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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A FORMAÇÃO MUSICAL DE PROFESSORES EM CURSOS DE PEDAGOGIA: UM ESTUDO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS DO RS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Alexandra Silva dos Santos Furquim Santa Maria, RS, Brasil 2009

FURQUIM - A Formação Musical de Professores Em Cursos de Pedagogia

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FURQUIM - A Formação Musical de Professores Em Cursos de Pedagogia

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    A FORMAO MUSICAL DE PROFESSORES EM CURSOS DE PEDAGOGIA:

    UM ESTUDO DAS UNIVERSIDADES PBLICAS DO RS

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Alexandra Silva dos Santos Furquim

    Santa Maria, RS, Brasil

    2009

  • A FORMAO MUSICAL DE PROFESSORES EM CURSOS DE PEDAGOGIA:

    UM ESTUDO DAS UNIVERSIDADES PBLICAS DO RS

    por

    Alexandra Silva dos Santos Furquim

    Dissertao apresentada banca examinadora e ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Educao,

    da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obteno do grau de

    Mestre em Educao.

    Orientadora: Profa. Dra. Cludia Ribeiro Bellochio

    Santa Maria, RS, Brasil

    2009

  • Universidade Federal de Santa Maria Centro de Educao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao de Mestrado

    A FORMAO MUSICAL DE PROFESSORES EM CURSOS DE PEDAGOGIA:

    UM ESTUDO DAS UNIVERSIDADES PBLICAS DO RS

    elaborada por Alexandra Silva dos Santos Furquim

    COMISO EXAMINADORA:

    _________________________________________ Cludia Ribeiro Bellochio, Dra.

    (Presidente/Orientadora)

    _________________________________________ Srgio Luiz Ferreira de Figueiredo, Dr. (UDESC)

    _________________________________________ Valeska Maria Fortes de Oliveira, Dra. (UFSM)

    _________________________________________ Luciane Wilke Freitas Garbosa, Dra. (Suplente)

    Santa Maria, 31 de agosto de 2009.

  • DEDICO ...

    minha filha Lusa, por (en)cantar constantemente.

  • AGRADEO ...

    ... Deus, pois sem sua presena, nada seria possvel;

    ... minha famlia, sobretudo aos meus pais, Arnbio e Mari, meu marido Paulo Ricardo, minha filha Lusa, minhas irms, cunhados, sobrinhos e sobrinhas, pessoas sempre presentes, que dedicaram carinho, ateno, amor e compreenso nos momentos de ausncia

    necessrios para a realizao deste trabalho;

    ... querida professora Cludia, minha orientadora e companheira na realizao deste estudo. Obrigada pela amizade, pelo carinho, pela

    pacincia, pela ateno e por ter orientado e conduzido este trabalho com muita sabedoria, sensibilidade e disposio diante das minhas limitaes. Obrigada, tambm, por oportunizar meu crescimento e

    aprendizado musical;

    ... Ao professor Srgio, por aceitar participar da banca examinadora desta dissertao, conferindo sugestes para a qualificao do

    projeto e, sobretudo, por acreditar nas potencialidades musicais do professor unidocente;

    ... professora Valeska, por aceitar compor esta banca examinadora, contribuindo com a discusso e significado da formao musical de

    professores no curso de Pedagogia;

    ... professora Luciane, por aceitar participar da banca examinadora e ter acompanhado e contribudo com o delineamento desta pesquisa.

    Obrigada por estar presente no decorrer de minha trajetria profissional, incentivando a construo do conhecimento musical;

    ... Aos coordenadores e professoras dos cursos de Pedagogia das universidades pblicas do RS, pela disponibilidade, participao e

    ateno para a realizao desta pesquisa;

  • ... Aos colegas do curso de Mestrado, especialmente os da Linha de Pesquisa Educao e Artes, pela convivncia e aprendizagens;

    ... Aos amigos Regina, Joslia, Ivan, Frankiele, Kelly, Aruna, Daniela,

    Sabrina e Laila. Obrigada pelos momentos de reflexes e aprendizagens, como tambm os de descontrao presentes no

    decorrer dessa caminhada;

    ... Ao grupo FAPEM, ao Programa LEM: Tocar e Cantar e ao Programa SOM, pelos momentos de construo e reconstruo de saberes e

    fazeres musicais;

    ... Ao Programa de Ps-Graduao em Educao, representado por sua coordenao, professores, funcionrios e alunos, que proporcionaram

    um ambiente agradvel e apropriado para estudo e pesquisa;

    ... CAPES, pela bolsa de estudos concedida;

    ... A todos que contriburam direta ou indiretamente, prximos ou distantes, no passado ou presente para a concretizao deste

    estudo:

    MUITO OBRIGADA!

  • EPGRAFE

    [...] o espao curricular do curso de Pedagogia, que envolve a educao musical,

    fundamental para assegurar a formao musical e pedaggico-musical inicial,

    no resumida a este momento da vida dos sujeitos, mas como embrio que necessita de alimentos para nutrir-se.

    (BELLOCHIO, 2008, p. 221)

  • RESUMO

    Programa de Ps-Graduao em Educao Universidade Federal de Santa Maria

    A FORMAO MUSICAL DE PROFESSORES

    EM CURSOS DE PEDAGOGIA: UM ESTUDO DAS UNIVERSIDADES PBLICAS DO RS

    AUTORA: ALEXANDRA SILVA DOS SANTOS FURQUIM ORIENTADORA: CLUDIA RIBEIRO BELLOCHIO

    Santa Maria, 31 de agosto de 2009.

    A presente pesquisa foi desenvolvida no curso de Mestrado em Educao, da Universidade Federal de Santa Maria/RS, na linha de pesquisa Educao e Artes e vincula-se ao grupo Formao, Ao e Pesquisa em Educao Musical (FAPEM). O estudo objetivou investigar a Educao Musical na formao de professores em cursos de Pedagogia, ofertados no perodo diurno e na modalidade presencial, das universidades pblicas do RS. Especificamente, buscou-se conhecer o Projeto Poltico Pedaggico (PPP) dos cursos de Pedagogia e as propostas de Educao Musical nele contidas e desenvolvidas nos cursos de Pedagogia, assim como compreender como a Educao Musical se articula com a formao geral do professor dos anos iniciais de escolarizao. A fundamentao da pesquisa apia-se em autores da formao de professores (NVOA, 1995; GARCIA, 1999; DINIZ-PEREIRA, 2008; MIZUKAMI, 2008), do curso de Pedagogia (BRZEZINSKI, 1999; 2008; SILVA, 1999; SAVIANI, 2008; SCHEIBE, 2008) e da Educao Musical na Pedagogia (BELLOCHIO, 2000; 2001; 2004; 2008; FIGUEIREDO, 2001; 2003b; 2004; 2007), entre outros. O estudo possuiu uma abordagem qualitativa, caracterizada como um estudo de caso mltiplo (YIN, 2005). A coleta de dados foi realizada atravs da anlise documental do PPP e dos programas das disciplinas de Arte/Msica constituintes do currculo dos cursos de Pedagogia e tambm envolveu entrevista semi-estruturada com cinco coordenadores e quatro professores dos cursos de Pedagogia das universidades participantes do estudo. Os dados foram analisados de acordo com a tcnica anlise de contedo (BARDIN, 1977). Ao conhecer o PPP dos cursos de Pedagogia, observou-se que todas as instituies visam formao de licenciados em Pedagogia e tem a formao para a docncia nos anos iniciais de escolarizao como foco. Especificamente com relao Educao Musical na formao acadmico-profissional na Pedagogia, constatou-se que a rea de Msica consta no currculo do curso de Pedagogia de duas universidades, como uma disciplina especfica. Nas demais instituies, a rea de Msica no consta no currculo como uma disciplina especfica. Em duas universidades h uma disciplina que focaliza a Arte, porm a Educao Musical no se encontra na proposta da disciplina. Na outra instituio, a rea de Msica insere-se em uma disciplina de Arte, porm a nfase reside no conhecimento inerente s Artes Visuais. Acredita-se que conhecer a formao musical no curso de Pedagogia constitui-se em um meio para novos debates, aes e propostas, a fim de redimensionar a formao e a atuao do professor unidocente acerca da Educao Musical escolar.

    Palavras-chave: Educao Musical; formao de professores; curso de Pedagogia

  • ABSTRACT

    Post-Graduate Program in Education Federal University of Santa Maria

    TEACHERS MUSICAL TRAINING IN PEDAGOGY COURSES:

    A STUDY OF PUBLIC UNIVERSITIES IN RS AUTHOR: ALEXANDRA SILVA DOS SANTOS FURQUIM

    ADVISOR: CLUDIA RIBEIRO BELLOCHIO Santa Maria, August 31, 2009.

    The present research was developed in the course of Master in Education, in the Federal University of Santa Maria/RS, in the line of research Education and Arts and it is related to the training group named Action and Research in Music Education (FAPEM). The study aimed at investigating the Music Education in teacher training courses in education, offered during the day and in the presence mode, the public universities of the RS. Specifically, it is intended to understand the Political Pedagogical Project (PPP) of courses in pedagogy and the proposals contained therein for Music Education and developed courses in pedagogy and understand how the Music Education is articulated with the general education teacher of the early years of schooling. The reasons for the study is based on authors of teacher training (NVOA, 1995; GARCIA, 1999; DINIZ-PEREIRA, 2008; MIZUKAMI, 2008), the pedagogy course (BRZEZINSKI, 1999; 2008; SILVA, 1999; SAVIANI, 2008; SCHEIBE, 2008) and Music Education in Pedagogy (BELLOCHIO, 2000; 2001; 2004; 2008; FIGUEIREDO, 2001; 2003b; 2004; 2007), among others.The study has a qualitative approach, characterized as a multiple case study (YIN, 2005). Data collection was conducted through document analysis of the PPP and programs of the disciplines of Art/Music which are part of the syllabus of the courses in pedagogy. It also involved semi-structured interviews with five teachers and four coordinators of the courses of education of universities participating in the study. Therefore, the data were analyzed according to the technique of content analysis (BARDIN, 1977). In order to know the PPP of the courses of education, it was observed that all the institutions are designed to train graduates in education and it has the training for teaching in the early years of schooling as a focus. Specifically with regard to Music Education in academic and professional training in pedagogy, it was found that the area of music in the syllabus of the course of education in two universities is considered a specific discipline. In other institutions, the area of music it is not a a specific discipline in their syllabus. In two universities there is a discipline that focuses on the art, but the Music Education is not the proposal of the discipline. In another institution, the area of Music is part of a discipline of art, but the emphasis lies in the knowledge inherent in the Visual Arts. It is believed that knowing the course of training in music education is one way of fostering further discussions, actions and proposals in order to resize the role and the education of the multiple subject teacher about Music Education school. Keywords: Music Education; teacher training; pedagogy course

