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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 3 – nº 1 - 2009
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A Responsabilidade dos Administradores das Companhias
Jonas Páscoli 1
Maria Bernadete Miranda 2
Resumo
O objeto destas reflexões é o estudo sobre a responsabilidade dos administradores das companhias, pelos atos praticados em nome da sociedade.
Abstract The object of these discussions is the study of responsibility of the directors of the companies, the acts committed on behalf of society.
Palavras-chave: responsabilidade, companhias, sociedades anônimas. Key Words: responsibility, company, corporations.
1. Introdução
Os atos praticados em nome da sociedade, quando de acordo com a Lei e
os Estatutos Sociais, em princípio, não obrigam pessoalmente os
administradores. Essa regra geral prevista na Lei do anonimato comporta várias
exceções. Entretanto, outras Leis disciplinam a mesma matéria com poucas
variações ou ampliam a responsabilidade dos administradores. Neste trabalho, o
termo administrador abrange os membros do Conselho de Administração e os
Membros da Diretoria estes, acionistas ou não. O objetivo deste trabalho é
analisar a responsabilidade pessoal dos administradores pelos atos praticados em
nome da sociedade que representam. A preocupação do administrador não deve
ficar restrita aos interesses da companhia, pois muitas são as hipóteses em que
pode responder pessoalmente com seus bens particulares.
1 Graduado pela Faculdade de Direito de Itu, Especialista em Direito Processual Civil e Pós-
graduando em Direito Empresarial pela mesma Faculdade, Advogado em Boituva-SP. 2 Professora orientadora. Mestre em Direito das Relações Sociais, sub-área Direito Empresarial,
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Coordenadora e Professora do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Itu e Professora de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Mediação e Arbitragem da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis de São Roque. Advogada.
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2. Órgãos da Companhia
Em linhas gerais quando se fala em administradores da companhia está se
referindo aos membros do Conselho de Administração e principalmente aos
membros da Diretoria.
Para o assunto deste trabalho tem importância as atribuições da Assembléia Geral, do Conselho de Administração e da Diretoria.
2.1. Assembléia Geral
Segundo Maria Bernadete Miranda: “Assembléia Geral é a reunião dos
acionistas, convocada e instalada na forma da lei e dos estatutos a fim de
deliberar sobre matéria de interesse social. Ela é considerada o poder mais alto
da sociedade, por ter função deliberativa, que influirá inclusive, na administração
e nos próprios acionistas, pois, é através da Assembléia Geral que a vontade
social se manifesta.” (Miranda: 2008, p.126).
2.2. Conselho de Administração
Segundo Fábio Ulhoa Coelho “O conselho de administração é órgão, em
regra, facultativo. Trata-se do órgão colegiado de caráter deliberativo, ao qual a lei
atribui parcela da competência da assembléia geral, com vistas a agilizar a
tomada de decisões de interesse da companhia. Este órgão é obrigatório nas
sociedades anônimas abertas, nas de capital autorizado e nas companhias de
economia mista (LSA, arts. 138, § 2º, e 239).” (COELHO: 2007, p.20).
2.3. Diretoria
A primeira indagação a ser feita é se o diretor é um mandatário da
companhia, não tendo, portanto, quaisquer direitos trabalhistas, mas gozando de
certos benefícios estatutários ou se é um empregado, subordinado ao Conselho
de Administração ou à Assembléia Geral?
Quando e empregado passa a ocupar o cargo de diretor, existem quatro
orientações doutrinárias. A primeira diz que o contrato de trabalho será extinto,
pois o cargo de diretor é incompatível com o vínculo empregatício. A segunda diz
que o contrato de trabalho ficará suspenso durante o tempo em que o empregado
ocupar o cargo de diretor. A terceira diz que o contrato de trabalho será
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interrompido. A quarta diz que o cargo de diretor é plenamente compatível com o
vínculo empregatício.
