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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: APRENDIZAGEM E TRABALHO PEDAGÓGICO A FORMAÇÃO E A PRÁTICA PEDAGÓGICO-MUSICAL DE PROFESSORES EGRESSOS DA PEDAGOGIA Walkíria Teresa Firmino Lobato Brasília-DF Fevereiro de 2007

Pedagogia e Egressos Musical

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A formação e a prática pedagógico-musical de professores egressos da pedagogia. walkiria teresa firmino

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO: APRENDIZAGEM E TRABALHO PEDAGGICO

    A FORMAO E A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DE

    PROFESSORES EGRESSOS DA PEDAGOGIA

    Walkria Teresa Firmino Lobato

    Braslia-DF

    Fevereiro de 2007

  • WALKRIA TERESA FIRMINO LOBATO

    A FORMAO E A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DE PROFESSORES

    EGRESSOS DA PEDAGOGIA

    Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de Braslia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao, rea de concentrao - Aprendizagem e Trabalho Pedaggico, sob a orientao da Prof. Dr. Ilma Passos Alencastro Veiga.

    Braslia - DF

    Fevereiro de 2007

  • WALKRIA TERESA FIRMINO LOBATO

    A FORMAO E A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DE PROFESSORES

    EGRESSOS DA PEDAGOGIA

    Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Ilma Passos Alencastro Veiga UnB Orientadora

    Prof. Dr. Maria Ins Diniz Gonalves UFG

    Prof. Dr. Lvia Freitas Fonseca Borges UnB

    Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz UnB

    Braslia, fevereiro de 2007.

  • AGRADECIMENTOS

    Professora Dr. Ilma Passos Alencastro Veiga, que me orientou neste trabalho de

    pesquisa com grande sabedoria.

    A Aldino Graef, pelo incentivo e apoio compartilhando mais um momento

    significativo em nossas vidas.

    A Rachel Firmino Lobato, minha me, uma referncia de comportamento tico e de

    musicalidade.

    Professora Dr. Lvia Freitas Fonseca Borges, ao professor Dr. Cristiano Alberto

    Muniz e ao professor Dr. Estrcio Mrquez Cunha pelas importantes contribuies no

    momento de qualificao do projeto.

    Professora Dr. Maria Ins Diniz Gonalves pela aceitao ao convite para

    participar da banca de defesa.

    Professora Ms. Maria Beatriz Miranda Lemos e Professora Dr. Mrian Barbosa

    Tavares Raposo com quem tive a oportunidade de compartilhar reflexes.

    A meus colegas e professores de mestrado pelas trocas significativas.

    s Professoras da Pedagogia, professoras das sries iniciais e seus alunos pela

    colaborao como interlocutores da pesquisa.

    Ao Coordenador da Graduao da Faculdade de Educao pelas importantes

    informaes sobre o curso de Pedagogia.

    A Leila e Eric, meus filhos, pelo incentivo e compreenso sempre presentes e

    indispensveis.

  • Ns sentamos na platia para ver uma pea, ouvimos uma msica, ou passeamos pelas frescas galerias da casa do Papa em Roma e, de repente, tomamos conhecimento de que temos paixes nas quais jamais havamos pensado, pensamentos que nos assustam, prazeres cujo segredo nos havia sido negado, tristezas que havamos escondido de nossas lgrimas. O ator no tem conscincia de nossa presena; o msico est pensando nas sutilezas da fuga, na tonalidade de seu instrumento; os deuses de mrmore, que sorriem de modo to curioso, so feitos de pedra insensvel. Porm nos deram forma e substncia ao que estava dentro de ns; nos permitiram dar forma concreta a nossas personalidades; uma sensao de alegria perigosa ou algum toque de arrepio de dor ou aquela estranha autopiedade que o homem tantas vezes sente, nos avassala e nos deixa diferentes.

    Oscar Wilde

  • RESUMO

    A presente dissertao tem por objetivo refletir sobre as possibilidades e os limites da

    formao pedaggico-musical no curso de Pedagogia e suas implicaes para a prtica

    pedaggica nas sries iniciais do Ensino Fundamental. Essa reflexo ocorre a partir da

    anlise das percepes dos professores da Pedagogia e alunos egressos, que atuam nas

    sries iniciais como docentes, assim como a partir da observao da prtica pedaggico-

    musical nessas sries. A metodologia privilegiou a abordagem qualitativa e a utilizao dos

    procedimentos: observao, entrevistas semi-estruturadas, anlise documental e grupo

    focal. O referencial terico que respaldou o estudo tem como destaque os autores Imbernn

    (1998, 1999, 2004), Tardif (2002) e Veiga (2002, 2003), para a formao de professores,

    Vsquez (1977), para a prtica pedaggica, e Swanwick (1979, 1993, 2003), para a

    Educao Musical, compondo os trs eixos da pesquisa. Foram identificados avanos

    pontuais alcanados por meio da disciplina voltada para a formao pedaggico-musical na

    Pedagogia, entre eles a motivao que levou as professoras a tentativas de incluso da

    Educao Musical na escola. Entretanto, a formao pedaggico-musical apresenta alguns

    limites, entre os quais: situao marginal dessa formao na Pedagogia limitada a uma

    disciplina; falta de formao musical pr-universitria dos alunos; falta de professor do

    Quadro; fragmentao disciplinar; desarticulao com a instituio responsvel pelas

    escolas, que compromete a prtica de estgio e pesquisa. Os professores formadores e

    egressos tm conscincia dos limites dessa formao. Foram tambm identificadas

    mudanas necessrias para superar esses limites, como: repensar a filosofia do curso;

    promover a formao de slidos saberes das diversas reas incluindo a msica, articulados

    entre si e com os demais saberes pedaggicos, numa formao contextualizada por meio de

    estgio, pesquisa e extenso e trabalho colaborativo, incluindo o Departamento de Msica.

    Essas medidas devem ser combinadas com uma poltica de formao continuada e a

    insero da Educao Musical na Educao Bsica. No possvel estabelecer relao

    direta entre formao e prtica pedaggica, considerando a formao como um processo

    amplo, permanente, no-linear e a prtica pedaggica como atividade complexa que

    envolve muitos fatores, contextos e sujeitos diferentes. Entretanto, h relao entre a

    situao marginal da msica nas escolas e na instituio formadora, que est ligada

    perspectiva funcional da msica predominante na sociedade e na educao. As condies

  • de formao e de profissionalizao so fatores fundamentais para a insero da msica na

    escola. Condies favorveis a uma prtica pedaggico-musical criadora foram

    encontradas em apenas um dos casos acompanhados, graas filosofia da escola, que

    valoriza a formao integral. Os alunos das sries iniciais deram o testemunho da presena

    da msica em sua vida familiar, nos momentos de diverso e na prtica religiosa, assim

    como expressaram seu interesse pela Educao Musical na escola.

    Palavras-chave: Formao de Professores, Prtica Pedaggica e Educao Musical.

  • ABSTRACT

    This paper aims at analyzing the possibilities and limits of musical-pedagogical training in

    the Pedagogy course as well as its implications in relation to the practice of pedagogy in

    the first grades of elementary school. This evaluation is the result of an analysis of

    perceptions of Pedagogy teachers and former students who work as trainers in initial

    grades, and also from the observation of musical-pedagogical practice in these grades. The

    methodology used focused on a qualitative approach and use of the following procedures:

    observation, semi-structured interviews, document analysis and focal group. The

    theoretical reference used to support the study is based on Imbernn (1998, 1999, 2004),

    Tardif (2002) and Veiga (2002, 2003) in relation to teachers' training, Vsquez (1977) in

    relation to pedagogical practice, and Swanwick (1979, 1993, 2003) in relation to Music

    Education, making the research threefold. Advances have been identified in musical-

    pedagogical training in Pedagogy, among which the motivation that led teachers to try and

    include Music Education in their schools. However, musical-pedagogical training poses

    some limitations, among which: the marginal situation of this training in Pedagogy, limited

    to one subject; students lack pre-university musical training; there are not enough teachers;

    fragmentation of subject; no links with the institution responsible for schools, which

    compromises internships and research. Trainers and former students are aware of the

    training's limitations. Necessary changes have also been identified in order to overcome

    these limitations, such as: a re-evaluation the course's philosophy and promotion of sound

    knowledge in several areas, including music, connecting it to other pedagogical

    knowledge, in a contextualized training that includes internship, research and extension,

    and collaborative work, together with the Music Department. Those measures must be

    combined with a policy of continued training and insertion of Music Education in

    elementary and secondary schools. It is not possible to establish a direct relation between

    pedagogical training and practice, because training is a broad, permanent, non-linear

    process, while pedagogical practice is a complex activity that involves multiple factors,

    contexts and different subjects. However, there is a relation between the marginal situation

    of music in schools and training institutions, which is linked to a prevailing functional

    perspective of music in society and education. Training and professionalization conditions

    are fundamental factors in order to insert music in schools. Favorable conditions to a

  • creative musical-pedagogical practice were only found in one of the cases monitored, due

    to the school's philosophy, which values integral formation. First-grades students have

    testified on the presence of music in their family lives, moments of fun and religious

    practice, and have also expressed interest in Music Education at schools.

    Key words: Teachers' Training; Pedagogical Practice and Music Education.

