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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
VIVIANE DO NASCIMENTO
A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:
DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?
NATAL/RN
2019
VIVIANE DO NASCIMENTO
A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:
DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito final de avaliação do curso de
Serviço Social da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte para obtenção do título de
bacharel em Serviço Social.
Professora orientadora: Doutora Maria Celia
Correia Nicolau.
NATAL/RN
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fabio Osmar de Oliveira Maciel – CRB-7 6284
N244r Nascimento, Viviane do
A reinserção social dos egressos da medida socioeducativa de privação de liberdade no CASE Pitimbu em Parnamirim/RN: direitos garantidos ou negados? / Viviane do Nascimento. – Natal, RN, 2019.
76 f.
Orientadora: Maria Celia Correia Nicolau. Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Bacharel em Serviço Social, 2019.
1. Sistema socioeducativo - Brasil - Rio Grande do Norte. 2.
Reinserção social. 3. Adolescente egresso. I. Nicolau, Maria Celia Correia, orient. II. Título.
CDD – 362.70981
VIVIANE DO NASCIMENTO
A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:
DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?
Monografia submetida ao Curso de Serviço Social
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte -
UFRN, como requisito final à obtenção do título
de Bacharel em Serviço Social.
Orientador(a): Profª. Drª. Maria Celia Correia
Nicolau
Aprovado em 21 de junho de 2019
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Celia Correia Nicolau – UFRN (orientadora)
______________________________________________________
Prof. Fernando Gomes Teixeira – UFRN (examinador interno)
______________________________________________________
Prof.ª M.ª Anna Luiza Lopes Liberato A. Freire – UNINASSAU/Natal (examinadora externa)
A vovó, que partiu no início deste ciclo, mas está comigo de todas as formas possíveis. A
senhora, que é o amor de todas as minhas vidas, dedico sempre as minhas melhores palavras.
.
AGRADECIMENTO
Este trabalho envolve um mix de raivas, motivações, descabelamentos, choros, risadas
e muito alívio. É fruto de andanças e de observações não-tão-perspicazes. É um compilado de
um processo coletivo; com os adolescentes, com minhas orientadoras, com tantos autores, eu
comigo mesma e com pitacos de amigos. Há muito o que agradecer e a quem agradecer - há
muito quem xingar também, mas esse espaço não tem licença poética - então busquei sintetizar
um pouco dessa trajetória de quatros anos como graduanda nesse cantinho especial.
Em primeiro lugar, agradeço a todos os floquinhos de luz que sempre estiveram ao meu
lado, me proporcionando clareza, paz espiritual, me auxiliando nos dias de choro e dias de sono,
me permitindo chegar ao término dessa (segunda de muitas) caminhadas acadêmicas.
Agradeço a minha mãe e aos meus irmãos pelas tentativas - completamente falhas - de
fazer silêncio quando eu precisava escrever, por estarem ao meu lado nessa jornada cansativa,
por esperarem para assistir alguns episódios de Naruto quando eu estivesse presente e deixarem
o meu pão favorito para o café da manhã.
Sou grata a todos os meus amigos por me tirarem de casa em momentos que eu estava
quase jogando tudo para o alto. Pelos momentos bobos, pelos sorrisos fáceis, pela força e por
fazerem perguntas impertinentes (e o tcc como tá?) que só quem tem proximidade pode.
Aos adolescentes do CASE Pitimbu, por compartilharem um pouco das suas vivências,
por bagunçarem minha zona de conforto me proporcionando tantas sensações. Agradeço por
me trazerem de volta ao eixo, por me fazerem gostar da vida e de toda a adrenalina por ela
permeada. O meu amor por essa área da infância e juventude vem desse processo com vocês.
A todos os professores do curso de Serviço Social pelas partilhas, pelo desenvolvimento
de tantos trabalhos em conjunto, pelo envolvimento teórico-prático e pessoal. Agradeço em
especial aos desencontros teóricos e as críticas daí originadas.
Ao Victor Chaves, por me mostrar as melhores músicas enquanto escrevo, por me
motivar, por me ligar de madrugada para dizer o quanto eu sou hábil e maravilhosa quando eu
nem sabia mais o que eu era. Por estar tão pertinho da pele, a mais de sete mil quilômetros.
A amora por deixar esse mundo mais bonito e feliz com toda sua fofura que
espantosamente combina com todos os seus planos maquiavélicos. Sem dúvidas o nosso elo foi
uma das minhas maiores conquistas na academia. Nunca vou me esquecer dos seus
ensinamentos, da sua visão de mundo e das nossas confabulações secretas. Je t'aime.
A minha orientadora de OTCC Anna Luiza e minha orientadora de TCC Maria Célia
Nicolau, por toda a paciência nas ausências, nos prazos atrasados e todo o auxílio neste trabalho.
Ao meu chefe mais charmoso e desenrolado, Aldomar Pedrini, que me deu tantas
oportunidades - em todas as áreas possíveis e impossíveis - que me estendeu o mundo inteirinho
quando eu mais precisei e que eu não tenho palavras para agradecer sua contribuição em todo
o meu processo durante a graduação.
Ao meu chefe mais tímido e do coração mais fofinho da pós-graduação, Heitor Andrade,
que contribuiu imensamente no meu processo formativo, que relevou tantas faltas, atrasos e
sempre teve um olhar sensível ao outro que me trouxe muitos aprendizados.
A todos os docentes, discentes e funcionários da Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo e da Pós-Graduação em Arquitetura, Projeto e Meio Ambiente que de forma direta
ou indireta influenciaram no meu desenvolvimento pessoal e/ou profissional ao longo de todos
esses anos. Em especial a minha querida professora e amiga, Dulce Bentes Sobrinha.
A toda a comunidade que financia este trabalho através do pagamento de impostos com
muito esforço e suor fruto de seu trabalho assalariado - muitas vezes precarizado - como apoio
a educação. Obrigada pela oportunidade de fazer ciência e contribuir um pouquinho na
academia. A todos vocês: este trabalho é NOSSO.
Vida em transição1
Viver na Fundação não é bom
Bom é ser livre em toda situação
Mas tenho minha opinião
Sobre esse período de transição
Que muitos dizem ser prisão
Nesse lugar, maldade…
Que ao mesmo tempo é saudade
Por estar privado de liberdade
Mas tem um lado positivo
Nessa realidade
Estou me reabilitando para a sociedade
Acordo e vejo grades
Meu peito dói de verdade
Só quem passou
Por isso sabe
De todas as realidades
E crueldades…
A maior necessidade
É a Liberdade!
Aqui lições de vida transmitem
Muitas coisas boas
Reconhecimento como pessoa
Que errar é humano
Mas aprender é a melhor coisa
Atrás desses momentos tem algo impressionante
Hoje me tornei um estudante
Descobri que sou inteligente
Produzi este poema e me sinto importante.
1 Poesia do adolescente Luan Santana, de 17 anos, da Fundação Casa (São Paulo), finalista da Olimpíada de Língua
Portuguesa em 2014.
RESUMO
O presente trabalho busca desvendar os impactos que a medida socioeducativa tem na garantia
dos direitos à reinserção social na vida do adolescente egresso do Centro de Atendimento
Socioeducativo Pitimbú em Parnamirim/RN após cumprimento de medida socioeducativa de
privação de liberdade. Para tanto, objetivou-se investigar e analisar a realidade vivenciada pelos
egressos da instituição supracitada, visando desvendar a garantia (ou não) dos seus direitos
fundamentais. A investigação aconteceu mediante pesquisa qualitativa e quantitativa e foi
norteada pelo referencial crítico dialético, sendo realizado levantamento bibliográfico sobre a
temática através das chamadas fontes de papel (pesquisa bibliográfica e documental). Os dados
foram tratados com base na análise de conteúdo e analisados à luz do referencial teórico
adotado. Como resultados, são identificadas as possibilidades para desenvolvimento de um
projeto de reinserção social efetivo que contemple as necessidades dos egressos e, sobretudo,
auxilie no processo de não reincidência à prática de novos atos infracionais, todavia, tendo em
vista o sistema socioeducativo como se articula (ou não se articula) hoje, é fato que os centros
de atendimento não conseguem garantir o acesso desses adolescentes egressos a seus direitos
fundamentais, assim como as ações continuadas que são realizadas – quando o adolescente
egressa da instituição de socioatendimento em meio fechado para cumprimento de medida em
meio aberto através da progressão de medida – ainda não conseguem ser efetivas no processo
de reinserção social.
Palavras-chave: Medida socioeducativa. Reinserção social. Adolescente egresso.
ABSTRACT
The present work seeks to uncover the impacts that the socio-educational measure has on the
rights to social reintegration in the life of the adolescent egressed from the Pitimbú Socio-
educational Center in Parnamirim/RN after fulfilling a socio-educational measure of
deprivation of liberty. In order to do so, the objective was to investigate and analyze the reality
experienced by the graduates of the abovementioned institution of deprivation of liberty, in
order to unveil the guarantee (or not) of their fundamental rights. The research was conducted
through qualitative and quantitative research and was guided by the critical dialectical
reference, and a bibliographical survey on the subject was made through the so-called paper
sources (bibliographic and documentary research). The data were treated based on content
analysis and analyzed in the light of the adopted theoretical framework. As a result, the
possibilities for developing an effective social inclusion project that addresses the needs of the
graduates and, above all, assist in the process of non-recurrence to the practice of new infraction
acts, however, in view of the socio-educational system as articulated (or is not articulated)
today, it is a fact that the service centers can not guarantee the access of these outgoing
adolescents to their fundamental rights, as well as the continuous actions that are carried out -
when the adolescent leaves the institution of socio-service deprivation of liberty for measure
compliance in an open environment through the measurement progression - still can not be
effective in the process of social reintegration.
Keywords: Socio-educational measure. Social reinsertion. Adolescent egress.
SUMÁRIO
1 Introdução 10
2 A problemática do adolescente, autor do ato infracional, e do egresso do
sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas de
enfrentamento à prática do ato infracional
14
2.1 As políticas de enfrentamento a prática do ato infracional 15
2.1.1 A política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil — seu
percurso histórico e as legislações sobre a infância e Juventude face ao
ato infracional e a reinserção social do adolescente
16
2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA, avanços no Sistema de
Garantia de Direitos para Crianças e Adolescentes autores do Ato Infracional
e o processo de reinserção social
32
2.2.1 A problemática do adolescente egresso do sistema socioeducativo: a
particularidade da medida socioeducativa de privação de liberdade e a
reinserção social
38
2.2.1.1 Caracterização do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu 40
3 Os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida
do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social
44
3.1 A Privação de liberdade e o SINASE como marco legal na consolidação das
medidas socioeducativas na perspectiva dos direitos
45
3.2 Direitos negados ou garantidos ao adolescente egresso (autor do ato
infracional) e da medida socioeducativa no processo da reinserção social
58
4 Considerações finais 66
Referências 68
12
1 Introdução
Nas diretrizes do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (2014), se prevê a
garantia do direito à educação para os adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como estudantes e
reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema socioeducativo. Através
da lei 12.594/12, em seu art. 11, parágrafo V, são estabelecidos requisitos obrigatórios para a
inscrição de programa de atendimento e nele determina que sejam previstas ações de
acompanhamento do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa. Já em seu art.
25, aponta que a avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá por
objetivo, no mínimo, verificar a situação do adolescente após cumprimento da medida
socioeducativa tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais,
familiares e verificar a procedência de reincidência de prática de ato infracional (BRASIL,
2013).
Todavia, segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (2013), em cerca
de 81,5% das unidades de medida socioeducativa no país não há atendimento aos egressos e a
suas famílias pela equipe técnica da unidade. De acordo com as justificativas apresentadas, a
maioria dos casos ocorre devido ao déficit de técnicos das equipes multidisciplinares dentro das
unidades. No exame por regiões, em todas elas os índices são preocupantes. No caso do
Nordeste, 89,6% das unidades de internação não oferecem acompanhamento ao egresso. Desse
panorama, observou-se dentre as unidades de internação que oferecem atendimento
multidisciplinar aos egressos quantas delas atuavam no fomento à inserção do mesmo na rede
regular de ensino: no Nordeste e Norte, os percentuais não chegam a um terço. Das poucas
unidades de internação que fornecem assistência ao egresso, apenas uma pequena parcela inclui
em seus objetivos sua inserção em cursos profissionalizantes. Nas unidades do Nordeste temos
o menor índice do Brasil que é de apenas 14% (BRASIL, 2013).
À vista disso, no processo investigativo desse trabalho, como objetivo geral, buscou-se
analisar a realidade vivenciada pelos egressos de medida socioeducativa de privação de
liberdade do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu visando desvendar a garantia (ou
não) dos seus direitos a reinserção social e produtiva. Mais especificamente, procurou-se
resgatar e atualizar dados sobre a referida reinserção dos egressos do sistema socioeducativo do
Estado do Rio Grande do Norte e desvendar os impactos que a medida socioeducativa tem na
garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso. Com reinserção social e produtiva
compreende-se o processo que integra o indivíduo novamente ao convívio social após o período
13
de privação de liberdade na instituição que cumpriu a medida socioeducativa pela infração
cometida. Esse processo de integração compreende o atendimento e acesso à educação, saúde,
cultura, esporte, lazer, moradia, profissionalização e atuação profissional, tendo em vista serem
esses os eixos básicos que amparam a criança e ao adolescente na política de proteção.
A escolha do tema encontra-se vinculada a experiência de estágio no Centro de
Atendimento Socioeducativo Pitimbú (CASE Pitimbú) que propiciou um olhar mais analítico
para a temática da criança e do adolescente, especialmente no que diz respeito a medida
socioeducativa de privação de liberdade. Através das observações da autora, enquanto
estagiária, foi possível contemplar facetas importantes da cotidianidade presente nesses centros
educacionais que, por mais que aparentemente distintos, possuem um elo muito forte no que
tange sua própria origem, princípios e função social.
Quanto ao método de abordagem, esse trabalho tem um caráter qualitativo e
quantitativo, à medida que compreende a complementaridade desses dois aspectos, trabalhando
qualitativamente com os significados, motivações, valores e ao mesmo tempo,
quantitativamente com dados matemáticos e estatísticos mantendo uma dialética entre essas
duas concepções para elucidar o real. Quanto aos métodos de procedimentos que estão inter-
relacionados as técnicas empregadas na pesquisa foram utilizados o método histórico, pois
como afirma Prodanov e Freitas (2013, p. 37) é necessário “[...] estudar suas raízes visando à
compreensão de sua natureza e função” e o método monográfico, no intuito de observar e
analisar todos os fatores que influenciam na temática.
Como principais categorias teóricas de análise, tendo em vista a pesquisa com o tema
no campo sociojurídico, temos as temáticas do direito, da criança e do adolescente, da violência
institucional, do ato infracional, do sistema socioeducativo, da vulnerabilidade social, da
privação de liberdade, entre tantos outros trabalhados por autores como Marco Aurélio Costa
que trata da vulnerabilidade social no Brasil; Faleiros, que contextualiza a história das políticas
sociais no Brasil; Irene Rizzini que trata da institucionalização de crianças no Brasil; Amanda
Santos Silva que faz um estudo sobre o sistema socioeducativo publicado em 2014 e Débora
Arruda Queiroz Lima que trata da evolução da legislação que protege a criança do trabalho
infantil.
Em relação a sua natureza, o trabalho se caracteriza como pesquisa aplicada que,
segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 51) “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática
dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais”. Do ponto
de vista dos objetivos, se configura como pesquisa exploratória, na qual em seu planejamento
realizou-se um levantamento bibliográfico acerca da temática além de entrevistas com
14
adolescentes que tiveram experiências práticas com o cumprimento da medida socioeducativa
e analisou-se os aspectos da temática inter-relacionando os conceitos apreendidos com as
vivências observadas. Configura-se também como uma pesquisa explicativa, em virtude da
utilização da análise dos registros realizados e também classificação e interpretação dos
fenômenos. A escolha dos adolescentes deu-se, em razão da dificuldade do acesso enquanto
egressos, aos adolescentes do CASE Pitimbú que encontravam-se cumprindo sanção há um ano
ou mais na instituição durante o período de estágio (2017.2-2018.1).
No que se refere aos procedimentos técnicos, o trabalho se delineou através das
chamadas fontes de papel (pesquisa bibliográfica e documental) e pesquisa de campo com os
egressos no objetivo de conseguir informações sobre a realidade vivenciada assim como coletar
dados e analisa-los.
Por fim, partindo do pressuposto que os determinantes históricos são essenciais na
análise da garantia (ou não) dos direitos a reinserção social e produtiva do egresso, que existem
falhas na aplicação das medidas socioeducativas e dessas falhas depreendem implicações que
acompanharão o adolescente após o cumprimento da medida, destaco os seguintes
questionamentos que surgiram durante o período de estágio e foram basilares na construção
desse trabalho: Será que lá fora, por trás dos muros dos Centros Educacionais o adolescente
egresso terá realmente escolhas ou seu destino já está definido por uma série de atos anteriores
que resultaram em dívidas, ameaças que o impede de direcionar sua vida a que se propôs seguir
em suas reflexões enquanto se encontrava cumprindo a medida de internação? Quais são os
meios que esse adolescente tem para se manter após sua saída da instituição? Será que é possível
conciliar seus estudos e um trabalho após saída da instituição? Os cursos que foram ofertados
enquanto estava cumprindo a medida socioeducativa ajudaram na sua busca por emprego ao
sair da instituição? Qual a realidade vivenciada por esse adolescente que o impede de dar
continuidade a sua vida longe das práticas de atos infracionais? Qual o índice de reincidência?
Será que as opções buscadas após saída da unidade são reais escolhas ou a única opção que o
adolescente possui? Qual a percepção sobre o ato infracional do adolescente liberado da medida
socioeducativa de internação? Quais as limitações e desafios enfrentados por ele frente ao
processo de institucionalização e desinstitucionalização? Há algum monitoramento periódico
realizado para saber a situação atual do adolescente após sua saída da instituição? Quais os
encaminhamentos são dados? Há algum programa ou rede de apoio para os egressos do sistema
socioeducativo no Estado do Rio Grande do Norte? Por meio deste trabalho buscou-se
responder esses questionamentos.
