle dos

limites urbanos formais pelos municípios, que depende de um processo legislativo para

ser efetuado. Isso permite um debate público sobre o tema, legitima as decisões e permite

a pluralização de ideias para a solução da questão. Todavia, nem sempre esses processos

são respeitados durante a tramitação das leis municipais e, pior, muitas vezes as questões

das irregularidades sequer chegam a ser enfrentadas pelos vereadores.

194 Arícia Fernandes Correia diz que a regularização fundiária plena “é o processo através do qual, após a

devida urbanização da área, mediante obras de infraestrutura urbana (saneamento, drenagem, arruamento),

(i) se enquadra o imóvel em padrões urbanísticos que garantam a regularidade urbanística da área

(planejamento urbano local, legislação própria de uso e ocupação do solo, nomeação de logradouros); (ii)

se titula o proprietário da terra ou se garante a sua posse (pelos mais variados títulos); (iii) se articula a

oferta de melhorias habitacionais e socioambientais (serviços públicos locais à população da comunidade,

como saúde, educação, trabalho e renda) que garantam sua sustentabilidade; (iv) se promove o contínuo

diálogo urbano (a efetiva participação cidadã), de forma a torná-la participativa, de modo a que a própria

comunidade beneficiária se aproprie de seu conceito, valorize a regularidade e passe ela mesma a cuidar do

espaço público não mais como terra de ninguém, mas de todos, e, enfim, (v) se integra a moradia à cidade,

de forma que se tenha por segura a posse ou ‘titulado’ o domínio de moradia adequada e digna, que é aquela

que proporciona não apenas aquele direito à cidade ‘de puertas para adentro” (um teto, a inviolabilidade

do domicílio, condições de habitabilidade minimamente dignas), mas também ‘de puertas para afuera’: a

cidade, à qual, para ser efetivamente digna, a moradia deve ser integrada”. CORREIA, Arícia Fernandes.

Direito da regularização fundiária urbana e autonomia municipal: a conversão da medida provisória

n. 759/2016 na lei federal n. 13.465/2017 e as titulações da prefeitura da cidade do rio de janeiro no

primeiro quadrimestre de 2017. Right of Urban Land. Geo UERJ, n. 31, 2017, p.184 e 185. 195 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 460

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Do outro lado estão pessoas em situação de segregação social, vivendo em núcleos

distantes dos maiores centros urbanos, e sem receber a atenção do poder público. Assim,

estes lugares costumam não dispor, ou dispor em situações precárias, de serviços públicos

básicos como coleta de lixo e esgoto, água encanada, eletricidade, postos de saúde e

escolas, lazer e transporte adequados. Moradias em condições indignas, muitas vezes sem

casas de banho dentro da residência, ou até mesmo sem qualquer banheiro.196

Assim, ao permitir a regularização de núcleo urbanos em áreas rurais, a lei

privilegia todos os valores de uma ordem constitucional social, optando por encarar a

realidade de exclusão e a necessidade de enfrentamento dos problemas fundiários. A

mesma lógica é seguida nas situações de dispensa das exigências contidas na lei de

parcelamento do solo urbano e nas normas urbanísticas e edilícias locais, cujo o não

atendimento não pode impedir a efetivação das regularizações fundiárias. Neste sentido,

a lei se firma no preceito de que regularizar é conceder dignidade.

Neste sentido, a regularização fundiária se apresenta como uma resposta estatal à

crise fundiária urbana brasileira, de conteúdo fortemente inclusivo, de “incorporação da

cidade real à cidade legal”, com a incumbência de conceder cidadania efetiva a grupos

sociais integrantes que, de alguma maneira, encontram-se “à margem da proteção

conferida pela ordem jurídica”.197

A lei preceitua vários princípios e normas constitucionais, dentre os quais podem

ser citados: a garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;

a garantia da efetivação da função social da propriedade; a ordenação do pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantia do bem-estar de seus habitantes;

e a concretização do princípio da eficiência na ocupação e no uso do solo.

Aí se estabelece a essência constitucional da REURB que, assentada nesses

valores, busca a garantia de um gozo progressivo do direito fundamental à moradia, a

democratização dos espaços urbanos, e a transformação desses lugares em um ambiente

de desenvolvimento pleno do homem, de bem-estar social.

No que diz respeito aos procedimentos administrativos, a nova lei manteve a

divisão contida na legislação anterior, que estabelecia as possibilidades de as

regularizações fundiárias urbanas serem de “interesse social” (REURB-S) ou de

“interesse específico” (REURB-E). A distinção decorre dos benefícios, favorecimentos,

196 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p.1600. 197 BRASIL, Luciano de Faria. Demarcação urbanística e legitimação de posse na lei 11.977/2009. Revista

Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, n. 58, fev/mar. 2015, Porto Alegre: Magister, 2015, p. 18.

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facilitações e mitigações de várias exigências que são concedidos para os núcleos urbanos

de baixa renda (interesse social), não estendidos aos demais núcleos (interesse

específico).198

Em outras palavras, além de regras mais favoráveis, a REURB-S também isenta

os beneficiários do pagamento com o processo de regularização, que é de

responsabilidade do poder público municipal (quando a regularização recair sobre

imóveis privados ou públicos do município) e demais entes federados (quando a

regularização recair sobre imóveis públicos de suas titularidades). Na REURB-E,

diversamente, todos os custos são arcados pelos próprios beneficiários.

Quanto aos custos registrais, nas REURB-S, a Lei Federal n.º 13.465/2017 previu

a possibilidade de se usar recursos do Fundo Nacional de Habitação Social, a fim de evitar

que a conta dessa gratuidade recaia sobre os registradores de imóveis – que são,

efetivamente, pessoas privadas no exercício delegado do serviço público. O uso do

FNHIS, todavia, na dicção do artigo 73.º da citada lei, exige a criação de um fundo próprio

por cada Estado da federação, para possam receber o repasse dessas verbas federais.

Já nas REURB-E, o custeio da regularização ficará sempre a cargo dos próprios

beneficiários, tanto no que diz respeito aos emolumentos registrais quanto aos custos das

intervenções físicas. Nada impede, diga-se, que sejam firmadas parcerias público-

privadas, sobretudo no desenvolvimento dos projetos de planejamento urbano, que

harmonizem os espaços regularizados com as demais áreas das cidades. Podem, também,

congregar as execuções das obras, inclusive, com possibilidade de participação conjunta

de empresas privadas, sociedade civil organizada e poder público. Tudo isso, diga-se,

deve ser financiado com dinheiro privado, tendo em vista tratar-se da modalidade de

REURB-E.

Quem avalia os critérios para a classificação dos tipos de REURB é o próprio

município, em decisão fundamentada. A lei aliás, retirou o tramitar do processo dos

registros imobiliários e o alocou nas estruturas administrativas dos municípios, afinal, são

esses os verdadeiros responsáveis pela gestão urbana e, também, o maior interessado na

ampliação da formalidade sobre os espaços urbanos. Uma outra mudança foi a retirada

da exigência de instituição de uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS)199 nas áreas

198 AMADEI, Vicente de Abreu, Primeiras Impressões..., Ob. cit., p. 17. 199 As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são áreas de interesse social classificadas em razão das

características de uso e ocupação da área urbana: A primeira diz respeito a terrenos públicos ou particulares

ocupados por favelas, população de baixa renda ou assentamentos. A segunda diz respeito a loteamentos

irregulares que tem, por sua característica, interesse público em se promover a regularização ou recuperação

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de interesse social regularizadas. Esse tema é de grande polêmica e será enfrentado

oportunamente, mais adiante.

Os procedimentos podem ser instaurados de ofício pelos entes públicos titulares

do domínio dos imóveis que serão regularizados, inclusive os entes da administração

indireta. Já o rol de legitimados para requerer a instauração dos processos inclui os

próprios beneficiários, individual ou coletivamente, as associações de moradores, as

cooperativas habitacionais, as fundações e organizações do terceiro setor que possuam

pertinência temática com a regularização fundiária e com a localidade objeto da

regularização.200

Também estão incluídos no rol de legitimados os proprietários, loteadores e os

incorporadores dos imóveis irregulares que, caso tenham contribuído para as

irregularidades, deverão responder pelos custos da regularização, passíveis de cobranças

por meio de ação judicial própria para esse fim. Por último, a nova lei também incluiu a

Defensoria Pública como legitimada à promoção das REURBs, notadamente em virtude

do seu papel de assistência aos hipossuficientes, e o Ministério Público, em função do seu

papel de promotor da cidadania.201

O fim do procedimento administrativo dá origem à Certidão de Regularização

Fundiária (CRF), que é, propriamente, o projeto urbanístico da regularização fundiária.

Ele contém itens como as plantas de sobreposição das áreas, os estudos preliminares da

situação dos assentamentos e as propostas de soluções para as irregularidades existentes,

o cronograma físico de implantações das obras e serviços e os estudos técnico-ambientais

e sobre os padrões urbanísticos, que deverão considerar as particularidades dos núcleos

para estabelecer os parâmetros adequados. Todos esses documentos são imprescindíveis

para a eficiência dos projetos.

Após a emissão da CRF pelo município, este documento deverá ser levado a

registro na matrícula tabular do imóvel e constituirá, a partir de então, os direitos reais

em nome dos beneficiários. O registro do projeto de REURB dá ensejo à abertura de

matrículas individualizadas paras os imóveis inseridos no projeto, sem que haja a

necessidade de solicitação individual de cada beneficiário. Aqui satisfaz-se a natureza

ambiental. A terceira espécie diz respeito aos terrenos não edificados, subutilizados ou não-utilizados,

necessários a aplicação de programas habitacionais. OLIVEIRA FILHO, João Telmo de. O Estatuto da

Cidade – fundamentos e principais instrumentos. Jus Navigandi, 2016. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/5370/o-estatuto-da-cidade>. Acesso em: 22 de junho de 2019. 200 PINTO, Victor Carvalho. Ob Cit.. 201 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 465.

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jurídica da regularização, já que os beneficiários passam a ter títulos formais sobre o

imóvel O registro da CRF produz ainda um outro efeito: as áreas destinadas no projeto às

vias públicas, ou áreas de uso comum do povo, e os prédios e equipamentos públicos

passam a incorporar o patrimônio público.

O novo sistema fundiário mudou, também, o tratamento dado à proteção do meio

ambiente natural. A nova lei alterou os artigos 64.º e 65.º da Lei Federal n.º 12.651/2012

(o Código Florestal Brasileiro), para permitir a regularização de núcleos urbanos

assentados em áreas ambientalmente protegidas, como é o caso das Áreas de Preservação

Permanente e de Preservação de Mananciais. Essas alterações foram objeto de muitas

críticas e estão contidas nas ADIs. Serão, por isso, apreciadas oportunamente.