  • LISTA DE FIGURAS E QUADROS

    Quadro 1 Sntese da relao entre questes e objetivos de pesquisa ..........................23

    Figura 1 O trip do referencial terico ......................................................................24

    Quadro 2 Demonstrativo das escolas pesquisadas.......................................................69

    Quadro 3 Calendrio do trabalho de campo.................................................................75

    Quadro 4 Sntese da relao entre questes, objetivos e procedimentos de pesquisa..77

    Quadro 5 Sntese geral da pesquisa .............................................................................85

  • SUMRIO

    INTRODUO....................................................................................................................13

    1. A MSICA E A DOCNCIA COMO MOTIVAO DA PESQUISA...............15

    2. ENCONTRO COM MEUS REFERENCIAIS TERICOS..................................24

    2.1. A formao de professores no contexto da educao e da sociedade atual ..............25

    2.1.1. Em busca da profissionalizao................................................................................. ..26

    2.1.2. A formao de professores e o processo de transio............................................27

    2.1.3. O tecnlogo de ensino nas diretrizes de formao de professores .....................29

    2.1.4. A perspectiva da formao do professor como agente social ..............................31

    2.2. Prtica pedaggica como prxis social .....................................................................34

    2.2.1. Relao entre teoria e prtica ........................................................................................36

    2.2.2. Prxis criadora e prxis reiterativa ..............................................................................36

    2.3. Educao musical: concepo e princpios................................................................39

    2.3.1. Educao Musical Criadora e Educao Musical Reiterativa.........................42

    2.3.2. A trajetria da Educao Musical no Pas .................................................................46

    2.3.3. A Arte e a Msica com a reforma educacional ..............................................49

    2.3.4. A situao da Msica nas escolas ................................................................................52

    2.3.5. A situao da Msica nas escolas pblicas do Distrito Federal ..........................54

    2.3.6. A Msica no currculo das escolas pblicas do Distrito Federal....................55

    2.3.7. A formao de professores para atuarem em Educao Musical nas sries

    iniciais do Ensino Fundamental................................................................................58

    2.3.8. A pesquisa em Educao Musical no Pas ................................................................59

    3. METODOLOGIA: OS RUMOS DA PESQUISA .......................................................65

    3.1. O local, as instituies e os interlocutores da pesquisa ............................................66

    3.1.1. As instituies.................................................................................................67

    3.1.2. Os interlocutores.............................................................................................70

    3.1.2.1. As professoras da Pedagogia............................................................70

    3.1.2.2. As professoras das sries iniciais do Ensino Fundamental...............71

    3.1.2.3. Os alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental......................72

  • 3.2. O processo de seleo das instituies e dos interlocutores da pesquisa..................72

    3.3. O trabalho de campo .................................................................................................74

    3.3.1. Procedimentos para a coleta e anlise de dados..............................................75

    3.3.1.1. Anlise documental..........................................................................77

    3.3.1.2. Questionrios e entrevistas semi-estruturadas..................................78

    3.3.1.3. Os grupos focais...............................................................................79

    3.3.1.4. A observao da prtica pedaggica................................................81

    3.3.2. Imprevistos e solues encontradas................................................................82

    3.4. A organizao e anlise dos dados ...........................................................................83

    4. A FORMAO PEDAGGICO-MUSICAL NA PEDAGOGIA.............................86

    4.1. As concepes de Educao Musical das professoras..............................................86

    4.2. As atividades desenvolvidas na disciplina Fundamentos da Linguagem Musical na

    Educao...................................................................................................................91

    4.3. A relao teoria e prtica na formao docente na perspectiva das professoras e

    egressas do curso.......................................................................................................95

    4.4. As condies de trabalho para uma Pedagogia musical...........................................99

    4.5. Avanos e limites da formao pedaggico-musical na Pedagogia por meio da

    disciplina Fundamentos da Linguagem Musical na Educao...............................102

    4.6. Sugestes das professoras para o aperfeioamento da formao pedaggico-musical

    na Pedagogia...........................................................................................................106

    5. A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DAS PROFESSORAS EGRESSAS....109

    5.1. As atividades desenvolvidas na prtica pedaggico-musical e suas concepes

    subjacentes..............................................................................................................109

    5.2. Relaes entre professor, aluno e Educao Musical e as condies para a prtica

    pedaggico-musical nas sries inicias do Ensino Fundamental..............................125

    5.3. A prtica pedaggico-musical entre prtica criadora e prtica reiterativa.............128

    6. POSSIBILIDADES E LIMITES DA FORMAO PEDAGGICO- MUSICAL E

    SUAS IMPLICAES PARA A PRTICA PEDAGGICA..................................131

    6.1. Consideraes finais: apenas uma pausa, pois a reflexo no acaba aqui.............141

    REFERNCIAS ...............................................................................................................143

    APNDICES .....................................................................................................................149

  • INTRODUO

    A sociedade atual, onde a informao e o conhecimento ocupam um lugar cada vez

    mais destacado em todos os campos da atividade humana, exige uma formao muito mais

    abrangente do que em pocas anteriores. O processo de produo incorpora cada vez mais

    conhecimentos e a pesquisa cientfica e tecnolgica constitui hoje o principal fator de

    desenvolvimento econmico e social dos pases, no contexto de uma economia

    globalizada. Assim como outras instncias, a educao tem novos desafios pela frente, com

    necessidade de mudana nos diversos nveis de ensino, inclusive na formao de

    professores. Esta deve considerar, alm de conhecimento, um conjunto de habilidades e

    capacidades necessrias como a seleo e o processamento da informao, a autonomia, a

    capacidade de tomar decises, o trabalho em grupo, a polivalncia, a flexibilidade, entre

    outras (IMBERNN, 1999).

    As estruturas e relaes sociais tornaram-se mais complexas na sociedade ps-

    industrial. O aumento das desigualdades entre as naes, com gigantesca concentrao de

    capitais nos pases ricos, uma realidade social marcada por forte concentrao de renda nas

    camadas mais ricas e excluso social dos setores mais pobres criam uma perspectiva social

    de dualidade. Para encarar tal situao necessrio que o professor compreenda a realidade

    social e possa, assim, defrontar os problemas de seu contexto de trabalho, relacionados aos

    problemas mais amplos da sociedade.

    No Brasil ainda enfrentamos uma profunda desigualdade social que deixa grande

    parte da populao excluda de seus bens, vivendo em situao de misria. O

    endividamento pblico e a crise financeira do Estado Nacional tm conduzido reduo

    crescente dos investimentos pblicos em vrios campos, inclusive na educao. Os

    esforos de universalizao do acesso educao sem polticas voltadas para a

    profissionalizao do magistrio, para a melhoria da qualidade da formao e das

    condies de trabalho e sem investimentos na infra-estrutura escolar tm dificultado

    avanos qualitativos na educao.

  • 14

    Essa limitao se expressa na contradio entre algumas proposies da reforma de

    ensino e sua concretizao na realidade escolar. Uma dessas contradies a da incluso,

    pois a universalizao do acesso no resolveu o problema da excluso, que se mantm sob

    uma nova forma, fenmeno analisado por Freitas (2002) como internalizao da

    excluso.

    Outra contradio presente quanto formao integral. Esta formao abrangente

    que inclui o desenvolvimento cultural, em que a arte parte integrante, est prevista na

    reforma de ensino. A Arte, considerada atividade educativa com o nome de Educao

    Artstica, na Lei anterior, hoje concebida como rea do conhecimento, componente

    curricular obrigatrio em toda a Educao Bsica, conforme os Artigos 26 e 32 da LDBEN

    9394/96. Os Parmetros Curriculares Nacionais (vol. 6), referencial nacional para a

    formao escolar, apresentam a arte e suas modalidades - Artes Visuais, Teatro, Msica e

    Dana - todas com objetivos e contedos prprios.

    Entretanto, o que vemos na realidade uma situao muito distinta. Como

    demonstram as pesquisas a Educao Musical no est presente nas escolas. Os

    professores especialistas no so suficientes para atender s necessidades, e a formao

    pedaggico-musical est ausente da formao de professores para as sries iniciais1 do

    Ensino Fundamental ou ocupa lugar marginal nessa formao. As pesquisas sobre a

    formao pedaggico-musical so ainda insuficientes. Como veremos na reviso

    bibliogrfica, concentram-se nas regies sul e sudeste e so raras nas demais regies. Por

    isto, esta pesquisa poder contribuir para o aprofundamento das reflexes sobre a formao

    pedaggico-musical. Esse desafio foi uma motivao para a pesquisa. Todavia, outras

    motivaes me levaram dedicao a este tema: encontram-se na minha histria pessoal e

    profissional, nas minhas relaes com a msica e a educao.

    1 Embora a Resoluo n 3/2005 do CNE/CEB defina Anos Iniciais como a nomenclatura a ser adotada, utilizei Sries Iniciais, porque essa a terminologia empregada nos documentos analisados, bem como em duas das trs escolas pesquisadas.

  • 15

    1. A MSICA E A DOCNCIA COMO MOTIVAO DA PESQUISA

    A temtica da pesquisa - a msica e a docncia - est muito presente em minha

    trajetria pessoal, acadmica e profissional. Com o resgate dessa memria, exponho minha

    relao com o tema e a motivao que me levou pesquisa.

    Minha relao com a msica vem da infncia, influenciada pela musicalidade

    materna e pela tradio musical de minha terra natal, So Joo del-Rei. Eu me formei em

    piano no curso tcnico-profissionalizante, o que s foi possvel pela existncia do

    Conservatrio Estadual de Msica da cidade. Nessa escola pblica meus cinco irmos e eu

    estudamos msica e dois deles tornaram-se msicos profissionais.

    A docncia veio aos dezessete anos, em 1977, no mesmo Conservatrio de Msica

    onde eu estudava. No era uma opo na poca, mas essa experincia resultou numa

    grande identificao com a profisso.

    Os primeiros anos foram de testar hipteses, reproduzindo as boas referncias, mas

    com limitaes, que hoje atribuo falta de uma slida formao pedaggico-musical. Uma

    dessas referncias surgiu em minha vida estudantil, marcando-a profundamente. No Ensino

    Fundamental no tive um desempenho muito bom, mas com mdia suficiente fui

    avanando de uma srie para outra, sem, no entanto, empenhar-me com afinco nos estudos.

    No incio do Ensino Mdio, essa situao foi alterada. A confiana em minhas

    possibilidades, resgatada com a ajuda de um professor de piano, levou-me a uma dedicao

    maior aos estudos, possibilitando um crescimento, tanto no curso de piano quanto no curso

    regular, antigo 2 grau.

    A partir dessa experincia pude redimensionar o papel das condies subjetivas

    para a aprendizagem e o desenvolvimento. Alm das condies objetivas essenciais, so

    necessrias tambm condies subjetivas como a confiana do aluno em suas

    possibilidades, para que se dedique aos estudos. Levei essa compreenso para a docncia,

    adotando um comportamento cuidadoso com as relaes que envolvem professor, aluno e

  • 16

    conhecimento. Conforme Freire, o ato pedaggico um ato dialgico que envolve

    comunicao e subjetividade (FREIRE, 1996).

