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UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS – UNIPAC FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DE BARBACENA – FADI
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
CAMILA RESENDE DE SOUZA OLIVEIRA
A RESPONSABILIDADE CIVIL NO COMÉRCIO ELETRÔNICO
BARBACENA 2012
CAMILA RESENDE DE SOUZA OLIVEIRA
A RESPONSABILIDADE CIVIL NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos- UNIPAC como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Esp. Rafael Francisco de Oliveira.
BARBACENA 2012
Camila Resende de Souza Oliveira
A RESPONSABILIDADE CIVIL NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos- UNIPAC como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Aprovada em: ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
Prof. Esp. Rafael Oliveira - Orientador Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC
Profª. Esp. Cristina Prezoti Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC
Profª. Esp. Maria José Gorini Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC
RESUMO
A Internet se tornou ferramenta básica para o ser humano, fundamental em um mundo globalizado, se expandiu em proporções gigantescas pelo mundo. Aliado à esse fenômeno chamado Internet, surgiu uma forma de se comercializar produtos e serviços capaz de atingir um enorme número de pessoas, rompendo barreiras de tempo e de espaço, trazendo comodidade aos consumidores: o e-commerce, ou comércio virtual. Porém, apesar das inúmeras vantagens trazidas pelo e-commerce, há, também, desvantagens, como a maior vulnerabilidade do consumidor em um ambiente tão propicio a fraudes. A modalidade de comércio virtual, C2C - consumer to consumer, em que pessoas físicas contratam entre sí, efetuando transações de compra e venda, por meio de um site intermediador, tem gerado bastante polêmica quanto à imputação da responsabilidade civil. Neste contexto, surge o questionamento básico deste trabalho, qual seja, o site intermediador é responsável em casos de danos causados aos consumidores que dele se utilizam? Será tomado como base para responder este questionamento, casos concretos de danos causados aos consumidores que transacionam por meio do site intermediador mais utilizado no Brasil, o Mercado Livre. Como não há legislação que trate especificamente sobre o assunto, os Tribunais pátrios têm adotado posicionamentos diversos. Apesar das decisões proferidas por nossos magistrados nos casos concretos sobre o tema serem em diversos sentidos e, muitas vezes, até contraditórias, há uma tendência à imputação de responsabilidade civil ao Mercado Livre, na medida em que este site funciona como prestador de serviço, devendo proporcionar aos consumidores um serviço seguro e confiável. No entanto, há casos em que a sua responsabilidade será afastada, como nos casos em que se encontram presentes as excludentes de responsabilidade civil, quebrando o nexo de causalidade, e em casos de inexistência de defeito na prestação do serviço prestado. O objetivo deste trabalho é, portanto, demonstrar os posicionamentos jurisprudenciais que vêm sendo adotados, com base nos conceitos de responsabilidade civil e relação de consumo, com a finalidade de chegarmos à uma solução para casos tão corriqueiramente presentes em nossos Tribunais. Palavras-chave: Direito do Consumidor. Comércio Eletrônico - E-commerce. Responsabilidade Civil. Mercado Livre - Site intermediador.
ABSTRACT
The internet has become a basic tool for the human race, fundamental in a globalized world, and expanded in gigantic proportions throughout the world. Allied with this phenomenon called the internet, emerged a way to commercialize products and services capable of reaching a large number of people, breaching barriers of time and space and bringing commodities to the consumers: the electronic commerce, or e-commerce for short. However, despite the numerous advantages brought by e-commerce, there are also disadvantages, such as the great vulnerability of the consumer in an environment so plagued by frauds. The virtual commerce known as consumer-to-consumer, or C2C, in which people physically contract one another by means of an intermediate site, has generated much controversy such as the reproach of civil responsibility. Within this context, a basic question is raised concerning this service, which is if the intermediate site responsible for of damages incurred by its users. As a basis for this argument, concrete cases of damages sustained by the consumers who transact by means of the most popular intermediate website of Brazil, Mercado Livre. Since there is no universally accepted and legally binding stance, the national courts have since adopted different viewpoints on the issue. Despite the decisions of our judges in cases regarding the theme being in different ways and many times even contradictory, there is a tendency to the imputation of liability toward Mercado Livre. This is too the extent that the company functions as service provider and should provide consumers with safe and reliable service as well. However, there are cases in which that responsibility will be eschewed, such as in cases where they are present excluding the liability, breaking the nexus of inception, and in times lacking of errors in the provision of service. The objective of this project is, therefore, to show the jurisprudential standpoints which have since been adopted, with focus on the area of liability and consumer relations, with the ultimate objective of reaching a resolution to these cases that are very prevalent in our courts. Keywords: Consumer Rights. Electronic Commerce. E-Commerce. Liability. Mercado Livre. Intermediate site.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11
2 A INTERNET E O E-COMMERCE .................................................................................. 13
2.1 A Internet ......................................................................................................................... 13
2.2 E-commerce ................................................................................................................... 13
2.3 Legislação aplicável ao e-commerce no Brasil .................................................... 17
3 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO E O FUNCIONAMENTO DOS SITES INTERMEDIADORES ................................................ 19
4. RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 23
4.1 Conceito de Responsabilidade Civil ........................................................................ 23
4.2 Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva ......................................................... 25
5 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ...... 27
5.1 A relação de consumo, consumidor e fornecedor. ............................................. 27
5.2A Responsabilidade Objetiva como Regra no Código de Defesa do Consumidor ........................................................................................................................... 28
5.3 Responsabilidade pelo Fato e Vício do Produto ou Serviço ............................ 29
5.4 Excludentes de responsabilidade civil do fornecedor ....................................... 32
6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES INTERMEDIADORES (MERCADO LIVRE) ..................................................................................................................................... 35
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 45
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 47
11
1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade surgiu a necessidade de se
comercializar mercadorias. Este processo teve seu início pelas simples trocas de
produtos, e, em seguida, passou por diversas etapas que o complementaram, tais
como: a criação da moeda como forma de facilitação das relações comerciais, a
venda atacadista e a revolução industrial, trazendo como consequência a evolução
gradativa do comércio, acompanhando as crescentes necessidades humanas.
Vivemos hoje, em um mundo globalizado, onde cotidianamente surgem
novas tecnologias, novas formas de comunicação, em que as relações interpessoais
se estreitam pelas facilitações tecnológicas. Aliado a este cenário, temos um mundo
cada vez mais capitalista, em que o consumo é exageradamente cultivado, em que
as indústrias e a economia têm seus pilares no seio de uma humanidade
extremamente consumista.
Diante desses aspectos, o comércio virtual trouxe facilidades tanto para
fornecedores, que atingem um público infinitamente maior, quanto para
consumidores, que podem adquirir produtos no conforto do seu lar, o que fez com
que o mercado cibernético criasse raízes fortes em nossa sociedade.
No entanto, aliado às inúmeras vantagens trazidas pelo chamado e-
commerce, surgiram questões que acabaram por colocar o consumidor em uma
posição de maior vulnerabilidade.
O espaço virtual é ambiente fértil para a proliferação de fraudes, pois as
relações comerciais ocorrem através da Internet, sem o contato pessoal dos
negociantes e sem a possibilidade de contato com o produto a ser adquirido.
Tornou-se, então, muito mais fácil a ocorrência de atos desonestos, o que tem
ocorrido rotineiramente, gerando inúmeros prejuízos aos consumidores.
Uma modalidade de e-commerce que tem crescido muito no Brasil, e que é
o foco do presente estudo, é o chamado C2C, consumer to consumer, em que
vendedor e comprador, ambos pessoas físicas, se relacionam e efetuam transações
por meio de um site intermediador, como o Mercado Livre.
Por se tratar de uma modalidade de comércio relativamente nova, não há
legislação no Brasil que trate especificamente sobre o e-commerce. Como
consequência existem diversos posicionamentos adotados por nossos juristas,
12
principalmente com relação à responsabilidade civil dos sites intermediadores, que
têm gerado, inclusive, decisões contraditórias em nossos Tribunais.
Será abordado neste trabalho com maior amplitude o conceito e
peculiaridades sobre a responsabilidade civil, prevista no Código Civil e no Código
de Defesa do Consumidor, e sua aplicabilidade ao e-commerce.
O presente estudo visa esclarecer, ainda, a legislação aplicável ao comércio
eletrônico, como também os entendimentos jurisprudenciais que têm sido adotados
no Brasil sobre este tema, tomando por base casos envolvendo o site Mercado Livre
e expondo a visão dos que entendem pela imputação de responsabilidade civil ao
referido site, bem como a visão dos que defendem que estes não devem ser
responsabilizados por danos sofridos pelos consumidores.
13
2 A INTERNET E O E-COMMERCE
2.1 A Internet
Entende-se por Internet um conglomerado de redes que permitem a
interligação de computadores possibilitando a comunicação, troca de dados,
arquivos e informações entre seus usuários, podendo estes estar em qualquer lugar
do planeta, desde que conectados a um provedor por meio de um computador.
O acesso à Internet pela população mundial vem crescendo em proporções
exponenciais, sendo este crescimento sensivelmente observado no Brasil.