Eis, portanto, a estrutura geral do novo sistema de regularização fundiária urbana

brasileiro, restando entender melhor os instrumentos reestruturados ou inovados pela Lei

Federal n.º 13.465/2017. A missão iniciar-se-á pelos instrumentos já existentes na lei

anterior, para só então passar aos novos instrumentos, com destaque para o direito real de

laje e a Legitimação Fundiária – esta última, sem dúvidas, o instrumento mais polêmico.

II.3.1 Instrumentos da Regularização Fundiária

Os primeiros instrumentos que merecem menção são a demarcação urbanística202

e a legitimação de posse. Este é um instrumento usado dentro de um processo de REURB,

com o objetivo de identificar os ocupantes, o tempo e a natureza dessas posses, para

conferir-lhes um título formal de posse.203 Os requisitos definidos pela lei para ser

beneficiário da legitimação de posse é: não ser concessionário, foreiros ou proprietária de

outro imóvel urbano ou rural, e não ser beneficiário de mais de uma legitimação de posse

ou fundiária de imóvel urbano com mesma finalidade.204

O registro desse título no registro imobiliário serve para iniciar a contagem do

prazo para a constituição de propriedade por usucapião, cumpridos, também, os demais

requisitos deste instituto civil. Na legislação anterior, a conversão em propriedade exigia

202 Carvalho Filho estabelece que a demarcação urbanística “consiste em procedimento administrativo

através do qual o Poder Público demarca imóvel público ou privado, estabelecendo seus limites, área,

localização e confrontantes, a fim de identificar os ocupantes e definir a natureza e o tempo das respectivas

posses”. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5a ed. São Paulo.

Atlas, 2013, p. 91. 203 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 468. 204 GODOY, Fernando, Idem, Ob. e Loc Cits.

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a solicitação individual dos beneficiários, situação criticada pela doutrina.205 Agora a

conversão do título de posse em propriedade é automática. De modo geral, vê-se que a

legitimação de posse é um instrumento de regularização jurídica do imóvel.

É já possível estabelecer de antemão que, sendo a legitimação de posse uma

medida que ascende à usucapião dos imóveis. Esse instrumento, vale a ressalva, só poderá

ser utilizado dentro dos processos de REURB, e apenas sobre imóveis privados, tendo em

vista a disposição do inciso 3.º do artigo 183.º da CRFB, que veda a possibilidade

usucapir-se os imóveis públicos.206

A Legitimação de Posse traduz-se, pois, num instrumento que reconhece a função

social da posse, em que os poderes de facto sobre a coisa estão em sintonia com o bem

comum, com os interesses sociais. Essa é a expressão deste princípio, implícito na ordem

jurídica brasileira.207

A demarcação urbanística é apresentada pela lei como um procedimento para

levantamento das informações técnicas e jurídicas sobre o núcleo urbano informal que se

pretenda regularizar. Além dos dados sobre o local e sobre os imóveis, também são

apurados os dados sobre os ocupantes e terceiros interessados. É, essencialmente, um

trabalho de levantamento das situações fáticas e jurídicas, com a finalidade de apontar a

viabilidade da implantação de uma regularização fundiária.

A nova legislação fundiária ampliou as possibilidades de uso da demarcação

urbanística, que agora pode ser usada, também, nas REURBs de interesse específico. E,

assim como o procedimento administrativo do próprio projeto de regularização fundiária,

também a demarcação urbanística sai da esfera de tramitação dos Registro Imobiliários e

passa para a estrutura orgânica dos municípios, podendo, inclusive, ser inserida dentro

daquele.

Houve, ainda, a dispensa das exigências de retificação administrativa dos imóveis

nos cadastros municipais e a apuração de área remanescente, que no sistema anterior eram

um dos maiores entraves nos cartórios registrais imobiliários. Por último, cumpre dizer

que o documento expedido pela administração municipal, ao fim do procedimento, é o

205 CHALHUB, Melhim Namem. A lei de regularização fundiária precisa de revisão. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2016-dez-09/melhim-chalhub-lei-regularizacao-fundiaria-revisao>. Acesso

em: 05 de julho de 2019. 206 JÚNIOR, Lourival da Silva Ramos; DE SOUZA, Priscilla Ribeiro Moraes Rêgo. REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA URBANA: uma análise comparativa legal para o nascimento da propriedade social em São

Luís. Revista de Políticas Públicas, v. 21, n. 2, 2017, p. 1095. 207 AMADEI, Vicente de Abreu; PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida; MONTEIRO FILHO, Rallpho

Waldo de Barros. Primeiras Impressões sobre a Lei nº 13.465/2017. Associação dos Registradores de

São Paulo - ARISP. 2018, p. 26.

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auto de demarcação urbanística, que deve ser averbado nas matrículas tabulares dos

imóveis nele inseridos.

A demarcação urbanística e a Legitimação Fundiária foram criadas pela Lei

Federal n.º 11.977/2009 para serem usados conjuntamente. Isto é, a demarcação

urbanística sempre precedia à legitimação de posse. Esta exigência foi retirada pela Lei

Federal n.º 13.465/2017, mas o uso conjunto ainda é possível e deve ter a viabilidade

analisada no caso concreto.208

Mais novidades estão contidas na permissão para o uso da Legitimação Fundiária

para além dos imóveis com destinação exclusivamente habitacional, desde que se

reconheça o interesse público na sua regularização. Este interesse público advém, sem

dúvidas, da importância do uso misto dos imóveis em núcleos informais, para que haja o

desenvolvimento financeiro da região e a oferta de serviços próximos.

Outro instrumento que merece destaque é a arrecadação de imóvel vago. Assim

como é comum acontecer nos centros urbanos portugueses, o abandono de imóveis afeta

toda a sociedade, reconhecidamente em razão de serem focos de acumulo de sujeiras,

disseminação de epidemias e servirem, com frequência, ao abrigo de usuários de drogas

ou de pontos de prostituição. É distúrbio que afeta questões estéticas, ecológicas,

sanitárias e de segurança pública. Não fosse o bastante, o abandono ainda gera um

problema de apartamento social. Isto porque reduzem a oferta de imóveis em áreas

urbanizadas, o que eleva o preço das locações e empurra as classes de baixa renda para

as periferias.

As causas que ensejam os abandonos são multifactoriais: brigas de herdeiros pelos

imóveis; omissões voluntárias dos proprietários de imóveis tombados, com vistas à

condenação das estruturas, que force a retirada das limitações administrativas; e ainda, o

mero desinteresse pela propriedade do bem. O que se observa em todos os casos, no

entanto, é o claro descumprimento da função social da propriedade, de matriz

constitucional.

A função social assume aqui um papel protagonista, sobretudo quando encarado

como um desenvolvimento consentâneo do princípio da igualdade material, que se

encontra nas bases lógicas do Estado Democrático. A funcionalização dos bens imóveis

nas sociedades democráticas reivindica uma sobreposição dos interesses da sociedade em

relação às vontades individuais, conforme os valores éticos emanados da própria

208 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1613.

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Constituição de 1988, que reclama “a construção de uma nação política e

economicamente soberana e de bem-estar social, com pleno emprego e justiça social”.209

O abandono do imóvel se traduz no uso nocivo e irracional da propriedade, com

evidente abuso de direito.210 Quando a situação de abandono é um facto consumado, nos

termos da lei, é dado ao município proceder a arrecadação do bem ao patrimônio público,

para que se confira destinação compatível com o interesse coletivo. Para tanto, a

administração municipal deve instaurar um procedimento administrativo, de ofício ou por

provocação, sempre que se constate estarem cessados os atos de posse e o

inadimplemento fiscal de determinado imóvel por prazo mínimo de cinco anos.

Ao titular registral da propriedade é garantido os direitos à legítima defesa,

contraditório amplo e devido processual legal administrativo. A ausência de

manifestação, contudo, é tida como concordância com a arrecadação e dá ensejo a

lavratura do auto declaratório de abandono do bem. Após três anos deste termo lavrado,

é expedido o auto de arrecadação final, que deverá ser levado ao registro tabular e

finalmente transfere a propriedade ao município.

No prazo de três anos entre o auto declaratório e o auto de final, diga-se, a situação

de abandono do imóvel não precisa continuar a gerar todo tipo de inconveniente. A lei n.º

13.465/2017 autoriza que o município se imita na posse do bem e inicie as obras que

pretenda, para dar função social ao bem. Caso o proprietário apareça, durante essa

provisoriedade, e requisite a devolução do bem com o compromisso de dar-lhe uso

adequado, deverá indenizar o ente municipal de tudo quanto este tenha dispendido

Esse instrumentoé, portanto, de grande valia para os projetos de REURB, tendo

em vista que consegue eliminar um dos maiores problemas das regularizações, que é a

questão dos vínculos jurídicos entre os proprietários tabulares e os imóveis ocupados por

núcleos urbanos irregulares. Assim, imóveis arrecadados podem ser objetos de reforma

para a instalação de habitações sociais, ou sede de serviços públicos, ou mesmo para a

instalação de equipamentos urbanos, como praças, sistema de abastecimento de água,

subestação de energia elétrica, local de tratamento de resíduos, etc. Os bens podem ainda,

ser objeto de concessão para entidades civis que exerçam atividades filantrópicas,

assistenciais, educativas, esportivas ou de interesse público local.

209 CASTRO, Matheus Felipe de. Capitalista Coletivo Ideal: o Estado e o projeto de desenvolvimento

nacional na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 343. 210 CASTRO, Matheus Felipe de; SAUER, Tais Mirela. A Regularização Fundiária Urbana como

Instrumento Eficacial do Princípio da Função Social da Propriedade e a Ideologia Constitucionalmente

Adotada. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade, v. 2, n. 1, 2016, p. 104.

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Por fim, cabe dizer que a arrecadação de imóvel abandonado não é uma mera

faculdade dos municípios. É um verdadeiro poder-dever, que exige o emprego do

instrumento para dar cumprimento ao princípio constitucional da função social da

propriedade e de toda a ordem constitucional social. Portanto, não há dúvidas. Em

havendo a incidência dos requisitos aludidos acima, o entende público local estará

obrigado a instaurar o procedimento de arrecadação.

Mais um instrumento que deve ser objeto de estudo é o consórcio imobiliário.

Também existente na legislação anterior, o consórcio imobiliário consiste em um negócio

jurídico firmado entre o poder público e os proprietários dos imóveis onde se planeja fazer

uma regularização fundiária. Neste sentido, é negociada uma troca entre os particulares e

o poder público, que recebe o imóvel para proceder as obras necessárias e ao final o

proprietário receberá uma parte da área regularizada.