    Os primeiros anos de exerccio da profisso como professora de msica foram

    muito importantes tambm para minha formao poltica a partir da prtica social,

    inicialmente no movimento sindical de professores, que se estendeu para a participao

    poltica, num momento de grande radicalizao no Pas, que vivia um regime militar.

    Dessa experincia veio a conscincia da importncia das organizaes sindicais e polticas

    para a formao docente, que no se restringe aos limites das instituies educacionais.

    Como professora de piano, querendo aperfeioar-me, a princpio fui buscar a

    continuidade de estudos na graduao, no curso de bacharelado de msica, que era a

    formao que atendia s expectativas da instituio profissional. Muita vontade e

    dedicao pessoal, um curso bem conceituado da Universidade Federal de Minas Gerais e

    bons professores: parecia ser o necessrio para alcanar o objetivo. No entanto, o curso no

    era totalmente distinto do modelo da tradio dos conservatrios (FREIRE, V., 2001 e

    CASTRO, 1997), modelo tcnico voltado para a formao de msicos. Alm disso, no

    inclua a formao para a docncia, indispensvel para quem atua na profisso. O

    bacharelado em msica, como em diversas reas especficas, no considera essa

    necessidade; no entanto, muitos profissionais formados nesses cursos acabam atuando

    como professores. A falta de preparao para a docncia um problema presente nas

    diversas reas e nveis de ensino. Masetto (2003), Vasconcelos (1998), Pimenta e

    Anastasiou (2002), entre outros, analisaram essa situao na formao do professor

    universitrio, comum aos professores das ltimas sries do Ensino Fundamental e do

    Ensino Mdio.

    Por razes de carter pessoal, fui morar em So Paulo, em 1983, abandonando o

    curso de bacharelado, j em fase final. Desse curso ficou uma boa experincia em relao

    interpretao musical. Minha perspectiva profissional tambm foi alterada, pois deixei o

    ensino profissionalizante para atuar em escolas do ensino regular da periferia daquela

    metrpole, com a disciplina Arte Musical.

    Minha formao e experincia anterior pouco serviam para a nova realidade, que

    era de trabalho com classes coletivas, de trinta a quarenta alunos, sem os recursos de que

  • 17

    antes dispunha, com alunos que tinham outros interesses e valores. Assim, a busca de

    novas alternativas mostrou-se uma necessidade. Procurei, ento, conhecer melhor esses

    alunos, seus interesses, o que ouviam e o papel da msica em suas vidas. Esse esforo

    resultou numa aproximao com a comunidade local e tambm num conhecimento da

    msica veiculada pela mdia e da Msica Popular, que eram as principais referncias para

    os alunos.

    Se, por um lado, a experincia como professora do ensino regular contribuiu para

    minha formao pedaggica, pois eu trabalhava com profissionais organizados tanto em

    nvel profissional quanto em nvel poltico, com um trabalho coletivo institucional maior

    do que o existente nas escolas de msica, em cursos tcnicos, onde o isolamento muito

    marcante, por outro, levou-me a um distanciamento da formao especfica, pois naquele

    espao eu era a nica professora de msica.

    O trabalho nessas escolas possibilitou tambm uma aproximao com professores

    de outras reas, principalmente com os de Artes Visuais e de Teatro, com quem trabalhei

    em alguns projetos de Arte. Entretanto, no geral, na parte de msica, ainda permanecia a

    dificuldade para desenvolver o fazer musical, pois predominava uma abordagem terica

    sobre msica pelas condies de trabalho e, principalmente, pela formao inadequada

    para atuar nessa realidade.

    Nesse perodo, dcada de 1980, tambm participei de um momento em que os

    professores, bem como os demais trabalhadores, viveram grandes mobilizaes por

    questes salariais e polticas, o ciclo de greves incluindo greves gerais e o movimento para

    a redemocratizao do Pas. Na luta por melhores salrios e condies de vida, os

    professores se aproximaram de outras categorias de trabalhadores. Em So Paulo, na regio

    do ABCD - onde trabalhava - essa aproximao se deu com os operrios, que eram a

    vanguarda do movimento naquele momento e ns, professores, muito aprendemos com a

    organizao deles. Essa experincia contribuiu tambm para o desenvolvimento de uma

    conscincia poltica entre os professores, o que Freire (1996) e Giroux (1987), entre outros,

    consideram como um dos saberes necessrios para a prtica pedaggica. Para a educao,

    essas aproximaes so muito importantes tambm, pois criam uma situao favorvel ao

    conhecimento dos alunos das camadas populares, que hoje estudam nas escolas pblicas e,

  • 18

    muitas vezes, no so bem sucedidos por falta de adaptao da escola a suas expectativas e

    realidade de vida, que desconsiderada.

    Dando continuidade aos estudos e consciente da necessidade de buscar uma

    formao pedaggica, ingressei no curso de Licenciatura em Arte que formava professores

    para atuarem com as diversas modalidades artsticas em Educao Artstica, considerada

    atividade educativa, orientao introduzida pela Lei 5.692/71. Essa abordagem do ensino

    de arte levou a uma prtica caracterizada pela superficialidade no tratamento das diversas

    modalidades e at mesmo pela excluso de algumas, situao criticada por Duarte Jr

    (1981) e por pesquisadores no Simpsio Nacional sobre a Problemtica da Pesquisa e do

    Ensino Musical no Brasil (SINAPEM)2. Apesar disso, esse curso contribuiu para a

    aquisio de conhecimentos referentes s outras modalidades artsticas e Arte na

    educao, proporcionando uma viso mais geral da rea, o que no muito comum entre

    os professores de msica. Na ocasio, tambm tive acesso produo do movimento Arte-

    Educao, que estava em pleno desenvolvimento e com uma viso crtica da formao de

    professores da rea e das implicaes para a prtica pedaggica em Educao Artstica.

    Ao mudar para Braslia, em 1988, trabalhei em escolas de 5 a 8 srie do Ensino

    Fundamental, na periferia do Distrito Federal, experincia que no foi qualitativamente

    distinta da anterior em So Paulo. Dois anos depois fui trabalhar numa Escola-Parque,

    oportunidade que levou minha docncia em msica a um novo rumo.

    Essas escolas so destinadas ao desenvolvimento de Arte (Artes Visuais, Msica e

    Teatro), Educao Fsica e Literatura para alunos da rede pblica, matriculados no Ensino

    Fundamental, nas Escolas-Classe. Nas unidades em que trabalhei, a Educao Musical era

    desenvolvida por meio do canto em conjunto e de atividades referenciadas nos mtodos

    ativos, caracterizados por Penna (1990) como aqueles que partem da vivncia sonora para

    a formao de conceitos e a clarificao das estruturas da linguagem musical, mediante

    exerccios de percepo e expresso, incluindo o trabalho corporal. Essas atividades de

    vivncias dos elementos da msica nem sempre eram atividades focalizadas no sentido

    musical, que se perdia.

    2 SINAPEM, realizado em janeiro e em julho de 1987, em Joo Pessoa, Paraba.

  • 19

    Algumas condies favorveis, recursos materiais disponveis (instrumentos

    musicais) bem como um corpo docente com formao especfica nas diversas modalidades

    artsticas conviviam com outras desfavorveis. O grande nmero de alunos por turma, a

    quantidade de aulas semanais e de trabalho do professor no contribuam para o

    planejamento e a reflexo fundamentadas to necessrios ao aprofundamento do processo

    educativo. O trabalho coletivo era limitado pelo tempo dedicado preparao de festas,

    que eram muito freqentes no calendrio daquela escola e das demais Escolas-Parque onde

    trabalhei.

    Tambm no havia relao entre o ensino e a aprendizagem desenvolvidos nas

    Escolas-Parque e aquilo que o aluno vivia nos demais dias da semana nas Escolas-Classe.

    O ensino e a aprendizagem, nessas condies, resultavam em atividades sem continuidade

    e aprofundamento. De qualquer forma, a Escola-Parque tem importncia reconhecida pelos

    alunos, que encontram nela a nica oportunidade de desenvolver as diversas modalidades

    artsticas.

    Foi um perodo de experincias importantes para minha formao continuada. As

    trocas entre os professores de Educao Musical, os cursos de aperfeioamento e o retorno

    universidade para cursar disciplina como aluna especial, foram oportunidades de reflexo

    sobre outras concepes e abordagens do ensino de msica.

    A docncia nas Escolas-Parque foi tambm a primeira oportunidade de trabalhar

    com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essa experincia teve grande

    importncia para o que veio a seguir, o trabalho na Formao de Professores para as sries

    iniciais do Ensino Fundamental.

    A partir de 1994, como docente do curso Normal, outros desafios se apresentaram a

    minha atuao profissional. O trabalho coletivo com professores de disciplinas do ncleo

    de humanas e pedaggicas como Filosofia, Sociologia e Psicologia, entre outras, a

    participao em discusses sobre as finalidades e problemas gerais da educao e o

    contexto especfico do curso Normal possibilitaram uma ampliao de minha viso sobre a

    educao e a formao docente. Compartilhando um momento de profundas mudanas que

    decorriam da reformulao do curso de magistrio, tivemos a oportunidade de desenvolver

  • 20

    uma avaliao geral do curso de grande importncia social por sua finalidade e ao mesmo

    tempo enfrentando enormes limitaes.

    Em relao msica, o curso Normal tampouco oferecia as melhores condies. A

    Msica, em algumas Escolas Normais, era desenvolvida na disciplina Metodologia da Arte

    por professor especialista, compartilhando o tempo com as modalidades Teatro e Artes

    Visuais. Cada uma das modalidades tinha a durao de um ano com duas aulas semanais,

    tempo limitado para a extenso da tarefa que nos cabia. Os alunos chegavam para o curso

    com pouca vivncia de arte na escolaridade anterior e, em geral, nenhuma experincia mais

    sistemtica de msica. Nessas condies no se chegava ao aprofundamento necessrio

    para o desenvolvimento musical dos alunos, bem como a sua formao para a prtica

    docente na rea, na Educao Infantil e sries iniciais do Ensino Fundamental. No entanto,

    apesar das limitaes apresentadas, a presena da arte nessa formao cumpria o papel de

    refletir sobre os sentidos e funes da arte e de algumas de suas modalidades e de despertar

    seu interesse pela rea. Apesar da preocupao central dos alunos concentrar-se na

    alfabetizao, alguns at nos procuravam para a orientao de projetos desenvolvidos no

    estgio, que incluam a arte.