Segundo resultados de uma pesquisa realizada pelo Ibope Nielsen Online e
divulgada em 11 de julho de 2012, o total de brasileiros que acessaram a Internet
chegou a 82,4 milhões durante o primeiro trimestre do ano de 2012, o que significou
um acréscimo de 5% sobre os 78,2 milhões verificados no mesmo período do ano
de 2011.1
A revolução digital tomou enormes proporções, pois, a cada ano, há um
aumento descomunal de pessoas utilizando a Internet. A interligação mundial trouxe
inúmeras vantagens e avanços em diversas áreas e a tendência é de um
crescimento ainda maior e com ritmo acelerado nos próximos anos.
Observa-se, ainda, que a Internet se tornou um campo fértil para a atuação
comercial, pois consegue atingir um número muito grande de consumidores, os
quais se encontram interligados em diversos lugares do mundo.
2.2 E-commerce
Vivemos hoje na era digital, em que a as relações interpessoais se estreitam
por meio da rede mundial de computadores: a Internet.
O comércio não poderia deixar de acompanhar tamanha evolução social,
surgindo então o chamado comércio virtual, ou e-commerce, em que a Internet é
utilizada como meio para a efetuação de transações comerciais.
Marques (2004, p. 38/39) assim conceitua o Comércio Eletrônico:
1http://ecommercenews.com.br/noticias/pesquisas-noticias/brasil-possui-mais-de-80-milhoes-de-
internautas-diz-ibope-nielsen
14
Podemos definir comércio eletrônico de uma maneira estrita, como sendo uma das modalidades de contratação não-presencial ou à distância para a aquisição de produtos e serviços através de meio eletrônico ou via eletrônica. De maneira ampla, podemos visualizar o comércio eletrônico como um novo método de fazer negócios através de sistemas e redes eletrônicas. Lato sensu, pois, o comércio eletrônico abrangeria qualquer forma de transação ou troca de informação comercial ou visando negócios, aquelas baseadas na transmissão de dados sobre redes de comunicação como a Internet, englobando todas as atividades negociais, juridicamente relevantes, prévias e posteriores à venda ou à contratação.
A prática da comercialização de produtos e de serviços pela Internet tomou
proporções gigantescas nos últimos anos. Segundo dados do site e-commerce.org,
em 2001, o comércio eletrônico lucrou aproximadamente 549 milhões de reais, que
passaram para 850 milhões em 2002, 1.180 milhões em 2003, 1.750 milhões em
2004 e 2.500 milhões em 2005, chegando a 18.700 milhões em 2011. 2
Trata-se de um crescimento em proporções extraordinárias em um pequeno
lapso de tempo e a previsão é para um crescimento ainda maior nos próximos anos.
Vejamos o gráfico abaixo, que representa o crescimento do e-commerce no Brasil:
2http://www.e-commerce.org.br/
15
GRÁFICO: 1 -
ANO FATURAMENTO Variação
2011 R$ 18,70 bilhões 26%
2010 R$ 14,80 bilhões 40%
2009 R$ 10,60 bilhões 33%
2008 R$ 8.20 bilhões 30%
2007 R$ 6.30 bilhões 43%
2006 R$ 4,40 bilhões 76%
2005 R$ 2.50 bilhões 43%
2004 R$ 1.75 bilhão 48%
2003 R$ 1.18 bilhão 39%
2002 R$ 0,85 bilhão 55%
2001 R$ 0,54 bilhão -
Fonte ebit – www.e-commerce.org.br
Com o surgimento do comércio eletrônico o estabelecimento empresarial
também tomou novos moldes. Em sua forma clássica, o estabelecimento
empresarial, segundo Fábio Ulhoa Coelho “é o complexo de bens reunidos pelo
16
empresário para o desenvolvimento de sua atividade econômica”. (COELHO, 2010,
p.56)
Com o advento da Internet e o inicio da comercialização eletrônica houve a
necessidade de se criar um novo tipo de estabelecimento empresarial, o
estabelecimento virtual.
Leciona Coelho (2010, p. 70) sobre o estabelecimento virtual:
Distingue-se do estabelecimento empresarial físico, em razão dos meios de acessibilidade. Aquele o consumidor ou adquirente de bens ou serviços acessa exclusivamente por transmissão eletrônica de dados, enquanto o estabelecimento físico é acessível por deslocamento no espaço.
Em razão do êxito experimentado pelo comércio eletrônico, as empresas
com estabelecimento físico criaram suas páginas na Internet com o estabelecimento
virtual, a fim de manterem a sua competitividade no mercado. Há ainda, algumas
empresas que possuem apenas o estabelecimento virtual, em que a única forma de
acesso é através da Internet.
O e-commerce significa uma revolução na área empresarial, trazendo
inúmeras vantagens para a economia mundial, devendo ser amplamente
incentivado, no entanto, alguns problemas ainda são enfrentados pelos
consumidores, com dificuldade ampliada pelo meio e forma em que são realizados
os negócios comerciais.
No comércio eletrônico não existe a presença física das partes contratantes
pois todos os atos negociais são realizados virtualmente. De um lado estão os
fornecedores, representados por uma página virtual disponibilizada em um provedor
de Internet, e do outro lado os consumidores, se utilizando de uma tecnologia que
geralmente não dominam.
Além da ausência física dos contratantes, os consumidores apenas
visualizam o produto que pretendem adquirir por meio de fotografias e descrições
realizadas unilateralmente pelo fornecedor. A mercadoria a ser adquirida, portanto,
não pode ser analisada e testada no momento da concretização do negócio, sendo
assim, o eventual defeito ou vício do produto ou serviço só poderá ser notado
quando o mesmo chegar à residência do consumidor, ou muitas vezes, o
consumidor sequer recebe o produto.
17
Destaca-se que o presente trabalho visa analisar a responsabilidade civil das
transações comerciais realizadas por meio de sites intermediadores, em que
geralmente pessoas físicas contratam umas com as outras se utilizando dos
recursos oferecidos por esses sites, o que será explicado mais detalhadamente no
decorrer deste trabalho.
Diante dessas situações, deflagra-se uma maior insegurança dos
consumidores nesse tipo de negociação, tornando-os ainda mais vulneráveis.
2.3 Legislação aplicável ao e-commerce no Brasil
Apesar das proporções alcançadas pelo comércio virtual no Brasil, de ser
um ramo do comércio em ascendência constante e já ter criado raízes fortes em
nossa sociedade, ainda não há uma legislação específica que trate desse assunto.
Neste aspecto Finkelstein (2004, p. 46/47) afirma que:
O Direito ainda se encontra tentando traçar seu caminho dentro do recente desenvolvimento da cultura eletrônica nos países de tradição legal civilista. A sociedade normalmente desenvolve-se mais rápido do que o Direito e é exatamente esse o problema atual vivenciado pelo comércio eletrônico.Quase não existem leis que o regulamentem, nacional ou internacionalmente.
Há divergência entre os juristas sobre esse tema, alguns defendem a tese
de que não há a necessidade de leis que tratem especificamente sobre o e-
commerce, pois nesses casos é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, tendo
em vista que são travadas relações de consumo, mudando apenas o ambiente de
sua realização, outros entendem ser necessária a criação de leis que regulem o
assunto de forma precisa.
Existem projetos de lei sobre o tema em questão ainda em tramitação, tais
como 1.483/99 e 4.906/01 que tramitam junto ao Congresso Nacional,
1.589/99(OAB) da Câmara dos Deputados, entre outros, entretanto, enquanto não
há legislação específica, perfeitamente aplicável ao comércio eletrônico as normas
contidas no Código de Defesa do Consumidor.
Nas palavras de Alves (2008, p. 73):
Desde que haja uma relação intersubjetiva que integra um fornecedor, um consumidor, um bem e os serviços de consumo nas relações provenientes
18
dos contratos eletrônicos, estará esta relação no âmbito de aplicação da disciplina jurídica das relações de consumo.
Assim sendo, restando configurada a relação de consumo entre as partes
integrantes de um contrato eletrônico, será aplicável o Código de Defesa do
Consumidor e a eventual discussão acerca do assunto deverá ser resolvida no
domicílio do consumidor, em razão da sua vulnerabilidade.
No âmbito internacional, com o intuito de estabelecer diretrizes ao comércio
realizado no ciberespaço, no ano de 1996, a Comissão das Nações Unidas para o
Direito Comercial Internacional – UNCITRAL (United Nations Commission
OnInternational Trade Law), aprovou a chamada Lei Modelo UNCITRAL sobre
comércio eletrônico. Trata-se de um conjunto de regras gerais, constando conceitos
e princípios internacionalmente aceitáveis, a fim de orientar legisladores de cada
país nas legislações eventualmente elaboradas.
Merece destaque o princípio da equivalência funcional contido nos artigos 5º
e 11 da Lei Modelo, que estabelecem que não serão negados efeitos aos contratos
pelo simples fato de terem sido realizados por meio eletrônico.
