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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL NA ESFERA CÍVEL
DAIANE RAMOS
Itajaí, novembro de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL NA ESFERA CÍVEL
DAIANE RAMOS
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc. Jefferson Custódio Prósp ero
Itajaí, novembro de 2008.
AGRADECIMENTO
Primeiramente, a Deus, por ter sido um amigo fiel em todas as horas e por ter trilhado meu caminho com muito amor e paz; Aos meus pais, Odacir e Neuza, pela educação e exemplo de fortaleza e honestidade. À minha irmã Daniele, pelas risadas incontidas e exemplo inimaginável de amizade sem pretensões; As minhas amigas, Juralice, pela amizade 24 horas e pelo ombro cedido diversas vezes durante esta jornada, Suzete pelo exemplo de humildade dedicação e afeto sem dimensão; Jerusa, pelo exemplo de compreensão, e pelas brincadeiras saudáveis, necessárias ao meu bom-humor; e a minha amiga Regiane, que embora distante sei que torce pela minha vitória. Ao meu namorado, Alisson, em razão de seu carinho e compreensão que ajudaram a concluir este trabalho; Ao meu orientador, Prof. Jéfferson Custódio Próspero, pela orientação precisa e por dividir seu conhecimento; Enfim, agradeço aos que duvidaram publicamente da minha capacidade de realizar os meus projetos e anseios, pois assim, pude crer no quanto eu posso e vou muito além quando penso que não posso mais: Muito Obrigada .
DEDICATÓRIA
Se enxerguei mais alto foi porque me apoiei nos ombros de gigantes, e por esse motivo, dedico esse trabalho monográfico ao meu pai, Odacir Lourenço Ramos, aquele que me educou com grande rigor e me ensinou os princípios fundamentais do ser humano homem de coragem, garra, méritos, aquele que batalhou duro, dias após dia, e jamais temeu as surpresas da vida.
A minha mãe Neuza Maria dos Santos Ramos, pois é o colo que me acolhe, o abraço que me envolve, a palavra que me conforta, o silêncio que me respeita, alegria que me contagia, enfim, é o amor que me promove.
A minha irmã Daniele Ramos, carinhosamente chamada de “Raquelli”, pelos momentos de descontração, devido as suas constantes brincadeiras.
A meu namorado Alisson de Andrade, fonte de apoio e incentivos diários, o qual me compreendeu nos momentos mais difíceis.
Ao meu orientador Mestre amigo Jéferson Custódio Próspero, que não me faltou em momento tão importante, pela sua total compreensão, dedicação e pela sua fundamental orientação que possibilitou a realização deste trabalho para a conclusão do Curso de Direito.
“Uma justiça reconhecendo sua própria falibilidade é uma justiça mais justa e é por essa justiça, cada vez, mais justa, que devem os operadores do direito batalhar, hoje e sempre”. (autor desconhecido)
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, novembro de 2008
Daiane Ramos Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Daiane Ramos, sob o título A
Responsabilidade Civil do Estado pela Prestação Jur isdicional na Esfera
Cível , foi submetida em 16/12/2008 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: Luciana de Carvalho Paulo Coelho, (Examinadora) e
Jéfferson Custódio Próspero, e aprovada com a nota 9,8 (Nove vírgula oito).
Itajaí, novembro de 2008.
Professor M sc. Jéfferson Custódio Próspero Orientador e Presidente da Banca
Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART Artigo
ARTS. Artigos
CC Código Civil
CPCB Código de Processo Civil Brasileiro
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
DES Desembargador
ED. Edição
N.º Número
P. Página
RS Rio Grande do sul
STF Supremo Tribunal Federal
TRF Tribunal Regional Federal
UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Agente público 1:
“[...] as atividades do Estado são exercidas através de pessoas físicas, que
constituem seus agentes, ou os seus órgãos (o juiz exerce a jurisdição,
complementada sua atividade pelas dos órgãos da justiça)”.
Ato ilícito 2:
“Ato ilícito é, assim, a ação ou omissão culposa com a qual se infringe, direta e
imediatamente, um preceito jurídico do direito privado, causando-se dano a
outrem”.
Dano3:
”[...] a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não -, causado por
ação ou omissão do sujeito por ação ou omissão do sujeito infrator”.
Direito 4:
“[...] é uma ciência normativa por conhecer e estudar normas, e não apenas por
determiná-las, pois, afirmava o referido autor, que uma ciência para assim ser
considerada não pode prescrever, uma vez que a prescrição pressupõe algo e
ciência não pressupõe, constata, descreve”.
Direito de regresso 5:
1 CINTRA, Carlos de Araújo, et. AI. Teoria geral do processo. p. 132. 2 GOMES, Orlando. Direito Civil: obrigações. 3 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 36. 4 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 114.
5 LEITE, Rosimeire Ventura. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p. 93.
“[...] tendo o Estado ressarcido a vítima do ato danoso, praticado pelo magistrado
no exercício de sua função jurisdicional, com dolo ou culpa grave, pode o juiz agir
regressivamente contra o juiz faltoso [...]”.
Erro judiciário 6:
“[...] todo ato jurisdicional que, seja pelo mau enquadramento dos fatos ao mundo
do direito seja pela errônea aplicação das normas viola regras de natureza
processual e material, em qualquer dos ramos do direito”.
Estado 7:
“[...] uma associação humana (povo) radicada em base espacial (território) que
vive sob o comando de uma autoridade (poder) naão sujeita a qualquer outra
(soberana)”.
Juiz 8:
“[...] cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome
próprio e muito menos por um direito próprio: ele é, aí, um agente do Estado (age
em nome deste). O Estado o investiu, mediante critério de escolha, para exercer
uma função pública [...]”.
Jurisdição 9:
“Observa-se que a jurisdição é função, poder e atividade, reflexo do Estado e de
sua soberania, estendendo-se a todas as esferas da vida do particular,
ampliando-se cada vez mais em beneficio da ordem jurídica e, sobretudo, da
segurança social. Não resta a menor dúvida de que a jurisdição é uma das
funções do Estado – a de “dizer o direito” (jurisdictio), ao lado da admistrativa e da
legislativa. É função precípua do Poder Judiciário, e pressupõe a legislativa”.
Nexo de causalidade 10:
6 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 93. 7 CAVALLARI, Durval Ayrton. Manual prático de direito constitucional: nível básico. p.31. 8 CINTRA, Carlos de Araújo et. Al. Teoria geral do processo. p.138. 9 COLUCCI, Maria da Glória; ALMEIDA, José Maurício Pinto de. Lições de teoria geral do
processo. p.68.
“O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato
lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência
previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento
danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que este é considerada como sua
causa”.
Princípio 11:
“[...] princípio designa o fundamento, base ou ponto de partida de um raciocínio,
argumento ou proposição”.
Princípio dispositivo 12:
“Quando se fala em princípio dispositivo tem-se em mente a maior ou a menor
dependência que tem o juiz na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto
às provas e alegações que servirão de base ao provimento jurisdicional”.
Responsabilidade civil 13:
“[...] responsabilidade civil como o conjunto de princípios e normas que
disciplinam a obrigação de reparar o dano resultante do inadimplemento de um
contrato, da inobservância de um dever geral de conduta ou, nos casos previstos
em lei, mesmo da prática de ato licito”.
Responsabilidade extracontratual 14:
“Responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana, é o resultado
da violação de um dever geral de abstenção, imposto a toda e qualquer pessoa,
cujo enfoque se dá no respeito dos direitos de terceiros. Isto é, não há uma
ligação anterior entre as partes através de um contrato, ela é resultante da prática
de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz”.
Responsabilidade objetiva 15: 10 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 100. 11 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 47. 12 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil. p. 84-85. 13 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por eqüidade no novo código civil. p. 45. 14 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. p. 199.
“[...] o sistema objetivo de responsabilidade é embasada na idéia de risco da
atividade, respondendo o agente independente da existência de culpa”.
Responsabilidade subjetiva 16:
“Realmente se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de
culpa... dentro da concepção tradicional a responsabilidade do agente causador
do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova
da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de
indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do
comportamento do sujeito”.
Teoria do risco administrativo 17:
“Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do
risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerça uma atividade cria um risco de
dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja
isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a
idéia de risco, ora encarada como ‘risco proveito’, que se funda no princípio
segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma
atividade realizada em beneficio do responsável (...), ora mais genericamente
como ‘risco criado’, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa,
expuser alguém a suportá-lo. (...) a culpa é insuficiente para regular todos os
casos de responsabilidade.”
15 LISBOA, Senise Roberto. Manual do direito civil: obrigações e responsabilidade civil. p. 35. 16 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 10. 17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 18.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................. xiv
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1
CAPÍTULO 1 ........................................ ................................................................... 3
RESPONSABILIDADE CIVIL ............................ ..................................................... 3 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL . ......................... 3 1.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ............ ................................... 11 1.3 DISTINÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE PENAL .. ......................... 14 1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........ ............................ 16 1.4.1 AÇÃO OU OMISSÃO ......................................................................................... 17 1.4.2 CULPA OU DOLO ............................................................................................. 19 1.4.3 DANO ............................................................................................................ 20 1.4.4 Nexo de Causalidade ......................... ........................................................ 24 1.5 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ............ .................................... 25 1.5.1 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL ................................................................... 25 1.5.2 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ......................................................... 28 1.6 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA .............. ...................................... 29 1.7 RESPONSABILIDADE CVIL OBJETIVA ................ ....................................... 32 1.8 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............ ................................... 35 1.8.1 O Estado e suas Funçoes ..................... ..................................................... 35 1.8.2 A Evoluçao Histórica da responsabilidade civi l do estado .................... 39 1.9 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO ................ ........................................ 43 1.10 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIV IL DO ESTADO ............................................................................................................... 46
CAPÍTULO 2 ........................................ ................................................................. 50
A ATIVIDADE JURISDICIONAL:TÍPICO SERVIÇO PÚBLICO .. ......................... 50 2.1 O JUIZ COMO AGENTE PÚBLICO DO ESTADO .......... ............................... 53 2.2 PRINCIPIOS CONSTTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DO J UIZ ................. 53 2.2.1 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DO JUIZ ............................................................ 54 2.2.1.1APRECIAÇÃO DA LESAO OU AMEAÇA DO DIREITO..............................54 2.2.1.2 PRINCÍPIOS DA EXCLUSIVIDADE DA JURISDIÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO ....... 56 2.2.1.3 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL ........................................................................ 57 2.2.2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DO JUIZ .............. ........................................ 61 2.2.2.1 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ ......................................................... 61 2.2.2.2 PRINCÍPIO DISPOSITIVO ................................................................................ 62 2.2.2.3 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO ......................................................... 65 2.2.2.4 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO E CONVICÇÃO DO JUIZ .......................................... 67 2.2.2.5 PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL .................................................................... 68 2.2.2.6 DA SUSPEIÇÃO E DO IMPEDIMENTO DO JUIZ ................................................... 69 2.3 O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL......... ................................ 72
CAPÍTULO 3 ........................................ ................................................................. 79
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NA ESFERA CIVEL ..................... ........................................... 79 3.1 ATOS JURISDICIONAIS............................ .....................................................79 3.2 O PODER DISPOSITIVO DO JUIZ ................................................................ 80 3.3 A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO JUIZ ............ .................................. 84 3.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO, D ENEGAÇÃO DE JUSTIÇA E PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL .. .................... 90 3.4.1 DO ERRO JUDICIÁRIO ...................................................................................... 95 3.4.2 DA DENEGAÇÃO DA JUSTIÇA ........................................................................... 98 3.4.3 DA DEMORA NA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL .................................. 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. .................................................. 112
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ....................................... 118
RESUMO
A presente monografia trata da Responsabilidade Civil do Estado pela prestação jurisdicional na esfera cível. Para tanto parte-se de um breve estudo do instituto da responsabilidade civil, por meio de suas origens históricas, modos de classificação e seus pressupostos, posteriormente analisa-se a responsabilidade do Estado à atividade judiciária como um típico serviço público e por fim a responsabilidade pela prestação jurisdicional. Fundado na teoria do risco administrativo, o estudo trata da reparação dos danos causados aos jurisdicionados, decorrentes do exercício da prestação jurisdicional, causados pelos juizes no exercício da jurisdição e a direta responsabilização do Estado, assegurado, a este o direito de regresso contra seus agentes que agiram com dolo, fraude ou culpa. O trabalho na fase da investigação utilizou o método indutivo, seguiu no desenvolvimento o Método Dedutivo, aliado ao uso da técnica da pesquisa bibliográfica, utilizando-se, sempre que possível, de fontes primárias. A pesquisa será abordada em três capítulos, sendo que os resultados serão apresentados nas Considerações finais, onde serão confirmadas ou não as hipóteses levantadas com a pesquisa, que são: O Estado responde objetivamente, no âmbito civil, pela prestação jurisdicional. O juiz é um agente público subordinado ao Estado; Os casos de responsabilidade estatal, são aqueles onde a atividade jurisdicional, exercida pelo juiz, acarretar dano à aquele que se submete à sua manifestação, ofendendo a sua integridade moral e patrimonial.
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objeto a Responsabilidade
do Estado pela prestação Jurisdicional na esfera cível.
Teve como objetivos: institucional, produzir uma monografia
para a obtenção do grau de bacharel de Direito, pela Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI; geral, apresentar se o Estado possuía responsabilidade Civil
pela prestação jurisdicional, nos dias atuais, analisando a realidade que o Poder
judiciário se encontra perante a sociedade; e como específicos, demonstrar a
responsabilidade do Estado pela prestação jurisdicional, apontando ainda os
casos a qual ele é responsabilizado, apresentando os princípios norteadores da
carreira do magistrado e os casos notórios de erro, denegação de justiça e
demora na prestação jurisdicional.
O tema é atual e relevante, pois a Responsabilidade Civil do
Estado pela prestação jurisdicional é tema de discussão no meio jurídico, pois a
não responsabilização dos juízes e do Estado por prejuízos causados aos
jurisdicionados no exercício da jurisdição vai contra o Estado de Direito.
Serão acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos
conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses, as quais, após o desenvolvimento da pesquisa, serão confirmadas ou
não nas Considerações Finais:
• O Estado responde objetivamente, no âmbito civil, pela
prestação jurisdicional.
• O juiz é um agente público subordinado ao Estado;
• Os casos de responsabilidade estatal, são aqueles onde a
2
atividade jurisdicional, exercida pelo juiz, acarretar dano a aquele que se submete
à sua manifestação, ofendendo a sua integridade moral e patrimonial.
O trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo
tratará do instituto da responsabilidade civil, desde a evolução histórica do
instituto até as causas excludentes da responsabilidade civil do Estado.
O segundo capítulo cuidará da figura do juiz, buscando
caracterizá-lo como um agente público do Estado, o qual a este é dependente e
subordinado, bem como, os princípios constitucionais e processuais que
regulamentam a função publica: jurisdição.
Por derradeiro, o terceiro capítulo encerrará a
responsabilidade civil do estado pela prestação jurisdicional, nos casos de erro
judiciário, denegação de justiça e morosidade na prestação da tutela jurisdicional.
Estudará, ainda, a responsabilização pessoal indireta do juiz
e a responsabilidade direta do Estado pelos atos jurisdicionais.
A pesquisa seguirá sempre cuidando dos institutos
constitucionalmente previstos, diretamente do Estado como a própria imposição
do parágrafo 6º, art. 37, da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Contemplará que o Estado reparador investe-se da prerrogativa de exigir
regressivamente dos magistrados os prejuízos indenizados ao apurar o dolo ou a
culpa na prestação da tutela jurisdicional.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de desenvolvimento o
Método Dedutivo, e o Relatório dos resultados expresso na presente Monografia é
composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
3
CAPÍTULO 1
RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Para haver a compreensão do instituto da Responsabilidade
Civil e se falar especificamente sobre ela, faz-se necessário abordar a partir de
sua evolução histórica.
Nos primórdios da civilização, a responsabilidade era
puramente objetiva devido à solidariedade do grupo, estava calcada na
concepção de vingança privada, o homem apenas se valia da força física como
instrumento de defesa, sendo a vingança coletiva do grupo por ofensa a um de
seus membros contra o agressor habitual, uma vez, que os homens faziam justiça
com as próprias mãos, seguindo a Lei do Talião: “olho por olho, dente por dente”.
Neste sentido, afirma GONÇALVES18, “[...] nos primórdios da
humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa”. O dano provocava a
reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras, nem limitações.
Não imperava ainda o direito.
Em relação à caracterização da vingança coletiva nos
tempos primórdios menciona DINIZ19, “[...] se caracterizava pela reação conjunta
do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes”.
A reparação já havia previsão no Código de Hamurabi20,
onde o causador do dano era punido com igual sofrimento. Este código e os atos
18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 4. 19 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p. 9. 20 “Código de Hamurabi, também conhecido por Kamo-Rábi, rei da Babilônia, o qual vivera no
século XXIII antes de Cristo, tendo por meio de guerras conseguido unificar toda a Mesopotânia, do Tigre ao Eufrates, os quais forma por ele retificados. O Código fora descoberto graças a uma expedição francesa [...] à Pérsia, Código esse que estava gravado em diorito negro, na cidade de Suza, contendo diversas leis, que, ainda hoje, servem de bússola...” (ZENUN, Augusto. Dano moral e sua reparação. p. 5)
4
praticados neste período trouxeram um sistema jurídico muito desenvolvido,
sobretudo no domínio do direito privado. Posteriormente, sobreveio o Código
Romano intitulado como a “Lei das XII Tábuas” que fazia menção à Lei de Talião.
Observa DINIZ21:
Na lei das XII Tábuas, aparece significativamente expressão desse critério na tábua VII, lei 11ª. “si membrum rupsit, ni cum eo pacit, talio esto” (se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente do dano.
Depois desse período, concebeu-se a possibilidade de
composição entre a vítima e o ofensor, evitando a aplicação da pena de Talião. O
fundamento é a observância de que seria mais conveniente entrar em
composição com o autor da ofensa, para que ele reparasse o dano, mediante o
pagamento de certa quantia em dinheiro, a qual era estipulado de acordo com o
delito praticado, se fosse público à critério da autoridade pública, e do lesado se
tratasse de delito privado.
Nesta vertente da composição esclarece DINIZ22:
[...] ante a observância do fato de que seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa – para que ele reparasse o dano mediante a prestação da poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), a critério da autoridade pública, se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res publica), e do lesado, se tratasse do delito privado (efetivado contra interesses de particulares) – do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum, ocasionando na verdade duplo dano: o dano da vítima e o de seu ofensor, depois de punido.
Assim, no lugar de impor ao autor de um dano, que um
membro de seu corpo sofra a mesma ofensa, por força de um acordo, uma
solução transacional, a vítima receberia a seu critério o pagamento de certa
21 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p. 11. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p. 10.
5
quantia em dinheiro ou outros bens.
Assim, fundamenta GAGLIANO E PAMPLONA FILHO ao citar
ALVINO LIMA23, em relação ao período da Lei XII Tábuas:
[...] este período sucede o da composição tarifada, imposto pela Lei XII Tábuas, que fixava, em casos concretos, o valor da pena a ser paga pelo ofensor. E a reação contra a vingança privada, que é assim abolida e substituída pela composição obrigatória. Embora subsista o sistema do delito privado, nota-se, entretanto, a influência da inteligência social, compreendendo-se que a regulamentação dos conflitos não é somente uma questão entre particulares.
A Lei das XII Tábuas, que determinou o quantum para a composição obrigatória, regulava casos concretos, sem um princípio geral fixador da responsabilidade civil. A actio de reputis sarciendi, que alguns afirmam que consagrava um princípio de generalização da responsabilidade civil, e considerada, hoje, como contendo tal preceito (Lei das XII Tábuas – Tabua VIII. Lei 5º).
Por sua vez leciona DINIZ24:
Sob a égide da Lei do Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas “olho por olho, dente por dente”, “quem com ferro fere, com fero será ferido”. Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que se experimentou. Na lei das XII Tábuas, aparece significativa expressão desse critério na tábua VII, lei 11ª: “si membrum rupsit, nicum eo pacit, talio esto” (se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia da Culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente do dano.
Após esta fase, sobreveio a Lex Aquilia, cuja importância foi
tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil
23 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 10-11. 24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p.10-11.
6
extracontratual, foi através da Lex Aquilia25 que ocorreu a revolução nos conceitos
de tal instituto, a qual deu origem à responsabilidade extracontratual em oposição
à contratual, atribuindo elementos de culpa como fundamento para a reparação
do Dano.
Neste sentido leciona CARVALHO NETO26:
Com a Lex Aquilia surge a idéia de culpa, daí surgindo a chamada culpa aquiliana. Os juristas romanos, entretanto, não distinguiram perfeitamente a noção de culpa da noção de injúria, que foram tratados como sinônimos. Assim, não podendo desvincular culpa de delito, viram-se obrigados a reconhecer que o autor do dano tivesse sempre agindo com culpa, pouco importando o seu grau. Daí surgiu a máxima, até hoje bastante repetida: In lege Aquilia et lecissima culpa venit”.
Nesta esteira, para melhor compreensão do tema necessária
são as considerações de VENOSA27:
De qualquer forma, a Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai-se da interpretação da Lex Aquilia o principio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independente de relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual. Por essa razão, denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade, embora exista hoje um abismo considerável entre a compreensão desta lei e a responsabilidade civil atual. A
25 “A Lex Aquilia apareceu provavelmente por volta do séc. III a.C. para sancionar como delito
privado um certo numero de fatos precisos que são agrupados sob a designação de damnum iniuria datum (dano causado ilicitamente), como por exemplo, a morte do escravo ou animal de outrem ou duma forma mais geral, qualquer destruição ou deterioração de uma coisa, desde que o dano tenha sido causado corpore (pelo contacto do corpo do delinqüente) e corpori (por lesão material;... A doutrina romana clássica exigiu que, além da relação de causalidade entre o ato ilícito e o dano, houvesse culpa, que podia consistir tanto numa negligência ou imprudência (enquanto que o dolo implicava a vontade de prejudicar)”. (GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. p. 751)
26 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do Estado por atos de seus agentes. p. 26-27. 27 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 22
7
Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens.
Sobre a importância da Lei Aquilia para a concepção da
responsabilidade civil trata PEREIRA28:
Onde se realiza a maior revolução nos conceitos jus-romanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia (...) Tão grande revolução que a lei se prende a denominação de aquiliana para designar-se a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Foi um marco tão acentuado, que a ela se atribui a origem do elemento “culpa”, como fundamental na reparação do dano.
A idéia de reparação do dano fez com que o causador do
dano suportasse com seu patrimônio o ônus da reparação, em razão da res,
tendo assim uma noção de culpa como fundamento da responsabilidade, pois se
caso o gente tivesse agido sem culpa, seria isento de qualquer responsabilidade.
Neste sentido DINIZ29:
A Lex Aquilia de dammo veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente.
Como verifica-se não se aplica mais as multas fixas, as
quais foram substituídas por penas de indenização proporcional aos danos
causados. As sanções correspondentes a esta lei mais tarde foram aplicadas aos
danos causados pela omissão ou verificados sem o estrago físico e material da
coisa. Neste momento é que o Estado passa atuar como pacificador de conflitos
privados.
28 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. p. 3-4. 29 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p.10.
8
Sobre a intervenção do Estado em conflitos privados trata
DINIZ30:
Todavia, mais tarde, as sanções desta lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando à vingança. Essa composição permanece no direito romano com o caráter de pena privada e como reparação, visto que não havia nítida distinção entre responsabilidade civil e a penal.
Sintetizando essa visão da responsabilidade civil vem a baila
a lição de ALVINO LIMA, citado por GAGLIANO E PAMPLONA FILHO31:
Partimos, como diz Ihering, do período em que o sentimento de paixão predominava no direito; a reação violenta perde de vista a culpabilidade, para alcançar tão somente a satisfação do dano e infligir um castigo ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se confundem; responsabilidade civil e penal se distinguem. A evolução operou-se, conseqüentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferenciar a responsabilidade civil da penal. E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertar-se inteiramente da idéia da pena, no fixar a responsabilidade aquiliana, a verdade é que a idéia de delito privado, engendrando uma ação penal, viu o domínio de sua aplicação diminuir, a vista de sua admissão, cada vez mais crescente, de obrigações delituais, criando uma ação mista ou simplesmente reipersecutória. A função da pena transformou-se, tendo por fim indenizar, como nas ações reipersecutórias, embora o modo e calcular a pena ainda fosse inspirado na função primitiva da vingança; o caráter penal da lei Aquilia, no direito clássico, não passa de uma sobrevivência.
Com influência no direito francês e com a evolução das
legislações, e que foram aperfeiçoadas as idéias romanas, fundamentado a
responsabilidade civil, no critério da existência de Culpa, ou seja, de todo ato
30 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p. 10. 31 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 12-13.