A orientação do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido que o vínculo
empregatício é incompatível com o cargo de diretor. “O empregado eleito para
ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se
computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a
subordinação jurídica inerente à relação de emprego.” (Súmula Nº 269 do TST).
As observações feitas acima também servem para a hipótese do diretor
nunca ter sido empregado da companhia.
A indagação se o diretor é empregado ou não, é relevante no que se refere
a sua responsabilidade pela prática de certos atos. Não se ignora que até o
empregado pode ser responsabilizado por certos atos. Entretanto, a
responsabilidade do administrador é ampla e, em alguns casos objetiva. Se por
exemplo, um diretor financeiro deixa de repassar à Previdência Social as
contribuições sociais recolhidas do contribuinte, mas o faz por determinação do
Conselho de Administração, a quem está subordinado juridicamente, não pode
ser responsabilizado cível ou criminalmente. Mas, se não está juridicamente
subordinado ao Conselho de Administração ou à Assembléia Geral, significa que
tem poderes para a prática do ato e se não fizer poderá ser responsabilizado pela
omissão.
É inegável que é difícil compatibilizar a existência de vínculo empregatício,
com o cargo de diretor da companhia. Mas ainda que superada tal questão não
seria admissível responsabilizar o diretor empregado com a mesma amplitude do
diretor sem vínculo empregatício.
O artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que,
considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Para a
doutrina, quatro são os elementos identificadores do vínculo empregatício: a
pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. De se
gizar que os três primeiros elementos são compatíveis com o cargo de diretor.
Pensamos, porém, que a subordinação jurídica é, em principio incompatível com
o cargo de diretor. O diretor não cumpre ordens e tem autonomia para organizar o
trabalho e fixar seu próprio horário de trabalho.
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Na definição de Maria Bernadete Miranda “A diretoria é um órgão executivo
das deliberações dos acionistas ou do Conselho de Administração, e tem a
função de representar a sociedade. Não possuindo a sociedade o Conselho de
Administração, a diretoria, ao mesmo tempo, atua como órgão de deliberação e
órgão executivo. Como órgão de deliberação, fixa a orientação geral dos negócios
da companhia. Mas, a missão principal da diretoria é a prática de atos
necessários ao seu funcionamento regular.” (MIRANDA: 2008, p. 131)
E diante deste ensinamento, pensamos que o cargo de diretor é
incompatível com o vínculo empregatício. Se o empregado passa a ocupar o
cargo de diretor o contrato de trabalho ficará suspenso.
2.4. Conselho Fiscal
Neste trabalho não será analisado a responsabilidade dos membros do
Conselho Fiscal. Na definição de Fábio Ulhoa Coelho “O conselho fiscal é órgão
de existência obrigatória, mas de funcionamento facultativo, composto de no
mínimo três, e, no máximo, cinco membros, acionistas ou não.” (COELHO: 2007
p. 203).
“O conselho fiscal é colegiado destinado à fiscalização dos órgãos de
administração, atribuição que exerce para a proteção dos interesses da
companhia e todos os acionistas.” (COELHO: 2007, p. 204).
3. Deveres e Responsabilidades dos Administradores
São deveres dos membros do Conselho de Administração e da Diretoria:
diligência, lealdade e informação.
Interessa-nos neste trabalho a responsabilidade dos administradores,
principalmente a responsabilidade dos diretores da companhia.
O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que
contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão (artigo 158
– LSA). E se não se obriga pessoalmente significa que não pode responder pelos
atos praticados em nome da sociedade. Quem se obriga é a companhia que o
administrador representa. Pelos atos regulares de gestão, não pode ter seu nome
lançado no cadastro de devedores e também não pode figurar no pólo passivo da
ação proposta contra a sociedade. Não desnatura a regularidade do ato e nem
obriga o administrador, se não estiver previsto expressamente no estatuto da
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companhia conforme dispõe o inciso IV do artigo 143 – LSA, desde que não
extrapole das atribuições e poderes.
O administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar à
companhia ou à terceiro, ainda que dentro de suas atribuições, quando agir com
dolo ou culpa e, independentemente de dolo ou culpa quando desrespeitar a Lei
ou o estatuto social. É plenamente justificável que não se exija a prova de dolo ou
culpa na hipótese de desrespeito à lei ou ao estatuto social, posto que não seria
razoável que o administrador pudesse alegar ignorância da Lei ou do estatuto.
Quando o ato for praticado com irregularidade, desrespeito à lei ou ao estatuto
social e causar dano à terceiro, responderá a sociedade e o administrador.
A regra geral é que o administrador não é responsável por atos ilícitos de
outros administradores, salvo se negligenciar em descobri-los ou, se deles tendo
conhecimento, deixar de agir para impedir sua prática. Mas tendo conhecimento,
exime-se da responsabilidade pelos atos ilícitos praticados por outros
administradores, quando faça consignar sua divergência em ata da reunião do
órgão de administração ou não sendo possível, dela dê ciência imediata e por
escrito ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou
à Assembléia Geral.
Entretanto, os administradores são solidariamente responsáveis entre si
pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos
por Lei para assegurar o funcionamento normal da companhia ainda que, pelo
estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
Porém, em se tratando de companhia aberta a responsabilidade pelos
deveres impostos pela Lei para o seu funcionamento, fica restrita aos
administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de
dar cumprimento a estes deveres, exceto quando tenham conhecimento do não-
cumprimento destes deveres por outros administradores e deixarem de comunicar
estes fatos à Assembléia Geral.
Qualquer pessoa, mesmo que não seja acionista, administrador,
empregado ou prestador de serviços à companhia, responderá solidariamente
com o administrador, que com o fim de obter vantagem para si ou para outrem,
concorrer para a prática de ato com a violação da Lei ou do Estatuto.
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4. Responsabilidade dos Administradores pelas Obrigações
Tributárias
São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes às
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou
infração de lei ou dos estatutos, os administradores da companhia (artigo 135 –
CTN). O excesso de poder é a exorbitância no exercício de um dever previsto na
Lei ou nos Estatutos.
Também responde pessoalmente o administrador quanto às infrações que
decorram direita e exclusivamente de dolo específico contra a companhia. Vale
dizer, segundo Aliomar Baleeiro, “a responsabilidade será de quem cometeu a
infração – o agente – sem que nela se envolva o contribuinte ou sujeito passivo
da obrigação tributária.” (BALEEIRO: 1986, p. 494.) e nas palavras do mesmo
autor (p. 494): “mas entenda-se: a responsabilidade é exclusiva do agente quanto
aos efeitos das infrações (multa, inclusive moratória, se se apossou dos fundos do
mandante ou patrão e correção monetária). Mas o sujeito passivo continua
responsável pelo imposto devido por atividade, ato ou coisa que fez surgir a
obrigação tributária.” (BALEEIRO: 1986, p. 494).
Os atos praticados pelos membros da Diretoria com excesso de poderes
ou infração de lei, contrato social ou estatutos, não atingem os membros do
Conselho de Administração. Mas os membros do Conselho de Administração
poderão ser responsabilizados pela negligência na fiscalização dos atos dos
membros da Diretoria, posto que uma das atribuições do Conselho de
Administração é justamente a fiscalização dos atos daqueles (inciso III do artigo
142–LSA). Mas entre a responsabilidade pela negligência na fiscalização dos atos
dos diretores e a responsabilidade pelos atos destes, obviamente existe uma
grande distância.
E se é correto afirmar que os atos praticados pelos membros da Diretoria
com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, não
atingem os membros do Conselho de Administração, com mais forte razão pode-
se fazer a mesma afirmação quanto às obrigações tributárias, posto que estas
são descritas no artigo 153 do Código Tributário Nacional. Vale dizer, trata-se de
norma especial que tem aplicação não só quanto aos administradores das
sociedades anônimas. Conforme assevera Ives Gandra da Silva Martins: “Como
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se percebe, diferentes as dicções, diversas as responsabilidades, distintas as
obrigações. A própria hierarquia das normas é diferente. O discurso mercantil é
veiculado por lei ordinária. O discurso tributário, por lei com eficácia de
complementar, que não pode ser alterada por qualquer lei ordinária.No primeiro
comando normativo, claramente a responsabilidade diz respeito à ação comercial.