Saliente-se, no entanto, que eventual norma específica a ser criada neste
sentido rapidamente se tornaria obsoleta, visto que no âmbito da Internet a agilidade
das mudanças é uma realidade. Dessa forma, resta ao judiciário adequar as normas
do Código de Defesa do Consumidor, aliadas aos princípios gerais norteadores do
direito, subsumidos aos casos concretos de danos para resolver eventuais conflitos.
19
3 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO E O
FUNCIONAMENTO DOS SITES INTERMEDIADORES
Os contratos de comércio eletrônico são classificados quanto aos sujeitos
que participam da contratação. São três os principais tipos de contratos, quais
sejam: B2B - business to business, B2C - business to consumer e C2C - consumer
to consumer.
Coelho (2010, p.57), assim conceitua referidas transações:
São três os tipos de estabelecimentos virtuais: B2B (que deriva da expressão business to business), em que os internautas são também empresários, e se destinam a negociar insumos; B2C (denominação derivada de business to consumer), em que os internautas são consumidores, na acepção legal do termo (CDC, art. 2º); e C2C (consumer to consumer), em que os negócios são feitos entre internautas consumidores, cumprindo o empresário titular do site apenas a função de intermediação [...].
O presente trabalho visa esclarecer as eventuais dúvidas acerca das
transações na espécie C2C, a qual está em ascensão, sendo muito utilizada nos
últimos tempos.
As transações C2C são realizadas entre pessoas físicas, as quais se
utilizam de um site de intermediação para negociarem, ou seja, é o comércio
realizado diretamente entre os consumidores. Em outras palavras, é a modalidade
de comércio eletrônico no qual não são envolvidos produtores e sim consumidor final
com consumidor final.
O site intermediador, por sua vez, tem um papel fundamental neste tipo de
transação, pois é ele que possibilita a aproximação entre pessoas interessadas em
vender produtos e outras com propósito de adquirirem os referidos produtos,
possuindo todo um aparato para que as negociações se realizem.
Neste contexto, há uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a
responsabilização civil por eventuais danos ocorridos em virtude da comercialização
de produtos e serviços realizados por intermédio desses sites.
Desta forma, importante se faz a compreensão do modo de funcionamento
de referidos sites, sendo que neste trabalho será dado enfoque ao principal site
intermediador do Brasil, o Mercado Livre.
20
Segundo informações colhidas do site do Mercado Livre3:
Fundada em 1999, MercadoLivre é uma companhia de tecnologia líder em comércio eletrônico na América Latina. Através de suas plataformas MercadoLivre.com e MercadoPago.com, oferece soluções para que indivíduos e empresas possam comprar, vender, anunciar e pagar pela internet. MercadoLivre.com atende milhões de usuários e cria um mercado online para a negociação de uma ampla variedade de bens e serviços de uma forma fácil, segura e eficiente. É o 8º site de comércio eletrônico mais acessado do mundo de acordo com métricas fornecidas pela com Score Networks e é a plataforma líder no varejo online na América Latina. Mercado Livre mantém operação em 13 países Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela e está listada na Nasdaq (NASDAQ:MELI) após sua oferta pública inicial em 2007.
O site, portanto, permite que pessoas físicas interessadas em comercializar
produtos e serviços se cadastrem e exponham suas ofertas, possibilitando que
consumidores interessados tomem conhecimento das mesmas, e, com isso, possa
ocorrer a negociação das partes.
É oferecido ao usuário vendedor duas opções de venda, quais sejam: a
venda através do sistema de Leilão ou pelo sistema da Compra Imediata. Na
primeira hipótese o vendedor estipula um lance mínimo para o produto colocado à
venda e um prazo para que os consumidores interessados efetuem lances maiores,
sendo que, ao final do prazo estipulado, arremata o produto aquele que ofereceu
maior valor; já na segunda hipótese o usuário vendedor estipula um preço por seu
produto e negocia com os interessados por meio do site.
Nas duas hipóteses acima expostas são cobradas tarifas. Será cobrada uma
tarifa de anúncio pelo simples fato de expor um produto ou serviço no site, e uma
tarifa de venda que somente será paga ao Mercado Livre quando a negociação se
concretizar. Esta última tarifa será cobrada, também, caso a transação não se
concretize por culpa exclusiva do Usuário Vendedor.
O Mercado Livre ainda coloca a disposição dos usuários o sistema Mercado
Pago, a fim de proporcionar maior segurança às negociações.
Este sistema funciona da seguinte forma: o Usuário comprador deposita o
dinheiro do pagamento do produto a ser adquirido na conta do Mercado Pago,
podendo optar pela forma de pagamento que melhor lhe convier (cartão, boleto,
etc.), e, após verificar o pagamento efetuado, o Mercado Pago envia um e-mail para
3http://www.mercadolivre.com.br/
21
ambas as partes avisando do pagamento, quando então o usuário vendedor envia o
produto ao comprador. Logo após, este último comunica ao Mercado Livre que
recebeu o produto e o dinheiro é liberado ao vendedor. Caso o comprador não
receba o produto no prazo convencionado, basta acessar o Mercado Livre e
bloquear o pagamento.
Para fazer uso desse modo de negociação, o Mercado Livre cobra do
usuário consumidor taxas que variam de 2.99% a 9.99% do valor do produto.
Outro mecanismo também disponibilizado aos usuários do Mercado Livre é o
Sistema de Qualificações. Os usuários, após finalizarem uma transação devem
efetuar a qualificação da outra parte, ou seja, devem informar se a pessoa com
quem contrataram é confiável. Desta forma é criado uma espécie de ranking dos
melhores vendedores/compradores, servindo para orientar os futuros contratantes.
Diante do exposto, percebe-se que a questão da responsabilização desses
sites em casos de danos aos consumidores deve ser analisada levando em
consideração seus termos de utilização, a aferição de lucro sobre as transações e,
até mesmo, a segurança proporcionada aos seus usuários, devendo, também, ser
consideradas as causas excludentes de responsabilidade civil, questões a serem
explicitadas mais detalhadamente adiante.
23
4 RESPONSABILIDADE CIVIL
4.1 Conceito de Responsabilidade Civil
A essência das ciências jurídicas é possibilitar o convívio em sociedade de
forma pacífica e ordenada, neste sentido o ordenamento jurídico pátrio prevê
normas que viabilizam este fim, pontuando limites e imposições legais que devem
ser respeitadas em função do bem comum.
A vida em sociedade impõe regras de condutas às pessoas. Não só no
âmbito jurídico, mas também no moral e ético, é necessário que haja respeito mútuo
ao direito de cada um. No entanto, as formas de relacionamentos em geral entre
seres humanos, cotidianamente, podem causar danos às pessoas, e é por esse
motivo que o nosso sistema jurídico prevê formas de reparação a serem realizadas
pelos causadores dos danos em favor dos lesados.
O Código Civil Brasileiro discorre sobre esse tema no seu artigo 186, contido
na parte geral e nos artigos 927 e seguintes da parte especial, sob o título “Da
Responsabilidade Civil”.
Sobre a responsabilidade civil Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 51)
pontuam:
A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo esta mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão de um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior das coisas.
Nesse sentido, ao causar um dano na esfera cível, surge para o causador do
dano a responsabilidade civil, que pressupõe o dever de reparar o lesado, visando
restituí-lo ao estado quo ante, ou, ao menos, minimizar os prejuízos por ele
suportados, através da via pecuniária.
O artigo 186 do Código Civil consagra a ideia de que ninguém pode causar
dano a outrem, e desse dispositivo legal extrai-se os elementos gerais da
responsabilidade civil. Vejamos: “Art. 186. Aquele que por ação ou omissão
24
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Portanto, a responsabilidade civil decompõe-se em conduta humana, dano e
nexo de causalidade.
A conduta humana voluntária é o primeiro elemento da responsabilidade
civil, nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 69): “Trata-se em outras
palavras da conduta humana positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do
agente, que desemboca no dano ou prejuízo”.
A ação humana voluntária pode ser classificada em positiva e negativa. A
primeira diz respeito à prática de um comportamento ativo, uma ação comissiva, a
exemplo de um sujeito embriagado que arremessa seu veículo contra o muro do
vizinho; já a segunda é uma atuação omissiva, na medida em que o sujeito não
impede o acontecimento de determinado resultado de dano, como por exemplo, uma
enfermeira que deixa de ministrar os medicamentos à um paciente, gerando danos à
sua saúde.
O dano, por sua vez, na conceituação dos mesmos autores acima citados
(2010, p. 78) “ é a lesão a um interesse jurídico tutelado- patrimonial ou não-,
causado por ação ou omissão do sujeito infrator” .
Nas palavras de Maceira (2007, p.61/62)
[...] para que haja responsabilidade civil o dano deve ser certo, a um bem ou interesse jurídico, exigindo prova real e concreta. Sem ocorrência de prejuízo, não poderá haver ação de indenização. Se a responsabilidade determina o surgimento da obrigação de ressarcir. Há que se apresentar o que deve ser reparado. O dano patrimonial ou moral deve ser provado fundado nos efeitos da lesão jurídica.