As vantagens atendem às duas partes. O particular passa a dispor de um imóvel

regular e o Ente Público, além de promover a integração da área regularizada ao ambiente

urbano formal, pode conceder habitações dignas e serviços públicos naquele local. O

consórcio imobiliário mostra-se, assim, um instrumento é de grande poderio para o

manejo das políticas urbanas de escalas comunitárias, pois permite a implantação de

projetos de REURB em imóveis privados sem a necessidade da desapropriação desses

bens, que costuma ser um processo caro e moroso.211

Também é possível utilizar-se do consórcio imobiliário em locais que a realidade

existente impede a regularização dos imóveis, seja por questões de segurança, de

adensamento dos imóveis que inviabilize a implantação de infraestrutura, ou para

preservar danos aos meio-ambiente natural. Nestes casos, os beneficiários cedem as suas

áreas de ocupações e, após toda a reestruturação da área, recebem uma nova habitação.

Essa relação de parceria entre os setores público e privado, no âmbito do consórcio

imobiliário, permite ainda a participação de uma outra figura: as empresas privadas, que

podem atuar na execução das obras de infraestrutura ou construção habitacional, com

verba própria, para que ao final se remunerem através da venda de algumas unidades que

lhe caibam, como contraprestação pelos serviços. Nestes casos, mais uma vez deverá

haver a equalização entre os ganhos sociais e econômicos, para amplificar o alcance desse

instrumento.

211 PINTO, Victor Carvalho. Regularização Fundiária por Consórcio Imobiliário. Uma análise das

modificações no regime jurídico do consórcio imobiliário. 2017. p. 3. Disponível em: <>. Acesso em

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Algumas mudanças trazidas pela nova lei causaram um efeito bastante positivo ao

instituto. Primeiro, o valor de avaliação dos valores que caberão aos beneficiários, no

novo projeto, deverão considerar o valor de mercado do imóvel entregue ao poder

público212. Outra modificação importante é a permissão para o emprego do consórcio

imobiliário para além das construções novas. Isto é, agora também podem ser usadas em

reformas ou na conservação de edificações. A mudança vem para abarcar as situações em

que há áreas degradadas ou em ruínas, que merecem o resgate de importantes valores ao

patrimônio artístico, paisagístico ou cultura, de indiscutível imprescindibilidade para as

cidades.213

O instrumento do consórcio imobiliário se mostra de grande utilidade para a

gestão das políticas urbanas, pois permite uma solução para uma questão sempre sensível

no planejamento de regularizações fundiárias, que é a viabilidade financeira. Serve,

assim, para reduzir o custo, os litígios judiciais e os prazos dos processos de REURB,

com significativos ganhos para a efetividade do instituto das regularizações.

Vistos os instrumentos modificados pela nova lei da regularização fundiária

urbana, é hora de tratar dos novos institutos jurídicos que a lei promoveu. Para começar,

falar-se-á dos condomínios urbanos simples e do direito real de laje. Para tanto, é preciso

resgatar que o descontrole público sobre os núcleos informais permitiu a formação de

relações urbanas complexas, tanto no que diz com as relações familiares e sociais, quanto

com a maneira como os bens e direitos são constituídos.

Dito de outra maneira, é comum ver construções de imóveis por sobrelevação (as

chamadas “lajes”) ou mesmo a construção de casas ou cômodos nos fundos dos imóveis

(os chamados “puxadinhos”), que muitas vezes surgem para abrigar familiares ou para

gerar rendas extras. Em virtude de tanta informalidade, o direito brasileiro não sabia como

enquadrar situações peculiares na manifestação, mas comuns na vida das cidades

brasileiras. Quando o direito é incapaz de tratar adequadamente das questões de uma

sociedade, os resultados dessa segregação atingem os bens jurídicos mais básicos de uma

sociedade livre, justa e solidária. Está configurado nestes termos a importância da criação,

pela Lei Federal n.º 13.465/2017, das figuras jurídicas do condomínio urbano simples e

do direito real de laje.

212 A lei federal n.º 11.977/2009 estabelecia que o valor considerado seria o valor venal do bem, que é um

valor usado como base de cálculo do IPTU. O uso deste valor, normalmente abaixo do valor de mercado,

era um grande entrave para a concordância dos beneficiários, pois reduzia-lhes as parcelas a que teriam

direito. 213 PINTO, Victor Carvalho. Regularização fundiária por consórcio..., Ob. cit., p. 5.

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Assim, o condomínio urbano simples é o instrumento de regularização fundiária

que permite a individualização das unidades imobiliárias coexistentes em um mesmo

imóvel, semelhante ao que acontece nos condomínios de casas, mas diferindo no nível de

exigências a serem cumpridas pelos condôminos, em virtude de sua pequena dimensão.214

Em outros termos, é o caso de haver várias casas em um mesmo terreno, que se constituem

em unidades autônomas. São, como dito, os corriqueiros casos de construção de casas nos

fundos dos terrenos, com a finalidade de alugar, vender ou doar para familiares, por vezes

filhos recém-casados.

O último dos instrumentos prescritos pela Lei Federal n.º 13.465/2017 é a

Legitimação Fundiária. Foi, sem dúvidas, a principal inovação promovida pela lei e, não

à toa, também o ponto mais polêmico. A lei a define como o instrumento que concede a

propriedade a pessoas que detiverem em área pública, ou possuírem em área privada,

unidade imobiliária integrante de um núcleo urbano consolidado, existente em 22 de

dezembro de 2016, exclusivamente dentro de um processo de REURB-S, e desde que

preenchidos os requisitos legais.215

Assim, a legitimação fundiária é, propriamente, um ato administrativo do poder

público municipal que se constitui com o registro da CRF na matrícula registral do

imóvel. Quando a REURB-S promover a regularização coletiva de certos núcleos

informais, o registro dessa certidão é suficiente para titular todos os beneficiários, sem a

exigência de solicitação individual. Diga-se, ainda, que, por ser forma originária de

aquisição, os títulos de propriedade são conferidos sem qualquer sequela, ônus reais,

gravames ou inscrições existentes anteriormente, exceto àqueles que digam respeito ao

próprio beneficiário.216

A utilização da legitimação fundiária sobre imóveis públicos poderá se dar, caso

o reconhecimento dos direitos de propriedade aos beneficiários seja procedido pelo ente

214 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Novidades da Lei n. 13.465/2017: o condomínio de lotes, o

condomínio urbano simples e o loteamento de acesso controlado. Artigos de convidados. Disponível

em: <www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 9 jun. 2019. P.17 215 Artigo 23.º A Legitimação Fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de

propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver

em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana,

integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016. parágrafo 1º

Apenas na Reurb-S, a legitimação fundiária será concedida ao beneficiário, desde que atendidas as

seguintes condições: I - o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário de imóvel urbano ou

rural; II - o beneficiário não tenha sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de imóvel

urbano com a mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano distinto; e III - em caso de imóvel

urbano com finalidade não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua

ocupação. 216 MAFFINI, Rafael, A lei 13.465/2017..., Ob. cit., p.566 e 567.

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público titular do bem. Aqui, muito se discute se a vedação de usucapião sobre imóvel

público englobaria, também, a proibição de LF. Ou, ainda, que a transferência dos bens

públicos aos particulares, via Legitimação Fundiária, burlaria o dever de licitação que a

administração pública detém.

Também em terras privadas a LF tem causado fortes críticas, sobretudo em face

da alegada inobservância do direito fundamental à propriedade. O enfrentamento do tema,

já se sabe, ficará a cargo dos itens que avaliarão as alegações de inconstitucionalidade

dos conteúdos da Lei Federal n.º 13.465/2017.

II.4. UMA VIA (IN)CONSTITUCIONAL PARA A CONCRETIZAÇÃO DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA?

O desenvolvimento desta pesquisa, até aqui, mostrou o problema do direito

fundamental à moradia no Brasil e os motivos de suas formações. Viu-se, também, o

desenvolvimento legal e o conteúdo da Lei Federal n.º 13.465/2017, que contempla o

principal instrumento brasileiro de combate a essas questões. Essas normas, contudo,

foram objeto de impugnação judicial, no controle concentrado de constitucionalidade,

através das Ações Diretas de Inconstitucionalidades n.º 5771 (autoria: Ministério Público

Federal – MPF), n.º 5787 (autoria: Partido dos Trabalhadores - PT) e, por último, n.º 5883

(autoria: Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB).217

Antes de ascender aos termos das impugnações constitucionais, alguns

esclarecimentos se fazem necessários. Em primeiro lugar, nenhuma das ações foi, ainda,

julgada. Além disso, é certo dizer que as ADIs tratam das REURBs, mas também das

regularizações fundiárias rurais e no âmbito da Amazônia Legal, bem como dos

procedimentos para a alienação dos imóveis de propriedade da União. Os termos

analisados, é óbvio, ater-se-ão, somente, às normas que digam respeito ao âmbito urbano

da regularização.

A outra advertência é que a ação proposta pelo IAB traz, na maior parte de seu

conteúdo, questões de direito registral imobiliário. Acontece que há restrições à

legitimidade para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade, por partes das

associações nacionais de classes, como é o caso do IAB. Exige, pois, dentre outros

requisitos, a presença da pertinência temática entre a atuação da entidade e a matéria

217 Para uma descrição específica dos argumentos de cada uma das ações, Crf. SANTIN, Janaína Rigo,

Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1616 a 1618.

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impugnada.218 Assim, a considerar que uma associação de arquitetos não possui ligação

com a temática dos registros públicos, essas disposições não serão consideradas nestas

linhas.

Um outro ponto importante de ser dito é que, durante a tramitação legislativa de

conversão da MP n.º 759/2016 na Lei Federal n.º 13.465/2017, houve uma profunda

alteração das disposições originais. Assim, essa pesquisa só considerará as disposições

que vigoram na lei, dispensando-se aquelas alegações que se refiram às normas contidas

na medida provisória e perdidas durante a conversão legislativa.