É, portanto, mais ampla, até porque também no direito privado a exegese é mais
elástica, lá não prevalecendo os princípios da estrita legalidade, tipicidade
fechada e reserva absoluta da lei forma.” (MARTINS:2009).
5. Responsabilidade dos Administradores pelas Obrigações
Previdenciárias
A responsabilidade dos administradores pelas obrigações previdenciárias
segue a disciplina prevista no Código Tributário Nacional. Vale dizer, recebe o
mesmo tratamento dado aos demais tributos. O artigo 13 da Lei n° 8.620/93
determinava que os acionistas controladores e os administradores, respondiam
solidariamente entre si e subsidiariamente para com a companhia, com seus bens
pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade
Social, por dolo ou culpa. O Supremo Tribunal Federal já vinha entendendo que
esta ampliação da responsabilidade dependeria de lei complementar. O referido
artigo foi revogado pela Medida Provisória nº 449 de 03 de dezembro de 2008.
Assim, aplicam-se às contribuições previdenciárias tudo o quanto foi dito em
relação aos demais tributos. Ou, em outras palavras, o administrador apenas
responderá pessoalmente pelas obrigações previdenciárias quando agir com
excesso de poder, com violação da Lei ou do Estatuto da companhia. Não é
demais lembrar que o dispositivo revogado, além de sua duvidosa
constitucionalidade, também afastava para fins tributários o principal traço
diferenciador das diversas espécies societárias, que é justamente a limitação da
responsabilidade dos sócios e dos administradores.
O artigo 168-A do Código Penal tipifica o crime de apropriação indébita
previdenciária a ação de deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e na forma legal ou convencional. Nas
mesmas penas incorre o sujeito que: deixar de recolher no prazo legal,
contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido
descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do
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público; deixar de recolher contribuições devidas à previdência social que tenham
integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à
prestação de serviços; deixar de pagar benefício devido a segurado, quando as
respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela
previdência social. A hipótese mais comum é o desconto dos salários dos
funcionários sem o repasse à previdência social. A ação do membro da Diretoria
que deixa de repassar estes valores dolosamente à previdência social está
tipificada como crime de apropriação indébita previdenciária, cuja pena vai de dois
a cinco anos e multa. O tipo não é punido a título de culpa, posto que ausente a
previsão expressa, nos termos do parágrafo único do artigo 18 do CP. É extinta a
punibilidade, se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações
devidas à previdência social, na forma definida na lei ou regulamento, antes do
início da ação fiscal. Nos termos do § 2º do artigo 168-A do Código Penal, se o
agente é primário e de bons antecedentes e tenha promovido, após o início da
ação fiscal e antes de oferecida da denúncia, o pagamento da contribuição
previdenciária e o valor do débito seja inferior àquele estabelecido como sendo o
mínimo para o ajuizamento das execuções fiscais. Pensamos, porém, que o
pagamento extingue a punibilidade, mesmo quando feito após o oferecimento e
recebimento da denúncia. Até mesmo após a condenação o pagamento deve
levar a extinção da punibilidade.
6. A Responsabilidade dos Administradores pelas Obrigações
Trabalhistas.
A Justiça do Trabalho, ao que parece tem entendido que a inobservância
dos preceitos trabalhistas configura hipótese de violação do contrato de trabalho.
“Sociedade anônima. A responsabilidade dos administradores,
conselheiros e diretores. Lei 6.404/76. Em se tratando de sociedades anônimas, a
regra é a de que os administradores são responsáveis pelos prejuízos que
causarem por dolo, culpa ou violação da lei ou do estatuto (o que extrai do art.