Neste sentido o dano indenizável deve possuir como requisitos: a violação
de um interesse jurídico patrimonial ou extra patrimonial de uma pessoa física ou
jurídica; certeza do dano e subsistência do dano, ou seja, o dano deve ainda existir
no momento da exigibilidade de sua reparação em juízo, se este não mais existe
perde-se o interesse da responsabilização civil.
A fim de melhor compreensão, exemplificamos o dano nos casos de compra
e venda on-line realizadas no site Mercado Livre: como os casos da entrega do
produto pelo usuário-vendedor e o não recebimento do preço ora acordado com o
usuário-comprador, ou quando o comprador paga o preço e recebe o produto com
25
defeito ou diverso, em quantidade ou qualidade, ao que foi negociado com o usuário-
vendedor.
Por fim, o terceiro elemento da responsabilidade civil é o nexo de
causalidade, que pode ser definido como o vínculo entre o dano e a conduta
humana, é o liame que liga o prejuízo suportado pela vítima e a ação ou omissão do
agente.
No entanto, o Código Civil traz as excludentes de responsabilização civil,
que se demonstradas no caso concreto rompem o nexo de causalidade e, como
consequência, excluem o dever de indenizar. As excludentes de responsabilidade
civil são: a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior e fato de terceiro.
Neste trabalho veremos no próximo capítulo as excludentes de responsabilidade de
acordo com o Código de Defesa do Consumidor.
4.2 Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva
A Responsabilidade Civil se divide em subjetiva e objetiva: a primeira se
baseia na teoria da culpa e a segunda na teoria do risco.
A responsabilidade civil subjetiva exige a incidência de quatro requisitos.
Além dos três pressupostos já expostos (conduta voluntária do agente, dano e nexo
de causalidade) inclue-se, ainda, a presença obrigatória da culpa.
Sobre o tema Gagliano e Pamplona Filho (2010, p.165/166) assim
discorrem:
[...] a culpa (em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em
sentido estrito.
Neste sentido, o art. 186 do Código Civil define a culpa em sentido amplo
que compreende, como visto na citação acima, o dolo e a culpa em sentido estrito.
Ao expressar "ação ou omissão voluntária" o artigo se refere ao dolo. Por sua vez, o
termo "negligência ou imprudência" refere-se à culpa em sentido estrito.
Sendo assim, o dolo é um comportamento consciente e intencional do
agente destinado a causar prejuízos á vítima. Por sua vez, a culpa em sentido estrito
26
é composta por três elementos: a negligência, que é a inobservância do dever de
cuidado, por omissão; a imprudência, quando o agente atua contra as regras
básicas de cautela; e a imperícia, que é caracterizada pela falta de habilidade
específica para a realização de uma atividade técnica ou científica.
Diante de todo o exposto acima, resta claro que nesta modalidade de
responsabilidade civil, é imprescindível a comprovação da culpa do agente.
No entanto, diante de uma sociedade globalizada e a massificação do
consumo, a responsabilidade civil amparada na culpa, por vezes acabava por gerar
insegurança jurídica, ante a dificuldade de comprovação deste elemento. Com isso,
a teoria do risco, que admitiria a possibilidade de responsabilização do sujeito que
empreendesse atividade perigosa independentemente de sua culpa, passou a
ganhar espaço, e a embasar a responsabilidade civil objetiva.
O novo Código Civil consagrou expressamente a teoria do risco admitindo,
além da responsabilidade subjetiva (baseada na culpa), a responsabilidade objetiva,
conforme se verifica da leitura do artigo 927, especificamente em seu parágrafo
único. Vejamos:
Art. 927. Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem é obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.
A responsabilização baseada na teoria do risco, portanto exclui o ônus da
comprovação da culpa do agente, devendo ser levado em consideração o risco ou
perigo da atividade desenvolvida pelo causador do dano. Deve assim, ser
demonstrado apenas a conduta, o dano e o nexo de causalidade.
Constata-se, pois, que o Código Civil adota como regra a responsabilidade
subjetiva, devendo ser levado em consideração o dolo e a culpa para fins de
responsabilização civil e a consequente reparação de danos. No entanto também faz
menção à responsabilidade objetiva nos casos expressamente especificados em lei,
e em casos de atividades de risco.
27
5 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
5.1 A relação de consumo, consumidor e fornecedor.
O Código de Defesa do Consumidor tem como função precípua direcionar e
auxiliar negociações realizadas por meio de relações de consumo. Estas podem ser
definidas como o vínculo jurídico existente entre consumidor e fornecedor. Para
existir uma relação de consumo, portanto, necessário que uma das partes da
relação jurídica se enquadre no conceito de consumidor e a outra possa ser definida
como fornecedor.
A definição de consumidor se encontra no artigo 2º do CDC, que afirma
expressamente que consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Deste conceito concluímos que tanto pessoas naturais como jurídicas
podem assumir a posição de consumidores, e, ainda, que essas pessoas devem
adquirir produtos ou serviços que estejam no mercado de consumo. A divergência
doutrinária e jurisprudencial, no entanto, encontra-se na expressão “destinatário
final” que gerou três correntes teóricas com a finalidade de explicitar qual o sentido
dessa expressão: a teoria finalista, a teoria maximalista, e a teoria finalista
moderada.
A primeira teoria, a finalista, defende que seja dada a interpretação mais
restritiva possível ao artigo 2º do CDC. Para os finalistas, deve ser considerado
consumidor, baseado na ideia de destinatário final, aquele que retira o produto do
mercado de consumo para destinação própria, sem a finalidade de empregá-lo na
cadeia produtiva com fins lucrativos.
A teoria maximalista, por sua vez, em sentido contrário da finalista, dá uma
interpretação ampla ao conceito de consumidor. Para ser considerado consumidor,
na visão dos maximalistas, basta que o sujeito retire o produto ou serviço do
mercado de consumo, não importando se para uso pessoal ou para emprega-lo na
cadeia de consumo. Esta teoria é muito criticada por ignorar a função primordial do
CDC, que é proteger a parte vulnerável da relação.
Por fim, de acordo com a teoria finalista moderada, é possível considerar a
pessoa jurídica e o profissional como consumidores, se restar comprovada sua
vulnerabilidade frente ao fornecedor. Assim sendo, para os adeptos dessa teoria, a
28
vulnerabilidade da pessoa natural é presumida, já a pessoa jurídica e o profissional
são em regra não vulneráveis, no entanto, essa presunção é relativa, podendo ser
ilidida mediante prova em contrário. Esta é a teoria atualmente adotada pelo
Superior Tribunal de Justiça.
O Código de Defesa do Consumidor traz, ainda, a figura do consumidor
equiparado no artigo 2º parágrafo único e no artigo 17.
O art. 2º parágrafo único, equipara a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, como consumidoras, desde que tenham intervindo na relação de
consumo; já o art. 17 equipara à consumidor todas as vítimas de acidente de
consumo.
O fornecedor por sua vez é conceituado pelo artigo 3º do CDC, que assim
dispõe:
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestações de serviços.
O CDC em seu artigo terceiro, portanto, considerou como fornecedor todos
aqueles que de alguma forma participam da cadeia de produção, contribuindo para
que o produto ou serviço chegue ao consumidor, bastando que exerçam atividade
profissional, habitual e com obtenção de lucro.
5.2 A Responsabilidade Objetiva como Regra no Código de Defesa do
Consumidor
O CDC como já exposto foi criado com a finalidade de proteger o
consumidor, a parte vulnerável nas relações de comércio, de abusos e de prejuízos
advindos das transações ocorridas no mercado consumerista. Sendo assim, adotou
como regra a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores, a fim de
conferir uma maior proteção aos interesses dos consumidores.
Uma das principais características das atividades econômicas é o risco. Os
negócios implicam riscos e estes devem ser suportados pelo dono do
empreendimento. Esta teoria, denominada teoria do risco, embasa a
responsabilidade objetiva adotada pelo CDC.
29
Pensando na vulnerabilidade e na hipossuficiência do consumidor, ou seja,
falta de conhecimento técnico sobre o produto e desvantagem financeira em relação
ao fornecedor, o legislador decidiu por elevar seu poder jurídico, ampliando suas
possibilidades de êxito em caso de reclamação em Juízo por prejuízos sofridos.
Desta forma, baseado também na teoria do risco, o CDC adotou a inversão do ônus
da prova, em que o fornecedor deve comprovar sua inocência, e não o consumidor
provar a culpa de quem o lesionou.
Fica evidenciada a adoção da responsabilidade civil objetiva pelo CDC em
seu artigo doze, que assim dispõe: “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional
ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores”, por sua vez, a
responsabilidade solidária dos fornecedores se encontra prescrita no artigo 7º
parágrafo único do mesmo Códex: “tendo mais de um autor a ofensa, todos
responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de
consumo”.
No entanto o CDC, apesar de adotar como regra a responsabilidade
objetiva, não excluiu a responsabilidade subjetiva de seus artigos, estando esta
prevista no artigo 14, parágrafo 4º, que dispõe que a verificação da responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais deve ser realizada por meio da apuração de culpa.