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Bases de sustentao da proposta pedaggica ................................ 25

    Figura 2 Estrutura conceitual para formao musical de professores

    unidocentes ........................................................................................................ 35

    Figura 3 Localizao, no mapa do RS, dos municpios onde se situam as

    universidades pblicas em estudo ...................................................................... 48

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Os cursos de Pedagogia das universidades pblicas do RS em

    estudo ................................................................................................................. 59

    Quadro 2 A Arte/Msica nos cursos de Pedagogia ......................................... 64

    Quadro 3 A formao acadmico-profissional dos coordenadores dos

    cursos de Pedagogia das universidades pblicas do RS em estudo ................. 99

    Quadro 4 A formao acadmico-profissional das professoras da rea de

    Arte/Msica dos cursos de Pedagogia em estudo ............................................. 133

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABEM Associao Brasileira de Educao Musical

    ACG Atividade Complementar de Graduao

    ANFOPE Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao

    ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    ANPPOM Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica

    CD Compact Disc

    CE Caderno de Entrevistas

    CFE Conselho Federal de Educao

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNE/CP Conselho Nacional de Educao/ Conselho Pleno

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CRE Coordenadoria Regional de Educao

    DCNP Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia

    DVD Digital Versatile Disc

    ENDIPE Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino

    ES Estgio Supervisionado

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    FAPEM Formao, Ao e Pesquisa em Educao Musical

    FURG Fundao Universidade Federal do Rio Grande

    GT Grupo de Trabalho

    IES Instituio de Ensino Superior

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    LEM Laboratrio de Educao Musical

    MEC Ministrio da Educao

    MEN Metodologia do Ensino

    PCNs Parmetros Curriculares Nacionais

    PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica

    PED Prticas Educativas

    PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao

  • PPP Projeto Poltico Pedaggico

    RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil

    RS Rio Grande do Sul

    SIEF Sries Iniciais do Ensino Fundamental

    UERGS Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFPel Universidade Federal de Pelotas

    UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFSCar Universidade Federal de So Carlos

    UFSM Universidade Federal de Santa Maria

    UnB Universidade de Braslia

    UNIFRA Centro Universitrio Franciscano

    UNIPAMPA Universidade Federal do Pampa

    UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos

    UNIVATES Universidade Integrada do Vale do Taquari

    URCAMP Universidade da Regio da Campanha

  • SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS .......................................................................................... x

    LISTA DE QUADROS ........................................................................................ xi

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................ xii

    INTRODUO ................................................................................................... 1

    CAPTULO 1 ...................................................................................................... 11

    1. FORMAO DE PROFESSORES ............................................................... 11

    1.1 A formao acadmico-profissional de professores .............................. 11

    1.1.1 A formao de professores no curso de Pedagogia ............................ 16

    1.1.2 O currculo e o curso de Pedagogia .................................................... 23

    1.2 A formao musical no curso de Pedagogia ........................................... 30

    1.2.1 A formao musical e pedaggico-musical de professores dos anos inicias de escolarizao ................................................................................ 30

    CAPTULO 2 ...................................................................................................... 40

    2. METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................... 39

    2.1 A pesquisa qualitativa como abordagem metodolgica ........................ 39

    2.2 O mtodo de pesquisa: o estudo de caso mltiplo ................................. 40

    2.3 Os instrumentos de coleta de dados: a anlise documental e a entrevista ........................................................................................................... 41

    2.3.1 A anlise documental .......................................................................... 42

    2.3.2 A entrevista semi-estruturada .............................................................. 43

    2.4 O contexto e os participantes da pesquisa .............................................. 46

    2.4.1 Os participantes da pesquisa .............................................................. 47

    2.5 A interpretao dos dados: anlise de contedo .................................... 48

    CAPTULO 3 ...................................................................................................... 52

    3. OS CURSOS DE PEDAGOGIA DAS UNIVERSIDADES PBLICAS DO RS E A EDUCAO MUSICAL ......................................................................... 52

    3.1 Os cursos de Pedagogia das universidades pblicas do RS: PPP e perfil profissional .............................................................................................. 52

  • 3.2 A Educao Musical nos cursos de Pedagogia em estudo ................... 60

    CAPTULO 4 ...................................................................................................... 66

    4. A EDUCAO MUSICAL SOB A PTICA DE COORDENADORES E PROFESSORES DOS CURSOS DE PEDAGOGIA DO RS .............................. 66

    4.1 A Educao Musical no contexto da Pedagogia sob a ptica dos coordenadores .................................................................................................. 66

    4.1.1 Universidade A ................................................................................... 66

    4.1.2 Universidade B .................................................................................... 72

    4.1.3 Universidade C .................................................................................... 79

    4.1.4 Universidade D .................................................................................... 85

    4.1.5 Universidade E .................................................................................... 92

    4.2 As propostas formativas em Educao Musical sob a ptica das professoras ....................................................................................................... 101

    4.2.1 Universidade A ................................................................................... 101

    4.2.2 Universidade B .................................................................................... 107

    4.2.3 Universidade C .................................................................................... 114

    4.2.4 Universidade E .................................................................................... 122

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 136

    REFERNCIAS .................................................................................................. 142

    APNDICES ....................................................................................................... 151

    APNDICE A Roteiro da entrevista semi-estruturada realizada com os coordenadores dos cursos de Pedagogia .......................................................... 152

    APNDICE B Roteiro da entrevista semi-estruturada realizada com os professores ......................................................................................................... 153

    APNDICE C Carta de apresentao ............................................................. 154

    APNDICE D Termo de consentimento livre e esclarecido ............................ 155

    APNDICE E Termo de confidencialidade ...................................................... 157

  • INTRODUO

    A presente dissertao tematiza sobre a formao musical de professores em

    cursos de Pedagogia do Rio Grande do Sul (RS). Vincula-se linha de pesquisa

    Educao e Artes do curso de Mestrado em Educao da Universidade Federal de

    Santa Maria (UFSM)1 e ao grupo de estudos e pesquisas Formao, Ao e

    Pesquisa em Educao Musical (FAPEM)2.

    Nesta primeira seo, apresenta-se a trajetria formativa da pesquisadora em

    relao msica e a importncia que a formao musical oferecida no curso de

    Pedagogia da UFSM teve na sua formao acadmico-profissional. Apresenta-se

    tambm o tema, a questo de pesquisa, a justificativa e os objetivos para a

    realizao desse estudo.

    Os caminhos percorridos

    No decorrer de minha trajetria de vida, a msica sempre me chamou muita

    ateno. Embora no tivesse tido aula de msica na escola durante minha infncia e

    adolescncia, esta esteve sempre muito presente no meu cotidiano: era msica

    ouvida no rdio, cantada na escola em homenagem aos pais, s mes, cantada na

    igreja, no Natal, msica de fundo nas reunies de amigos e confraternizaes em

    famlia, msica danada no carnaval, bailes de debutantes e formatura. Assim, a

    msica sempre esteve presente na minha vida, em diferentes momentos, ocupando

    distintas funes.

    Certamente essas vivncias contriburam para que eu construsse algumas

    concepes sobre a msica. Ao ingressar no curso de Pedagogia, Habilitao Sries

    1 O curso de Mestrado em Educao da UFSM abrange quatro Linhas de Pesquisa: LP1 - Formao, Saberes e Desenvolvimento Profissional, LP2 - Prticas Escolares e Polticas Pblicas, LP3 - Educao Especial e LP4 - Educao e Artes. 2 Esse grupo de estudos e pesquisas vincula-se ao CNPq e tem como lderes as professoras Cludia Ribeiro Bellochio e Luciane Wilke Freitas Garbosa. Alm disso, insere-se ao Programa de Ps-Graduao em Educao da UFSM e possui as seguintes linhas de pesquisa: (a) formao e profissionalizao de professores especialistas e no-especialistas em educao musical, (b) prticas acadmicas, escolares e no-escolares para o ensino de msica e (c) produo e anlise de material didtico.

  • 2

    Iniciais e Magistrio das Matrias Pedaggicas do 2 Grau3, em 2000, na UFSM,

    acreditava que a msica na escola era uma atividade que objetivava somente cantar

    e danar com as crianas msicas de grupos e cantores, tais como Xuxa, KLB,

    Balo Mgico e as msicas referentes a cantigas folclricas ou destinadas s datas

    comemorativas.

    No terceiro semestre do curso fui realizar observaes em uma escola.

    Dentre os vrios aspectos evidenciados na sala de aula, observei que a professora

    colocava msica de fundo para as crianas se acalmarem e utilizava algumas

    musiquinhas de comando na hora do lanche, na hora da entrada, etc. Esse fato

    no me causou estranheza naquele momento, afinal esse tipo e periodicidade de

    prticas envolvendo a msica fizeram parte, tambm, da minha trajetria escolar.

    No quinto semestre freqentei a disciplina de Metodologia do Ensino da

    Msica no Currculo por Atividade, componente curricular obrigatrio do curso. Essa

    disciplina, a partir das leituras, discusses, problematizaes e atividades prticas,

    possibilitou que eu (re)construsse concepes j internalizadas sobre a msica.

    Ento, comecei a conceb-la como uma rea do conhecimento que, nessa

    perspectiva, necessita estar inserida nas prticas escolares de professores dos anos

    iniciais da escolarizao4, espao para o qual estava sendo formada

    profissionalmente.

    Envolvida e encantada pelos saberes e possibilidades de prticas musicais

    que a disciplina proporcionava para minha atuao profissional, no final do quinto

    semestre participei de seleo e comecei a atuar como bolsista de um projeto de

    pesquisa5 sobre ensino de Msica. A partir desse projeto, passei a estudar com

    afinco questes referentes a concepes e prticas musicais de professores dos

    Anos Iniciais do Ensino Fundamental, como tambm saberes docentes necessrios

    prtica musical de licenciados em Msica.

