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"A relação afroindígena: por uma teoria etnográfica da (contra) mestiçagem" Os múltiplos encontros, diálogos e confrontos entre povos de matriz africana e povos indígenas nas Américas são o resultado do maior processo de desterritorialização e reterritorialização da história da humanidade. Nessa história, coexistem poderes mortais da aniquilação e potências vitais da criatividade, e não deixa de ser notável que esses encontros tenham recebido tão pouca atenção na antropologia. Esta proposta de Grupo de Trabalho parte dessa questão: por que, afinal de contas, a proximidade histórica e etnográfica entre ameríndios e afro- americanos — ou seja, o fato inelutável de que, ao longo dos séculos, e ainda hoje, eles não puderam deixar de estabelecer e de pensar suas relações — sempre esteve acompanhada de um afastamento teórico que faz com que dessa relação não saibamos quase nada ou saibamos apenas o menos interessante”? Como Bastide já observava desde 1973, “os antropólogos se interessaram sobretudo pelos fenômenos de adaptação (...) à sociedade dos brancos e à cultura luso-católica”. Isso significa, sobretudo, que tanto nas investigações acadêmicas quanto em outras formações discursivas, as relações afro- indígenas foram submetidas à “sociedade dos brancos” e pensadas na forma daquilo que se convencionou chamar de “mestiçagem” ou, no caso brasileiro, do “mito das três raças” e, no argentino, com o mito do branqueamento europeizante — “os argentinos descendemos dos brancos”. Nos dois casos, as relações “raciais” foram reduzidas a um processo único e identitário de fusão e embranquecimento. Contra essa pobreza antropológica, muitas etnografias recentes vêm mostrando a riqueza com a qual a relação afro-indígena é pensada pelos coletivos nela interessados e que não encontra ainda paralelo digno na reflexão acadêmica. Nessas pesquisas, emergem descrições etnográficas de cosmopolíticas que nos fazem repensar os encontros afro- indígenas, entre outros, a partir de práticas e conceitos nativos, que concebem esses diálogos de forma singular. Trata-se, assim, de tentar abandonar os clichês dominantes da miscigenação, mestiçagem ou sincretismo em benefício de imagens oriundas de nossos próprios campos empíricos de investigação, encarados como espaços de agenciamento de diferenças enquanto

A Relação Afroindígena Antro Simétrica

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A Relação Afroindígena Antro Simétrica

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Page 1: A Relação Afroindígena Antro Simétrica

"A relação afroindígena: por uma teoria etnográfica da (contra) mestiçagem"

Os múltiplos encontros, diálogos e confrontos entre povos de matriz africana e povos indígenas nas Américas são o resultado do maior processo de desterritorialização e reterritorialização da história da humanidade. Nessa história, coexistem poderes mortais da aniquilação e potências vitais da criatividade, e não deixa de ser notável que esses encontros tenham recebido tão pouca atenção na antropologia. Esta proposta de Grupo de Trabalho parte dessa questão: por que, afinal de contas, a proximidade histórica e etnográfica entre ameríndios e afro-americanos — ou seja, o fato inelutável de que, ao longo dos séculos, e ainda hoje, eles não puderam deixar de estabelecer e de pensar suas relações — sempre esteve acompanhada de um afastamento teórico que faz com que dessa relação não saibamos quase nada ou saibamos apenas o menos interessante”? Como Bastide já observava desde 1973, “os antropólogos se interessaram sobretudo pelos fenômenos de adaptação (...) à sociedade dos brancos e à cultura luso-católica”. Isso significa, sobretudo, que tanto nas investigações acadêmicas quanto em outras formações discursivas, as relações afro-indígenas foram submetidas à “sociedade dos brancos” e pensadas na forma daquilo que se convencionou chamar de “mestiçagem” ou, no caso brasileiro, do “mito das três raças” e, no argentino, com o mito do branqueamento europeizante — “os argentinos descendemos dos brancos”. Nos dois casos, as relações “raciais” foram reduzidas a um processo único e identitário de fusão e embranquecimento. Contra essa pobreza antropológica, muitas etnografias recentes vêm mostrando a riqueza com a qual a relação afro-indígena é pensada pelos coletivos nela interessados e que não encontra ainda paralelo digno na reflexão acadêmica. Nessas pesquisas, emergem descrições etnográficas de cosmopolíticas que nos fazem repensar os encontros afro-indígenas, entre outros, a partir de práticas e conceitos nativos, que concebem esses diálogos de forma singular.