5.3 Responsabilidade pelo Fato e Vício do Produto ou Serviço
Para a adequada delimitação da responsabilidade civil no âmbito das
relações consumeristas, imprescindível se faz a diferenciação entre vício e defeito
dos produtos ou serviços.
O vício consiste na simples inadequação do produto ou do serviço para os
fins a que se destinam, podendo a desconformidade se referir à qualidade ou
quantidade. Neste ponto, será necessária uma tutela voltada para a esfera
econômica do consumidor. Por sua vez o defeito se refere à ausência de segurança
que legitimamente se poderia esperar do produto ou do serviço, sendo que o
objetivo do CDC é preservar a integridade física do consumidor.
A Responsabilidade Civil pelo fato do produto ou do serviço encontra-se nos
artigos 12 a 17 do Código de Defesa do Consumidor; enquanto a responsabilidade
por vício está prevista nos artigos 18 a 25.
30
O artigo 12 do CDC refere-se á responsabilidade pelo fato do produto,
especificando os sujeitos que serão responsabilizados pelo dano causado ao
consumidor, como também delimitando quando o produto será considerado
defeituoso:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Percebe-se, pois, que como a regra geral da responsabilidade civil no CDC,
a responsabilidade pelo fato do produto é objetiva e solidária entre os fornecedores,
sendo necessário para a sua configuração, a ocorrência do defeito no produto e o
nexo de causalidade deste com o dano sofrido pelo consumidor.
Nos termos do parágrafo primeiro do artigo 12 do mesmo Códex, considera-
se defeituoso o produto que não oferece a segurança que dele legitimamente se
espera, devendo ser consideradas para a avaliação desta segurança circunstâncias
relevantes, tais como: a apresentação do produto, o uso e os riscos que
razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação. É
pertinente salientar que de acordo com o parágrafo 2º do artigo 12, um produto de
qualidade inferior não é considerado defeituoso pelo fato de outro com melhor
qualidade ser apresentado ao mercado.
O Código de Defesa do Consumidor só admite a responsabilidade do
comerciante nos casos expressamente previstos, sendo, portanto, a sua
responsabilidade por danos causados por defeitos nos produtos, subsidiária e não
concorrente. Isso se dá porque o comerciante não possui o controle das técnicas de
produção, não podendo ser considerado responsável imediato pelo produto
defeituoso.
Sendo assim, conforme está expresso no artigo 13, o comerciante só será
responsabilizado se não comprovar que o fabricante, o construtor, o produtor ou o
importador não possam ser identificados; se o produto for fornecido sem
identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou se não
conservou adequadamente os produtos perecíveis.
31
O CDC pontua ainda, que quem ressarcir os prejuízos da vítima poderá
exercer o direito de regresso contra os demais obrigados, tendo em vista a
responsabilidade solidária dos fornecedores.
Em relação ao fato do serviço, o artigo 14 do CDC expõe que a
responsabilidade também será objetiva, devendo o fornecedor de serviços
responder por danos causados aos consumidores por defeitos nos serviços e por
informações insuficientes ou inadequadas sobre os mesmos.
É importante também salientar que conforme artigo 17 do CDC, são
equiparados aos consumidores, podendo também valer-se das prerrogativas destes,
todas as vítimas do evento danoso.
Sobre a responsabilidade civil pelo vício do produto, o CDC dispõe sobre
vícios de qualidade, compreendidos os que tornam o produto inadequado para o uso
a que se destina, ou lhe diminuam o valor econômico e os vícios de quantidade,
quando ocorre disparidade entre o conteúdo do produto e as indicações contidas no
recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as
variações da sua natureza.
O artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor preceitua que todos os
fornecedores, inclusive o comerciante, são responsáveis solidariamente pelo vício
do produto.
Por sua vez, o parágrafo primeiro do mesmo artigo prevê as possíveis
atitudes a serem tomadas pelo consumidor caso o vício do produto não seja sanado
no prazo máximo de trinta dias, podendo o mesmo exigir: a substituição do produto
por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso; a restituição imediata
da quantia paga, monetariamente atualizada sem prejuízo de eventuais perdas e
danos ou o abatimento proporcional do preço.
Quanto aos vícios de quantidade, o artigo 19 prevê em seus incisos que o
consumidor poderá exigir dos fornecedores, à sua escolha, as seguintes sanções:
abatimento do preço; complementação do peso e da medida; a substituição do
produto por outro da mesma espécie ou a restituição da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Por fim, o fornecedor de serviços é responsável por suas atividades, sendo
obrigado a reparar os danos causados ao consumidor em decorrência do exercício
de sua atividade. Sendo o dano referente a vícios, o consumidor pode exigir
qualquer uma das sanções dispostas nos incisos do artigo 20 do CDC, quais sejam:
32
a execução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; a restituição
imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos ou o abatimento proporcional do preço.
A discussão quanto ao vício do produto ou serviço é tema recorrente quando
relacionado aos sites intermediadores. O recebimento de produto contendo vício, ou
a falha na prestação de serviços da intermediadora das negociações têm gerado
discussões em nossos Tribunais, o que será detalhadamente visto no próximo
capítulo.
5.4 Excludentes de responsabilidade civil do fornecedor
O Código de Defesa do Consumidor prevê hipóteses que se ocorridas são
capazes de romper o nexo causal e excluírem a responsabilidade civil dos
fornecedores em casos de prejuízos dos consumidores.
Neste sentido, o art.12, §3º do CDC prevê, de forma taxativa, as hipóteses
de exclusão da responsabilidade do fornecedor, assim dispondo que:
” o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I- que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste e III – a culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro”.
Desta forma, como acima mencionado, não haverá responsabilidade quando
o produto não houver sido colocado no mercado, cujo exemplo clássico de
rompimento do nexo causal nesta hipótese é o caso de produtos falsificados que
trazem a marca do responsável legal ou produtos que foram roubados ou furtados e
lançados indevidamente no mercado.
Caso o acidente de consumo tenha se dado em razão de culpa integral do
consumidor não há que se falar em responsabilização do fornecedor, visto que não
há ligação entre a atividade do fornecedor e o dano sofrido pelo consumidor. No
entanto, se a culpa da vítima for concorrente, ou seja, se a mesma contribuiu para o
evento danoso, havendo um vício ou defeito preexistente no produto ou serviço, a
referida excludente não será aplicada. Assim, mesmo havendo culpa concorrente da
vítima, permanecerá o dever do fornecedor de repará-la.
33
Nessas hipóteses o Mercado Livre alega sua isenção de responsabilidade
com base na culpa exclusiva da vítima e na inexistência de defeito na prestação do
serviço.
A primeira hipótese é muito comumente abordada nos casos dos usuários
que se utilizam do sistema Mercado Pago. Ao receberem um e-mail falso indicando
o depósito do valor referente á transação efetuada, enviam o produto, sem
observarem as orientações dadas pelo site de conferirem se realmente o valor foi
depositado em sua conta no Mercado Livre. Na segunda hipótese, o Mercado Livre
entende que na prestação de sua atividade não há defeito algum, visto que cumpre
seu papel de intermediar as negociações, no entanto entende que não tem
condições de participar efetivamente das negociações, pois as mesmas são
realizadas somente entre as partes, sem a sua participação, principalmente quando
essas optam pela não utilização do sistema Mercado Pago.
35
6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SITES INTERMEDIADORES (MERCADO
LIVRE)
O ciberespaço, como já exposto anteriormente, se tornou ambiente fértil
para a atuação do comércio, no entanto, em virtude da ausência de lei específica
sobre o tema, surgiram divergências de entendimentos nos nossos Tribunais, o que
torna ainda mais insegura a reparação de um eventual dano sofrido.
Especial cautela deve ser tomada quando se trata da relação tema desse
estudo, qual seja, C2C - consumer to consumer, em especial sobre a
responsabilização dos sites intermediadores por danos causados aos seus usuários,
os quais se intitulam como mero local de encontro para pessoas que se interessam
em vender ou adquirir produtos por meio da Internet.
Em virtude de uma negociação virtual, as partes não mantêm contato
pessoal, o que facilita ainda mais a existência de fraudes e torna insegura a
transação a ser efetuada. Além disso, a possibilidade de enganos quanto ao produto
oferecido aumenta consideravelmente devido á falta de contato físico com o mesmo.
Diante deste cenário têm sido corriqueiros alguns problemas enfrentados pelos
consumidores, como a não entrega do produto ou do serviço adquirido, a entrega
em endereço diverso, a falta de pontualidade nessas entregas, o recebimento de
produto ou serviço diverso do adquirido, e, ainda, produtos ou serviços com vício ou
defeito.
Muitas vezes é impossível a identificação do vendedor ou comprador de um
produto ou serviço que se utiliza de sites de intermediação para efetuarem as
transações, o que vem gerando discussão sobre a real responsabilidade desses
sites por eventuais danos causados aos seus usuários.