Por último, a análise dividirá as impugnações em questões de

inconstitucionalidades formais e materiais, com reunião dos argumentos presentes nas

três ações em tópicos, visto a similitude dos reclames das ADIs. Portanto, as

inconstitucionalidades formais apontadas foram:

• A MP n.º 759/2016 não teria preenchido os requisitos constitucionais de

urgência e relevância para a edição de Medidas Provisórias, pelo

Presidente da República (artigo 62.º, CF219), o que teria contaminado a Lei

Federal n.º 13.465/2017 – ADIs propostas pelo MPF e pelo PT;

• Vedação constitucional para legislar em matéria de direito processual civil,

por meio de Medidas Provisórias (artigo 62.º, parágrafo1º, I, a220) – ADIs

propostas pelo MPF e pelo PT;

• Usurpação da competência legislativa e executiva dos municípios para

tratar das políticas urbanas (artigo 24.º, I221; 30.º, I e VIII222; 182.º223) –

ADIs propostas pelo PT e pelo IAB;

218 A pertinência temática é tema pacificado no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,

cujos casos podem ser citados, entre inúmeros outros, os seguintes: [ADI 1.507 MC-AgR, rel. min. Carlos

Velloso, j. 3-2-1997, P, DJ de 6-6-1997.] / [ADI 3.702, rel. min. Dias Toffoli, j. 1º-6-2011, P, DJE de 30-

8-2011.] / [ADI 3.413, rel. min. Marco Aurélio, j. 1º-6-2011, P, DJE de 1º-8-2011.] / [ADPF 144, voto do

rel. min. Celso de Mello, j. 6-8-2008, P, DJE de 26-2-2010.]. 219 Artigo 62.º - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas

provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. 220 Artigo 62.º Parágrafo 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: b) direito

penal, processual penal e processual civil; 221 Artigo 24.º - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I -

direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; 222 Artigo 30.º - Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; VIII - promover, no

que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento

e da ocupação do solo urbano; 223 Artigo 182.º - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

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• Invasão da competência legislativa do Congresso Nacional, por usar uma

MP para alterar mais de vinte leis (sem artigo correspondente) – ADI

proposta pelo PT;

Já as principais inconstitucionalidades materiais apontadas foram as seguintes:

• A Lei Federal n.º 13.465/2017 afronta a diversos princípios e normas

constitucionais, entre eles o da proteção ao direito à moradia (artigo 6.º224),

ao direito à propriedade e sua função social (inciso XXIII do artigo 5.º225),

às funções sociais da cidade (artigo 182.º), aos fundamentos da república

(artigo 3.º226), ao princípio da participação popular (inciso XII do artigo

23.º), à proibição de retrocesso em matérias de direitos fundamentais e o

mínimo existencial (artigo 5.º) – ADIs propostas pelo MPF, PT e IAB;

• Violação à proteção ambiental (artigo 225.º, caput, e parágrafos 1º, inciso

I, II, III, VII, e parágrafos 2.º e 4.º227) -ADIns propostas pelo MPF, pelo

PT e pelo IAB;

• Afronta às regras constitucionais de usucapião por, supostamente, ser a

única forma de aquisição originária da propriedade admitida pelo

ordenamento constitucional (artigo 183.º, caput e parágrafo 3.º228);

224 Artigo 6.º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte,

o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição. 225 Artigo 5.º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,

à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 226 Artigo 3.º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 227 Artigo 225.º - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. parágrafo 1º Para assegurar a efetividade

desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover

o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio

genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III -

definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente

protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização

que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; VII - proteger a fauna e a flora,

vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção

de espécies ou submetam os animais a crueldade; parágrafo 2º Aquele que explorar recursos minerais fica

obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público

competente, na forma da lei. 228 Artigo 183.º - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,

por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-

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II.5. A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL N.º

13.465/2017 DE UMA PERSPECTIVA JUS-PRINCIPIOLÓGICA

II.5.1 As inconstitucionalidades formais

O primeiro tema a ser analisado é a acusação de desrespeito à regra contida no

artigo n 62.º da CRFB, que impõe a existência dos critérios de relevância e urgência das

matérias, para que seja autorizado ao Presidente da República editar, por meio de decreto,

no exercício excepcional da função legiferante, uma norma com força de lei, a Medida

Provisória229. Isto é, sem a presença desses dois elementos – urgência e relevância – não

haveria motivos que justificassem a quebra do processo legislativo ordinário.

Assim, o argumento das ADIs, apesar de reconhecerem que o problema fundiário

tem relevância para o Brasil, faltar-lhe-ia a urgência, afinal este é um problema estrutural

do desenvolvimento das urbes, que vem sendo perpetuado há mais de um século. Deveria,

pois, ser tratado por meio de amplos debates no Congresso Nacional, o que invalida toda

o conteúdo da citada lei. O tema exige um recorte maior da situação, para que se perceba

todas as implicações por trás dos argumentos.

Já foi observado neste trabalho que todas as leis que regularam especificamente a

regularização fundiária urbana originaram-se de Medidas Provisórias (a MP n.º 459/2009

deu origem a Lei Federal n.º 11.977/2009; a Lei Federal n.º 12.424/2017, que alterou

algumas disposições da lei anterior, adveio da MP n.º 514/2010; e, por fim, a impugnada

MP n.º 759/2016 resultou na Lei Federal n.º 13.465/2017).

O argumento, portanto, cai em contradição, afinal pretende supor que, embora

sempre tenha sido considerada urgente, a matéria fundiária urbana esta perdeu este status

em 2016, quando todos os indícios apontam para um agravamento da questão. E pior, ao

pedir a nulidade da Lei Federal n.º 13.465/2017 com base neste argumento, as ADIs

pretendem o retorno da vigência da Lei Federal n.º 11.977/2009, que padece do mesmo

vício de origem.

lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. parágrafo 3º Os imóveis

públicos não serão adquiridos por usucapião. 229 A Medida Provisória entra em vigor imediatamente e tem um prazo de vigência de 60 dias, prorrogável

por igual período. Deve ser submetida à apreciação do Congresso Nacional e, caso não seja votada em até

45 dias, o processo legislativo entrará em regime de urgência e deverá trancar a pau da casa na qual esteja

tramitando, até a efetiva votação pelos parlamentares.

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E, como se tudo isso não fosse suficiente, ainda é curioso destacar que o autor da

ADI 5787, o Partido dos Trabalhadores, foi a legenda a que pertencia a Presidente da

República que editou a MP n.º 459/2009 e 514/2010 – e que, mais uma vez diga-se,

considerava a pauta fundiária urbana urgente, até então.

Afora todas essas contradições, aqui cumpre fazer uma análise jurídica, ainda que

curta, do critério da urgência na edição de MP. Trata-se de expressão cujo o conteúdo é

aberto, a variar a depender da matéria. Afinal, a urgência na matéria de econômica sofre,

por exemplo, impactos internacionais imprevisíveis, o que certamente não acontece nas

urgências da agenda urbana.

Quando chamado a tratar do tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro,

firmou o entendimento de que a CRFB, ao não estabelecer claramente o conteúdo para

“urgência”, incumbiu ao Presidente de República de fazer tal interpretação.230 Neste caso,

o papel do Poder Judiciário deve ser de respeito à legitimidade constitucional do chefe do

poder executivo, sendo permitida a interferência, tão somente, quando houver a ausência

cabal de urgência ou relevância, em um só termo, a inexistência total desses elementos.

E ao analisar-se os números do uso histórico das MPs pelos governos federais

brasileiros, constasse que nem sempre houve rigor no tratamento dos requisitos. Ao todo,

1.344 Medidas Provisórias nos últimos 24 anos. Nos governos presididos por políticos

vinculados ao Partido dos Trabalhadores, foram editadas 623 MPs, com média de 1

Medida Provisória a cada 6,8 dias para o ex-Presidente Lula, e 1 a cada 9,17 dias para a

ex-Presidente Dilma Rousseff.231

O uso indistinto de MPs, como tem sido feito em todos os governos federais

recentes da história do Brasil, merecem críticas e reprimendas, que exultem reflexões na

maneira de lidar com esta via legislativa. Os Presidentes da República têm o dever

constitucional de sopesar o que é verdadeiramente urgente e relevante para o povo

brasileiro.

Por outro lado, no caso da matéria fundiária urbana, o argumento de ser esse um

problema secular não é suficiente para afastar o reconhecimento dos impactos causados

230. A jurisprudência do STF é pacífica neste sentido, podendo ser citados os seguintes processos: BRASIL.

Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 3994 / DF, ADI 5018 / DF, ADI

2332 / DF. 231 G1 – Política de 19/11/2017; Temer é o presidente que, em média, mais edita medidas provisórias;

Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/desde-fhc-temer-e-o-presidente-que-em-media-

mais-edita-medidas-provisorias.ghtml>. Acesso em: 24 de setembro de 2019

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atualmente sobre o ambiente das urbes, que exigem uma atuação imediata dos governos

federados.

Não se pode negar que os problemas fundiários não são recentes na sociedade

brasileira e que há décadas tem se buscado avançar na matéria. Desde o tempo da CRFB

de 1988 – e até antes, a situação urbana reclama intervenções sérias. Já em 2004, Edésio

Fernandes dizia que a situação precisava ser enfrentada com urgência.232 Todavia, a

realidade de omissão do poder público, sobretudo da esfera legislativa, que jamais

enfrentou a questão com a seriedade que merece.

Mas as más condições sociais brasileiras também são evidentes, com resultados

ruins quando considerados os níveis mundiais. O better life index233, da OCDE -

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, aponta como o Brasil é

caracterizado por baixos índices de saúdes pública, altos índices de violência, baixos

rendimentos e altos níveis de desemprego e, também, condições ruins de moradia.234

Tudo isso é a realidade do ambiente urbano brasileiro, desordenado e recheado de núcleos

urbanos irregulares e abandonados pelo poder público. Assim, parece não restar dúvidas

de que há urgência no tema da regularidade fundiária urbana, sobretudo quando está em

jogo a dignidade da pessoa humana.

Outro dos apontamentos de inconstitucionalidade formal das ADIs foi a violação

à letra “b”, do Inciso I, do artigo 62.º da Constituição de 1988, que veda o tratamento de

matéria de direito processual pelas vias da Medida Provisória. Isto porque o artigo 57.º

da Lei Federal n.º 13.465/2017 determinou a inclusão dos incisos X e XI no artigo 299.º

do Código de Processo Civil Brasileiro. O caso é que a redação original da Medida

Provisória não continha qualquer disposição que envolvesse direito processual. Mas, ao

tramitar no CN, diversas modificações foram inseridas no texto que virou a Lei Federal

n.º 13.465/2017, inclusive o artigo 57.º.

É certo que a violação direta a tal vedação constitucional não ocorreu diretamente.

O que restaria saber é, todavia, se é compatível com os mandamentos constitucionais a

inclusão de matérias vedadas para MPs, quando do processo de conversão em lei. Ao

232 FERNANDES, Edésio. Princípios, bases e desafios de uma política nacional de apoio à regularização

fundiária sustentável. In: Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade. Diretrizes,

instrumentos e processos de gestão. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (orgs.). Belo Horizonte:

Fórum, 2004, p. 317. 233 A pesquisa avalia as áreas de moradia, renda, empregos, comunidade, educação, meio ambiente,

engajamento cívico, saúde, satisfação pessoal, segurança e vida/trabalho. 234 Disponível em: <http://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/paises/brazil-pt/>. Acesso em: 28 de setembro

de 2019.