    3 Alm dessa habilitao, o curso de Pedagogia oferecia a habilitao para Pr-escola e Magistrio das Matrias Pedaggicas do 2 Grau. De acordo com o Projeto Poltico Pedaggico do curso de Pedagogia, atualmente a UFSM oferece o curso de Pedagogia - Licenciatura Plena, no qual engloba a formao com habilitao para a docncia na Educao Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, inclusive na modalidade de Educao de Jovens e Adultos (EJA) e nas demais reas nas quais sejam previstos conhecimentos pedaggicos. 4 Utiliza-se, nesse trabalho, o termo anos iniciais de escolarizao para se referir as etapas de Educao Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. 5 Projeto de pesquisa intitulado Ser professor de Msica: um estudo acerca da formao e concepes educacionais do educador musical, coordenado pela professora Doutora Cludia Ribeiro Bellochio, do qual fui bolsista PIBIC/CNPq entre novembro de 2002 e janeiro de 2004.

  • 3

    Concomitantemente, participei da oficina de Canto Coral, que integra o

    Programa LEM: Tocar e Cantar6, oferecida como oportunidade de formao musical

    complementar no curso de Pedagogia da UFSM, oficina que participo at o

    momento. Nessa oficina, os conhecimentos ampliam as aprendizagens musicais

    provenientes da formao musical ofertada no curso de Pedagogia, na medida em

    que so mobilizados conhecimentos referentes colocao vocal, cuidados com a

    voz, aprendizado de um variado repertrio musical de diferentes gneros e estilos,

    como tambm aprendizado de notao musical. Alm dessa oficina, participo da

    oficina de Flauta Doce, que se constitui em uma vivncia e aprendizado de

    instrumento musical convencional.

    No segundo semestre de 2004 realizei estgio nos Anos Iniciais do Ensino

    Fundamental e inseri no meu planejamento atividades musicais. Embora tenha

    encontrado muitos desafios para atuao com esta rea, acredito que as atividades

    planejadas e desenvolvidas no contexto dos conhecimentos com os quais trabalhei,

    proporcionaram vivncias musicais importantes para os meus alunos.

    No segundo semestre de 2006 freqentei como aluna ouvinte o Seminrio

    Temtico da Linha de Pesquisa 5 - Educao e Artes7 intitulado FAPEM: Formao,

    Ao e Pesquisa em Educao Musical8, do curso de Mestrado em Educao, do

    Programa de Ps-Graduao em Educao da UFSM. Nessa disciplina, alm de

    leituras e discusses sobre vrios temas referentes metodologia de pesquisa,

    especificamente na rea de Msica, foi proposta a realizao de uma

    micropesquisa: elaborao de um projeto, coleta de dados, apresentao de

    resultados e consideraes sobre a temtica estudada.

    Nessa oportunidade, desenvolvi uma micropesquisa que objetivou analisar as

    contribuies do estgio de alunos do curso de Licenciatura Plena em Msica nos

    anos iniciais de escolarizao para o processo de formao permanente e

    (re)construo das prticas educativas de professores unidocentes9 acerca da

    6 O Programa LEM: Tocar e Cantar coordenado pelas professoras Cludia Ribeiro Bellochio e Luciane Wilke Freitas Garbosa. Caracteriza-se como um programa que rene aes de ensino, extenso e pesquisa, iniciado em 2003, o qual integra projetos de formao musical e pedaggico-musical desenvolvidos atravs de oficinas. Atualmente so oferecidas as oficinas de Canto Coral, Violo, Grupo Instrumental, Percusso, Flauta Doce, Apreciao e Linguagem Musical, Vivncia Musical e Construo de Instrumentos. 7 Atualmente chama-se Linha de Pesquisa 4: Educao e Artes.

    8 Essa disciplina foi ministrada pela Professora Doutora Cludia Ribeiro Bellochio e pela Professora Doutora Luciane Wilke Freitas Garbosa. 9 Entende-se por professor unidocente, nessa pesquisa, o profissional responsvel pelo ensino de todas as reas do saber na Educao Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

  • 4

    Educao Musical10. A fim de atingir o objetivo proposto, foi realizada uma

    entrevista semi-estruturada com dois professores dos anos iniciais de escolarizao

    de uma escola municipal do bairro Camobi, de Santa Maria/RS que possuam

    estagirios do curso de Msica. Na entrevista foram focalizadas as concepes dos

    professores unidocentes sobre a Educao Musical, prticas musicais desenvolvidas

    e a repercusso do estgio de alunos do curso de Msica nos anos iniciais de

    escolarizao. A partir dessa entrevista, constatei que os entrevistados atriburam

    rea de Msica importncia e validade nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,

    porm destacaram que a principal causa para a ausncia de prticas musicais

    sistemticas referia-se insuficiente formao profissional na rea de Msica,

    somada ausncia de professores especialistas em Msica na escola.

    Paralelamente realizao dessa micropesquisa, conversei informalmente

    com a direo da referida escola e verifiquei que a repercusso da presena de

    estagirios era consenso entre eles, visto que entendiam que a msica deveria estar

    presente na escola e seu ensino ser realizado por especialistas na rea de Msica,

    j que os professores dos anos iniciais de escolarizao no possuam formao

    especfica para desenvolver atividades musicais.

    A oportunidade de participar dessa disciplina como aluna ouvinte e ter

    realizado essa micropesquisa foi relevante e contribuiu para meu crescimento e

    amadurecimento, principalmente como pesquisadora, pois me auxiliou na

    delimitao do tema e dos aspectos terico-metodolgicos utilizados para a

    realizao de meu estudo monogrfico, assim como subsidiou terica e

    metodologicamente o desenvolvimento da presente pesquisa.

    No primeiro semestre de 2007 ingressei no curso de Especializao em

    Gesto Educacional, buscando um espao para formao continuada, que

    ampliasse meus conhecimentos sobre educao, especialmente com relao

    Educao Musical nos anos iniciais de escolarizao e suas interfaces com a gesto

    escolar.

    Nesse curso, desenvolvi uma pesquisa sobre as concepes de diretores

    escolares de cinco escolas municipais do bairro Camobi, localizado em Santa

    10 Cabe destacar que essa escola possua um nmero expressivo de alunos do curso de Msica,

    Licenciatura Plena, da UFSM desenvolvendo estgio nos anos iniciais de escolarizao no segundo semestre de 2006. Referida insero na escola tambm acoplava a formao continuada de professores regentes das classes de estgio, ou seja, professores unidocentes.

  • 5

    Maria/RS sobre a Educao Musical e as aes mobilizadas por estes para a

    insero e/ou ampliao de prticas musicais nos anos iniciais de escolarizao.

    A partir dessa pesquisa, constatei que os diretores acreditam na importncia e

    validade das prticas musicais na escola, sobretudo nos anos iniciais de

    escolarizao. No entanto, atriburam rea de Msica na escola uma srie de usos

    e funes, distanciando-a de uma rea do conhecimento que possui contedos

    especficos. Esse fato, somado a pouca formao musical do professor da Educao

    Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, contribui para que essa rea no

    esteja presente no currculo escolar e nas prticas de tais profissionais nas escolas

    pesquisadas, assim como limita as aes mobilizadas, na maioria dos casos, para a

    insero no contexto escolar desta rea do saber (FURQUIM, 2009).

    Assim, as concluses decorrentes desse estudo monogrfico vm ao

    encontro dos resultados apresentados por vrias pesquisas desenvolvidas sobre a

    formao e prticas musicais de professores dos anos iniciais de escolarizao11.

    Tais estudos destacam que uma das principais causas para a ausncia de

    atividades propriamente musicais na escola, alm da inexistncia de professores

    especialistas, refere-se a pouca formao musical dos professores unidocentes. Tal

    formao compreende tanto a pessoal, decorrente das vivncias musicais em

    espaos formais, no formais e informais, quanto profissional, oriunda da formao

    no curso de Pedagogia.

    Concomitantemente ao ingresso no curso de Mestrado em Educao,

    comecei a participar do Programa SOM: formao, assessoria e orientao em

    Msica para escolas e outros espaos educacionais12. Vinculada a esse Programa,

    tenho desenvolvido projetos de ensino referentes formao musical de professores

    em escolas pblicas e privadas de Santa Maria/RS, na modalidade de formao

    continuada em servio.

    Alm dessas vivncias e permanente formao, considero relevante a

    insero em seminrios, congressos, simpsios, que focalizam a Educao Musical,

    sobretudo os mini-cursos, cursos e oficinas realizadas.

    11 Conforme Bellochio (2000, 2001, 2002, 2003a, 2004, 2005, 2006), Figueiredo (2001, 2003a, 2003b

    2004a, 2004b, 2005, 2007), Loureiro (2001), Souza et al. (2002), Beaumont (2004), Godoy e Figueiredo (2005), Spanavello (2005), Figueiredo et al. (2006), Tiago e Cunha (2006), entre outros autores que focalizam a temtica. 12 O Programa SOM tem como objetivos centrais formar, assessorar e orientar profissionais e

    instituies em aes ligadas ao ensino de msica escolar e no escolar, abarcando diferentes contextos e situaes de ensino de msica. Esse programa coordenado pelas professoras Luciane Wilke Freitas Garbosa e Cludia Ribeiro Bellochio.

  • 6

    Portanto, nesse caminho percorrido, a formao musical, presente no curso

    de Pedagogia do qual sou egressa, constituiu fator determinante para a

    (re)construo de minhas concepes e prticas musicais, assim como para a

    aprendizagem dos conhecimentos acerca dessa rea do saber. Nesse sentido, a

    rea de Msica inserida no curso de Pedagogia provocou mudanas significativas e,

    sobretudo, formativas. Corroborou, tambm, para a escolha da temtica dos estudos

    e pesquisas que tenho desenvolvido em minha trajetria acadmica.

    Dos caminhos escolhidos ao tema e objetivo da pesquisa

    Esse estudo versa sobre a formao musical no lcus do curso de Pedagogia,

    por entender que esse, historicamente, tem se constitudo como espao de

    formao superior de professores da Educao Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino

    Fundamental.

    A temtica emergiu de pesquisas e estudos desenvolvidos acerca da

    Educao Musical, uma vez que [...] toda pesquisa tem origem num problema

    sentido (BARROS; LEHFELD, 1991, p. 34). Ao encontro dessa considerao,

    Maturana (2001) menciona que um pesquisador no encontra um tema ou problema

    a ser explicado fora dele mesmo, mas constitui um problema a ser estudado a partir

    de suas experincias de vida.