Como já foi dito, ainda não há um entendimento consolidado em nossos
Tribunais sobre a imputação de responsabilidade civil aos sites intermediadores.
Devido à falta de legislação específica sobre o tema, por vezes os Tribunais
proferem decisões contraditórias. Assim, será exposto neste capítulo os
posicionamentos tomados nos julgamentos dos inúmeros processos envolvendo
este tipo de conflito.
No capítulo 3 deste trabalho já foi esclarecido o modo de funcionamento do
site Mercado Livre, é, no entanto, importante pontuarmos mais alguns detalhes.
36
Pessoas que se interessem em anunciar/vender e comprar produtos
ou serviços se utilizando do Mercado Livre devem se cadastrar no referido
site e para tanto, devem aceitar as condições impostas unilateralmente por
este em um contrato de adesão chamado de Termos e Condições Gerais de
Uso. Neste contrato o site tenta se eximir de responsabilidade alegando ser
um mero prestador de serviços de anúncios, não participando das transações
efetuadas por seus usuários e, portanto, não podendo se responsabilizar por
eventuais prejuízos causados aos mesmos.
Consta nos Termos e Condições Gerais de Uso a seguinte clausula:
O Mercado Livre não se responsabiliza, por conseguinte, pela existência, quantidade, qualidade, estado, integridade ou legitimidade dos produtos oferecidos, adquiridos ou alienados pelos Usuários, assim como pela capacidade para contratar dos Usuários ou pela veracidade dos Dados Pessoais por eles inseridos em seus cadastros. O Mercado Livre não outorga garantia por vícios ocultos ou aparentes nas negociações entre os Usuários. Cada Usuário conhece e aceita ser o único responsável pelos produtos que anuncia ou pelas ofertas que realiza.
4
A primeira tese de defesa alegada pelo Mercado Livre em ações de
indenização ajuizadas em seu desfavor é a de ilegitimidade passiva.
Aduz o site que não faz parte da relação jurídica on-line estabelecida entre
comprador e vendedor; que seus serviços têm a finalidade apenas de aproximar as
partes que desejam negociar através da Internet, oferecendo um local para que essa
aproximação ocorra. Afirma que sua atividade se assemelha aos classificados de
jornais impressos, que apenas oferece o espaço para a realização de anúncios, os
quais atraem os respectivos compradores, não podendo se responsabilizar pela
transação efetuada, já que não participa da negociação, e não tem assim, condições
de controlar os termos do negócio, nem a sua execução.
Diz que sua função restringe-se a proporcionar as negociações por meio do
espaço disponibilizado, cabendo-lhe apenas esclarecer as condições de uso do site,
consubstanciadas nos Termos e Condições Gerais de Uso, cabendo às partes
negociarem sobre forma de pagamento e a entrega da mercadoria, juntamente com
os demais detalhes, devendo o comprador e o vendedor serem responsabilizados
por eventuais danos ocorridos.
4 www.mercadolivre.com.br
37
Para sustentar com maior ênfase essa tese e aumentar a dificuldade dos
consumidores alcançarem êxito em suas ações, o Mercado livre alega que não há
relação de consumo entre as partes, visto que estas não se enquadram nos
conceitos de consumidor e fornecedor contidos no CDC, tendo em vista que as
relações C2C são realizadas por pessoas físicas que estão na mesma posição
jurídica, devendo, portanto, ser adotado o Código Civil, e por consequência, a teoria
subjetiva da responsabilidade civil, em que se deve comprovar a culpa do agente
causador do dano.
Neste ponto os estudiosos afirmam que em se discutindo a responsabilidade
do site intermediador, patente está a relação de consumo, visto que o Mercado Livre
se enquadra como fornecedor de serviços e seus usuários como consumidores
desses serviços. Efetivamente, não há como negar a prestação de serviço pois o
Mercado Livre auxilia a negociação entre o vendedor e o comprador, disponibiliza o
serviço de intermediador de pagamento (Mercado Pago) e cobra comissões pelas
vendas concretizadas, integrando a cadeia produtiva. Portanto, o posicionamento
jurisprudencial majoritário considera o Mercado Livre parte legítima para figurar no
polo passivo dessas ações.
Neste sentido, decisão proferida pelo colendo Tribunal de Justiça de Minas
Gerais:5
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. ANÁLISE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA PELA INTERNET. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PREJUÍZO MATERIAL. DEVER DE REPARAR. DANO MORAL. DEMONSTRAÇÃO. INOCORRÊNCIA.- Verificando que a causa de pedir da presente ação fundamenta-se na prestação de serviço defeituosa por parte da empresa demandada, não pairam dúvidas em relação à sua legitimidade passiva.- Evidenciada a falha na prestação dos serviços por parte da empresa ré, que não detectou prontamente a fraude eletrônica, evidenciado, ademais, os prejuízos materiais daí decorrentes, merece procedência o pedido de indenização.- A reparação por danos morais deve ser concedida somente nas hipóteses em que o evento cause grande desconforto espiritual, sofrimento demasiado, não podendo ser confundido com os simples aborrecimentos usuais do cotidiano.(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 2006).
A alegação de que a atividade prestada pelo site se assemelha aos
classificados de jornais sai prejudicada pelo fato de que o Mercado Livre é
5http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?tipoPesquisa2=1&txtProcesso=1002
4062460902001&comrCodigo=0024&nomePessoa=Nome+da+Pessoa&tipoPessoa=X&natur
ezaProcesso=0&situacaoParte=X&comrCodigo=0024&codigoOAB2=&tipoOAB=N&ufOA
B=MG&tipoConsulta=1&natureza=0&ativoBaixado=X&comrCodigo=24&numero=20&lista
Processos=10024062460902001&select=2
38
remunerado não só pelo anuncio ali realizado, mas também por uma porcentagem
sobre o valor das transações efetuadas. Nos classificados de jornal o preço é fixo e
cobrado apenas pelo anuncio, não tendo relação com o valor do negócio
eventualmente realizado. Assim, o fator remuneração acaba por enfraquecer ainda
mais a tese de ilegitimidade passiva.
Ademais, os defensores da imputação de responsabilidade civil ao Mercado
Livre alegam que tal comparação é descabida, visto que os sites intermediadores,
estão sendo amplamente utilizados em virtude do mundo globalizado,
diferentemente do que ocorre com os classificados de jornais, que geralmente
possuem alcance local e as partes negociantes se conhecem e podem manter
contato pessoal. O oposto se dá com os que se utilizam dos sites de intermediação,
que na maioria das vezes, sequer se conhecem ou sabem da procedência e da
existência do produto, tornando a transação muito mais arriscada.
Neste contexto, tem-se uma parte do acórdão proferido em uma decisão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul6:
A recorrente não figura como mera fonte de classificados, e sim, participa da compra e venda como intermediadora, havendo, assim, solidariedade passiva entre o recorrente e o anunciante. A parte demandada mantém um dos sites mais conhecidos da atualidade no que se refere à venda de produtos pela Internet. Seu lucro advém da intermediação pelas vendas ocorridas, sendo que este disponibiliza o espaço virtual para quem pretenda algo vender, cadastrando vendedor e comprador e estabelecendo mecanismos de segurança para que os envolvidos nas transações recebam aquilo pelo que pagaram ou entregaram (...). A parte demandada obtém lucro significativo com o serviço que disponibiliza e a partir daí deve responder por eventuais prejuízos decorrentes de fraudes que seu sistema de segurança não consiga impedir. ( BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. 2008).
Em relação ao fator remuneração, o Mercado Livre afirma que sua atividade
nada mais é do que aquela exercida pelos provedores de conteúdo. "Provedores de
conteúdo são os sujeitos de direito responsáveis por disponibilizar as informações
na Internet em espaço próprio ou de terceiros"7
A empresa, portanto, deve ser compreendida como fornecedora de serviços
de provedor de conteúdo, possibilitando a aproximação entre pessoas interessadas
em negociar produtos e serviços. Assim sendo, seu papel é permitir o acesso ao
6 http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc.
7http://jus.com.br/revista/texto/18489/responsabilidade-civil-dos-provedores-de-conteudo-de-
internet/2#ixzz2BZ2dfBnZ
39
site, efetuar o registro dos interessados, guardar seus dados, prestar as informações
necessárias para o uso de seu serviço e orientar seus usuários quanto aos
procedimentos adotados.
Desta forma, o Mercado Livre acredita que a percepção de remuneração por
um serviço prestado não é argumento suficiente para lhe imputar responsabilidade,
tendo em vista que normalmente os serviços de provedores visam o lucro e são
remunerados através de pagamentos de taxas ou mensalidades por seus usuários,
ou, em certos casos, os usuários nada pagam, mas o provedor é remunerado por
propagandas publicitárias.
Contudo, alguns juristas entendem que o Mercado Livre deve arcar com os
riscos impostos por sua atividade empresarial, justamente por entenderem que há
uma prestação de serviço, visando o lucro, e sendo assim, como o site lucra com as
transações efetuadas, deve zelar para que estas não causem prejuízos aos seus
usuários, prestando um serviço seguro e de qualidade.