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recorrer à jurisprudência do Supremo Tribunal, a fim de buscar a melhor interpretação,

verificou-se que a matéria não chegou a ser tratada especificamente sob esta ótica. É

possível, entretanto, analisar outros julgados em matérias similares, a fim de buscar um

norte para a questão.

No julgamento da ADI n.º 5127 a Suprema Corte brasileira estabeleceu que era

vedado o uso de emendas parlamentares durante o processo de conversão das MPs em lei

que não possuíssem pertinência temática com o conteúdo das Medidas Provisórias. A

situação foi chamada pela corte constitucional de “contrabando legislativo”, que ocorre

quando a MP originalmente trata de um assunto e, durante o processo de convalação no

CN, tem inserida em seu texto normas estranhas ao seu objeto original.235

Apesar de, naquele caso, tratar-se de fuga temática, muito usada por parlamentares

para encampar certas normas, sem passar pelo processo legislativo ordinário, em que

certamente não restariam aprovadas, o entendimento do Supremo leva a crer que o

conteúdo da conversão deve respeitar os limites impostos para a edição de Medidas

Provisórias.

Assim, nas hipóteses contidas na letra “b”, do Inciso I, do artigo 62.º da

Constituição de 1988 (penal, processo penal e processo civil), as vedações apontam para

a necessidade de respeito ao processo legislativo ordinário para o tratamento da matéria,

com os ritos e prazos apropriados para o amplo debate que se exige. Isso, inclusive, fica

estacado no voto da Ministra Rosa Weber, quando ressalva que a via legislativa comum

dispõe de comissões temáticas e institui debates públicos importante para a ampliação do

alcance das matérias tratadas.236 Tudo isso leva, naturalmente, à inconstitucionalidade do

artigo 57.º da Lei Federal n.º 13.465/2017.

Outro ponto a padecer das acusações de inconstitucionalidade formal é a alteração,

pela Medida Provisória, de mais de vinte legislações, o que feriria o processo legislativo

ordinário. Desta forma, argumenta-se que as leis passam por um procedimento longo e,

portanto, tantas alterações via MP seriam uma afronta às disposições constitucionais

sobre a cláusula de reserva de iniciativa legislativa do Congresso Nacional.

235 Importa relatar que a Suprema Corte Brasileira, embora tenha proibido o uso do “contrabando

legislativo” no processo de conversão das MPs, revolveu modular os efeitos da decisão, determinando que

valeria daquela data em diante (15/10/2015). A MP n.º 759/2016 e a lei federal n.º 13.465/2017, relembra-

se, são posteriores. 236 Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=309458851&ext=.pdf>.

Acesso em: 24 de setembro de 2019.

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No entanto, não existe essa vedação constitucional expressa. Aliás, é permitido

aos parlamentares, no âmbito da conversão das Medidas Provisórias, propor livremente

as alterações que visem melhorar as disposições da lei. Isso significa poderes para alterar,

suprimir ou adicionar conteúdos, desde que respeitada a pertinência temática e as matérias

vedadas, conforme visto anteriormente. Assim, os argumentos apresentados não parecem

ter maiores implicações, não havendo que se falar em inconstitucionalidade sobre esse

aspecto.

O último dos vícios formais apresentados pelas ADIs foi a violação à titularidade

da gestão das políticas urbanas, atribuída aos Municípios pelo artigo 182.º da CRFB.

Dizem, as ações, que a Lei Federal n.º 13.465/2017, ao tratar da regularização fundiária

urbana, extrapolou as competências municipais e instituiu normas que afetam aos

interesses locais, e portanto, não deveriam ter sido tratadas por Lei Federal.

Dentro deste tema, vários foram os artigos constitucionais apontados como

violados: o parágrafo 1º do artigo 182.º da CRFB – que atribui ao plano direto o papel de

instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana; o inciso I do artigo

24.º da CRFB – que estabelece a competência concorrente para legislar sobre direito

urbanístico, entre todos os entes federados; inciso I do artigo 30.º da CRFB – que trata da

competência exclusiva do Municípios para legislar sobre assuntos de interesses locais; o

inciso VIII do artigo 30.º da CRFB - que estabelece a competência exclusiva dos

Municípios para promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Os artigos constitucionais apontados, segunda as ações, teriam sido violados pelas

seguintes disposições contidas na Lei Federal n.º 13.465/2017: a permissão de dispensa

de regras urbanísticas e edilícias na regularização fundiária violaria a competência

municipal para dispor sobre o assunto (Parágrafo 1º do artigo 11.º); uma lei urbanística

federal, portanto uma lei geral, não deveria disciplinar o procedimento a ser adotado nas

REURBs, pois caberia aos municípios regrar os seus procedimentos, de acordo com os

interesses locais – artigos nº 28.º ao 34.º; quando a REURB se dá sobre imóvel público,

a classificação em interesse social ou específico é feita pelo ente proprietário do imóvel

objeto de REURB, e não pelos Municípios, o que feriria a competência municipal de

classificar o procedimento de acordo o interesse local (parágrafo 1º e inciso I do artigo

30.º); e, finalmente, a possibilidade de regularização fundiária urbana de núcleos urbanos

consolidados em áreas rurais, que refere a competência do plano diretor, como

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instrumento do desenvolvimento e da expansão urbana (parágrafo 6.º e inciso I do artigo

11.º).

O ponto central da invasão de competência municipal, ou não, pela Lei Federal

n.º 13.465/2017 é entender quais os limites das normas por si trazidas. E é justamente a

generalidade das normas que dá liberdade de atuação municipal. Isto fica evidente, na

medida que a lei não traça diretrizes gerais de um sistema jurídico, com frequentes

atribuições de poder decisório aos Municípios.237

Um bom exemplo é a permissão para a dispensa das exigências urbanísticas e

edilícias, dentro de um processo de REURB.238 A simples leitura da redação do parágrafo

1º do artigo 11.º da citada lei é capaz de arrematar essa questão, pois é dito ser possível

(não obrigatório), aos Municípios, dispensar esses parâmetros. A autonomia para decidir

pela aplicação deste artigo permanece com o ente promotor das regularizações, que

passam a dispor de mais uma ferramenta, a fim de identificar e executar as melhores

práticas para a regularização plena destes lugares.239

O mesmo acontece com a disciplina do procedimento de REURB. A lei

impugnada respeitou o papel de lei geral, e estabeleceu um procedimento padrão, que

balize os processos dentro dos órgãos municipais. Nada impede, evidentemente, que os

municípios instituam regras específicas, que estejam de acordo com as realidades locais.

Isso tudo coaduna com o inciso I do artigo 24.º da CRFB, que diz que o direito urbanístico

é matéria de competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal. Aos

Municípios cabe tão somente, nos termos do inciso II do artigo 30.º da CRFB, legislar de

maneira suplementar às leis estaduais e federais. Não há que se falar, pois, em

inconstitucionalidades neste quesito.

Bastante mais complexo é a questão da constitucionalidade da regra que autoriza

a regularização fundiária urbana em núcleos urbanos consolidados em áreas rurais.240 A

norma põe em rota de colisão a competência municipal para dispor sobre o que é área

urbana e o que é área rural, de acordo com o interesse local, com a necessidade de

prestação de assistência pública para as pessoas que vivem em situação de exclusão

social, nesses lugares.

237 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1600. 238 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 460. 239 CORREIA, Arícia Fernandes. Direito da regularização fundiária urbana e autonomia municipal: a

conversão da medida provisória n. 759/2016 na lei federal n. 13.465/2017 e as titulações da prefeitura

da cidade do rio de janeiro no primeiro quadrimestre de 2017. Right of Urban Land. Geo UERJ, n. 31,

2017, p.193 e 194. 240 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 460.

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Este tema, aliás, parece ser suficiente para uma investigação autônoma, já que

demanda uma análise mais acurada dos valores em conflito, onde fosse possível entender

melhor a competência para qualificação do solo em urbano ou rural, e ainda, os reflexos

disso para a garantia dos direitos fundamentais aos ocupantes destes núcleos. Entretanto,

a fim de compatibilizar a necessidade de enfrentamento do tema, com as limitações

implícitas a este trabalho, a análise será feita de maneira mais detida.

Deste modo, tem-se que o artigo 3.º da lei 6.766/1979 assevera que só é permitido

o parcelamento do solo urbano que estejam localizados “em zonas urbanas, de expansão

urbana ou de urbanização específica”, cuja a classificação deverá constar na lei municipal,

desejavelmente no Plano Diretor Municipal. Logo, a lei determinou que compete ao

município classificar a qualidade do solo em áreas urbanas ou rurais.241

Desta feita, em um planejamento urbanístico ideal, a classificação e o controle das

zonas urbanas pelo Município deveriam impedir a formação de núcleos urbanos em áreas

rurais, tendo em vista que o desenvolvimento destes núcleos estaria em desconformidade

com a política urbanística estabelecida pela Municipalidade. Mas e quando, na prática,

esta ordenação do perímetro municipal não é bem gerida e núcleos urbanos são formados

e consolidados em áreas rurais? Qual deve ser a postura jurídica adotada pelo poder

público em face das pessoas que vivem nestas ocupações, notadamente em condições de

pobreza extrema?

Ponto chave para o deslinde da questão é a consideração da condição de

“consolidação” destes núcleos. Quando a reversibilidade deixa de ser uma possibilidade,

o poder público tem o dever de agir para garantir as condições mínimas de uma vida

condigna para seus ocupantes. E isto inclui o dever de proceder a REURB, implantar

serviços públicos, infraestrutura, interligar essas áreas com o centro urbano através do

transporte público. Enfim, dever de inclusão social.

Não fazê-la é o mesmo desconsiderar essas áreas, deixando de incluí-las em

políticas públicas urbanas e condenando-as à situação de precariedade, com falta de

prestação adequada de serviços essenciais como a educação, a saúde, a coleta de resíduos

sólidos e esgotamento sanitário, a iluminação pública, acesso às vias formais de crédito,

a segurança jurídica e física das moradias e todos as outras benesses de estar integrado na

formalidade urbana.242 É, propriamente, o abandono dessas pessoas à própria sorte.

241 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 8º ed. 2018. p.88. 242 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 458.