15
A presente monografia encontra-se dividida em dois capítulos. No primeiro serão
realizadas considerações acerca da problemática do adolescente, autor do ato infracional, e a
reinserção social dos egressos do sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas
públicas de enfrentamento. Para tanto, serão analisadas como as políticas de enfrentamento a
prática do ato infracional foram sendo implementadas ao longo dos anos, como seu percurso
histórico influenciou as legislações que encontram-se vigentes na atualidade, destacando-se o
Estatuto da Criança e do Adolescente, no atendimento a criança e ao adolescente no Brasil face
ao ato infracional. Além disso, serão tecidas apreciações sobre o processo de reinserção social
do adolescente egresso da medida socioeducativa de privação de liberdade; os limites e as
dificuldades diagnosticadas no trabalho realizado por equipes multidisciplinares com os
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto.
No segundo capítulo serão analisados os impactos da medida socioeducativa na garantia
dos direitos e na vida do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social.
Para tanto, serão analisados o processo de privação de liberdade após a instituição do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo como marco legal na consolidação das medidas
socioeducativas na perspectiva dos direitos.
16
2 A problemática do adolescente, autor do ato infracional, e a reinserção social dos egressos do sistema
socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas públicas de enfrentamento
17
2.1 As políticas de enfrentamento a prática do ato infracional
As primeiras legislações nacionais relevantes para o estudo do Direito das crianças e
adolescentes são datadas a partir do século XVI no ordenamento brasileiro. Nelas era instituída
uma diferenciação punitiva para o mesmo delito cometido por crianças, adolescentes e adultos
— sendo punidos com pena total aqueles que tivessem mais de vinte e menos de vinte e cinco
anos2 e cabendo ao juiz analisar os casos de adolescentes com idade entre dezessete e vinte anos
— para que fossem identificadas, dentre outras coisas, as circunstâncias dos fatos e averiguada
a situação desses adolescentes antes de ser atribuída a pena total ou atenuada, conforme a
interpretação do juiz. Foi no final do século XIX e início do século XX, através das iniciativas
educacionais com vistas ao controle social e assistencial em virtude do crescimento e
reordenamento das cidades que a problemática da infância e juventude passou a ser pauta do
Estado, sendo, dessa forma, criados os primeiros mecanismos para segregação e
institucionalização para essa classe (SÁ, 2009).
Esses foram os pressupostos basilares da criação das políticas sociais - destinadas a
população jovem. As primeiras políticas — entre elas a Lei nº 4.242/21, a Declaração de
Gênova de Direitos da Criança, adotada em 1924 pela Liga das Nações e o Decreto nº 22.213/32
— tinham um caráter segregador, estigmatizador, discriminatório e assistencialista, pautado em
práticas que buscavam diferenciar o “menor” da “criança”, culpabilizando a família dos
indivíduos por suas ações, enquadrando-as como “famílias desestruturadas” e atribuindo ao
indivíduo toda a responsabilidade pela conjuntura vivenciada.
A partir de 1932, com o desenvolvimento das legislações aplicáveis à criança e ao
adolescente, começam a surgir mudanças expressivas no tratamento dado à problemática que
gira em torno dessa categoria, sobretudo, com a mudança do enfoque das particularidades do
indivíduo para o meio social que ele se encontra inserido. Com isso, foram criadas condições
mais favoráveis para uma abordagem mais humanizada no que diz respeito ao processo de
destituição do poder familiar — apenas em última instância — e de institucionalização em
virtude do cometimento de atos infracionais.
As legislações vigentes em torno da criança e do adolescente — Decreto nº: 99.710/1990
e Lei nº: 8.069/1990 —, são bem claras e explícitas no que concerne a garantia de direitos e
proteção, atribuindo ao Estado o papel de fiscalizador, assegurador dessas conquistas, aos
familiares e outros setores organizados da sociedade a coparticipação para o desenvolvimento
integral da criança e do adolescente, sobretudo, as que estão em situação de vulnerabilidade
2 Idade de maioridade plena na época.
18
social. Todavia, na realidade ainda vemos as velhas práticas policialescas e de manutenção
dessa realidade social tão crua presente no cotidiano através do descumprimento das legislações
— na efetivação do direito à moradia, saúde, segurança, educação, entre outras prerrogativas
— e da mais perversa repressão, exclusão e institucionalização do povo negro e pobre. A esse
pensamento Rizzini, Baker e Cassaniga (1999, p. 1) vem acrescentar que “na realidade, esses
grupos não mudaram: continuam sendo os mais vulneráveis aos efeitos da pobreza e da exclusão
social e os que representam algum tipo de ameaça à sociedade — o que é incompatível com as
propostas de garantia de direitos em curso”. À vista disso, será apresentado a seguir o percurso
histórico que delineia a política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil,
particularizando o contexto de privação de liberdade e a existência de legislações que
contemplem o egresso do sistema socioeducativo.
2.1.1 A política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil — seu percurso
histórico e as legislações sobre a infância e juventude face ao ato infracional desse
segmento
Tradicionalmente, o Brasil tem um longo histórico de uma cultura de internação da
infância e juventude em instituições permeada de abusos e violência. Desde os primórdios,
comumente crianças e adolescentes — tanto as socialmente mais abastadas quanto as mais
pauperizadas — eram criadas e educadas longe de suas famílias. Dependendo da classe social,
essas crianças e adolescentes cresciam em colégios internos (classes mais abastadas), asilos,
educandários, reformatórios (classes pauperizadas) que foram surgindo ao longo das décadas,
sendo as primeiras delas datadas do século XVI por iniciativas religiosas e filantrópicas como
a conhecida Casa da Roda3, que surge na Bahia, na Santa Casa de Misericórdia.
Nessa perspectiva, a preocupação em torno das crianças e adolescentes só foi ganhar
visibilidade e vir a ser pauta do Estado no final do século XIX e início do século XX, através
das iniciativas educacionais com vistas ao controle social e assistencial, em virtude do
crescimento e reordenamento das cidades. Assim sendo, essa intervenção tinha uma
intencionalidade clara, sobretudo, denotada através da higienização social justificada por
questões étnicas e ideológicas na época. Conforme apontado por Rodrigues e Lima:
3 De acordo com Marcílio (1997), a Casa da Roda ou Roda dos expostos foi uma instituição criada em 1734 no
objetivo de assistenciar as crianças que eram abandonadas nas ruas. Na maior parte dos casos, eram crianças fruto
de relações extraconjugais de portugueses ricos com suas escravas. A razão alegada para não assumir a paternidade
das crianças era justificada pela alegação de que a família burguesa não poderia ser maculada.
19
Nas primeiras décadas do século XX, com o desenvolvimento dos centros
urbanos, começou a crescer também a preocupação com as crianças e os adolescentes “delinqüentes”, que vadiavam pelas ruas, criando desordem e
ameaçando a população. Entendia-se que essas possuíam constituição física e
moral debilitada, em função da pobreza e da miscigenação (RODRIGUES;
LIMA, 2002, p. 2).
Iniciaram assim, a partir de 1936, estudos relacionando a origem da problemática em
torno do “menor abandonado”4 a um contexto de desordem familiar, renda e influxo étnico,
este último reflexo de imigrações desregradas no país5. Nesse sentido, esses estudos
assinalavam a necessidade de uma interposição realizada pelo poder judiciário no intuito de
perscrutar e prevenir o envolvimento de crianças e adolescentes negras, pobres e indesejáveis
com ações criminais, envolvimento com prostituição, desenvolvimento de algum grau de
loucura ou anormalidades dos mais diversos gêneros. Como solução, categorizavam os tipos de
instituições para alocar as crianças e adolescentes de acordo com seu histórico e condições
físicas, psíquicas e sexuais diagnosticadas, conforme elucida Adorno (1991):
Com vistas ao tratamento adequado, sugeria uma classificação dos “menores”
nos seguintes termos: (a) para os idiotas e imbecis profundos, os asilos
privados; (b) para os indisciplinados, delinquentes, tarados, pervertidos e
perversos, os reformatórios; (c) para os surdos, míopes e cegos, escolas especiais; (d) para os débeis, colônias agrícolas com orientação profissional;
(e) para os tuberculosos, pré-tuberculosos, sifilíticos, cardíacos, sanatórios ou
hospitais adequados; (f) para os extraviados sexuais, colônias de trabalho; (g) retardados e anormais de boa índole, aproveitamento em emprego adequado
(ADORNO, 1991, pág. 182).
Estudos como esse foram bastante publicizados na época no objetivo de justificar a
necessidade de mediação junto a esse grupo social, pressionar o Estado para intervir com
práticas correcionais, defender a regulamentação do modelo de internação de “menores
abandonados e delinquentes”, e, sobretudo, para disseminação e aceitação. Nesses termos, a
mídia fez seu papel em defesa do modelo de internação, difundindo entre as classes populares
como uma alternativa benéfica de acesso a moradia, educação e cuidados para com as crianças
e adolescentes mais carentes.
4 “Menores abandonados” foi uma subcategoria criada pelos órgãos assistenciais do período para designar crianças
e adolescentes que não tinham figuras paternas nem maternas presentes assim como as crianças e adolescentes que
as famílias não tinham condições de prover. 5 O período que antecede o governo de Getúlio Vargas (até 1929) ficou conhecido pelo fluxo intenso de imigrações
no Brasil. Já nos anos de 1930 a 1945, tem-se a criação de diversas restrições que dificultam à entrada de imigrantes
no país. Os imigrantes foram muitas vezes considerados como indesejáveis, com exceção dos chamados “brancos
europeus”. Os que já se encontravam aqui fixados foram muitas vezes acusados de constituírem uma ameaça à
formação da nacionalidade, em termos raciais e/ou culturais. Em 1934, na Constituição Federal, foi instituída a
emenda conhecida como “lei de cotas” (GERALDO, 2009).
20
Nesses termos, crianças e adolescentes que moravam nas ruas ou que as famílias não
tinham condições de prover foram institucionalizadas em centros de internação de acordo com
faixa etária, sexo, perfil e comportamento, tudo isso em comum acordo entre Estado e família,
dadas as condições de pobreza de grande parte da população. De acordo com Rizzini (2004, p.
22) “o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal instrumento de
assistência à infância no país” o que evidencia a negligência do Estado em buscar alternativas
que possibilitassem a não separação das crianças de suas famílias e comunidade, muito comum
nessa época e não tão diferente até hoje, conforme será apontado mais à frente, na análise das
políticas contemporâneas de garantia e acesso a Direitos da Criança e do Adolescente.
Tal qual normatizavam as instituições, haviam certas distinções entre a criação de
meninos e meninas, reflexo de valores culturais, morais e do tradicionalismo da época. Assim
sendo, as meninas eram mantidas sob um “regime de enclausuramento”, de forma que tinham
pouco ou quase nulo contato com o mundo externo a instituição. Eram separadas para trabalhos
domésticos ou viviam como as freiras assumindo compromissos de castidade, submissão,
práticas religiosas e obediência (RIZZINI, 2004).
Até antes da promulgação da primeira legislação destinada a infância e juventude, não
havia distinção entre crianças, adolescentes e adultos no ordenamento jurídico penal, por isso,
todas eram julgadas e confinadas nos mesmos alojamentos quando do cometimento de delitos.
A idade era somente um atenuante da penalidade, concernindo a crianças e adolescentes um
período de tempo mais curto nessas instituições (SILVA, 2014).
A partir de 1903 foi criada a primeira Escola Correcional para capacitar os “menores
abandonados e delinquentes” e encaminhá-los a campos de trabalho. Nesse período era
utilizado um critério de discernimento na aplicação de penalidades, sendo considerado
inimputável o autor de atos infracionais de até nove anos de idade (BRITO; SILVA, 2016).
A partir da década de 1920, com o crescente movimento de grupos de crianças e
adolescentes nas ruas realizando atividades informais como serviços de engraxate, vendendo
jornais, auxiliando em serviços gerais, muitas delas sem acesso à educação, bens e serviços e
não somente por isso, mas também em virtude desses infortúnios, algumas delas iniciaram a
prática de furtos, cada vez mais noticiados nos jornais, como ilustrado pelo jornal Correio
Paulistano:
Abandonados pelas respectivas famílias, entregaram-se francamente à
malandragem e à gatunice, conhecendo todos os termos da gíria dos ladrões e as habilidades deles. Nas feiras, por entre a confusão dos vendedores e
compradores, batem as carteiras das senhoras; nas festas e noutras
aglomerações enfiam sorrateiramente a mão pelas algibeiras alheias e
21
escamoteiam o dinheiro. E vão além, num progredir constante: saltam janelas,
subtraem objetos de valor; ocultamse (sic) nas casas comerciais e à noite ou furtam por sua própria conta ou abrem as portas para os profissionais do roubo,
aos quais prestam assinalados serviços (Correio Paulistano, 1922, p. 3 apud
ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 6).
Por conseguinte, nesse mesmo período foram surgindo os primeiros mecanismos de
gestão que inter-relacionavam as categorias da pobreza, do abandono e da delinquência como
equivalentes de um só “problema”. Nesse sentido, foi realizado o 1º Congresso de Proteção à
infância em 1920 e, através do Decreto nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923, foi aprovado e
regulamentado a assistência e proteção aos “menores abandonados e delinquentes” e instituído
o primeiro Juizado de Menores do Distrito Federal. O primeiro Juizado de Menores foi um
projeto elaborado pelo professor e jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, primeiro
juiz de menores do Brasil e da América latina. Ele tinha como objetivo assistenciar e criar
políticas de proteção aos “menores abandonados e delinquentes”. No Art. 91. do referido
Decreto, é instituído a criação do Conselho de Assistência e Proteção aos Menores, que tinha
como uma de suas atribuições “vigiar, proteger [...] os menores egressos de qualquer escola de
preservação ou reforma, os que estejam em liberdade vigiada, e os que forem designados pelo
respectivo juiz” (BRASIL, 1923).
Foi através da judicialização da infância que a terminologia “menor” passou a ser
utilizada indiscriminadamente de maneira pejorativa para denominar crianças e adolescentes
pobres, abandonadas e/ou infratoras (BRITO; SILVA, 2016). Essa forma de tratamento foi
disseminada, sobretudo, pela polícia nas ruas, para distingui-las das crianças pauperizadas e
encaminhá-las as instituições “destinadas ao abrigamento e à correção, no caso do Rio de
Janeiro”, conforme critérios estabelecidos de “hereditariedade, da degeneração, do atavismo,
dos sinais antropométricos (ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 7). As captações das
crianças e dos adolescentes para as instituições de internação também eram realizadas através
de intervenções de agentes do juizado de menores nas cadeias comuns em que eram solicitadas
as transferências de “menores” que lá se encontravam.
No ano de 1924, através da Lei nº 2.059, de 31 de dezembro, foi criado no Estado de
São Paulo, com o objetivo de instituir uma política de amparo e proteção para os “menores
abandonados e/ou delinquentes”, o cargo de juiz privativo de menores (SÃO PAULO, 1924),
com o objetivo de instituir uma política de amparo e proteção para os “menores abandonados
e/ou delinquentes”. Conforme apontam os autores Alvarez, Lourenço e Salla (2016), esse foi
um avanço significativo na área das políticas nesse período, sobretudo, porque
22
Retirava da autoridade policial o arbítrio com o qual vinha tratando a questão,
na detenção dos menores, na sua manutenção em locais inadequados (ainda que interditados pelo Código Penal) e ainda no seu encaminhamento. Com a
criação do juízo de menores, colocava-se a figura do juiz no centro da gestão
dos menores, fossem eles abandonados, pervertidos ou delinquentes. Era
obrigação da autoridade policial encaminhar ao juiz os menores apreendidos, e era responsabilidade desse o seu destino (ALVAREZ; LOURENÇO;
SALLA, 2016, p. 7).
Alguns anos mais tarde, através do Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927,
foram consolidadas as leis de assistência e proteção aos menores através do Código de Menores,
popularmente conhecido como Código Mello Mattos. O Código de Menores extinguiu a Roda
dos Expostos, estabeleceu a idade mínima para o trabalho a partir dos 12 anos e a
inimputabilidade até os 14 anos, contudo, era designado apenas as crianças e adolescentes
“abandonadas ou delinquentes” com idade inferior a 18 anos (RIZZINI, 2004). Um fato
sardônico apontado por Alves (2001, p. 10) é o de que “os menores tornavam-se sujeitos de
direito apenas no momento em que se encontrassem em estado de patologia social6”, tendo em
vista que a lei era somente aplicada a essa parcela estrita da infância e juventude. Vale destacar,
também, que a mesma redação do Decreto nº 16.272 — no que diz respeito ao tratamento dos
egressos — foi mantida através dos artigos 222 e 230 desse novo Decreto.
Até a década de 1930, o único aparato jurídico que delimitava a jornada de trabalho de
crianças e adolescentes era o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1891, instituído por Manoel
Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório. Esse Decreto, contudo, só tinha validade
para os trabalhos provenientes de fábricas na capital federal do país (RIO DE JANEIRO, 1891).
Foi somente no ano de 1932 instituída pelo então presidente Getúlio Vargas, através do Decreto
nº 22.042, a duração da jornada de trabalho em 8 horas diárias para crianças e adolescentes —
sob condição de acréscimo na remuneração em virtude de prorrogação de até 1 hora. Além
disso, ficou estabelecido a idade mínima de 14 anos para trabalhos nas fábricas com a
apresentação de documentos — certidão de identidade, declaração de autorização dos pais ou
responsáveis, comprovantes de aptidão de leitura, escrita e noções de matemática bem como
comprovante de atestado médico (LIMA, 2008).
Foi nesse mesmo período que surgiu uma nova concepção de causalidade dos problemas
enfrentados pelos “menores abandonados e delinquentes” centrada na pobreza. Essa concepção
foi defendida por juristas como Roberto Lyra, apontando como o cerne da questão a
6 Segundo a concepção de Émile Durkheim, a sociedade é delineada de forma orgânica, isto é, busca,
sistematicamente, o equilíbrio. Nesse sentido, todo e qualquer comportamento adjacente ao equilíbrio é percebido
como sendo um ato patológico (MELO, 2015).
23
indispensabilidade do tratamento humanitário através da justiça social, pois as crianças e
adolescentes eram, sobretudo, “(...) victimas dos tentáculos da miséria, da qual decorrem o
abandono, as doenças, os vícios, os crimes e tudo o mais (...)” (RIZZINI, 1995, p. 136). Com
isso, o problema da infância e juventude saiu da ótica jurídica para o enfoque no meio social.