Devido à vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, os que defendem
a imputação da responsabilidade civil aos sites de intermediação invocam, também,
a Teoria da Aparência. Esta teoria leva em consideração a percepção do
consumidor. Por vezes ele adquire o produto ou serviço por intermédio do site por
acreditar que este de alguma forma participa da relação de compra e venda on-line.
Tendo em vista que o site intermediador lucra com o êxito das negociações
ali iniciadas, pois quanto mais negócios realizados, maior o seu lucro, é interessante
para o site que as pessoas acreditem ser este um sistema seguro. Diante disso há
um forte apelo publicitário induzindo as pessoas a acreditarem e confiarem no
sistema comercial proposto.
Neste contexto, insere-se, ainda, o princípio da boa-fé o qual deve ser
interpretado conjuntamente com esta teoria, conforme previsto nos arts. 4º, inciso III
e 51, inciso IV, do CDC. Posto isto, os usuários não podem arcar com toda a
responsabilidade e prejuízo, sendo integralmente penalizados por confiarem em um
site que possui renome no mercado e vende a impressão de confiabilidade.
Deve ser levado em consideração que o consumidor jamais confiaria seu
dinheiro ou produto a uma pessoa que sequer conhece se a negociação não
houvesse sido intermediada por um site conhecido no mercado, o que causa no
usuário uma falsa impressão de segurança, vindo este a concretizar a negociação
40
em razão da confiança depositada no organizador das transações, ou seja, o site
intermediador.
Portanto, o prestígio e o renome do Mercado Livre muitas vezes é fator
preponderante para a efetuação das compras, o que deve ser considerado pelos
magistrados em suas decisões.
O Mercado Livre, como anteriormente já explicitado, ainda oferece aos
usuários o “Sistema de Qualificações” em que há um “ranking” de melhores
compradores e vendedores e os usuários acabam se orientando por este sistema
para efetuarem a compra e venda dos produtos ou serviços com aqueles que
possuem melhor qualificação. Assim, alguns defendem que não seria justo o
consumidor ter que arcar integralmente com os prejuízos sofridos se lhe foi
disponibilizado mecanismos que o levaram a acreditar que estava utilizando um
sistema seguro.
Desse modo, seria muito fácil para o site exercer sua atividade lucrativa e
sair ileso de todos os possíveis prejuízos e transtornos advindos das transações on-
line.
Neste sentido, entendimento jurisprudencial8:
Ementa: APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - COMPRA E VENDA PELA INTERNET - EMPRESA MANTENEDORA DE SÍTIO ELETRÔNICO DE INTERMEDIAÇÃO - FRAUDE - RESPONSABILIDADE - DANOS MATERIAIS DEVIDOS - DANOS MORAIS - MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A empresa, que mantém sítio eletrônico para intermediar venda pela internet e fornece informações no sentido de que os vendedores ali certificados são confiáveis, responde pelos danos materiais suportados pelos usuários que confiaram nas informações prestadas e foram vítimas de ações de falsários. O transtorno decorrente de descumprimento contratual, por si só, não enseja indenização por danos morais.(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 2010).
Outro fator relevante é a insegurança e o desamparo do consumidor se não
puder contar com a responsabilização do site por eventuais prejuízos sofridos, Isto
porque não se sabe, por exemplo, a identificação precisa dos negociantes, a sua
localização exata e nem sequer se o produto existe, o que tornaria quase impossível
o ressarcimento por qualquer dano ou prejuízo.
8http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=77AC74C
A7DEA63CFCF25290168A23528.juri_node2?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=0385462-15.2008.8.13.0071
41
A Internet, como se sabe, é um meio propício para fraudes, por isso,
constantemente surgem usuários se valendo de falsa identificação com o propósito
de prejudicar terceiros e sair ganhando com este ato desonesto. A única figura que
detém alguma estabilidade e credibilidade é o site de intermediação, pois apenas ele
reúne as condições necessárias para se proceder a fiscalização dos participantes da
transação on-line, o que resulta na obrigação de realizar um controle mais rigoroso
dos seus usuários a fim de prestar um serviço de qualidade aos que dele se utilizam.
Alguns entendem ainda, que, como o Mercado livre propicia um mecanismo
com a finalidade de gerar maior segurança às transações, o chamado Mercado
Pago, (seu funcionamento já foi explicitado no capítulo 3), os usuários que não se
utilizam dele não têm direito de cobrar indenização do site intermediador , haja vista
a menor participação do Mercado Livre na negociação das partes.
Deve-se ressaltar que a negociação direta realizada por muitos usuários
aumenta significativamente a possibilidade de haver prejuízos aos negociantes.
Toda a negociação ocorre sem a efetiva participação e controle do Mercado Livre.
As partes transacionam livremente sem a interferência do sistema de segurança
Mercado Pago, sendo o site, ao final, apenas comunicado do desfecho da
negociação. O Mercado Livre nesse caso não possui meios para intervir na
operação, e por isso, alguns juristas entendem que ele deve ser isento de
responsabilidade. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VENDA DE MERCADORIA. MERCADO LIVRE. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO VERIFICADA. INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS. 1. No caso em tela, a empresa ré atuou apenas como agenciadora das partes, aproximando compradores e vendedores por meio eletrônico, a fim de que aqueles possíveis interessados encontrassem determinados produtos ofertados por estes. O vendedor e comprador efetuaram as transações comerciais sem a intermediação da empresa ré, a qual apenas realizou a aproximação dos contratantes. 2. Nessa situação, as partes negociaram livremente, sem qualquer ingerência da empresa ré. Para que haja maior segurança na negociação entre ausentes, esta fornece o serviço Mercado Pago. 3. Inaplicável ao feito em exame a teoria do risco, porquanto a atividade desenvolvida pela ré, embora lucrativa, apresentava uma modalidade de negociação mais segura a seus clientes. Ora, se o autor optou pela negociação direta com o vendedor, mesmo lhe sendo possibilitada uma transação mais confiável, deve responder pelo risco do negócio assumido. 4. Danos morais. Somente os fatos e acontecimentos capazes de abalar o equilíbrio psicológico do indivíduo são considerados para tanto, sob pena de banalizar este instituto.
42
Negado provimento ao apelo.(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO
GRANDE DO SUL. 2008). 9
A corrente contrária defende, como explicitado anteriormente, que mesmo as
partes negociando sem a interferência do sistema de segurança Mercado Pago, pela
teoria da aparência e o princípio da boa-fé, bem como por todo aparato
aparentemente seguro oferecido aos usuários, o site intermediador deve ser
responsabilizado.
Grande discussão se dá também quanto às excludentes de
responsabilização civil, principalmente quanto á culpa exclusiva da vítima e o fato de
terceiro.
Argumentam os defensores desta tese, em que pese as regras protetivas
inseridas no CDC, o consumidor deve pautar sua conduta com um mínimo de
diligência.
O Mercado Livre deixa claro os procedimentos de segurança que devem ser
seguidos por seus usuários, e caso os mesmos não sejam observados pelos
consumidores, alguns magistrados têm entendido pela aplicação do art. 14, §3º,
inciso II, do CDC, ou seja, pela isenção da responsabilidade do fornecedor de
serviço, tendo em vista o rompimento do nexo de causalidade por comprovação da
culpa exclusiva da vítima.
O que corriqueiramente vem acontecendo é a seguinte situação: nas
hipóteses em que as partes optam por utilizarem o sistema de segurança Mercado
Pago, há fraude nos envios de e-mails, o que leva vendedor e comprador a erro, e
consequentemente, acabam por sofrerem prejuízos.
Nestes casos o usuário-vendedor recebe e-mail falso, em nome do Mercado
Livre, confirmando o depósito do valor do produto em sua conta o que faz com que o
usuário- vendedor envie o produto, sem, na verdade, haver depósito algum.
O site intermediador alega que os usuários possuem condições de conferir a
veracidade do e-mail recebido, visto que possuem dentro do site uma caixa de e-
9
http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=RESPONSABILIDADE+CIVIL.+A%C7%C3O+DE+INDENIZA%C7%C3O.+VENDA+DE+MERCADORIA.+MERCADO+LIVRE.+RESPONSABILIDADE+CIVIL+N%C3O+VERIFICADA.+INOCORR%CANCIA+DE+DANOS+MORAIS.+&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=
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mails permitindo ao usuário verificar todos os e-mails enviados pela empresa, bem
como o seu saldo pessoal no Mercado Livre. Aduzem ainda, que os usuários
cadastrados são orientados a agirem dessa forma para maior segurança do sistema.
Este entendimento se baseia na ideia de que o usuário não pode se guiar
apenas por um e-mail, haja vista a facilidade de fraudes em ambiente virtual. Sendo
assim é dever do usuário se certificar de que houve o depósito do valor do produto
em sua conta, sob pena de onerar excessivamente o site por situações que não
pode efetivamente controlar.