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Assim, em pese a regularização desses núcleos urbanos em áreas rurais ir de

encontro à titularidade municipal para fazer isso mediante lei, os bens jurídicos que as

REURBs satisfazem e os valores sociais de assistência estatal são de maior peso

constitucional, e devem ser privilegiados, em nome do atendimento à dignidade humana.

II.5.2 As inconstitucionalidades materiais

Os argumentos contra a constitucionalidade material da Lei Federal n.º

13.465/2017 estão assentados, em grande parte, em valores jusprincipiológicos, o que

requer uma interpretação sempre mais profunda, com exigíveis resgastes contextuais e

axiológicos nas normas aventadas.

Para começar: a Legitimação Fundiária, fonte de tantas polêmicas. O conceito

legal e a instrumentalidade do instituto já foram apresentados anteriormente, restando,

para agora, análise dos argumentos das ADIs contra a LF, que se constituem no seguinte:

(i) a ausência de tempo mínimo de ocupação como requisito para a concessão da LF; (ii)

a possibilidade de LF para imóveis com destinações diversas da residencial; (iii) a LF

sobre imóvel público; (iv) a transferência de bens públicos a pessoas privadas, através de

LF, sem prévia licitação ou mesmo desafetação do bem; (v) a violação ao direito de

propriedade privada.

O primeiro ponto escolhido foi o uso da LF sobre imóvel público. A ações

suscitam uma interpretação extensiva da vedação de aquisição de bem público por meio

da usucapião, que englobaria qualquer outra forma de aquisição originária de propriedade

de imóvel público. Assim, repita-se, por interpretação extensiva, a LF violaria o parágrafo

3.º do artigo 183.º da CRFB.

Percebe-se fundamental, à vista da interpretação pretendida pelas ações, distinguir

a usucapião e a Legitimação Fundiária. A primeira se caracteriza como a aquisição de

propriedade pelas vias prescritivas, que se dá em função do exercício da posse por certo

tempo, além de ter que ser mansa, pacífica, contínua e de boa-fé. É, pois, instituto ligado

eminentemente ao direito civil, embora, na modalidade “especial constitucional urbana”,

tenha sido conectada com a política urbana pelo próprio artigo 182.º da CRFB.

Por seu turno, a LF tem fonte normativa ordinária e é constituída como um

instrumento de Regularização Fundiária Urbana, criado para ser usado exclusivamente

no âmbito das políticas urbanas, caracterizando-se, mesmo, como norma de direito

urbanístico, de exercício exclusivo pelo poder público. Em comum, portanto, apenas o

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facto de resultarem na aquisição de propriedade pelo ocupante do bem imóvel. Sua

instrumentalização e suas finalidades, nada obstante, são completamente diversas. Não

há que se falar, assim, em vedação constitucional para o uso da LF sobre imóvel público.

Apesar de ser uma medida extremada, afinal retira os direitos de propriedade de

alguém para transferir a outros, o uso da ferramenta é restrito aos processos de

regularização fundiária sobre núcleos urbanos informais em situação de consolidação, de

irreversibilidade. Isso significa que o estado de coisas chegou a tal ponto que a remoção

é inviável.

Isto significa, portanto, que os proprietários tabulares, públicos ou particulares,

jamais reaverão os poderes dominiais sobre esses imóveis. No caso das áreas privadas, a

consolidação dos núcleos induz que a propriedade já foi, ou será, perdida pela prescrição

aquisitiva - usucapião. No caso dos bens públicos, apesar de não ser possível constituir-

se a usucapião, há a perda real da disponibilidade imobiliária, advinda da impossibilidade

de retirada dos ocupantes. Sem o caminho da regularização, haverá sempre esse divórcio

entre a vida real e o direito. E isso, como já foi visto inúmeras vezes, é o sinônimo de

segregação socioespacial e exclusão social.

Ademais, e ainda mais importante do que a constata irreversibilidade dos núcleos,

é a questão do cumprimento da função social da propriedade. Afinal, é só a partir do não

exercício adequado desses imóveis que surgem às ocupações irregulares e, naturalmente,

os núcleos informais. Tanto o proprietário privado, quanto o público, tem o dever de usar

a propriedade e destiná-la, em última instância, ao bem coletivo.243

Acontece que o abandono de imóveis públicos é ato corriqueiro na realidade

urbana brasileira. Segundo Edésio Fernandes, os bens, quando não estão ocupados por

núcleos urbanos informais consolidados, estão vazios e sem cumprir sua função social. O

custo desse descaso é dobrado – pois custa caro manter imóveis em desuso, bem como,

os efeitos sociais são graves. Esses bens devem, portanto, receber destinação útil e podem

contribuir muito com a reforma urbana voltada para a melhoria social.244

Para arrematar a questão, além de a falta de cumprimento da função social pelo

proprietário ser a causa que abre margem para o surgimento das ocupações, estas próprias

acabam por dar função social a esses imóveis. Afinal, o exercício da moradia para as

243 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., Ob. cit., p. 1611. 244 FERNANDES, Edésio. Princípios, bases e desafios de uma política nacional de apoio à

regularização fundiária sustentável. In: Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade.

Diretrizes, instrumentos e processos de gestão. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (orgs.). Belo

Horizonte: Fórum, 2004, p. 348.

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pessoas de baixa renda é de inequívoco interesse público, valor que deve pautar o uso da

LF.245 A regularização destes lugares é vital, pois são esses espaços que cumprem o papel

de albergar indivíduos em vulnerabilidade social, causada ausência de políticas públicas

que permitam o acesso a uma habitação condigna, dentro dos espaços urbanos formais.

Outra crítica apontada contra a Legitimação Fundiária vem da possibilidade de

sua utilização para a regularização de imóveis com destinação não residencial. As ADIs

dizem, de modo geral, que a regularização de imóveis não residenciais iria de encontro

ao interesse social, que só abrigaria o direito à moradia. A extensão dessa proteção aos

imóveis empregados em funções não residenciais é apontada como favorecimento

econômico de particulares em detrimento do interesse público.

Todavia, é preciso entender que a destinação não residencial pode dar ensejo a

situações de vários matizes, v.g., comércios de pequeno porte, com vocação para

composição da renda familiar. São bares, mercadinhos, padarias, farmácias e outros

comércios que, além de ajudar no desenvolvimento econômico daquelas pessoas, também

é importante para a cidade como um todo, pois induz a redução da necessidade de

locomoção urbana. Nestes casos, há como falar em enriquecimento de particulares em

desfavor do interesse coletivo?

O interesse público, no ambiente urbano, deve estar pautado no desenvolvimento

sustentável246 dos espaços, permitindo um convívio equilibrado entre às quatro funções

da cidade – resgate-se: habitação, trabalho, recreação e deslocamento. Logo, a

consideração de só ser possível a regularização fundiária de imóveis habitacionais leva

ao problema do isolamento destes espaços, que deixam de dispor de serviços de lazer,

possibilidades de empregos, complementos de renda.

No caso da circulação, o desequilíbrio é até mais intenso, pois as zonas com

natureza exclusivamente residencial demandam maior infraestrutura e número de

transportes públicos, com alto custo associado, e geram maior volume de circulantes,

ocasionando congestionamentos e queda na qualidade de vida daquela localidade.

Admite-se que nem todos os imóveis inseridos nos núcleos urbanos informais

atendam ao interesse público, pois é possível haver atividade nocivas ao desenvolvimento

245 GODOY, Fernando, A regularização fundiária..., Ob. cit., p. 467. 246 Entendido neste contexto como “é aquele desenvolvimento que permite às gerações presentes

satisfazerem suas necessidades, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as

suas próprias. BRUNDTLAND, Gro Harlem. Report of the World Commission on environment and

development:" our common future.". United Nations, 1987, p. 24, apud, SANTOS, Ob. cit, fev./mar. 2012,

p. 81

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urbano. Nessas situações, é o próprio Município o ator apropriado para julgar o interesse

público, situação garantia pela lei. Não há a obrigação de regularização, mas tão somente

a permissão, que deve ser sempre conjuga com o interesse comum. O que não se pode

concordar é que a proibição total de regularização de imóveis não residenciais é dar

cumprimento aos preceitos constitucionais.

É oportuno destacar o potencial que a LF tem para mudar as cidades brasileiras,

permitindo a gestão de uma política urbana de transformação, reordenação e

regularização dos espaços urbanos. Os ganhos são para o direito à habitação, e à inclusão

de áreas e pessoas nos programas e políticas públicas, ofertando a prestação dos serviços

públicos, o acesso ao crédito formal (menos custoso), além, é claro, da segurança jurídica

que a propriedade garante.247 Regularização fundiária urbana é mais do que mera titulação

dos beneficiários, é a integração do direito à moradia à cidade.248

Por tudo quanto analisado, conclui-se aqui que a Legitimação Fundiária não viola

as disposições constitucionais apontadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidades. O

instrumento foi criado com o propósito de dar maior efetividade às regularizações

fundiárias de interesse social e parece estar em consonância com a busca pelo avanço em

matérias de concretização de vários princípios e direitos constitucionais, tais quais o da

justiça social, do desenvolvimento econômico, da moradia digna, e das funções sociais

da cidade e da propriedade.

Uma outra temática dita nas ADIs como violada pela Lei Federal n.º 13.465/2017

é a proteção ao meio-ambiente natural. Breve advertência se deve ao facto de que a

maioria dos apontamentos ambientais das ações recaem sobre às regularizações fundiárias

rurais e no âmbito da Amazônia Legal, restando para serem enfrentados aqui o pouco que

liga à REURB. Antes contudo, de passar às considerações do tema, adverte-se que a

remoção dos núcleos urbanos informais, ainda que viável, só deve ser considerada, se

houver riscos graves à saúde ou à segurança dos ocupantes249.

As críticas podem ser divididas em dois grupos, sendo o primeiro o das acusações

de redução da proteção ambiental, quando comparada com a lei anterior, o que violaria o

247 CORREIA, Arícia Fernandes. Direito da regularização fundiária urbana e autonomia municipal: a

conversão da medida provisória n.º 759/2016 na lei federal n.º 13.465/2017 e as titulações da

prefeitura da cidade do Rio de Janeiro no primeiro quadrimestra de 2017. Right of Urban Land. Geo

UERJ, n. 31, 2017, p. 184. 248 CASTRO, Matheus Felipe de; SAUER, Tais Mirela. A Regularização Fundiária Urbana como

Instrumento Eficacial do Princípio da Função Social da Propriedade e a Ideologia Constitucionalmente

Adotada. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade, v. 2, n. 1, 2016, p. 112. 249 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., ob. cit., p. 1606.

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princípio da proporcionalidade, na condição de proteção insuficiente. O outro ponto diz

que a regularização fundiária sobre bens públicos, ao reduzir o número de imóveis à

disposição, reduz a possibilidade de criação de áreas de proteção ambiental.250

Este último não merece maiores considerações, visto a fragilidade do argumento.