    Minha formao nessa unidade escolar tambm foi muito enriquecida com o

    trabalho coletivo com os professores da rea de Arte, que possuam longa experincia

    docente. Desenvolvemos diversos projetos em comum e experimentamos vrias

    configuraes da disciplina, sempre com muita reflexo.

    Em minha prtica docente, principalmente nos ltimos anos na Escola Normal,

    foram surgindo questes que me levaram a buscar a continuidade de estudos e a pesquisa,

    desta vez, em curso de ps-graduao lato sensu. Uma dessas questes se referia situao

    da msica e formao do professor para atuar com essa rea, nas sries iniciais do Ensino

    Fundamental.

    Apesar de certa quantidade de estudos sobre a Educao Musical, ainda so poucos

    os voltados para o ensino regular. A situao marginal da msica, nesse espao, como

    saber sistematizado, justifica a necessidade do desenvolvimento de pesquisa sobre esse

    tema (PENNA, 2001; SOUZA, HENTSCHKE et al, 2002; BELLOCHIO, 2000;

    LOUREIRO, 2003).

  • 21

    Avaliando minha volta universidade, em 2003, no curso de Especializao em

    Msica Brasileira, pude reconhecer que essa instituio ainda padece de srios problemas.

    Entre eles, a fragmentao curricular um dos mais aparentes e envolve mais diretamente

    o aluno e sua formao. O excesso de disciplinas, onze no caso, sem articulao entre si e

    com o projeto de pesquisa no contribui para a reflexo, a problematizao e o

    aprofundamento das questes centrais.

    Contudo, o curso de especializao possibilitou minha primeira experincia em

    pesquisa e despertou um grande interesse em dar continuidade a essa atividade. Na ocasio

    desenvolvi estudos sobre a situao da Educao Musical nas Escolas Pblicas do Distrito

    Federal, nas sries iniciais do Ensino Fundamental (LOBATO, 2004). O curso representou

    tambm uma oportunidade singular de reflexo sobre a arte e a msica, seus significados e

    funes, num dilogo intenso com o orientador da pesquisa e as idias de alguns autores

    que nos acompanharam.

    Nesse processo as questes anteriores foram sendo reformuladas, visando a novos

    estudos. Uma delas refere-se formao pedaggico-musical de professores para as sries

    iniciais do Ensino Fundamental, pois qualquer perspectiva de mudana da situao atual da

    msica nas escolas passa necessariamente pela formao do professor, que um dos

    elementos centrais desse processo. Ento, hoje a questo central apresenta-se da seguinte

    forma: quais so as possibilidades e os limites da formao pedaggico-musical no curso

    de Pedagogia e suas implicaes para a prtica pedaggica nas sries iniciais do Ensino

    Fundamental?

    Na pesquisa essa questo desdobra-se em questes especficas que norteiam a

    investigao:

    Quais so as percepes dos professores formadores e alunos egressos do curso de Pedagogia sobre a formao pedaggico-musical nesses cursos?

    Como a prtica pedaggico-musical dos professores das sries iniciais, egressos da Pedagogia?

    Quais so as percepes dos alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental sobre a Educao Musical desenvolvida pela escola?

  • 22

    Para investigar a questo geral, a pesquisa teve como objetivo refletir sobre as

    possibilidades e os limites da formao pedaggico-musical no curso de Pedagogia e suas

    implicaes para a prtica pedaggica nas sries iniciais do Ensino Fundamental. Este

    objetivo geral desdobra-se nos objetivos especficos:

    Analisar as percepes dos professores formadores e dos professores das sries iniciais egressos de um curso de Pedagogia sobre a formao pedaggico-musical

    neste curso;

    Analisar a prtica pedaggico-musical dos professores das sries iniciais, egressos da Pedagogia;

    Analisar como os alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental percebem a Educao Musical desenvolvida pela escola.

    A seguir, apresento um quadro que mostra a relao entre as questes e os objetivos

    da pesquisa.

  • 23

    Quadro 1 - Sntese da relao entre questes e objetivos de pesquisa

    QUESTO PRINCIPAL OBJETIVO GERAL

    Quais so as possibilidades e os

    limites da formao pedaggico-

    musical no curso de Pedagogia e suas

    implicaes para a prtica pedaggica

    nas sries iniciais do Ensino

    Fundamental?

    Refletir sobre as possibilidades e os

    limites da formao pedaggico-musical

    no curso de Pedagogia e suas implicaes

    para a prtica pedaggica nas sries

    iniciais do Ensino Fundamental.

    QUESTES ESPECFICAS OBJETIVOS ESPECFICOS

    1. Quais so as percepes dos

    professores formadores e professores

    das sries iniciais egressos do curso de

    Pedagogia sobre a formao

    pedaggico-musical nesse curso?

    1. Analisar as percepes dos formadores

    e dos professores das sries iniciais

    egressos da Pedagogia sobre a formao

    pedaggico-musical nesse curso.

    2. Como a prtica pedaggico-musical

    do professor das sries iniciais,

    egressos da Pedagogia?

    2. Analisar a prtica pedaggico-musical dos

    professores das sries iniciais, egressos

    da Pedagogia.

    3. Quais so as percepes dos alunos

    das sries iniciais do Ensino

    Fundamental sobre a Educao

    Musical desenvolvida pela escola?

    3. Analisar como os alunos das sries

    iniciais do Ensino Fundamental percebem

    a Educao Musical desenvolvida pela

    escola.

  • 24

    2. ENCONTRO COM MEUS REFERENCIAIS TERICOS

    [...] se a educao no pode tudo, alguma coisa fundamental a educao pode. Se a educao no a chave das transformaes sociais, no tambm simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer que a educao nem uma fora imbatvel a servio da transformao da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco a perpetuao do status quo porque o dominante o decrete.

    Paulo Freire

    Com o objetivo de refletir sobre as possibilidades e os limites da formao

    pedaggico-musical no curso de Pedagogia e suas implicaes para a prtica pedaggica

    nas sries iniciais do Ensino Fundamental, o referencial terico constituiu-se de trs

    pilares, conforme representao na figura abaixo: a formao de professores, a prtica

    pedaggica e a Educao Musical.

    Figura 1 O trip do referencial terico

    Formao Docente

    Prtica Pedaggica

    Formao e Prtica

    Pedaggico- Musical

    Educao Musical

  • 25

    A seguir, desenvolverei cada um dos trs eixos do referencial terico, explicitando

    as concepes e autores que fundamentam este trabalho.

    2.1. A formao de professores no contexto da educao e da sociedade atual

    Vivemos numa sociedade em constante mudana, sob o impacto do

    desenvolvimento tecnolgico. No entanto, vivemos um processo de produo e

    apropriao da mais valia que gera a explorao, o desemprego e a misria. A lgica

    predominante do capitalismo ainda a acumulao do capital.

    No Brasil essa situao mais visvel, pois num mundo globalizado, sob a

    dominao do capital financeiro, ainda temos um importante peso da indstria em nossa

    economia e resqucios da sociedade pr-industrial, por no termos resolvido at agora a

    questo agrria e a grande dependncia do capital financeiro internacional. A desigualdade

    e a excluso so faces cruis da situao.

    Na sociedade da informao, o conhecimento torna-se indispensvel para o

    desenvolvimento e a participao social. Quem no tem acesso e condies para lidar com

    as novas tecnologias, fica excludo. Como os grupos privilegiados socialmente tambm so

    os que tm mais acesso informao e ao domnio de sua organizao, codificao e

    transmisso, a tendncia da sociedade atual de agudizao da excluso.

    Nesse cenrio a educao escolar tem um papel que vai alm de facilitar o acesso

    aquisio de conhecimentos. Deve permitir o desenvolvimento de habilidades como a

    seleo e o processamento da informao, a autonomia, a capacidade de tomar decises, o

    trabalho em grupo, a polivalncia, a flexibilidade (FLEXA E TORTAJADA, in

    IMBERNN, 1999). So exigncias do prprio sistema, mas tambm so fatores

    imprescindveis para a participao na vida social em geral, e sua ausncia leva excluso.

    A escola no neutra, ela faz parte de uma sociedade que, apesar de viver intensas

    mudanas, ainda capitalista. E a lgica capitalista influencia a escola na organizao do

    trabalho pedaggico, nas relaes de poder, como tambm em sua finalidade, voltada

    principalmente para atender s exigncias do mercado de trabalho.

  • 26

    Se por um lado a escola como instituio social, no marco da sociedade capitalista,

    reproduz as desigualdades e a excluso, por outro no pode ser desconsiderado que ela

    tambm um lugar de conflito e que os sujeitos desenvolvem em seu interior prticas que

    contestam ou reforam as formas de dominao e controle existentes.

    Esse conflito possvel porque os homens so sujeitos histricos, capazes de buscar

    uma viso crtica da sociedade e agir no sentido da superao de seus problemas. Entendo

    que tal afirmao est de acordo com a viso de homem como ser da transformao e no

    da adaptao (FREIRE, 2003, p.23). a perspectiva que ser tomada como referncia

    para esta pesquisa. Nas palavras de Veiga, a escola nessa perspectiva vista como

    instituio social, inserida na sociedade capitalista, que reflete no seu interior as

    determinaes e contradies dessa sociedade (2005, p.16).

    2.1.1. Em busca da profissionalizao

    Para Imbernn (2004), no contexto social a docncia foi sempre considerada uma

    semiprofisso. Essa situao compreendida pelas dificuldades encontradas para a

    profissionalizao docente entre as quais a massificao, a ampliao das funes, a

    feminizao do magistrio, a prvia profissionalizao dos especialistas da educao,

    provocando perda de autonomia e de poder nas decises sobre o trabalho docente, as

    divises internas da categoria em nveis de ensino, os contextos muito diversificados de

    formao e atuao profissional e o acmulo de papis e aumento do controle atravs da

    avaliao sem a melhoria das condies de trabalho, de salrio e nas carreiras docentes.