    No decorrer dessa trajetria formativa, alguns questionamentos foram

    surgindo na medida em que as leituras e estudos foram sendo ampliados, tais como:

    a formao musical ofertada no currculo dos cursos de Pedagogia? Quais so as

    disciplinas e/ou atividades que focalizam a rea de Msica nos cursos de

    Pedagogia? Quais os objetivos e o programa para essas disciplinas e/ou atividades

    formativas? Como as questes tericas e prticas tm sido articuladas nesse

    espao a fim de proporcionar formao musical aos professores no curso de

    Pedagogia? Quem o profissional formador que atua com a formao musical na

    Pedagogia? As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (DCNP)

    proporcionaram a insero da formao musical na Pedagogia?

    A partir dessas consideraes e questionamentos, delimitou-se a seguinte

    questo de pesquisa: como os conhecimentos da rea de Msica esto inseridos na

    formao acadmico-profissional de professores no curso de Pedagogia em

    universidades pblicas do RS, sobretudo a partir da instituio das DCNP?

  • 7

    Com base na questo de pesquisa, justifica-se a realizao desse estudo pela

    necessidade de conhecer a formao musical ofertada aos professores dos anos

    iniciais de escolarizao, aps a instituio das DCNP em 2006 e tambm pelo fato

    da rea de Msica, a partir da Lei n. 11.769/200813, ser considerada contedo

    obrigatrio do componente curricular Arte na Educao Bsica, mas, o responsvel

    pelo seu ensino nas escolas, no ser exclusivamente o profissional licenciado em

    Msica.

    Nesse sentido, entende-se que o professor unidocente, com formao

    musical e pedaggico-musical, pode e deve trabalhar msica nos anos iniciais de

    escolarizao. No significa dizer que esse profissional queira ou que,

    principalmente, ir substituir a presena do professor especialista em Msica na

    escola e na sala de aula, mas o fato de possuir formao na rea de Msica

    corrobora para a insero e/ou ampliao do trabalho musical, visto que esse

    profissional desenvolve sua prtica docente, na maioria dos casos, 20 horas

    semanais.

    Acredita-se que o professor dos anos iniciais de escolarizao tem uma

    importante funo na escola e na sociedade, uma vez que conhece e compreende a

    totalidade do desenvolvimento scio-cognitivo de seus alunos, centrando sua prtica

    docente na integrao dos conhecimentos de todas as reas do saber. Nesse

    contexto, o conhecimento musical torna-se imprescindvel para potencializar a esse

    profissional a integrao da rea de Msica com o seu planejamento educacional e

    a prtica docente.

    Entende-se, tambm, que a formao musical ofertada no curso de

    Pedagogia no ir tornar o professor unidocente especialista no ensino de Msica,

    mas necessita proporcionar conhecimentos musicais tericos e prticos, a fim de

    viabilizar a esse profissional possibilidades concretas para a realizao de prticas

    efetivamente musicais. Sob essa perspectiva, considera-se que o ensino de Msica

    na escola, especialmente nos anos iniciais de escolarizao, deixaria de ser

    desenvolvido como pano de fundo para a aprendizagem de contedos referentes a

    outras reas do conhecimento consideradas mais importantes e passaria a ser

    13 Em 18 de agosto de 2008 foi sancionada a Lei n. 11.769, que altera a Lei n. 9.394 de 20 de

    dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e dispe sobre a obrigatoriedade do ensino de Msica na Educao Bsica.

  • 8

    pano de frente, com prticas condizentes com a especificidade dessa rea do

    saber.

    Desse modo, o estudo buscou investigar a Educao Musical na formao de

    professores em cursos de Pedagogia, ofertados no perodo diurno e na modalidade

    presencial14, das universidades pblicas do RS15.

    Especificamente, objetivou-se (a) conhecer o Projeto Poltico Pedaggico

    (PPP) dos cursos de Pedagogia e as propostas nele contidas de Educao Musical

    na formao de professores, (b) conhecer as propostas formativas em Educao

    Musical ofertadas e (c) compreender como a Educao Musical se articula com a

    formao geral do professor dos anos iniciais de escolarizao.

    A fim de atingir esses objetivos, a pesquisa foi desenvolvida em uma

    abordagem qualitativa, caracterizada como um estudo de caso mltiplo (YIN, 2005).

    A coleta dos dados ocorreu atravs da anlise documental do PPP do curso,

    visando conhecer a proposta oficial da formao de professores dos cursos de

    Pedagogia envolvidos no estudo, assim como a disciplina que focaliza a rea de

    Arte/Msica no currculo. A partir desses dados, realizou-se a anlise dos programas

    das disciplinas e entrevistas semi-estruturadas com a coordenao do curso de

    Pedagogia das universidades pesquisadas e com os professores que ministram a

    disciplina de Arte/Msica no curso.

    Assim, a presente dissertao composta de quatro captulos. No primeiro

    captulo aborda-se a formao de professores, de modo geral, buscando entend-la

    no processo de formao acadmico-profissional para a docncia. Inicialmente

    apresentam-se os pressupostos conceituais acerca da formao acadmico-

    profissional de professores. Para tanto, busca-se em autores como Nvoa (1995),

    Garcia (1999), Pacheco e Flores (1999), Bellochio (2000), Imbernn (2000), Lima e

    Reali (2002), Mizukami et al. (2002), Diniz-Pereira (2000, 2008), Isaia e Bolzan

    (2004), Ramalho, Nuez e Gauthier (2004), Lima (2007), Mizukami (2008) uma

    14 Essa pesquisa foi desenvolvida no turno diurno e modalidade presencial pelo fato dessa

    modalidade ser ofertada historicamente nas instituies pesquisadas e tambm pela necessidade de delimitao do objeto de estudo. 15 Atualemte, o RS possui seis universidades pblicas que ofertam o curso de Pedagogia, sendo

    cinco federais e uma estadual, a saber: Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Fundao Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). No entanto, essa pesquisa foi desenvolvida em cinco universidades, visto que no momento do mapeamento das instituies, os dados referentes Unipampa no constatavam no portal eletrnico do Ministrio da Educao (MEC).

  • 9

    reviso de literatura sobre a temtica. Em seguida, abordam-se algumas

    consideraes sobre o curso de Pedagogia, lcus dessa pesquisa, delimitando-o

    como um dos espaos historicamente institudo no Brasil, em nvel superior, para

    formar professores da Educao Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

    Para subsidiar teoricamente o tema, buscam-se os trabalhos de Brzezinski (1999,

    2008), Scheibe e Aguiar (1999), Silva (1999), Bellochio (2000), Saviani (2008), como

    tambm as DCNP (2006). A seguir, pontuam-se questes acerca do currculo,

    tencionando evidenciar como esse atravessa e sustenta a proposta de formao

    profissional, buscando compreender sua estruturao no curso de Pedagogia, a

    partir de suas DCNP. Para tanto, busca-se os trabalhos de autores como Goodson

    (1995), Garcia (1999), Sacristn (2000), entre outros e as DCNP.

    A seguir, aborda-se a formao musical de professores no contexto do curso

    de Pedagogia. Para subsidiar esse captulo utiliza-se Bellochio (2000, 2001, 2002,

    2003a, 2003b 2004, 2005, 2006, 2008), Figueiredo (2001, 2003a, 2003b, 2004a,

    2004b, 2007), Souza et al. (2002), Beaumont (2004), Spanavello (2005), Aquino

    (2007), Correa (2008), Oesterreich (2008), Oesterreich e Garbosa (2008), alm de

    outros autores que apresentam experincias sobre a insero da rea de Msica em

    cursos de formao de professores dos anos iniciais de escolarizao.

    O segundo captulo aborda as premissas metodolgicas da pesquisa. Nele,

    apresentam-se referncias acerca da abordagem qualitativa de pesquisa, utilizando

    Ldke e Andr (1986), Taylor & Bogdan (1986), Chizzotti (1998), Gil (1999), Stake

    (1999), entre outros. Posteriormente, descreve-se o mtodo de pesquisa utilizado, o

    estudo de caso mltiplo, tendo Yin (2005) como principal referncia. Os

    procedimentos de coleta e anlise de dados foram o mapeamento e a anlise do

    PPP do curso de Pedagogia das universidades em estudo e do programa da

    disciplina da rea de Arte/Msica ofertada. A entrevista semi-estruturada foi

    realizada com os coordenadores do curso de Pedagogia das universidades em

    estudo e com os professores que ministram a referida disciplina. A fundamentao

    para o uso da entrevista semi-estruturada e anlise documental encontra suas bases

    em autores como Bogdan e Biklen (1994), Trivios (1987) e Laville e Dionne (1999).

    A tcnica de interpretao dos dados utilizada foi a anlise de contedo. Para tanto,

    utiliza-se como referenciais Bardin (1987), Bogdan e Biklen (1994) e Franco (2005).

    O terceiro e quarto captulo abordam a anlise e a discusso dos dados do

    estudo. Desse modo, o terceiro captulo apresenta os cursos de Pedagogia e como

  • 10

    a rea de Msica insere-se na proposta formativa, tendo como base o PPP dos

    cursos e o programa das disciplinas. O quarto captulo aborda e discute os dados da

    pesquisa sobre os cursos de Pedagogia e a proposta msico-formativa provenientes

    das entrevistas com a coordenao e com os professores.

    Por fim, apresentam-se os resultados da pesquisa, expondo as consideraes

    finais sobre o estudo desenvolvido e suas contribuies para a rea de Educao e

    Msica, como tambm algumas sugestes para possveis trabalhos de pesquisa

    sobre a temtica da formao musical em cursos de Pedagogia.

  • CAPTULO 1

    FORMAO DE PROFESSORES

    Neste captulo, apresenta-se uma reviso conceitual sobre formao de

    professores, enfatizando o espao e objetivos da formao acadmico-profissional

    no processo formativo para a docncia. Focaliza-se tambm o curso de Pedagogia

    como um dos espaos formativos de professores para os anos iniciais de

    escolarizao e o currculo na formao de professores na Pedagogia. Apresenta-

    se, ainda, a formao musical e pedaggico-musical de professores no contexto da

    formao acadmico-profissional no curso de Pedagogia.

