A RELAÇÃO AFETIVA É O GRANDE ESPELHO QUE REFLETE QUEM SOMOS

Embed Size (px)

Citation preview

A RELAO AFETIVA O GRANDE ESPELHO QUE REFLETE QUEM SOMOS, DIZ JORGE BUCAY Terapeuta de casal Jorge Bucay afirma que, em um relacionamento, o comportamento do seu parceiro deve servir de espelho para facilitar o seu autoconhecimento Segundo Jorge Bucay, Foto: Dreamstime impossvel um relacionamento ser totalmente bom ou ruim

Sem dvida, ter um relacionamento duradouro uma tarefa que produz suor, lgrimas, doses altssimas de prazer e aulas avanadas de autoconhecimento. Afinal, o outro um espelho que, de to sincero, nos desmascara sem d. Essa a mensagem que o psiquiatra e psicoterapeuta argentino Jorge Bucay vem transmitindo h dcadas aos casais que esto passando por crise. Segundo o terapeuta de casal, autor do romance, Amar de Olhos Abertos (ed. Sextante, escrito em parceria com a psicloga argentina Silvia Salinas), o relacionamento amoroso tem um grande poder: o de nos servir de espelho (sem o qual continuaramos cegas sobre como realmente somos) e tambm de alavanca (para nos tornarmos quem verdadeiramente somos). "No considero que a medida do amor seja o quanto estou disposto a me sacrificar por algum, e sim o quanto estou disposto a desenvolver minha autonomia, diz Bucay. Confira a entrevista: Por que os relacionamentos amorosos so fonte de tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo? Nada no mundo totalmente bom ou ruim. Se quisermos desfrutar os prazeres proporcionados por um relacionamento, teremos de pagar o preo cobrado pelos momentos dolorosos. Eles so necessrios porque nos mostram que nosso par no exatamente como gostaramos que fosse, e vice-versa. Acontece que, quando nos apaixonamos, acreditamos que o ser amado corresponda exatamente aos nossos ideais. Mas, com o tempo, abrimos os olhos, inevitavelmente, e descobrimos que o parceiro no como o imaginvamos. Ele o que . Ento, ns nos frustramos a cada vez que ele no age da maneira desejada. Isso di. Os desencontros do dia a dia tambm nos machucam. Um quer dormir enquanto o outro quer ver TV. Um quer fazer amor, o outro quer dormir. E assim por diante. Essas pequenas decepes nos mostram que somos seres individuais, o que no nos torna bons ou maus, apenas reais. No livro, voc afirma que a relao afetiva o grande espelho que reflete quem somos, nossas qualidades e defeitos. Como se d esse jogo? Quando os parceiros se conhecem, criam vrios objetivos: desfrutar a companhia do ser amado, passar cada vez mais tempo juntos, construir uma famlia, compartilhar projetos. No entanto, h um objetivo que permanece, na maioria das vezes, inconsciente: que o meu companheiro facilite meu autoconhecimento. No posso ver a mim mesmo. Para isso, preciso de um espelho. Ao longo da vida, encontramos vrios pelo caminho: a famlia, os amigos e, sobretudo, o ser amado. Aprendemos muito quando vivenciamos uma relao amorosa, pois temos diante de ns algum que nos v. Assim, podemos nos conhecer e nos aprimorar. Quando sentimos raiva, por que mais fcil acusar a pessoa amada, responsabiliz-la por nossa insatisfao, em vez de buscar o dilogo? Ao apontarmos o dedo para algum, outros trs dedos se voltam em nossa direo. Se determinado defeito nos incomoda em uma pessoa, porque tambm o possumos. Como no admitimos isso, mais fcil apont-lo fora, e no em ns mesmos. As caractersticas que no temos no nos perturbam quando aparecem no parceiro. S nos causa aborrecimento o que revela uma parte renegada de nosso ser. A rotina mesmo a grande inimiga do casamento? H, na verdade, um monstro de sete cabeas que ameaa os relacionamentos. A primeira cabea a ideia de que eu no posso viver sem estar enamorado; a segunda, a competio com o par; a terceira, a falta de projetos comuns; a quarta, problemas com a famlia do cnjuge; a quinta, a incompatibilidade de gostos; a sexta, antagonismo nas linhas ideolgicas bsicas; e a stima, a rotina. Com criatividade e desejo, possvel dribl-la. O que melhor? Trocar o marido ou mudar o dia, o local e o horrio de fazer amor? No saber mais onde termina o eu e onde comea o ns inevitvel numa vivncia amorosa? Essa noo vem do mito de que duas pessoas so metades que, juntas, compem uma maravilhosa e incrvel unidade. Eu, particularmente, prefiro ser inteiro e ter a meu lado algum igualmente inteiro, para, assim, enriquecermos a vida a dois. No podemos descuidar esse ponto e deixar de ser quem somos. Afinal, a maior riqueza de conviver a possibilidade de abrir espao para que ambos possam ser quem so. Muitas pessoas, infelizmente, acreditam que, para estar junto de algum, precisam renunciar a si