9
ilícito. Não obstante, rememora RIZZARDO32:
[...] que concomitantemente à evolução da responsabilidade fundada na culpa, foram sendo abandonadas às situações de composição obrigatória e as indenizações tarifadas, dando ensejo, destarte, à possibilidade de reparação sempre que existente a culpa, ainda que em grau leve. De outra banda com o advento do Código de Napoleão, focou destacada a responsabilidade civil da penal, a contratual da extracontratual, com inserção de regras sobre tais espécies.
Foi assim que o Código Civil francês de 1804, conhecido
como Código Napoleônico, tratou sobre responsabilidade civil.
Leciona ZENUN sobre a responsabilidade civil encontrada no
Código Francês de Napoleão que33: “[...] o termo claro existente na lei implicava
todas as lesões, patrimoniais ou extrapatrimoniais, num sentido bastante amplo
sem quaisquer limitações, com direito à reparação completa”.
Com o Código de Napoleão foi incorporada a idéia de
abstrair a concepção de pena para substituí-la, pela idéia de reparação do dano
sofrido, contudo tal teoria clássica da culpa não conseguia satisfazer todas as
necessidades da vida comum, devido o imenso número de casos concretos em
que os danos se perpetuavam sem reparação devido à impossibilidade da
comprovação de tal elemento.
Assim, começou na jurisprudência a procura por novas
soluções, com a ampliação do conceito de culpa e acolhimento de novas teorias,
que procuravam a reparação do dano pelo fato ou em virtude do risco.
No entendimento de LOPES34, a evolução da
responsabilidade civil passou por três fases:
[...] a primeira tranqüila, sem os tropeços da máquina, sem os
32 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.02.2002. p. 34. 33 ZENUN, Augusto. Dano moral e sua reparação. p. 24. 34 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: fontes contratuais das obrigações -
responsabilidade civil. v. 5. p. 160
10
perigos das grandes invenções, período em que a idéia de culpa era inteiramente suficiente para atender à satisfação dos danos produzidos pelos fatos ilícitos; a segunda, em que os fatos econômicos e sociais impuseram, no começo deste século, uma transformação radical, dando lugar ao risco criado [...] a terceira, eclética, em que se procurou conciliar os dois pólos adversos.
Salienta-se que o Código Civil disciplinava em seu art. 927
caput, que “aquele que, por Ato Ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-los”, dispôs a respeito da tendência a evolução de tal
direito, em seu parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de Culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para o direito de outrem”.
Finalizam-se as considerações históricas com a lição de
ALVINO LIMA, citado por GAGLIANO E PAMPLONA FILHO35:
O movimento inovador se levanta contra a obra secular; a luta se desencadeia tenazmente e sem tréguas; Ripert proclama Saleilles e Iosserand os ‘síndicos da massa falida da culpa’, e, a despeito das afirmações de que a teoria do risco desfaleceu no ardor de seu ataque, seus defensores persistem na tarefa, e as necessidades econômicas e sociais da vida moderna intensa obrigam o legislador a abrir brechas na concepção da teoria clássica da responsabilidade.
Ambas, porém, continuarão a subsistir, como forças paralelas, convergindo para um mesmo fim, sem que jamais, talvez, se possam exterminar ou se confundir, fundamentando, neste ou naquele caso, a imperiosa necessidade de ressarcir o dano, na proteção dos direitos lesados.
Após as considerações que acima foram expostas a cerca
das origens e evolução histórica do instituto da responsabilidade civil, prosseguir-
se-á com a abordagem de seu conceito.
35 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 12-13.
11
1.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Entende-se que responsabilidade civil é o instituto que
constitui normas que regulam a obrigação de reparar o prejuízo causado a
outrem, assumindo para si as conseqüências jurídicas de sua atividade, em
decorrência da violação da norma jurídica ou da exacerbação de um direito
reconhecido.
DINIZ36 explica a origem da palavra responsabilidade bem
como seu conceito:
O vocábulo “responsabilidade” é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais. Deveras na era romana a stipulatio requeria o pronunciamento das palavras dare mihi spondes? Spondeo, para estabelecer uma obrigação a quem assim respondia. Todavia, a afirmação – de que o responsável será aquele que responde é que responsabilidade é a obrigação do responsável, ou melhor, o resultado da ação pela qual a pessoa age ante esse dever – será insuficiente para solucionar o problema e para conceituar a responsabilidade. Se ele agir de conformidade com a norma ou com o seu dever, seria supérfluo indagar da sua responsabilidade, pois ele continuara responsável pelo procedimento, mas não terá nenhuma obrigação trazida em reparação de dano, como substitutivo do dever de obrigação prévia, porque a cumpriu, de modo que o que nos interessa, ao nos referirmos à responsabilidade, é a circunstância da infração da norma ou obrigação do agente. A responsabilidade serviria, portanto, para traduzir a posição daquele que não executou o seu dever.
A palavra “responsabilidade” tem a sua origem semântica no
verbo latino respondere, isto significa que todo aquele que causa prejuízo a
outrem deve responder, assumindo as conseqüências jurídicas de sua atividade,
assim, sempre que houver lesão a um direito, surgirá a obrigação de reparar o
dano à parte lesada.
36 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p.35.
12
Como conceito etimológico de responsabilidade analisa
GONÇALVES37:
A palavra 'responsabilidade' origina-se do latim respondere, que encerra a idéia de segurança ou garantia de restituição ou compensação do bem sacrificado. Teria assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir.
Podemos mencionar que responsabilidade em um sentido
amplo, encerra a noção em virtude da qual se atribuí a um sujeito o dever de
assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação, garantindo-se assim a
restituição ou compensação do bem lesado. Assim ao haver um descumprimento
obrigacional surge à responsabilidade civil.
Não poderia faltar, o entendimento de GOMES38, ao
mencionar que “quem infringe um dever jurídico latu sensu, causando dano a
outrem, fica obrigado a ressarci-lo”.
A responsabilidade civil tem sido amplamente utilizada para
dirigir a restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito.
RODRIGUES cita SAVATIER para definir a responsabilidade civil
como39: “[...] obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo
causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela
dependam”.
Nesta linha manifesta-se CARVALHO FILHO ao definir
responsabilidade civil citando MILTON PAULO DE CARVALHO40:
[...] responsabilidade civil como o conjunto de princípios e normas que disciplinam a obrigação de reparar o dano resultante do inadimplemento de um contrato, da inobservância de um dever geral de conduta ou, nos casos previstos em lei, mesmo da pratica de ato licito.
37 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 15. 38 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 31. 39 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. p. 6. 40 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por eqüidade no novo código civil. p. 45.
13
Sobre este tema, DINIZ41 manifesta-se:
A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Responsabilidade Civil requer prejuízo a terceiro, particular
ou Estado, de modo que a vitima poderá pedir reparação do dano, traduzida na
recomposição do stato quo ante ou em uma importância em dinheiro.
No ordenamento jurídico brasileiro se conhece a
responsabilidade contratual e a extracontratual como mencionam GAGLIANO E
PAMPLONA FILHO42:
[...] que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às conseqüências do seu ato (obrigação de reparar).
A responsabilidade civil no CC/2002 esta prevista no art. 186
e 18743, que estabelecem:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Nos ditames do art. 186 do Código Civil, entende-se
responsabilidade civil, quando aquele que, por ação ou omissão, voluntária,
negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica
obrigado a reparar o dano. 41 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 29. 42 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 9. 43 PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia.
Vade Mecum. p. 177.
14
Atualmente, a responsabilidade civil também encontra-se
inserida no art. 927 do CC/200244 que dispõe:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Observa-se que o art. 186 do Código Civil, é fundamental
em relação à indenização por ato ilícito, a qual estabeleceu a base da
responsabilidade extracontratual ou extranegocial. Esta responsabilidade cuida do
inadimplemento de contratos e outros negócios jurídicos. Cumprindo aqui
salientar que esta pesquisa ocupar-se-á tão somente da responsabilidade
extracontratual.
1.3 DISTINÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE PENAL
Como já mencionado o instituto jurídico da responsabilidade
nasceu da necessidade de haver a reparação, ou a compensação de um bem
sacrificado pelo causador do dano. Nos primórdios entre os romanos não havia
nenhuma distinção entre Responsabilidade Civil de Responsabilidade Penal,
somente após foram separadas. Sendo assim de suma importância distinguir a
responsabilidade civil da penal.
A respeito do tema, vem a baila a lição de RODRIGUES45:
Num e noutro caso encontra-se, basicamente, infração a um dever por parte do agente. No caso do crime, o delinqüente infringe uma norma de direito público e seu comportamento perturba a ordem social; por conseguinte, seu ato provoca uma reação do ordenamento jurídico, que não pode se compadecer com uma
44 PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia.
Vade Mecum. p. 226. 45 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : responsabilidade civil. 4 v. p. 6.
15
atitude dessa ordem. A reação da sociedade é representada pela pena. Note-se que, na hipótese, é indiferente para a sociedade a inexistência ou não do prejuízo experimentado pela vítima. No caso de ilícito civil, ao contrario, o interesse diretamente lesado, em vez de ser o interesse público, é o privado. O ato do agente não pode ter infringido norma de ordem pública; não obstante, como seu procedimento causou dano a alguma pessoa, o causador do dano deve repará-lo. A reação da sociedade é representada pela indenização a ser exigida pela vítima do agente causador do dano. Todavia, como a matéria é de interesse apenas do prejudicado, se este resignar a sofre o prejuízo e se mantiver inerte, nenhuma conseqüência advirá para o agente causador do dano.
Enfoca-se que os institutos da responsabilidade Civil e da
responsabilidade Penal são independentes, haja vista o disposto no art. 935 do
Código Civil que assim trás:
Art. 935. A responsabilidade Civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Nas palavras de Pereira apud GAGLIANO E PAMPLONA Filho46
discorre sobre a diferença básica entre os dois tipos de responsabilidade:
Como sentimento social, a ordem jurídica não se compadece com o fato de que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa. Vendo no Agente um fator de desequilíbrio, estende uma rede de punições com que procura atender às exigências do ordenamento jurídico. Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal. Como sentimento, humano além de social, à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce aí a idéia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento á vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade Civil estará presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não é estranha á idéia de garantia para a vítima, e de solidariedade que
46 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 5.
16
a sociedade humana lhe deva prestar.
Infere-se, por conseguinte que ambas possuem um aspecto
em comum: decorrem de infração ao ordenamento jurídico. Porém seus efeitos
são diversos, residindo neste ponto suas diferenças. A responsabilidade civil
ofende uma norma de natureza eminentemente privada, enquanto a penal atinge
norma de natureza pública. Por isso a primeira é punida com a indenização, a
segunda é cominada pela pena, posto que o interesse é da sociedade pois
infringiu-se norma de direito público.
1.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Muito tem se discutido na doutrina em relação aos
pressupostos necessários à configuração da Responsabilidade Civil.
Como já citado o art. 186 do CC/2002 dispõe47:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
No ensinamento de RODRIGUES48, a responsabilidade Civil
tem como pressupostos:
a) ação ou omissão do agente; b) Culpa do agente; c) relação de causalidade; d) dano experimentado pela vítima. Desdobrando-se o art. 186 do Código civil, acima transcrito, verificamos que ele envolve algumas idéias que implicam a existência de alguns pressupostos, ordinariamente, necessários, para que a Responsabilidade Civil emirja. Inicialmente a lei se refere a alguém que ação ou por omissão causa dano a outrem. Aqui, portanto, surge a menção a um Agente que causa dano a outrem através de ato comissivo ou omissivo.
Como se verifica os pressupostos da responsabilidade civil,
47 PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia.
Vade Mecum. p. 177. 48 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 14
17
são: ação ou omissão culpa ou dolo, dano e nexo de causalidade, os quais passe-
se a estudar.
1.4.1 Ação ou omissão
O primeiro elemento da responsabilidade Civil a ser aqui
estudado e a Ação ou omissão devido o fato de apenas o homem, por si ou por
pessoas jurídicas que forma, poderá ser responsabilizado civilmente, ficando
assim claro que a ação ou omissão humana voluntária é pressuposto necessário
para a configuração da responsabilidade civil, sendo que esta pode surgir de um
ato por ele mesmo praticado, ou por ato de terceiro que esteja sob a sua
responsabilidade, e ainda por dano causado a alguma coisa que esteja sob a sua
guarda.
À propósito, ensina DINIZ49 sobre a ação como um:
A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.
A respeito, vem a baila os esclarecimento de GAGLIANO50:
[...] a ação (ou omissão) humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca, no dano ou no prejuízo. [...] O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imutável, com discernimento necessário pra ter consciência daquilo que faz.
Contudo a consciência daquilo que está fazendo, não inclui-
se o desejo de causar o prejuízo, pois assim o agente estaria agindo dolosamente
e não culposamente.
49 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 39. 50 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p.31.
18
Assim ensina PEREIRA apud STOCO51:
[...] cumpre, todavia, assinalar que não se insere, no contexto de “voluntariedade” o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar o prejuízo. Este é o elemento definidor do dolo. A voluntariedade pressuposta na culpa é a ação em si mesma. Quando o agente precede voluntariamente, e sua conduta voluntária, implica ofensa ao direito alheio, advém o que se classifica como procedimento culposo.
Frisa-se que o Código Civil Brasileiro, além de prever a
responsabilidade civil por ato próprio, prevê também a responsabilidade civil por
ato de terceiros, por fato de animal ou da coisa.
Leciona sobre a responsabilidade de terceiro, RODRIGUES52:
Ocorre quando uma pessoa fica sujeita a responder por dano causado a outrem não por ato próprio, mas não por ato de alguém que está de um modo ou de outro, sob a sujeição daquele. Assim, o pai responde pelos atos dos filhos menores que estiverem em seu poder ou em sua companhia; o patrão responde pelos atos de seus empregados e assim por diante.
Assim, a ação do agente pode decorrer de ato próprio dele
ou de terceiros sob sua responsabilidade.
Com relação a omissão está seria o ato de não praticar um
dever jurídico do qual se tivesse feito impediria a consumação do efeito que
provocou o dano.
Já omissão segundo a DINIZ 53:
[...] é, em regra, mais freqüente no âmbito da inexecução das obrigações contratuais (RT, 452:245). Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação
51 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 131. 52 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 15 53 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 40.
19
absoluta; em estado de inconsciência, sob o efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provocação de fatos invencíveis como tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc.
Ressalta-se que a ação ou a omissão do agente é o ato que
dá início ao Dano, sendo que esta conduta pode ser exteriorizada por ato próprio
de seu agente, ou ainda por ato de terceiro, ou coisa que estiver sob a sua guarda
e responsabilidade. Feitas essas considerações sobre ação e omissão, passa-se
a discorrer sobre o segundo elemento da responsabilidade civil, o dano.
1.4.2 Culpa ou dolo
O segundo pressuposto caracterizador da responsabilidade
civil pela reparação do dano é a culpa do agente que causou o prejuízo. A culpa
aparece em três modalidades que são a impudência, a negligência e a imperícia.
Sobre estas modalidades trata DIAS54:
Da Culpa, caracteriza no art. 159 do Código Civil como Negligência ou Imprudência, decorrem outras noções, que demandam exame. Nesse título, estão, com efeito, compreendidas a Negligência, a Imprudência e a Imperícia, que são todas formas desse elemento essencial: a falta de diligência, falta de prevenção, falta de cuidado. Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento. Consiste a Imprudência da precipitação no procedimento inconsiderado, sem cautela, em contradição com as normas do procedimento sensato. É a afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos... Negligência se relaciona, principalmente, com desídia; Imprudência é conceito ligado, antes que a qualquer outro, ao de temeridade; Imperícia é, originalmente, a falta de habilidade.
A culpa, portanto surge da imprudência, imperícia e
54 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v. 2. p. 120-121
20
negligência do lesante, sem que no entanto este tivesse a intenção de praticar o
dano, devendo neste caso se ter certeza da atitude do agente para haver
reparação.
A culpa consiste em um erro de conduta, onde é necessário
se estabelecer um critério para a sua apreciação. A culpabilidade, lato sensu, é
ampla, e abrange tanto o dolo quanto a culpa.
Para DINIZ55:
A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência, ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.
Já a violação do dever jurídico por vontade do próprio
agente é a forma dolosa da responsabilidade, pois supõe-se que tenha sido o
resultado danoso intencionalmente procurado pelo agente. Assim, entende
GONÇALVES56, “o Dolo é a violação deliberada, consciente, intencional, do dever
jurídico”.
Para DINIZ57 “O dolo é a vontade consciente de violar o
direito, dirigida a consecução do fim ilícito”. Para a caracterização do dolo o
agente tem que ter cometido o dano por vontade própria, tendo consciência do
ato praticado.
1.4.3 Dano
O dano é a violação a um dever jurídico por ato voluntário
culposo ou doloso do agente que é passível de ressarcimento quando causa
prejuízo a outrem. Ficando claro que para haver a responsabilidade civil é
necessário que haja um dano a ser reparado sem este não há no que se falar em
55 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 42. 56 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 27. 57 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 41.
21
reparação.
Analisando a matéria, CASILO58 insiste que o dano:
(...) seja entendido como resultado da ofensa feita por terceiros a um direito, patrimonial ou não, que confere ao ofendido, como conseqüência, a pretensão de uma indenização. Esta abrangência do conceito de dano toma maior importância, se a lesão é contra a pessoa humana, exigindo uma correspondente compensação.
Em relação ao dano como pressuposto para
responsabilidade menciona DINIZ59: “O dano é um dos pressupostos da
responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver
ação de indenização sem a existência de prejuízo”.
Neste sentido, enfatiza STOCO60:
O dano é, pois, elemento essencial é indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação oriunda de ato ilícito, nas hipóteses expressamente previstas; de ato ilícito, ou inadimplemento contratual independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.
Leciona da seguinte forma GONÇALVES61 sobre o dano:
Ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, aliás, sem objeto.
Ao analisar a possibilidade de se pleitear indenização,
verifica-se somente ser possível com a ocorrência de um efetivo prejuízo moral ou
material imediatamente decorrente da conduta do agente.
Assim dispõe VENOSA62:
58 CASILO, João. Dano à pessoa e sua indenização. p. 50-51 59 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 58. 60 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p.129. 61 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 27.
22
Somente haverá a possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar o dano. Cuida-se, portanto do dano injusto. Em concepção mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção a mesma noção de lesão a um interesse [...] O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.
Verifica-se, portanto que só é exigível a indenização se o ato
praticado pelo agente causar prejuízo efetivo e injusto ao interesse de outrem. Na
seqüência passar-se-á à abordagem das espécies de dano.
De acordo com os efeitos acarretados pela ocorrência de um
dano este poderá ser patrimonial, extrapatrimonial, ou moral. No tocante ao dano
patrimonial, também denominado de material, é o dano que incide sobre o
patrimônio da vítima.
Necessário se faz primeiramente conceituar patrimônio.
RIZZARDO63 assim o conceitua:
O conceito de patrimônio envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e tradicionalmente em dinheiro. Deve ser idôneo para satisfazer uma necessidade econômica e apta a ser usufruível.
O dano patrimonial é aquele que provoca a diminuição do
patrimônio da vítima. DINIZ64 assim o define:
O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela, a incapacitarão do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver
62 VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p.33-34. 63 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: lei nº 10.406 de 10.02.2002. p. 17. 64 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. p. 64.
23
repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.
Segundo VENOSA65
O dano patrimonial, portanto, é aquele suscetível de avaliação pecuniária podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador comum de indenização. O dano emergente, (...) chamado dano positivo, traduz uma diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente se perdeu. (...) O lucro cessante traduz-se na dicção legal, o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. (...) Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano.
No que concerne ao dano extrapatrimonial ou moral, tem
que este é o que provoca prejuízos ou lesões a direitos da personalidade.
Neste sentido SILVA66:
Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoal natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico. (...) Seu elemento característico é a dor, tomando o termo em seu sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, quanto os morais propriamente ditos.
Assim é a manifestação de GAGLIANO67, sobre o tema em
análise:
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo o conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade a sua vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
65 VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p.36. 66 SILVA, Wilson de Melo da. O dano moral e sua reparação. p. 1-2. 67 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 61-62.
24
Finaliza-se o resumo acerca do elemento dano, de acordo
com o ensinamento de LISBOA68 o dano pode ser: patrimonial, se a vítima deixou
de ganhar ou perdeu bens por causa do dano; ou extrapatrimonial, se a vítima
teve ofendidos valores não econômicos, como os direitos de personalidade.
Entretanto, somente se viabiliza a obrigação de reparar o dano se o prejuízo for
ressarcivel.
1.4.4 Nexo de causalidade
Além da ocorrência dos pressupostos já mencionados, para
haver o dever de reparar é necessário que haja relação de causalidade entre a
ação ou omissão e o dano experimentado pela vítima.
Nexo de causalidade é o vínculo entre o prejuízo e entre a
ação. O doutrinador SERPA LOPES apud GAGLIANO69, explica que:
Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo de causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço.
Segundo DINIZ70:
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que este é considerada como sua causa.
Destarte, entende-se que a relação da causalidade é o
68 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. v. 2. p.
199. 69 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 95. 70 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 100.
25
elemento ou pressuposto da Responsabilidade Civil capaz de efetuar a junção da
ação ou omissão do agente como o dano suportado pela vítima. Assim, pode-se
afirmar que a relação de causalidade é capaz de determinar o grau de
responsabilidade do agente.
1.5 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
O instituto da responsabilidade civil está dividido, em sentido
amplo, em responsabilidade extracontratual e contratual, e neste contexto, ainda
estão inseridas, ainda, as espécies subjetiva e a objetiva.
O código faz distinção entre as duas espécies de
responsabilidade, estabelecendo genericamente sobre a responsabilidade
extracontratual em seus arts. 186 a 188 e 927 e seguintes, e sobre
responsabilidade contratual nos art. 395 e seguintes e 389 e seguintes, fazendo-
se necessário à pesquisa uma prévia abordagem acerca da distinção entre
responsabilidade contratual e extracontratual.
A seguir far-se-á um breve estudo acerca de cada espécie
de responsabilidade civil, contudo, dar-se-á maior enfoque à responsabilidade
extracontratual, posto que esta é a espécie que importará à presente pesquisa.
1.5.1 Responsabilidade Contratual
A responsabilidade contratual decorre do inadimplemento de
uma obrigação convencionada entre as partes contratantes, onde estas têm o
dever de cumprir o que foi ajustado entre elas. O fundamento jurídico, portanto,
encontra-se disposto num contrato e, somente, um dos contratantes é que pode
infringir tal dever jurídico.
Responsabilidade civil contratual, CARVALHO FILHO71 afirma
que é aquela “[...] que disciplina as conseqüências do descumprimento de uma
obrigação contratualmente assumida”.
71 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por eqüidade no novo código civil. p. 46.
26
Para LISBOA72 responsabilidade contratual “[...] é aquela que
decorre da violação de obrigação disposta em um negócio jurídico”.
Já DINIZ73, dispõe que a “[...] responsabilidade contratual é o
resultado da violação de uma obrigação anterior, logo, para que exista, é
imprescindível a preexistência de uma obrigação”.
Noutras palavras RODRIGUES74 esclarece que “[...] na
hipótese de responsabilidade contratual, antes de a obrigação de indenizar
emergir, existe, entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico
derivado da convenção”.
Complementa, DINIZ75, afirmando que:
Responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, da falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar. Baseia-se no dever de resultado, o que acarretará a presunção de culpa pela inexecução previsível e evitável da obrigação nascida da convenção prejudicial à outra parte.
Conclui-se, logo, que a responsabilidade contratual surge da
violação de um dever de agir ou adimplir.
Asseverando o exposto, é o escólio de STOLZE76:
Com efeito, para caracterizar a responsabilidade contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais
72 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. v. 2. p.
194. 73 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 239. 74 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 9. 75 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 239. 76 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 19-21
27
prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar prejuízo.
Portanto, a responsabilidade civil contratual, como o próprio
nome já diz, é aquela oriunda do descumprimento de cláusula contratual que
acaba acarretando um dano. Neste sentido, GAGLIANO E PAMPLONA FILHO77
lecionam: “[...] se entre as partes envolvidas, já existia norma jurídica contratual
que as vinculava, e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação
fixada neste contrato, estaremos diante de uma situação de responsabilidade
contratual”.
A responsabilidade contratual é apurada conforme o tipo de
obrigação assumida no contrato. Se tratar-se de obrigação de resultado, a culpa é
presumida, ou em alguns casos objetiva, e se tratando de obrigação meio, a
responsabilidade é subjetiva.
Nesta esteira, CAVALIERI FILHO78:
[...] essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado e não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em alguns casos, até responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a responsabilidade, embora contratual, será fundada na culpa provada.