    1.1 A formao acadmico-profissional de professores

    No contexto educacional, a formao de professores vem, ao longo dos anos,

    apresentando uma diversidade de concepes e perspectivas. Dentre essas,

    compactua-se com a definio de Garcia (1999, p. 26) quando menciona:

    A formao de professores a rea de conhecimentos, investigao e de propostas tericas e prticas que, no mbito da Didtica e da Organizao Escolar, estuda os processos atravs dos quais os professores - em formao ou em exerccio - se implicam individualmente ou em equipe, em experincias de aprendizagem atravs das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competncias e disposies, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currculo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educao que os alunos recebem.

    No mbito da formao inicial de professores, a formao acadmico-

    profissional, entendida como [...] a etapa da formao que acontece no interior das

    instituies de ensino superior (DINIZ-PEREIRA, 2008, p. 255) constitui-se como

    um momento do processo formativo, j que [...] ser professor implica a

    aprendizagem de uma profisso, caracterizada por saberes muito diversos, que vo

    do humano e relacional, ao cognitivo e prtico [...] (PACHECO, 2004, p. 12).

    Na formao acadmico-profissional, alm dos conhecimentos acadmicos

    necessrios prtica docente, importante reconhecer e validar os saberes e

    concepes sobre a profisso que cada sujeito traz desde a sua infncia, uma vez

  • 12

    que [...] a profisso docente sui generis, pois, mesmo antes da sua escolha ou de

    seu exerccio, o futuro profissional j conviveu aproximadamente 12.000 horas com

    a figura do professor durante o seu percurso escolar (LORTIE, apud DINIZ-

    PEREIRA, 2008, p. 255). Desse modo, no processo formativo necessita-se

    considerar os vrios saberes que constituem a trajetria desse profissional, visto que

    os conhecimentos construdos na formao acadmico-profissional no esto

    limitados a ela, mas constituem, em muitos casos, um processo de reconstruo de

    saberes oriundos do seu processo formativo. Segundo Mizukami et al. (2002, p.

    124),

    [...] apoiando-se na literatura recente sobre o pensamento do professor [...], no se pode desconsiderar os saberes que as futuras professoras trazem para o curso, saberes esses marcados por crenas, hipteses, concepes e teorias pessoais relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, construdos a partir de uma trajetria de vida e de escolarizao particular a cada uma.

    No curso de formao acadmico-profissional faz-se necessrio compreender

    que os licenciandos j possuem saberes sobre a profisso, saberes esses

    decorrentes de suas vivncias escolares. Tardif (2002, p. 11) destaca que o saber

    deles [dos professores] est relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a

    sua experincia de vida e com a sua histria profissional. Corroborando com o

    exposto, Gauthier et al. (1998, p. 339) consideram que:

    O saber , antes, o resultado de uma produo social e, enquanto tal, est sujeito s revises e s reavaliaes que podem mesmo ir at a refutao completa [...]. Assim, embora relacionados com eles, o saber no se reduz aos sujeitos pensantes, nem extrao de leis contidas num objeto [...]. Finalmente, um saber ter valor na medida em que permita manter aberto o processo de questionamento. Um saber fechado sobre si mesmo no passa de um saber esttico, dogmtico, incapaz de alimentar reflexo.

    Nessa perspectiva, a formao acadmico-profissional implica,

    necessariamente, em abranger e, em muitos casos, reconstruir os conhecimentos

    decorrentes da trajetria pessoal, pois ela indissocivel da trajetria profissional.

    Conforme Isaia e Bolzan (2004), estas so trajetrias de formao, pois o professor

    um ser nico, entretecido tanto pelo percurso profissional como pelo pessoal.

    O processo de formao docente encontra na formao acadmico-

    profissional uma possibilidade de (re)construo de saberes e prticas educativas,

  • 13

    sendo que os conhecimentos necessrios prtica docente devem ser

    desenvolvidos em uma perspectiva terico-prtica, desde o incio do curso.

    Sacristn, apud Garcia (1999, p. 84) destaca a necessidade de que a formao

    acadmico-profissional

    [...] dote os professores em formao de um saber-fazer prtico que conduza ao desenvolvimento de esquemas de ao adquiridos de forma racional e fundamentada, que permitam aos professores desenvolverem-se e agirem em situaes complexas de ensino.

    Entende-se que a formao acadmico-profissional necessita proporcionar a

    construo de tais saberes atravs de uma atividade crtico-reflexiva na estrutura do

    curso formador, em que as atividades prticas constituem o eixo propulsor do

    processo reflexivo que necessita permear todo o desenvolvimento profissional, no

    qual a formao no curso superior apenas um dos momentos desse processo.

    Nesse contexto, aprender a ser professor

    [...] no , portanto, tarefa que se conclua aps estudos de um aparato de contedo e tcnica de transmisso deles. uma aprendizagem que deve se dar por meio de situaes prticas que sejam efetivamente problemticas, o que exige o desenvolvimento de uma prtica reflexiva competente. (MIZUKAMI et al., 2002, p. 12)

    O curso de formao acadmico-profissional necessita fornecer subsdios e

    possibilidades para que os professores reflitam e problematizem saberes e

    experincias sobre a educao. Nas palavras de Diniz-Pereira (2000, p. 17-18),

    Para alm da finalidade de conferir uma habilitao legal ao exerccio profissional da docncia, do curso de formao inicial se espera que forme o professor. Ou que colabore para sua formao. Melhor seria dizer que colabore para o exerccio de sua atividade docente, uma vez que professorar no uma atividade burocrtica para a qual se adquire conhecimento e habilidades tcnico-mecnicas. [grifos do autor]

    No entanto, a formao acadmico-profissional no pode ser considerada

    como um momento que abordar todos os saberes necessrios profissionalizao,

    mas necessita constituir-se como um espao formativo e problematizador, no sentido

    de construo de conhecimentos para a atuao profissional, ou seja, configura-se

    como lcus da aprendizagem e de reflexo crtica dos conhecimentos necessrios

    para o incio da prtica docente.

  • 14

    Embora os cursos de formao inicial certifiquem o professor para o exerccio da docncia, tais cursos devem ser entendidos dentro de seus limites formativos: podem propiciar uma base inicial de conhecimentos para a docncia que dever ser alimentada, ampliada, aperfeioada e flexibilizada ao longo do exerccio profissional, por meio de vrias fontes, em diferentes momentos e contextos: teorias, experincias, processos reflexivos que envolvam relao teoria-prtica etc. (MIZUKAMI, 2008, p. 390)

    A formao acadmico-profissional, portanto, um dos momentos

    responsveis em proporcionar os conhecimentos necessrios para o incio da

    atuao profissional. Imbernn (2000, p. 66) aponta que, nesse perodo formativo,

    os futuros professores necessitam construir [...] uma bagagem slida nos mbitos

    cientfico, cultural, contextual, psicopedaggico e pessoal que deve capacitar o

    futuro professor ou professora a assumir a tarefa educativa em toda sua

    complexidade [...].

    Nesse sentido, faz-se necessrio a construo de conhecimentos e

    competncias que viabilizem a atuao profissional. Especificamente no que se

    refere aos conhecimentos necessrios, Garcia (1999) os caracteriza como: o

    conhecimento psicopedaggico, que engloba o conhecimento pedaggico

    desenvolvido associando s disciplinas da rea de fundamentos tericos e prticos

    da educao e da rea de fundamentos metodolgicos do ensino; o conhecimento

    do contedo que se refere ao conhecimento sobre a matria que o professor ensina;

    o conhecimento do contexto, correspondente ao conhecimento sobre o local onde o

    professor ensina e o conhecimento didtico do contedo que representa a

    combinao adequada entre o conhecimento da matria a ser ensinada e o

    conhecimento pedaggico.

    Sobre as competncias, Garcia (1999) pontua que a formao no curso

    superior necessita possibilitar o seu desenvolvimento para as situaes singulares

    da prtica educativa, e no de aprendizagem de uma tcnica propondo, ento, que

    teoria e prtica estejam articuladas a fim de que o acadmico produza, em

    formao, o conhecimento sobre as situaes concretas de sua atuao profissional.

    No que se refere s competncias docentes, Nvoa (1995, p. 74) expressa que:

    [...] no tanto uma tcnica composta por uma srie de destrezas baseadas em conhecimentos concretos ou na experincia, nem uma simples descoberta pessoal. O professor no um tcnico nem um simples improvisador, mas sim um profissional que pode utilizar o seu conhecimento e a sua experincia para se desenvolver em contextos pedaggicos prticos preexistentes.

  • 15

    A formao acadmico-profissional deve possibilitar que os futuros

    professores construam os saberes iniciais para a atuao profissional, pois esse

    momento de formao refere-se ao [...] perodo formal numa instituio especfica

    onde o aluno, futuro professor, adquire as competncias e os conhecimentos

    necessrios para o desempenho eficaz da profisso (PACHECO; FLORES, 1999, p.

    52).

    Assim, o processo formativo de professores necessita contemplar os

    conhecimentos tericos, juntamente com os conhecimentos prticos, os quais

    precisam ser vivenciados na realidade escolar e problematizados na instituio

    formadora. Corroborando com o exposto, Lima e Reali (2002) mencionam:

    [...] o curso de formao inicial ou bsico ganha importncia na medida em que possa favorecer a investigao e compreenso de uma srie de problemas prticos relevantes, inerentes ao contexto escolar e s situaes especficas de sala de aula. No curso, os professores podem aprender a relacionar as rotinas das aulas, as crenas e princpios que orientam sua atuao aos conhecimentos das distintas teorias. (LIMA; REALI, 2002, p. 221)

    Corroborando com o exposto, Garcia (1999) prope a orientao social-

    reconstrucionista como uma possibilidade de superao das prticas tradicionais de

    formao de professores, aliceradas no modelo da racionalidade tcnica. Essa

    orientao tem a reflexo como ponto de partida, a qual admite o compromisso tico

    e social na atividade educativa. Assim, reflexo implica, conforme Kemmis, apud

    Garca (1999), na relao entre pensamento e ao nas situaes nas quais os

    professores se encontram, pressupe relaes sociais, expressa os interesses

    humanos, pode transformar e/ou reproduzir prticas pedaggicas e, ainda,

    possibilita a reconstruo da vida social atravs da participao do professor,

    comunicando e tomando decises a partir da ao social.