Aventar a indisponibilidade de imóvel para a instituição de incertas reservas ambientais

não tem o condão de impedir a satisfação dos direitos sociais ligados às regularizações.

Até porque, a própria condição de irreversibilidade, que é pré-requisito para LF, já tornou

disponível o uso daquele bem para esse fim. Edésio Fernandes é certeiro quando aventa

que, por vezes, os argumentos de violação ambiental funcionam como mera retórica, para

justificar posições contrárias às Regularizações Fundiárias.251

Isso parece acontecer também na alegada redução de proteção do meio-ambiente

natural. O texto legal está sempre a falar da necessidade de melhoria das condições

ambientais após as REURBs, que precisa ser demonstrada por meio de estudos técnicos.

252 Neste sentido, vários são os artigos passíveis de citação, tais quais, o inciso I do artigo

10.º253; parágrafos 2.º e 3.º do artigo 11.º 254; e, principalmente, os incisos III, VI, VIII e

IX do artigo 35.º 255.

Aqui cabe ressaltar que as ocupações informais não dispõem de qualquer controle

público quanto aos danos causados ao meio-ambiente natural. Estes lugares, normalmente

desprovidos de infraestruturas, frequentemente não possuem tratamento de esgoto e

250 SANTIN, Janaína Rigo, Direito Urbanístico..., ob. cit., p.1615 251 FERNANDES, Edésio. Perspectivas..., ob. cit., p. 46. 252 PINTO, Victor Carvalho, A regularização fundiária urbana..., ob. cit.. 253 “Artigo 10.º Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal

e Municípios: I - identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e

assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições

urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;” 254 “Artigo 11.º Para fins desta Lei, consideram-se: parágrafo 2º Constatada a existência de núcleo urbano

informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de

conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios,

a REURB observará, também, o disposto nos arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, hipótese

na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da REURB, que justifiquem

as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de

compensações ambientais, quando for o caso. parágrafo 3º No caso de a REURB abranger área de unidade

de conservação de uso sustentável que, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 , admita

regularização, será exigida também a anuência do órgão gestor da unidade, desde que estudo técnico

comprove que essas intervenções de regularização fundiária implicam a melhoria das condições

ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior.” 255 “Artigo 35.º O projeto de regularização fundiária conterá, no mínimo: (...) III - estudo preliminar das

desconformidades e da situação jurídica, urbanística e ambiental; (...) VI - proposta de soluções para

questões ambientais, urbanísticas e de reassentamento dos ocupantes, quando for o caso; (...) VIII - estudo

técnico ambiental, para os fins previstos nesta Lei, quando for o caso; (...) IX - cronograma físico de

serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial, compensações urbanísticas, ambientais e

outras, quando houver, definidas por ocasião da aprovação do projeto de regularização fundiária;”

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dejetos sólidos, com perdas significativas para os afluentes que circundam as ocupações

e, também, para a contaminação do solo e lenções freáticos.

A antiga lei que tratava da matéria já estabelecia a possibilidade de regularização

de assentamentos em áreas ambientais, permitidas em áreas de preservação permanente256

e em unidades de conservação de uso sustentável257. Agora, a nova lei incluiu, também,

as áreas proteção de mananciais. Em qualquer dos casos, a regularização só é possível se

houver a melhoria das condições ambientais. Cabe ao poder público garantir a redução

máxima dos impactos causados por esses assentamentos.258

Mais um tema contido nas alegações de inconstitucionalidade das ADIs é a retira

da exigência da criação prévia das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) sobre as

áreas regularizadas com fundamento do interesse social. A ZEIS é um instrumento

urbanístico que demarca as áreas urbanas centrais ocupadas por baixas rendas, a fim de

criar padrões urbanísticos específicos, que desestimulem o interesse do mercado

imobiliário, evitando a expulsão econômica (gentrificação259) dessas pessoas.260

Em outros termos, a instituição de ZEIS sobre áreas de moradia social levam à

flexibilização de normas e padrões construtivos, que se adeque ao perfil residencial dos

moradores de baixa renda, a fim de inserir estes imóveis na formalidade urbanística. Além

disso, essas regras específicas estabelecem uma proteção contra a especulação imobiliária

em lugares de baixa renda, comumente localizadas em locais valorizados, seja pela

localização centralizada ou por dispor de infraestrutura, ou ainda em virtude do

desenvolvimento dos arredores. As regras limitadoras impedem o desenvolvimento de

projetos imobiliários de portes maiores.

256 Conforme definição da Lei n.º 12.651/2012, Área de Preservação Permanente é uma área protegida,

coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem,

a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e

assegurar o bem-estar das populações humanas. 257 Conforme definida na lei n.º 9.985/2000, Unidades de Uso Sustentável são áreas que visam conciliar a

conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais. Nesse grupo, atividades que envolvem

coleta e uso dos recursos naturais são permitidas, mas desde que praticadas de uma forma que a perenidade

dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos esteja assegurada. 258 LIRA, Ricardo Cesar Pereira. O Estado Social e a regularização fundiária como acesso à moradia.

Instituto Brasileiro de Direito Comparado Luso-Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 44, n. 45, 2014., Rio de

Janeiro, p. 89. 259 Edésio Fernandes explica que a regularização fundiária acaba por provocar a intensificação “dos

processos de ‘mercantilização’ socioeconômicos já existentes nas áreas de assentamentos informais”, em

que a gentrificação representa, nestes casos, “o processo pelo qual grupos de classe média se apropriam das

áreas dos assentamentos recentemente regularizados para fins residenciais ou mesmo para outros fins, com

a consequente expulsão dos ocupantes tradicionais.” FERNANDES, Edésio. Perspectivas..., ob. cit., p. 46. 260 FERNANDES, Regularização de assentamentos..., ob. cit., p. 27.

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Embora o artigo 18.º da nova lei fundiária261 não tenha vedado à

instrumentalização das ZEIS nos projetos de REURB, a desobrigação de utilização desse

instituto leva à consideração de uma proteção menor dos núcleos regularizados. Isto

porque, após a regularização destas áreas, há ainda mais valorização e, sem um

instrumento de defesa, nada impede que as grandes empresas da construção civil avancem

sobre os imóveis regularizados e, ao longo do tempo, acabe por deslocar essas pessoas

para outras áreas novamente irregulares.262

Conquanto seja plausível a intenção de regra um procedimento fluídico, evitando

normas que travem os processos, a retirada da atribuição de ZEIS em regularização de

interesse social acaba por criar uma vulnerabilidade para essas áreas, tendo em vista a

citada pressão imobiliária que fortemente atinge os grandes centros regionais brasileiros.

O adensamento urbano torna a oferta por áreas centrais mais escassas, fazendo crescer

ainda mais o interesse por ocupações de baixa renda.

Neste sentido, é indispensável que o poder público garanta o convívio e o uso

equilibrado dos espaços por todas as classes socioeconômicas, preservando a justiça

social. Nada obstante, a redução da proteção social tratada, embora de reconhecida

importância, não está diretamente vinculada a uma redução que atinja ao conteúdo do

mínimo da existência condigna, pelo que, não pode ser considerada inconstitucional.

O último dos temas a ser enfrentado é a alegação de inconstitucionalidade por

desrespeito aos princípios da participação popular no planejamento urbano. Isso inclui a

falta de participação popular na elaboração da lei n.º 13.465/2017 (já que esta veio da

conversão de uma MP), e a falta de previsão adequada, pela nova lei, da participação

popular nos processos de REURB. Tudo isso violaria inciso XII do artigo 29.º da

CRFB263.

A interpretação preliminar da redação do artigo constitucional apontado leva à

conclusão de que a constituição exigiu a participação popular no planejamento urbano no

âmbito das leis orgânicas, os Planos Diretores. Todavia, a participação popular é um valor

261 “Artigo 18.º O Município e o Distrito Federal poderão instituir como instrumento de planejamento

urbano Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), no âmbito da política municipal de ordenamento de seu

território. parágrafo 1º Para efeitos desta Lei, considera-se ZEIS a parcela de área urbana instituída pelo

plano diretor ou definida por outra lei municipal, destinada preponderantemente à população de baixa renda

e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo. parágrafo 2º A REURB não está

condicionada à existência de ZEIS.” 262 GODOY, Fernando, A regularização fundiária urbana..., Ob. cit., p. 464. 263 “Artigo 29.º O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo

de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos

os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes

preceitos: (...) XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal;”

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social de grande importância para a gestão urbanística e sua inclusão nos processos de

planejamento e desenvolvimento urbano, inclusive no âmbito das regularizações

fundiárias, deve ser promovido.264

E, nessa seara, a redação da Lei Federal n.º 13.465/2017 deixou a desejar. Há

apenas um artigo que trata da matéria, inciso XII do o artigo 10.º, que relaciona a

participação dos interessados nos processos de regularização fundiária dentro dos

objetivos da REURB. Bom seria a inclusão de mecanismos efetivos de participação nos

procedimentos gerais, sobretudo as audiências públicas, com vistas à inclusão real da

sociedade civil no desenvolvimento dos planos de REURB.

A participação popular, inegavelmente, é um dos principais factores para o

sucesso dos projetos de REURB. Como bem exulta Edésio Fernandes, a mobilização

social e o fortalecimento das associações de moradores são determinantes para as

regularizações, pois é a partir do engajamento dos ocupantes que os projetos ganham

força.265A colaboração dos moradores cria uma identidade entre estes e as transformação

implantada, pois desenvolve-se o sentimento de pertencimento.

264 FERNANDES, Edésio, Perspectivas..., Ob. cit., p. 37. 265 FERNANDES, Edésio, idem, Ob. cit., p. 28.

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CONCLUSÃO

1.A eficiência – hoje comumente entendido como um dos novos princípios do

direito administrativo - é uma das características mais importantes dos instrumentos de

política urbana, sobretudo em razão das múltiplas influências que estão ativas no

ambiente urbano. Para ser eficiente, contudo, uma política de regularização fundiária

urbana precisa se constituir de três elementos de difícil alcance. O primeiro deles, e talvez

o mais desafiador, é a capacidade de encarar a realidade existente no ambiente urbano, ao

largo de ideologias políticas ou sistemas burocráticos, que teimam em preterir a situação

posta e preferir a ficção jurídica.