Neste sentido:
Ementa: APELAÇÃO- CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - VENDA DE PRODUTOS PELO SITE - FRAUDE- NÃO CONFERÊNCIA DO VALOR DEPOSITADO- CULPA DE TERCEIRO E DO CONSUMIDOR- DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. Em se tratando de relação de consumo a responsabilidade é objetiva. Todavia, não há responsabilidade se estiver excluído o nexo causal, em virtude de fato de terceiro e fato do consumidor. No caso em tela, a empresa ré intermediou, via internet, a venda do computador do autor. O autor foi informado, por e-mail, que o valor referente a venda do computador tinha sido pago ao réu. Diante da informação, e sem conferir a veracidade do email, enviou o computador ao comprador. Todavia, o e-mail era falso. Como o autor foi previamente informado que tinha o dever de conferir se o valor estava depositado e o não o fez, deve arcar com sua negligência. O réu não tem culpa pelo evento danoso. Assim como a culpa é de terceiro (fraudador) e do consumidor, a empresa ré não tem o dever de indenizar os prejuízos, nos termos do art. 14, § 3º , II do CDC.(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS
GERAIS.2010). 10
Nesta hipótese, os juristas que se opõem ao Mercado Livre entendem que o
site deve, sim, ser responsabilizado, visto que deve prestar um serviço seguro ao
consumidor, pois obtém lucro com o exercício de tal atividade. Portanto, aplica-se a
teoria do risco, ligada às relações consumeristas, bem como a teoria da aparência
anteriormente comentada.
Acreditam que o Mercado Livre disponibiliza um serviço muito frágil aos seus
usuários, passível de fraudes, o que pode ser considerado como defeito na
prestação de serviço. Vejamos:
Ementa: APELAÇÃO- ÔNUS DA PROVA- CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - VENDA DE PRODUTOS PELO SITE- AUSÊNCIA DE
10
http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0145.08.474582-0%2F001
44
PROVA DA CONTRATAÇÃO- TEORIA DO RISCO PROVEITO - DANO MORAL- CONFIGURADO- QUANTUM- PROPORCIONALIDADE. O ônus de provar a celebração do negócio jurídico é do réu, já que é impossível ao requerente provar que não efetuou o anúncio no site réu. A referida prova é tida pela doutrina como prova diabólica, já que trata de uma prova negativa no qual é impossível a sua produção. O sistema de contratação dos anúncios via internet é frágil, já que possibilita a fraude de terceiros. A culpa da empresa ré está configurada pelo fato de disponibilizar um sistema frágil de contratação que coloca em risco o direito de outrem. Trata-se da teoria do risco proveito prevista no art. 927, parágrafo único do Código Civil. Se o sistema disponibilizado falhou, a empresa de ré deve arcar com os prejuízos causados a parte, principalmente considerando que a mesma lucra pela venda realizada. Os danos morais estão configurados, já que o autor foi acusado de vender um aparelho celular e não entregá-lo, fato este que denegriu a honra do requerente. O valor da reparação por danos morais visa recompor o abalo sofrido. Deve ser arbitrado com proporcionalidade, tendo em vista a extensão do dano e as condições econômicas do violador do dever de cuidado.(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
MINAS GERAIS. 2010). 11
E, ainda:
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. ANÁLISE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA PELA INTERNET. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PREJUÍZO MATERIAL. DEVER DE REPARAR. DANO MORAL. DEMONSTRAÇÃO. INOCORRÊNCIA.- Verificando que a causa de pedir da presente ação fundamenta-se na prestação de serviço defeituosa por parte da empresa demandada, não pairam dúvidas em relação à sua legitimidade passiva.- Evidenciada a falha na prestação dos serviços por parte da empresa ré, que não detectou prontamente a fraude eletrônica, evidenciado, ademais, os prejuízos materiais daí decorrentes, merece procedência o pedido de indenização.- A reparação por danos morais deve ser concedida somente nas hipóteses em que o evento cause grande desconforto espiritual, sofrimento demasiado, não podendo ser confundido com os simples aborrecimentos usuais do cotidiano.(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS. 2008) 12
Cada caso levado ao Judiciário deve ser analisado isoladamente,
sendo observadas as suas peculiaridades. Mas, de modo geral, não seria
viável imputar responsabilidade ao Mercado Livre de forma indiscriminada,
pois tal situação dificultaria muito o exercício de sua atividade empresarial. O
correto é medir a responsabilidade do consumidor no evento danoso, e
conferir se este foi o causador do dano gerado a sí próprio, caso em que deve
arcar com os prejuízos sofridos.
11
http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0625.10.000297-5%2F001 12
http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0024.06.246090-2%2F001
45
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade encontra-se em constante mudança e evolui a cada momento,
sendo assim, o direito deve procurar se adequar aos novos conflitos sociais, a fim de
não desamparar aos que dele se socorrem.
O e-commerce se solidificou e caiu no gosto das pessoas, no entanto, o
direito brasileiro ainda não adotou uma posição sólida para os problemas advindos
deste tipo de comércio.
A modalidade de transação eletrônica intitulada C2C - consumer to
consumer, em que é usado um site de intermediação como o Mercado Livre como
meio de se efetuar as negociações virtuais, como vimos, teve grande ascensão nos
últimos tempos, tendo sido muito utilizada pelos consumidores. Porém, neste
contexto muito se discute sobre a responsabilidade dos sites intermediadores por
eventuais danos causados aos consumidores.
Não há uma legislação que trate especificamente sobre o assunto, e por isto,
nos casos de danos causados aos consumidores neste tipo de transação on-line
levados ao Judiciário, os magistrados têm proferido decisões em diversos sentidos,
e muitas vezes até contraditórias.
Saliente-se, que em que pese a dificuldade de uniformização das decisões
em nossos Tribunais sobre estes casos, a elaboração de uma lei específica sobre o
tema não seria uma solução. Isto porque o ambiente virtual se transforma com uma
velocidade incrível, e por isso, eventual norma neste sentido, rapidamente se
tornaria obsoleta. Sendo assim, os magistrados devem pautar suas decisões se
utilizando de normas gerais, como o Código de Defesa do Consumidor, se guiando
sempre pelos princípios gerais norteadores do direito.
Primeiramente é importante considerar que o Mercado Livre, como site
intermediador, presta um serviço aos seus usuários, na medida em que oferece um
espaço virtual para aproximação de vendedores e compradores e disponibiliza todo
um aparato para que as negociações aconteçam, sendo assim, perfeitamente
aplicável o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o site é considerado um
fornecedor de serviços e seus usuários consumidores destes serviços.
Desta forma, aplicável a responsabilidade objetiva, utilizada como regra no
CDC, em casos de danos causados aos seus usuários.
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O Mercado Livre não funciona como um mero classificado de jornais como
alega nas ações que figura como réu, ele efetivamente presta um serviço e não fica
totalmente alheio às negociações realizadas em seu espaço virtual. Neste aspecto,
importante ressaltar, que em caso de utilização do sistema de segurança exclusivo
do Mercado Livre, o Mercado Pago, o site participa ativamente das negociações, e,
portanto, não deve ser isento de responsabilidade em caso de danos causados aos
consumidores. Nestes casos o site vende credibilidade e faz com que seus usuários
acreditem que a transação será efetuada com sucesso e por isso, no caso de defeito
na prestação de serviço deve ser responsabilizado.
Ademais, fundamental considerar que o Mercado Livre lucra com as
transações efetuadas em seu espaço virtual, sendo assim, pela teoria do risco, deve
assumir os riscos advindos de sua atividade empresarial, oferecendo um mínimo de
segurança e proteção jurídica aos que subsidiam tal atividade lucrativa.
Há casos, no entanto, que não deve ser imputada responsabilidade civil ao
Mercado Livre, são os casos de inexistência de defeito na prestação do serviço,
quando os usuários não se utilizam do sistema de segurança Mercado Pago e
realizam a negociação direta, ou seja, apenas entre o usuário comprador e o usuário
vendedor, sem a efetiva participação do site intermediador. Nestes casos, o
Mercado Livre realmente funciona apenas como intermediadora de negócios, na
medida que não tem controle sobre as negociações. As partes transacionam
livremente, apenas comunicando ao site a efetuação do negócio. Como há um
serviço de segurança disponibilizado pelo site, o Mercado Pago, quando as partes
optam por não se utilizarem dele, agem de forma arriscada, devendo assumir o risco
de tal escolha.
Em relação às excludentes de responsabilidade civil, como fato de terceiro e
culpa exclusiva da vítima, o site intermediador cumpre seu papel de orientar a forma
de agir dos consumidores. Caso as instruções do site não sejam observadas pelos
usuários, e em virtude disso, sejam gerados danos aos mesmos, o site não pode
arcar com a responsabilidade de tal ato. Se assim fosse, seria admitir que o
consumidor poderia agir de forma arbitrária, e mesmo assim, seria protegido pelo
direito brasileiro.
Cada caso deve ser analisado isoladamente pelo Judiciário, destacando-se
que as decisões proferidas nos casos concretos devem sempre primar pelo fim
maior do direito, qual seja, a concretização da justiça.
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REFERÊNCIAS
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