    Nessa perspectiva, Ramalho, Nuez e Gauthier (2004) mencionam que a

    formao de professores possui trs elementos bsicos a serem considerados

    tambm na formao acadmico-profissional, que so: a reflexo, a crtica e a

    pesquisa.

  • 16

    Assumir a reflexo, a crtica, a pesquisa como atitudes que possibilitam ao professor participar na construo de sua profisso e no desenvolvimento da inovao educativa, norteia a formao de um profissional no s para compreender e explicar os processos educativos dos quais participa, como tambm para contribuir na transformao da realidade educacional no mbito de seus projetos pessoais e coletivos. (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2004, p. 23)

    A reflexo, a crtica e a pesquisa devem ser, portanto, elementos inerentes a

    formao profissional, tornando-se princpios formativos para a docncia, uma vez

    que a formao do professor requer uma base terica slida, alicerada na atividade

    prtica assumida em uma perspectiva critico-reflexiva.

    Nesse contexto, o processo de formao docente no inicia, tampouco cessa

    na formao acadmico-profissional, mas prolonga-se por toda formao, entendida

    como um processo de formao permanente. Acredita-se que a formao

    continuada, para alm do processo de acumulao de cursos, palestras, seminrios,

    configura-se como um momento de reflexo constante sobre as prticas

    desenvolvidas e de (re)construo de saberes. Diniz-Pereira (2000, p. 48) refere-se

    formao continuada como:

    [...] um processo que d ao professor o apoio necessrio para que ele mesmo se eduque, medida que caminha em sua tarefa de educador. Uma forma permanente de educao, que no tendo data fixa para terminar, permeie todo o trabalho do indivduo, eliminando, consequentemente, a idia de um produto acabado [...] em um momento ou perodo determinado.

    Assim, [...] aprender a ensinar desenvolvimental e requer tempo e recursos

    para que os professores modifiquem suas prticas [...]" (MIZUKAMI, apud LIMA,

    2007, p.156). O processo de aprender a ensinar exige um conjunto de saberes que

    deve ser permeado pela pesquisa, reflexo crtica sobre a prtica e acima de tudo,

    pela conscincia do inacabamento, uma vez que a aprendizagem da profisso no

    algo que se esgota na formao acadmico-profissional, mas est sempre em

    construo (FREIRE, 1998).

    1.1.1 A formao de professores no curso de Pedagogia

    Embora no contemple toda a histria do curso de Pedagogia no Brasil, esse

    texto apresenta parte do percurso histrico do curso, visando chegar compreenso

    da proposta formativa instituda pelas DCNP, em 2006.

  • 17

    De acordo com Scheibe e Aguiar (1999), o curso de Pedagogia foi institudo

    no Brasil por intermdio do Decreto-Lei n. 1.190, de 4 de abril de 1939, que ordenou

    sobre a organizao da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

    Nesta ocasio, foram criadas no interior da instituio sees fundamentais de

    Filosofia, Cincias, Letras, Pedagogia e uma especial, a de Didtica.

    A seo de Pedagogia organizou o curso homnimo com durao de trs

    anos, destinado formao dos bacharis. A seo especial estabelecia o curso de

    Didtica, em um ano, dedicado a formar profissionais para o exerccio do magistrio.

    Esse modelo de formao ficou conhecido como o esquema 3+1, no qual havia a

    separao entre conhecimentos conceituais e pedaggicos. Os conhecimentos

    conceituais eram organizados em disciplinas especficas e desenvolvidos nos trs

    primeiros anos do curso e os conhecimentos pedaggicos eram dinamizados nas

    disciplinas pedaggicas, organizadas no curso de Didtica16.

    Nessa estrutura, primeiro era proporcionado o conhecimento do contedo e

    depois o da prtica profissional (SILVA, 1999). Os bacharis em Pedagogia atuariam

    em cargos tcnicos de educao e os licenciados, ao conclurem o curso de

    Didtica, estariam habilitados ao magistrio no ensino secundrio e normal.

    Desse modo, percebe-se que os problemas apontados e discutidos nos

    cursos de formao de professores no so atuais e suas razes esto na criao

    dos cursos de Licenciatura nos quais se separava os conhecimentos conceituais dos

    conhecimentos pedaggicos.

    Especificamente com relao ao curso de Pedagogia, entende-se que esse

    esquema provocou uma indeterminao quanto identidade do seu egresso, em

    virtude duplamente da ausncia de um perfil formativo delineado e de um campo de

    trabalho.

    Nesse perodo, ocorreram muitas discusses sobre os problemas nacionais

    que contriburam para uma reforma educacional. Segundo Biasus (2006, p. 27), a

    reforma educacional ocorreu com o objetivo de [...] colocar o sistema educacional

    em consonncia com as orientaes poltico-sociais e com as novas teorias

    educacionais. Tal reforma educacional resultou em um conjunto de Leis Orgnicas

    do Ensino. Bellochio (2000) destaca que:

    16 O currculo do curso de Didtica inclua disciplinas tais como: didtica geral, didtica especial, psicologia educacional, administrao escolar, fundamentos biolgicos da educao, fundamentos sociolgicos da educao (SILVA, 1999).

  • 18

    [...] essas leis disciplinavam o ensino em carter de profissionalizao e o ensino secundrio, de formao intelectual. Estavam a a Lei Orgnica do Ensino Primrio e a Lei Orgnica do Ensino Normal, ambas de 1946. O propsito de integrao entre esses dois sistemas de ensino compreendido tambm pela criao simultnea dos Institutos de Educao. Nesses Institutos, estariam congregados os cursos de formao docente, o Jardim de Infncia e o curso primrio. Entre esses, deveria haver uma ampla relao, estabelecida entre as aprendizagens para a docncia e a ao escolar no mesmo espao de ensino, ou seja, no Instituto. Alm dessas relaes, haviam sido planejados para os Institutos cursos de aperfeioamento e extenso para os professores j formados e tambm a preparao de diretores, orientadores e outros especialistas para escolas primrias. (BELLOCHIO, 2000, p. 57)

    No final da dcada de 1950, iniciou-se a contestao do modelo universitrio

    de 1930 e entraram em pauta as discusses sobre a formao do professor

    primrio, a necessidade de uma Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional

    e de uma reforma universitria. A partir dessas discusses, em 1961, foi sancionada

    a Lei n. 4.024 que definiu as Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

    Em decorrncia, o Conselho Federal de Educao (CFE) determinou

    currculos mnimos para vrios cursos, dentre os quais o de Pedagogia. O Parecer

    CFE n. 251/62 regulamentou o curso de Pedagogia. Esse parecer foi aprovado e

    homologado, indicando a necessidade do professor primrio ser formado no Ensino

    Superior, a partir de um currculo mnimo do curso de Pedagogia.

    Esse parecer props o princpio da concomitncia do ensino, do contedo e

    do mtodo, com durao prevista para quatro anos (para o Bacharelado e a

    Licenciatura), visando a extinguir o esquema 3+1. Na prtica, o 3+1 no foi extinto.

    A Licenciatura continuou dedicando a maior parte do curso, trs anos, formao

    especfica e o ltimo ano prtica de ensino (BRZEZINSKI, 1999). Apesar destas

    modificaes, permaneceram os impasses quanto impreciso do curso,

    indefinio dos seus objetivos, falta de delimitao e regulamentao do mercado

    de trabalho para seus egressos.

    Em 1969 foi proposta uma nova reformulao para o curso de Pedagogia,

    cumprindo os dispositivos da Lei Federal n. 5.540/68, a Lei da Reforma Universitria.

    O Parecer CFE n. 252/69 fixou os currculos mnimos e a durao, alm de traar os

    objetivos fundamentais do curso: o preparo de professores para o Ensino Normal e

    de especialistas junto s reas de orientao, administrao, superviso e inspeo

    escolar. A Pedagogia, nesse caso, no era um curso de formao de professores

    para os primeiros anos de escolarizao, na poca, professores primrios.

  • 19

    Diante disso, estabeleceu um currculo bipartido composto por uma base

    comum de disciplinas destinadas fundamentao pedaggica geral e outra

    diversificada para atender s exigncias peculiares das habilitaes especficas.

    Mesmo com diversas modalidades de formao, props o diploma de licenciado. No

    entanto, o Parecer CFE n. 252/69 apresentou seu vis pragmtico ao instituir as

    habilitaes e, com elas, a noo de correspondncia direta e imediata entre

    currculo e tarefas a serem desenvolvidas pela profisso. Alm de especialista em

    uma ou mais reas educacionais, qualquer pedagogo estaria apto a atuar como

    professor no Ensino Normal, ministrando as disciplinas da base comum e, tambm,

    as especficas do ciclo profissional.

    Segundo Silva (1999), a formao justaposta do professor e do especialista

    num s curso permitiu a coexistncia de duas tendncias, em princpio,

    inconcordveis: uma generalista e outra tecnicista. A primeira era atendida quase

    que exclusivamente quando da formao geral e a segunda, durante o processo de

    especializao.

    O novo modelo de formao qualificava uma gama diversificada de

    profissionais cujas atuaes dar-se-iam em campos exclusivos e diferentes entre si.

    Nesse sentido, Silva (1999, p. 60) comenta que como resultante da precipitao das

    especialidades pedaggicas para a graduao, ocorreu o inchao do curso de

    Pedagogia, no que se refere diversidade de profissionais a serem formados.

    Nesse contexto, a questo da identidade profissional emergiu como um ponto crtico

    enfrentado pelo curso ao preparar pedagogos to plurais.

    No momento subseqente, vrias foras se constituram no sentido de

    apontar novas direes para o curso de Pedagogia no Brasil. No final da dcada de

    1970 ocorreu uma forte mobilizao de estudantes universitrios, professores,

    rgos e entidades educacionais, visando intervir nas decises sobre o curso de

    Pedagogia e as demais Licenciaturas. Nesse perodo, comearam a ocorrer vrios

    encontros, seminrios, conferncias e produes tericas sobre a formao de

    professores.

    Durante a dcada de 1980 intensificaram-se encontros nacionais para o

    aprofundamento das discusses sobre a identidade do curso de Pedagogia.