Trata-se, assim, de tentar abandonar os clichês dominantes da miscigenação, mestiçagem ou sincretismo em benefício de imagens oriundas de nossos próprios campos empíricos de investigação, encarados como espaços de agenciamento de diferenças enquanto diferenças, sem o pressuposto da necessidade de nenhum tipo de síntese ou fusão. O objetivo principal do Grupo de Trabalho “Teorias etnográficas da (contra)mestiçagem” é, pois, colocar em diálogo produções etnográficas e reflexões teóricas que pensem os conceitos e as práticas nativas acerca de seus encontros e diálogos com coletivos por eles mesmos classificados como “outros”. Dessa forma, pretende-se contribuir para a elaboração de uma chave acadêmica descritiva para aquilo que as coletividades indígenas e de matriz africana desenvolveram em chave existencial em seus sucessivos encontros. Trata-se de um processo que poderíamos denominar “contra-mestiçagem”. Não no sentido de uma recusa da mistura em nome de uma pureza qualquer, mas no da abertura para a indeterminação que qualquer processo de mistura comporta e os controles que essa abertura necessita para ser sustentada. Neste GT, serão privilegiadas apresentações apoiadas em pesquisas com base empírica, etnográfica ou histórica, preferencialmente sobre coletivos ameríndios, afro- americanos ou afro-indígenas.

Palavras chaves: mestiçagem; sincretismo; teoria etnográfica; cosmopolítica; afro-indígena

Page 2: A Relação Afroindígena Antro Simétrica

Zonas de contato afroindígena na Amazônia: Interfaces História & Antropologia Coordenadores: Agenor Sarraf Pacheco (UFPA-PA)

Gerson Rodrigues de Albuquerque (UFAC-AC)

Jerônimo da Silva e Silva (UNAMA-PA)

RESUMO:

O processo de ocupação do território Amazônico, a partir do século XVII, gestou diferentes encontros, confrontos e trocas culturais entre nativos, colonizadores e diaspóricos. Nas movimentações produzidas, índios e negros ao tornarem-se a mão de obra mais utilizada em fortificações, roças, pesqueiros, fazendas e outros ambientes de trabalho e moradia, conseguiram inventar imprevisíveis zonas de contato. Sem negar a presença do colonizador, mas recriando saberes da dominação à luz de suas cosmovisões, indígenas a africanos construíram modos de vida, estéticas e performances afroindígenas, os quais visibilizam-se não apenas na cor da pele, falares, dançares, hábitos alimentares, mas também no devir de experiências em fronteiras, seus acoplamentos e ligaduras enquanto efeitos criativos de afetos que se manifestam em distintos corpos, sentimentos e referências cosmológicas. Contígua a essas investidas interpretativas, o GT interessa-se por pesquisas que busquem descortinar trocas, vivências e produções de culturas africanas e indígenas em mesclas nas escritas históricas e antropológicas da Amazônia. Nesse exercício, valoriza etnografias interessadas em apreender especificidades e intersecções entre o campo da Antropologia Afro-brasileira e da etnologia indígena, apreendendo práticas religiosas, literárias, artísticas, comunicacionais, educacionais, políticas, bem como formas e sentidos de viver em cidades, florestas, rios, beiras de estradas, povoados, aldeias e outros ambientes onde a experiência humana e não-humana manifesta-se, afeta-se, mistura-se, revelando patrimônios, identidades, culturas, modos de ser afroindígena.