    A esses condicionantes que dificultam a profissionalizao acrescenta-se a ausncia

    do que em outras profisses conhecido como cdigo de tica, segundo DOrey da Cunha,

    a sistematizao deontolgica especificamente docente que guie a ao de cada um e que

    estabelea as fronteiras ou os horizontes morais da profisso enquanto tal (apud VEIGA,

    2003, p.54).

    Essas caractersticas mostram a complexidade da docncia e de sua

    profissionalizao. No se deve, porm, entend-las de forma esttica, pois a

    profissionalizao um processo dinmico e de embates, que hoje enfrenta muitas

    dificuldades, no sem a resistncia do movimento organizado de professores e estudantes.

  • 27

    Alm do carter dinmico, a profissionalizao um processo coletivo. Tal

    dimenso evidenciada por Imbernn (2004), que trata o desenvolvimento profissional

    como um conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professor progrida na

    profisso. Entre esses ele cita o salrio, a demanda do mercado de trabalho, o clima de

    trabalho nas escolas, a promoo na profisso, as estruturas hierrquicas, a carreira

    docente, alm da formao, que elemento importante, mas no nico do desenvolvimento

    profissional do professor. Para ele o coletivo ou institucional outro aspecto que deve ser

    considerado para o desenvolvimento profissional, tendo este como o desenvolvimento de

    todo o pessoal que trabalha em uma instituio educativa.

    Imbernn (1998) apresenta a idia de cultura profissional, que est ligada ao

    trabalho coletivo, ao desenvolvimento pessoal e institucional, ruptura do isolamento e das

    rotinas no-justificveis no processo educativo, na busca de um questionamento constante.

    Este um processo permanente que implica a tomada de conscincia de seu trabalho

    profissional na aula, na escola, no sistema educativo e social. Uma marca do pensamento

    desse autor a importncia dada ao trabalho coletivo e institucional. Essa preocupao est

    presente tanto na questo da profissionalizao, quanto em seu modelo de formao e

    justifica-se, pois o magistrio uma prtica social que envolve uma srie de sujeitos, na

    busca de sua emancipao.

    2.1.2. A formao de professores e o processo de transio

    A concepo de profisso docente dominante na perspectiva tcnica e racional de

    mera transmisso de conhecimento acadmico. Essa concepo vem desde o sculo XIX e,

    apesar das mudanas que ocorreram no sculo XX, no chegou a ser superada. A sociedade

    atual requer um profissional da educao diferente, que saiba lidar com a mudana e a

    complexidade e tambm com a necessidade de superar seus graves problemas polticos e

    sociais, que afetam diretamente o professor e seu trabalho.

    No modelo anterior predominava o conhecimento objetivo e disciplinar. Possuir um

    conhecimento formal era assumir a capacidade de ensin-lo. Alm disso, hoje, para ser um

    profissional da educao necessrio ter conscincia de que o conhecimento est em

    construo e no imutvel, compreender a educao como compromisso poltico com

    dimenses ticas e morais, ter autonomia e poder para tomar decises sobre os problemas

  • 28

    profissionais da prtica em um contexto determinado, desenvolver a capacidade reflexiva

    em grupo, valorizar a aprendizagem das relaes, a cultura do contexto e o

    desenvolvimento das relaes de todos os envolvidos com o processo educativo

    (IMBERNN, 2004). uma perspectiva que est comprometida com a superao dessa

    sociedade e de seus graves problemas.

    Decorrente dessa concepo de profissional da educao, a formao de professores

    tambm tem novas exigncias. Partindo do pressuposto de que os conhecimentos da

    docncia no so uniformes e generalizveis, e sua aquisio est muito ligada prtica

    profissional e condicionada pela organizao da instituio educacional em que exercida,

    autores como Tardif (2002) e Imbernn (2004) defendem a formao na instituio

    educativa, partindo de situaes problemticas de um determinado contexto. Tardif (idem)

    afirma que o novo modelo de formao deve vincular os fundamentos da formao

    prtica da prpria profisso. Para ele a formao cultural ou geral e a formao cientfica

    ou disciplinar devem estar vinculadas formao prtica, que o quadro de referncia

    obrigatrio da formao profissional.

    Distinto do modelo tradicional, onde havia uma separao entre a produo, a

    mobilizao e a comunicao do conhecimento, a escola entendida como instncia de

    produo, de mobilizao e de comunicao dos saberes e das competncias. E os

    professores de profisso so detentores de saberes que a pesquisa educacional deve

    considerar e incorporar nos programas de formao inicial. O exerccio da profisso do

    magistrio a referncia central tanto da formao inicial e continuada como da pesquisa

    em educao. A relao com a pesquisa e os professores universitrios outra. A pesquisa

    volta-se para as necessidades e situaes vividas pelos prticos, considerados ento

    parceiros da pesquisa (TARDIF, 2002).

    A prtica pedaggica d-se em contextos muito especficos e diversificados,

    envolvendo sujeitos e situaes muito diferentes. O professor tem que tomar decises

    sobre situaes reais e concretas e por isso a formao acadmica e disciplinar, baseada em

    conhecimentos abstratos e generalizveis, no responde a essas necessidades. Portanto, a

    formao no pode ser desvinculada do contexto de trabalho e de sua problematizao.

  • 29

    Ao mesmo tempo, esse trabalho influenciado diretamente pela situao

    econmica, poltica e social. Portanto, a compreenso da sociedade, a viso mais ampla e

    crtica da sociedade, da educao e da profisso so indispensveis para o professor. O

    prprio Imbernn trata da questo quando afirma que a formao centrada nas instituies

    supe manter uma constante pesquisa colaborativa e obter um consenso para o

    desenvolvimento da organizao com uma confrontao e uma tenso que no permitem

    relaxar ou baixar a guarda ante as condies socioprofissionais (2004, p.21).

    Defende ainda que a instituio educativa deve ser o motor da inovao e da

    profissionalizao docente, por entend-la como conjunto de elementos que intervm na

    prtica educativa contextualizada e considera que a educao perde poder de inovao

    coletiva quando se produz isoladamente e se converte em mera experincia pessoal (ibid).

    Para o estudo da formao docente necessrio refletir sobre a profissionalizao

    docente, bem como sobre as perspectivas de formao, que esto em discusso no

    momento atual: a perspectiva de tecnlogo do ensino e a de agente social.

    2.1.3. O tecnlogo de ensino nas diretrizes de formao de professores

    A perspectiva do tecnlogo a perspectiva presente nos documentos oficiais para a

    formao de professores, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao

    Inicial de Professores da Educao Bsica, em nvel superior, curso de graduao plena

    (Brasil/CNE/CP 2001). Fazendo uma sntese da crtica de Veiga (2002) a essa perspectiva,

    vemos que:

    est ligada ao projeto de sociedade globalizada e neoliberal; parte de um projeto poltico de abrangncia internacional com nfase na educao por resultados,

    que vincula educao e produtividade, numa viso puramente economicista, que

    tem por objetivo adequar a formao de professores demanda do mercado

    globalizado;

    concebe o professor como reprodutor de conhecimentos produzidos por outros, o que pode ser observado na pouca nfase dada pesquisa;

  • 30

    est centrada na competncia como busca de desempenho e eficcia na consecuo dos objetivos escolares, no saber fazer sem conhecimento dos

    fundamentos do fazer;

    sociopoliticamente descontextualizada, no considera as questes postas pela prtica social e suas conseqncias para o ensino;

    vincula-se a uma concepo produtivista e pragmatista, e a educao confundida com a informao e instruo, distanciando-se de seu significado mais amplo de

    humanizao (SCHEIBE, apud VEIGA);

    a relao conhecimento/competncia/habilidades bsicas fortalece o carter meramente instrumental da formao mediante a dissociao entre teoria/prtica,

    ensino/pesquisa;

    a organizao curricular da formao tem base quase exclusivamente no conhecimento disciplinar e no conhecimento pedaggico, mais reduzido a

    tcnicas e estratgias didticas;

    a dicotomia entre teoria e prtica fica acentuada na reduo do estgio curricular para os alunos em efetivo exerccio de atividade docente na educao bsica, alm

    de provocar o aligeiramento da formao;

    uma preparao de professores que desenvolve uma concepo fragmentria, porque fundada em itens que devem ser aprendidos para serem aplicados na

    prtica, tendo como objetivo estabelecer parmetros comuns para a avaliao e o

    controle do contedo de ensino.

    Alm das crticas que esto diretamente ligadas formao do tecnlogo, Veiga

    (2002) acrescenta outras s diretrizes de formao de professores como orientao nacional

    cujo ncleo so as competncias, a retirada da formao da universidade e a reduo da

    carga horria. Segundo a autora, o documento apresenta uma srie de competncias

    amplas, alm de detalhar minuciosamente as especficas. So competncias previamente

    definidas, que no consideram a diversidade brasileira nem respeitam a autonomia

    institucional para a construo de seu projeto pedaggico.

    Sobre o lcus da formao, ao tirar da universidade, o Ministrio da Educao

    (MEC) nega identidade do professor como cientista e pesquisador, reduzindo-o a mero

    executor de programas e separa formao de pesquisa e extenso, num descompromisso

    com a qualidade da formao.

  • 31

    O papel da pesquisa no tem a nfase necessria, o que limita o papel do professor

    tarefa de aplicador de mtodos e tcnicas e reprodutor de conhecimentos, bem como

    reduz o papel da instituio formadora. Acrescente-se a essas consideraes o fato de que o

    MEC no acatou as sugestes e crticas s diretrizes de formao de professores,

    encaminhadas por entidades dos profissionais da educao superior, universidades e outras

    instituies.

    2.1.4. A perspectiva da formao do professor como agente social

    Os autores, cujas concepes em relao formao docente so tomadas como

    referncia para esta pesquisa, criticam o modelo de tecnlogo de ensino, que centrado na

    dimenso tcnico-instrumental.

    Veiga (2002) e Imbernn (2004) entendem o professor como agente social, que a

    perspectiva defendida tambm pelos movimentos sindicais, cientficos e acadmicos. Para

    Imbernn o profissional da educao um agente dinmico nos mbitos cultural, social e

    curricular que toma decises educativas, ticas e morais, que desenvolve o currculo e

    projetos em colaborao num contexto especfico controlado pelo prprio coletivo. Os

    professores so considerados como verdadeiros agentes sociais no sentido de que so

    capazes de planejar, gerir o ensino-aprendizagem, alm de intervir nos complexos sistemas

    que constituem a estrutura social e profissional (ibid, p.46).