Pensando no processo de judicialização que vinha sendo tratado a infância, as decisões eram
realizadas exclusivamente pelo Poder Judiciário e não pelas instâncias tradicionais (Congresso
Nacional e Poder Executivo). Com a transferência de poderes — antes concentrada em juízes e
tribunais — ocorreram alterações significativas na linguagem utilizada, na argumentação e na
maior participação popular (BARROSO, 2008).
Foi fundado, no ano de 1935, o Departamento de Assistência Social do Estado de São
Paulo, através da Lei nº 2.497. Na segunda parte da referida Lei, no capítulo I que trata do
Serviço de Assistência e Proteção, em seu art. 9, são elencadas as atribuições que viriam a ser
desempenhadas pelo Departamento, como a organização do serviço de assistência social,
médico e pedagógico; a fiscalização do funcionamento das instituições de amparo a reeducação
da infância no Estado, bem como as instituições oficiais e particulares que se encontrassem
crianças e ou adolescentes para que fossem, caso averiguadas irregularidades, tomadas as
devidas providências (SÃO PAULO, 1935). Dessa forma, o Estado buscava, através desses
novos aparatos de controle social, estar sempre se mantendo atualizado sobre a pauta da infância
e juventude, inclusive os que se encontravam em regime de liberdade vigiada e de colocação.
Por conseguinte, ainda no ano de 1935, foi instaurado um Instituto de Pesquisas Juvenis
(IPJ) ao lado do Abrigo Provisório de Menores do Estado de São Paulo que fazia alusão a um
“lar provisório” das crianças e adolescentes que se encontravam aguardando a sentença do juiz.
O papel do Instituto, previsto no artigo 74 da referida Lei, era de servir como uma espécie de
posto de observação e, dessa forma, nas palavras de Borges e Salla (2018, p. 328), “servir como
um fornecedor [de] informações e diagnósticos essenciais para os juízes e mesmo para os
administradores dos institutos”.
Sobre os egressos “menores”, a Lei nº 2.497, em seu art. 129 cita somente que são de
responsabilidade do Serviço Social de Assistência e Proteção aos Menores e que possuem o
direito de realizar consultoria jurídica de seu processo através do Consultório Jurídico de
Serviço Social, todavia, em momento algum entra em detalhes sobre o tipo de atendimento ou
serviços ofertados durante seu acompanhamento. São especificamente detalhadas somente as
seções referentes aos egressos de estabelecimentos correcionais e penais — que eram
destinados a maiores de dezoito anos — e dos egressos dos estabelecimentos hospitalares, esse
24
último de responsabilidade do Patronato dos Hospitais de São Paulo que foi criado para esse
fim (SÃO PAULO, 1935).
Através do Decreto nº 9.744, de 19 de novembro de 1938, foi reorganizado o Serviço
Social de Menores (SSM) associado ao Departamento de Serviço Social. Conforme artigo 2 da
referida Lei, cabia ao Serviço Social de menores o dever de “amparar os menores de vinte e um
anos, egressos de estabelecimentos do Serviço, ou por este fiscalizados, auxiliando-os em seu
reajustamento” (SÃO PAULO, 1938). De acordo com o artigo 11, da mesma Lei, era de
competência da subdiretoria de Vigilância a oferta de serviços e cuidados aos egressos e
externos para sua reintegração social. Já no artigo 15, é atribuído ao subdiretor a organização
do Serviço de Egressos e Externos, classificando-os em três grupos: menores egressos; menores
à soldada; menores externos em geral. No mais, seria criada em cada município uma comissão
de cooperação, que estaria “integrada por elementos de eficiência social e reconhecida
idoneidade” no sentido de “promover o amparo aos menores egressos dos estabelecimentos,
mantidos ou fiscalizados pelo Serviço” (SÃO PAULO, 1938).
É partindo desse enfoque social que em 1938 o Conselho Nacional de Serviço Social é
fundado com fins de “suprimir os sofrimentos causados pela pobreza e miséria” (RIZZINI,
1995, p. 137) e mais à frente, em 1940, é fixado as bases da organização da proteção à
maternidade, à infância e à adolescência através do Decreto-Lei nº 2.024 de 17 de fevereiro
(BRASIL, 1940). Subsequente, em 1942, foi instaurado em âmbito nacional o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM), como um aparato específico para assistir os “menores desvalidos
e delinquentes” numa ótica social através da formulação e implementação da Política Nacional
do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Não obstante, contraditoriamente, o SAM se estruturou na
mesma ótica de manter marginalizados socialmente aqueles que tiveram uma infância
“desvalida e delinquente”, sobretudo em razão da orientação correcional-repressiva que ele se
estabeleceu, e, por esse motivo, manteve uma política institucionalizadora e repressora como
forma de reverter o quadro da marginalidade e miserabilidade social (COSTA, 2012).
Através do SAM surgiu uma diferenciação na alocação do “menor delinquente” e do
“menor carente e abandonado”, sendo o primeiro encaminhado a um reformatório ou casa de
correção para seu “reajuste” e o último encaminhado ao Patronato Agrícola7, local em que
receberia incentivos à educação profissional. Todavia, como afirma Nagle (2001 apud Nery,
7 Patronato é uma palavra originária do latim, patronatu. Apresenta quatro significados distintos na língua
portuguesa, sendo dois deles muito pertinentes para esse estudo e por isso aqui citados, são eles: instituição de
assistência, na qual se abrigam e educam menores; e, pensionato e estabelecimento público ou particular, que se
destina a proporcionar aos liberados condicionais os meios necessários à sua readaptação à vida social (Ferreira,
2002, apud, Nery, 2009, p. 10).
25
2009), esses centros explicitamente mais se baseavam em um plano assistencial de regeneração
pelo trabalho do que de um meio de oferta de educação técnico-profissional. Esse tipo de
diferenciação concebida era amparado pelo discurso de que não havia internato suficiente para
abrigar todas as crianças e adolescentes em conjunto, sendo este o único meio disponível. Em
outras palavras, assim como no período do Código de Mello Mattos, esse novo sistema se
parecia somente com mais do mesmo, sendo uma forma legitimada de manter a ordem social e
de acordo com suas próprias regras, restritas e autoritárias, decidir o destino da infância e
juventude carente. Consoante a essa reflexão, Faleiros (2009), expressa o seguinte:
A implantação do SAM tem mais a ver com a questão da ordem social que da assistência propriamente dita. [...] Vinculada ao Ministério da justiça e do
juizado de menores, tem como competência orientar e fiscalizar educandários
particulares, investigar os menores para fins de internação e ajustamento
social, proceder ao exame médico-psicopedagógico, abrigar e distribuir os menores pelos estabelecimentos, promover a colocação dos menores,
incentivar a iniciativa particular de assistência a menores e estudar as causas
do abandono (FALEIROS, 2009, p. 55).
Dessa forma, ao mesmo tempo que o Estado assumiu a responsabilidade para com as
crianças e adolescentes abandonadas ou que haviam cometido algum delito, terceirizou e
privatizou essa competência no intuito de atuar apenas na esfera da regularização e fiscalização
através do SAM. Assim sendo, firmou parcerias com empresas privadas ficando responsável
somente com o repasse de recursos financeiros pelos serviços prestados, o que caracterizou, nas
palavras de Costa (2012, p.7) “que o governo não havia assumido diretamente e exclusivamente
o atendimento ao menor”.
Mesmo se colocando como o responsável unicamente da fiscalização, o SAM não se
encarregou de tomar nenhuma providência sobre as séries de denúncias noticiadas pela
imprensa dos maus tratos, abusos dos mais diversos8, torturas e corrupção administrativa dentro
das instituições de reclusão designadas de assistenciar e prover o acesso a educação, bens e
serviços a crianças e adolescentes (COSTA, 2012). Em consequência, isso foi inevitável que o
SAM malograsse, ficando conhecido pela população sob alcunha de “sucursal do inferno” e
“universidade do crime”9.
Além do SAM, em 1942, havia sido criado o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial — SENAI, através do Decreto nº 4.048, de 22 de janeiro, pelo presidente Getúlio
8 O Serviço de Assistência ao Menor (SAM) desenvolveu uma péssima reputação — tanto pela imprensa quanto
pela população — sendo chamada de “universidade do crime” e “sucursal do inferno”, pois segundo eles,
funcionavam como verdadeiras prisões em que se imperavam torturas, drogas, violência, abuso sexual e corrupção
administrativa (GOMES DA COSTA, 1991 apud OLIVEIRA, 2007, p. 138). 9 Terminologias utilizadas por VIEIRA e VERONESE (2010).
26
Vargas. É importante resgatar esse período, que ficou conhecido como Estado Novo10, pelo seu
destaque na história da economia brasileira, especialmente no que concerne ao processo de
industrialização do país em virtude dos problemas econômicos enfrentados com a II Guerra
Mundial que demandavam a atenção do Estado. O SENAI surge através do estabelecimento de
parceria entre o setor público e o setor privado, sendo financiado e mantido com recursos
empresariais e administrado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sua criação tem
propósitos bem definidos, centrados na capacitação e formação de crianças e adolescentes
carentes que posteriormente viriam a se tornar trabalhadores das grandes indústrias do país.
Essa foi uma das brilhantes ideias do governo de Getúlio Vargas; baseada na ótica da
“regeneração pelo trabalho”, o Estado conseguia sem custo formar seu exército de mão-de-obra
especializada que, posteriormente, serviria as grandes indústrias que “patrocinaram” esse
acordo. Com isso, todos ficavam felizes: os empresários com seus grandes lucros, a indústria
nacional com seu desenvolvimento e incentivo e o Estado que “regenerava” e mantinha os
“menores” na linha. Nota-se, portanto, as sutilezas presentes nos discursos “progressistas” da
época, através das implementações de legislações protecionistas à infância e juventude que nada
mais eram que apenas fachada para legitimar a mão-de-obra barata como reforço ao “progresso
nacional”.
Indiretamente o Código Penal de 1940 veio a ser um marco na história da legislação da
infância e juventude em virtude de apresentar, em seu artigo 23, penalmente irresponsáveis os
menores de dezoito anos, discriminando assim crianças, adolescentes e adultos através de
critério biológico de discernimento, como bem denota Bizatto e Bizatto (2014):
Segundo as normas do Código Penal Brasileiro de 1940, os menores de 18
anos que infringissem a lei penal não poderiam ser submetidos ao processo
criminal comum, isto porque baseava-se na presunção absoluta de falta de discernimento. O legislador entendeu que para punir é necessário ter
esclarecimentos acerca da infração e como a personalidade do menor ainda
não estava concluída, não era possível puni-lo. Aliás, é da essência da lógica e da razão que para ser punido é preciso ter entendimento (BIZATTO;
BIZATTO, 2014, p. 27).
Conforme o exposto, em termos de avanço legislativo esse foi um marco da época,
sobretudo por trazer garantias mais sólidas do direito protecional da criança e do adolescente.
Em 1944 foi instituído o Decreto nº 16.575, de 11 de setembro, que preteria uma reorganização
do ordenamento jurídico, instituindo ao SAM novas atribuições e o subordinando ao Poder
10 Estado Novo ou Terceira República Brasileira como também ficou conhecido, foi o regime político brasileiro
instaurado por Getúlio Vargas de 10 de novembro de 1937 a 31 de janeiro de 1946. Esse período foi caracterizado
pela centralização do poder, pelo nacionalismo, “anticomunismo” e pelo autoritarismo (CODATO, 2013).
27
Executivo articulado ao Juizado de Menores. Dessa forma, a concepção de menor passou a ser
destaque entre um embate entre o poder executivo e legislativo, num conflito extenso entre ser
o menor objeto de direito ou sujeito de direito, respectivamente. Como objeto de direito, lhe
seriam aferidas concessões do ordenamento jurídico em virtude do interesse público, sendo
assim, as prerrogativas instituídas para a população em geral teriam validade também para a
infância e juventude, tal qual se fosse sujeito de direito, seriam criadas leis que não apenas lhe
contemplassem, mas que fossem específicas e conseguissem protege-lo (MARTINS, 2009).
No ano de 1946 houve a criação pela Organização das Nações Unidas11 do Fundo
Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas12 (UNICEF) a fim de orientar
ações assistenciais no plano jurídico e de responder às demandas das crianças em virtude da II
Guerra Mundial. (UNICEF, 2017). Nesse mesmo ano foi instituído o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial — SENAC nos mesmos moldes e para os mesmos fins lucrativos que
o SENAI.
Em decorrência da necessidade da criação de uma legislação que reconhecesse e
efetivasse os direitos e proteção da criança e do adolescente (COSTA, 2012), em 1948, foi
realizado o IX Congresso Pan-americano da Criança13 em Caracas, capital da Venezuela.
Posteriormente à criação do UNICEF e da realização do IX Congresso foi promulgado a Lei nº
3.133, de 8 de maio de 1957, modificando o instituto da adoção prescrita no Código Civil
(BRASIL, 1957). Apesar de não parecer um marco significativo, a promulgação dessa Lei foi
basilar para os avanços que sucederam na esfera do direito da criança e adolescente. Através
dela foi legitimada a adoção e criados programas para subsídios familiares e isso implicou aos
poucos no reconhecimento do papel da família por parte do Estado no processo de
ressignificação14 dos conflitos com a Lei enfrentados por crianças e adolescentes que deixou de
ser étnico, econômico, psicológico e moral e passou a ser tratado na esfera social.
11 A Organização das Nações Unidas foi criada através do tratado estabelecido na Carta das Nações Unidas,
assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre
Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano (ONUBR, 2019). 12 Em inglês: United Nations International Children's Emergency Fund - UNICEF. 13 A gênese dos Congressos Internacionais da Criança e do Adolescente são datados do século XX, na Europa, no
objetivo de tratar sobre temas relativos à infância, prática que mais à frente se estendeu também à América. O
Primeiro Congresso Pan-Americano da Criança foi realizado em 1916, em Buenos Aires através de sete sessões:
direito, higiene, psicologia, educação, assistência à mãe e à criança, sociologia e legislação industrial (SOUZA;
CORDEIRO, 2015). 14 Não confundir ressignificação com ressocialização. O processo de ressignificação diz respeito ao
desenvolvimento de uma nova perspectiva de vida e a superação de antigas práticas desempenhadas a partir de um
processo sistemático de valorização e autonomia do ser humano para que seja atribuído um novo significado a
vida, ao meio social e as relações do indivíduo. Já ressocialização diz respeito ao processo de reintegração à
sociedade com os aportes realizados através das medidas socioeducativas (SEBBEN; PIMENTEL, 2018).
28
Em 1959, a ONU, através do UNICEF, elaborou a Declaração Universal dos Direitos
das Crianças, aprovada por unanimidade no dia 20 de novembro do mesmo ano pela Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas. Esse documento tem grande importância devido a
ser “o primeiro código internacional que reconhece os direitos das crianças em matéria de
cuidados de saúde, nutrição, educação e proteção” (UNICEF, 2017). Entre os dez princípios
elencados na Declaração, para efeito de elucidação e análise, dou destaque aos mais pertinentes
no que concerne a criança tida como “menor abandonado e/ou delinquente”:
Princípio 1º: A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração.
Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes
direitos, sem distinção ou discriminação [...] ou qualquer outra condição, quer
sua ou de sua família. Princípio 2º: A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas
oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis
visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses
da criança.
Princípio 7º: A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Os melhores interesses da criança
serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta
responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais [...]. Princípio 9º: A criança gozará proteção contra quaisquer formas de
negligência, crueldade e exploração. [...] Não será permitido à criança
empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou
emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu
desenvolvimento físico, mental ou moral (BRASIL, 1959).
Esse notoriamente foi o documento mais completo e avançado se tratando do direito da
criança e do adolescente promulgado até a época. E foi dessa forma que se iniciou a década de
1960 no Brasil; com discussões sobre a reforma de base, direcionamento de uma política de
bem-estar social após todos os esforços empregados para que o Brasil viesse a assinar a Carta
das Nações Unidas, todavia, contraditoriamente, nessa mesma década, a partir de 1964, se
instaurou a ditadura militar no país15. Dado o cenário, o compromisso firmado pelo Brasil e,
vale ressaltar, a repercussão negativa que as instituições governamentais tiveram no que se
refere ao tratamento humanitário da criança e adolescente desassistida ou que havia cometido
algum ato infracional, no final do ano de 1964 foi extinguido o SAM. Contudo, para que
pudesse continuar seu sistema de controle, o Estado instaurou um novo aparato para oferta dos
15 Em linhas gerais, a ditadura militar no Brasil iniciou em março de 1964 e perdurou por um período de vinte e
um anos. Durante seu regime, houveram 6 mandatos militares e foram instituídos dezesseis atos institucionais –
mecanismos legais que se sobrepunham à constituição. As principais características desse golpe contra a
democracia foram a restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e forte censura (CARVALHO, 2018).
29
serviços de assistência a “menores” chamado Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM). Conforme pontuado por Daminelli (2017, p. 2) “paulatinamente, as instituições
e a população infantojuvenil (sic) assistida pelo órgão [SAM] foram incorporadas à
FUNABEM, herdeira inevitável de um arcabouço material e simbólico do qual imperava
distanciar-se”. Nesses termos, um dos maiores objetivos do Estado através da FUNABEM era
o de desfazer a imagem negativa que a população criou dos internatos, especialmente do
infortunado SAM.
A Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) foi criada em 1º de
dezembro de 1964 através da Lei nº 4.513, no objetivo de integralizar as atribuições do Serviço
de Assistência a Menores (SAM) assim como “formular e implantar a política nacional do bem-
estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação,
coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política” (BRASIL, 1964).
Contudo, apesar de bem definidas as atribuições da FUNABEM, consoante a “clara prevalência
da ideologia política sobre a filosofia-jurídica” apontada por Alves (2001, p. 12) que era
preponderante no nosso país, sobretudo pelo cenário que estava sendo vivenciado com o
combate a “ameaça comunista”, foram priorizadas ações que viessem a inibir a veiculação de
mídias que tratassem de temáticas de crimes, terror ou violências e foram adotadas medidas de
repressão através de castigos físicos como medidas de correção (ALVES, 2001).