  • 20

    [...] aps a dcada de 80, as reformulaes curriculares direcionaram o Curso para a formao de professores para atuar na docncia da Educao pr-escolar e sries iniciais do 1 grau. Essa realidade perpassa tambm a dcada de 90, onde o principal campo de formao do Pedagogo nas universidades brasileiras continua sendo a educao infantil e as sries iniciais do Ensino Fundamental. (RODRIGUES, 2008, p. 6)

    Na dcada de 1990, a Associao Nacional pela Formao dos Profissionais

    da Educao (ANFOPE) tambm desloca a centralidade das discusses em temas

    especficos, tais como o curso de Pedagogia, para aqueles relacionados com a

    formao dos educadores em geral. Contudo, o deslocamento do debate foi apenas

    provisrio, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB n. 9.394/96),

    promulgada em 21 de dezembro de 1996, introduziu [...] alguns indicadores visando

    formao de profissionais da Educao Bsica, trouxe novamente o curso de

    Pedagogia pauta das discusses e, com ele, a questo de sua identidade (SILVA,

    1999, p. 85).

    A LDB n. 9.394/96 contm trs artigos que contemplam a formao dos

    profissionais da educao. O artigo 62 estabelece a formao de docentes em nvel

    superior tanto em universidades quanto nos Institutos Superiores de Educao,

    porm admite a formao em nvel mdio na modalidade Normal para o magistrio

    da Educao Infantil e quatro primeiras sries do Ensino Fundamental. O artigo 63,

    ao explicitar as caractersticas dos Institutos Superiores de Educao, traz cena o

    curso Normal Superior destinado formao de docentes para Educao Infantil e

    primeiras sries do Ensino Fundamental. E, por fim, o artigo 64 fixa duas instncias

    para a formao do especialista: em curso de graduao em Pedagogia ou na ps-

    graduao, a critrio da instituio de ensino.

    Assim, ao mesmo tempo em que o curso se estabelece legalmente, tem sua

    identidade ainda discutida. neste cenrio difuso que se inicia a elaborao das

    DCNP no Brasil.

    Aps longo exerccio de anlise e sntese por renomados educadores do

    Brasil, em 6 de maio de 1999 foi apresentada a proposta de DCNP. Em 6 de

    dezembro do mesmo ano, tal parecer foi lanado como Decreto Presidencial n.

    3.276/99, determinando que a formao destinada ao magistrio na Educao

    Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental far-se-ia exclusivamente no curso

    Normal Superior (BRASIL, 1999). Frente s reivindicaes desencadeadas, foi

  • 21

    publicado o Decreto n. 3.554, de 7 de agosto de 2000, o qual modifica o anterior ao

    substituir o termo exclusivamente por preferencialmente.

    Em 2003, foi lanada uma primeira verso do Projeto de Resoluo das

    DCNP. Aps o processo de discusso da proposta, foi aprovado em 13 de dezembro

    de 2005 o Parecer CNE/CP n. 05/2005 que contm as DCNP, que foi encaminhado

    para homologao no MEC em 20 de dezembro do mesmo ano.

    Em 15 de maio de 2006, as DCNP foram institudas atravs da Resoluo

    CNE/CP n. 1/200617. Essa resoluo fixa a docncia como a base da formao do

    pedagogo, cuja titulao ser exclusivamente a de licenciado.

    Art. 4 - O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se formao de professores para exercer funes de magistrio na educao infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Mdio, na modalidade Normal e em cursos de Educao Profissional nas reas de servios e apoio escolar, bem como em outras reas nas quais sejam previstos conhecimentos pedaggicos. Pargrafo nico. As atividades docentes tambm compreendem participao na organizao e gesto de sistemas e instituies de ensino, englobando: I - planejamento, execuo, coordenao, acompanhamento e avaliao de tarefas prprias do setor da Educao; II - planejamento, execuo, coordenao, acompanhamento e avaliao de projetos e experincias educativas no-escolares; III - produo e difuso do conhecimento cientfico-tecnolgico do campo educacional, em contextos escolares e no-escolares. (BRASIL, 2006)

    A formao orientada pelas DCNP aplica-se, tambm, professores

    indgenas e aos que venham a atuar em escolas indgenas, em escolas de

    remanescentes de quilombos ou que se caracterizem por receber populaes de

    etnias e culturas especficas, assim como se tem a proposio que o curso de

    Pedagogia englobe o conhecimento referente Educao de Jovens e Adultos

    (BRASIL, 2006).

    Nesse contexto, o processo que culminou na aprovao das DCNP definiu o

    perfil do profissional a ser formado e as respectivas dimenses que dariam suporte

    ao campo de atuao do licenciado. Entre essas, destacam-se a docncia, a gesto

    e o conhecimento.

    De acordo com as DCNP, a docncia constitui-se em:

    17 A presente Resoluo institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduao em Pedagogia, licenciatura, definindo princpios, condies de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliao, pelos rgos dos sistemas de ensino e pelas instituies de educao superior do pas, nos termos explicitados nos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006 (BRASIL, 2006).

  • 22

    [...] ao educativa e processo pedaggico metdico e intencional, construdo em relaes sociais, tnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princpios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulao entre conhecimentos cientficos e culturais, valores ticos e estticos inerentes a processos de aprendizagem, de socializao e de construo do conhecimento, no mbito do dilogo entre diferentes vises de mundo. (BRASIL, 2006)

    A dimenso sobre gesto presente nas DCNP no significa formao do

    antes denominado especialista de ensino, mas abarca todos os processos de

    gesto referidos educao: o escolar, o familiar, o financeiro, o de conhecimento, o

    de alunos, entre outros. Segundo o Parecer CNE/CP n. 5/2005, a gesto

    considerada um dos aspectos fundamentais na formao do licenciado em

    Pedagogia.

    [...] central a participao na gesto de processos educativos, na organizao e funcionamento de sistemas e de instituies de ensino, com a perspectiva de uma organizao democrtica, em que a co-responsabilidade e a colaborao so os constituintes maiores das relaes de trabalho e do poder coletivo e institucional, com vistas a garantir iguais direitos, reconhecimento e valorizao das diferentes dimenses que compem a diversidade da sociedade, assegurando comunicao, discusso, crtica, propostas dos diferentes segmentos das instituies educacionais escolares e no-escolares. (BRASIL, 2005)

    O conhecimento a terceira dimenso que estrutura o curso de Pedagogia ao

    lado da gesto e da docncia. A concepo de conhecimento apresentada na

    Resoluo CNE/CP n. 1/2006 est pautada na produo e difuso do conhecimento

    cientfico e tecnolgico do campo educacional.

    Portanto, o documento apresenta uma gama de atividades prprias do

    exerccio do magistrio, que levaram ao alargamento do conceito de ao docente,

    em que a docncia no se limita aos processos de ensino e de aprendizagem em

    sala de aula, abarcando a gesto escolar, o planejamento, a execuo, a

    coordenao, o acompanhamento e a avaliao de prticas educativas e a produo

    e difuso do conhecimento cientfico e tecnolgico do campo educacional em

    contextos escolares e no escolares.

    Formou-se a compreenso de que a preparao para o exerccio da docncia capacita, ao mesmo tempo, para assumir a docncia, para coordenar e supervisionar a prtica pedaggica, para orientar o desenvolvimento dos alunos e para planejar e administrar a escola, e mesmo para inspecionar o funcionamento de outras escolas. A base desta compreenso a de que os conhecimentos necessrios para a docncia so os conhecimentos que formam o pedagogo: aqueles que propiciam o

  • 23

    entendimento daquilo que integra o currculo escolar; sobre a forma como os contedos so dosados, seqenciados e coordenados ao longo das sries escolares; sobre o carter integral do desenvolvimento da personalidade de cada aluno no processo de ensino-aprendizagem; sobre o modo como as aes so planejadas e administradas. (SCHEIBE, 2008, p. 303)

    A partir de tais consideraes, compreende-se que:

    O desafio a ser enfrentado reside, em especial, em colocar em prtica a acepo de docncia explicitada nas DCNP, pela qual o ato de dar aulas se articula pesquisa e gesto, portanto a formao do pedagogo no se esgota na docncia, ele deve ser preparado para outras dimenses do trabalho pedaggico. (BRZEZINSKI, 2008, p. 222-223)

    A formao de professores na Pedagogia, a partir das orientaes formativas

    expressas pelas DCNP, aponta para a) a garantia da base comum nacional

    formao para a docncia; b) a extino das habilitaes; c) a ampliao do campo

    do exerccio profissional (BRZEZINSKI, 2008, p. 222), alm da ampliao da carga

    horria do curso de Pedagogia que se difere das demais Licenciaturas. No entanto,

    como destaca Saviani (2008, p. 68), as DCNP [...] concedem s instituies

    flexibilidade e criatividade na organizao dos currculos.

    Nesse contexto, a docncia, a gesto e o conhecimento se articulam e

    compem o novo perfil do pedagogo, ocupando a docncia na Educao Infantil e

    Anos Iniciais do Ensino Fundamental posio hegemnica no interior do curso.

    1.1.2 O currculo e o curso de Pedagogia

    O currculo tem apresentado, ao longo de sua histria, diferentes abordagens

    e perspectivas, com rupturas e disjunturas, continuidade e evoluo, assim como

    descontinuidades e rupturas (GOODSON, 1995, p. 7).

    [...] natural que uma histria do currculo nos ajude a ver o conhecimento corporificado no currculo no como algo fixo, mas como um artefato social e histrico, sujeito a mudanas e flutuaes. O currculo tal como o conhecemos atualmente no foi estabelecido, de uma vez por todas, em algum ponto privilegiado do passado. Ele est em constante fluxo e transformao. (GOODSON, 1995, p. 7)

  • 24

    O currculo no se constitui como um elemento fixo e permanente nos

    espaos-tempos formativos, mas apresenta-se distintamente, com caractersticas

    peculiares para cada momento histrico.

    Em uma viso ampla, considera-se o currculo na formao acadmico-

    profissional como uma organizao base de conhecimentos que devero ser

    disponibilizados, mobilizados, construdos e reconstrudos no decorrer do processo

    formativo, caracterizando-se, portanto, como um conjunto de aes que deve

    constituir-se a partir do perfil profissional que se deseja formar. Ramalho, Nuez e

    Gauthier (2004) destacam que:

    [...] a definio do tipo de profissional, como referncia a ser considerada pelo projeto inicial da formao, constitui uma tarefa complexa, mas imprescindvel de cada agncia formadora. Pressupe a definio de programas de formao inicial fazendo-se necessrio determinar, a partir de seu objeto de trabalho, o conjunto de situaes-problemas que surgem e surgiro com mais freqncia na prtica do futuro docente. (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2004, p. 133)

    Compactua-se com Grundy, apud Sacristn (2000, p. 14) que o currculo [...]

    no um conceito, mas uma construo cultural. Isto , no se trata de um conceito

    abstrato que tenha algum tipo de existncia fora e previamente experincia

    humana. antes, um modo de organizar uma srie de prticas educativas.