    Na concepo de Veiga (2002), a perspectiva do professor como agente social est

    de acordo com a viso de educao como prtica social, comprometida com o

    desenvolvimento de uma educao de qualidade para todos.

    Em nosso pas vivemos uma situao muito heterognea, de extremos, com

    tecnologia de ponta em nvel mundial em algumas reas, combinada com reminiscncias

    oligrquicas e tradies patrimonialistas em nossa poltica, alm de uma grande excluso

    social de parcelas significativas da populao, o que impede a plena democratizao da

    sociedade.

    Nesse contexto vejo o professor como agente social, que atua no sentido da

    ampliao da democracia na sociedade e na instituio escolar, onde busca autonomia,

  • 32

    maior participao e poder de deciso para os profissionais da educao e a comunidade

    escolar, enfrentando o problema da excluso tanto material quanto cultural que afeta

    diretamente seu trabalho. Esse posicionamento no se justifica apenas por estar de acordo

    com as necessidades de nosso contexto especfico, mas tambm pela coerncia com a viso

    de homem, de sociedade e de conhecimento j explicitada.

    Veiga entende a formao profissional como poltica global que contempla desde

    a formao inicial e continuada at as condies de trabalho, salrio, carreira e organizao

    da categoria (2002, p.82).

    A educao concebida, nessa perspectiva, como prtica social e um processo

    lgico de emancipao, tendo por base a construo coletiva de um projeto para o

    desenvolvimento de uma educao de qualidade para todos. Coerente com essa viso de

    educao e de profissionalizao, a formao do professor como agente social tem como

    um de seus pilares uma formao terica de qualidade, que requer:

    a) construo e domnio de slidos saberes da docncia, que so saberes mltiplos de

    vrias fontes, mas que devem ser conectados num trabalho pedaggico de forma

    interdisciplinar e contextualizada. O processo de construo desses saberes deve

    ocorrer da forma mais coletiva possvel, refletindo sobre situaes prticas

    concretas. Esses saberes devem estar estreitamente relacionados com a realidade

    social mais ampla;

    b) unicidade entre teoria e prtica, entendendo que tanto a instituio formadora

    quanto a escola que recebe os estagirios transformam-se em espaos de formao

    colaborativa, num processo de ao-reflexo-ao;

    c) ao coletiva integrando todos os sujeitos que atuam na escola bem como todos os

    processos que contribuem para a melhoria do trabalho pedaggico;

    d) autonomia entendida como processo coletivo de busca e construo permanentes,

    aspirando a um maior controle sobre o trabalho pedaggico;

    e) explicitao da dimenso sociopoltica da educao e da escola, que evidencia a

    organizao do trabalho pedaggico na sociedade capitalista e fortalece a

    identidade do professor em seu papel de agente social (VEIGA, 2002).

  • 33

    Nessa perspectiva, a formao entendida como um processo permanente ou

    contnuo ao longo de toda a carreira e a formao inicial como o comeo da socializao

    profissional, que deve proporcionar uma slida fundamentao. Alm de conhecer muito

    bem seu contexto de trabalho, o professor precisa compreender a realidade da sociedade

    que est em permanente mudana e suas relaes com a instituio educacional, a

    organizao do trabalho pedaggico e a sala de aula.

    As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em Pedagogia,

    Licenciatura, institudas atravs da Resoluo CNE/CP N 1, de 15 de maio de 2006, pelo

    Conselho Nacional de Educao, resultado de intenso confronto entre distintas posies e

    da participao ativa das Entidades Acadmicas e Profissionais organizadas, trazem no

    discurso alguns avanos de superao da perspectiva tcnico-instrumental do tecnlogo de

    ensino. H uma ampliao da concepo de docncia, que integra processos de

    aprendizagem, de socializao e de construo do conhecimento, conforme o Art 2

    1 Compreende-se a docncia como ao educativa e processo metdico e intencional, construdo em relaes sociais, tnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princpios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulao entre conhecimentos cientficos e culturais, valores ticos e estticos inerentes a processos de aprendizagem, de socializao e de construo do conhecimento, no mbito do dilogo entre diferentes vises de mundo.

    A perspectiva das Diretrizes tambm compreende como atividade docente a [...]

    participao na organizao e gesto de sistemas e instituies de ensino [...], segundo o

    disposto no Art. 4, Pargrafo nico.

    A carga horria do curso foi ampliada para 3.200 horas, o que corresponde ao que

    foi apresentado como mnimo nas contribuies das Entidades Acadmicas e Profissionais

    organizadoras do VII Seminrio Nacional Sobre a Formao dos Profissionais da

    Educao em Braslia, junho de 2005.

    O campo de atuao profissional do licenciado de grande abrangncia pois inclui

    o exerccio de funes de magistrio na Educao Infantil e nas sries iniciais do Ensino

    Fundamental, nos cursos de Ensino Mdio, na modalidade Normal, de Educao

    Profissional na rea de servios e apoio escolar e em outras reas nas quais sejam previstos

    conhecimentos pedaggicos, conforme o Art.4 da Resoluo.

  • 34

    Como as Diretrizes foram alteradas recentemente, cabe indagar: como as

    Instituies de Formao enfrentaro o desafio de construir uma formao de qualidade

    com tamanha abrangncia, com os limites da carga horria de 3.200 horas? Como

    superaro a estrutura to fragmentada de curso como a atual, que no contribui para a

    formao nessa nova perspectiva? E ainda: essas mudanas vo proporcionar um

    aprofundamento do campo da Arte na Pedagogia?

    2.2. Prtica pedaggica como prxis social

    Para a anlise da prtica pedaggica, que foi desenvolvida na pesquisa, foi

    necessria uma clara compreenso das concepes que fundamentam essa prtica. Para isto

    tomei como referncia terica as concepes de Vsquez (1977) sobre a prtica humana,

    sobre a relao teoria e prtica e seus conceitos de prxis criadora e prxis reiterativa,

    prxis espontnea e prxis reflexiva.

    A prtica pedaggica uma atividade humana que se diferencia da atividade em

    geral, definida como ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo

    modifica a matria-prima e tem por resultado um produto. O que diferencia a atividade

    humana da atividade em geral a finalidade, um projeto ou o resultado ideal, que termina

    com um produto concreto ou resultado real.

    Essa atividade implica a interveno da conscincia responsvel pelo resultado

    ideal e os diversos atos do processo que se articulam de acordo com o resultado que se

    quer. Alm disso, o resultado real ou produto no uma cpia do que se quer do resultado

    ideal ou finalidade original, visto que sofre modificaes no processo de sua realizao.

    A prtica pedaggica regida por um processo dinmico, onde teoria e prtica

    esto unidas na prxis. A atividade da conscincia, segundo Vsquez, tem carter terico,

    seja como formulao de finalidades, atividade teleolgica ou como produo de

    conhecimentos, atividade cognoscitiva. A atividade terica no capaz de transformar o

    real, ela s transforma a conscincia e por essa via influencia a prtica. Ao contrrio, a

    atividade prtica sempre tem um resultado real, objetivo, material: ela transforma a

    realidade.

  • 35

    Teoria e prtica, portanto, so atividades diferentes, mas no se opem. A relao

    entre uma e outra de unidade, uma vez que a teoria no transforma o real, precisa da

    prtica para realizar-se e a prtica no existe sem uma finalidade e conhecimento que

    caracterizam a atividade terica.

    Essa relao definida como prxis por ser atividade terico-prtica; ou seja, que

    tem um lado ideal, terico e um lado material, propriamente prtico, com a particularidade

    de que s artificialmente, por um processo de abstrao, podemos separar e isolar um do

    outro (VSQUEZ, 1977, p.241).

    A prtica pedaggica , ento, prxis, visto que exige uma relao de unidade entre

    teoria e prtica e uma participao ativa da conscincia em todo o processo. regida por

    um processo prtico, pois tem como fim a transformao do real, mas onde o terico tem

    papel fundamental. A ao do professor est embasada numa slida fundamentao, pois

    pressupe uma finalidade ideal, a formulao de objetivos, de um projeto e um

    conhecimento da realidade, do contexto social mais amplo ao mais imediato e uma

    conscincia vigilante para modificar a realidade em busca do objetivo e adequar o objetivo

    idealmente traado s condies do real.

    A complexidade da prtica pedaggica no se limita ao fato de ser ela uma

    atividade humana; ela , alm disso, uma prtica social, pois tem o homem como sujeito e

    objeto de sua ao transformadora. Segundo Vsquez, essa prtica caracteriza-se por ser a

    prxis na qual o homem atua sobre si mesmo e abrange os diversos atos orientados no

    sentido de sua transformao como ser social e, por isso, destinados a mudar suas relaes

    econmicas, polticas e sociais (1977, p.200).

    A prtica pedaggica - como prtica social - envolve sujeitos voltados para sua

    prpria transformao; por isso, tanto o processo como o produto so mais imprevisveis

    ainda. As condies e possibilidades s sero plenamente reveladas no processo prtico,

    da sua grande imprevisibilidade e indeterminao e a necessidade de uma ao

    permanente da conscincia em todo o processo, numa passagem constante do ideal para o

    real e do real para o ideal.

  • 36

    2.2.1. Relao entre teoria e prtica

    Se por um lado h uma unidade entre teoria e prtica na prxis, por outro, no se

    pode falar de uma relao mecnica e direta entre uma atividade e outra. Pode surgir uma

    teoria de uma necessidade de aprofundar uma teoria anterior ou de resolver as contradies

    que esta apresenta. A teoria tem autonomia em relao prtica e s vezes antecipa-se a

    ela e pode influenci-la, mas uma autonomia relativa.

    A prtica, ao contrrio, no existe sem um mnimo de ingredientes tericos:

    um conhecimento da realidade que objeto da transformao; um conhecimento dos meios e de sua utilizao; um conhecimento da prtica acumulada em forma de teoria que sintetiza ou

    generaliza a atividade prtica na esfera em que ela se realiza;

    uma atividade finalista ou antecipao dos resultados ideais com a particularidade que esses resultados tm que corresponder a necessidades e condies reais e

    contar com meios adequados para sua realizao (VSQUEZ, 1977).