Entre os princípios instituídos pela FUNABEM e disseminado pelas suas congêneres
estaduais chamadas de FEBEMS, Alves (2001, p. 12) traz que a prioridade era “[...] para
programas de assistência à família e colocação em lares substitutos; criação de instituições que
possuam características de vida familiar; e respeito às peculiaridades das comunidades das
diversas regiões do país”. Contudo, ainda numa ótica organicista no tratamento da temática do
“menor”, durante um longo período foi de preocupação da FUNABEM elaborar estudos e
sistematizar características comuns a crianças e adolescentes no que concerne aos seus aspectos
sociais, pedagógicos, psicológicos, jurídicos e referentes à saúde (TATAGIBA, 2008)
conforme brevemente apresentado a seguir:
Sob o ponto de vista social [eram características dos menores]: desagregação familiar, incapacidade física e mental dos pais, rejeição, conduta divergente.
Quanto ao enfoque pedagógico, as características do processo refletem
carência de ordem: escolar, de socialização, mental, sensorial (deficiências), emocional. No aspecto saúde, o processo de marginalização evidencia-se sob
a forma de: doenças mentais, doenças infecciosas, doenças verminóticas e
carenciais [...] (FUNABEM, 1976, p. 17-18 apud TATAGIBA, 2008, p.14).
30
De acordo com esses estudos foram delineados pela FUNABEM quatros tipos de
“menores” e desses se destacaram três deles16 sendo: o menor pré-marginalizado de 0 a 9 anos,
o menor de "acesso" com idade entre 10 e 13 anos e o menor do tipo "final" com idade entre 17
e 18 anos. Através dessa classificação que a FUNABEM se destacou no que diz respeito as
primeiras proposições de práticas preventivas e educativas em detrimento de práticas corretivas
e repressivas.
Através da Lei nº 5258, de 10 de abril de 1967, foi criado o dispositivo que versa sobre
as medidas aplicáveis a crianças e adolescente de até dezoito anos incompletos que cometessem
algum ato infracional. Assim sendo, de acordo com os artigos 1 e 2, caso a criança ou o
adolescente transgrida, ela ficará sob tutela do Estado que averiguará o precedente e de acordo
com a personalidade e a natureza do ato, aplicará medidas de proteção, assistência e vigilância.
Nesses termos, caso o adolescente tenha idade inferior a dezoito anos e superior a quatorze
anos, e praticado algum tipo de delito que não culminou na sua internação em alguma instituição
de responsabilidade do Estado, assim como por motivo de interpretação do juiz em “indícios”
dado pela criança ou adolescente da sua conduta, ele poderá cumprir sanção em estabelecimento
próprio para sua condição em consonância com esta Lei (BRASIL, 1967).
A década de 1970 no país é marcada por intensos debates no campo do direito da criança
e do adolescente, sobretudo nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, palco das principais
decisões jurídicas da temática. Enquanto no Rio de Janeiro era defendido que a interpretação
do juiz prevalecesse para a aplicabilidade da lei, em São Paulo juristas defendiam que a raiz do
problema estava na estrutura perversa que moldou a sociedade e, portanto, as crianças e
adolescentes nada mais eram que vítimas desse sistema devendo dessa forma ser dado as
condições basilares para que esse sistema se modificasse (RIZZINI, 1995).
É dessa forma que o Estado de São Paulo munido das ideias de seus juristas decide
transformá-las em práticas e funda, em 1973, através da Lei nº 185, de 12 de dezembro,
autorizado pelo Poder Executivo a Fundação Paulista de Promoção Social ao Menor (PRO-
MENOR). Uma particularidade dessa lei foi a instituição da participação popular no Conselho
Estadual de Promoção Social do Menor, ainda de maneira atravessada, já que seus membros
eram indicações do Governador, contando, também com entidades de iniciativa privada.
Em 1975 é criada a Comissão Parlamentar de Inquérito formada por deputados da
Câmara Federal designados para tal fim. No intuito de apurar a realidade dos “menores”, foram
elaborados e enviados para os 3.953 munícipios brasileiros questionários sobre a situação da.
16 Este modelo implantado pela ditadura ainda não foi totalmente superado; dado a configuração da segurança
pública e políticas criadas dentro das instituições e fora delas.
31
Como resultado, esse estudo criou um relatório que apresentou uma situação calamitosa no que
diz respeito a assistência de crianças, adolescentes e suas famílias. Em virtude do número de
questionários e análises de dados necessárias a Comissão levou um ano para concluir o relatório
e apresentar seu conteúdo. A proposição foi levada a plenária do dia 23 de junho de 1976,
sujeita à apreciação e aprovada (PRC 81/1976 CPIMEN — Projeto de Resolução) que
posteriormente foi transformado na Resolução da Câmara dos Deputados 21/1976. Nas palavras
de Boeira (2015, p. 174):
O relatório da CPI do Menor tem no seu bojo caráter salvacionista,
identificando crianças e adolescentes como vítimas de disfunção social, que,
por não disporem de renda suficiente, têm insatisfatória participação no
consumo de bens materiais e culturais e não usufruem os serviços de saúde, habitação, alimentação, educação, profissionalização e recreação, tornando-os
párias numa sociedade cada mais vez mais excludente.
Nesse sentido, o relatório busca apresentar um diagnóstico da conjuntura vivenciada
pelas crianças e adolescentes dentro de um panorama mais amplo da modernização acelerada e
urbanização dos grandes centros nas quais esses indivíduos foram excluídos dos processos de
produção, consumo e cidadania. Por conseguinte, é identificado que a abordagem utilizada para
reconhecer a criança e ao adolescente assim como os termos depreciativos para caracterizar o
“menor” como abandonado, carente, desassistido, delinquente, perverso, infrator culmina
também na marginalização e exclusão social do mesmo, e como bem denota Boeira (2015, p.
193-194) “para entender o lugar social que a criança (menor) ocupa na historiografia, não se
analisa fragmentos de forma isolada” porque perde-se de vista os sujeitos coletivos dessa
história, a identidade desses indivíduos, todo o contexto que os cerca, todos os enlaces e
entrelaces que denotam e nos contam essa história de maneira mais completa.
Destarte, Alvim e Valladares, 1988, vem ressignificar a importância dessa comissão e
desse documento para a época:
[...] a CPI pode ser entendida como um marco, em duplo sentido. É o
reconhecimento que a chamada “questão do menor” tornara-se prioritária e que o Código de Menores de 1927 já estaria defasado18 por não instituir
mecanismos “eficazes” no tratamento do chamado “menor infrator”. Por outro
lado, o documento resultante da CPI tornou-se “o diagnóstico” da situação do
menor pobre no país e os dados que produziu se revestiram de tal legitimidade que se tornaram citação obrigatória em todos os documentos oficiais e
referência importante em todas as pesquisas sobre o tema. A CPI do Menor
revelava a existência, em 1976, de 13.542.508 menores em situação de carência (aqueles cujos pais ou responsáveis não possuem condições para
atender às suas necessidades básicas) e 1.909.570 abandonados (não têm pais
ou responsáveis para o atendimento de suas necessidades básicas). Informava
também que, em 1975, 11.812 delitos haviam sido praticados por menores,
32
com maior incidência no Sudeste (44,17%) e no Nordeste (37,98%). E ainda,
segundo estimativas baseadas em indicadores sócio-econômicos (sic), seria de 25 milhões o número de menores carentes e abandonados (ALVIM;
VALLADARES, 1988, p. 11).
No final da década de 1970, o UNICEF ampliou e reconfigurou sua atuação no Brasil
deixando de ser um mero órgão assistencialista para moldar suas práticas em apoios efetivos e
direcionados as comunidades carentes. Ainda nesse período, urgem diversos movimentos
voltados para o apoio da infância e juventude, sobretudo em São Paulo. Dessa forma, é realizada
uma série de denúncias de maus-tratos, violência e negligência aos “menores”, o que vem a dar
suporte às cobranças realizadas ao Estado de uma legislação efetivamente protecionista em
objeção as práticas punitivas e correcionais realizadas (BOEIRA, 2015). Dessa forma, através
da Lei nº. 6.697, aprovada em 10 de outubro de 1979 é instituído o novo Código de Menores
de 1979.
De autoria do Senador Nelson Carneiro, o projeto foi inspirado na Declaração Universal
dos Direitos da Criança, do ano de 1959, da Organização das Nações Unidas. Originalmente,
havia sido proposto pelo Senador em seu projeto a garantia do direito à saúde, educação,
profissão, recreação e segurança social irrestrita a toda criança e adolescente. Além disso,
conferia ao Estado e a família, conjuntamente, o papel de assistenciar e proteger a criança e ao
adolescente, ficando garantido que, somente em última instância, os pais ou responsáveis
seriam destituídos do poder familiar. Contudo, o texto não foi aprovado na íntegra, pois segundo
interpretação da Câmara dos Deputados, temas com saúde, educação e recreação conflitariam
nas competências já de responsabilidade dos ministérios, portanto, foram suprimidas
(FLORIANO; AUSIER; VALLE, 2018).
Assim sendo, o Código de 1979 se estruturou na oferta de assistência, proteção e
vigilância a crianças e adolescentes com idade igual ou inferior a 18 anos que se encontrassem
em situação irregular17; as adultas entre 18 e 21 anos, conforme casos expressos em lei; e ainda
a toda e qualquer menor de 18 anos, independente de sua condição, se constatado a necessidade
de aplicabilidade de determinações de caráter preventivo (BRASIL, 1979). Com isso, o Código
se tornou um dispositivo basilar que serviu de norteador de documentos jurídicos posteriores
abandonando “a Doutrina na Situação Irregular e [colocando] em seu lugar a doutrina da
17 Era considerada criança ou adolescente em situação irregular aquele que se encontrasse “privado de condições
essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória; vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos
pelos pais ou responsável; em perigo moral; privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; autor de
infração penal” (BRASIL, 1979).
33
proteção integral, onde a criança e o adolescente passarão a ser sujeitos de direitos” (GANDINI
JÚNIOR, 2007, p.3). Todavia, saliento o caráter contraditório do ordenamento jurídico
brasileiro, sobretudo, se tratando da legislação como é regulamentada e sua aplicabilidade. Nas
palavras de Alves (2001, p. 13):
[...] se por um lado o novo Código mantinha a idade penal em 18 anos, por
outro dispunha de mecanismos em que o menor acusado de delitos, mesmo
que sem provas, era passível de detenção, a não ser que sua família designasse um advogado para defendê-lo. Sem sombra de dúvida, tal dispositivo negava
á família pobre a possibilidade de defesa de seu membro acusado, mostrando
com isso a renitência do ranço da filosofia repressão-assistência que orientava a legislação do menor.
Nesses termos, apesar do avanço no aparato jurídico, ele ainda mantinha vestígios bem
preponderantes de uma política repressiva, assistencialista e manutencialista. Ao invés de
assegurar direitos da criança e do adolescente seu propósito principal era o de tentar apaziguar
os ânimos da população que estava demandando fervorosamente a implementação de novas
políticas protecionistas.
Durante a década de 1980 foi vivenciado no Brasil a segunda fase do longo processo de
redemocratização do país18. Houve diversas mobilizações populares em praticamente todos os
Estados do país com criação de comissões populares para organização da classe trabalhadora
no intuito de reestabelecer o direito ao voto direto e o tratamento humanitário se tratando dos
direitos civis. Apesar das mobilizações não terem conseguido alterar definitivamente a
conjuntura vivenciada, toda a mobilização realizada em prol da democracia não foi em vão,
pois com isso a ditadura militar foi enfraquecida. E não apenas isso, mas as eleições indiretas
realizadas pelo colégio eleitoral consagraram a vitória do candidato da oposição, o civil
Tancredo Neves como o presidente do Brasil, perdendo o então deputado Paulo Maluf que era
o candidato apoiado pelos militares. No entanto, o então presidente eleito Tancredo acabou não
assumindo o cargo, pois adoeceu repentinamente e faleceu sem tomar posse.
Contraditoriamente, foi através de seu vice, José Sarney, que as eleições voltaram a ser diretas,
apesar do seu forte vínculo com os militares, sendo seu governo marcado como o período de
transição democrática que teve seu marco através da Constituição de 1988, conhecida como
Constituição Cidadã, ultimando com o retorno da democracia.
18 O processo de redemocratização do Brasil é marcado, sobretudo, através da última eleição indireta e o fim do
regime militar (1985), todavia, a transição para a democracia se finda em 1988, no governo de José Sarney, com
a promulgação da nova Constituição brasileira (SOUZA, 2009).
34
A Constituição Federal, a sétima da história do Brasil, foi promulgada em 05 de outubro
de 1988, elaborada pelo Congresso Constituinte por deputados e senadores eleitos
democraticamente no ano de 1986. Com este documento foram instituídas normas irrevogáveis
— cláusulas pétreas — como o direito ao “voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos Poderes; e os direitos e as garantias individuais” (BRASIL, 1988). Além disso,
houve alterações significativas nas áreas da saúde e proteção da infância e juventude
respectivamente através da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e modificação das
legislações acerca do direito da criança e do adolescente além da criação do novo Código Civil,
contudo, foi somente com a promulgação da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que foi
instituída uma política pública para promoção e garantia do direito da criança e dos
adolescentes.
2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA: Avanços no sistema de garantia de direitos
para crianças e adolescentes autores do ato infracional e o processo de reinserção social
Conforme apresentado anteriormente, tradicionalmente o atendimento a infância e
juventude era destinado somente a parcela das crianças e adolescentes que haviam tido seus
direitos violados — através da perda ou abandono familiar, famílias que por serem menos
favorecidas econômica e socialmente não tinham como prover seus filhos e por isso destinavam
ao Estado sua tutela para que fossem institucionalizados numa ilusória expectativa que assim
eles tivessem um futuro melhor. Nestes termos, somente aqueles chamados de “menores” é que
tinham algum reconhecimento por parte da legislação e, sobretudo, tão somente no objetivo de
serem enquadrados, privados de liberdade — o que era mascarado por uma ilusória proteção
do Estado, sendo na verdade, uma forma de somente isolar o “problema” colocando-o a margem
da sociedade.
Nicolau (1984, p. 8) traz que “esta acepção da menoridade, sociologicamente construída
no contexto da sociedade, está fundamentada numa visão de família burguesa”, incidindo nessa
distinção feita entre crianças, adolescentes e menores o que configura “um verdadeiro apartheid
social no universo da população infanto-juvenil” (NICOLAU, 1984, p. 9). E muito além de
serem terminologias utilizadas durante um período longínquo, vemos que ainda hoje elas fazem
parte do vocabulário com uma função moral e segregadora de distinguir “cidadãos de bens” de
“indivíduos perturbadores da ordem pública”.
Sendo a legislação unicamente para os casos em que crianças e adolescentes cometiam
atos infracionais, em verdade não existia até então uma legislação que promulgassem seus
35
direitos e deveres. Nesses termos, o Estatuto da Criança e do Adolescente surge para superar
distinções, discriminações, preconceito e toda forma de violência cometida para com as crianças
e adolescentes. Ele rege sobre as oportunidades e facilidades para assegurar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social desses indivíduos lhes proporcionando plenas
condições. Em suas diretrizes19, o ECA indica possibilidades da criação de condições favoráveis
visando a garantia e o respeito aos direitos da criança e do adolescente, assumindo uma ótica
educativa, constituindo este uma nova fase da política voltada para a criança e do adolescente
(fase educativa)20.
Assim sendo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi instituído seguindo os
princípios da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança aprovado pela ONU
e da Declaração universal dos Direitos da Criança de 1989, dispondo sobre a proteção integral
à criança e ao adolescente através da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Para efeitos dessa
Lei, é considerada criança, o indivíduo de até doze anos incompletos e, adolescente, aquele que
possui entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL, 1990).
Desde que foi criado, o Estatuto da Criança e do Adolescente vem se consolidando como
o principal instrumento de promoção e garantia de direitos de crianças e adolescentes. É um
dos dispositivos mais avançados e completos se tratando da instituição de direitos, deveres e
competências. Sendo ele seguido integralmente, teríamos um sistema de proteção prioritário no
tratamento dos problemas referentes a infância e juventude e a garantia das premissas
fundamentais para o atendimento dessa população, contudo, por mais que indiquem questões
19 Em linhas gerais, segundo o Art. 88. do Estatuto da Criança e do Adolescente, são diretrizes da política de
atendimento: I - a municipalização do atendimento; II - a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis; III - a
criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa; IV - a
manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da
criança e do adolescente; V - a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria,
Segurança Pública e Assistência Social [...] para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem
se atribua autoria de ato infracional; VI - a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para
efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar
ou institucional; VII - a mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos
da sociedade (BRASIL, 1990). 20 Anterior a esta fase educativa identificam-se duas outras fases na assistência à criança e ao adolescente: a) a
primeira, denominada correcional-repressiva, que vai de 1927 ao final da década de 50 já analisada ao logo deste trabalho; b) a segunda - assistencialista - vai de 1964 ao final da década de 80 (do século XX). A fase correcional-
repressiva caracterizava-se por uma política de intervenção direta do Estado, através de ações incisivas de
repressão e punição em face da problemática social emergente da criança e do adolescente. Tais ações eram
reguladas pela Lei 17.943-A, a qual consolidava a ação sobre esta problemática, pela intermediação do juiz da
infância e da juventude em sua ação tutelar. Este código regulava, basicamente, o menor vadio e o menor
trabalhador, considerados, numa escala de periculosidade que ia do abandono à delinquência. Neste processo, a
criação de novos códigos e leis, departamentos e serviços em nada alteraram uma postura discriminatória,
consistindo em adaptações da lógica do “pão e palmatória”, assistência x punição, previstos para o “menor”
infrator (NICOLAU, 1984).
36
sobre educação, saúde, assistência social, justiça, trabalho, cultura, esporte, restituição de
direitos e promoção da inserção social das crianças e jovens egressos do sistema socioeducativo,
em virtude do sucateamento das políticas públicas, não há uma efetivação dos direitos mais
básicos dos cidadãos.
Na parte especial da Lei nº 8069/90, temos o tratamento da política de atendimento dos
direitos da criança e do adolescente mediante a articulação de ações governamentais e não
governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Através da oferta
de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social são garantidos a proteção
social no intuito de prevenir e/ou reduzir os casos de violações de direitos, agravamentos ou
reincidências. Para oferta desses serviços especiais foram criadas equipes de atendimento
médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e
opressão. Também foram criados os serviços de identificação e localização de pais,
responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidas; serviços de proteção jurídico-social a ser
realizado por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente; políticas e programas
destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e garantir o
efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes (BRASIL, 1990).