158 da Lei 6.404/76), responsabilidade que, por expressa disposição legal, se
estende aos conselheiros e diretores (art. 154 da Lei 6.404/76). A inobservância
dos preceitos trabalhistas configura hipótese de violação do contrato ou da Lei.
TRT/SP- Processo nº 02970073158.”
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“A aplicação à execução trabalhista da teoria da “despersonalização da
pessoa jurídica”, que permite a penhora de bens pessoais de sócios e
administradores para a satisfação de débitos deve ser aplicada apenas em
condições excepcionais. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro
Vantuil Abdala, ressalta a importância da penhora de bens dos sócios, mas
sugere cautela na aplicação. Notícias do Tribunal Superior do Trabalho.”
Pensamos que excepcionalmente pode o administrador responder pelas
obrigações trabalhistas. O artigo 50 do Código Civil permite em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, que os efeitos de certas obrigações sejam estendidos aos bens dos
administradores da companhia. Na Justiça do Trabalho convencionou-se
fundamentar a desconsideração da personalidade jurídica neste dispositivo do
Código Civil. Mas o artigo 158 da Lei do Anonimato também obriga o
administrador pessoalmente quando agir com dolo ou culpa e também quando
agir com violação da Lei ou do Estatuto.
7. A Responsabilidade dos Administradores perante os Consumidores
O artigo 20 da Lei nº 8.078, de 11 de dezembro de 1990, Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, estabelece que o juiz, poderá desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor,
houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também poderá ser
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. O § 1º do
referido artigo, foi vetado e estava assim redigido: “A pedido da parte interessada,
o juiz determinará que efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia
sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os
administradores-societários, e, no caso de grupo societário, as sociedades que a
integram.” As razões do veto do referido parágrafo estão assim redigidas: “O
caput do art. 28 já contém todos os elementos necessários à aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, que constitui, conforme doutrina
amplamente dominante pátrio e alienígena, técnica excepcional de repressão a
práticas abusivas.”
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Cabe indagar se o dispositivo aplica-se em toda a sua inteireza ao
administrador não acionista. Pensamos que a responsabilização do administrador
poderá ocorrer quando seus atos enquadrarem-se no artigo 50 do Código Civil ou
no artigo 158 da Lei do Anonimato, posto que o primeiro faz referência expressa
aos bens particulares do administrador e o segundo trata especificamente da
responsabilidade do administrador. O artigo 28 do Código de Proteção e Defesa
do Consumidor é mais abrangente e poderia haver entendimentos de que não
poderia, por si só, atingir o administrador.
8. A Responsabilidade dos Administradores perante os Usuários dos
Planos de Saúde
Estabelece o artigo 26 da Lei nº 9.665/1998, que dispõe sobre os planos e
seguros privados de assistência à saúde, que os administradores e membros dos
conselhos administrativos, deliberativos, consultivos, fiscais e assemelhados das
operadoras respondem solidariamente pelos prejuízos causados a terceiros,
inclusive aos acionistas, cotistas, cooperados e consumidores de planos privados
de assistência à saúde, conforme o caso, em conseqüência do descumprimento
de leis, normas e instruções referentes às operações previstas na legislação e,
em especial, pela falta de constituição e cobertura das garantias obrigatórias.
Neste dispositivo a Lei diz que a obrigação é solidária, todas as pessoas
indicadas podem figurar no pólo passivo da ação, incluindo-se os
administradores. Já o artigo 35-I, estabelece que responderão subsidiariamente
pelos direitos contratuais e legais dos consumidores, prestadores de serviços e
fornecedores, além dos débitos fiscais e trabalhistas, os bens pessoais dos
diretores, administradores, gerentes e membros do conselho da operadora de
plano privado de assistência à saúde, independentemente de sua natureza
jurídica. Pensamos que a única interpretação lógica é que os administradores
poderão figurar no pólo passivo da ação em razão do descumprimento das
normas legais por qualquer um deles ou por qualquer das pessoas relacionadas
na lei. Mas a subsidiariedade existirá no cumprimento da sentença.