O segundo elemento é um planejamento adequado, que confronte essas realidades

com os meios disponíveis e plausíveis para as intervenções. Aqui, é preciso ter à

disposição dos gestores públicos um procedimento limpo, sem amarras, e com

instrumentos jurídicos e técnicos que façam o levantamento dos dados e as projeções para

os resultados, considerando toda a complexidade das intervenções urbanas. O último dos

elementos é a fase executiva dos projetos de REURB, pois não adianta o empenho do

trabalho e do dinheiro público em projetos excelentes, que não são implementados nas

cidades. Aqui, o fundamental é a garantia de recursos orçamentários, o compromisso dos

agentes públicos e, também, os instrumentos jurídicos que opere as transformações.

Essa busca por eficiência foi, sem dúvidas, a característica mais marcante das

normas da Lei Federal n.º 13.465/2017, que, ao reformular todo o sistema de

regularização fundiária brasileiro, buscou ajustar todas as disposições que exerciam

algum tipo de trava ou resistência para a elaboração e conclusão dos projetos de REURB.

Esse novo sistema dispõe, agora, de um procedimento mais fluído, concentrado nas

estruturas administrativas dos Municípios e com novos instrumentos jurídicos que, apesar

das polêmicas, empodera a atuação dos gestores municipais, no desenvolvimento das

políticas públicas de regularização fundiária locais.266

2.A capacidade de influência do instituto da Regularização Fundiária Urbana

sobre o direito à moradia fica mais evidente quando se faz o resgate os apontamentos

sobre o que é moradia adequada, contido no artigo XXV, n.º 1 da DUDH267 e no

Comentário Geral n.º 4 ao CDESC da ONU:

266 GODOY, Fernando.,. , Ob. cit., p. 474. 267 Declaração Universal dos Direitos Humanos - Artigo XXV, n.º 1: Todo ser humano tem direito a um

padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,

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“Assim, pois, o conceito de adequação é particularmente significativo na relação

com o direito à moradia, posto que serve para destacar uma série de factores que

há que se ter em conta ao determinar se certas formas de habitação podem ser

consideradas como ‘uma habitação adequada’ aos efeitos do Pacto. Ainda quando

a adequação vem determinada, em parte, por factores sociais, econômicos,

culturais, climatológicos, ecológicos e de outras índoles, o comité considera que,

ainda assim, é possível identificar alguns aspectos desse direito que devem ser

tidos em conta a esses efeitos em qualquer contexto determinado.”

O texto destaca a influência multifactorial que sofre direito à moradia, que

depende de avanço sociais, econômicos, culturais e ambientais. Mas o CG n.º 4 ao

CDESC vai além, e faz apontamentos específicos sobre o que não pode faltar à uma

moradia digna. Esse roteiro ajuda a observar mais claramente os impactos que o novo

sistema fundiário causa no ordenamento jurídico brasileiro. São eles:

• Segurança jurídica da posse, independentemente de sua natureza e origem;

• Disponibilidade de materiais e infraestrutura, que garantam acesso a serviços

de saúde, segurança, comodidade e nutrição e, ainda, à recursos naturais, água

potável, energia elétrica, aquecimento e iluminação, armazenamento adequado de

alimentos, esgotamento sanitário e serviços emergenciais;

• Habitabilidade da moradia, que resguarde os moradores de todas as

exposições climáticas, bem como das mais diversas enfermidades;

• Modicidade dos Custos, para que os gastos com as habitações sejam

adequados às rendas familiares, que não comprometa a satisfação de outras

necessidades de vida;

• Acessibilidade para as moradias, tanto no tocante à facilidade de acesso para

deficientes de todas as ordens, quanto a maior proteção de pessoas em situações

de vulnerabilidade, como os idosos, as crianças, as vítimas de desastres naturais e

etc;

• Localização que permita acesso a empregos, serviços de saúde, escolas e

outros serviços sociais, a ter-se em conta os imóveis sem áreas urbanas e rurais;

habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis , e direito à segurança em caso de

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em

circunstâncias fora de seu controle.

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• A priorização da permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos

informais regularizados;

• Preservação da cultura, tanto na observância dos materiais empregados nas

construções quanto nas expressões de identidades e diversidades culturais;

Ora, no que respeita à segurança da posse, a nova lei fundiária estabeleceu a

preferência pela titulação dos ocupantes, em detrimento da regularização da posse, o que

acaba por conceder muito mais segurança aos beneficiários. A implantação da

infraestrutura adequada (inclusive quanto á acessibilidade) e a ampliação na oferta dos

serviços públicos, notadamente os essenciais, faz parte do conceito de regularização

fundiária plena exortado pela nova lei, que exige mais do que a mera regularização

jurídica, exige a melhoria socioambiental e urbanística dos núcleos regularizados.

3.A exigência de estudos técnicos que apontem a melhoria da proteção ambiental

é outro ponto importante do texto da Lei Federal n.º 131.465/2017. Há, também, uma

preocupação com o estímulo econômico local, que se extrai da possibilidade de

regularização de imóveis não exclusivamente residenciais, sempre regida pelo interesse

público. Por fim, a preservação e o estímulo à cultura dos lugares regularizados podem

ser encontrados na permissão de padrões e regras urbanísticas específicas para os núcleos

regularizados.

Outro efeito importante da regularização fundiária é o acréscimo de receitas para

o Estado, especialmente através da arrecadação tributária, que se amplia sobre os imóveis

reinseridos na formalidade jurídica. O ganho de recursos permite aos municípios

reinvestir em novas regularizações, que acaba por criar um círculo virtuoso, de amplo

desenvolvimento social.268

4.Mas a lei encontra certas vulnerabilidades, como é o caso da retirada da

exigência de constituições de ZEIS, antes da execução de REURB-S, que certamente

regride na proteção à gentrificação dos lugares regularizados. Também faltou estimulo –

e mesmo mecanismos – à participação popular, que é de grande valor em todas as pautas

urbanas. Nada disso, contudo, é suficiente para desqualificar as importantes contribuições

da nova lei para o enfrentamento dos problemas fundiários urbanos brasileiro, que detém

agora uma vida de grande potencial para a transformação dos núcleos urbanos informais

268 DE CASTRO, Matheus Felipe; SAUER, Tais Mirela. A Regularização Fundiária Urbana como

Instrumento Eficacial do Princípio da Função Social da Propriedade e a Ideologia Constitucionalmente

Adotada. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade, v. 2, n. 1, 2016, p. 112.

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e, consequentemente, favorecimento de cidades sustentáveis, isto é, a aliança de bem-

estar social e desenvolvimento econômico.269de todo o ambiente urbano das cidades

brasileiras.

Isso passa, no entanto, por ações do poder público, especialmente o de âmbito

municipal, que precisam implementar amplamente a REURB em suas políticas urbanas.

É preciso coragem dos gestores públicos para implementar uma postura progressista de

políticas fundiárias interventivas, que vençam as residências dos vários grupos sociais

que se beneficiam dessas irregularidades e exclusões.

Coisas como a elaboração de programas governamentais de fomento econômico,

que viabilizem a integração dos beneficiários na economia formal270, ou ainda, a

modernização dos sistemas de informação, a criação e o desenvolvimento das estruturas

institucionais voltadas para o planejamento urbano e a mobilização social que, como

aponta Fernandes, sintonizem-se com a Política Nacional de Regularização Fundiária.271

O avanço das condições sociais, sobretudo em relação à moradia digna, depende

do sucesso da Regularização Fundiária Urbana, enquanto política pública

socioeconômica. O combate à segregação espaço-social é uma medida que deve ser

implantada em todos os municípios. Só assim haverá um estado de isonomia e

solidariedade humana.272

Como se viu, a reclamada ação do poder público é de natureza interventiva, com

ações curativas no enfrentamento das realidades postas. Mas a insígnia principal destas

ações é, inarredavelmente, a disponibilidade orçamentária, sobretudo por causa dos

elevados custos que esses processos demandam. E em épocas de sugerida crise do modelo

estatal de prestação direta dos serviços públicos, esse tema torna-se ainda mais relevante

de solucionar.

Diante deste contexto, Canotilho assevera que ganham campo as ideias neoliberais

e suas políticas liberalizadoras e privatizadoras, que exortam a alta eficiência dos

269 LISBOA, José Herbert Luna; LIMA, Anna Caroline Lopes Correia. Regularização Fundiária Urbana:

Direito Humano à Moradia Digna, um dos Instrumentos de Combate à Desigualdade Social. Revista de

Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade, v. 2, n. 1, 2016, p.279 e 280. 270 FERNANDES, Edésio. Princípios, bases e desafios de uma política nacional de apoio à regularização

fundiária sustentável. In: Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade. Diretrizes,

instrumentos e processos de gestão. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (orgs.). Belo

Horizonte: Fórum, 2004, p. 319. 271. FERNANDES, Edésio. Perspectivas..., ob. cit., p. 26 272 SANTOS, Paulo Ernani Bergamo. Ocupações irregulares, Ob. cit., p. 86. E ainda: IMPARATO, Ellade;

SAULE JR, Nelson. Regularização fundiária de terras da União. ROLNIK, R. et al. Regularização

fundiária–conceitos e diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p. 103.

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mercados é capaz de prestar os serviços públicos de maneira mais eficaz, mesmo em áreas

como saúde, educação segurança e moradia. Neste cenário, resta para o poder público

uma atuação subsidiária, com ações pontuais e corretivas, que garantam o gozo desses

direitos por todos os cidadãos.273 Assim, ao Estado cabe o planejamento e aos entes

privados a execução. Dito de outro modo, as políticas públicas de natureza programáticas

podem ser desenvolvidas pelos entes privados, sob o controle público, que passa a ter o

dever de agir para corrigir distorções, falhas e injustiças acarretadas pela atividade dos

entes privados.

A alternância de posições que o Estado assume dentro deste modelo indicam uma

disponibilidade maior de recursos públicos, para que sejam empregados nos avanços

sociais cujo o estado das coisas é tal que ações meramente programáticas não são

revertem os problemas. Neste espectro se enquadram grande parte das irregularidades

fundiárias brasileiras.

Talvez seja essa uma melhor via para a construção e concretização de uma

cidadania abrangente a todos os habitantes urbanos274, ampliando, também, o gozo do

direito à habitação, ou melhor, o direito a uma habitação que contemple a dimensão

integral da dignidade humana.

273 CANOTILHO, JJ Gomes. O Direito Constitucional Como Ciência de Direção - O Núcleo Essencial De

Prestções Sociais ou a Localização Incerta da Socialidade (Contributo Para a Reabilitação da Força

Normativa da "Constituição Social"). In Direitos Fundamentais Sociais. Cord. J. J. Gomes Canotilho e

Outros. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pp 14 -15. 274 MURAKAMI, Rodrigo Canevassi; SILVA, Juvêncio Borges. A construção da cidadania a partir da

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