Quando por omissão da sociedade — do Estado, dos pais ou responsável — ou em face
de abusos ou conduta for ameaçado ou transgredido algum direito da criança e do adolescente,
são lhes assegurados medidas de proteção, conforme o art. 98 do ECA. Essas medidas poderão
ser aplicadas cumulativamente ou isoladas e também poderão ser substituídas em razão da
conveniência em qualquer momento (BRASIL, 1990).
Para aplicabilidade das medidas são consideradas essencialmente as necessidades
pedagógicas, tendo em vista o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, e alguns
princípios como: a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos; a proteção
integral e prioritária; a responsabilidade primária e solidária do poder público; o interesse
superior da criança e do adolescente; o respeito pela intimidade; a intervenção precoce pelas
autoridades competentes; a intervenção mínima; a proporcionalidade da penalidade; a
responsabilidade parental; a prevalência das medidas que os mantenham ou reintegrem na
família; a obrigatoriedade da informação dos seus direitos, dos motivos que determinaram a
intervenção e da forma como esta se processa; a oitiva obrigatória e participação nos atos e na
definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente
considerada pela autoridade judiciária competente (BRASIL, 1990).
Verificada omissão, abuso ou conduta inadequada pelo Estado, pais ou responsável,
poderão ser realizadas as seguintes medidas de proteção: encaminhamento aos pais ou
37
responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento
temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental; inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e
promoção da família, da criança e do adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico
ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; acolhimento
institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar; e/ou colocação em família
substituta. Em virtude do seu caráter transitório, tanto o acolhimento institucional como o
acolhimento familiar são medidas provisórias excepcionais que visam a reintegração familiar.
Não sendo possível a reintegração e convívio familiar, a criança ou o adolescente são acolhidos
em instituições para posteriormente irem para uma família substituta. Nesse sentido, o
afastamento do convívio familiar dá-se em razão de medidas emergenciais para proteção das
vítimas acometidas de violência ou abuso sexual, sendo garantido aos pais ou responsável o
direito de ampla defesa que será analisado por autoridade judiciária competente. Não em razão
do cometimento de ato infracional, a criança ou o adolescente será excluído do convívio
familiar, sendo assegurado seu direito em consonância com o tipo de sanção aplicada (BRASIL,
1990).
O ECA, em seu art. 103, caracteriza o ato infracional como uma conduta descrita como
crime ou contravenção penal. Em virtude do cometimento de ato infracional serão aplicadas as
medidas de proteção especial à criança. Ao adolescente, verificada a prática de ato infracional,
poderão ser aplicadas as medidas de proteção especial ou as seguintes medidas: de advertência;
obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; regime
de semiliberdade; ou internação em estabelecimento educacional. É dever da autoridade
competente julgar cada caso a que lhe foi atribuído e sancionar a medida que o adolescente
deverá cumprir (BRASIL, 1990).
É concedido ao adolescente o direito pleno e formal de ciência do ato infracional que
está sendo julgado; a isonomia processual para que possa obter todas as provas necessárias para
sua defesa; a defesa técnica a ser realizada por um advogado; a assistência judiciária gratuita e
integral, caso não tenha condições de pagar um advogado; direito a se defender pessoalmente
perante a autoridade competente; a solicitação da presença dos pais ou responsável logo após a
apreensão. Além disso, a medida a qual o adolescente foi sentenciado deverá levar em conta
sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Nesses termos, o
adolescente portador de necessidades especiais (doença ou deficiência mental) receberá
tratamento individual especializado em conformidade com suas condições (BRASIL, 1990).
38
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, de
quase 55 milhões de crianças e adolescentes que moram no Brasil, a maior parte (cerca de 68%)
está situada nas regiões Nordeste e Norte do país. Além disso, em quase todos os Estados, ao
menos seis em cada dez crianças ou adolescentes são negros. São exceção à regra os Estados
de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em que o contingente populacional
é menor. Destaca-se também que cerca de 6,5% (mais de 2,8 milhões) da população de crianças
e adolescentes não se encontra estudando e aproximadamente uma a cada cinco (18,9%), na
faixa etária entre nove e dezessete anos frequenta a escola com certo grau de defasagem entre
a idade cronológica e a idade escolar esperada. Nesse sentido, a pesquisa também aponta que
cerca de 19% da população de crianças e adolescentes no país sofre algum tipo de privação em
educação, e em 6,5% dos casos esta privação é extrema. Em números absolutos, esses 19%
equivalem a 8,8 milhões de crianças e adolescentes (PNAD, 2015).
No que concerne as privações no acesso à informação, os resultados são ainda mais
inquietantes. São aproximadamente dez milhões de crianças e adolescentes no Brasil sem
acesso à internet em seus domicílios, sendo destes mais de 70% negros e menos de 28%
brancos. Através desse dado temos como a dicotomia racial existente no país também tem
condição social clara estabelecida. A este dado adiciona-se a constatação de que pelo menos
500 mil crianças e adolescentes encontram-se sem qualquer meio de comunicação no local de
residência (PNAD, 2015).
Pensando no processo de desenvolvimento, a exclusão no acesso desses meios gera a
crianças e adolescentes desvantagens que vão se acentuando cada vez mais no contexto
socioeconômico, o que dificulta no acesso a educação de qualidade, no ingresso ao mercado
de trabalho e tudo isso culmina na perpetuação da pobreza e desigualdade social. Além disso,
o problema do acesso repercute também no processo de inserção precoce de crianças e
adolescentes no mercado de trabalho. Essa conjuntura muitas vezes comum em virtude da
necessidade de complementação de renda na família para sobrevivência surge como uma forma
de sociabilidade perversa e como apontado por Guimarães e Romanelli (2002, p. 118) essa
condição “não resulta apenas da situação de pobreza, mas a busca por emprego está associada
ao desejo de conquista de autonomia e de liberdade e também de consumo de bens que os pais
não podem proporcionar”. Sobre esse cenário, Prado (2014, p. 46) vem apontar que:
É diante de um panorama de desemprego estrutural, precarização e
flexibilização das relações de trabalho e desregulamentação de direitos e cortes de gastos públicos na área social que cresce boa parte das crianças e
adolescentes brasileiros [...].
39
Esses sujeitos crescem sendo excluídos dos mais diversos tipos de socialização — seja
nas relações familiares, nas escolas, nos grupos sociais — num contexto social, econômico,
político nacional, ficando à mercê da casualidade ou tendo que “recorrer a programas
assistencialistas, que tentam burlar a imagem de miserabilidade e omissão do poder público
quanto aos direitos fundamentais do cidadão” (MONTE et al, 2011, p. 125). Nesse contexto,
esses grupos sociais vivenciam múltiplas violações — físicas, sexuais e psicológicas — e
simultaneamente a isto, ainda sofrem represálias em virtude do sensacionalismo midiático que
a todo momento tipifica o jovem negro, pobre, da comunidade como um inimigo da população.
Não obstante a perspectiva sensacionalista propagada a respeito dos atos infracionais
acometidos por adolescentes, dados da UNICEF (2002 apud Monte et al., 2011) apontam que
a incidência desses atos gira em torno dos 8% do total de transgressões perpetradas no Brasil.
Em contrapartida, ainda segundo a UNICEF (2002 apud Monte et al., 2011), a violência
cometida para com os adolescentes aumentou exponencialmente. Segundo dados do mapa da
violência, no ano de 2016 foram registrados cerca de 33.590 jovens assassinados, sendo 94,6%
deles do sexo masculino. Esse percentual representa um aumento de 7,4% em relação ao ano
anterior. Houve um aumento de adolescentes assassinados em vinte unidades federativas, entre
elas destacam-se o Acre (+84,8%) e Amapá (+41,2%). Somente em sete unidades federativas
foram constatados redução do número de mortes de jovens, destacando-se os Estados da
Paraíba, Espírito Santo, Ceará e São Paulo, com diminuição entre 13,5% e 15,6% (IPEA; FBSP,
2018).
Segundo dados da PNAD (2015), são cerca de 2,5 milhões de crianças no Brasil que
realizam algum tipo de atividade econômica, seja para prover o próprio sustento, da família e
proporcionar mínimas condições de acesso a bens de consumo. E nesse contexto, mais uma vez
crianças e adolescente negros são os que se apresentam em situação de maior desigualdade e
vulnerabilidade social, conforme apontado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) na fala a seguir:
Embora a idade das crianças não apresente diferença em relação à privação de
abastecimento de água e serviço de saneamento, há diferenças marcantes em
relação à cor: por exemplo, crianças negras são 70% daquelas que estão privadas de serviços de saneamento. Desigualdades similares são observadas
também ao analisar o item domicílio adequado: crianças e adolescentes negros
são a maioria da população infantil que vive em condições habitacionais inadequadas (69%) (UNICEF, 2018, p. 9).
Apesar disso, de acordo com os últimos dados divulgados pela UNICEF é possível
pensar em um cenário progressivamente melhor à medida que vem sendo reduzida a pobreza
40
infantil no Brasil. Segundo dados da PNAD (2015) houve uma diminuição exponencial do
quantitativo de crianças e adolescentes afetados por seis tipos de privações (o máximo possível)
de cerca de 70% entre o período de 2011 a 2015; e a proporção daqueles que sofriam cinco
privações simultâneas teve uma redução de 50% em 2015 em relação a 2011. Destarte, ainda é
considerável o número de crianças e adolescentes que sofrem os mais diversos tipos de
privações, sendo em 2015 pontuados cerca de 14 mil casos.
É importante frisar que a diminuição do quantitativo de crianças e adolescentes afetados
por n tipos de privações não significa dizer que os mesmos passaram a ter acesso a tudo que
antes encontravam-se sistematicamente privados de acesso, e, portanto, não permanecem mais
em situação de privação múltipla, mas sim que, apesar dele ainda se encontrar em situação de
privação múltipla, agora encontra-se sendo assistido em algumas áreas, o que
consequentemente atenua a intensidade de privações sofridas (UNICEF, 2018).
Um dado importante publicado pelo Conselho Federal de Psicologia diz respeito ao
perfil dos grupos em situação de vulnerabilidade social, que se assemelha e se confunde
bastante com o dos grupos marginalizados e excluídos do acesso a políticas públicas e
condições dignas de vida, conforme apontado por Ayeres et al (2003). Desse grupo destacam-
se especialmente os adolescentes em conflito com a lei, não por acaso, visto que são um dos
grupos sociais mais vulneráveis devido a fatores históricos, culturais e estruturais.
2.2.1 A problemática do adolescente egresso do sistema socioeducativo: a particularidade
da medida socioeducativa de privação de liberdade e a reinserção social
De acordo com o Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), em 2016, 26.450 adolescentes encontravam-se cumprindo medida
socioeducativa no Brasil. Destes, 18.567 em regime de internação (70,19%), 2.178 em regime
de semiliberdade (8,23%), 5.184 em regime de internação provisória (19,59%), 334
adolescentes em atendimento inicial (1,26%) e 187 em internação-sanção (0,70%). O sistema
socioeducativo do Rio Grande do Norte se caracteriza como um órgão com menos de 200
adolescentes, de acordo com a distribuição por Unidade Federativa Brasileira, sendo 5.017
cumprindo medida na região Nordeste e, destes, 142 no Estado do Rio Grande do Norte
(BRASIL, 2018).
De 2011 a 2016, o número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
de privação de liberdade cresceu de 13.362 para 18.567, significando uma variação de 38,95%
em torno de cinco anos. Já do período de 2015 a 2016, foi constatado que o Estado do Rio
41
Grande do Norte teve a quarta maior variação entre as quinze Unidades Federativas com o
aumento de 36,2% no total de adolescentes e jovens atendidos (BRASIL, 2018).
No Brasil, a distribuição das unidades de atendimento socioeducativo considera
primordialmente a concentração demográfica dentro do território nacional, isto é, o maior
número de unidades está presente nas Unidades Federativas mais populosas do país. Segundo
a Assessoria de Comunicação da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio
Grande do Norte - FUNDASE/ASSECOM (2018), no Estado do Rio Grande do Norte,
atualmente, são administrados pela FUNDASE dez (10) unidades de atendimento nas cidades
de Natal, Parnamirim, Caicó e Mossoró, sendo: quatro (4) Centros de Atendimento
Socioeducativo (CASEs) na modalidade de medida de internação, três(03) deles destinados aos
adolescentes do sexo masculino e um aos adolescentes do sexo feminino; três (3) Centros de
Atendimento Socioeducativo Provisórios (CASEPs), na modalidade de internação
Atendimento Socioeducativo de Semiliberdade, somente destinados aos adolescentes do sexo
masculino; três (3) Centros de Atendimento Socioeducativo de Semiliberdade (CASEMIs),
(2)dois deles destinados aos adolescentes do sexo masculino e um deles destinados aos
adolescentes do sexo feminino.
Consoante a legislação específica, que trata das normas e diretrizes referentes aos
Centros Educacionais, Lei 12.594/12, o termo medida socioeducativa diz respeito ao conjunto
de todas as medidas privativas de liberdade — tanto internação como semiliberdade e medida
provisória — bem como as não privativas de liberdade — medidas de liberdade assistida e
prestação de serviços à comunidade (BRASIL, 2012).
Os Centros de Atendimentos Socioeducativos são geridos pela Fundação de
Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte (Fundase/RN) que é um órgão
de administração indireta do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, vinculado à Secretaria
de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (SETHAS), responsável pela
execução das medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes que cometeram ato
infracional de todo o Estado (FUNDASE/RN, 2018).
Além de ser o órgão competente que administra os Centros Educacionais do Estado e
que organiza o funcionamento dessas instituições e do ordenamento jurídico, a FUNDASE
também coordena e articula parcerias com os demais órgãos públicos que venham a contribuir
para defesa e desenvolvimento da cidadania e para melhoramento das políticas públicas
voltadas à juventude (FUNDASE/RN, 2018). Entre suas funções, lhe compete: orientar e
prestar apoio sociofamiliar; apoio socioeducativo em meio aberto; colocação familiar; abrigo;
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acolhimento institucional; prestação de serviços à comunidade; semiliberdade; liberdade
assistida e internação (BRASIL, 1990).
Como afirma Mazzeo (2015, p. 67), “[...] ao estudarmos uma realidade social, o
fundamental é situa-la no âmbito da relação universal-particular [...]”. Nesse sentido, o estágio
realizado no Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu (CASE Pitimbu) foi uma
oportunidade de apropriação da realidade concreta. Um momento de observar, refletir e intervir
no exercício profissional enquanto propositora no projeto de intervenção, tendo como aparatos,
os instrumentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico operativos além da
instrumentalidade como propriedade de concretizar objetivos. Foi a partir do movimento da
realidade institucional, suas contradições e seus aspectos significativos que foram realizados
observações e registros no intuito de problematizar o modo de reinserção social instituído
através desses aparelhos institucionais, mais especificamente, através do Centro de
Atendimento Socioeducativo Pitimbu.
2.2.1.1 Caracterização do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu
Em princípio, denominado Instituto Estevão Machado, essa unidade foi fundada em 04
de julho de 1954 e pertencia a Arquidiocese de Natal tendo como público cerca de vinte (20)
adolescentes. O principal objetivo do instituto era o de prestar assistência aos, chamados na
época, “delinquentes”, que haviam na cidade. Nele, os adolescentes praticavam atividades
ocupacionais e realizavam tarefas — quando haviam — mas sem receber nenhuma
remuneração por elas (RIO GRANDE DO NORTE, 2014).
Por um longo período, o Instituto Estevão Machado permaneceu pelo apoio de práticas
caritativas de cunho moralista e, somente na década de 1970, passou a receber apoio financeiro
da Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e do Governo do Estado do
Rio Grande do Norte. Com esse apoio financeiro, o Instituto Estevão Machado passou a ser
administrado pelo Estado e atender sob encaminhamento do juizado de menores. Todavia, ao
longo dos períodos, a unidade passou a ter problemas no que diz respeito ao atendimento aos
internos, o que ocasionou várias denúncias e propagação pela mídia dos acontecimentos,
culminando na reformulação do instituto que passou a ser chamado de Centro de Reeducação
do Menor - CRM (LIBERATO, 2010).
O CRM foi criado em 1979 com o objetivo de materializar, por meio dos princípios do
1º Código de Menores de 1927, as práticas de repressão, punição e assistência associado a
concepção da política de segurança nacional que estava sendo instaurada na época. Ele era
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conhecido também como Colônia Agrícola. Sua administração era toda realizada pela polícia
militar, o que por si só explicava as práticas adotadas e os princípios educacionais para com os
adolescentes (LIBERATO, 2010).
Somente com a promulgação da Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990, com a instituição
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi que o CRM passou a ser denominado
Centro Educacional Pitimbú (CEDUC Pitimbú) sob nova administração. Com esse novo
Estatuto houve a necessidade de reformulações na infraestrutura física dos Centros
Educacionais, para que ela se readequasse aos novos moldes do que a Lei preconizava uma vez
que ainda existiam resquícios do Código de Menores nas próprias instalações (LIBERATO,
2010).
A partir de 20 de novembro de 2018, com a publicação no Diário Oficial do Estado
(DOE), através da Portaria nº 255/2018 — GP, as unidades de atendimento socioeducativo
passaram a ter uma nova nomenclatura. Nesses termos, o então Centro Educacional Pitimbú
passou a ser chamado de Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu - CASE Pitimbu (RIO
GRANDE DO NORTE, 2018).
O CASE Pitimbu hoje se constitui como uma instituição de natureza pública estadual,
financiado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte sendo os repasses feitos através da
FUNDASE — tanto de recursos humanos como de recursos financeiros e materiais — de
cumprimento de medida socioeducativa de internação com privação total de liberdade para
adolescentes do sexo masculino da faixa etária entre 12 e 18 anos, com casos excepcionais de
adolescentes de até 21 anos que cometeram o ato infracional antes de atingir os 18 anos e estão
cumprindo medida com manutenção estendida até três anos que é o tempo máximo permitido
para medida de internação (BRASIL, 1990).
Até meados de abril, o CASE Pitimbu contava com trinta e oito (38) adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa, sendo trinta e um (31) lotados no CASE I e oito (07)
no CASE II. Quando se envolveram com a prática de atos infracionais, praticamente todos eles
estavam fora da escola. A partir de avaliação pedagógica foi-se constatado que vários deles
apresentam dificuldades severas na escrita, leitura e operações matemáticas básicas e, por
desestímulo à continuidade dos estudos ou por possuírem inimizades dentro das escolas,
acabaram se evadindo das mesmas. A faixa etária dos adolescentes até abril de 2018 variava
entre 14 e 19 anos, conforme o gráfico 1 a seguir:
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Gráfico 1 — Faixa etária dos adolescentes do CASE Pitimbu até abril de 2018
Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018
A grande maioria dos socioeducandos se origina de famílias de baixa renda, tendo sido
ao longo da vida marcados por graves situações de vulnerabilidade social e violação de direitos.