    Desta forma, a prtica pedaggica no prescinde da unidade teoria e prtica e da

    ao da conscincia. Contudo, conforme Vsquez, existem nveis diferentes de prxis, que

    se classificam de acordo com o grau de conscincia revelado pelo sujeito no processo

    prtico e o grau de criao demonstrado pelo produto de sua atividade (ibid).

    2.2.2. Prxis criadora e prxis reiterativa

    A separao entre teoria e prtica e a reduo do papel da conscincia pode resultar

    numa prtica vazia de contedo, numa prtica que se baseia num modelo preexistente,

    gerado por uma prtica criadora anterior, que no corresponde s necessidades e s

    condies postas pela realidade. Essa prtica conceituada por Vsquez como prxis

    reiterativa ou imitativa, ou seja, a que est em conformidade com uma lei previamente

    traada, e cuja execuo se reproduz em mltiplos produtos que mostram caractersticas

    anlogas (ibid, p.246).

    Por outro lado, temos a prxis criadora ou inovadora, aquela cuja criao no se

    adapta plenamente a uma lei previamente traada e culmina num produto novo e nico

  • 37

    (VSQUEZ, 1977). Tem como caractersticas: a unicidade indissocivel no processo

    prtico do interior e o exterior, do subjetivo e o objetivo; a indeterminao e

    imprevisibilidades do processo e resultado e a unicidade e irrepetibilidade do produto.

    O homem est numa atividade permanente de transformao do mundo e de si

    mesmo; portanto, a prtica fundamental do homem tem um carter criador. O homem cria

    novas necessidades e a prpria vida invalida as solues existentes. No entanto, as

    solues alcanadas tm um tempo de validade. Neste tempo que temos a repetio como

    atividade relativa, transitria, sempre aberta possibilidade e necessidade de ser

    substituda.

    Se o processo tem uma lei que s pode ser descoberta a posteriori, porque se vai

    fazendo no processo prtico, em sua realizao, trata-se de um processo prtico unitrio, no

    qual o ideal e o real se conjugam de maneira dinmica e imprevisvel e tambm nico.

    A lei que se descobre como lei desse processo total no pode ser aplicada

    indistintamente a outros processos prticos, visto que isso s poderia ser feito com a

    eliminao das particularidades de suas condies objetivas e subjetivas.

    Quando se desconsideram as circunstncias do processo e do contexto e se tenta

    impor uma forma generalizada, abstrata a um contedo particular, tem-se uma prtica

    imitativa, burocrtica, mecnica, onde a forma se sobrepe ao contedo; ela existe antes do

    contedo e do processo prtico. O contedo sacrifica-se forma, o real ao ideal e o

    particular concreto ao universal abstrato. Tal prtica tem srias conseqncias, pois a

    padronizao e a burocratizao das atividades e das relaes levam perda de significado

    do que se ensina e do que se aprende.

    Na educao a fragmentao do processo de produo e de transmisso do

    conhecimento reduz o trabalho do professor reproduo e transmisso de

    conhecimentos produzidos por outros. Isto leva a prtica pedaggica a uma perda de

    unidade de seu processo e de seu carter criador. Para que seja uma atividade criadora

    necessrio que haja uma atividade consciente que idealiza e realiza, num processo onde as

    resistncias e circunstncias conduzem a uma permanente interao entre o ideal e o real, o

  • 38

    subjetivo e o objetivo, sem perder de vista a finalidade que tambm modificada no

    processo.

    A prtica pedaggica, de certo modo, nunca prtica reiterativa total, pois o

    professor exerce um mnimo que seja de controle e de conscincia sobre seu trabalho.

    Alm disso, os resultados dessa prtica nunca so totalmente previstos, uma vez que o

    objeto de seu trabalho o homem que participa ativamente desse processo, oferecendo

    maiores resistncias e tambm alternativas. Sendo assim, o produto no tem possibilidade

    de duplicao.

    Por suas caractersticas no pode haver separao entre a conscincia e a ao, entre

    o planejamento e a execuo na prtica pedaggica. Essa tentativa de moldar o processo

    educativo a uma forma preestabelecida tem graves conseqncias para os sujeitos

    envolvidos e leva a sua desumanizao, uma vez que a ao criadora uma caracterstica

    fundamental do homem. Entretanto, o grau de conscincia envolvido nesse processo pode

    variar, o que faz com que uma prtica seja considerada mais ou menos criativa, mais ou

    menos imitativa.

    A finalidade da prtica pedaggica encontra muitas resistncias entre o ideal e sua

    realizao. As condies de trabalho e de salrio dos professores fazem com que estes se

    submetam a situaes onde o nvel de conscincia do processo muito reduzido. Essa

    conscincia precisa de tempo livre, de dedicao constante. A ausncia dessas condies, o

    tempo reduzido pela ampliao da jornada e o acmulo de tarefas burocrticas levam a

    uma prtica tambm burocratizada, repetio, cpia de modelos sem a devida reflexo.

    Por outro lado, os alunos tambm tm expectativas em relao educao. Trazem

    consigo problemas que constituem resistncias finalidade educacional, como a questo

    social desfavorvel, os esteretipos da vivncia escolar anterior, por exemplo. Todavia,

    trazem tambm possibilidades que precisam ser consideradas.

    A prtica pedaggica criadora s se dar na perspectiva de um dilogo constante

    entre os sujeitos educacionais, que vo identificando os problemas e buscando as solues

    numa ao permanente da conscincia que vai redefinindo o caminho; num processo

    coletivo em que as aes entre os sujeitos da educao, guiadas pela conscincia, vo

  • 39

    possibilitar uma interao entre o ideal e o real, entre a finalidade buscada e as resistncias

    do contexto, para ir reconfigurando a realidade e redefinindo os objetivos em busca da

    finalidade.

    Essa ao permanente da conscincia presente na formulao do objetivo ideal e

    guiando todo o processo constitui a prxis reflexiva, que no surge espontaneamente de

    dentro do processo pedaggico em si. adquirida a partir da teoria, que possibilita a

    conscincia da prtica e de si mesma. Este o papel fundamental da formao. Essa

    fundamentao terica vai permitir que o professor desenvolva uma reflexo e anlise

    constante da e na prtica pedaggica testando hipteses, criando e recriando numa relao

    estreita entre a teoria e a prtica.

    2.3. Educao Musical: concepo e princpios

    A Educao Musical no se limita ao espao escolar e vem crescendo em outros

    espaos, como em Organizaes No-Governamentais (ONG). Contudo, a escolha pela

    educao escolar como foco da pesquisa justificada, por um lado, pela possibilidade de

    democratizao do acesso aprendizagem e desenvolvimento musical, pelo universo

    amplo que a escola atende e, por outro, pela contribuio que a msica pode oferecer

    educao integral.

    A concepo de msica e Educao Musical que orientou a observao da prtica

    pedaggico-musical neste trabalho foi a de Swanwick (1979, 1993, 2003), um educador

    musical que desenvolveu a Teoria Espiral do Desenvolvimento Musical. Para este trabalho,

    focalizei especificamente sua concepo de msica e os princpios de Educao Musical

    dela decorrentes, bem como seu modelo de atividades ou parmetros indispensveis ao

    desenvolvimento musical.

    Swanwick concebe a msica como discurso, troca de idias, expresso do

    pensamento, forma simblica. E a importncia da msica, nessa perspectiva, ser uma

    forma simblica, o que explica sua permanncia em vrias culturas em tempos e espaos

    diversos.

  • 40

    Creio que a msica persiste em todas as culturas e encontra um papel em vrios sistemas educacionais no por causa de seus servios ou de outras atividades, mas porque uma forma simblica. A msica uma forma de discurso to antiga quanto a raa humana, um meio no qual as idias acerca de ns mesmos e dos outros so articuladas em formas sonoras (2003, p.18).

    Segundo o mesmo, o significado da msica e nossa resposta a ela envolvem as

    relaes estruturais internas da msica, nossas previses sobre o que esperamos acontecer

    em termos estruturais, a tenso e o relaxamento gerados pelo que acontece, que um

    legado de Meyer (1956). Essa no , porm, a fonte principal do prazer esttico, que dado

    quando a obra se relaciona com estruturas de nossas experincias pessoais de contedo

    afetivo e subjetivo. Neste segundo aspecto, Swanwick incorpora a contribuio de Langer

    (2004), que entende que a expressividade, contedo emotivo e pessoal, tem uma estrutura

    correspondente estrutura musical. O autor chega a uma sntese entre as duas posies,

    concebendo a msica como uma forma simblica, um caminho de conhecimento, de

    pensamento e de sentimento (SWANWICK, 2003, p.23).

    Um dos referenciais para a anlise da prtica pedaggico-musical dos professores

    das sries iniciais foi o modelo CLASP3 (idem, 1979), que apresenta atividades ou

    parmetros indispensveis para o desenvolvimento musical: composio, estudos de

    literatura de e sobre msica, apreciao, aquisio de tcnica (skill) e performance ou

    execuo.

    O envolvimento direto com a msica pode ser visto de trs formas: composio,

    apreciao e performance ou execuo, que so atividades centrais para a experincia

    musical. So tambm atividades que se reforam mutuamente. Todavia, existem outras

    atividades auxiliares que so agrupadas em dois segmentos: aquisio de habilidades e

    estudos de literatura sobre a msica, traduzidos como tcnica e literatura. So os cinco

    parmetros da experincia musical, trs deles de relao direta com a msica e dois

    exercendo o papel de suporte e auxiliar (ibid).

    Swanwick apresenta trs princpios de Educao Musical. O primeiro deles

    considerar a msica como discurso, o que tem conseqncias para a Educao Musical. O

    discurso uma forma de metfora, que o autor concebe como juntar coisas dissimilares,

    3 O modelo CLASP foi traduzido por Alda de Oliveira e Liane Hentschke como modelo (T)EC(L)A.

  • 41

    criar relaes onde previamente no havia nenhuma (SCRUTON apud SWANWICK,

    2003). Por meio do processo de metfora,

    a) transformamos sons em melodias, gestos;

    b) transformamos essas melodias, esses gestos em estruturas;

    c) transformamos essas estruturas simblicas em experincias significativas.