Com relação ao ônus da prova, na responsabilidade
contratual, está competirá ao devedor, que deverá demonstrar em sua defesa que
o fato se deu em decorrência de caso fortuito ou força maior, ou ainda por culpa
exclusiva da vítima, ou seja as excludentes do dever de indenizar. Neste sentido
DINIZ79 “[...] O ônus da prova, na responsabilidade contratual, competirá ao
77 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 17. 78 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. p. 198. 79 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 119.
28
devedor, que deverá provar, ante o inadimplemento a inexistência de sua culpa
ou a presença de qualquer excludente do dever de indenizar”.
No que tange o ônus da prova manifesta-se CAVALIERI
FILHO80: “[...] Na responsabilidade contratual, a culpa, de regra, é presumida;
inverte-se então, o ônus da prova, cabendo ao credor demonstrar apenas, que a
obrigação não foi cumprida; o devedor terá que provar que não agiu com culpa,
ou, então, que ocorreu alguma causa excludente do próprio nexo causal”.
Sob a mesma ótica, manifesta-se RODRIGUES81, ao
mencionar que “[..] demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida, o
onus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá que evidenciar
a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de força maior, ou outra
excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar”.
Assim sendo, na responsabilidade contratual, cumpre ao
credor o ônus da prova com relação ao descumprimento da obrigação, e ao
devedor demonstrar em sua defesa que o inadimplemento se deu em decorrência
de caso fortuito, culpa exclusiva da vítima ou outra causa que exclua a sua
responsabilidade.
1.5.2 Responsabilidade Extracontratual
A responsabilidade civil extracontratual, conhecida também
com aquiliana, se esteia em uma obrigação legal. O seu fundamento existe na lei
e qualquer pessoa pode ser responsabilizada, quando violar um dever fundado
em um princípio do direito.
É o que se pode depreender da lição de RODRIGUES82 “[...]
nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima até que
o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de
indenizar”.
80 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. p. 198. 81 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 10. 82 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 10.
29
Na responsabilidade extracontratual não há vínculo jurídico
entre a vítima e o agente causador do dano.
No dizer de CAVALIERI FILHO83:
Responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana, é o resultado da violação de um dever geral de abstenção, imposto a toda e qualquer pessoa, cujo enfoque se dá no respeito dos direitos de terceiros. Isto é, não há uma ligação anterior entre as partes através de um contrato, ela é resultante da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz.
Ensina GOMES84 “[...] na responsabilidade extracontratual, a
obrigação de indenizar surge como conteúdo imediato de obrigação imposta pela
Lei. É nesse momento que se forma a relação jurídica entre o autor e a vítima de
dano”.
GAGLIANO E PAMPLONA FILHO85 manifestam-se exemplificando
a cerca da responsabilidade extracontratual:
[...] se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal, por força da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito que bate em um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual.
[...] quem infringe dever jurídico lato sensu fica obrigado a reparar o dano causado. Esse dever passível de violação, porém, pode ser como fonte tanto uma obrigação imposta por um dever geral
do Direito ou pela própria lei.
Conclui-se que a responsabilidade extracontratual, surge
com a violação de um dever estipulado pela lei, não há um contrato anterior ao
ato ilícito, sendo este, por si só, gerador de uma relação obrigacional.
1.6 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA 83 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. p. 199. 84 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 1998. 85 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 16-17.
30
A responsabilidade subjetiva está fundada na teoria da
culpa. A regra geral é de que deve existir culpa no comportamento do sujeito,
para que surja o dever de indenizar. Assim, aduz RODRIGUES86 “(...) a prova da
culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de
indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do
comportamento do sujeito”.
Segundo CARVALHO FILHO87 “[...] diz-se subjetiva a
responsabilidade quando inspirada na idéia de culpa”.
A culpa, referida como fundamento da responsabilidade,
deve ser compreendida em seu sentido “lato sensu”, sendo que o sujeito é que
deve causar o dano em função de um ato doloso ou culposo “stricto sensu”. A
respeito extrai-se dos ensinamentos de GONÇALVES88:
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura com dolo ou culpa.
Ainda, segundo STOLZE89:
Esta culpa, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligencia ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente... art. 186 do Código Civil de 2002 (“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”).
A culpa, no seu sentido restrito, caracteriza-se quando o
agente atua com negligência (omissão com falta de cautela), imprudência (ação
descomedida, sem qualquer cuidado) ou imperícia (negligência técnica ou
86 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 11. 87 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por eqüidade no novo código civil. p. 46. 88 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 18-19. 89 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 13.
31
profissional). Assim a responsabilidade em que seu pressuposto é a fundada na
culpa, denomina-se teoria da responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa.
Assim entende RODRIGUES90:
Realmente se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa... dentro da concepção tradicional a responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.
Como se verifica a culpa do agente é indispensável, sendo
que caberá ao autor o ônus da prova da culpa do réu, porquanto se trata de fato
constitutivo do direito à pretensão de reparação. Somente se inverterá o ônus da
prova na hipótese de culpa presumida.
Acerca do tema elucida STOLZE91
Por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu. Todavia, há situações em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele, mas sim por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica. Nesses casos, trata-se de uma responsabilidade civil indireta, em que o elemento culpa não é desprezado, mas sim presumido, em função do dever geral de vigilância a que está obrigado o réu.
Com relação a responsabilidade subjetiva indireta, na qual a
relação de culpa é presumida, devido o dano ser causado em função de um dever
manifesta-se PEREIRA92:
[...] na tese da presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa como fundamento da responsabilidade civil. Onde se
90 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 10. 91 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 15. 92 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. p. 265-266.
32
distância da concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ônus da prova. Dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se encaminhar para a especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do onus probandi. Em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do dano, sem demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional.
Ainda sobre culpa presumida trata o mesmo autor93:
Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma idéia tipicamente assentada na culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima.
Verificado que a responsabilidade civil subjetiva está ligada
diretamente com o elemento culpa, para que possa surgir o direto reparatório
passa-se a discorrer agora sobre a responsabilidade civil objetiva.
1.7 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
De forma diferente da responsabilidade subjetiva, a
responsabilidade objetiva funda-se na teoria do risco e não na teoria da culpa. Isto
significa que a existência do elemento culpa é prescindível, não havendo assim a
necessidade da prova da culpa, bastando apenas comprovar o nexo de
causalidade entre o dano experimentado pela vítima e a conduta do réu.
É o que afirma ALVES94: “[...] Na responsabilidade objetiva
abstrai-se da culpa. Há mero nexo de causalidade externa: a obrigação de
indenizar decorre da simples relação de causa e efeito entre o fato-causa e o fato-
93 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. p. 265-266. 94 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil.
33
conseqüência”.
Neste sentido manifesta-se GONÇALVES95:
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva” porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.
Sob o mesmo prisma da responsabilidade objetiva
posiciona-se GAGLIANO E PAMPLONA FILHO96: “[...] tal espécie de responsabilidade,
o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante
juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de
causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o
dever de indenizar”.
Compartilhando do mesmo ensinamento RODRIGUES97:
[...] a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.
A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.
95 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 18. 96 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 14-15. 97 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 11.
34
Assim quando se trata de responsabilidade objetiva, a culpa
é irrelevante juridicamente. O fundamento conforme acima mencionado, encontra-
se na teoria do risco, ou seja, na natureza da atividade e não no comportamento
do sujeito.
Assim ensina GONÇALVES98:
Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como “risco proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi ônus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.
Considera-se atividade de risco as hipóteses previstas no
parágrafo único do art. 927 do Código Civil, quais sejam quando houver previsão
legal, ou se a própria natureza da atividade implicar risco para os direitos de
outrem, senão veja-se o que menciona tal dispositivo legal:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único . Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Sobre o dispositivo legal supra mencionado, são de grande
valia as considerações de STOLZE99:
Trata-se, portanto, de um dos dispositivos mais polêmicos do Novo Código Civil que, pela sua característica de conceito jurídico indeterminado, ampliará consideravelmente os poderes do magistrado. Isto porque o conceito de atividade de risco - fora da
98 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 18. 99 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. p. 155.
35
previsão legal específica – somente poderá ser balizado jurisprudencialmente, com a análise dos casos concretos submetidos a apreciação judicial.
Afirmando que na teoria da responsabilidade objetiva, é
dispensável a comprovação da culpa, em razão deste elemento ser um fardo
muito pesado é às vezes até inatingível para a vítima manifesta-se VENOSA100:
Todas as teorias e adjetivações na responsabilidade objetiva decorrem da mesma idéia [...] Qualquer que seja a qualificação do risco, o que importa é sua essência: em todas as situações socialmente relevantes, quando a prova da culpa é um fardo pesado ou intransponível para a vítima, a lei opta por dispensá-la. O princípio do risco repousa na necessidade de segurança jurídica. Sob esse prisma, deve existir uma imputação ao agente, quer responda ele por culpa, na responsabilidade subjetiva, quer responda pelo risco de sua atividade, na responsabilidade objetiva.
Ressalta-se que predomina em nosso ordenamento jurídico
a teoria subjetiva onde se deve impor o dever de indenizar a quem age com
culpa, causando dano, contudo lei se afasta desse critério, para estatuir a
denominada responsabilidade civil objetiva, fundada apenas no nexo causal entre
o prejuízo e o comportamento do responsável.
Concluídas as reflexões básicas sobre o instituto da
Responsabilidade de Civil, passasse a estudar a Responsabilidade Civil do
Estado.
1.8 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A princípio, antecedendo, qualquer abordagem a cerca da
Responsabilidade Civil do Estado, torna-se necessário se obter um melhor
entendimento sobre a figura do Estado, passando assim a examinar brevemente
a origem do Estado e suas funções.
100 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 21.
36
1.8.1 O Estado e suas funções
No início da humanidade, os indivíduos se agrupavam em
pequenos grupos para poderem satisfazerem as suas necessidades e para
protegerem-se dos perigos naturais e humanos. Com o crescente aumento das
necessidades e de riscos naturais, surge a figura da sociedade, comandada pelo
Estado.
Assim dispõe NUNES101:
Da necessidade, pois, de superar as adversidades que o meio lhe impunha, nasceu o Estado, com a função exata de propiciar o desenvolvimento e evolução seguros ao homem, colocando os indivíduos que compunham a salvo, tanto do meio que os cercava quanto dos demais homens.
MEIRELES afirma que o conceito de Estado varia segundo o
ângulo que é considerado102
[...] Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é a comunidade de homens, fixadas sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (biscaretti di Ruffia); na conceituação do Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 41, I). Como ente personalizado, o Estado pode tanto atuar no campo de Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre a sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.
CAVALLARI103 conceitua o Estado como “[...] uma associação
humana (povo), radicada em base espacial (território) que vive sob o comando de
uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberana)”.
101 NUNES, Rômulo José Ferreira. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p. 27. 102 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. p. 60. 103 CAVALLARI, Durval Ayrton. Manual prático de direito constitucional. p. 31.
37
Neste diapasão ROSSEAU104 afirma:
Naquele instante (em que cada pessoa se coloca sob o poder de uma suprema direção da vontade geral), no lugar da pessoa particular de cada contratante, este ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros como a assembléia de vontades, o qual recebe deste mesmo ato a sua unidade, seu eu comum, sua vida e vontade. Esta pessoa pública que se forma assim pela união de todos os outros recebeu antes o nome de cidade e agora recebe o nome de república ou corpo político, chamado por seus membros Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; poder, comparando-o com seus semelhantes.
KANT105 assinala, na mesma linha de raciocínio, que:
O ato pela qual um povo se constitui num Estado é o contrato original. A se expressar rigorosamente, o contrato original é somente a idéia desse ato, com referência ao qual exclusivamente podemos pensar na legitimidade de um Estado. De acordo com o contrato original, todos (omnes et singuli) no seio de um povo renunciam à sua liberdade externa para reassumi-la imediatamente como membros de uma coisa pública, ou seja, de um povo considerado como um Estado (universi). E não se pode dizer: o ser humano num Estado sacrificou uma parte de sua liberdade externa inata a favor de um fim, mas, ao contrário, que ele renunciou inteiramente à sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua liberdade toda não reduzida numa dependência às leis, ou seja, numa condição jurídica, uma vez que esta dependência surge de sua própria vontade legisladora.
O Estado é um ente dotado de poder, a qual é constituído de
três elementos: Povo, Território e Governo soberano.
Assim leciona o doutrinador MEIRELLES106:
O Estado é constituído de três elementos originários e indissociáveis: Povo, Território e Governo Soberano. Povo é o
104 ROSSEAU, Jean Jacques. O contrato social. p. 35. 105 KANT, Immanuel. A fundamentação da metafísica dos costumes: a doutrina universal do
direito. p. 158 106 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. p. 60.
38
componente humano do Estado; Território, a sua base física, Governo Soberano, o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização emanado do Povo. Não há nem pode haver Estado independente sem soberania, isto é, sem esse poder absoluto, indivisível e incontrastável de organizar-se e de conduzir-se segundo a vontade livre de seu povo e de fazer cumprir as suas decisões, inclusive pela força, se necessário. A vontade estatal apresenta-se e se manifesta através dos denominados Poderes do Estado.
As funções jurídicas do Estado para ele cumprir suas
finalidades decorrem das atribuições que derivam da tripartição dos poderes. Ou
seja a cada um dos trê poderes foi conferida uma função: legislativa (normativa),
jurisdicional e administrativa (executiva).
Sobre o tema ainda o mesmo autor107
Os poderes do Estado, na clássica tripartição de Montesquieu, até hoje adotada nos Estados de Direito, são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si e com suas funções reciprocamente indelegáveis (CF, art. 2°). Esses Poderes são imanentes e estruturais do Estado (diversamente dos poderes administrativos, que são incidentais e instrumentais da Administração), a cada um deles correspondendo uma função que lhe é atribuída com precipuidade. Assim a função precípua do Poder Executivo é a conversão da lei em ato individual e concreto (função administrativa); a função precípua do Poder Judiciário é a aplicação coativa da lei aos litigantes (função judicial).
Após a organização soberana do Estado, com a divisão dos
poderes, segue-se com a organização da administração, que é a estruturação dos
órgãos e entidades que irão desempenhar as funções do Estado, através de seus
agentes públicos.
A administração pública segundo DI PIETRO108 é “o conjunto
de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da vida
administrativa do Estado”. 107 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. p. 60. 108 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 62.
39
Assim conceitua a Administração pública MEIRELLES109:
Em sentido formal pe o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias ao serviços públicos e geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático legal e técnico, dos serviços próprio do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado a realização de serviços, visando a satisfação das necessidades coletivas.
Assim qualquer atividade executada pela administração
Pública, direta ou indiretamente, por seus agentes, sobre normas e controle
estatais, para satisfazer necessidades essenciais da coletividade ou do Estado é
chamado de serviço público.
O Estado expressa a sua vontade mediante os serviços
públicos, executados por seus agentes, devendo responder de modo direto e
imediato pelos mesmos, pois constituem atos do próprio Estado. O Estado deve
cumprir as regras de responsabilidade civil, uma vez que é uma pessoa jurídica
de direito público, sendo sujeito de direito, pode causar dano a outrem, cabendo,
portanto o dever reparatório.
1.8.2 A Evolução histórica da responsabilidade civi l do estado
A doutrina, não só a brasileira como também a estrangeira,
evoluiu ao longo do tempo e o posicionamento do instituto da responsabilidade do
Estado nos dias atuais representa um panorama de sua evolução no decorrer da
história.
Em um primeiro momento vigorou o período de
irresponsabilidade do Estado, onde o mesmo não tinha qualquer responsabilidade
pelos danos causados por seus agentes e cidadãos, era o momento em que
vigorava os regimes absolutistas e despóticos, em que o Rei soberano detinha um
poder supremo, oriundo de Deus e que, por isso não haveria a possibilidade de
109 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. p. 64.
40
sua responsabilização diante dos seus danos.
Tratava-se da teoria da irresponsabilidade, conforme
menciona DI PIETRO110:
A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados Absolutos e repousa fundamentalmente na idéia de soberania: O Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito, ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele, daí os princípios de que o rei não pode errar ( the king can do no wrong; le roi ne peut mal faire) e daquilo que agrada o príncipe tem força de lei (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania.
De acordo com as lições de SUNDFELD111, pode se entender
que:
O poder soberano não encontra limitação, quer interna, quer externa. Será, por isso, insuscetível de qualquer controle. Parecia, ao espírito da época, que quem detinha o poder de impor normas, de julgar, de administrar, não poderia ser pessoalmente sujeito a ele.
Cumpre ressaltar que são deste momento histórico as
máximas the king can do no wrong ( o rei não pode errar) e quod principi placuit
legis habet vigorem (aquilo que agrada o príncipe tem força de lei). Pode-se
observar que, de acordo com esta teoria, a impossibilidade da responsabilização
do Estado se sustentava na soberania estatal.
No segundo momento da evolução do instituto destaca-se a
noção civilista de responsabilização, em que o indivíduo deveria provar que o
agente público agiu com culpa ou dolo no evento lesivo. Nessa fase ocorreu a
cisão dos comportamentos do Estado em atos de império e Atos de gestão
Discorrendo sobre a teoria civilista, ALVES112 assim se
110 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 549. 111 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. p. 34. 112 ALVES. Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes
41
manifesta.
Separados ontologicamente dos atos de império, de caráter político, os atos de gestão, de caráter meramente administrativo ou patrimonial, mantinha-se a irresponsabilidade estatal, no suposto da soberania, mas criavam-se mecanismos à responsabilidade do Estado, no pressuposto da culpabilidade de seu funcionário.
Nos atos de império, o Estado estaria manifestando a
vontade pública, de modo que deveria afastar a responsabilização do ente estatal,
por estar em conformidade com a vontade do povo. Já diante dos Atos de gestão,
o Estado atuaria como um particular, de forma que deveria responder pelos danos
suportados pelos indivíduos quando fosse verificada ao menos a culpa do agente
público causador do dano sofrido pela vítima. A vítima é que possuía o ônus de
provar que o agente público agiu com culpa lato sensu.
Conclui-se nesta fase que o Estado não é representado por
seus agentes, mas agem através deles e dos órgãos em que atuam, sendo assim
responsável pelos atos de seus agentes.
GASPARINI113, concordando que o Estado é responsável
pelos atos de seus agentes registra:
O estágio da responsabilidade com culpa civil do Estado, também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob a influência do liberalismo, que assemelhava, para fins de indenização, o Estado ao particular. Por este artifício o estado torna-se responsável e, como tal, obrigado a indenizar sempre que seus agentes houvessem agido com culpa ou dolo. O fulcro, então, da obrigação de indenizar era a culpa ou dolo do agente, que levava a culpa ou dolo ao Estado. É a teoria da culpa civil. Essa culpa ou dolo do agente público era condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado. Sem ela inocorria a obrigação de indenizar do Estado. O Estado e o particular eram, assim, tratados de forma igual. Ambos, em termos de responsabilidade patrimonial, respondiam conforme o Direito Privado, isto é, se houvessem se comportado com culpa ou dolo.
legislativo, executivo e judiciário. p. 70
113 GASPARINI.Diógenes. Direito Administrativo. p. 872.
42
Caso contrário não respondiam.
Por último com a evolução do instituto da responsabilidade
do Estado, surgiram as teorias publicitas, com as quais passa-se à
implementação das noções de Direito Publico, pois todas essas teorias estão
apoiadas em princípios de direito público. Referidas teorias são: a Teoria da culpa
do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do risco desdobrada por alguns
doutrinadores em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.
Neste sentido MEIRELLES114:
A doutrina do Direito Público propôs-se a resolver a questão da responsabilidade civil da Administração por princípios objetivos, expressos na teoria da responsabilidade sem culpa ou fundados numa culpa especial do serviço público quando lesivo a terceiros. Nessa tentativa surgiram as teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no tronco comum da responsabilidade objetiva da Administração Pública, mas com variantes nos seus fundamentos e na sua aplicação, sem se falar nas sub modalidades em que se repartiram essas três correntes.
A teoria da Culpa Administrativa, não obstante ainda exija
muito do administrado, representou um avanço no estudo da responsabilidade
estatal. Visto que o lesado deve provar uma culpa especial da administração
pública. Nesse momento não se cogita de culpa ou de dolo do agente público,
mas tão somente da inexistência ou deficiência do serviço público prestado,
configurado nas hipóteses de inexistência do serviço público (culpa in omittendo),
mau funcionamento do serviço (culpa in comittendo) ou retardamento na
realização do serviço público.
Afirma MEIRELLEs115, que a Teoria da Culpa Administrativa:
[...] representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta de serviço para dela
114 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo. p. 625. 115 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. p. 626.
43
inferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta do serviço / culpa da administração. Já aqui, não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se, também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se convencionou chamar de culpa administrativa.
Não obstante a evolução, procurou-se novos critérios que de
forma objetiva, pudesse tornar Estado responsável pelos danos que seus agentes
pudessem causar aos administrados, sem, no entanto exigir culpa deste, surgindo
assim a teoria do risco administrativo.
A teoria do Risco Administrativo inclui as hipóteses de
prestação de serviços públicos passíveis de causarem danos à esfera de atuação
dos particulares, o que traz a baila o entendimento que, para a responsabilização
do Estado, basta a verificação do nexo de causalidade entre o dano e o
funcionamento do serviço público. Dessa forma, verificando o nexo de
causalidade entre o evento lesivo e a ação ou omissão estatal, está caracterizado
a necessidade de responsabilização do Estado, restando a este, para se eximir, a
indicação de alguma excludente como a culpa da vítima.
Como verificou-se a Administração Pública viveu fases
distintas indo da irresponsabilidade, para o atual entendimento da
responsabilidade objetiva, passando pela fase da responsabilidade civilista, e
desta para a responsabilidade sem culpa, nas modalidades de risco administrativo
e do risco integral.
1.9 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO
Tratar-se-á agora sobre a teoria do Risco Administrativo que
é a teoria que demonstra ser objetiva a responsabilidade do Estado. Elaborada
por Leon Duguit, a teoria do risco representou um passo decisivo na para a
responsabilidade do Estado. Referido jurista cogitou a existência de um seguro
44
social, mediante o qual a sociedade deveria suportar o prejuízo causado pelos
danos do serviço público, não necessitando mais argüir da falta do agente ou do
próprio serviço.
Para que esteja configurada a responsabilidade, o particular
tem apenas de demonstrar o nexo de causalidade entre o ato da Administração e
o dano, e que para este não contribuiu com atitude culposa.
NUNES116, em sua obra traz, que “[...] o Estado é uma
verdadeira empresa em funcionamento. Ao funcionar corre risco. E estes devem
ser suportados pela empresa que é o mesmo Estado”.
Muitos doutrinadores defendem a superioridade desta teoria
sobre as demais, uma vez que está não vai ao ponto de ignorar a culpa
concorrente ou exclusiva da vítima, posto que seria injusto que o Estado,
respondesse pela composição de um dano para o qual concorreu com culpa
somente a vitima.
Ao analisar NUNES117, verifica-se:
[...] o Conselho de Estado Francês, em algumas situações, passou a admitir a teoria do risco, que serve de substrato para a responsabilidade objetiva do Estado. [...] A idéia básica dessa teoria – como já vimos- repousa na desnecessidade do elemento culpa para configurar a responsabilidade. A obrigação de ressarcir o dano prescinde do elemento subjetivo, para concentrar no elemento objetivo representado pelo nexo de causalidade entre a ação do agente e o dano causado.
O elemento risco vem substituir o elemento subjetivo culpa.
Devemos mencionar que risco é a probabilidade de dano, ou seja, aquele que
exerce uma atividade perigosa deve vir a se responsabilizar pelos danos que sua
atividade causar posto que independentemente de ter agido ou não com culpa
assumiu os riscos inerentes a atividade exercida.
116 NUNES, Rômulo José Ferreira. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p.26. 117 NUNES, Rômulo José Ferreira. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p.26.
45
Acerca do risco, PEREIRA118 ensina:
Em termo de responsabilidade civil, risco tem sentido especial e sobre ele a doutrina civilista, desde o século passado vem-se projetando, com o objetivo de erigi-lo em fundamento do dever de reparar, com visos de exclusividade, ou como extremação da teoria própria, oposta à culpa (...) pode o sujeito estar a reparar o dano, independentemente da culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscospara o direito de outrem.
GONÇALVES119 traz em sua obra que a teoria do risco justifica
o instituto da responsabilidade objetiva nos seguintes moldes:
Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerça uma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como ‘risco proveito’, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em beneficio do responsável (...), ora mais genericamente como ‘risco criado’, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo. (...) a culpa é insuficiente para regular todos os casos de responsabilidade.
São, portanto, requisitos para a responsabilidade do Estado,
consoante a teoria do risco administrativo a existência de um dano
correspondente a lesão a um direito da vítima; o responsável pelo ato deve ser
funcionário da Administração Pública e é preciso que haja nexo de causalidade
entre o ato comissivo ou omissivo da Administração e o dano causado.