Todavia, essa é uma realidade apresentada nas condições de vida da população infanto-juvenil
de um modo geral, sobretudo, na população negra que apresenta um grande quadro
desfavorável, pois “do total de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior
a meio salário mínimo somente 20,5% (vinte e meio por cento) representam os brancos, contra
44,1% (quarenta e quatro vírgula um por cento) dos negros (BRASIL, 2006, p. 11 apud IPEA,
2005).
Em relação à saúde, atualmente três (03) adolescentes fazem uso de medicação
controlada voltada ao tratamento de doenças psiquiátricas e, de modo geral, sempre que
necessário os socioeducandos estão tomando alguma medicação prescrita pelo médico que de
quinze (15) em quinze (15) dias realiza atendimentos na unidade. Além disso, quando
necessário, os adolescentes são encaminhados a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) devido
a alguma queixa apresentada, especialmente os adolescentes que apresentam pressão alta.
Outro dado em relação aos socioeducandos, diz respeito ao envolvimento com uso, não
raras vezes abusivo, de substâncias entorpecentes. Alguns deles desde os oito ou nove anos, por
diferentes contextos sociais, conforme apontado por Schenker e Minayo em seu texto sobre
“fatores de risco e proteção para uso de drogas na adolescência”. Nesse sentido, são apontados
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seis fatores de riscos considerando o aspecto do desejo e o aspecto do dano do uso de drogas,
sendo eles:
(1) os efeitos cumulativos das substâncias tóxicas e sua relação com a vulnerabilidade do indivíduo; (2) a atitude positiva da família com relação ao
uso de drogas, reforçando a iniciação dos jovens; (3) o envolvimento grupal
[que] tem sido visto como um dos maiores prenúncios do uso de substância; (4) o papel da escola seja como agente transformador, seja como lócus
propiciador do ambiente que exacerba as condições para o suo de drogas; (5)
a disponibilidade e a presença de drogas na comunidade de convivência [que] tem sido vista como facilitadora do uso de drogas por adolescentes, uma vez
que o excesso de oferta naturaliza o acesso; [e por último], (6) a absolutização
do papel da mídia como fator de risco (SCHENKER; MINAYO, 2004, p. 709-
710).
Através da análise desses fatores de risco podem ser pensadas estratégias de prevenção
e promoção da resiliência e redução de danos, tendo em vista que o uso de drogas lícitas e
ilícitas é culturalmente milenar (SCHENKER; MINAYO, 2004). Todavia, nos centros de
atendimento socioeducativo são realizadas verdadeiras campanhas de “combate às drogas”,
com a penalização de quem faz uso de qualquer tipo de substância dentro da instituição. Não
são realizadas nenhum tipo de orientação para os adolescentes que declaram nas entrevistas
com a equipe técnica-multidisciplinar fazerem uso de algum tipo de substância
indiscriminadamente desde muito novo, dessa forma, considerando que práticas de promoção
à saúde devem incorporar também particularidades dos indivíduos, essa é uma forma de
negligenciar a saúde dos adolescentes.
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3. Os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso,
autor do ato infracional, e sua reinserção social
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3.1 A privação de liberdade e o Sinase como marco legal na consolidação das medidas
socioeducativas na perspectiva dos direitos
A Lei 12.594/12 institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e
orienta a execução das medidas remetidas aos adolescentes que pratiquem ato infracional.
Sendo o Sinase um subsistema do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), se articula com os
demais subsistemas – Saúde, Educação, Assistência Social, Justiça e Segurança Pública – e
conta com princípios, regras e critérios próprios que norteiam a execução da medida
socioeducativa (BRASIL, 2012).
O entendimento adotado ao significado de medida socioeducativa é comum entre o ECA
e o Sinase, tendo por objetivo a responsabilização do adolescente quanto ao ato infracional
praticado, sua reintegração social com a garantia dos seus direitos individuais e a efetivação de
sua sentença, seja em meio aberto ou com privação máxima de liberdade, de acordo com a
gravidade da infração e demais parâmetros previstos em lei. Nesse sentido, as medidas têm um
caráter dual: socioeducativo e pedagógico.
A temática da responsabilização parte do entendimento que o adolescente deve
protagonizar e assumir seu próprio conflito, para que venha a sanar o contexto de violência que
protagonizou como autor. Para tanto, são priorizadas as práticas restaurativas e instituído – no
planejamento da sanção outorgada – ações que primem pela proteção e regulamentação dos
direitos e deveres do adolescente (BELO HORIZONTE/MG, 2014).
O Sinase, enquanto sistema nacional, é coordenado pela União, integrado aos sistemas
estaduais e municipais que implementam seus respectivos programas para execução das
medidas socioeducativas. É competência do município a execução das medidas em meio aberto
e do Estado a execução das medidas em meio fechado. Quanto a organização e funcionamento
dos sistemas, a lei confere plena autonomia aos sistemas estaduais, municipais e distrital de
modo que eles possam designar o órgão da administração direta responsável pela coordenação
da execução e gestão desde que subscritos no Plano de Atendimento Socioeducativo. Todavia,
o que se verifica na prática é que essa autonomia dos órgãos é limitada, tendo em vista os
problemas financeiros vivenciados. Desde 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) passou a financiar a execução das medidas socioeducativas em meio
aberto através dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS).
Nesse sentido, o Governo Federal estabeleceu como critério para o cofinanciamento que o
próprio CREAS executasse as medidas socioeducativas. A aceitação desse acordo significou
mais que o aceite do cofinanciamento, mas sobretudo, a anuência às regras estabelecidas pelo
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MDS para gerência dos sistemas socioeducativos como uma forma de submissão (BELO
HORIZONTE/MG, 2014). À vista disso, os municípios ficam reféns dos cofinanciadores em
virtude de não ter verba suficiente para financiar esse sistema sem precisar recorrer a parcerias
como a já supracitada ou mesmo a organizações não-governamentais a fim de firmar convênios
que não limite tanto sua autonomia.
O Sinase se estabeleceu não somente, mas especialmente para criação e divisão das
competências da gestão das medidas socioeducativas com inspiração na própria Constituição
Federal. Essa divisão estabelecida levou em conta a necessidade de suporte e apoio necessário
dos entes federativos com mais recursos – financeiro, logístico e técnico – aos entes menos
avantajados, todavia, mais próximos do público alvo. Conforme explicitado pelo Centro de
Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (2014, p. 10) “a repartição clara de competências, entre
os entes federados com relação à execução de medidas socioeducativas, revela um indiscutível
avanço em relação à pretérita indefinição na legislação anterior”. Assim sendo, o ECA por mais
que trouxesse algumas particularidades da execução das medidas socioeducativas, não
explicitava a competência e essa omissão por muitos anos serviu de justificativa para que não
fossem ofertados esses serviços (BELO HORIZONTE/MG, 2014).
Quando da implantação e execução das medidas socioeducativas após a instituição do
Estatuto da Criança e do Adolescente – que veio trazendo em si uma nova concepção de direitos
e deveres inerentes à criança e ao adolescente – não houve um rompimento total com as antigas
práticas de repressão e institucionalização. Conforme o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento
Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais vem apontar:
O simples aproveitamento das estruturas fundacionais antigas (FEBEM e
congêneres), ou a reprodução dos paradigmas do sistema penal (carcerário ou aberto) para a execução das medidas socioeducativas, sem a necessária
modificação dos paradigmas atinentes aos seus próprios fins, referências
técnicas e estruturação de um sistema próprio para o atendimento dos adolescentes, evidentemente, revelou-se um equívoco. Essa mera reprodução
redundou na renovação (ou mera continuidade) de práticas tutelaristas, de um
lado, ou penalistas, de outro. Repetiu-se o modelo antigo, em franco confronto
com a perspectiva constitucional da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento já estabelecida pelo novo paradigma constitucional (art. 227,
§3º, V, da Constituição Federal) (BELO HORIZONTE, 2014, p. 11).
O processo de ruptura com as velhas práticas vem sendo perpassado lenta e
gradualmente na medida em que se identifica e se conjectura necessidades internas ou externas
de mudança. Essas necessidades – quando acompanhadas das intencionalidades do Estado –
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impulsionam o desenvolvimento de novas metodologias e ações para dar continuidade as
conquistas sociais surgidas a partir da década de 1980.
É nesse sentido que a participação tripartite se faz tão importante. Através do
envolvimento do Estado, família e comunidade, como coparticipantes ativos de um projeto
social na ótica de garantia de direitos, proteção e criação de vínculos, intenciona-se o efetivo
funcionamento da inclusão social desses indivíduos dentro de uma ótica cultural, econômica,
social e política, pois são esses três grupos os principais agentes que podem vir a contribuir para
a mudança dessa lógica de inclusão perversa.
No que diz respeito aos programas de privação de liberdade – tanto para cumprimento
de medida socioeducativa de semiliberdade como medida socioeducativa de internação – há a
existência de requisitos específicos para inscrição e funcionamento, sendo eles: a devida
comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em
conformidade com as normas de referência; a previsão do processo e dos requisitos para a
escolha do dirigente; a apresentação das atividades de natureza coletiva; a definição das
estratégias para a gestão de conflitos, vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos
casos previstos no §2º do art. 49 desta Lei; a previsão de regime disciplinar nos termos do art.
72 desta Lei (BELO HORIZONTE/MG, 2014).
O ECA diferencia a medida socioeducativa de semiliberdade da medida socioeducativa
de internação, em virtude da primeira admitir a realização de atividades externas independente
de autorização judicial. Tem-se como princípio a incompletude institucional e a necessidade do
apoio da comunidade na oferta de serviços para os adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de semiliberdade (BELO HORIZONTE/MG, 2014).
A medida de internação possui como princípios a brevidade, a excepcionalidade e
respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, a brevidade
representa seu tempo máximo de permanência em estabelecimento de privação de liberdade por
três(03) anos completos, respeitadas as avaliações realizadas estritamente até a completude do
semestre; a excepcionalidade, tendo em vista que ela é a última das medidas a ser aplicada ao
adolescente na medida que a privação de liberdade, mantendo o adolescente mais afastado da
família – por mais que ele tenha visita uma vez por semana – e da comunidade a que ele
pertence; respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento diz respeito as
peculiaridades e variações existentes entre todas as pessoas, devendo ser respeitadas as suas
crenças e tradições, lhe assegurado o direito de sair da instituição respeitando a sua liberdade
de acesso a bens e serviços (BELO HORIZONTE/MG, 2014).
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É direito do adolescente em privação de liberdade ter acesso as atividades externas à
instituição, desde que expressamente autorizado por equipe técnica responsável. Os casos
contrários a efetivação desse direito precisam estar expressamente amparados por determinação
judicial desfavorecendo a saída do adolescente da instituição (BELO HORIZONTE/MG,
2014).
A lei 12.594/12 é contrária ao isolamento cautelar, com exceção do caso previsto no art.
48, §2º, que admite o isolamento do adolescente quando for indispensável para garantia da
segurança de outros adolescentes lotados na mesma unidade de internação ou necessária
segurança do próprio adolescente (BELO HORIZONTE/MG, 2014).
Em relação a existência de estabelecimentos educacionais dentro das unidades, o Sinase
sinaliza a necessidade da oferta desse serviço somente em unidades de internação, isso porque
prima que as atividades educacionais e profissionalizantes dos adolescentes em cumprimento
de medida socioeducativa de semiliberdade sejam realizadas fora da unidade de atendimento.
As instalações dos estabelecimentos educacionais devem estar em consonância com as normas
de referência – Resolução CONANDA nº 119/06, Lei de Diretrizes e Bases e demais normas –
para que a estrutura física seja compatível e atenda as necessidades de uma unidade de
atendimento socioeducativo. Há alguns critérios de normatização para criação,
estabelecimento, formação da equipe mínima e os objetivos a serem alcançados pelo Centro de
Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2012). Especificamente para entidades e/ou programas
que executam a medida socioeducativa de internação, o SINASE preconiza que para o
atendimento de até quarenta (40) adolescentes a equipe mínima deve ser organizada conforme
quadro 1 a seguir:
Quadro 1 – Equipe mínima para atendimento de até 40 adolescentes em cumprimento de
Medida Socioeducativa de Internação (MSE)
EQUIPE MÍNIMA PARA ATENDIMENTO DE ATÉ 40 ADOLESCENTES EM
CUMPRIMENTO DE MSE DE INTERNAÇÃO
Nº DE PROFISSIONAIS CARGO/FUNÇÃO
01 Diretor
01 Coordenador técnico
02 Assistentes Sociais
02 Psicólogos
01 Pedagogo
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01 Advogado (defesa técnica)
Demais profissionais necessários para o desenvolvimento de
saúde, escolarização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e
administração de acordo com a necessidade da unidade
Educadores21
Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018
Em 2018 o CASE Pitimbu contava com um (01) diretor, um (01) vice-diretor, um (01)
coordenador técnico, uma (01) assistente social, três (03) psicólogos, duas (02) pedagogas,
cinco professores, uma (01) técnica de enfermagem, três (03) equipes de educadores e demais
profissionais que compunham a equipe no auxílio de atividades extras (motoristas, cozinheiros,
técnicos administrativos). Essa equipe era responsável para auxiliar nas atividades dos dois (02)
Centros de Atendimento Socioeducativo – CASE Pitimbu I e II – não atendendo aos critérios
de equipe mínima preconizado pelo Sinase o que ocasionava diversos transtornos para o
funcionamento da unidade.
Quanto a estrutura física do CASE Pitimbu, essa não atendia alguns dos critérios
estabelecidos no Sinase. De acordo com os parâmetros arquitetônicos para unidades de
atendimento socioeducativo de internação, em seu art. 16, é necessário:
[...] edificar as unidades de atendimento socioeducativo separadamente
daqueles destinados para adultos do sistema prisional, ficando vedada qualquer possibilidade de construção em espaços contíguos ou de qualquer
forma integrada a estes equipamentos (BRASIL, 2013, seção III, Art. 16).
Ao lado do CASE Pitimbú encontra-se a Penitenciária Estadual de Parnamirim – PEP,
o que se configura uma violação dos parâmetros e motivo de muita discussão, raiva e revolta
entre os adolescentes, pois segundo eles, alguns educadores gostam de ironizar que o destino
deles encontra-se “bem no muro ao lado”. O projeto arquitetônico dos Centros Educacionais
deve “prever um núcleo comum de administração para os casos de construção de mais de uma
Unidade de atendimento no mesmo terreno de forma que os setores previstos possibilitem um
fluxo ordenado de pessoas e veículos” (BRASIL, 2012, p. 69). Uma vez que o CASE Pitimbu
possui duas unidades, isso foi implementado, no entanto, o acesso interno entre as duas
unidades ainda é dificultoso, sendo necessário que seja realizada uma adequação da estrutura
21 A relação numérica de educadores deverá considerar a dinâmica institucional e os diferentes eventos
internos, entre eles férias, licenças e afastamento, encaminhamentos de adolescentes para atendimentos técnicos
dentro e fora dos programas socioeducativos, visitas de familiares, audiências, encaminhamentos para atendimento
de saúde dentro e fora dos programas, atividades externas dos adolescentes.
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que possibilite a circulação mais rápida e adequada para quem precisa estar em constante
movimento entre as duas unidades, em especial os educadores. Esse problema da dificuldade
do acesso prejudica, inclusive, a segurança interna e externa do local, fato este que já
possibilitou diversas fugas dos adolescentes.
No ano de 2012 foi decretado pela juíza titular da Vara de Infância, Juventude e do Idoso
de Parnamirim, a interdição total do CASE Pitimbu. Um dos principais motivos da interdição
foi a necessidade de reforma estruturante de ordem física, sanitária, hidráulica e elétrica das
instalações de todos os espaços da unidade, iniciando-se pelo núcleo de contenção VI, diante
da situação de absoluta e inadmissível insalubridade e deterioração em que se encontrava. Para
desinterdição, era necessário que fosse sanado todas as irregularidades apontadas nos relatórios
de inspeção do Ministério Público, da SUVISA e da Corregedoria Geral da Justiça do Estado.
A sentença proferida determinou ainda que no prazo de 60 dias fossem procedidas as medidas
necessárias para sanar as irregularidades relacionadas à péssima qualidade da alimentação
servida aos internos da unidade; bem como a construção de quadra poliesportiva na unidade no
prazo de seis meses (RIO GRANDE DO NORTE, 2012). Por conseguinte, somente em 2015 o
o CASE Pitimbu foi liberado para funcionamento. Todavia, fazendo um panorama da estrutura
que hoje encontra-se na unidade, temos ainda diversos problemas que mesmo após a
reformulação não mudaram, destaque para a alimentação, não produzida na unidade, mas sim
terceirizada que quando chega estragada na instituição, é apenas jogada fora e os adolescentes
são obrigados a ficarem em jejum durante a respectiva refeição.
A segurança da instituição também é outro ponto a ser frisado, tendo em vista que a
unidade funciona com menos educadores do que o preconizado pelo Sinase, não tem câmeras
funcionando do lado de fora da unidade, a instituição é cercada por um matagal, que dificulta a
visão do entorno pelos seguranças, e facilita a fuga dos adolescentes da unidade e deixa a
unidade desprotegida. Isso prejudica a segurança do patrimônio, dos funcionários e dos
adolescentes o que vai contra todos os parâmetros normativos.