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9. A Responsabilidade dos Administradores das Instituições
Financeiras
O artigo 39 da Lei nº 6.024/1974 estabelece que “os administradores e
membros do Conselho Fiscal de instituições financeiras responderão, a qualquer
tempo, salvo prescrição extintiva, pelos atos que tiverem praticado ou omissões
em que houverem incorrido.”
Já o artigo 40 da referida Lei estabelece que os administradores de
instituições financeiras, respondem solidariamente pelas obrigações por elas
assumidas durante sua gestão até que se cumpram.
A redação dos artigos referidos não têm precisão técnica. O parágrafo
único do artigo 40 aumenta ainda mais a dificuldade de interpretação ao
estabelecer que “a responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante dos
prejuízos causados.”
Não é justo equiparar o administrador da companhia ao sócio de uma
sociedade em nome coletivo ou ao sócio comanditado de uma sociedade em
comandita simples ou por ações.
Mas se é inegável que os artigos 39 e 40 da Lei nº 6.024/1974 altera a
própria natureza da Lei das Sociedades Anônimas também é quase impossível
chegar à outra conclusão que não a de que se trata de responsabilidade objetiva.
E neste sentido são algumas decisões dos tribunais:
"A responsabilidade dos administradores das instituições financeiras é de
dupla natureza: pelo artigo 39 da Lei 6024/74, respondem, segundo os princípios
da teoria subjetiva da culpa, pelos prejuízos que tiverem causado em razão de
sua ação ou omissão; a sua responsabilidade tem como pressuposto o ato ilícito;
ela é direta e pessoal; não subsidiária nem solidária; pelo artigo 40 da mesma lei,
respondem objetivamente, em razão do simples fato de serem administradores,
pelas obrigações da instituição, assumidas no tempo limitado de sua gestão; é
uma responsabilidade solidária e subsidiária. No confronto das diversas posições
assumidas sobre o ponto, alguns defendendo sempre e só a responsabilidade
subjetiva, outros, a objetiva, (...) a solução acima exposta parece a mais
adequada à evolução do nosso direito e às necessidades de manter a sanidade
do mercado." (STJ, Resp. 21.254-9-SP, j. 4.10.94, rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar).
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“A obrigação solidária da reparação dos prejuízos é imposta pelas normas
contidas nos artigos 39 e 40, da Lei n. 6.024, de 1974, aos administradores de
instituições financeiras independentemente da prática de ato ilícito e de dano
produzido por culpa ou dolo. Assim, a obrigação de ressarcimento dos prejuízos
causados sem a existência de culpa ou dolo nasce em função da anunciada Lei n.
6.024, de 1974, que se consubstancia em duas premissas, fruto da evolução do
instituto da responsabilidade civil, ou seja, a prévia aferição dos riscos criados
pelos negócios financeiros e o proveito obtido através do exercício desses
negócios. Dita responsabilidade, assim, decorre da função na sociedade, ou mais
especificamente, deflui da circunstância de estarem os administradores investidos
na gestão social da instituição financeira." (TJSP, Apelação Cível n. 195.317-1, j.
19.8.93, rel. Des. Melo Colombi, JTJ-Lex 150/88).
Portanto, entendemos que, não obstante não ser a melhor solução dada
pela Lei, a responsabilidade dos administradores é objetiva.
Entretanto, no que se refere aos tributos o artigo prevalece a norma o
Código Tributário Nacional. Nos termos da letra a do inciso III do artigo 146 da
Constituição Federal, compete à Lei complementar a definição de tributos, base
de cálculo e contribuintes. Os administradores responderão pessoalmente pelas
obrigações tributárias, mas quando agirem com excesso de poderes ou infração
de lei ou dos estatutos, (artigo 135 – CTN). Vale dizer, no que se refere às
obrigações tributárias a responsabilidade dos administradores é subjetiva.