Para finalizar, apresenta-se o comentário de STOCO120: ”[...] o
juiz não tem de examinar o caráter lícito ou ilícito do ato imputado ao pretenso
responsável: as questões de responsabilidade transformaram-se em simples
problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma relação causalidade”. 118 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. p.279. 119 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 18. 120 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. p. 78.
46
Explanado sobre a responsabilidade objetiva do Estado
alicerçada na teoria do risco administrativo, no item seguinte, estudar-se-á as
causas que excluem a responsabilidade civil do Estado.
1.10 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL D O ESTADO
O nosso ordenamento jurídico não obstante admitir a
responsabilidade objetiva do ente estatal, fundamentada na Teoria do Risco
Administrativo, havendo em tese, dano ao particular, provocado por qualquer ato
comissivo ou omissivo dos agentes do Poder Público ou dos seus serviços, surge a
possibilidade de indenização patrimonial.
Há, entretanto, situações que excluem tal responsabilidade.
Entre as hipóteses podem ser destacadas as seguintes: culpa da vítima; culpa de
terceiro; força maior; e estado de necessidade.
Assim o Estado pode ter sua responsabilidade atenuada ou
até excluída, pois a teoria adotada por nosso ordenamento jurídico permite a prova
de uma condição que interrompa o nexo causal entre o dano e a conduta.
Vem a baila os ensinamentos de STOCO121:
[...] a responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou excluir a responsabilidade da Administração, ocorre, em resumo, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja o nexo causal entre o dano e a ação administrativa.
Assim, excluem a responsabilidade civil a culpa exclusiva da
vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito, a força maior e o estado de necessidade.
Assim, existindo culpa da vítima concorrendo unicamente para o dano contra si
produzido, responsabilidade civil não há. Destaque-se, apenas, que ao Estado cabe
121 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. p. 508.
47
provar a ocorrência da ação culposa de quem sofreu a lesão e se a culpa não for
exclusiva da vítima, dando lugar ao tipo concorrente, o Estado responderá pela
metade dos prejuízos havidos.
Neste diapasão, traz VENOSA122:
Apontamos que a culpa exclusiva da vítima elide o dever de indenizar, porque impede o nexo causal. (...) Quando há culpa concorrente da vítima e do agente causador do dano, a responsabilidade é, conseqüentemente, a indenização são repartidas, como já apontado, podendo as frações de responsabilidades ser desiguais, de acordo com a intensidade da culpa.
Conclui-se que a vítima que concorrer exclusivamente para
o acontecimento do dano, não será indenizada, pois se interrompe o nexo de
causalidade. Já se houver culpa concorrente, a vítima será indenizada
proporcionalmente de acordo com a parcela de culpa que não lhe foi atribuída.
Tratando-se de culpa de terceiro, o fundamento da excludente
da responsabilidade segue o mesmo caminho anterior. Havendo ação direta de
terceiro, interferindo danosamente na relação jurídica entre particulares e Poder
Público, este, após demonstrar haver tomado os cuidados usuais, fica isento da
responsabilidade. Destacando-se que a excludente só prevalece se ficar provado
que o Estado não concorreu, de nenhum modo, para a existência do fato lesivo.
Sobre a excludente do fato de terceiro, traz GONÇALVES123:
Em matéria de responsabilidade civil, no entanto predomina o princípio da obrigatoriedade do causador direto em reparar o dano. A culpa de terceiro não exonera o autor do dano do dever jurídico de indenizar. [...] Quando, no entanto, o ato de terceiro é a causa exclusiva do prejuízo, desaparece a relação de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano. A exclusão da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características semelhantes às do caso fortuito, sendo imprevisível e inevitável. Melhor dizendo, somente quando o fato
122 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. p. 40. 123 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p.509.
48
de terceiro se revestir dessas características, e, portanto, equiparar-se ao caso fortuito ou à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano.
Com base em NUNES124:
O Estado não é responsabilizado quando o ato danoso foi produzido diretamente por terceiro, exceto se restar comprovado que contribuiu para a ocorrência. Para Hely Lopes Meirelles (1995, pág.562), ‘o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos aturais que causem danos particulares.
O caso fortuito e força maior não se distinguem na legislação,
mas a doutrina assim o procedeu formulando para cada um seu próprio conceito.
Neste sentido PEREIRA125:
O nosso direito consagra em termos gerais a escusativa da responsabilidade quando o dano resulta de caso fortuito ou de força maior. Em pura doutrina, distinguem-se estes eventos, a dizer que o caso fortuito é o acontecimento natural, derivado da força da natureza [...]. Na força maior há um elemento humano [...].
Ainda sobre o assunto, diz GONÇALVES126: “[...] O caso
fortuito e a força maior, equiparado no art. 1.058 e parágrafo único do Código Civil, constituem-se excludentes da responsabilidade porque afetam a relação de causalidade, rompendo-a, entre o ato do agente e o dano sofrido pela vítima”.
Assim, por força maior e fato da natureza, também não
responde o Estado quando há prejuízo. Exige-se, contudo, que seja
comprovadamente irresistível, inevitável e imprevisível.
Quanto ao estado de necessidade, NUNES127 em sua obra
124 NUNES, Rômulo José Ferreira. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, p. 34. 125 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. p.303. 126 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p.523. 127 NUNES, Rômulo José Ferreira. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p. 335-336.
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ensina que este exclui a responsabilidade do Estado:
[...] devido à prevalência do interesse geral sobre direitos dos particulares, mesmo que estejam patentes todos os elementos caracterizadores da responsabilização estatal. Nessa escusativa, o ato seria ordinariamente ilícito; mas, ele é justificado na lei, o que exclui, do dever de indenizar, o agente causador do dano.
Assim não responderá o Estado quando atuar por estado de
necessidade, provocar danos, pois há preponderância de interesses gerais públicos
sobre conveniências, bens ou direitos dos particulares.
Dar-se-á continuidade ao estudo, correlacionando o Estado e
o Juiz como agente público.
50
CAPÍTULO 2
A PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL UM TÍPICO SERVIÇO PÚBLICO
2.1 O JUIZ COMO AGENTE PÚBLICO DO ESTADO
Como já apresentado no primeiro capítulo, houve uma época
em que o ser humano resolvia seus conflitos de forma direta, posteriormente com
o advento das leis civis e penais, e todas as demais existentes, criaram-se meios
de mediar tais conflitos evitando assim o confronto entre os litigantes, que muitas
vezes levava a morte de um deles.
Diante disso, segundo TUCCI citando ARAKEN ASSIS128,
adquiriu o Estado o dever de prestar certo serviço público que é a jurisdição,
conferida preventiva ou repressivamente aqueles que se interessam em provocá-
la ( art. 5º, XXXV, da CRFB/88), isto porque há necessidade de se harmonizar a
convivência, na busca do objetivo social denominado paz social.
O sistema tripartite de divisão do Estado129, fundamentado
na idéia popularizada por MONTESQUIEU130 que atribuiu a cada um dos entes
128 TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10
anos da Constituição Federal de 1988. p.9. 129 “As duas fontes principais para o estudo do Estado são a história das instituições políticas e a
história das doutrinas políticas. Que a história das instituições possa ser extraída da história das doutrinas não quer dizer que as duas histórias devam ser confundidas”. (BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade - Para uma teoria geral da política. Trad. de Marco Aurélio Nogueira, 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 53).
130 Montesquieu, nasceu em 1689 na cidade de Bordéus, estudou Direito, foi Magistrado, ingressou no Parlamento de sua cidade e foi seu presidente, tendo sido autor da obra o Espírito das Leis, na obra, não buscava criar novas formas de governo ou fazer suposições, apenas descreveu os governos existentes em sua época sem julgá-los bons ou maus, justos ou injustos, apesar de, nas entrelinhas, expressar sua admiração pela Democracia e sua aversão pelo Despotismo. Seu grande desejo era mostrar que as leis não derivam da simples vontade humana, ao acaso, mas que elas apresentam uma relação, que possuem um espírito, o espírito das leis. Assim, Montesquieu nos apresenta o Estado e o ato de governar, como regidos por leis científicas e não por meros atos de vontade, ao acaso. Mostrou-nos que a política é muito mais do que ato de vontade dos homens, mas como uma arte que, para o seu pleno êxito, necessita de caráter científico (MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron
51
funções, onde o executivo, legislativo e o Poder Judiciário desempenham tarefas
determinadas, para que um não interfira na esfera de atuação do outro, mas de
forma harmônica todos trabalhassem por um mesmo fim, a paz social.
Coube ao poder executivo, segundo SILVA131, [...] governar e
a administração do Estado, cabendo-lhe a função de executar as leis para a
manutenção da ordem jurídica. Ao poder legislativo, [...] coube a elaboração das
leis ou das normas jurídicas reguladoras das ações de quantos se integrem no
Estado, em suas relações entre si ou deles com o próprio Estado (Congresso ou
parlamento).
Ao poder judiciário, assim como os demais, inserido e
organizado na CRFB/88132 em seu art. 92 a 126, coube a função, segundo
SILVA133, de:
[...] compor conflitos de interesses em cada caso concreto, chamado de função jurisdicional ou simplesmente Jurisdição. Os conflitos de interesses são compostos, solucionados, pelos órgãos do poder judiciário com fundamento em ordens gerais e abstratas, que são ordens legais, constantes ora de corpos escritos que são as leis, ora de costumes, ou de simples normas gerais, que devem ser aplicadas por eles, pois está praticamente abandonado o sistema de composição de lides com base em ordem singular erigida especialmente para solucionar determinado conflito.
Assim o Estado através do poder judiciário, resolve os
conflitos a ele apresentado, com a prestação jurisdicional a qual encontra amparo
no art. 5º, XXXV da CRFB/88, a qual menciona que a “[...] lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Por jurisdição conforme afirma BAPTISTA DA SILVA134 se
de la Brède et de. O Espírito das Leis. Trad.de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, Brasília: UNB, 1982. p. 720)
131 SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. p. 614-615. 132 Quando for mencionada será sempre a Constituição de 1988 e que doravante será
denominada CRFB/88. 133 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 551-552. 134 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A.; Gomes, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. p. 73.
52
entende o poder de aplicar a lei, entretanto, para que se cumpram seus objetivos
primordiais, deve-se ter em mente que a atividade realizada pelo juiz, deve
atender a dois pressupostos básicos:
a) o ato jurisdicional é praticado pela autoridade estatal, no caso pelo Juiz, que realiza por dever de função, ou seja, o Juiz, ao aplicar a lei ao caso concreto, pratica essa atividade como finalidade específica de seu agir, ao passo que o administrador deve desenvolver a atividade específica de sua função tendo a lei por limite de sua ação, cujo objetivo não é a aplicação simplesmente da lei ao caso concreto, mas a realização do bem comum, segundo o direito objetivo;
b) o outro componente essencial do ato jurisdicional é a condição de terceiro imparcial em que se encontra o Juiz com relação ao interesse sobre o qual recai a sua atividade. Ao realizar o ato jurisdicional, o Juiz mantém-se numa posição de independência e estraneidade relativamente ao interesse tutelado.
Fica assim claro que, o órgão judicial, deve resolver o conflito
com base na norma de direito aplicável ao caso concreto e os fatos aduzidos
pelas partes, autuando na casa de forma imparcial e com o único e exclusivo
objetivo de mediar e resolver o caso concreto “[...] o juiz representa o Estado e
sua função é aplicar a lei ao caso concreto, solucionando o conflito de interesses
[...]”135.
Vem a baila o entendimento de ROCHA136:
Função jurisdicional, já o afirmamos muitas vezes, é uma das funções fundamentais do Estado, e o Poder judiciário é a organização criada para permitir o exercício da função jurisdicional.
Em poucas palavras, diríamos que o judiciário é a organização dentro da qual determinados agentes – os juízes – exercitam o poder jurisdicional.
A jurisdição é uma função do Estado, sendo assim, os juizes
são agentes públicos políticos que exercem atividade estatal soberana de
135 COLUCCI, Maria da Glória. Lições da teoria geral do processo. p. 31. 136 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 84.
53
imperiosa relevância. Neste sentido: “[...] cada magistrado, exercendo a função
jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio: ele
é, aí, um agente do Estado (age em nome deste). O Estado o investiu, mediante
critério de escolha, para exercer uma função pública [...]” 137.
Assim, verifica-se que o órgão jurisdicional, é composto
pela pessoa física do juiz, o qual exerce a função jurisdicional em nome do
Estado. O juiz apenas o representa, assim ao fornecer a prestação jurisdicional
invocada, age em nome dele.
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DO JUI Z
Na linguagem vulgar, o vocábulo princípio é tratado entre
outros significados como causa primária, razão, base, norma, preceito, início,
começo138. Tecnicamente é um vocábulo que varia conforme a área de atuação.
CRETELLA JÚNIOR139 afirma que os princípios de uma ciência
são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as
estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são alicerces, os
fundamentos da ciência. Na busca de um conceito, continua, afirmando que “[...]
no âmbito da filosofia, princípio é o fundamento ou a razão para justificar porque é
que as coisas são o que são. Não indicam a coisa, mas a razão de ser da coisa”.
Adotar-se-á para o presente trabalho que “[...] princípio
designa o fundamento, base ou ponto de partida de um raciocínio, argumento ou
proposição140”.
Em nosso ordenamento pátrio, é garantido a quem busca a
prestação jurisdicional, os jurisdicionados, os princípios constitucionais do livre
acesso da justiça e do juiz natural e os direitos processuais do devido processo
137 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 138. 138 XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da língua portuguesa. 139 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p.44. 140 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 47.
54
legal, da imparcialidade, da isonomia e da tutela jurisdicional efetiva, princípios
estes o qual passa-se a discorrer.
2.2.1 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DO JUIZ
Os princípios da constituição da República Federativa do
Brasil - CRFB/88 destacam-se no processo de interpretação das normas
constitucionais, bem como ordinárias, que devem coadunar-se com o sentido
geral trazido pelos mesmos.
A partir dessa noção, tem-se que as normas processuais,
bem como todos os atos do processo que visam uma decisão judicial, estão
subordinados aos princípios maiores trazidos pela CRFB/88, os quais direcionam
o processo e impõem limites e obrigações ao julgador. Limites estes referentes à
esfera de não interferência ou restrição dos direitos fundamentais, e dever de
buscar a realização, através das decisões judiciais, dos ideais de Justiça contidos
em tais princípios.
2.2.1.1 Apreciação de lesão ou ameaça de direito
Consta na CRFB/88 de forma expressa em seu art.5º inciso
XXXV que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
de direito, dispositivo este que é denominado de princípio da inafastabilidade do
controle judicial ou da jurisdição, princípio do acesso à justiça ou, ainda princípio
do direito de ação (direito de petição), o qual é uma decorrência da legalidade
(CF, art. 5º, II), ele exprime o dever do Estado de prestar serviços e a obrigação
de franquear aos interessados o direito de provocá-la, não podendo assim ser
inviabilizada a tutela jurisdicional, preventiva ou repressiva, de direito, individual,
coletivo, difuso ou individual homogêneo.
Como ensina JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, apud
MORAES141:
O direito à tutela jurisdicional é o direito que toda pessoas tem de exigir que se faça justiça, quando pretenda algo de outra, sendo
141 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação, constitucional.
55
que a pretensão deve ser atendida por um órgão judicial, através de processo onde são reconhecidas as garantias mínimas. O acesso dos cidadãos aos tribunais de justiça, à procura de uma resposta jurídica fundamentada a uma pretensão de interesse determinado, realiza-se pela interposição perante órgãos jurisdicionais, cuja missão exclusiva é conhecer e decidir as pretensões, que são submetidas ao conhecimento do órgão judicante, tendo em vista os direitos fundamentais da pessoa.
Contudo, apesar de a Constituição Federal reconhecer que
todas as pessoas tem direito a obter a tutela jurisdicional efetiva esta fornecida
pelos juizes, não torna-se dispensável o cumprimento às condições da ação e os
pressupostos processuais, assim na apreciação do direito pelos juízes, verifica-se
em NELSON NERY JR142 que “... o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale
dizer, é um direito subjetivo à sentença [...], seja essa de acolhimento ou de
rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação”.
Complementa MORAES143:
[...] o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação jurisdicional requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que toda violação de um direito corresponde a uma ação correlativa, independente de lei especial que a outorgue.
Deste princípio decorre a inexistência da jurisdição
condicionada, uma vez que a CRFB/88 não repetiu a ressalva contida, no texto
anterior, de modo que não se permite mais em nosso sistema constitucional a
chamada jurisdição condicionada ou instancia administrativa de curso forçado.
Neste diapasão ensina MORAES144:
Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição Federal de 1988, diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição condicionada ou instância
142 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. p. 91. 143 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 93. 144 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 94.
56
administrativa de curso forçado, pois já se decidiu pela inexigibilidade de exaurimento das vias administrativas para obter-se o provimento judicial (...) verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário.
Desse modo, qualquer pessoa que se sentir lesada em um
bem seu, ou na iminência de sê-lo, tem o direito resguardado de requerer a
prestação jurisdicional, momento no qual o juiz é chamado a decidir o caso
concreto, acolhendo ou rejeitando a pretensão pleiteada. Menna145 em sua obra
deste modo conclui: “Assim, é garantido a todos o exercício do direito de ação, o
que, em hipótese alguma, significa a garantia de um pronunciamento favorável.”
Deste modo, se o pedido for plausível, os membros do
Poder Judiciário, não poderão furtar-se ao exame da lide, pois a prestação
jurisdicional é indeclinável.
2.2.1.2 Princípio da exclusividade da jurisdição pe lo Poder Judiciário
No mesmo sentido o princípio da exclusividade da jurisdição
pelo Poder Judiciário defendido por JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA146 demonstra
que “[...] nenhum conflito pode ser excluído da apreciação do Judiciário”.
CANOTILHO147 sobre a mesma matéria na Constituição da
República Portuguesa afirma sobre o acesso à justiça como princípio
constitucional fundamental que:
[...] o direito de acesso aos tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas, a que se deve chegar um prazo razoável e com garantias de imparcialidade e independência possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir suas razões (de facto e de direito), oferecer suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de causas e outras [...].Significa isto que o direito
145 MENNA, Fábio de Vasconcellos. Processo Civil. p. 26. 146 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 49. 147 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p.405-406.
57
à tutela jurisdicional efectiva se concretiza fundamentalmente através de um processo jurisdicional eqüitativo – due process [...].
Quando o Estado invoca para si, a prestação da tutela
jurisdicional assume a responsabilidade de conhecer processar e julgar todas as
demandas.
2.2.1.3 Princípio do Juiz Natural
Outro principio consagrado na CRFB/88 é o princípio do juiz
natural, tipificado no art. 5º, LIII, que expressamente preceitua que ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, trazendo ainda
em seu bojo o dispositivo de aplicação subsidiária constante do art.5º, XXXVII,
que estatui que não haverá juízo ou tribunal de exceção.
Segundo MENNA148: “O princípio do juiz natural pode ser
encontrado na doutrina sob as mais diversas denominações, dentre as quais
pode-se mencionar o princípio do juízo legal, o princípio do juiz constitucional e o
princípio da naturalidade do juiz.”
Deve-se entender como juiz natural aquele que naturalmente
foi investido para julgar demanda, devido ter sido anteriormente investido para
esta função neste sentido, conceitua COLUCCI149: “[...] juiz natural é aquele que é,
por natureza, competente para julgar a lide, por ter sido investido de jurisdição e
por preexistir ao conflito que julgará, não tendo sido, portanto, criado para o caso”.
Já em relação à importância desse princípio, diz MORAES150:
A imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no princípio do juiz natural uma de suas garantias indispensáveis. O juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal.
148 MENNA, Fábio de Vasconcellos. Processo Civil. p. 25. 149 COLUCCI, Maria da Glória. Lições da teoria geral do processo. p. 31. 150 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p.108.
58
Arremata MORAES, que151:
O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se não só a criação de tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador.
Assim a garantia do juiz natural, significa que não haverá
juízo ou tribunal de exceção, que todos têm direito de se submeter a um
julgamento por um juiz competente, que foi previamente investido no cargo, após
aprovação em concurso de provas e títulos, devendo ainda este imparcial na hora
do julgamento.
Neste diapasão, ensina MORAEs152:
O juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal.
[...]
O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir não só a criação de tribunais e juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador.
Cabe observar que os casos em que a lei faculta às partes
dispor do foro, como por exemplo, na eleição contratual, não se vê atingida pelo
princípio do juiz natural, eis que na visão de NERY JÚNIOR153 este somente se
aplica, no processo civil, às hipóteses de competência absoluta, por se tratar de
preceito de ordem pública. Dessa afirmação se conclui que não pode haver mais
de um juiz natural, sendo que a competência cumulativa ou alternativa somente é
compatível com os critérios privatísticos de sua fixação, isto é, em se tratando de
competência relativa.
151 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 108. 152 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 99. 153 NERY Junior, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. p.66.
59
Os artigos 93, 94 e 95, do referido diploma traz quase
exclusivamente sobre as garantias dos juízes. O artigo 93 expõe sobre a maneira
de ingressar na carreira da magistratura, as formas de promoção na carreira; o
acesso aos tribunais superiores; os subsídios; aposentadoria entre outros.
Os magistrados possuem constitucionalmente as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio [...]. Assim, o juiz somente poderá perder o seu cargo por decisão judicial transitada em julgado. A vitaliciedade (CF, art. 95, II) somente é adquirida após o chamado estágio probatório, ou seja, após dois anos de efetivo exercício da carreira, mediante aprovação no concurso de provas e títulos. (...) Uma vez titular do respectivo cargo, o juiz somente poderá ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio de qualquer outra autoridade, salvo em uma única exceção constitucional por motivo de interesse público (CF, art. 93, VIII, e 95, II) e por voto de 2/3 do órgão competente (...). O salário, vencimento ou como denominado na emenda constitucional nº. 19/98, o subsidio do magistrado não pode ser reduzido como forma de pressão, garantindo-lhe assim o livre exercício de suas atribuições.154
Assim resta claro que os juízes gozam de diversas garantias
para desempenhar. Deve-se mencionar ainda que o juiz, em virtude de sua
posição, encontra-se na relação processual acima das partes, uma vez que
comanda o processo de acordo com a lei, devendo ser imparcial. Contudo, ele
não tem apenas só garantias tem deveres e vedações inerentes a sua própria
função.
Segundo MORAES155, quanto às garantias institucionais dos
juízes:
[...] dizem respeito a instituição como um todo, ou seja, garantem a independência do Poder Judiciário no relacionamento com os demais poderes. [...] as imunidades da magistratura não constituem privilégios pessoais, mas relacionam-se com a própria função exercida e o seu objeto de proteção contra os avanços, excessos e abusos dos outros poderes em beneficio da justiça e
154 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 412-413. 155 MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. p. 109.
60
de toda a Nação. A magistratura desempenha no interesse geral e suas garantias têm fundamento no princípio da soberania do povo e na forma republicana de governo, de modo que todo avanço sobre a independência do Poder Judiciário importa em um avanço contra a própria Constituição.
Outras prerrogativas asseguradas aos juízes são citadas por SILVA156 como:
[...] horário previamente ajustado para ser o juiz ouvido como testemunha; prisão somente por ordem escrita do tribunal ou órgão especial para julgamento, salvo em flagrante pratica de crime inafiançável; prisão especial ou em sal especial de Estado-Maior, à disposição do tribunal ou órgão especial competente; sujeição a notificação ou a intimação somente de parte da autoridade judicial; e direito de usar os títulos da magistratura com exclusividade (ministro, desembargador, juiz).157
Diante da importância da manutenção da independência do
judiciário, SILVA158 faz critica aos juízes que se prevalecem de sua função para
benefícios próprios:
O resultado de tudo isso é a também tradicional deficiência da justiça. A grande maioria dos juízes trabalha muito, mas há os que pouco trabalham. A preocupação de usufruir do cargo isoladamente sem pensar numa solução global para os problemas jurisdicionais levou ao fato eternização da má divisão judiciária nos Estados (comarcas sobrecarregadas, comarcas ociosas com audiências duas vezes por semana); à pratica de o juiz não residir na sede da comarca e não prestar constante assistência aos jurisdicionados.
Contudo, é certo que juizes dignos não se preocupam com
suas garantias asseguradas é sim buscam desempenhar seus deveres da melhor
forma possível, as garantias dos juízes visam a manutenção do Estado
Democrático de Direito.
156 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 278. 157 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 278. 158 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 275.
61
2.2.2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DO JUIZ
Os princípios processuais confundem-se com os princípios
constitucionais, uma vez que, estes são as bases para a elaboração de uma
teoria geral do processo. Assim os princípios processuais estão diretamente
vinculados com os princípios constitucionais e por muitas vezes um dependendo
do outro ou fazendo parte dele.