São esses elementos que caracterizam a inclusão perversa ou inclusão precária dos
adolescentes no acesso a produção, consumo e cidadania. Como apontado por José de Souza
Martins no livro “a sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes
sociais”, é através da condição fragilizada - no acesso ao trabalho precarizado, moradia em
situação irregular, assim como diversas outras situações extremas de vulnerabilidade - que se
apresenta a degradação moral, muitas vezes enfrentada por essa classe social pauperizada para
ter condições mínimas de acesso a bens e serviços. Todavia, a reflexão que o autor traz em seu
texto vai além do aspecto condicionante desse sujeito, diz respeito a forma como enquanto
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sujeito social equivocadamente ele é compreendido; seu papel, sua sociabilidade, suas
contribuições. A forma como muitos autores do campo das ciências sociais abarca em suas
análises, trazendo o lócus da questão para o binômio inclusão versus exclusão social, não
possibilita um exame mais rigoroso da realidade, tendo em vista que estes sujeitos participam
da movimentação da economia do país, sendo inclusive os maiores consumidores segundo
dados do Serviço de Proteção ao Crédito entre os anos 2015 e 2018. A análise que deve ser feita
é de que forma é realizado esse acesso e em que condições. Quando se fala que numa
determinada comunidade verifica-se que praticamente todos os moradores possuem celulares
smartphones e acesso a internet, mas nenhum deles tem acesso a tratamento de esgoto,
saneamento básico e água filtrada, o que está se colocando em questão é a precarização e a
forma perversa do acesso a bens e serviços.
Enquanto em cumprimento de sentença por cometimento de ato infracional o
adolescente encontra-se em uma instituição de privação de liberdade que tem como dever
primar por seus direitos básicos – alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, entre outros –
mas na prática os direitos básicos são negligenciados e os adolescentes expostos a uma nova
sentença; a da sociedade que odeia os direitos humanos.
Os adolescentes têm direito a seis (06) refeições diárias, sendo elas o desjejum, o lanche
da manhã, o almoço, o lanche da tarde, a ceia e o lanche da noite. Como dito anteriormente,
todas essas refeições são produzidas fora da instituição, por uma equipe terceirizada que é paga
para realização desta tarefa e entrega na unidade. É muito comum que pelo menos um item ou
uma refeição completa venha estragada e os adolescentes tenham que ficar esperando a próxima
refeição para saciar a fome. No CASE Pitimbu a refeição é a mesma para os adolescentes e toda
a equipe que se encontra de plantão ou em horário de trabalho. Isso foi uma forma de
aproximação e, sobretudo, de demonstrar e assegurar que a comida ofertada aos adolescentes é
de qualidade, de modo que desde a pessoa da hierarquia mais baixa até a mais alta tem acesso
a mesma refeição. Porém, é certo que sempre que podem os integrantes das equipes trazem algo
a mais na bolsa para complementar as refeições, sobretudo, depois de se familiarizarem com a
comida para saber qual não lhe cai bem e qual com certeza nunca mais vai ingerir. Já aos
adolescentes só restam duas opções: comer ou aguardar a próxima refeição que talvez tenha um
gosto melhor. Pelo número reduzido de educadores, troca de plantões e organização da rotina
da unidade, algumas refeições são realizadas dentro dos alojamentos, na área de convivência.
O problema dessa prática está no lixo acumulado nos alojamentos que finda na proliferação de
insetos dentro dos alojamentos, pois nem sempre é realizado limpeza pelos adolescentes nos
alojamentos.
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No tocante à saúde, a unidade não dispõe dos mínimos recursos. Não existe uma sala da
enfermaria nem kit de primeiros socorros, então se a única técnica de enfermagem de plantão
precisar utilizar algum material para segurança e primeiros atendimentos na própria instituição,
terá de comprar com recursos próprios. Quando algum adolescente se queixa de estar passando
mal, são horas e mais horas dando o benefício da dúvida, aguardando a autorização da direção
da unidade e a disponibilidade de motorista para que esse adolescente seja levado a uma
Unidade de Pronto-Atendimento, ainda tendo que ouvir coisas como “só quer ir passear”, “se
ficasse deitado passaria logo”, “é só uma desculpa para tentar fuga”. Então ficar doente na
instituição e ser levado prontamente para atendimento é um privilégio raramente concedido.
Um clínico geral vai na unidade a cada quinze dias para atender os casos mais graves.
A triagem é feita pela equipe técnica, com observações dos educadores, para designar quem
está encenando e quem realmente precisa de atendimento. Um adolescente que arranja muita
confusão dificilmente vai estar entre essa lista sem ser um caso de vida ou morte. A técnica de
enfermagem separa as medicações dos adolescentes que tem acompanhamento continuamente
– normalmente medicamentos psicotrópicos – para que os educadores, nos horários certos,
deem os medicamentos aos respectivos adolescentes. Não é muito difícil relatos de queixas dos
adolescentes que não tomaram a medicação no dia anterior e após chamado o educador para
saber o motivo, ser relatado que a medicação foi dada conforme previsto.
A educação também é pauta de muitas queixas na instituição. A rotatividade de
professores é muito grande, devido a desistências por estresse, medo, entre outros motivos, o
que dificulta o aprendizado contínuo dos adolescentes na unidade. Quando os adolescentes
chegam na instituição, é realizada uma entrevista sociopsicopedagógica para identificar, entre
outras coisas, a série que o adolescente encontrava cursando ou havia parado de estudar com o
objetivo de retomar os estudos dentro da unidade. Muitos adolescentes não têm mais histórico
escolar ou não sabem dizer com precisão em quais níveis pararam os estudos, o que dificulta
na hora de definir suas turmas. Nesses casos são realizados alguns testes para nivelar na série
que mais se aproxima ao nível de conhecimento apresentado, conversado também com a família
do adolescente e tendo disponibilidade de turma e professor da série em questão, o adolescente
passa a frequentar as aulas. Todavia, a realidade da instituição, com déficit de professores, faz
com que a maior parte não seja contemplada nas atividades escolares e os que têm, nem sempre
são retirados dos alojamentos para assistir as aulas, em virtude do déficit de educadores para
que sejam retirados com segurança os adolescentes dos alojamentos e dado continuidade a
rotina normal dos outros internos. Então são priorizadas as atividades que mais adolescentes
poderão participar, ou na pior alternativa, nenhum adolescente sai do alojamento.
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As moradias dos adolescentes, enquanto estão cumprindo medida socioeducativa são
seus alojamentos. Cada alojamento é composto por três camas fixas de concreto. Além dos
quartos, há uma área de convivência para que eles possam fazer as refeições, local que também
fica a televisão disponibilizada para os alojamentos. Cada alojamento comporta também um
banheiro, com sanitário e chuveiro e uma área de serviço. As estruturas não são as melhores e
com a falta de cuidado e zelo dos adolescentes, porque não reconhecem naquele lugar a sua
moradia temporária, enquanto estão cumprindo uma sentença por ter infringido leis, acaba que
o local se configura numa verdadeira prisão com condições insalubres e precárias, conforme
imagens a seguir:
Alojamento dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa do CASE Pitimbu
Fonte: Nascimento; Viviane, 2018.
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Imagem – Banheiro dos alojamentos
Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018
Imagem – Área de serviço dos alojamentos
Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018
Alguns dos alojamentos não possuem energia elétrica, pois os adolescentes arrancam as
fiações para produzir faíscas e colocar fogo nos colchões em dias de motim.
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No primeiro dia de estágio da autora, bastaram poucos minutos para que conseguisse
visualizar alguns aspectos mais aparentes da questão social disfarçados sob formas de
insalubridade, condições precárias de higiene e limpeza, lotação e que repercutiam em
adolescentes famintos: por liberdade, individualidade, atenção, respeito e acesso a direitos. Essa
primeira faceta surge como límpida e crua, mas ao mesmo tempo ela é tão menosprezada e
encoberta que pode parecer inofensiva. No entanto, ela se desvela sob forma de insatisfações,
inconformações e frustrações e têm repercussões que num primeiro momento pode vir a ser um
choque, tendo em vista a forma com que esses adolescentes dão vozes aos seus
descontentamentos: através de motins com queima de colchões, batidas de grades, tentativas de
fuga, gritos de ódio.
A autora nos seus primeiros escritos do diário de campo apontava essas questões como
problemas de resolutividades tão simples e via a situação como um todo enquanto falta de
vontade de gestores e demais membros que compõem a instituição. Todavia, ao estudar melhor
o assunto, ir mais a fundo no problema, a partir de leitura de teses, dissertações e artigos antigos
sobre a instituição, alguns escritos há dez anos atrás, percebia as mesmas problemáticas
apontadas. Isso fez com que começasse a se indagar: no quê que isso implica? Todos esses
apontamentos que ela e mais algumas pessoas veem como problemas são realmente problemas?
E se são problemas, são problemas para quem? Quem se encontra omisso? Quem não está
fazendo o seu trabalho? A quem se deve cobrar essas respostas? Disso, se parte para a segunda
faceta.
Para explicar a segunda faceta a autora novamente recorre a algumas anotações do diário
de campo. Nele se encontram relatos sobre transições comportamentais que dizem respeito aos
estágios temporais de adaptação – desde a entrada na instituição do adolescente até o momento
atual que ele se encontra – que em mais de 80% dos casos se reflete em mudanças consideradas
positivas sobre os valores apreendidos da medida socioeducativa, a incorporação de novas
perspectivas de vida, a crescente sociabilidade do adolescente a partir dos laços construídos
dentro da instituição, o não envolvimento com entorpecentes e a melhora da qualidade de vida
através das atividades de lazer, de uma boa alimentação e o comprometimento com a educação
ofertada.
Essas e outras mudanças observadas nos adolescentes refletem em relatórios com
pareceres favoráveis que implicam a saída do adolescente da instituição – pela percepção de
que o mesmo apreendeu as práticas necessárias, internalizou o que propõe a medida
socioeducativa contribuindo com melhorias na sua formação e, portanto, encontra-se apto para
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a reinserção na comunidade – fazendo com ele consiga progressão para medida socioeducativa
em meio aberto ou sua medida socioeducativa seja extinta.
Não é possível distinguir a real natureza dessas mudanças comportamentais dos
adolescentes: se somente uma forma resignada de parar de lutar contra esses sistema e cumprir
da maneira mais tolerável possível a medida socioeducativa para sair da instituição o quanto
antes; se a medida socioeducativa na vida desse adolescente realmente teve um impacto
positivo, ele pode refletir sobre o ato infracional cometido e pretende abandonar a prática de
delitos; ou diversas outras possibilidades. O que se pode pensar a respeito é o que acontecerá
após a saída desse adolescente da instituição, independentemente de suas escolhas.
Após a entrada do adolescente na instituição de privação de liberdade é disponibilizado
para sua permanência um kit com toalha, colchão, itens de higiene básico e a partir das visitas,
os próprios parentes dos adolescentes ficam responsáveis por trazer alguns itens como escova
de dente, creme dental, sabonete, barbeador, camisa branca e calção azul (roupa padrão),
chinelo preto ou azul, folhas de ofício para que eles possam utilizar para escrever e fazer
algumas atividades artísticas e uma roupa para que eles possam ir as audiências (calça e camisa).
É especialmente delicado o contato dos adolescentes com seus familiares, em todos os sentidos.
Como relatado por muitos deles durante o processo de estágio, aquele momento é dedicado a
esquecer o inferno que vivem lá dentro e se transportarem para um lugar em que eles são
conhecidos e reconhecidos para muito além da sentença que estão cumprindo.
Em relação ao lazer, os adolescentes têm atividades de educação física e jogam futebol
no campo de areia ou na quadra poliesportiva, mas com a aposentadoria do professor de
educação física essa atividade ficou delegada a ajuste dos educadores e nem sempre ocorrem
nos dias e horários anteriormente previstos. Os adolescentes também têm aulas de informática,
que na prática são utilizadas para que eles joguem nos computadores. No tempo livre, eles ficam
nos próprios alojamentos confeccionando origamis e demais lembrancinhas de papel para as
famílias nos dias de visita.
Por se tratar de uma unidade de internação, o CASE Pitimbu funciona numa rotina
estruturada em um cronograma semanal preparado pela equipe de pedagogas. Todavia, apesar
de serem preparados semanalmente, os cronogramas diariamente são revisados para análise de
possíveis necessidades de alteração e/ou adequação de acordo com a dinâmica da unidade. Os
serviços prioritários giram em torno do atendimento psicológico, pedagógico e social pela
equipe técnica; atendimento clínico e psicológico quando necessário; educação; atividades
recreativas e cursos profissionalizantes.
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Devido a parcerias que a FUNDASE tem com outros órgãos do governo e empresas,
periodicamente são ofertados na instituição cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Social
da Indústria (SESI), com o objetivo de capacitar os adolescentes e propiciar uma oportunidade
de vivenciar novas experiências. No ano de 2017, foram ofertados os cursos de alvenaria,
organizado em parceria com o SENAI; panificação; Cine SESC (Serviço Social do Comércio);
oficinas de informática; customização de camisas; elaboração de enfeites natalinos com
materiais recicláveis; ação de incentivo à leitura; oficinas de arte e apresentações artísticas; e
ações de educação em saúde, com oficinas de prevenção as doenças sexualmente transmissíveis.
Em 2018, estavam previstos os cursos de auxiliar de garçom; agente de limpeza e
conservação, realizados pelo SENAC, com duração de 160 horas cada. E, ainda, os cursos de
pintor de obras, de pedreiro e alvenaria executados pelo SENAI, também com carga horária de
160 horas cada. A autora, enquanto estagiária na instituição, acompanhou a execução no CASE
Pitimbu do curso de agricultor orgânico em que foi construída uma horta orgânica de 300m².
Esse curso teve carga horária de 80h e foi executado em duas turmas, com dez(10) alunos cada,
no período vespertino. Em seu conteúdo estavam previstas as seguintes temáticas: técnicas da
produção orgânica, manejo do solo, produção de sementes e mudas, transplante, colheita,
comercialização e logística de produtos orgânicos. Essa ação foi realizada através do Projeto
Plantando a Paz, fruto de uma parceria entre a FUNDASE e a Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ),
por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (PRONATEC). Na imagem, a
seguir, vemos a construção da horta orgânica durante as primeiras fases de execução do projeto:
Imagem 5 – Construção da horta orgânica pelos adolescentes do CEDUC Pitimbú
Fonte: NASCIMENTO; Viviane, 2018
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Todos esses cursos realizados, apesar de muitas vezes serem de curta duração e com
turmas pequenas – devido ao protocolo de segurança da instituição – foram muito bem
recebidos pelos adolescentes, de modo que praticamente sempre há adesão de todos os
selecionados para a atividade e as tarefas são muito bem desempenhadas. Devido ao tamanho
das turmas, são priorizados, para cada curso ofertado, os adolescentes que ainda não realizaram
algum dos cursos ou encontram-se sem participar das atividades na instituição.
É uma tarefa muito complexa restringir direitos de uma parcela da população que
encontra-se vivenciando em todas as esferas, uma inclusão perversa, pois é exatamente esse o
perfil dos adolescentes em conflito com a lei; passaram a vida privados do acesso até mesmo
do mínimo para suprir suas necessidade básica, vivenciando os mais diversos conflitos, sendo
a morte sua vizinha da porta ao lado, armas e tráfico uma realidade não muito distante.
3.2 Direitos negados ou garantidos ao adolescente egresso, autor do ato infracional, da medida
socioeducativa de privação de liberdade no processo da reinserção social
A cotidianidade apresentada anteriormente, através das expressões da negação do acesso
aos direitos básicos dos adolescentes privados de liberdade, no processo de reflexão sobre os
enfrentamentos revela, para além das demandas dos adolescentes na instituição, o papel dos
sujeitos sociais responsáveis por assegurar condições dignas de vida para esses adolescentes.
Nesse sentido, o Estado e a sociedade civil são os mais omissos na efetivação dos direitos
referentes a vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura e
dignidade para as classes subalternizadas. No cenário circunscrito na atualidade é vivenciado o
desemprego estrutural, o sucateamento das políticas públicas, a precarização e flexibilização
das relações de trabalho, além dos cortes orçamentários nas políticas sociais que tem
rebatimentos em todas as esferas e classes sociais, todavia, mostra-se ainda mais impiedosa
para os sujeitos sociais retratados neste trabalho, sobretudo em virtude da invisibilidade sofrida;
mesmo que o próprio ECA legisle neste propósito.
São crianças e adolescentes que crescem em meio a uma socialização precária – no
contexto familiar, escolar, econômico, recreativo, nos vínculos sociais e políticos, nas lutas
populares – que resulta cada vez mais em seu processo de marginalização face ao entendimento
e preparo para lidar com a realidade contraditória que lhe permeia em todos os espaços, e não
lhe possibilita assumir sua identidade e fazer suas escolhas dentro de um contexto de igualdade
e equidade social. São, dessa forma, nas palavras de Prado (2014, p. 48) “[...] alvos de uma
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violência social, expressa na falta de projetos de vida, no desemprego e nas dificuldades de
acesso a políticas públicas de qualidade”.
Nos constantes diálogos sobre o futuro com os adolescentes cumprindo medida de
privação de liberdade no CASE Pitimbu marcou a autora as falas dos adolescentes que remetiam
a imprevisibilidade da vida fora da instituição, sobretudo, em virtude de dívidas, inimizades,
desafetos familiares e as marcas deixadas pelo cumprimento da medida. Muitos deles
apresentaram em suas falas o interesse de mudar de estilo de vida, deixando a prática de delitos
e a vida inconstante para trás, todavia, relatam dificuldades na realização desse plano, conforme
fala de João Silva a seguir:
A gente queria deixar tudo pra trás. Largar mão de tudo, ficar no sossego, mas
nunca se sabe o dia de amanhã. Tem uns aqui que já tem marca e querendo ou
não a gente já sai daqui com uma outra marca. Ninguém vai empregar um cara que veio do CEDUC. A gente sabe disso e isso desanima. A gente tem sonhos,
mas não sabe se vai conseguir né (SILVA, 2018).
A fala do João contempla muito das angústias sentidas pelos adolescentes do CASE
Pitimbu e, possivelmente, expressa os sentimentos de toda uma classe. O sentimento do não
pertencimento, da vida já subscrita para um jovem pobre, morador de comunidade, que só vê a
oportunidade de crescer através do estudo, da malandragem ou da família rica e a ele não restou
tanta chance de escolha. Ele cresce em meio àquilo tudo e uma escolha errada ou um passo não-
tão-bem pensado gera uma reação com destino certo. No fim é tudo muito conveniente. São
feitas mais prisões do que escolas por uma posição bastante explícita do Estado. Assim como
existem mais políticas pós-factuais que preventivas por outro bom motivo.