    O senso de significao pessoal encontrado na msica depende dessas

    transformaes. Somente quando sons se tornam gestos e quando esses gestos mudam

    para formas entrelaadas, a msica pode relacionar e informar os contornos e motivos de

    nossas experincias prvias de vida (SWANWICK, 2003, p.56).

    Portanto, um dos objetivos do professor de msica, segundo Swanwick, estreitar a

    relao dos alunos com a msica, trazendo a conscincia musical do ltimo para o primeiro

    plano. E a preocupao que deve orientar o trabalho do educador musical apresentada

    pelo autor atravs da questo: [...] isso , realmente, musical? Existe um sentimento que

    demanda carter expressivo e um senso de estrutura naquilo que feito e dito? (ibid,

    p.58). Essa orientao serve para qualquer uma das atividades musicais.

    O segundo princpio considerar o discurso musical do aluno. Parte do pressuposto

    que cada aluno traz um domnio da compreenso musical quando chega escola. preciso

    que haja espao para a escolha, a tomada de decises, a explorao pessoal de carter

    musical. tambm de fundamental importncia ouvir, ter bons modelos, inclusive o

    professor como msico sensvel. Em sntese, o segundo princpio respeitar o discurso

    musical e as diferenas musicais dos alunos, integrando experincias musicais diversas e as

    diferentes formas de atividades musicais de composio, de performance e apreciao. A

    composio permite mais tomadas de deciso e , portanto, uma necessidade educacional

    (ibid).

    O terceiro e ltimo princpio apresentado por Swanwick fluncia no incio e no

    fim. Comparando a experincia musical linguagem e sua aquisio, a seqncia de

    procedimentos mais efetiva ouvir, articular, depois ler e escrever. A fluncia musical,

    habilidade auditiva de imaginar a msica, associada habilidade de controlar um

  • 42

    instrumento (ou voz) elemento fundamental nessa perspectiva e precede a leitura e a

    escrita musical (2003, p.69).

    Com base nesses princpios, podemos situar melhor a perspectiva tcnica, que ainda

    est presente no ensino de msica e teve influncia na formao de muitos que atuam na

    Educao Musical. Nessa perspectiva, o ensino de msica est centrado na aprendizagem

    da escrita e leitura musical, na percepo atravs dos ditados e solfejos, no

    desenvolvimento de habilidades para a execuo vocal e instrumental e numa audio

    focada nos elementos musicais e em sua organizao. Desta forma perde-se o todo, o

    sentido musical, que no dado apenas pela compreenso analtica e fragmentada. Muitas

    pessoas abandonam a aprendizagem sistemtica de msica por causa das dificuldades e da

    falta de sentido gerados por esse tipo de ensino. Portanto, no nessa perspectiva que a

    msica deve ser inserida na escola.

    Concebendo a msica como uma forma simblica e considerando os princpios

    acima apresentados, a Educao Musical desenvolvida na busca do sentido musical.

    Nessa concepo, a tcnica e a literatura so atividades auxiliares, subordinadas ao fazer

    musical, que pressupe um envolvimento profundo com a msica atravs da apreciao,

    composio e execuo. J a leitura e escrita, como na lngua materna, vm depois de uma

    familiaridade com a msica e da fluncia musical. Por esses motivos, tal concepo de

    msica foi referncia para a anlise da prtica pedaggico-musical na pesquisa.

    2.3.1. Educao Musical Criadora e Educao Musical Reiterativa

    Para definir essa prtica, apropriei-me dos conceitos de prxis, prxis criadora e

    prxis reiterativa de Vasquez (1977) e das concepes de msica e Educao Musical de

    Swanwick (2003), buscando pontos de identidade entre ambos.

    Para Vsquez, a prxis ao do homem sobre a matria e criao atravs dela

    de uma nova realidade humanizada. Essa prxis tem nveis diferentes de acordo com o

    grau de penetrao da conscincia do sujeito ativo no processo prtico e com o grau de

    criao ou humanizao da matria transformada evidenciado no processo de sua atividade

    prtica (1977, p.245).

  • 43

    A concepo de msica como forma simblica ou discurso pressupe uma

    intencionalidade prpria de toda prxis humana, [...] o ato de dar forma msica uma

    tentativa intencional de articular significado. A intencionalidade est presente tambm no

    trabalho do educador musical. Observar um educador musical eficaz no trabalho

    observar este forte sentido de inteno musical ligado a um propsito educacional:

    habilidades so utilizadas para fins musicais, conhecimento factual informa a compreenso

    musical (SWANWICK, 1993, p.29).

    Na prtica criadora h um papel ativo da conscincia em todo o processo. A prtica

    musical uma transformao consciente da matria som, organizado com expressividade e

    senso de estrutura em busca do significado. A Educao Musical tambm uma atividade

    consciente, porque tem como meta principal trazer a conversao musical do fundo de

    nossa conscincia para o primeiro plano (idem, 2003, p. 50).

    Os traos da prxis criadora, segundo Vsquez, so unidade indissocivel, no

    processo prtico, do interior e o exterior, do subjetivo e objetivo; indeterminao e

    imprevisibilidade do processo e do resultado e unicidade e irrepetibilidade do produto.

    (1977, p.251).

    Na concepo de msica como discurso no sentido de argumento, troca de

    idias, expresso do pensamento e forma simblica, h uma unidade indissocivel, no

    processo prtico, do interior e o exterior, do subjetivo e o objetivo. A msica comparada

    a uma metfora onde articulamos a estrutura musical com nossa estrutura psicolgica,

    resduos de nossas experincias de vida (schemata), de carter afetivo e subjetivo. Desta

    forma a subjetividade encontra-se inseparvel da objetividade, visto que o sentido da

    msica no est no objeto em si, mas na relao que o sujeito estabelece entre a estrutura

    musical e sua estrutura psicolgica. Para Swanwick a msica uma troca significativa,

    no apenas um prazer simples e sensorial [...] ela enriquece nossa compreenso sobre

    ns mesmos e sobre o mundo (2003, p.18).

    Na prtica criadora a relao entre teoria e prtica de unidade indissocivel.

    Teoria e prtica so atividades diferentes, mas no se opem. A relao entre uma e outra

    de unidade, uma vez que a teoria sem a prtica no transforma o real e a prtica no existe

  • 44

    sem uma finalidade e conhecimento que caracterizam a atividade terica (VSQUEZ,

    1977).

    O conhecimento dos fins e do processo para alcan-los so pressupostos da prtica

    musical e da Educao Musical. No ensino tradicional de msica, os conhecimentos de e

    sobre msica encontram-se fragmentados em disciplinas como Teoria Musical, Anlise e

    Crtica Musical, Harmonia, Histria da Msica entre outras e separados da prtica musical,

    execuo, apreciao e composio. Portanto, h uma separao entre teoria e prtica; e a

    prtica baseia-se num modelo preexistente.

    Entretanto, a msica no existe apenas como idia, ela precisa objetivar-se, realizar-

    se.

    Como atividade prtica, a arte produo de uma nova realidade, na qual culmina um processo que teve seu ponto de partida na conscincia, sob a forma de uma inteno, um esboo ou um projeto, que se foi modificando no decorrer do citado processo at adquirir uma realidade objetiva; trata-se, portanto, de um produto que transcende os atos subjetivos que se efetuaram no decorrer do processo prtico ao mesmo tempo em que os conserva objetivados (VSQUEZ, 1977, p.321)

    Ento, as finalidades iniciais e o projeto vo objetivar-se na prtica musical. O foco

    da Educao Musical est nos verdadeiros processos do fazer musical (Swanwick 2003,

    p.50). No modelo CLASP as atividades de composio, execuo e apreciao so

    atividades centrais e as de literatura (conhecimentos de e sobre msica), bem como a

    tcnica so subordinadas s primeiras.

    Todavia, nem toda prtica musical pode ser considerada prtica criadora. Para tanto

    deve atingir os trs nveis metafricos, transformando sons em melodias e gestos,

    transformando essas melodias e esses gestos em estruturas e transformando essas estruturas

    simblicas em experincias significativas. Esses processos podem ser avaliados pelo

    alcance das vrias camadas da atividade musical: material, expresso, forma e valor (ibid).

    Dessa forma, a tcnica que no ensino tradicional tem um tratamento separado, no tem

    valor em si, mas est a servio da busca de expressividade, do senso de estrutura e da

    fluncia. A Literatura - conhecimentos de e sobre msica - deve estar articulada s

    atividades de composio, apreciao e execuo, contribuindo para a compreenso e o

    significado musical.

  • 45

    Para Vsquez, a separao entre teoria e prtica e a reduo do papel da conscincia

    pode resultar numa prtica vazia de contedo, baseada num modelo preexistente, gerado

    numa prtica criadora anterior, que no corresponde s necessidades e s condies postas

    pela realidade. Neste caso temos uma prtica caracterizada por Vsquez como reiterativa

    ou imitativa. Uma prtica criadora, ao contrrio, no se adapta plenamente a uma lei

    previamente traada e culmina num produto novo e nico (1977).

    A Educao Musical, na concepo de Swanwick, uma prtica contextualizada,

    baseada numa relao entre professor, aluno e msica, considerando a realidade, a cultura

    musical do aluno e o meio cultural A msica que as crianas tocam, cantam e escutam

    ser msica real no msica de escola, especialmente manufaturada (1993, p.29). O

    autor prope tambm a conversao do pensamento musical de outras pocas e lugares,

    que pode levar aproximao com a diversidade musical do mundo atual e ao respeito s

    diferenas individuais e aos grupos sociais.

    A cultura musical do aluno que, muitas vezes, tem em comum os meios atuais de

    transmisso valorizada, bem como os diversos tipos de msica disponveis. O educador

    musical promove trocas musicais, encontrando pontos comuns entre os diversos tipos de

    msica, para ampliar seu repertrio e aprofundar sua relao com a msica. De forma

    distinta, a perspectiva tradicional ignorava todas essas possibilidades, voltada para o ensino

    de msica baseado num modelo ideal a ser generalizado, independente da realidade, dos

    interesses e necessidades dos alunos.

    J a Educao Musical de Swanwick implica um processo dinmico. O que existe

    anteriormente so apenas as finalidades ideais que, na resistncia do real, vo modificando