Entre eles podemos mencionar os princípios do juiz natural e
da apreciação de lesão ou ameaça de direito pelo Poder Judiciário, que são
princípios constitucionais e processuais, e por este fato, já abordados
anteriormente.
2.2.2.1 Princípio da imparcialidade do juiz
O principio da imparcialidade do juiz tem o fito de assegurar
as partes litigantes, que o processo será julgado por um juiz imparcial a qual tem
apenas o interesse de aplicar a lei ao caso concreto. Exige-se assim a presença
de um juiz que não tome partido da causa de uma das partes e que esteja
superior a elas para assegurar a correta apreciação da causa.
Assevera CINTRA159:
O caráter da imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: está e a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. È nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz.
Como já mencionado, a nossa Carta Magna de 1988
assegura garantias aos magistrados e impõem vedações a estes para assegurar
sua imparcialidade.
Assim, apresenta COLUCCI160:
159 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 52. 160 COLUCCI, Maria da Glória. Lições da teoria geral do processo. p. 31.
62
A imparcialidade do juiz é ao mesmo tempo princípio processual e direito subjetivo; direito porque o Estado não permite, e regra, a autotutela dos interesses, sendo dever ser velar pela lei e dirimir a lide, desde que provocado pela parte prejudicada, cabendo-lhe a imparcialidade na decisão; princípio processual porque previsto na CF e, como não poderia deixar de ser, presente nos Códigos de Processo Civil e Penal (casos de suspeição do juiz –art. 252 e ss. Do CPP e arts. 134 e ss. CPC).
No mesmo norte Rocha161:
O juiz, individualmente considerado, deve ser um terceiro, eqüidistante em relação às partes e seus interesses. A imparcialidade é o meio para assegurar julgamento objetivo. Seu pressuposto é a independência do juiz, cujas garantias são estabelecidas no art. 95 da Constituição.
A incapacidade do juiz surge da suspeição ou de seu
impedimento, pois interferem na segurança jurídica do processo por comprometer
sua imparcialidade.
2.2.2.2 Princípio dispositivo
O princípio dispositivo traz que para a instauração da causa, o
juiz necessita da provocação das partes para a produção das provas as quais se
fundamentará as decisões.
Os artigos 2 º e 262, ambos do CPC, dispõem textualmente:
Art. 2º – Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando
a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.
Art.262 – O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se
desenvolve por impulso oficial.
Como acima visto, confere-se ao titular de um direito em
tese violado, pleitear esse direito e, estabelece que após a provocação, passa ao
Estado, através do Processo, o impulso quanto à prática dos atos procedimentais.
Prevalece a regra de que cabe às partes invocar a jurisdição
161 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 49.
63
estatal para dirimir seus conflitos, não podendo o Estado voluntariamente fazê-lo,
eis que, nas palavras de MARQUES162:
A manutenção do Princípio Dispositivo diz respeito, principalmente, à regra de que a jurisdição só se movimenta, dando origem ao processo, com a provocação dos interessados (não há jurisdição sem ação) e dentro dos limites por estes fixados quanto aos fatos a serem decididos. Uma vez, porém, que as partes determinaram a extensão do litígio, pode o juiz atuar, dentro do necessário, para pleno esclarecimento da demanda. A disponibilidade processual estaria assim em harmonia com o princípio da livre investigação.
O juiz é sujeito ativo, não sendo apenas um expectador,
devendo buscar a verdade formal, a justiça e a pacificação social, contudo, no
processo civil o juiz julgará conforme consta nos autos, ou seja, pela verdade
formal.
Neste diapasão CINTRA163:
Tem dito a doutrina que o mais sólido fundamento do princípio dispositivo parece ser a necessidade de salvaguardar a imparcialidade do juiz. O princípio é de inegável sentido liberal, porque a cada um dos sujeitos envolvidos no conflito sub judice é que deve caber o primeiro e mais relevante juízo sobre a conveniência ou inconveniência de demonstrar a verdade dos fatos alegados. Acrescer excessivamente os poderes do juiz significaria, em última análise, atenuar a distinção entre processo dispositivo e inquisitivo.
Todavia, diante da colocação publicista do processo, não e mais possível manter o juiz como mero expectador da batalha judicial. [...] a função jurisdicional evidencia-se como um poder-dever do Estado, em torno do qual se reúnem os interesses dos particulares e os do próprio Estado.
NELSON NERY JÚNIOR164 afirma que o Princípio Dispositivo
refere-se a “[...] questões deduzidas em juízo, de modo que não pode o juiz
162 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. v.2. p.107. 163 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 64. 164 NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. p. 374.
64
conhecer da matéria a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Proposta a ação
por iniciativa da parte, o processo se desenvolve por impulso oficial [...]”.
Deve o juiz, conforme SANTOS165, “(...) decidir, segundo o
alegado e provado pelas partes – iudex secundum allegata et probata partium
iudicare debet”. É nas palavras desse doutrinador,
[...] absoluto no tocante a afirmação dos fatos em que se funda o pedido, no que o juiz depende inteiramente das partes [...] Não o é no concernente à prova dos fatos, porquanto, se, como regra, cabe à iniciativa das partes dar prova dos fatos alegados, concede a lei também ao juiz o poder de ordenar, de ofício, as diligências necessárias à instrução [...] prepondera entretanto o poder da iniciativa das partes, pela razão mesma de que são elas que têm o ônus e a responsabilidade de fornecer ao juiz os elementos de prova de suas afirmações, nas quais assentam o seu pedido.
Segundo a lição de COSTA166 :
[...] o princípio dispositivo manifesta-se não somente na faculdade da parte iniciar a demanda, mas também na formalização da postulação inicial, que delimita a ação proposta e vincula o juiz. Assim, após a citação da parte adversa, salvo se houver consentimento desta, é vedada a modificação do pedido, assim como, é vedado ao juiz conhecer do que não esteja no processo.
Há, portanto, a obrigação de que a parte invoque o seu
direito de produzir a prova. Contudo, o juiz como figura ativa no processo, possui
a prerrogativa de solicitar de ofício a produção de provas e de investigá-las
livremente. Para COLUCCI167:
Em que pese a larga margem de dispositividade que existe no processo civil, o juiz não fica adstrito ao que é trazido aos autos e requerido pelas partes, pois o processo é instrumento da jurisdição, é há interesse público no seu rápido andamento, podendo determinar as provas necessárias à instrução do processo, ou indeferir as diligências inúteis ou meramente
165 AMARAL Santos, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. p. 76-77. 166 COSTA, Rubens. Manual de processo civil: teoria a ajuizamento da ação. v. 1. p.10. 167 COLUCCI, Maria da Glória. Lições da Teoria Geral do Processo. p. 38.
65
protelatórias (art. 130 do CPC). Permite, desta forma o CPC que o juiz tome todas as providencias que julgar necessárias para investigar livremente as provas e formar seu convencimento sobre os fatos.
O poder discricionário atribuído aos juizes, não deve-se
confundir com arbítrio, pois o poder conferido aos magistrados é limitado pela lei,
e pela ética, devendo processar os autos hierarquicamente superior as partes e
não acima da própria lei.
Assim, não dispõe o juiz de autorização ilimitada para a
produção de provas e busca dos elementos necessários ao seu convencimento,
estando adstrito, antes de qualquer coisa, ao interesse das partes que, se não se
desincumbirem suficientemente desta função, podem abrir ao juiz, motivação para
que intervenha e determine a produção de provas que são de seu interesse para
a elucidação da causa e conseqüente prolação de sentença.
2.2.2.3 Princípio do Livre Convencimento
O princípio do Livre Convencimento encontra-se inserido no
artigo 131 do CPC, que dispõe:
Art.131 – O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos
fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
No entendimento de CARLOS DE ARAÚJO CINTRA168, o principio
da persuasão reacional do juiz “regula a apreciação e a avaliação das provas
existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção.
Situa-se entre o sistema da prova legal e do julgamento secundum conscientiam”.
Segundo MARQUES169: “[...] Muitas são, atualmente, as
regras legais sobre provas, notadamente no campo da prova documental e das
presunções legais. Não assim naquele da prova testemunhal e das perícias, no
168 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. p. 67. 169 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. v. 3. p. 439.
66
qual o que predomina é a valoração segundo o livre convencimento”.
A livre apreciação da prova permite ao juiz obter livremente
a convicção sobre a verdade ou a falsidade das afirmações feitas no processo,
inclusive com base na sua experiência de vida (regras da experiência). O ônus da
prova lhe permite julgar mesmo quando a livre apreciação não tiver resultado em
convicção sobre a matéria fática.
Permanecem as demais formas de estabelecer o
convencimento do juiz, que utilizará todos os meios possíveis para estabelecer
uma decisão razoável e justa.
O juiz não está adstrito a provas específicas e determinadas
para o caso em análise, pois não há como já dito anteriormente hierarquia entre
elas, que possa determinar valor maior para uma ou outra prova. Há sim, a
certeza de que o juiz poderá atribuir-lhes valores diversos e de acordo com a sua
consciência, percepção e desenvolvimento racional lógico, pois que, conforme
Santos170, “Na apreciação da prova, atende o juiz aos fatos e circunstâncias
constantes dos autos, ainda que não alegados ou contrariados pelas partes”.
Para COSTA171, pelo Livre Convencimento, cabe ao juiz
decidir quais as provas ou que argumentos e meios aceitará para fundamentar
sua decisão, posto que,
[...] não há uma valoração estabelecida entre os diversos meios de provas e, portanto, a convicção do juiz se revela, diante de qualquer prova produzida, de conformidade com a sua experiência, conhecimento e ideologia, impondo-lhe somente a fundamentação das decisões. Mesmo que a prova dependa de conhecimento técnico-pericial, o magistrado não está adstrito ao resultado do laudo.
Conforme se verifica, o juiz decide conforme sua convicção,
mas sempre apoiado nas provas dos autos, ou seja, dentro dos limites dos
170 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v.1. p. 162-163. 171 COSTA, Rubens. Manual de processo civil: teoria a ajuizamento da ação. v.1. p. 27.
67
pedidos das partes, porque segundo DOWER172 o juiz, “[...] para chegar às suas
conclusões e decidir, pode livremente interpretar os fatos e circunstâncias, porém,
desde que com base nas provas existentes nos autos”.
Não há no sistema de Livre Convencimento limitação legal, o
juiz valora a prova da forma que lhe for mais adequada, estabelecendo quando
uma prova suplanta a outra.
Segundo BARBI173, a liberdade concedida ao juiz não é
absoluta, havendo a necessidade da motivação, porquanto não se trata de:
[...] arbítrio. Para evitar que este surja, a parte final do artigo impõe ao juiz indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. Eles não constituem os fundamentos de fato a que se refere o art.458, item II, mas sim a explicação de como o juiz se convenceu da existência, ou inexistência, dos fatos em que se baseia a sentença.
Menciona MARQUES174:
As provas dos autos fornecem ao magistrado o material necessário para a configuração dos fatos. O juízo de valor sobre a credibilidade dessas provas, bem como a apreciação de umas em confronto com as outras e as inferências e deduções finais sobre o complexo probatório dos autos, constituem operações de livre crítica a cargo do juiz.
Cabe, portanto ao juiz uma análise crítica e racional das
provas e fatos apresentados, exarando assim a decisão que atenda ao interesse
maior de Justiça.
2.2.2.4 Princípio da motivação e convicção do juiz
A motivação da convicção do juiz é mais um dos princípios
172 DOWER, Nélson Godoy Bassil. Curso básico de direito processual civil. v. 1. p. 340. 173 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. v.1. p. 326. 174 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo civil.
v.1. p. 608.
68
processuais, que na visão de CINTRA175 é “outro importante princípio, voltado para
o da publicidade ao controle popular sobre o exercício da função jurisdicional”.
THEODORO JÚNIOR176 assevera ser o juiz o destinatário da
prova, pois é ele que deverá se convencer da verdade dos fatos para dar a
solução jurídica ao litígio e conclui que “ao juiz, para garantia das próprias partes,
só é licito julgar segundo o alegado e provado nos autos. O que não se encontra
no processo para o julgador não existe” e afirma que o que se busca no processo
moderno é encontrar-se soluções para os litígios “a luz da verdade real e é, na
prova dos autos, que o juiz busca localizar a verdade”.
Segundo WAMBIER177: “Provados os fatos, o juiz tão somente
os adequará à norma jurídica pertinente. Mas se não há provas, é necessário que
o sistema trace critérios a serem trilhados pelo juiz para chegar à solução da
demanda”.
NERY JÚNIOR178 ensina que: “O juiz deve julgar segundo o
alegado em processo, porque o que não está nos autos não está no mundo.
Portanto, a parte faz a prova para que seja adquirida pelo processo. Feita a prova,
compete à parte convencer o juiz da existência do fato e do conteúdo da prova”.
MENNA179 traz em sua obra que: “Motivar todas as decisões
significa fundamentá-las, explicar as razões de fato e de Direito que implicam no
convencimento do juiz, devendo esta fundamentação ser substancial e não
meramente formal”.
A motivação da sentença cumpre a função da segurança
jurídica e da publicidade para que a sociedade controle os atos do poder público.
2.2.2.5 Princípio do Impulso Oficial
175 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 68. 176 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. v.1. p. 377. 177 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1. p. 400. 178 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado. p. 721. 179 MENNA, Fábio de Vasconcellos. Processo Civil. p. 27.
69
Segundo COLUCCI180, “[...] o princípio do impulso oficial é
revisto no art. 262 do CPC, onde se afirma que o processo começa por iniciativa
das partes (princípio da ação) e se desenvolve por impulso oficial”.
Para CINTRA181, “é o princípio pelo qual compete ao juiz, uma
vez instaurada a relação processual, mover o procedimento de fase em fase, até
exaurir a função jurisdicional”.
Resta claro, assim que é dever da parte colaborar com o
Judiciário para a busca do bem da vida, dever do qual ninguém o exime. Contudo,
o escopo do processo não é apenas resolver discussões pessoais, mas dar razão
a quem a tem, constituindo-se como interesse público, assim o juiz deve
impulsionar o processo através de decisões e despachos para que o processo
seja célere e eficiente.
Sobre o princípio em análise ensina WAMBIER182:
[...] uma vez instaurado o processo por iniciativa da parte ou interessado (princípio da inércia), este se desenvolve por iniciativa do juiz, independentemente de nova manifestação de vontade da parte. O juiz, que representa o Estado (poder jurisdicional do Estado) promove e determina que se promovam atos processuais de forma que o processo siga a sua marcha em direção à solução do sistema jurídico para aquela determinada lide.
Assim conclui-se que o princípio do impulso oficial é o dever
de o juiz em promover a eficiente tramitação do feito observando a igualdade das
partes e o devido processo legal.
2.2.2.6 Da suspeição e do impedimento do juiz
A suspeição o impedimento do juiz, são causas que afetam,
diretamente a prestação jurisdicional, uma vez que afetam a igualdade das partes,
posto que torna o juiz parcial, motivo pelo qual, deve declarar-se suspeito ou
180 COLUCCI, Maria da Glória. Lições de teoria geral do processo. p. 38. 181 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 66-67. 182 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1. p.69.
70
impedido em determinados casos, buscando assim a realização da justiça.
Neste sentido menciona WAMBIER183:
Além de dever ser competente o juízo, deve também ser o juiz imparcial, isto é, a pessoa que naquele momento se encontra exercendo a jurisdição naquele juízo deve estar habilitada a receber e apreciar com isenção de espírito os argumentos e provas por cada uma das partes, para, com a mesma isenção vir a decidir. Há presunção legal de que a imparcialidade possa estar comprometida nos casos em que a própria lei prevê motivos para o impedimento do juiz.
O artigo 134 do Código de Processo Civil elenca as
hipóteses de impedimento do magistrado:
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I – de que for parte
II – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha.
III – que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV – quando nele estiver postulado, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta, o na colateral até o segundo grau;
V – quando cônjuge, parente consangüíneo ou afim, de alguma das partes em linha reta ou na colateral, até o terceiro grau;
VI – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Como visto, a lei estipula várias situações onde o juiz deve
declarar-se como impedido, sendo todas referentes a sua condição pessoal direta
ou indireta, com qualquer das partes.
Em nosso código, nitidamente distingue a suspeição e o
183 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1. p. 203.
71
impedimento. Assim ensina em sua obra ALVIM184:
A suspeição é gerada por elementos definidos em lei em que se expressam motivos eminentemente subjetivos, ao passo que, no impedimento, os fatos são de caráter objetivo, implicando isto, que, em qualquer dos dois casos, seja o juiz havido como imparcial. A suspeição é a base para uma verdadeira exceção, o que não ocorre com o impedimento, que pode ser alegado a qualquer momento, mesmo sem que o tenha sido por via de exceção, pois compromete insanavelmente a “imparcialidade”, dado que está é pressuposto processual positivo de validade; o mesmo já não ocorre com a suspeição.
O artigo 135 do Código de Processo Civil prevê as hipóteses
de suspeição do juiz, as quais são, amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer
das partes, alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou
de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau, herdeiro
presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes, receber dádivas
antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar algumas das partes acerca do
objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio ou
interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
As causas de suspeição também influem na parcialidade do
juiz, contudo, não fazem ao ponto de comprometer o pressuposto processual da
imparcialidade, motivo pelo qual se não for oportunamente alegada, reputa-se
afastada.
Assim, verifica-se que a lei estipulou casos em que os juizes
devem se declararem suspeitos ou impedidos, para que seja garantido o princípio
da imparcialidade e da igualdade das partes.
Assim, escreve ROCHA185:
Atenta contra os princípios da igualdade e da imparcialidade a permanência do juiz no feito, em certas circunstâncias. È que pode ela implicar interesse direito na causa, por motivos de
184 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. v. 2. p. 312 185 ROCHA, José Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 301-302.
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parentesco, relacionamento profissional ou econômico. As jurisdições em geral estabelecem presunção de interesse na causa tais situações, procurando afastar o juiz do feito para evitar problemas ou simples suspeitas.
Os princípios constitucionais e processuais analisados são
os alicerces, para que se cumpra o devido processo legal e a justiça na hora da
prestação jurisdicional pelo Poder Judiciário o qual será estudado no item a
seguir.
2.3 O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL
Cumpre destacar que o Poder Judiciário, de acordo com a
nossa Constituição é um poder autônomo, o qual tem sua independência e
imparcialidades asseguradas constitucionalmente. Para BULOS186 estas garantias
existem “[...] porque ao Judiciário incumbe consolidar princípios supremos e
direitos fundamentais, imprescindíveis à certeza e segurança das relações
jurídicas”.
BULOS 187, ainda menciona que:
Além de administrar a justiça, solucionando conflitos, o Poder Judiciário é, também, o oráculo da Constituição. Juizes e Tribunais, indistintamente, têm o dever de obediência as normas constitucionais. Para tanto, o constituinte outorgou-lhes garantias, dentre as quais a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, que existem para evitar reprimendas e pressões ao ofício de julgar.
Com as garantias asseguradas constitucionalmente para o
livre julgamento da causa, os magistrados poderão exercer a atividade judiciária
sem temor nem reprimendas.
A atividade jurisdicional é espécie do gênero atividade
judiciária. O termo atividade judiciária refere-se a todas as atividades prestadas 186 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. p. 1041. 187 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. p. 1041.
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pelo Poder Judiciário, abrangendo tanto as atividades meramente administrativas,
nomeações, concessões de férias entre outras, como também as atividades
tipicamente jurisdicionais de aplicar o direito ao caso concreto.
Os atos da atividade judiciária podem ser realizados por
qualquer agente, já os atos da atividade jurisdicional são privativos dos juízes
uma vez que a atividade jurisdicional é função precípua do juiz, tanto na
jurisdição contenciosa como na voluntária.
LOUREIRO FILHO188 neste sentido menciona em sua obra:
Considera-se a atividade jurisdicional como espécie da atividade judiciária. Esta, por sua vez, abrange todos os atos praticados por agentes do Poder Judiciário. Desta forma, serão judiciários os atos dos juízes no exercício de atividade estritamente jurisdicional (de sua competência exclusiva), contenciosa ou voluntária, bem como aqueles por eles praticados como administradores, consubstanciados nos atos materialmente administrativos. Somam-se a estes os atos praticados por servidores do Poder Judiciário, por seus colaboradores a qualquer título, a demora excessiva na prestação jurisdicional, a falha do serviço anônima ou não.
O Poder judiciário como visto, possui uma função típica que
é a função jurisdicional, mas também exerce funções atípicas que são a função
administrativa e a função legislativa. Para a presente pesquisa, tratar-se-á
somente da função precípua de aplicar o direito ao caso concreto, porque
segundo MORAES189 “(...) desta forma, a função típica do Poder Judiciário é a
jurisdicional, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe é posto,
resultante de um conflito de interesses”.
Neste sentido, traz BULOS190:
A função típica, imediata, primária ou própria do Poder Judiciário é, simplesmente julgar. Compete-lhe dirimir conflitos de
188 LOUREIRO FILHO, Lair da Silva. Responsabilidade pública por atividade judiciária. p. 82. 189 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 408. 190 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. p.1041-1042
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interesses, aplicando a lei nas hipóteses concretas, produzindo coisa julgada, formal e material, no que substitui a vontade das partes. Os órgãos do Judiciário, portanto, compõe conflitos de interesses em cada caso concreto, integrando o sistema de composição de litígios. Aí está a função jurisdicional ou jurisdição, que é o poder-dever autoritativamente as normas jurídicas, mediante a substituição de uma atividade pública por uma alheia, diante de questões contenciosas.
A função jurisdicional, nada mais é do que a jurisdição, que
é dever do Estado de aplicar ao caso concreto as normas legais, e
excepcionalmente os costumes, eqüidade, analogia e princípios gerais do direito,
buscando a pacificação social.
Para CINTRA191, a jurisdição “[...] é uma das funções do
Estado, mediante o qual este substitui aos titulares dos interesses em conflito
para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com
justiça”.
Segundo BULOS192 a jurisdição possui características
inequívocas:
É, em regra, inerte, porquanto, nenhum magistrado poderá exercê-la de ofício, sem prévia provocação. Decorre da presunção de litígio, pois se inexistir conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida – lide – não há falar nela. Por outro lado, a jurisdição é publica, sendo o dever do Estado-Juiz aplicá-la em nome do interesse geral, para satisfazer o bem comum. É, também, subsidiária. Tem como fundamento a substituição dos particulares no conflito, sendo exercida por seus agentes, que não agem e nome próprio, mas na qualidade de representantes do Estado. Enfim, a jurisdição é uma, em todo o território Federal, indelegável, improrrogável e indivisível, devido o caráter subsidiário e autoritativo que possui, exteriorizado pelo seu poder-dever de dirimir litígios.
Assim, a jurisdição é a função, delegada pelo Estado ao
Poder Judiciário, de aplicar as normas de direito objetivo a pretensão apresentada 191 CINTRA, Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 131. 192 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. p. 1042.
75
pela parte, bem como assegurar as normas de ordem jurídica. Daí dizer-se que é
específica do Poder Judiciário.
COLUCCI193 assim descreve a jurisdição:
Observa-se que a jurisdição é função, poder e atividade, reflexo do Estado e de sua soberania, estendendo-se a todas as esferas da vida do particular, ampliando-se cada vez mais em beneficio da ordem jurídica e, sobretudo, da segurança social. Não resta a menor dúvida de que a jurisdição é uma das funções do Estado – a de “dizer o direito” (jurisdictio), ao lado da admistrativa e da legislativa. É função precípua do Poder Judiciário, e pressupõe a legislativa.
A jurisdição, assim é ao mesmo tempo um poder uma
função e atividade do Estado, a qual é praticada pelo servidor público,
denominado juiz, corroborada no tramite do devido processo legal, estando
presente em todas as fases do processo.
Assim, no decorrer do processo o juiz vai construindo seu
juízo de convicção e impulsionando o processo de ofício ou a requerimento das
partes. Assim menciona SILVA194: “O juiz é a alma e a figura central do processo
judicial, quer, recebendo as formulações (petições) das partes (fase introdutória);
quer conciliando-as; quer instruindo os feitos; ou ainda decidindo as
controvérsias”.
Como já visto, o processo civil inicia-se pela vontade do
autor, embora o impulso para o seu desenvolvimento seja oficial, esta vontade se
consubstancia na propositura da ação, representada na petição inicial a qual
também fixa os limites da lide, assim, protocolada a petição inicial o juiz analisará
se o pedido obedeceu os requisitos formais e materiais. Ensina ainda SILVA195:
[...] o juiz não é mais mero espectador dos fatos, desempenhando ele, pelo princípio inquisitivo, papel de comando no desenrolar dos atos e fatos processuais.