Marcados pela facção, eles veem nela uma forma de mudar de vida. Veem nela uma
instituição que garanta sua dignidade e lhe dê oportunidades de crescer – diferente do Estado
visto na figura repressiva dos policiais a qual eles só detêm ódio. Marcados por não terem outra
escolha, ou fazia esta escolha, ou ele e a família morreriam. Para o defensor público, Muniz
Freire, do Núcleo de Atendimento ao Jovem e Adolescente em Conflito com a Lei, a
preocupação é com os adolescentes que agem por ameaças, conforme fala a seguir:
Esses jovens são punidos porque são ameaçados e depois punidos pelo
Estado por evitar a própria morte. A gente tem de ter cuidado em não
fazer pré-julgamentos, porque nesse caso eles são mais vítimas do que
infratores. Imagina o jovem ali, coagido, ouve: 'ou faz, ou mato você e
sua família'? Eles não precisam de internação, mas precisam ser
acolhidos por um programa de proteção.
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São muitas as realidades que levaram os adolescentes ao centro de atendimento
socioeducativo, todavia, não cabe a autora estender a discussão sobre as causas, tendo em vista
o objetivo deste capítulo centrar-se na problematização dos impactos da medida socioeducativa
na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso em seu processo de reinserção social.
Nesse sentido, a “outra marca” discorrida por João em sua fala decorre do processo de
estigmatização comumente vivenciado por egressos, tanto de medidas socioeducativas quanto
de prisões. Essa estigmatização em decorrência da experiência em um centro de atendimento
socioeducativo, segundo os adolescentes, prejudica mais ainda o acesso deles ao mercado de
trabalho e a conclusão dos estudos. Eram constantes no CASE Pitimbu as reclamações e
insatisfações em virtude do cumprimento da medida, por isso, no projeto de intervenção
realizado pela autora na instituição com os adolescentes, foi-lhes questionado se apesar de toda
a crítica que se faz a forma que o sistema se organiza e é regido, se havia algo de positivo no
cumprimento da medida socioeducativa. Em um primeiro momento todos riram e a olharam de
maneira exclamativa como se isso já dispensasse qualquer palavra, mas após a autora despertar
provocações quanto a qualquer momento vivenciado lá dentro, alguns deles apresentaram um
pouco do significado da medida socioeducativa na vida deles através das seguintes falas:
“Acho que os atendimentos com a equipe técnica foram bons. Às vezes a gente
só quer sair dessas grades e parar de pensar um pouco pra não arriar. Aqui dentro de certa forma é um aprendizado, mas a vontade de sair daqui é maior”
(Bruno).
“Sempre que sinto saudade, imagino que cada pessoa querida é tão bonita e brilhante como as estrelas que estão no céu. Sempre que sinto saudade olho
para lá e as vejo. E continuo firme. Faço minha parte. Lembro que cada dia no
sossego é um dia mais perto da minha saída desse lugar” (Cayo).
“Tem vez que eu vou dormir e sonho com a liberdade, mas quando acordo e
vejo que estou trancado fico indignado. Mas é a vida e não é por isso que eu
vou parar. Fazendo a escolha certa nossas vidas vão mudar” (Nicolas).
Através das falas dos adolescentes é perceptível as nuances do processo de apropriação
e entendimento do papel da medida socioeducativa em suas vidas, todavia, por vezes, observado
pela autora, o trabalho desenvolvido pela equipe responsável pelos adolescentes na instituição
centralizava e enfatizava o aspecto da responsabilização do adolescente quanto ao ato
infracional praticado, sem em nenhum momento, habilitá-los quanto ao importante papel de
responsabilidade da instituição em sua reintegração social com a garantia de seus direitos
individuais.
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O Sinase aponta em seus documentos legais um acompanhamento diferenciado aos
egressos do sistema socioeducativo. Nas diretrizes do Plano Nacional de Atendimento
Socioeducativo (2014), se prevê a garantia do direito à educação para os adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como
estudantes e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema
socioeducativo.
Através da lei 12.594/12, em seu art. 11, parágrafo V, são estabelecidos requisitos
obrigatórios para a inscrição de programa de atendimento e nele determina que sejam previstas
ações de acompanhamento do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa. Já
em seu art. 25 aponta que a avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá
por objetivo, no mínimo verificar a situação do adolescente após cumprimento da medida
socioeducativa – tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais e
familiares – e verificar reincidência de prática de ato infracional.
No plano estadual de atendimento socioeducativo tem-se como objetivo acompanhar os
adolescentes egressos do sistema socioeducativo através das seguintes metas:
[...] orientar e fornecer subsídios técnicos para a construção de instrumentos e
ferramentas (cartilhas, manuais, etc.) de acompanhamento dos adolescentes egressos das medidas socioeducativas de meio aberto; construir instrumentais
e ferramentas de acompanhamento dos adolescentes egressos das medidas
socioeducativas de meio fechado; incentivar os Municípios a ofertarem o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) aos
adolescentes egressos como grupo prioritário, de acordo com as normativas
do SUAS; fortalecer o Programa de Apoio à Família e Egressos (PAFE) da
FUNDAC; e, garantir a oferta regular de educação básica, tecnológica e profissional para os egressos do sistema socioeducativo (Plano Estadual de
Atendimento Socioeducativo, 2014, p. 37).
Essas metas tiveram seus ciclos iniciados em 2015 e devem estar sendo concluídas até
2024, o que demonstra que são serviços e/ou programas que estão sendo implantados muito
recentemente e que requerem um rigor e fiscalização maiores para que sejam implantados
eficazmente.
Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (2013), em cerca de 81,5%
das unidades de medida socioeducativa no país, não há atendimento aos egressos e a suas
famílias pela equipe técnica da unidade, isto de acordo com as justificativas apresentadas, a
maioria dos casos devido ao déficit de técnicos das equipes multidisciplinares dentro das
unidades. No exame por regiões, em todas elas os índices são preocupantes. No caso do
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Nordeste, 89,6% das unidades de internação não oferecem acompanhamento ao egresso. Desse
panorama, observou-se dentre as unidades de internação que oferecem atendimento
multidisciplinar aos egressos quantas delas atuavam no fomento à inserção do mesmo na rede
regular de ensino: no Nordeste e Norte, os percentuais não chegam a um terço. Das poucas
unidades de internação que fornecem assistência ao egresso, apenas uma pequena parcela inclui
em seus objetivos sua inserção em cursos profissionalizantes. Nas unidades do Nordeste temos
o menor índice do Brasil que é de apenas 14% (CNMP, 2013).
Segundo dados da Prefeitura Municipal do Natal sobre programas ou redes de apoio no
Estado do Rio Grande do Norte para adolescentes egressos, em 2010 e 2011, identificou-se o
Programa “ProJovem Adolescente”, fruto de parceria entre a Secretaria Municipal de Trabalho
e Assistência Social (SEMTAS) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE) que tinha como objetivo qualificar e capacitar adolescentes nas áreas de
empreendedorismo e ações comunitárias. No período de 2010, o foco era capacitar os
adolescentes do Programa para os trabalhos que iriam surgir na Copa do Mundo, priorizando,
dessa forma, a geração de emprego e renda que esse evento proporcionaria (NATAL, 2010).
O Programa ProJovem, em linhas gerais, era um serviço de convívio de assistência
social que se constituía como uma forma de complementar a proteção básica à família através
de mecanismos para “garantir a convivência familiar e comunitária e criar condições para a
inserção, reinserção e permanência do jovem no sistema educacional” (NATAL, 2010).
Todavia, ele não era um programa exclusivo para os egressos do sistema socioeducativo, mas
sim um programa prioritário, o que implicava a participação de egressos de outros programas
como os do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e Programas de combate ao
abuso e à exploração sexual. No mais, era um programa restrito a adolescentes na faixa etária
entre 15 e 17 anos (NATAL, 2010). Assinala-se, nesse contexto, a fragilidade deste programa,
visto que não contemplava nem metade da parcela da população egressa das medidas
socioeducativas, além de não ser um programa que considerasse as particularidades desse
público. Alguns anos mais tarde, o programa foi extinto, sendo designado estritamente aos
centros de atendimento socioeducativo a tarefa de realizar o acompanhamento de seus
respectivos adolescentes egressos.
Através do estágio realizado no CASE Pitimbu – por meio do envolvimento no trabalho
com a equipe técnica da instituição - a autora teve acesso a informação da não existência de
acompanhamento dos adolescentes egressos da unidade. Segundo a equipe, com a decisão da
juíza da vara da infância, da juventude e do idoso favorável a saída do adolescente da
instituição, é condicionada sua liberdade ao acompanhamento do adolescente em regime de
65
liberdade assistida ou outro tipo de medida em meio aberto. Em outras palavras, por ser
concedido ao adolescente a progressão de medida e ele continuar sendo assistido por outra
instituição de cumprimento de medida socioeducativa, não se transfigura como imprescindível
a instituição primária continuar o acompanhamento, tendo em vista também a alta demanda que
a equipe já possui na própria instituição.
O não cumprimento do acompanhamento dos egressos das medidas socioeducativas
pelos centros de atendimento socioeducativos, delegando uns aos outros essa responsabilidade,
configura-se uma violação ao art. V da lei 12.594, além de se constituir uma forma de privação
de direitos, uma vez que sem a referência e a contrarreferência do atendimento desses
adolescentes, não se tem como mensurar questões muito importantes que possibilitem inclusive
a implementação de políticas efetivas de atendimento socioeducativo que contemplem as
particularidades e garantam os direitos fundamentais dos adolescentes egressos das instituições
do Estado do Rio Grande do Norte.
No Plano Municipal Decenal de Atendimento Socioeducativo do Município de São
Tomé/RN é relatado a insuficiência de Programa de Acompanhamento do Egresso no Estado e
particularmente no município de São Tomé. Por conseguinte, são elucidadas ações, sobretudo
no tocante ao meio sociofamiliar, mediante atuação de equipe multidisciplinar, para
monitoramento e acompanhamento contínuo dos efeitos da medida socioeducativa na vida do
adolescente egresso. Para tanto, são elencados cinco (5) eixos que explicitam ações
intersetoriais a serem desenvolvidas com os egressos, sendo eles: eixo 1 - educação; eixo 2 -
saúde; eixo 3 - assistência social; eixo 4 - cultura, esporte e lazer; e, eixo 5 - capacitação,
profissionalização e trabalho (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).
Para a criação das ações apresentadas no Plano Municipal Decenal de Atendimento
Socioeducativo foi realizado um diagnóstico situacional por eixo no objetivo de elencar as
principais dificuldades e impedimentos na consolidação da garantia de direitos do adolescente
egresso da medida de privação de liberdade, que se encontra em acompanhamento em meio
aberto, seja pela medida de prestação de serviços à comunidade ou medida de liberdade
assistida. Assim sendo, as ações quando implementadas teriam a missão de auxiliar na
superação das principais dificuldades apresentadas pelos egressos no acesso a educação, saúde,
assistência social, cultura, esporte, lazer, capacitação, profissionalização e trabalho (RIO
GRANDE DO NORTE, 2015).
No que concerne ao eixo da educação, foram relatadas dificuldades: para matrícula
escolar, pois algumas escolas costumam alegar a inexistência de vagas quando informadas que
o adolescente é egresso de medida socioeducativa; para efetiva frequência e assiduidade do
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adolescente egresso às aulas, por motivo de dificuldade escolar, desmotivação, desinteresse ou
tratamento diferenciado da turma e dos professores em virtude do conhecimento que o
adolescente é egresso de medida socioeducativa; para acompanhamento dos conteúdos
ministrados, pela defasagem no aprendizado; para cooperação e participação da família nas
reuniões da escola, no auxílio das atividades de casa, no incentivo a educação do adolescente e
no monitoramento do desempenho escolar; para entendimento da escola que ela tem o seu
papel, por sinal muito importante, na vida desse adolescente e que seu envolvimento e
cooperação são fundamentais para seu bom desempenho e sucesso acadêmico (RIO GRANDE
DO NORTE, 2015).
As dificuldades apresentadas no eixo da saúde dizem respeito a: ausência de programa
oficial ou comunitário para tratamento a toxicômanos, principalmente em regime de internação;
acesso e acompanhamento continuado a serviços de saúde. No tocante ao eixo da assistência
social, como dificuldade foram elencadas: a deficiência na rede de serviços para realização de
trabalho com as famílias dos adolescentes egressos; especificamente em relação à medida de
Liberdade Assistida, as adversidades encontradas em sua execução referem-se ao número
reduzido de orientadores disponíveis para o acompanhamento do adolescente egresso. Quanto
ao eixo de cultura, esporte e lazer são relatadas dificuldades na: oferta de equipamentos para
realização de atividades esportivas; oferta de amostras culturais, exposições e apresentações
artísticas; arrecadação de material para confecção de artesanato. Por fim, como dificuldades
mapeadas no eixo da capacitação, profissionalização e trabalho são apresentados: o déficit de
empregos formais; baixa escolaridade dos adolescentes egressos; desinteresse do adolescente
egresso para inscrição em cursos profissionalizantes; as ofertas incompatíveis com a
necessidade e/ou interesse do adolescente egresso (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).
Após o mapeamento, foram elencadas diversas ações como forma de enfrentamento das
dificuldades diagnosticadas, sendo: a realização de palestras e dinâmicas temáticas; a confecção
de material de campanha para incentivo aos adolescentes egressos; a realização de oficinas que
fomentem o debate da importância da formação qualificada; a elaboração de cartilhas temáticas;
a capacitação dos egressos através de cursos e minicursos de interesse deles; a oferta de
seminários para os professores, alunos e familiares sobre o processo de inclusão social; a
inserção dos adolescentes em atividades como festivais, campeonatos, olimpíadas, jogos
estudantis, grêmio estudantil; a realização de atividades opcionais de diversas modalidades
culturais e esportivas e de iniciação técnica no contra turno escolar (RIO GRANDE DO
NORTE, 2015).
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Nesse sentido, torna-se imprescindível a articulação entre as equipes multidisciplinares
das medidas socioeducativas de privação de liberdade e medidas em meio aberto para
articulação dessas ações com o objetivo de fornecer suporte continuado ao adolescente em
cumprimento de medida socioeducativa. Através dessas ações é possível se pensar em um
projeto de inclusão social efetivo que contemple as necessidades dos egressos e, sobretudo,
auxilie no processo de não-reincidência a prática de novos atos infracionais e sua reinserção
social. Todavia, tendo em vista o sistema socioeducativo como se articula (ou não se articula)
hoje, é fato que os centros de atendimento não conseguem garantir o acesso desses adolescentes
egressos a seus direitos fundamentais, assim como as ações continuadas que são realizadas nos
Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) — quando o adolescente egressa da
instituição de socioatendimento de privação de liberdade para cumprimento em meio aberto de
prestação de serviço à comunidade — ainda não conseguem ser efetivos no processo de
reinserção social. Isto se explica, conforme exposto através das dificuldades que as equipes
multidisciplinares dos centros de atendimento socioeducativo de todo país, mas particularmente
do Estado do Rio Grande do Norte apresentam.
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4 Considerações finais
Através deste trabalho buscou-se conhecer um pouco da realidade vivenciada tanto
pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa quanto dos adolescentes com
progressão de medida que se encontram em meio aberto cumprindo medida socioeducativa de
liberdade assistida ou medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade. Para tanto,
foram apresentados alguns dados da realidade dos Centros de Atendimento Socioeducativo do
Estado do Rio Grande do Norte, em especial do CASE Pitimbú, local que a autora realizou
estágio curricular obrigatório.
Para problematização, partiu-se do pressuposto que os determinantes históricos são
essenciais na análise da garantia (ou não) dos direitos a reinserção social do egresso, tendo em
vista que as promulgações das legislações foram conquistas sociais - fruto de embate e
tensionamentos - sobretudo em razão do explícito partido que o Estado tinha de legislar somente
quando pertinente à causas econômicas em detrimento de desempenho e cooperação quanto as
causas sociais.
É fato que existem falhas na aplicação das medidas socioeducativas e dessas falhas
depreendem implicações que acompanharão o adolescente após o cumprimento da medida. O
adolescente muitas vezes não tem tantas escolhas que o ajudem, lhe amparem para que consiga
sair da situação de miserabilidade e vulnerabilidade a qual se encontra. Por conseguinte, na
realidade a qual ele faz parte e tem ciência que vai voltar, o adolescente se vê sem saída quando,
sua família sendo financiada por uma facção, está ciente que deverá pagar a dívida ou terá que
ofertar a vida em troca.
E mesmo o Estado ciente de todos esses fatos que cotidianamente encontram-se
estampados nos mais diversos jornais, ainda se faz omisso para as questões da infância e
juventude. Se o adolescente tem chances de sair da situação que se encontra estas são poucas,
estas não são realizadas através do suporte do Estado que é mínimo para as questões sociais.
Se tratando dos índices de reincidência, uma série de fatores - resultados de dívidas,
ameaças e inimizades - fora da instituição o impedem de direcionar sua vida ao que se propôs
em suas reflexões enquanto se encontrava cumprindo medida de internação. E são esses fatores
que o fazem regressar ao mundo do crime, o que traz questionamentos mais uma vez ao papel
do Estado frente a essas questões, visto que se existissem programas efetivos de
acompanhamento e monitoramento (não fiscalização) desses adolescentes egressos
possivelmente o número de reincidentes seria ainda mais baixo.
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Os meios que este adolescente tem para se manter após sua saída da instituição não são
muito diferentes dos que ele tinha antes de entrar na instituição. Com o aporte da família que é
praticamente a única instituição que ainda está ao seu lado, ele tenta se manter e manter a
família, especialmente através de trabalhos informais. E nessa rotina tumultuada, finda com o
adolescente não dando muita importância para os estudos. O desinteresse surge também em
virtude dos equipamentos escolares públicos: que mal tem aula, mal tem cadeira, mal o
professor vai (adoecimento em razão da precarização do trabalho), que mal alguém se forma.
No CASE Pitimbú os adolescentes muitas vezes reclamaram pois não recebiam nenhum
certificado dos cursos que realizaram na instituição. E em realidade, em todas as saídas que a
autora presenciou, foram poucos os que saíram em posse de algum certificado. Muitas vezes é
como se as atividades ofertadas na instituição fossem mais uma forma de mantê-los ocupados
do que realmente visando a capacitação e profissionalização deles. É mais como se o Estado
estivesse tirando-os das ruas e institucionalizando-os para passar uma falsa ideia de necessidade
para diminuição da violência. Com o falso discurso de que a marginalidade é o melhor caminho
para isso. Nesse sentido, é assinalado que os direitos das crianças e dos adolescentes não são
prioridades de garantia, e, portanto, podem esperar mais alguns anos para que se efetivem.
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Referências
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