10. Desconsideração da Personalidade Jurídica
São distintas a pessoa da sociedade e a dos sócios. Entretanto, situações
existem que, à semelhança do que ocorre com os bens alienados com fraude em
fraude de execução, os bens dos sócios e também dos administradores,
respondem pelas dívidas da sociedade.
A desconsideração da personalidade jurídica está prevista no artigo 50 do
Código Civil de 2002 e não implica em invalidar os atos praticados pelos
administradores ou a própria existência da sociedade, mas sim em considerar
ineficaz o ato praticado pelo administrador em relação ao prejudicado. A doutrina
há muito tempo trata do assunto. O antigo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de
1919, que disciplinava a sociedade por cotas de responsabilidade limitada,
atualmente denominada sociedade limitada, determinava em seu artigo 10, que
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os sócios-gerentes não respondiam pessoalmente pelas obrigações contraídas
em nome da sociedade; mas respondiam para com esta e para com terceiros
solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com
violação do contrato ou da lei.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser reconhecida na fase
do cumprimento da sentença ou na execução. A defesa mais adequada para o
administrador defender seus bens dos efeitos da desconsideração da
personalidade jurídica são os embargos de terceiro.
11. Execuções com Fundamento em Título Extrajudicial
O administrador não poderá figurar no pólo passivo da execução, exceto
se houver assumido a obrigação como devedor solidário. Entretanto, durante a
tramitação da execução o juiz poderá declarar a desconsideração da
personalidade jurídica da companhia, com fundamento no artigo 50 do CC.
12. Questões Processuais
Vamos analisar 4 hipóteses nas execuções fiscais:
1ª Hipótese: A fiscalização entende que o administrador deve se figurar no
procedimento administrativo e notificado para apresentar sua defesa. Após inclui
o administrador na certidão da dívida ativa. O Fisco inclui o administrador no pólo
passivo da execução fiscal. Nesta hipótese o administrador deverá propor
embargos à execução, no prazo de trinta dias, a contar da penhora, posto que
figura como devedor principal em solidariedade com a companhia;
2ª Hipótese: O administrador não integra o procedimento administrativo e
seu nome está incluído na certidão da dívida ativa. Deverá propor embargos à
execução – podendo inclusive alegar que houve cerceamento do direito de
defesa, considerando que não se permitiu a defesa no processo administrativo;
3ª Hipótese: Na certidão da dívida ativa sequer consta o nome do
administrador, mas seu nome consta na execução fiscal. Nesta hipótese deverá
interpor embargos à execução, posto que figura como devedor solidário com a
companhia;
4ª Hipótese. O nome sequer consta no pólo passivo da execução fiscal.
Mas ao constatar a inexistência de bens em nome da companhia o juiz determina
a penhora de bens do administrador. Penso que isto seria possível se o juiz
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declarar a desconsideração da personalidade jurídica da companhia. Nesta
hipótese o administrador deverá ingressar com embargos de terceiro.
13. Considerações Finais
É inegável a importância da empresa para a geração de empregos,
fortalecimento da economia do país e o desenvolvimento social. Deve-se limitar,
de um lado, a responsabilidade dos administradores (assim como dos acionistas)
pelos atos praticados em nome da sociedade com respeito às Leis, aos Estatutos
Sociais e, principalmente quando praticados com honestidade. Mas deve-se
também fazer com que os administradores respondam pessoalmente com seus
bens ou até com a privação de sua liberdade pelos atos praticados em despeito
às Leis aos Estatutos Sociais. Mas a responsabilização deve guardar
proporcionalidade com a gravidade do ato praticado. A Nação precisa que
pessoas criativas, inteligentes e honestas estejam à frente de empresas e
empreendimentos, mas não pode exigir delas a responsabilidade pessoal pelos
riscos do empreendimento. Se assim não for, estas pessoas irão procurar outras
ocupações abrindo espaço para os desonestos.
Referências Bibliográficas
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