193 COLUCCI, Maria da Glória. Lições da teoria Geral do Processo. p. 68. 194 SILVA, Octacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 298. 195 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 298.
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Para o juiz esta é uma fase mais técnica, cumprido a ele observar atentamente os limites da postulação e da defesa, inteirando-se devidamente da formação da litiscontestatio, que deverá servir de roteiro para desenrolar das demais fases processuais.
[...]
Dentro do nosso sistema a leitura atenta, pelo juiz, das duas principais peças – petição e contestação – ajuda-o no decorrer da instrução e, sobretudo para que ele possa decidir, prontamente, sobre a possibilidade encerramento ou dispensa de provas, nos casos permitidos, quando a matéria discutida envolva somente questões de direito ou meramente documental.
Na função jurisdicional permite-se também a tentativa de
conciliação, uma vez que antes de tudo em uma audiência deverá o juiz, sendo a
causa acerca de direito patrimonial de caráter privado ou família, no âmbito que a
matéria possa ser objeto de transação, tentar a conciliação das partes litigantes.
Atualmente a conciliação está sendo priorizada em quase
todos os tipos de processo, através das semanas de conciliações, vulgarmente
chamadas de “Mutirão da Conciliação”, que estão sendo organizadas e realizadas
no mínimo uma vez por ano em todas as comarcas.
A iniciativa de priorizar a conciliação partiu de outro ramo de
direito, o Direito do Trabalho, o qual busca com a conciliação uma ferramenta de
solução das demandas e satisfação do direito de uma forma mais célere e como
forma de solucionar acúmulo de demandas.
Neste sentido, assinala SILVA 196:
[...] No processo especializado há duas propostas obrigatórias de conciliação às partes, uma na fase introdutória do processo, outra logo após o encerramento da instrução, mas a perseguição do acordo é uma constante no desenrolar do feito, em qualquer fase ou grau de jurisdição.
[...]
No processo civil o espírito conciliatório ainda não conseguiu dominar as cogitações dos juízes e advogados, embora tenha
196 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 300-301.
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havido considerável progresso nesse sentido.
Sendo a tentativa de conciliação inexitosa, passa-se a fase
de instrução do feito na qual o juiz poderá dispensá-la se a causa abranger
somente questões de direito. Segundo SILVA197, é a instrução:
[...] uma das fases do procedimento em que se realizam atos processuais, sob a direção do juiz visando a determinado objetivo. Os meios de efetivação desses atos se realizam, em regra, com contatos do juiz com outros personagens do processo, tais como partes, procuradores, testemunhas, peritos e serventuários.
[....]
Já disse que também o juiz é julgado a todo o momento. Não só pelas as suas decisões, mas também pelo seu relacionamento com as partes e procuradores. [...] o relacionamento do juiz com as partes e procuradores deve primar-se por absoluta igualdade.
Após a instrução do processo, passa-se para a fase
decisória, as fases anteriormente vistas tem o fito de, instruir e juntar fundamentos
para a tomada da decisão. É a fase onde o juiz exercerá a sua função precípua:
dizer e aplicar o direito ao caso concreto. É na fase decisória onde o juiz irá
prolatar a sentença.
Sobre sentença elucida SILVA198:
A sentença é o ato consciente em que o Estado, através de órgão próprio denominado juiz ou tribunal, dá a solução a uma pendência jurídica entre duas ou mais pessoas, indeferindo ou deferindo, total ou parcialmente a uma pretensão do postulante.
Assim, cabe ao juiz analisar as pretensos das partes é
aplicar o direito ao caso concreto, para realizar a justiça e a paz social.
HERKENHOFF199 elucida em sua obra que:
O juiz está, sem dúvida submetido a lei. Se não houvesse essa 197 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 304-305. 198 SILVA, Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 304-305. 199 HERKENHOFF, João Baptista. Para onde vai o direito?: reflexões sobre o papel do Direito e do
jurista. p. 23.
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submissão à lei, estaria instaurado o ‘regime de arbítrio’, contrário ao ‘estado de direito’, por cujo retorno tanto lutamos no Brasil, depois de um longo e triste período de ditadura militar. Mas o ‘regime de legalidade’, em oposição ao regime de arbítrio, não significa submeter os magistrados ao culto idólatra da lei. Nem retira dos juizes a missão de serem juízes de Direito, ou seja, juizes que, diante dos casos concretos, trabalham sabidamente com a lei para que prevaleça o Direito e a Justiça.
Ressalta-se assim que no exercício da prestação
jurisdicional, a qual são funções típicas dos juizes, estes devem buscar a justiça,
através da interpretação da lei, buscando o direito, devendo sempre prevalecer à
justiça sobre a lei, já que a própria finalidade da lei é resguardar o Direito e a
Justiça.
Dar-se-á continuidade ao estudo analisando-se a
responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais no âmbito cívil.
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CAPÍTULO 3
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS NA ESFERA CÍVEL
3.1 ATOS JURISDICIONAIS
Os atos praticados pelos juízes no exercício do serviço
público judiciário, são denominados atos judiciais, o qual pode ser dividido em
duas espécies: atos judiciais administrativos e atos judiciais propriamente ditos.
DERGINT200, conceitua ato judicial nos seguintes termos: “[...]
é aquele ato pelo qual um agente imparcial do Estado (o juiz), mediante um
processo aplica substitutivamente a atividade das partes, o direito objetivo a um
caso concreto que lhe é submetido, para dirimir uma controvérsia com força de
verdade legal”.
Contudo, o conceito apresentado não faz a distinção das
espécies do ato judicial, sendo notório que os magistrados realizam inúmeros atos
que sob o ponto de vista material não são atos judiciais e sim administrativos;
estes atos, consistem nos atos de auto governo do Poder Judiciário, tais como
nomeação e destituição de funcionários, concessão de férias, licença, entre
outros.
Para GALENO LACERDA apud SERRANO JÚNIOR201: “O juiz não
pratica ato jurisdicional, mas age como administrador quando, meramente, dirige
o processo, uma vez que nada julga”.
Por sua vez, os atos jurisdicionais propriamente ditos, são
aqueles proferidos pelo juiz no curso do processo ainda que não contenham
conteúdo decisório, uma vez, que para decidir sobre a res in indicium deducta, o
200 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 96. 201 SERRANO JÚNIOR, Odone. Processo Civil. p. 115.
80
juiz desenvolve uma série de atos, com os quais caminha o processo à sentença
final.
3.2 O PODER DISPOSITIVO DO JUIZ
Na esfera cível, cabe a parte, provocar o Poder Judiciário,
para que este lhe forneça a prestação jurisdicional; cabendo também a parte
demonstrar a veracidade de suas alegações.
No entanto, nos dias atuais, o juiz não é mais um espectador
do processo, mas sim como figura indispensável e atuante, na busca da solução
mais justa ao litígio a ele apresentado, contudo, devendo sempre primar por sua
imparcialidade e pela igualdade entre as partes.
Coaduna GOMES202:
Quando se fala em princípio dispositivo tem-se em mente a maior ou a menor dependência que tem o juiz na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto às provas e alegações que servirão de base ao provimento jurisdicional.
[...] a garantia da imparcialidade respalda-se na efetividade do contraditório e não na inércia do juiz.
Não é distante a mudança que de forma determinante,
possibilitou ao juiz que deixar de ser mero espectador das partes, naquilo que
apresentavam no processo, até que chegasse o momento de sua participação
com a instrução e posterior sentença, para elemento ativo do processo, quando
poderia inclusive requisitar a produção das provas que achasse necessárias para
o seu convencimento.
Foi com a doutrina contemporânea, que se admitiu o efetivo
papel do juiz, na busca das provas na instrução processual, conforme ensina
202 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil. p. 84-85.
81
GOMES203:
[...] em matéria de instrução, prevalece igualmente nas leis contemporâneas a tendência de confiar papel ativo ao juiz, deferindo-lhe ampla iniciativa na verificação dos fatos relevantes para a solução do litígio, tal como submetido a sua cognição, isto é, nos limites do pedido e da causa de pedir.
Isto se fez necessário devido, pois que, no seu exercício
jurisdicional, representante do Estado no processo de pacificação social, ao
decidir os conflitos, necessita ter em suas mãos, poderes suficientes para, não
estando convencido pelas provas trazidas voluntariamente pelas partes e,
vislumbrando outras não arroladas, possa trazê-las aos autos para firmar seu
convencimento, na busca da Justiça.
Segundo CARNEIRO204:
Ao direito subjetivo de “ação”, pelo qual alguém pede ao Estado que lhe faça justiça, corresponde a atividade estatal da “jurisdição”, pela qual o Estado cumpre o dever de, mediante um devido processo legal, administrar justiça aos que a solicitaram. A jurisdição é, com a administração e a legislação, forma de exercício da soberania estatal. Pode-se dizer que, sob certo aspecto, o juiz é a longa manus do legislador, pois transforma, pela jurisdição, em comando concreto entre as partes as normas gerais e abstratas da lei.
Após as mudanças ocorridas, o juiz no uso de suas
faculdades instrutórias, tem a possibilidade de inferir diretamente na atividade
probatória das partes, com o intuito de melhor fundamentar a sua decisão,
atendendo assim a premissa de fazer justiça.
O juiz, quando determina uma diligência, não pode prever
que a mesma irá lograr êxito, assim, esta poderá beneficiar qualquer dos
litigantes, seja o do pólo ativo ou passivo, bem como, no esclarecimento de uma
obscuridade processual, o qual poderá lograr êxito a uma das partes, sendo que
203 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil. p. 86 204 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. p. 3.
82
se a mesma não fosse sanada, poderia dar ganho de causa a outra parte.
O Código de Processo Civil Brasileiro vigente continuou
adotando o princípio do dispositivo, das partes, todavia, ressaltou os poderes do
juiz na instrução processual, principalmente em relação a produção de provas ex
officio. O artigo 130 de referido diploma, dispõe, que; “Caberá ao juiz, de oficio ou
a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do
processo indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
O juiz, assim, com base nas provas forma seu juízo de
convencimento, e utiliza às provas nas quais se baseia para fundamentar a sua
decisão ao caso em questão, uma vez, que não pode se confundir a sentença
como um ato proferido pelo juiz de imposição pura e imotivada de vontade.
Segundo GOMES205:
[...] o sistema da persuasão racional do juiz leva em consideração a consciência do julgador liberando-o do critério numérico das provas, porém, por outro lado, exige que seu convencimento se baseie nas provas contidas nos autos. E mais: tal fundamentação deve ser externada pelo juiz ao decidir.
Motivar todas as decisões, significa que estas devem serem
fundamentadas, ou seja, explicadas as razões de fato e de direito que levaram ao
convencimento do magistrado. Assim, as provas devem persuadir, ou em outras
palavras levar a crer, convencer.
A prova persuasiva é aquela que influi no convencimento do
juiz, para que ele decida de tal modo e não de outro, não é a técnica das
alegações das partes, que fundamentará a decisão e sim o valor atribuído ao
conjunto probatório contido no processo. Essa convicção, por mais livre e isenta
que possa ser não pode desconsiderar o direito das partes à produção de provas,
inserido no direito constitucional à Ampla Defesa, gerando, caso não respeitado, o
cerceamento de defesa, o que a torna passível de anulação.
Nosso ordenamento adota o princípio do livre 205 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil. p. 92.
83
convencimento motivado. O art. 131, do CPC, dispõe que: “O juiz apreciará
livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos,
ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os
motivos que formaram o convencimento”.
Neste sentido, menciona GOMES206:
Toda decisão judicial é ato do poder estatal que gera efeitos sobre os direitos individuais ou sociais. No âmbito do Estado de direito o poder sofre limites impostos pela ordem jurídica, para se impedir o arbítrio. Por tal razão, exige-se do juiz que suas decisões se fundamentem nas provas dos autos e que ele exponha, ao decidir, as razões de seu convencimento.
O princípio da motivação das decisões está expressamente
previsto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988: ”todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público
exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus
advogados, ou somente a estes.” Assim, a motivação das decisões é uma
exigência constitucional imposta ao juiz.
O CPCB também exige que o juiz motive as suas decisões
com base nas provas dos autos e que sejam obedecidas algumas regras legais,
assim a lei exige o tipo de prova para que determinado fato seja considerado
legalmente provado, independentemente da convicção do juiz.
Desta, forma, o juiz deve julgar as questões de fato segundo
as provas, trazidas pelos litigantes, não podendo julgar além do que foi pedido ou
sobre coisa diversa. Contudo, o juiz não está limitado em questões de direito,
possuindo poderes para a condução do processo, sem depender exclusivamente
à iniciativa das partes.
Embora caiba ao autor da ação a demonstração do seu
direito, ou, como explicita o próprio Código de Processo Civil, os fatos
206 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil. p. 92.
84
constitutivos do seu direito e, ao réu cabe apresentar os fatos que possam
desconstituir o direito do autor, modificando-o, impedindo-o ou extinguindo-o,
conforme preleciona em seu artigo 333, do CPC, a admissibilidade das provas é
prerrogativa do juiz, de acordo com o art. 130 do mesmo diploma legal, uma vez,
que é dirigida não somente a ele, mas as partes contrárias e a sociedade.
3.3 A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO JUIZ
A responsabilidade dos juizes, na idade média, era objetiva
e absoluta, após evoluiu e passou-se a uma fase de total irresponsabilidade dos
juizes por seus atos, a qual visava o livre exercício da jurisdição na solução dos
conflitos.
Obtempera SILVA207:
[...] no tempo de Carlos Magno, havia um decreto determinando que o litigante fosse a casa do juiz tardinheiro, vivendo às suas expensas, até que ele solucionasse o caso pendente. Entre os germanos assistia ao contendor vencido o direito de desafiar, em duelo, o magistrado que o julgara. Se levasse a melhor, anulava-se a decisão, porque tal se manifestara a vontade de Deus. [...]
Essa mentalidade evolui a ponto de chegar-se à irresponsabilidade total dos juízes pelos seus atos jurisdicionais, em face da preocupação, mais recente, com os seus direitos e garantias, para que pudessem exercer com liberdade as suas funções.
Essa evolução aparece ter ocorrido através do advento da irresponsabilidade do Estado (...). Como o juiz sempre exerceu, no passado, a função delegada do monarca, quando este não o fazia pessoalmente, não se pode desprezar a idéia de que, reconhecida a irresponsabilidade dos monarcas, dever-se-ia admitir, indiretamente, a irresponsabilidade dos seus delegados mais importantes, em face dos jurisdicionados.
A responsabilidade dos magistrados é classificada quanto ao
sujeito, que pode ser direta e indireta. Quanto a natureza ela pode ser civil, penal, 207 SILVA, Octacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 281-282.
85
administrativa ou disciplinar.
SILVA208 trás em sua obra a seguinte classificação segundo
Cappeletti que a divide em:
A) responsabilidade política, subdividida em: a) responsabilidade do juiz ante os órgãos políticos; b) responsabilidade constitucional; B) responsabilidade popular; C) responsabilidade do Estado e do Juiz; D) responsabilidade pessoal do juiz, subdividida em: a) penal; b) civil; c) disciplinar; d) ressarcitória (quando o Estado assume a obrigação indenizatória).
Devido o objetivo de esta pesquisa ser somente no âmbito
da responsabilidade civil, passa-se a abordar a responsabilidade pessoal do juiz,
sendo que a responsabilidade civil do Estado por seus atos jurisdicionais na
esfera civil será apreciada com profundidade no próximo item.
A responsabilidade pessoal do juiz é indireta, de acordo com
o art. 37, parágrafo 6º da CRFB/88, uma vez que a pessoa lesada pelo ato da
administração nada tem a ver com o agente causador do dano (juiz), haja vista
seu direito constitucionalmente reconhecido, é de ser reparado pela pessoa
jurídica, e não pelo agente direto da lesão.
No caso, porém, da responsabilidade pessoal do juiz, até
para preservar a sua independência, este somente responderá pessoalmente
pelo danos injustos causados dolosamente ou com fraude, também, quando,
sem motivo razoável, retardar, recusar ou omitir medidas que deveria ordenar.
Leia-se, a propósito, o art. 133 do CPC:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas
208 SILVA, Octacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 281-282.
86
no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender ao pedido dentro de 10 (dez) dias.
Na mesma linha e com as mesmas palavras, prescreve a Lei
Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura), art. 49:
Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.
Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.
As condutas disciplinadas no art. 133 do CPCB em seu
inciso I, refere-se às violações intencionais, por parte do juiz, dos seus deveres de
officio, sempre configurando crimes. Nestes casos, somente haverá a
responsabilidade civil com a responsabilidade penal.
O inciso II do art. 133 do CPCB enumera casos em que o
juiz não agindo de forma correta e não cumprindo com as obrigações do seu
ofício, prevarica por omissão, recusando, omitindo ou retardando providencias
que deve determinar de oficio ou a requerimento das partes.
A grande dificuldade de fazer provas destas condutas esta
em como provar o elemento psicológico da recusa, da omissão ou do retardo.
Assim para a caracterização exige o parágrafo único do art em análise, que a
parte requeira por intermédio do escrivão o adimplimento do ato judicial e que
este não proceda.
Analisando o inciso II, do art. 133, e também o art. 121,
ambos do CPCB, tem-se em CAVALIERI FILHO209:
209 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. p.207-208.
87
[...] Assim, pela demora na decisão de uma causa responde civilmente o juiz quando incorrer em dolo ou fraude ou, ainda sem justo motivo, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de ofício ou a requerimento da parte (RE 70.121-MG, RTJ 64/689).
Assim, verifica-se que em alguns casos é o juiz
pessoalmente responsabilizado, já em outras o Estado é responsável
exclusivamente pelos atos de seu agente público, ou ainda responde por este e
após exerce seu direito de regresso.
Neste diapasão menciona DERGINT210:
Porém, tanto no processo civil quanto no penal, o Estado desempenha indistintamente (através do juiz seu agente) a função jurisdicional. Ademais, o ato jurisdicional danoso pode derivar de culpa ou dolo do magistrado, não havendo como negar indenização à vítima a cargo do Estado, que responde a título principal, de modo a garantir a vítima contra a eventual precariedade econômica do magistrado. Não se pode esquecer que o juiz age em nome do Estado – este tirando proveito da atividade daquele (e, portanto, respondendo pelos danos por ela ocasionalmente gerados).
Sobre o direito de regresso contra o juiz que tenha agido por
ato positivo ou negativo, LEITE211 dispõe que “[...] tendo o Estado ressarcido a
vítima do ato danoso, praticado pelo juiz no exercício de sua função jurisdicional
com dolo ou culpa grave, pode agir regressivamente contra o juiz faltoso [...]”.
Os requisitos para o Estado propor á ação de regresso
contra o magistrado na visão de LASPRO212 são: “o pagamento a título ressarcitório
à vitima; que este tenha ocorrido após o juízo de admissibilidade da demanda, e
que este seja fundado em título judicial ou extrajudicial”.
Seguindo com DERGINT213:
210 DERGINT, Amaral Augusto do. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 183. 211 LEITE, Rosimeire Ventura. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p. 93. 212 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 303. 213 DERGINT, Amaral Augusto do. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 189.
88
Exsurge a responsabilidade estatal notadamente quando o órgão judicial, tendo o dever de impedir a ocorrência de um dano, não o evita. Tal sucede nos casos em que, não obtida a concessão de uma medida liminar requerida, prolata-se decisão final favorável, porém no momento em que o bem, para o qual se buscou proteção, deteriorou-se ou mesmo pereceu. A inoportuna concessão da medida liminar denota a ineficácia da respectiva sentença e o defeituoso funcionamento do serviço judiciário, que engendra a responsabilidade do Estado-juiz.
Se a concessão, a não concessão ou a omissão da medida liminar (a causar dano injusto) decorrer de culpa ou dolo do juiz, responde, de qualquer forma, o Estado, cabendo-lhe, sim, a ação regressiva contra este agente público (nos termos do art. 37, § 6°, da Constituição Federal).
O juiz é uma pessoa humana sendo assim passível de erros,
porém erra inconscientemente ou por exceção. Não se pode, contudo, admitir-se
incondicionalmente o direito ressarcitório por parte da parte lesada na demanda
judicial, o que levaria a um grande aumento das ações contra os juízes, as quais
acabariam uma gerando a outra indefinidamente, causando assim um enorme
aglomero a atividade judiciária e trazendo ainda a intranqüilidade para os
magistrados, para os próprios litigantes e para a sociedade, que seria afetada na
sua estabilidade comprometendo a segurança jurídica.
A ação rescisória é um dos remédios concedidos à parte
descontente com a decisão, porém, este descontentamento dever-se-á fundar nas
hipóteses previstas no art. 485 do CPC que são a prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz ao julgar o caso concreto. Neste diapasão, traz SILVA 214:
O primeiro requisito da ação rescisória em nossa legislação processual (art. 485, I) é quando verificar-se que a sentença de mérito foi dada por prevaricação do juiz, concussão ou corrupção do juiz. Não se trata de responsabilidade civil propriamente dita, mas esta poderá ocorrer indiretamente; havendo o fato delituoso, poderá haver processos criminal e administrativo. Em caso de condenação, poderá haver ressarcimento civil em certas circunstâncias [...].
214 SILVA. Otacílio de Paula. Ética do magistrado à luz do direito comparado. p. 294.
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DERGINT215 trás em sua obra que: “[...] No Direito
contemporâneo, a responsabilidade do Estado é a regra geral. Se uma decisão
revisada, por via de ação rescisória, gerou um dano, nada se opõe a que o
Estado seja condenado pelo mau funcionamento do serviço judiciário”.
O magistrado se sujeita somente a lei, uma vez que nosso
sistema jurídico contempla o principio da independência da magistratura no
exercício de suas atribuições, assim, o magistrado se sujeita somente a lei, sendo
inteiramente livre na formação de seu convencimento e na observância dos
ditames de sua consciência, evitando assim de que o magistrado seja alvo
indiscriminado de demandas ressarcitórias, advindas das partes litigantes.
O juiz não pode furtar-se à prestação da tutela jurisdicional,
uma vez que investido no poder de jurisdição tem obrigação de prestar a tutela
jurisdicional, não se trata de uma mera faculdade. Após o ajuizamento da ação,
não pode o magistrado se negar ao julgamento do pleito subjetivo, sob alegação
de lacuna na lei, devendo recorrer-se, à analogia, aos bons costumes e aos
princípios gerais do direito.
Como ente do Estado encarregado da solução dos conflitos
de interesses que surgem na sociedade, cabe assim ao Poder Judiciário em
matéria processual civil, através de seus órgãos, aplicar a lei obedecendo aos
princípios que regulam os procedimentos, meio para que se chegue do pedido,
feito através da ação, até a sentença, ato de encerramento da prestação
jurisdicional, de forma regular, garantindo aos litigantes uma atuação, serena, e
acima de tudo, justa.
A independência dos juizes, não possibilita que os mesmos
pratiquem abusos e arbitrariedades, e nem para que sejam isentos de
responsabilização pessoal, quando no exercício de suas funções, agirem com
dolo ou fraude e causar danos aos jurisdicionados. Cabe, assim ao Estado,
reparar os danos diretamente aos lesados e após mover ação de regresso contra
seu agente público para assegurar a eficácia da reparação e assegurar a
215 DERGINT, Amaral Augusto do. Responsabilidade do Estados por atos judiciais. p. 185.
90
independência do órgão jurisdicional.
3.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO JUD ICIÁRIO, DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA E PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Como já foi explanado o posicionamento do instituto da
responsabilidade Civil do Estado nos dias atuais representa um panorama de sua
evolução no decorrer dos tempos, partindo de um período de completa
irresponsabilidade do Estado, após evoluindo para raras responsabilizações
pessoais do juiz, e nos dias atuais, ostenta-se a responsabilização do Estado por
atos danosos praticados pelos magistrados contra os interesses dos
jurisdicionados, independente de culpa e dolo.
Há de ressaltar, contudo, deve haver a ocorrência de um
dano e o nexo de causalidade entre a atividade do juiz e o prejuízo injusto
suportado, conforme nos ensina LASPRO216: “[...] No caso da atividade
jurisdicional, deverá a parte demonstrar que seu prejuízo, moral ou patrimonial, é
resultado da ação ou omissão do Estado-Jurisdição, seja por seu principal agente,
o juiz, seja em virtude de falha da própria estrutura estatal”.
Ensina DERGINT217:
A teoria da irresponsabilidade do Estado, antes predominante (admitida, quando muito, a responsabilidade pessoal dos magistrados, cedeu gradativamente espaço àquela mais recente e realista que sustenta que, pelos danos que os atos judiciais causem ao jurisdicionado, deve responder o Estado (mesmo se ausente a culpa ou dolo magistrado). Na doutrina atual (brasileira e estrangeira), pode-se dizer que a tese da responsabilidade encontra aceitação majoritária inclusive, alguns autores, que antes a refutavam, passaram a defendê-la) (...).”