    Entende-se que o processo de construo do currculo caracteriza-se como

    uma produo social, no apenas constitudo de conhecimentos vlidos, mas de

    conhecimentos socialmente vlidos (GOODSON, 1995).

    O processo de fabricao do currculo no um processo lgico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lgicos, epistemolgicos, intelectuais, determinantes sociais menos nobres e menos formais, tais como interesses, rituais, conflitos simblicos e culturais, necessidades de legitimao e de controle, propsitos de dominao dirigidos por fatores ligados classe, raa e ao gnero. (GOODSON,1995, p. 8)

    Assim, considera-se que a construo do currculo apresenta conhecimentos

    socialmente vlidos e culturalmente construdos, caracteriza como uma construo

    que no neutra, porm permeada de concepes polticas, ideolgicas e por

    relaes de poder. Nesse sentido, um currculo apresenta uma determinada viso

    de homem, de sociedade, de conhecimento, de cultura, etc. Ao encontro dessa

    considerao, Apple (1995) destaca:

  • 25

    O currculo nunca apenas um conjunto neutro de conhecimento, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nao. Ele sempre parte de uma tradio seletiva, resultado da seleo de algum, da viso de algum grupo acerca do que seja conhecimento legtimo. (APPLE, 1995, p. 59) [grifos do autor]

    Sob essa perspectiva, uma estrutura curricular, definida como [...] o conjunto

    de contedos culturais [...] que emergem de um determinado modelo formativo,

    articulado a uma forma de atuar e de pensar de uma profisso especfica

    (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2004, p. 137) deve ser concebida e planejada a

    fim de fundamentar a formao bsica geral (ibid, p. 137) do futuro professor.

    Com o intuito de possibilitar a formao bsica geral, Ramalho, Nuez e

    Gauthier (2004) destacam que a estrutura curricular necessita ser constituda de

    bases de sustentao. Para os autores, as bases de sustentao so as filosficas,

    as socioculturais, as didtico-pedaggicas e as legais.

    A estrutura curricular proposta por Ramalho, Nuez e Gauthier (2004, p. 141)

    est alicerada nas respectivas bases de sustentao e representada pela seguinte

    estrutura:

    ESTRUTURA CURRICULAR

    Figura 1 Bases de sustentao da proposta pedaggica

    As bases filosficas referem-se [...] s relaes e aos significados que

    orientam o tipo de profissional que se deseja formar [...]. Toda prtica educacional

    realiza-se com base em um pressuposto de natureza filosfica (ibid, 2004, p. 141).

    Proposta pedaggica (bases de

    sustentao)

    Filosficas

    Socioculturais

    Didtico-

    pedaggicas

    Legais

  • 26

    As bases socioculturais [...] permitem determinar as formas culturais ou os

    contedos que o futuro professor deve assimilar para tornar-se um membro ativo da

    sociedade, como um agente de criao cultural, como um profissional culto (ibid, p.

    143). As bases didtico-pedaggicas referem-se [...] aos tipos de concepes de

    ensino-aprendizagem que sero adotadas como estratgias gerais no processo de

    formao profissional (ibid, p. 144). As bases legais [...] legitimam os processos de

    formao dos professores enquanto instituio, uma vez que regulam os

    mecanismos legais estabelecidos (ibid, p. 148).

    Nesse contexto, Lasley e Payne, apud Garcia (1999) destacam que h trs

    modelos de currculo na formao de professores: o integrado, o colaborativo e o

    segmentado.

    O integrado caracteriza-se pela [...] ausncia de territrios disciplinares,

    existindo uma profunda interconexo conceptual e estrutural entre os diferentes

    cursos [disciplinas] para alcanar algumas metas interdisciplinares (GARCIA, 1999,

    p. 77). O currculo colaborativo pretende relacionar a especializao com a

    integrao. Esse modelo de currculo [...] segmenta-se em cursos [disciplinas], cujas

    partes esto inter-relacionadas, de tal modo que, ainda que permaneam cursos

    especficos de disciplinas, a integrao realiza-se em temas concretos (ibid, p. 78).

    O currculo segmentado [...] constitudo por cursos [disciplinas] pouco ligados

    entre si, de tal modo que se espera que sejam os estudantes a realizar a integrao

    dos mesmos (ibid, p. 78).

    Na perspectiva exposta por Garcia (1999), o currculo segmentado apresenta-

    se sob duas formas: concorrente e consecutivo. Na primeira, os estudos

    profissionais, a formao em contedos e a formao geral realizam-se ao mesmo

    tempo. No modelo consecutivo trabalhado, em primeiro lugar, o conhecimento

    geral e especializado e os conhecimentos profissionais (pedaggicos) vem a seguir.

    Entende-se que o modelo de currculo segmentado, na perspectiva de

    construo de conhecimentos em uma abordagem consecutiva, o que vem sendo

    praticado, historicamente, em espaos de formao de professores, sobretudo no

    mbito das Instituies de Educao Superior (IES), sendo que este modelo por

    muito tempo foi considerado no Brasil como o modelo 3+1. Ou seja, inicialmente os

    conhecimentos inserem-se em uma perspectiva terica e num segundo momento,

    aborda-se a dimenso metodolgica, seguida de atividades prticas nas escolas,

  • 27

    concepo que vem, ao longo dos anos, sendo reelaborada, mas, em muitos casos,

    no conseguindo ultrapassar prticas institudas.

    Alm disso, grande parte dos currculos de formao de professores possui

    uma perspectiva disciplinar, em que os contedos so divididos por disciplinas

    estruturadas com uma ordem a ser seguida na construo da aprendizagem

    docente, em que, na maioria das vezes, no h o dilogo entre elas, sendo que so

    desenvolvidas de modo independente no curso.

    Nesse cenrio, o currculo apresenta-se fragmentado em disciplinas em que

    cada rea do saber fica isolada, fato que minimiza a compreenso da totalidade dos

    diferentes aportes tericos estruturantes do currculo. Segundo Morin (2000, p. 27),

    uma disciplina se define como [...] uma categoria que organiza o conhecimento

    cientfico e que institui nesse conhecimento a diviso e a especializao do trabalho

    respondendo diversidade de domnios que as cincias recobrem. Juli (2002, p.

    44) destaca que uma disciplina designa as diferentes matrias de ensino. Goodson

    (1995, p. 31-32), por sua vez, expe que uma disciplina constitui-se em um [...]

    arqutipo da diviso e fragmentao do conhecimento nas nossas sociedades.

    Assim, a construo e efetivao do currculo de/para a formao de

    professores em uma perspectiva integrada (SACRISTN, 2000) emerge como uma

    possibilidade de construo de conhecimentos de maneira global e articulados

    durante todo o processo formativo.

    No que tange aos conhecimentos necessrios prtica docente de

    professores unidocentes, que constitui o perfil do egresso do curso de Pedagogia,

    Sacristn (2000) refere que esse currculo necessita ser desenvolvido em uma

    perspectiva integrada, uma vez que o currculo desse nvel de escolarizao

    [...] tem um carter mais integrado [...]. A integrao curricular no 1 grau se apia no regime da monodocncia [...], que atribui um professor a cada grupo de alunos, e no prprio formato do currculo que, ao orden-lo sob o cdigo de reas de conhecimento e de experincias, obriga de alguma forma a se ligar a contedos diversos na elaborao de materiais [...] e na prpria prtica docente dos professores. (SACRISTN, 2000, p. 78)

    Considera-se o professor dos anos iniciais de escolarizao como o

    profissional que:

  • 28

    [...] tem identidade na docncia a partir do que o prprio nome expressa: uni=nico, docente=aquele que ensina. Isso no significa que ele deve produzir a sua profisso na individualidade. Concebo-os como professores que mantm sua identidade como profissional que ensina um corpo de conhecimentos aos seus alunos e compreende como esse aluno est processando o seu conhecimento. (BELLOCHIO, 2001, p. 14-15)

    Assim, esse profissional o responsvel pelo ensino de todas as reas do

    conhecimento na Educao Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ou seja,

    pelo trabalho formativo com contedos relativos Lngua Portuguesa, Matemtica,

    Cincias, Histria, Geografia, Educao Fsica, Arte: Msica, Artes Visuais, Dana e

    Teatro, focalizando os temas transversais do currculo. Assim, percebe-se que [...]

    funo desses professores possibilitar aos alunos as primeiras incurses

    sistematizadas aos conceitos bsicos de componentes curriculares relacionados s

    grandes reas do conhecimento humano (MIZUKAMI, 2008, p. 391).

    Nesse cenrio, a integrao proposta necessita ocorrer proporcionando a

    aproximao entre os vrios campos do conhecimento que resulta em um currculo

    que visa proporcionar aos alunos uma viso mais unificada do conhecimento a partir

    das relaes entre as diferentes reas do saber presentes no decorrer de sua

    formao acadmico-profissional.

    De acordo com Ramalho, Nuez e Gauthier (2004, p. 149), uma integrao

    curricular, enquanto sistema aberto, pode corresponder a duas estruturas de

    organizao: uma estrutura vertical e outra horizontal, em que a primeira refere-se

    aos nveis de sistematizao da formao, com carter global e a segunda

    corresponde organizao disciplinar.

    Especificamente em relao ao currculo da Pedagogia, em acordo com as

    DCNP, compreende-se que os nveis correspondem aos semestres, perodos e anos

    em que se localizam as disciplinas, que compem a estrutura horizontal da estrutura

    curricular.

    Assim, os contedos organizados e selecionados para compor o currculo da

    formao acadmico-profissional necessitam serem abordados em uma perspectiva

    para alm de disciplinas fechadas, j que a partir dessa estrutura curricular os

    conhecimentos inerentes a cada disciplina necessitam dialogar com as demais.

    Soma-se a essa compreenso o fato de que [...] todo contedo, por mais especfico

    que se