mesmos. No considero que a medida do amor seja o quanto estou disposto a me sacrificar por algum, e sim o quanto estou disposto a desenvolver minha autonomia. No creio que a base da relao seja o quanto deixo de ser eu, e sim o quanto consigo ser eu mesmo quando estou ao lado de quem amo. A equao ideal seria: voc est para mim, eu estou para voc, e ns dois estamos para os outros. O problema quando pensamos: eu estou para mim, voc tem de estar para mim, e todos os outros tambm. No avio, vindo para c, observei a aeromoa dar instrues para o caso de um acidente. Ela disse que deveramos colocar a mscara de oxignio primeiro em ns e depois na pessoa ao lado, pois s assim teramos condies de ajud-la. O mesmo se aplica ao amor. No acredito que, para estar com algum, seja necessrio deixar de pensar em si mesmo. Jorge Bucay, terapeuta de casal: "Duas pessoas so metades que, juntas, compem uma maravilhosa unidade" Colocar tudo de lado para que o parceiro vire o centro de nosso universo preocupante? Essa a manifestao da paixo. Fugaz, por natureza. O amor no assim. No h com o que se preocupar. s uma fase. Precisamos ser complacentes com os amigos que esto vivendo esse momento de xtase e, por isso, acabam se distanciando. um perodo maravilhoso, mas no podemos ficar assim eternamente. Do contrrio, no faramos mais nada na vida, no trabalharamos, no cultivaramos as amizades. Passada essa onda, ou o sentimento se transforma ou acaba. Um relacionamento considerado enriquecedor costuma apresentar quais caractersticas? Uma relao saudvel possui trs pontos de apoio: o amor, a atrao e a confiana. Eles so to importantes que funcionam como uma mesa sobre a qual repousam os projetos comuns, o tempo compartilhado, a casa, os filhos, a famlia. Se existir ou no um quarto ponto de sustentao, no far diferena. Agora, se um dos trs sair de cena, no haver a parceria; talvez, o matrimnio, mas no a parceria. Como avaliar se vale a pena seguir em frente ou se hora de terminar? No h uma regra fixa. Alguns dizem que o ideal terminar a relao um pouco antes do recomendado. O que acontece quase sempre a percepo de que existe um problema pessoal. O outro no serve para mim. Essa no a verdade. O problema no est em um dos cnjuges, mas no tipo de vnculo estabelecido entre eles. Muitas pessoas se separam e repetem com o parceiro seguinte a histria nefasta que viveram no passado. Acredito que os casais no devam se separar enquanto no tiverem esgotado todos os recursos disponveis, e um deles procurar um terapeuta especializado. bom ressaltar que esse tipo de profissional no representa a promessa da reconciliao. s vezes, ele s ajuda a mediar a separao. Quais so os aspectos frgeis das relaes contemporneas? Os pares discutem por muitas coisas e os temas diferem de acordo com a poca e a cultura de cada pas. No entanto, identifico algumas recorrncias: as pessoas se desentendem por causa da criao dos filhos, da relao com a famlia dele ou dela, por problemas financeiros, por disputa de poder e pelo direito de ter liberdade. Sempre que me trazem essas queixas, penso no que est se passando entre o casal, e no fora. A independncia das mulheres ainda ameaa os homens? Para mim, uma condio bsica ter uma mulher independente a meu lado. Estou convencido de que no possvel amar se no formos livres. No entanto, sei que h ainda muitos homens machistas no mundo. Homens e mulheres no so iguais. Somos diferentes, mas complementares. Todas as disputas entre os sexos so tristes, sobretudo a disputa pela liberdade. Alguns homens ainda dizem: "Eu sou capaz e voc no . Eu posso e voc no pode". Isso mentira. Ns homens somos muito mais dependentes do que as mulheres, principalmente no que diz respeito a assuntos de ordem prtica. Um homem se separa e, trs meses depois, est vivendo com uma nova companheira. J a mulher permanece s, aprende a fazer consertos domsticos, a se virar sozinha e, em pouco tempo, est pensando: "Para que preciso de um homem nesta casa?"