Nossa Constituição Federal preleciona um Estado
216 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 175. 217 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 158.
91
Democrático de Direito, e, observando deste prisma, não se pode conceber que
um serviço público – a atividade jurisdicional – seja imune a qualquer controle ou
responsabilidade. Neste sentido, ensina DERGINT218:
A idéia de responsabilidade estatal decorre, como conseqüência lógica e inevitável, da noção de Estado de Direito, em que o Poder Público submete-se ao Direito. Os órgãos exercentes da função judiciária e das demais funções estatais engedram, assim, a responsabilidade estatal por sua atividade danosa. Em decorrência mesmo do princípio da igualdade. O Estado-juiz é tão responsável por seus atos lesivos quanto o Estado-administrador (ou o Estado-legislador).
Quando a Constituição de 1988 utiliza a palavra agente,
compreende o servidor contratado, o funcionário de fato ou temporário, qualquer
que seja a forma de investidura existirá a responsabilidade do Estado.
CAVALIERI FILHO219:
[...] a Constituição de 1988 colocou o dispositivo que agora disciplina a responsabilidade estatal no capítulo que trata genericamente da Administração Pública, dispondo em seu art. 37, que os princípios ali consagrados aplicam-se à Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Se não bastasse, o § 6ºdeste mesmo artigo não fala em funcionário, mas sim em agentes, que como já visto, compreende ‘todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função social’.
Como já visto, nos dias atuais os magistrados possuem uma
maior participação na prestação jurisdicional, essa maior participação dos juizes é
mais um dos fundamentos para que haja responsabilidade do Estado pelos atos
praticados pelos mesmos.
Neste diapasão, ensina LASPRO220:
218 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p.159-150. 219 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. p.209. 220 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 126.
92
Mauro Capeletti, tratando do crescimento da tendência à responsabilização pelo exercício da atividade jurisdicional, conclui que as razões para essa necessidade são as seguintes: maior participação do juiz na e através da atividade jurisdicional, a expansão da atividade legislativa, o surgimento dos direitos sociais e a massificação da atividade jurisdicional.
O Estado avocou para si a prerrogativa de dizer o direito ao
caso concreto, e face do art. 5º, XXXV da CRFB/88, assim tem o dever de
suportar os encargos advindos da atuação lesiva de seus agentes, devido ser
uma pessoa jurídica de Direito Público, o Estado possui aptidão para adquirir
direitos como para contrair obrigações, o que justifica mais uma vez sua
responsabilidade perante os danos causados por seus agentes.
Ensina DERGINT221:
Cumpre ao Estado a prestação da tutela jurisdicional. Para o cumprimento deste dever, em um período em que não mais se admite a vingança privada, serve-se de juizes que atuam em seu nome. Na eventualidade da ocorrência de um dano, derivado do exercício de tal função pelo órgão judicial, o Estado (a coletividade pública), que tira proveito (talvez indireto) da jurisdição civil, deve repará-lo ao jurisdicionado lesado.
A responsabilidade do Estado pelos atos praticados pelos
magistrados funda-se na regra geral de que o Estado deve ser responsabilizado
pelos prejuízos causados na organização ou no funcionamento do serviço público.
Neste sentido, leciona CAVALIERI FILHO222:
Ora, já ficou assentado que o arcabouço da responsabilidade estatal está estruturado sobre o principio da organização e do funcionamento do serviço público. E, sendo a prestação da justiça um serviço público essencial, tal como os outros prestados pelo Poder Executivo, não há como e nem por que escusar o Estado de responder pelos danos decorrentes da negligência judiciária, ou do mau funcionamento da Justiça, sem que isto moleste a soberania do Judiciário ou afronte o princípio da autoridade da
221 DERGINT, Amaral Augusto do. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 184. 222 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. p. 213.
93
coisa julgada.
A responsabilidade civil do Estado pela prestação
jurisdicional, tem o fito de proteger o juiz contra ações intimidatórias e
pertubatórias por parte dos litigantes que ficaram insatisfeitos, com a prestação
jurisdicional prestada, como também reparar a lesão sofrida pelo jurisdicionado.
Manifesta-se sobre o assunto SILVA223:
[...] a responsabilidade civil do juiz é praticamente absorvida pela responsabilidade do Estado, como expediente de equilíbrio entre a necessidade de resguardar a independência e tranqüilidade do magistrado contra ações, às vezes caprichosas, de parte dos jurisdicionados e, por outro lado, a garantia destes últimos de não permanecerem lesados nos seus interesses legítimos por ações desatentas ou até mesmo ilícita de parte dos órgãos jurisdicionais.
A responsabilidade objetiva do Estado é defendida por
LEITE224:
[...] ‘a responsabilidade do Estado qualifica-se como jurídica pelo fato de se verificar perante os órgãos de natureza jurídica e por decorrer de violações de direito’.
[...] Neste caso, pelos prejuízos causados aos particulares na prestação jurisdicional responde o Estado, exclusivamente-hipótese em que a parte lesada só poderá acionar o Estado e não o juiz diretamente – ou em concorrência com a responsabilidade pessoal do juiz.
Após o Estado responder perante o terceiro prejudicado,
este possui o direito de agir regressivamente contra o magistrado com o fito de
ser ressarcido, momento em que surge a denominada responsabilidade
compensatória ou ressarcitória do juiz.
Referente à responsabilidade decorrente dos atos judiciais,
têm-se a tendência de só admiti-la quando houver expressa previsão legal,
restringindo-se assim, na hipótese de erro judiciário, a qual a indenização é
223 SILVA, Octacílio de Paula. Ética do Magistrado à luz do direito comparado. p. 285. 224 LEITE, Rosimeire Ventura. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. p. 86.
94
constitucionalmente garantida.
Complementando o acima exposto, dispõe LASPRO225:
Ora, se o juiz não é um simples espectador do debate entre as partes atuando com maiores poderes dentro do processo e, paralelamente, com maior margem de interpretação, é natural que a possibilidade de também errar aumente, o que coloca os consumidores da atividade jurisdicional com mais sujeição a danos que, por óbvio, devem ser ressarcidos.
A responsabilidade do Estado pode ocorrer tanto por atos
lícitos como por atos ilícitos, conforme ensina LASPRO226:
Os atos lícitos indenizáveis são aqueles que, embora praticados, em princípio, dentro do estrito cumprimento das normas estabelecidas, geram um dano passível de reparação.
[...]
Do outro lado, temos os atos ilícitos, aqueles, que de algum modo, praticados em desconformidade com as normas preestabelecidas ou que atingem resultados que não se coadunam com as finalidades buscadas. Assim, se do ato anormal surge um dano, nasce o direito ao ressarcimento.
Na categoria de atos lícitos, estão aquelas hipóteses em que
o Estado atua em conformidade com os termos das normas estabelecidas,
contudo, ensejam prejuízos desproporcionais ao esperado, para a configuração
do dano indenizável por ato licito é necessário que esteja demonstrado a
anormalidade e a especialidade. Por outro lado, os atos lícitos são aqueles atos
praticados em desconformidade com as normas estabelecidas pelo ordenamento
jurídico.
A atividade judiciária danosa compreende todas as
atividades prestadas pelo Poder Judiciário passiveis de ocasionarem danos, as
quais se apresentam de formas diversas. No presente estudo, se discorrerá
apenas sobre algumas hipóteses de atividade jurisdicional danosa, tais como o
225 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 130. 226 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 204-205.
95
erro judiciário, denegação de justiça e a demora na prestação jurisdicional, os
dois últimos ferindo o princípio de que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CRFB/1988).
3.4.1 Do erro judiciário
Passa-se, neste item, a analisar as hipóteses de
responsabilização estatal provenientes da ocorrência de erro judiciário.
O erro judiciário é a hipótese de prestação jurisdicional mais
aceita na doutrina pesquisada da qual enseja a responsabilidade civil do Estado,
ele compreende a prestação jurisdicional danosa que ocorre quando há uma
atuação equivocada do agente público.
Deriva-se do latim error, do verbo errare, tem-se como a
falsa concepção acerca de uma pessoa, de uma coisa ou de um fato. È a idéia
contrária à verdade, podendo ser o falso tomado como verdadeiro e o verdadeiro
como falso.
LASPRO227 o define como sendo “[...] todo ato jurisdicional
que, seja pelo mau enquadramento dos fatos ao mundo jurídico do direito seja
pela errônea aplicação das normas viola regras de natureza processual ou
material, em qualquer dos ramos de direito”.
Pode assim ser visualizado como sendo qualquer equivoco
ou vicio na manifestação do magistrado, seja por culpa, ou por ignorância. Outra
premissa a ser destacada em relação ao erro judiciário é a que este se classifica
em erro lato sensu e erro estricto sensu.
FIGUEIRA JÚNIOR228 explana com propriedade acerca desta
distinção:
Dentro da distinção imposta tradicionalmente, o Erro Judiciário stricto senso enquadrar-se-ia naquelas figuras descritas no art. 133 do Código de Buzaid (procedimento culposo – culpa grave –
227 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 223. 228 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Responsabilidade civil do Estado-juiz. p. 56.
96
ou doloso; recusa, omissão ou retardamento sem justo motivo de providências que deveria tomar de oficio ou a requerimento da parte).
[...] De outra parte, o Erro Judiciário lato senso estaria enquadrado nas hipóteses de mau funcionamento da máquina administrativa.
O erro judiciário pode ocorrer tanto no ato de julgar como
nos atos de procedimento. No ato de julgar, segundo ALVES229, “o erro de direito
não responsabiliza civilmente os juizes, por que essa responsabilidade civil do juiz
só se dá se ele julga com dolo ou fraude”.
Não se pode confundir o erro com a independência que o
magistrado têm no exercício da judicatura. A independência é a forma do juiz
interpretar os institutos, as normas, enfim, o Direito. O erro, como acima exposto,
é uma falsa idéia de algo, que leva a uma inexata mensuração da situação.
Sobre a responsabilidade do Estado por erro judiciário na
obra de SILVA230 observa-se:
[...] tem conotação legal e não política ou social e se realiza por procedimentos jurisdicionais (e não através de outros poderes). Essa responsabilidade é também chamada vicácia, visto que o Estado substitui o juiz nos seus erros, quando legalmente admitidos para fins indenizatórios. O caso mais comum e admitido em muitas jurisdições é o do erro. A justificativa lógica é que a justiça pública representa o Estado e o erro, no caso, embora, através de órgão jurisdicional, tem haver com o Estado no seu todo, devendo este, portanto, ressarcir eventuais prejuízos aos jurisdicionados.
Seguindo no entendimento de CAVALIERI FILHO231:
Nem sempre será tarefa fácil identificar o erro, porque para configurá-lo não basta a mera injustiça da decisão, tampouco a divergência na interpretação da lei ou na apreciação da prova. Será preciso uma decisão contrária à lei ou à realidade fática,
229 ALVES, Rodrigues Vilson. Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes dos
poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo II, p. 108. 230 SILVA, Octacílio de Paula. Ética do Magistrado à luz do direito comparado. p. 284. 231 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. p. 210.
97
como por exemplo, a condenação de pessoa errada, aplicação de dispositivo legal impertinente, ou o indevido exercício da jurisdição, motivada por dolo, fraude ou má-fé.
DERGINT232, trás em sua obra que: “O erro judiciário deve ser
tido como um risco inerente ao próprio exercício da função jurisdicional. Cabe,
pois, ao Estado assumi-lo, reconhecendo-se devedor, todas as vezes em que um
ato judicial provocar um dano injusto.”
A norma contida no art. 5º, LXXV, da Constituição de 1988,
determina que o Estado tem o dever de indenizar o condenado por erro judiciário,
assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
Importante destacar que o erro judiciário supra mencionado
não engloba apenas o erro penal, mas também o erro na esfera civil, trabalhista,
eleitoral e em todos os demais ramos do direito.
Conjugando o parágrafo 6º do art. 37 com o art. 5º, inciso
LXXV, ambos da CRFB/1988, verifica-se que a intenção do constituinte originário
foi garantir ao indivíduo a prevalência de seus direitos em face do Estado,
fornecendo fundamentos para as partes que tenham sofridos danos possam
pleitear o seu ressarcimento, danos os quais podem surgirem das diversas formas
de atuação do Estado, inclusive a prestação jurisdicional.
Como já visto o erro judiciário praticado pelo magistrado
pode ocorrer tanto em sede processual (error in procedendo) como no material
(error in judicando), em qualquer tipo de decisão, afastando a doutrina, contudo, a
responsabilização nos despachos, conforme se tem em LASPRO233:
Ainda que a idéia de erro judiciário esteja, mais das vezes, relacionada à sentença, como ato jurisdicional que põe termo ao processo, a verdade é que o erro judiciário pode estar presente em qualquer tipo de decisão do juiz, ficando afastado despacho, na medida em que tendo por escopo simplesmente o andamento à demanda, impossível que cause gravame capaz de gerar direito
232 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 160. 233 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p.211.
98
ao ressarcimento.
(...)
Assim, podemos ter tanto erro in procedendo como erro in judicando, ou seja, o erro pode ser fruto do descumprimento ou da má aplicação, tanto das normas materiais, como das processuais; pode ser tido na decisão que extingue o processo, como pode ter ocorrido durante o desenvolvimento deste. Deve, contudo, ser lembrado que o primeiro normalmente não é tão facilmente identificável como o segundo, gozando este último de maior aceitação na doutrina e na jurisprudência.
Como exemplo de erro judiciário negativo, podemos citar a
não concessão de liminar, onde restarem demonstrados os requisitos do fumus
boni iuris, o periculum in mora,
Assim dispõe DERGINT234 em sua obra:
Exsurge a responsabilidade estatal notadamente quando o órgão judicial, tendo o dever de impedir a ocorrência de um dano, não o evita. Tal sucede nos casos em que, não obtida a concessão de uma medida liminar requerida, prolata a decisão final favorável, porém, no momento em que o bem, para o qual se buscou proteção, deteriorou-se ou até pereceu. A inoportuna concessão da medida denota a ineficácia da respectiva sentença e o defeituoso funcionamento do serviço judiciário, que engedra a responsabilidade do Estado-juiz.
Assim, tanto a concessão como a não concessão ou a
omissão da medida liminar que acarretar um dano injusto que decorrer de culpa
ou dolo do juiz, o Estado é responsável pela indenização, assegurado-lhe o direito
de regresso contra o agente público.
3.4.2 Da denegação de Justiça
A constituição Federal, traz em seu art. 5º XXXV, o princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional, quando dispõe que “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Sendo o juiz,
234 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p.189.
99
competente, tem este o dever de se manifestar-se no caso aplicando a lei à
analogia, os costumes ou os princípios constitucionais de direito.
Deve o Estado proporcionar aos indivíduos a tutela dos
conflitos intersubjetivos em que encontram envolvidos sob pena de configurar
lesão passível de reparação por parte deste ente público.
A deficiência funcional funcional ou instrumental do Poder
Judiciário, a recusa, o silêncio e a negação da prestação jurisdicional devem ser
sancionados.
DERGINT235 dispõe em sua obra que:
Em um sentido amplo, toda deficiência na organização ou no exercício da função jurisdicional, que implique em uma falta do Estado quanto ao seu dever de proteção judiciária, configura uma denegação de justiça. Como se sabe, o Estado é responsável por um certo grau de perfeição tanto da organização quanto do funcionamento de seu serviço judiciário.
Podemos concluir que em um sentido estrito, a denegação
de justiça, consiste na negação do Estado-juiz em oferecer a devida proteção aos
direitos de seus cidadãos através da prestação da tutela jurisdicional.
Qualquer hipótese de falta de serviço judiciário enseja a
responsabilização estatal pelos danos que causarem aos jurisdicionados, como
demonstra LEITE236:
Já a denegação de justiça consiste na recusa, omissão ou no atraso, por parte do magistrado, em cumprir ato de seu ofício, quando vencido o prazo legal para a realização do mesmo. Exige-se, no entanto, que o interessado tenha apresentado um pedido para obter a medida, decorrendo trinta dias sem que o ato tenha sido praticado, injustificadamente [...].
Como já mencionado o juiz não pode eximir-se de aplicar o
direito, mesmo alegando lacuna ou obscuridade da lei, conforme está disciplinado
235 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 189. 236 LEITE, Rosimeire Ventura. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 189.
100
na lei de introdução do Código Civil, a negativa de aplicar o direito ao caso
concreto vai contra nosso ordenamento jurídico e constitui denegação de justiça.
O CPCB, no art. 133, em seu inciso II, dispõe sobre as
hipóteses de denegação de justiça que acarretam a responsabilidade do juiz, por
perdas e danos, quando “recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo,
providencia que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte”.
A caracterização destas hipóteses, segundo o parágrafo
único do artigo em comento, somente ocorrerá “depois que a parte, por intermédio
do escrivão, requerer ao juiz que determine a providencia e este não lhe atender
ao pedido dentro de dez dias”.
Toda omissão do juiz para com o seu dever de bem
desempenhar a direção do processo, principalmente de julgá-lo, dentro de um
prazo estabelecido ou para que a decisão seja efetiva para as partes, consiste em
denegação de justiça.
A responsabilidade do Estado pela denegação de justiça,
segundo DERGINT237 está “[...] fundada, notadamente, na teoria da faute du
service, uma vez que os danos, eventualmente causados decorrem de conduta
ilícita, principalmente omissiva, do órgão judicial”.
O mau funcionamento do judiciário, pode ser decorrente dos
atos omissivos dos magistrados como também dos atos omissivos dos auxiliares
da justiça que trabalham para que a máquina judiciária caminhe de forma regular.
Dispõe LASPRO238 em sua obra:
Desta maneira, o funcionamento anormal da atividade jurisdicional deve ser relacionado ao descumprimento das normas jurisdicionais pela omissão de seu agente ou em razão da falta ou da má estrutura dos órgãos competentes para seu exercício, que ‘consiste na negação do Estado juiz em oferecer a devida proteção aos direitos de seus cidadãos mediante a prestação da
237 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 193. 238 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 226.
101
tutela jurisdicional’.
[...]
Se mais não fora, enquanto no erro judiciário o dano é oriundo da atividade jurisdicional e, portanto, de ato do juiz nas hipóteses de anormal funcionamento da atividade jurisdicional, este pode ser causado também pelos auxiliares do judiciário que colaboram com o juiz para que o processo tenha um desenvolvimento regular.
Por derradeiro, transcrevo a manifestação do Ministro DELGADO
239:
A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a morosidade da Justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência dos seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a negação da Justiça por retardamento da entrega jurisdicional. Outro caminho não tem o administrado, senão o de voltar-se contra o próprio Estado que lhe retardou justiça e exigir-lhe reparação civil pelo dano, pouco importando que tal via também enfrente idêntica dificuldade. Só o acionar já representa uma forma de pressão legítima e publicização do seu inconformismo com a Justiça emperrada, desvirtuada e burocrática.
A doutrina crescente manifesta-se no sentido de reconhecer
a responsabilidade do Estado pela má prestação da tutela jurisdicional,
abrangendo o dever de reparar tantos dos atos comissivos, como os atos
omissivos.
3.4.3 Da demora na prestação da tutela jurisdiciona l
O Estado, através do Poder Judiciário tem não apenas o
dever de prestar a atividade jurisdicional, como também de fazê-lo com eficiência
e celeridade, contudo a demora no andamento dos processos ocorre em face do
deficiente aparelhamento do poder judiciário ou pela desídia do juiz ou ainda por
outros fatores.
O dever do Estado em prestar a tutela da prestação 239 DELGADO, José Augusto. Responsabilidade Civil do Estado – a demora na entrega da
prestação jurisdicional. Revista Jurídica 226 / 5.
102
jurisdicional dentro de prazos fixados em lei, decorre do princípio da legalidade,
como já estudado o processo civil começa por iniciativa das partes mas se
desenvolve por impulso oficial, assim, os atos devem serem praticados dentro dos
prazos fixados em lei, ou no mínimo em prazos razoáveis.
A demora na prestação jurisdicional vem causando um
descrédito muito grande na sociedade quanto ao judiciário, o que afasta o
jurisdicionado e estimula a autotutela, promovendo a perda de direitos e a
desordem social. Não se pode, mais permitir, que um provimento jurisdicional
tardio, embora correto, seja inoperante e ineficaz.
Assim, ensina DERGINT240 que, “Observe-se, por outro lado,
que demora não significa erro na sentença, uma vez que a precede. Mas a
decisão retardada, inobstante correta e conforme a lei, pode ser inoperante”.
Como já trabalhado no capitulo anterior, o art. 133, inciso II,
do CPC, e também o art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura, trazem, que
“responderá por perdas e danos o juiz quando (...) retardar sem justo motivo,
providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte”.
Neste diapasão, assinala VARGAS241:
No caso da demora do serviço judiciário, pode o jurisdicionado ser prejudicado sem que o juiz tenha agido com culpa grave ou dolo, mas o prejuízo existindo, existirá a responsabilidade não pessoal do juiz, mas do Estado. O juiz pode estar com excesso de serviço, ou a Comarca estar vaga; não há que se indagar de culpa ou dolo, mas o prejuízo ocorreu e por ele a administração responde, nisto consiste a responsabilidade objetiva.
‘[...] a culpa ou dolo do agente, caso haja, é problema das relações funcionais que escapa à indagação do prejudicado. Cabe à pessoa jurídica acionada verificar se seu agente operou culposa ou dolosamente para o fim de mover-lhe ação regressiva assegurada no dispositivo constitucional, visando a cobrar as
240 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. p. 196. 241 VARGAS, Jorge de Oliveira. Responsabilidade civil do estado pela demora na prestação da
tutela jurisdicional. p.32.
103
importâncias despendidas com o pagamento da indenização’.
Não pode o Estado sob a alegação que o Poder judiciário
está sobrecarregado, que não possui números de juizes suficientes, bem como
que o serviço judiciário não tem o aparelhamento necessário nem recursos
materiais suficientes, ser eximido de sua responsabilidade.
No entanto, há casos, e que existe o justo motivo, para que
o processo fique parado, fatos este que excluem o juiz da condição de culpa ou
dolo, como nos casos em que é necessário a realização de uma perícia ou o
retorno de uma carta precatória, de ordem, rogatória, ou até mesmo depara-se
com a greve do judiciário. Nestes casos, afasta-se as existência num primeiro
momento do nexo de causalidade entre o retardo da providencia a ser tomada
pelo juiz e o dano sofrido pela parte.
O atraso na prestação da tutela jurisdicional, proveniente do
mau aparelhamento de recursos materiais e pessoais do Poder Judiciário, ou os
decorrentes de desleixo dos magistrados, devem serem ressarcidos pelo Estado,
já que este deve oferecer um serviço judiciário de qualidade.
O prejudicado pela demora na prestação jurisdicional pode
ingressar com a ação de reparação em face do Estado, em decorrência de sua
responsabilidade objetiva, pois a este incumbe indenizá-lo e, posteriormente,
ingressar com ação regressiva contra o agente nos casos em que este agiu com
culpa ou dolo no exercício de sua função.
A demora na prestação jurisdicional, qual seja, a sua causa,
possua ou não a culpa ou dolo do magistrado, representa um prestação imperfeita
do serviço público, o serviço público pode até acontecer mais tardiamente o que é
suficiente para gerar a responsabilidade estatal, fundamentada na teoria da faute
du service.
Alguns doutrinadores, como Laspro e Vargas, citados neste
trabalho, consideram a demora na prestação jurisdicional como uma espécie do
gênero da denegação de justiça, mas que diante de sua importância preferiu-se
tratá-la separadamente.
104
Neste diapasão, menciona LASPRO:242
Assim, deve o particular que sofreu as angústias e os prejuízos patrimoniais, em razão da excessiva duração de um processo, ser ressarcido pelos danos que lhe foram causados, na medida em que, a vítima de algo mais grave que o erro judiciário, a verdadeira omissão é a denegação de Justiça.
Complementando com o postulado do devido processo legal,
defende LASPRO243:
Aliás, partindo do pressuposto que o devido processo legal exige e garante ‘a obediência à lei para a obtenção de julgamento adequado, justo e équo, conforme aos princípios constitucionais, que atuam concorrentemente e não de forma singular, a todos os indivíduos, protegendo-os de qualquer discriminação’, é evidente que o julgamento de uma causa fora dos limites razoáveis de um prazo constitui violação a esse regramento, na medida em que as legislações processuais, normalmente, fixam prazos para a prática de atos processuais, constituindo anomalia punível seu reiterado descumprimento.
Muitas pessoas deixam de lutar pelo exercício de seus
direitos ou se utilizam da autotutela, por desacreditar do Poder Judiciário, devido
este ser muito moroso e em razão do oneroso custo processual. Estas são duas
das causas de afastamento do judiciário que são citadas por VARGAS244: [...] o que
mais prejudica o jurisdicionado é a demora, pois o custo, em muitas hipóteses é
afastado, como por exemplo, quando a parte recebe os benefícios da assistência
judiciária ou pleiteia seu direito de jurisdição onde há isenção de custas.