Jorge Bucay recomenda amar de olhos abertos Segue abaixo uma entrevista/aula incrvel que o psiclogo e escritor argentino Jorge Bucay (foto) deu pra Folha de S. Paulo. O tema? Amor! Ele esteve no Brasil pra lanar o livro Amar de Olhos Abertos. (Bom, normalmente eu posto trechos da Folha por aqui, mas desta vez no deu; tive que postar a entrevista todinha, de to boa e reveladora.) Folha - O que significa amar de olhos abertos? Jorge Bucay - Gosto de uma definio que diz que o amor a simples alegria pela existncia do outro. No possesso, nem felicidade necessariamente. E por isso "com os olhos abertos". O amor cego no aceita o outro verdadeiramente como ele . Por que tanta gente prefere a intensidade da paixo, mesmo sabendo que efmera, a construir algo mais slido? maravilhoso estar apaixonado e muitos preferem a intensidade superficial profundidade eterna. Mas me pergunto como as pessoas pensam em ficar somente nisso. Qual o sentido de estar apaixonado perdidamente o tempo todo? Penso que uma questo de maturidade. Tambm tem a ver com a nossa sociedade, que adora emoes intensas. Procuramos correr mais rpido, chegar antes, desfrutar intensamente. A paixo como uma droga: no seu momento fugaz faz pensar que voc feliz e no precisa de mais nada. Um olhar, uma palavra te levam aos melhores lugares. Como construir uma relao mais profunda? Seria bom estar preparado para saber que a paixo acaba. Amadurecer significa tambm desfrutar das coisas que o amor d, como compartilhar o silncio e no um beijo, saber que a pessoa est ali, ainda que no esteja ao meu lado. preciso abrir os olhos, e isso uma deciso. Ver o par na sua essncia. Mas primeiro preciso estar bem consigo mesmo. No se deve procurar o sentido da prpria vida no companheiro ou nos filhos. Voc deve responder a trs perguntas bsicas nesta ordem: quem sou, aonde vou e com quem. preciso que eu me conhea antes de te conhecer e que decida meu caminho antes de compartilh-lo. Seno, o outro quem vai dizer quem eu sou. E isso uma carga muito grande. O livro diz que as relaes duram o que tm que durar, sejam semanas, seja uma vida. Duram enquanto permitem que ambos cresam. Significa conhecer-se, gostar de si mesmo, conhecer seus recursos e desenvolv-los. Ao lado da pessoa amada, est a melhor oportunidade para isso. E essa uma condio para construir um relacionamento. Um casal que no cresce, envelhece. E um casal que envelhece, morre. O que leva ao fracasso? Um dos grandes motivos de fracasso no trocar intensidade por profundidade, viver querendo voltar aos tempos da paixo. Outro ponto de conflito que as pessoas no conseguem deixar o papel que desempenhavam antes de casar, querem continuar sendo o "filhinho da mame", ou o "caulinha da casa". Outro problema a intolerncia, a incapacidade de aceitar as diferenas, as pessoas discutem pelo dinheiro, pela criao dos filhos e, por fim, morrem sufocadas pela rotina. E como enfrentar esses problemas ou desafios? preciso amor, atrao e confiana. Comparo esses pilares a uma mesa de trs ps. O tampo da mesa seria um projeto comum firme. Se faltar qualquer um desses elementos, a mesa cai. E sobre tudo isso deve-se montar outras coisas, como a capacidade de trabalhar juntos, de rir das mesmas coisas, de ser sexualmente compatveis, sentir o outro como um apoio nos momentos difceis. s vezes a terapia ajuda, s vezes um bom passaporte para a separao. Como saber quando a relao chegou ao fim? Se sinto que estou sempre no mesmo lugar, que me entedio, que no tenho vontade de estar com o outro, se sempre que samos precisamos sair com outros casais pois no ficamos bem sozinhos, quando piadas como "o idiota do meu marido" ou a "bruxa da minha mulher" se tornam frequentes, algo no est funcionado. Fonte: Folha.com