Segundo DELGADO245:
O atual sistema positivo brasileiro permite a existência de condições que façam imperar, sem nenhum ataque ao
242 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 232. 243 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. p. 231. 244 VARGAS, Jorge de Oliveira. Responsabilidade civil do estado pela demora na prestação da
tutela jurisdicional. p. 61. 245 DELGADO, Augusto José. Responsabilidade do Estado: Ato Jurisdicional. Disponível na
Internet site: http://bdjur.stj.gov.br, texto acessado em 27 de outubro de 2008.
105
ordenamento jurídico, o principio de que deve o Estado responder pela demora na prestação jurisdicional, desde que fique demonstrada a ocorrência de lesão ao particular.
O autor246 supra mencionado, em defesa do afirmado,
elenca os seguintes fundamentos:
a) o sistema jurídico sobre a responsabilidade do Estado está vinculado à teoria objetiva; b) o juiz, mesmo fazendo parte de uma categoria especial de funcionários, por ser agente político, age em nome do Estado e atua como membro de um dos seus poderes; c) Estado e juiz formam um todo indissociável, pelo que, se o magistrado causa dano ao particular, por demora na prestação jurisdicional, cabe ao Poder Público responder patrimonialmente; d) o artigo 5º, XXXV, da CF, não permite que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. É o Estado assegurado o pronunciamento judicial como único meio de estabilizar definitivamente os conflitos. Responderá, portanto, pelos prejuízos resultantes da sua má atuação em fazer aplicar tal dogma constitucional; e) a finalidade da tutela jurisdicional e garantir que o direito objetivo material seja obedecido. Para tanto, estabelece a obrigatoriedade de o juiz cumprir determinados prazos fixados pelo direito formal.
FIGUEIRA JÚNIOR247, a responsabilidade civil decorrente da
atividade jurisdicional pode ser:
a) decorrente de ato ilícito (omissivo ou comissivo – dolo ou fraude); b) por recusa, omissão ou retardamento de providência que deva tomar, de ofício ou a requerimento da parte, sem justo motivo (culpa grave); c) disfunção da Administração da Justiça (deficiência no funcionamento da máquina judiciária); d) erro no oferecimento da tutela jurisdicional (erro judiciário ou erro stricto sesu).
DELGADO248 menciona o julgamento proferido pelo STF, em
21 de julho de 1966, no Recurso Extraordinário n° 3 2.518, quando, embora
246 DELGADO, Augusto José. Responsabilidade do Estado: Ato Jurisdicional. Disponível na
Internet site: http://bdjur.stj.gov.br, texto acessado em 27 de outubro de 2008. 247 FIGUEIRA JÚNIOR. Joel Dias. Responsabilidade civil do Estado-juiz. p. 58. 248 DELGADO, Augusto José. Responsabilidade do Estado: Ato Jurisdicional. Disponível na
Internet site: http://bdjur.stj.gov.br, texto acessado em 27 de outubro de 2008.
106
vencido, o Ministro Aliomar Baleeiro expôs de forma brilhante:
[...] dou provimento ao recurso, porque me parece subsistir, no caso, responsabilidade do Estado em não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça, ocasionando, por sua missão de recursos materiais e pessoais adequados, os esforços ao pontual cumprimento dos deveres dos juízes. Nem poderia ignorar essas dificuldades, porque, como consta das duas decisões contrárias ao recorrente, estando uma das Comarcas acéfala, o que obrigou o juiz a atendê-la, sem prejuízo da sua própria – ambas constitucionais de serviço – a Comissão de Disciplina declarou-se em regime de exceção, ampliando os prazos.
A responsabilidade civil objetiva do Estado por atos
jurisdicionais apresenta-se inegável e, como leciona LEITE249:
[...] ante o principio do devido processo legal esculpido no art. 5º, XXXV, não há como negar a responsabilidade do Estado pelos atos judiciais, pois erigindo constitucionalmente à condição de órgão máximo de tutela dos direitos individuais, os danos ocasionados a esse direito por deficiência na prestação jurisdicional, por omissão na desincumbência de seu mister, constitucionalmente imposto, é o fundamento suficiente para a responsabilização do Estado pelos prejuízos causados aos que buscam na justiça a solução para os conflitos jurídicos e muitas vezes, sofrem prejuízos irreparáveis.
Filiando-se a corrente que defende a responsabilidade civil
do Estado, nos casos de um prestação juisdicional intempestiva, ALHEIROS DINIZ250
assim dispõe:
Na ausência de uma prestação jurisdicional tempestiva, o Estado deverá ser objetivamente responsabilizado, não só como contrapartida pela detenção do monopólio da jurisdição e recebimento de impostos e taxas dos usuários da Justiça, mas também, como fator de pressão, para obrigá-lo a encontrar os meios necessários para bem cumprir esse dever que lhe é imposto pelo regime democrático de direito, expressamente
249 LEITE, Rosimeire Ventura. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, p. 102-103. 250 ALHEIROS, Diniz Danielle. Responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação
jurisdicional. Disponível no site: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6205&p=3, texto acessado em 27 de outubro de 2008.
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acolhido na Carta magna do País.
É relevante mencionar que prescreve em três anos a
pretensão de reparação civil por parte do jurisdicionado prejudicado, ressaltando-
se ainda que este prazo inicia-se na data da ocorrência do dano.
Sobre a matéria se posicionou a Desembargadora Federal
do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Marisa Ferreira dos Santos, ainda
quando atuava na Justiça Federal de São Paulo, conforme traz ALHEIROS DINIZ251:
A morosidade da Justiça é a causa maior de seu descrédito pelo jurisdicionado: causa angústia, insatisfação. O Poder Judiciário, constitucionalmente investido na função da composição de conflitos, ao demorar para dar seu veredicto, acaba, ele mesmo, por ser causa de mais insatisfação e, conseqüentemente, de mais conflito. A Constituição Federal de 1988 assegura o acesso à Justiça. Ao lado da garantia constitucional do direito de ação está a triste realidade da tramitação morosa dos processos, que fulmina os direitos fundamentais do cidadão, acaba com as esperanças do jurisdicionado e aumenta o descrédito na Justiça. A mesma interpretação pode ser dada ao texto constitucional de 1967, vigente à época dos fatos. A Justiça brasileira está congestionada. Por quê? Porque lhe falta infra-estrutura mínima para funcionar e ser eficiente: instalações adequadas, funcionários qualificados, juízes em número suficiente leis processuais menos burocráticas. Mas, acima de tudo, é necessário que o próprio Estado seja o primeiro a cumprir a Lei, e não o maior causador de seu descumprimento. O jurisdicionado não pode pagar por essa situação lamentável em que nos encontramos. Cabe à União Federal, no caso, velar e zelar para que os serviços públicos, inclusive o serviço judiciário, sejam eficientes; cabe a esse ente político a criação de condições para que esse serviço seja bem prestado. De nada adianta o trabalho insano de Juízes e funcionários se a estrutura em que se assentam não é adequada ao serviço que devem prestar. Mas, repito, o jurisdicionado não deve pagar por isso. Continua ele a ter direito à prestação jurisdicional eficaz, ou seja, apta à solução dos conflitos. Se a União Federal, ente político incumbido da prestação do serviço, não o põe à disposição do jurisdicionado de
251 ALHEIROS, Diniz Danielle. Disponível no site: Responsabilidade civil do Estado pela morosidade
na prestação jurisdicional. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6205&p=3, texto acessado em 27 de outubro de 2008.
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modo eficiente, e se dessa deficiente atuação sobrevém, dano, incumbe-lhe indenizar.
A morosidade na prestação jurisdicional foi enquadrada
dentro da denegação de justiça, como a atividade jurisdicional que acarreta
prejuízos para os jurisdicionados. Sendo assim, segundo ALHEIROS DINIZ252: “[...]
Assim, deve o particular que sofreu as angústias e os prejuízos patrimoniais, em
razão da excessiva duração de um processo, ser ressarcido pelos danos que lhe
foram causados, na medida em que, vítima de algo mais grave que o erro
judiciário, a verdadeira omissão é denegação de justiça”.
SEABRA FAGUNDES apud DELGADO253 assim dispõe sobre o
assunto:
No Estado de Direito vige o principio da legalidade, segundo o qual todas as atividades do Poder Público são submissas à Constituição e as leis. E essa submissão significa o dever de acatar o direito escrito, quer para agir sem base nele, quer para agir sempre que lhe cumpra dar execução ás quaisquer textos de lei. Assim, sendo, o administrador nem pode obrigar a procedimento que a lei não impõe, nem pode negar direito que nela se acha enunciado. O não fazer o que deve ser feito por força de lei é tão violador do princípio da legalidade quanto dizer aquilo que a lei proíbe.
Foi a partir da Constituição Federal de 1946, que o Estado
passou a responder objetivamente pelos atos de seus funcionários,
independentemente da existência ou não da culpa do Estado, fundamentada esta
responsabilidade na teoria do risco.
Ante o exposto, apresenta a jurisprudência do STF254:
252 ALHEIROS, Diniz Danielle. Responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação
jurisdicional. Disponível na Internet no site: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6205&p=3, texto acessado em 27 de outubro de 2008.
253 DELGADO, Augusto José. Responsabilidade do Estado: Ato Jurisdicional. Disponível na Internet no site: http://bdjur.stj.gov.br, texto acessado em 27 de outubro de 2008.
254 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 109615. Disponível na Internet no site: http://www.stf.gov.br. Recorrente: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Recorrido: Nelma de Castro Dias de Oliveira. Ministro Celso de Mello. Rio de Janeiro (RJ), 28.05.1996.
109
A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vitima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público.
A jurisprudência pátria é majoritária no sentido de que a
responsabilidade do Estado por conduta omissiva é objetiva, neste diapasão, trás
em seu artigo GANDINI255:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – MÁ EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS – RISCO ADMINISTRATIVO – DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa (comissiva ou omissiva); c) do nexo causal entre o dano e a ação administrativa. – O Município tem, por obrigação, manter em condições de regular o uso e sem oferecer riscos, as vias públicas e logradouros abertos à comunidade (TJ – RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pedro Ligiéro – apud COAD 75286).
A própria jurisprudência assume e aplica o dispositivo
previsto no art. 37, § 6°, da Constituição de 1988, acerca da responsabilidade civil
direta e objetiva do Estado pelos atos praticados por seus agentes públicos,
assim, tendo em vista que os juizes se enquadram na qualidade de agentes
públicos estatais que exercem pública função de exercer a jurisdição, o Estado é
responsável por seus atos, em conformidade com sua responsabilidade objetiva,
fundamentada na teoria do risco administrativo.
255 GANDINI, João Agnaldo Donizet. A responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva.
Disponível na Internet no site: http://www.ufsm.br/direito/artigos/civil/resp-estado-omissiva.htm, texto acessado em 31 de outubro de 2008.
110
Leciona ainda a jurisprudência do STF256
Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteralidade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus domni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
Dá-se seguimento agora com a jurisprudência do TRF/RS257,
averiguando-se as hipóteses de responsabilidade direta do Estado pelo ato
jurisdicional lesivo, seguida da caracterização do dolo da juíza no exercício da
prestação jurisdicional e, o reconhecimento do direito de regresso do Estado
contra a mesma.
Dano moral decorrente de sentença de magistrada. ‘JOÃO BATISTA BOTTINI SCARPETA, qualificado nos autos, ajuizou a presente ação ordinária contra a UNIÃO, também qualificada, visando à condenação da ré ao pagamento da de indenização à título danos morais (...)’. Afirmou ter sido ofendido pela Juíza do Trabalho que, ao proferir a sentença, teceu comentários sobre a qualidade do desempenho profissional do autor. (...) Acrescentou que, em decorrência do incidente, se sentiu extremamente envergonhado e angustiado, sofrendo abalo psíquico que o colocou em estado depressivo, cuja superação demandou auxilio médico.
No caso em comento, aprecia-se a responsabilização do
Estado em favor do advogado a qual foi lesado, restando demonstrado o nexo
causal entre a atividade do agente público e o dano causado ao particular, este
tem o direito de ser reparado pelo Estado pelo dano suportado.
256 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 109615. Disponível no site:
www.stf.gov.br. Recorrente: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Recorrido: Nelma de Castro Dias de Oliveira. Ministro Celso de Mello. Rio de Janeiro (RJ), 28.05.1996.
257 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 2000.71.07.003552-4. Disponível no site: www.trf.4.gov.brApelante: João batista Scarpetta, Apelada União. Relator: desembargador federal Valdemar Capeletti. Caxias do Sul (RS), 20.11.2002.
111
A discussão do dolo do agente público e sua respectiva
responsabilização são aspectos a serem ventilados entre o Estado e o agente
público, não envolvendo o prejudicado, o qual já foi indenizado pelo Estado.
Neste diapasão, firma a jurisprudência do TRF/RS258:
[...] Portanto, quanto mais não seja por indícios e presunção, é de ser reconhecido o vinculo de causalidade entre a referida sentença e o resultado danoso. No tocante à responsabilidade da União pelo evento, parece-me evidente à vista do disposto no art. 37, § 6º, da CRFB/88, sendo descabida a pretensão de excluí-la com base no art. 133, inc. I, do CPC e 49, inc. I, da lei Complementar nº 35/79. Não se questiona a responsabilidade do juiz, por perdas e danos, quando, no exercício de suas funções, procede com dolo ou fraude, mas da União pelo dano moral que uma agente sua – circunstancialmente, uma Juíza do Trabalho – causou ao apelante. A obrigação será eventualmente cabível no tocante ao direito de regresso, ora que não está em causa.
Por fim, tendo em vista o dispositivo constante do art. 37, §
6° da CRFB/1988, constata-se que o legislador adoto u a responsabilidade direta e
objetiva do Estado pela prestação judicial danosa, seja por ação ou omissão, seja
por ato licito ou ilícito do agente público, restando ao Estado o direito de regresso
para ter do juiz causador da lesão o que tiver despendido, desde que este tenha
atuado com dolo ou culpa. Assim, não se pode esquecer que nossa carta magna
determina de modo incontestável a responsabilidade estatal direta e objetiva, na
modalidade do risco administrativo.
258 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 2000.71.07.003552-4.
Disponível no site: www.trf-4.gov.br. Apelante: João batista Scarpetta, Apelada União. Relator: desembargador federal Valdemar Capeletti. Caxias do Sul (RS), 20.11.2002.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo investigar, com base
na legislação e na doutrina, complementando com o entendimento
jurisprudenciais de alguns julgados a responsabilidade civil do Estado pela
prestação jurisdicional, restringindo-se a pesquisa somente à esfera cível.
O motivo da escolha do tema é o fato de que após trabalhar
como estagiária do Fórum da Comarca de Balneário Piçarras e no Fórum da
Comarca de Barra Velha, sempre surgiu a dúvida se o Estado é responsabilizado
pela prestação jurisdicional e em quais casos, neste diapasão é que surgiu o
tema sabendo que é indispensável que os operadores do direito em sentido largo
– juízes, advogados, promotores, estudantes – se predisponham a acompanhar
as novas situações e vicissitudes que hoje se apresentam e, assim, não serem
atropelados por elas.
O tema apresenta relevância frente a situação que se
instalou, pois nos dias de hoje há uma descrença no Poder Judiciário, sendo com
razão que o tema da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais é um dos
mais discutidos na ordem jurídica mundial atual.
A pesquisa teve como foco principal a responsabilidade civil
objetiva do Estado, sendo desprezadas as correntes doutrinárias adeptas da
responsabilidade civil subjetiva. Para tanto, o trabalho foi dividido em três
capítulos.
No primeiro capítulo, realizou-se a abordagem acerca da
responsabilidade civil desde a evolução do instituto, até as suas excludentes,
verificando-se que a responsabilidade, num âmbito geral, tem como escopo o
restabelecimento do equilíbrio violado pelo dano, sendo o causador deste dano,
obrigado a indenizar a vítima. Pôde-se observar que o instituto em análise está
dividido, em sentido amplo, em responsabilidade extracontratual, que se funda na
obrigação legal; e contratual, que é aquela decorrente do inadimplemento de uma
obrigação firmada entre as partes contratantes.
113
Abordou-se sobre as diferenças da responsabilidade civil da
responsabilidade penal, ressaltando-se que uma é exercida pela vítima, outra pelo
Estado, uma visa à reparação, outra a punição, uma é patrimonial, a outra é
pessoal e intransferível.
Destacou-se que a responsabilidade subjetiva, para a sua
caracterização é necessária à prova da culpa do agente causador do dano, sendo
esta indispensável para que surja o dever de indenizar, já a objetiva, em especial
o art. 37, § 6°, da CRFB/88, e está fundada na teor ia do risco, ou seja, a
existência do elemento culpa é prescindível, bastando para sua configuração à
comprovação do nexo de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e a
conduta do agente.
É esta espécie de responsabilidade suporta o Estado, que
tem seus fundamentos na teoria do risco administrativo que prevê que todo
aquele que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros e deve
ser obrigado a ressarcir, ainda que sua conduta seja isenta de culpa, a idéia de
culpa desloca-se para a idéia de risco.
O Estado é responsável pela prestação do serviço público
da jurisdição e quando tomou para si este dever em caráter exclusivo, assumiu o
risco de indenizar os prejuízos sofridos em decorrência do uso deste serviço.
Apresentou-se também que há hipóteses em que o Estado
não será responsabilizado comprovando que o fato ocorreu por culpa exclusiva da
vítima, por fato de terceiro, caso fortuito, força maior ou estado de necessidade.
Estudando a evolução histórica da responsabilidade do
Estado, notou-se que o reconhecimento do dever do Estado em reparar os danos
que seus agentes públicos causem a terceiros é inerente ao Estado de direito,
que não se harmoniza com a concepção de um Estado de infalíveis e
insuscetíveis erros. Também foi analisado que na doutrina e na jurisprudência
nunca vigorou a teoria da irresponsabilidade estatal, atualmente estando em
vigência, a norma do art. 37, §6°, da Constituição de 1988, que consagra a
responsabilidade objetiva.
114
O segundo capítulo destinou-se a abordagem sobre o juiz,
suas prerrogativas e deveres no exercício da atividade e função pública da
jurisdição, de dizer o direito.
Diante do alegado restou claro que o juiz é um agente
público, já que a expressão agente público engloba todas as pessoas físicas que
exercem alguma função estatal, eis que se acham revestidos para al
competência.
O Juiz, assim, exerce atividade típica de incumbência
exclusiva do Estado soberano e a este se subordina pela investidura legalmente
constituída e pela percepção dos vencimentos. O juiz é, repetindo, agente público
do Estado e este deve responder pelos danos por estes ocasionados aos que
pleiteiam a prestação jurisdicional.
Não obstante a independência de julgar conforme as suas
convicções pessoais, o juiz é um agente dependente e subordinado ao Estado
que lhe garante seus vencimentos. É titular de um cargo público, na qual
legalmente foi investido, é estatutário, sendo sem qualquer dúvida, um agente
público.
A nossa Carta Magna de 1988, substitui a expressão
funcionário público por agente público em seu art. 37, § 6°, para garantir ao
dispositivo, uma maior abrangência, inserindo-se neste termo os magistrados,
razão pela o Estado deve ser responsabilizado pelos atos praticados por estes.
Irrefutáveis, são os princípios constitucionais e processuais
que envolvem a atividade judiciária, sendo estes os alicerces para garantir a
segurança processual, a independência do Judiciário e assegurar a justiça. Os
princípios abordados, apresentam uma dupla função: proteger a liberdade dos
magistrados contra os abusos de particulares, e proteger os jurisdicionados contra
os abusos dos magistrados, corruptos e desidiosos.
Verificou-se no estudo da responsabilidade civil do estado
pela prestação jurisdicional, que os pressupostos para a sua configuração é o
115
dano, o nexo de causalidade e a qualidade do agente, que na responsabilização
na esfera cível há uma preocupação sempre presente que é a adoção de um
sistema que preserve a independência da magistratura mas que ao mesmo tempo
assegure aos jurisdicionados a reparação dos danos materiais ou morais que lhe
forem ocasionados na prestação da tutela jurisdicional.
Para finalizar o segundo capítulo, discorreu-se sobre o
exercício da jurisdição que é a atividade precípua do juiz, e sua efetiva
participação no processo, em busca da verdade e a satisfação dos interesses dos
jurisdicionados.
O magistrado, se manifesta como um terceiro independente,
que não apenas declara o direito, em exercício de serviço público estatal, mas
oportuniza às partes a possibilidade de tomarem medidas suscetíveis de
corroboração de suas alegações para com isso, permitir a condução paritária do
processo, em última análise, garantindo o contraditório entre as partes e
proferindo decisão justa.
No terceiro capítulo, tratou-se especificamente, da
responsabilidade civil do Estado pela Prestação Jurisdicional na Esfera Cível,
buscou-se comprovar a existência da responsabilidade objetiva do Estado pela
prestação jurisdicional, mencionando às hipóteses em que cabe a
responsabilização do juiz e o conseqüente direito de regresso do Estado.
Verificou-se que a responsabilidade do estado pela
prestação jurisdicional pode decorrer da conduta dolosa ou culposa dos juizes,
pelo erro judiciário, pela demora na prestação jurisdicional e pela denegação de
Justiça.
Conforme bem frisou-se a responsabilidade do Estado ó
objetiva, assim, para tal, deve haver o dano, além do nexo causal, entre a ofensa
a um direito material e o ato jurisdicional provocador do dano. O elemento dolo ou
culpa pode ou não existir já que estes elementos somente são necessários
quando se perquire da responsabilização do juiz, consoante dispõe o art. 133 do
CPC.
116
Nos dias atuais, não se admite em que um Estado de
Direito, se aceite que o cidadão que sofreu um dano em conseqüência de um ato
jurisdicional comissivo ou omissivo não receba a respectiva indenização pelo
Estado. Assim, o jurisdicionado tem direito à reparação pelo dano suportado, pelo
erro judiciário pela denegação da justiça e pela demora na prestação jurisdicional.
Demonstrou-se que, em consonância com a própria
Constituição de 1988, o Estado será sempre responsabilizado sempre que os
juizes concorrerem para a lesão de um direito dês particulares.
Independentemente de o juiz ter ou não agido com culpa ou dolo, demonstrado-se
o dano causado pelo juiz no exercício da prestação jurisdicional o particular será
ressarcido pelo Estado, o qual será investido no direito de regresso para ser
ressarcido pelo agente público que agir com culpa ou dolo.
A seguir serão transcritos as hipóteses apresentadas na
introdução deste trabalho, realizando-se, na seqüência a respectiva análise das
hipóteses, com base no resultado da pesquisa, sintetizado nos três capítulos
desta Monografia.
Hipótese:
O Estado responde objetivamente, no âmbito civil, pela
prestação jurisdicional?
Sim, o art. 37, §6º, da Constituição da república Federativa do
Brasil de 1988 prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito
público. Contudo, não especificou quais os entes responsáveis, nem tampouco
exonerou qualquer um deles. Assim, devido ser o magistrado um agente público,
incide, em tese, o art. 37, §6º da Carta Magna, respondendo a Fazenda Pública
pelos atos desses agentes que, nessa qualidade, causem a terceiros.
De acordo com o supra mencionado, a hipótese restou
confirmada.
Hipótese: O juiz é um agente público subordinado ao Estado?
117
Sim, o órgão jurisdicional singular ou colegiado, composto
pela pessoa física do juiz exerce a soberana função jurisdicional do Estado. O juiz
representa o Estado no exercício da jurisdição e age em nome dele. È, portanto,
um agente público estatal, investido no poder função de dizer o direito. Assim,
esta hipótese restou, igualmente, confirmada.
Hipótese: Os casos de responsabilidade estatal, são aqueles
onde a atividade jurisdicional, exercida pelo juiz, acarretar dano a aquele que se
submete à sua manifestação, ofendendo a sua integridade moral e patrimonial.
Sim, para a caracterização da responsabilidade Estatal em
razão da prestação jurisdicional, necessário se faz, a ocorrência de um dano,
além do nexo causal, entre a ofensa a um direito material e o ato jurisdicional
provocador do dano. Portanto, confirmada também esta hipótese.
Com efeito, esta monografia venceu o seu propósito
investigatório, eis que analisou cientificamente as hipóteses previstas para oi
presente trabalho. Contudo, há de se mencionar, que com o desenvolver do
trabalho, ficou confirmado a necessidade de mais pesquisa, análise e sugestões e
debates científicos que visem difundir a responsabilidade civil do Estado pela
prestação jurisdicional nas ações cíveis.
118
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002.
ALVES. Rodrigues Vilson. Responsabilidade Civil do Estado por atos dos agentes
dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Tomo I. Campinas: Bookseller,
2001.
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. v. 2. ed. rev., ampl. E atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
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